Revisada por vênus. 🛰️ até o prólogo | aurora boreal 💫 do capítulo 1 em diante.
Atualizada em: 05/01/2025
— Merda! — praguejei e entrei rapidamente, apertando o botão para as portas se fecharem.
Assim que vi ele sumir, suspirei, soltando o ar que começou a pesar no meu peito. Apertei uma sequência maluca de números e desci logo no primeiro andar, optando pelas escadas. Me livrei da peruca, passando a mão no rosto para tentar amenizar a maquiagem, invertendo as amarras do biquíni, tentando eliminar qualquer coisa que pudesse me comprometer. Era loucura, já que meu quarto ficava na cobertura (o que, até aquele momento, ninguém sabia — na verdade, ninguém deveria saber que eu estava no Ritz, mas aparentemente isso havia deixado de ser segredo, já que o jornalista mais fofoqueiro do mundo das celebridades tinha me encontrado).
Já no terceiro andar, senti as pernas moles e tentei sair, mas ouvi vozes no corredor.
Inúmeros fotógrafos, lacaios de Adam Bandt, se espalhavam pelo andar. Voltei para a escadaria, escutando as vozes vindo de baixo, e corri mais. Porém, ao escutar o mesmo som vindo de cima, entrei pela primeira porta que encontrei — acho que do sexto andar. Ofegante como nunca, entrei no primeiro quarto aberto que tinha um carrinho de serviços na porta. A camareira estava no banheiro, cantando uma melodia que eu conhecia muito bem, e ouvir isso me fez sorrir minimamente, porém o meu foco em me esconder falou mais alto. Me joguei embaixo da cama e ali fiquei.
Além da voz não muito afinada dela, escutei algumas reclamações durante a limpeza sobre coisas de sua vida pessoal. Depois de um tempo, tudo ficou muito quieto, e senti que era seguro tentar sair. Porém, não seria tão simples.
— Eu já te disse que logo volto para Seul, e você não fez o mínimo esforço para vir até Los Angeles, Maggie! — uma voz masculina ecoou assim que comecei a me arrastar pelo carpete, me obrigando a voltar ao mesmo lugar e ficar petrificada. O sotaque carregado não trazia apenas o peso de um estrangeiro, mas também a sua frustração na conversa. — Quer saber? Faça como preferir, como sempre fez, mas depois não diga que eu te abandonei quando eu for embora!
Escutei o barulho forte de um suspiro pesado, cansado, típico de quem diz o que não quer e deseja sumir por segundos. Ou de alguém exausto de ser jogado entre opções e não escolhido. Parecia muito com o que eu vivia.
A empatia falou um pouco alto, mas eu não podia simplesmente sair debaixo da cama e dar minha opinião, por mais que eu fosse boa em fazer isso, em aconselhar (ao menos era o que as pessoas diziam sobre minhas letras e que Taylor Swift — sim, ela mesma — disse ser um ponto de vista verdadeiro do meu público). Me contive, segurando o máximo para não seguir com o lado empático e me expor.
Respirei fundo e fiquei debruçada no chão, me arrastando para o lado e tentando observar os passos dele ao erguer um pouco do cobreleito que quase barrava o chão. Vi seus passos indo para o outro lado do banheiro e pensei ser a melhor deixa para eu sair correndo. Saí rápido debaixo da cama e ajustei minha saída de piscina e o cabelo, olhando rapidamente o meu reflexo no espelho do banheiro que tinha a porta aberta.
Eu fui rápida. Realmente fui rápida. Preciso afirmar isso. Mas ele também foi, voltando para a frente da pia.
— Ah, merda! — ele disse assim que me viu pelo reflexo do espelho, se assustando e deixando o celular cair dentro da pia. Foi um desastre, porém um pouco engraçado, porque até fraco das pernas ele ficou e quase caiu ao se virar, tendo que apoiar no balcão, que estava molhado, aliás.
E com o berro de susto dele, eu também berrei assustada, erguendo as mãos em rendição. Meu cérebro trabalhando em lentidão.
— Quem é você? — puxou a escova de cabelo, apontando em minha direção. Ele segurava o cabo com as duas mãos trêmulas.
— Calma, eu-
— Você não é camareira. — constatou ao me medir de cima a baixo. — Eu te conheço?
— Não. — ao menos pude respirar aliviada, ele não estava me "reconhecendo", embora eu só estivesse sem a peruca e as lentes. — Felizmente não. — murmurei.
— Então o que você está fazendo dentro do meu quarto? Vestida assim...
— É um biquíni. Nunca viu um? — fiz careta com ultraje. — Biquíni e saída de praia. — segurei no tricô que cobria meu corpo parcialmente, pois era vazado e dava para ver tudo por baixo. Moda, não é mesmo?
— Claro que eu já vi um. E você ainda não respondeu! Vou chamar a segurança. — ele tentou procurar o celular olhando para trás.
— Eu entrei errado. Meu quarto é outro, mas... — pensei em algo rápido para não contar toda a verdade. — Eu confundi, tá bom? — revirei os olhos impaciente. — A porta estava aberta e eu entrei, vim usar o banheiro e a camareira estava aqui. Acho que quando ela saiu, trancou. Certamente eu não tinha como abrir, não é mesmo?
Devagar, ele foi abaixando a escova de cabelo, convencendo-se da minha resposta. Deixou o item em cima da pia e colocou as mãos na cintura, torcendo os lábios, pensativo e com uma careta.
— Você ouviu a conversa? — perguntou. As bochechas dele começaram a ficar rosadas, e ele já não me encarava mais da mesma forma que segundos antes. Agora parecia vulnerável. O coçar a nuca denunciou para mim sua inquietação pela vergonha.
— Não. Eu estava na sacada, não consegui escutar muita coisa, não. — menti. Pelo visto, ele poderia perder a moral se eu dissesse a verdade. O pior era que eu estava pensando — e muito — em dar conselhos a ele.
— Que bom. — os ombros dele caíram relaxados, e um meio sorriso escapou pelos seus lábios.
— Bem, já que você chegou, é melhor eu ir. Preciso encontrar meu quarto.
— Você não sabe qual é? — perguntou, confuso.
— Se eu te contar, você não vai acreditar... — ri sozinha. — Obrigada pela hospitalidade. Nos vemos por aí. — acenei para ele, já me prontificando para sair. Quando estava de costas, escutei:
— Espera aí! — não demorou e ele deu a volta em mim, parando à minha frente. — Você não é mesmo uma army?
— Por que eu seria do exército? Olha pra mim! — abri os braços, e ele olhou meu corpo novamente, ainda envergonhado por fazer isso. Somado ao sotaque, eu poderia dizer fácil que ele realmente era coreano, chinês ou japonês. — Eu não tenho a menor destreza pra isso.
Desta vez, foi ele quem riu, cruzando os braços. E quem fitou o corpo de alguém fui eu, já que, ao fazer isso, pude ter uma prévia da definição dele escondida por baixo do blusão com o "FG" estampado. Eu até poderia invocar meu lado e fazer ele ver que existe coisa melhor do que ficar se desgastando como estava fazendo para a pessoa no telefone.
Era o meu número, o tipo perfeito para me fazer revirar os olhos sem qualquer comentário em deboche.
— É, realmente, você não é uma army. — ele manteve o cenho franzido, mas um leve riso escapou por seus lábios.
— Não sou. E espero que isso seja algo bom. — ri, nervosa, e olhei para a porta atrás de mim.
— É ótimo. — escutei sua voz baixa e o olhei sem resposta, só então notando que estava na frente de alguém familiar.
— Bom, eu vou indo. Desculpa pelo susto… — acenei, dando passos para trás, a respiração ficando mais ofegante conforme minha mente foi trabalhando a imagem dele e reconhecendo sua fisionomia.
— Sem problemas…
— Te vejo por aí… — tateei a maçaneta da porta assim que a senti atrás de mim, abri e saí por fim, às pressas.
Respirei melhor quando me encostei na porta pelo lado de fora, mas não por muito tempo. Escutei alguém saindo da saída de emergência, e meu coração parou por alguns segundos.
— Achei você! — era Désirée, minha assistente. — O que houve? — ela segurava minha peruca e parecia preocupada.
— Ah, graças a Deus é você! — suspirei aliviada.
— Você tá pálida… Eu falei com Barteau. Eles conseguiram tirar Adam e todos os fotógrafos do hotel… Agora estão querendo processar o Ritz por sua segurança ter estado em ris-
— Désirée! — cortei o monólogo dela. Geralmente, quando em uma situação de estresse, ela entra em um modo automático de só falar e não ouvir. — A gente pode sair daqui? — olhei para a porta atrás de mim.
— Por quê? — ela estranhou. — Está tudo bem?
— Sim. É que… Eu… Eu entrei no quarto do Suga, o do BTS, pra me esconder. Se ele sair e me ver com você aqui… — deixei a fala morrer, e ela assentiu, entendendo.
— Dei o meu jeito, já disse. — Respirei fundo. Não podia, de jeito nenhum, contar que magicamente me “desmontei” e acabei dentro do quarto de um outro famoso.
Existia uma linha muito além de tênue em cima desse caso. O principal, para mim, era ele descobrir o quão boa eu estava ficando em sair de para o meu verdadeiro eu. Isso sempre me dava o luxo de me livrar de situações como a qual passei com Adam no Ritz. E, me esquivando disso tudo, eu causava menos problemas. Causando menos problemas, Barteau era um francês feliz, satisfeito e milionário sob minhas custas — mentira, ele também tinha o próprio mérito na minha carreira.
— Isso é muito vago.
— Não é não — insisti. — Deu tudo certo, não foi? — Senti e ouvi sua expiração. — Pois sim. Deu tudo certo e aquele pé no meu saco mais uma vez não conseguiu nada.
O silêncio no carro prevaleceu novamente.
Espiei o que Désirée estava fazendo ao meu lado em seu iPad, ela nunca estava sem ele, era quase impossível vê-la de mãos vazias sem estar ocupada com alguma coisa que Barteau (e, confesso, até mesmo eu) mandava ela fazer. Vi que estava acertando as contas com a costureira para o meu figurino do próximo grande evento do qual eu iria participar: o Super Bowl.
Dispenso qualquer explicação sobre a NFL, em meios mais práticos, o Super Bowl é a final do campeonato de futebol americano, e tem a tradição do intervalo carregar um grande show de até 15 minutos no total. Além de toda a paixão e competitividade carregada na final do campeonato, ainda tem a pressão em cima de um bom entretenimento trazido pela música dos artistas que se apresentam. Michael Jackson já fez sua participação lá em 1993 e nas listas recentes de melhores shows do intervalo mais assistido do mundo, sequer teve seu nome citado. Isso causa arrepios.
Como deixar o rei do pop de fora? O cara simplesmente revolucionou o mundo da música. Ele era expressivo demais. A própria personificação de “performer”.
Shakira e JLo são, para mim, o show recente mais imbatível. É difícil pensar em fazer tanta história como elas, mas eu preciso dar o meu melhor. Na verdade, não só eu. Depois de um longo período como patrocinadora do intervalo do Super Bowl, a Pepsi encerrou o contrato com a competição, então a partir desta edição, o grande patrocínio passará a ser da Samsung e Coca-Cola. E é daí que eu e meus parceiros de show do intervalos viemos.
O BTS é o grande embaixador da Samsung há anos e eu tenho feito meu caminho com a Coca-Cola — na verdade, a tem, a minha personagem da mídia, manipulada pela simples e sonhadora Maria; uma brasileira de dupla cidadania croata, que veio lá de Zagreb até o grande polo da música mundial, os Estados Unidos.
Simples assim.
Estávamos a caminho da reunião de criação do conceito da apresentação em algum prédio chique de Los Angeles, iríamos ter um encontro de equipes com o diretor criativo contratado em conjunto pelas diversas empresas representantes envolvidas (a minha gravadora, a do BTS e das duas patrocinadoras). Désirée estava um pouco nervosa, pois ela sabia que eu havia me metido dentro do quarto de um dos membros do grupo na tentativa de fugir de Adam, mas eu achava exagero, não existia a menor chance de ele me reconhecer sem as lentes e a peruca ruiva, ora com fios longos, ora curtos — sempre a depender do meu humor.
O carro logo parou em frente a um grande edifício de arquitetura nova, todo espelhado e preto; fomos liberados para entrar pela garagem subterrânea e então paramos na parte de embarque e desembarque.
— Tente ficar onde meus olhos conseguem te acompanhar. — Barteau disse antes de descer primeiro. — Os meus e dos seus seguranças — reafirmou.
Troquei um olhar breve com Désirée e revirei os olhos, ela apenas riu fraco. Desci meus óculos escuros em cima dos olhos e olhei meu reflexo rapidamente na tela do celular antes de sair do carro. Ao descer da van, pude ver outros dois veículos iguais se aproximando e parando atrás de nós em sequência; assim como comigo, alguns seguranças desceram primeiro acompanhados de outras pessoas de preto, com traços característicos asiáticos, antes de, o que eu julguei ser, os membros do BTS desembarcarem.
Fiquei um tempo parada, encarando a cena e toda a organização, até ver o rosto familiar de Suga, não só por estampar o mundo afora de tão famoso que o BTS era, mas devido ao nosso encontro uns dias antes. Ele estava de óculos de grau, roupa toda preta, quase se camuflando com seu pessoal, e o cabelo com apenas a parte de cima preso, já que os fios estavam enormes e quase chegavam em seus ombros.
Soube por alguns tweets no (agora) X que ele não cortava há alguns meses, desde que havia sido dispensado do alistamento militar obrigatório. Invejei ele brevemente pela força capilar que tinha.
— Se você não fechar a boca, vai babar, — Désirée sussurrou em meu ouvido e eu me assustei.
— Não sei do que você está falando. — Dei de ombros, um pouco envergonhada.
Escutei o riso fraco de Désirée e caminhei em sua frente, sendo guiada para a entrada até os elevadores. Como estava muito cheio de pessoas, não foi possível cumprimentar todos, principalmente os membros do grupo. Entrei no cubículo com meu agente, minha assistente e dois dos nossos seguranças, Barteau falava ao telefone com alguém sobre o ocorrido no Ritz, querendo saber o andamento do processo que foi movido contra o hotel pelo vazamento de informações da minha estadia.
Esse assunto estava me deixando altamente irritada e nauseada, na verdade, ter a minha privacidade sempre invadida e, mesmo quando eu era apenas Maria, viver sob todo o cuidado do mundo, era algo muito pesado. Não poder fazer isso ou aquilo sozinha, viver pisando em cima de ovos era completamente cansativo. E eu bem queria poder ter uma vida menos regrada e mais livre, embora reconhecesse a necessidade da cautela, afinal, isso foi algo do qual eu aprendi desde de pequena, com a ausência de alguns pontos em minha vida.
Assim que entramos no andar certo, fomos recebidos pelos representantes de todo o evento e o diretor criativo, sendo direcionados de forma organizada para dentro de uma sala enorme, arrumada com uma sequência de mesas fechando um círculo com todos os lugares nomeados — e cada um com um microfone e uma pasta com o logo do Super Bowl com os patrocinadores. Em volta haviam outras mesas com alimentos e bebidas.
Como de costume, Barteau fez a mediação e se aproximou primeiro do agente do BTS, enquanto eu me distanciei para a mesa cheia de coisas gostosas, e eles iam entrando um a um.
— Tem de tudo um pouco aqui, que legal. — Désirée se aproximou de mim, curiosa com as guloseimas. — Olha só, até paçoca!
Estreitei o olhar para ela.
— Uau, você ainda sabe o que é comer! — brinquei, devido ao fato de ela nunca ter pausas.
— Claro que sei. Assim como trabalhar, comer é uma das melhores coisas nesse mundo — ela retrucou, já com a paçoca fora da embalagem. — É trabalhando que eu consigo umas coisas gostosas assim, minha querida.
— Ela não está errada. — Escutei uma voz mais grossa vindo pelo meu ponto cego e me virei, vendo a figura mais alta de um dos coreanos, pelo o que eu sabia, seu nome artístico era RM. — Paçoca é uma delícia, embora um pouco enjoativa.
— Você já provou o pastel de Romeu e Julieta? — Désirée e sua simpatia foram antecipadas. — Impossível ir ao Brasil e não provar um.
— Não me lembro. — Ele sorriu cordial, mostrando suas covinhas. — Faz muito tempo que levamos uma turnê pra lá.
— É um pastel de doce de goiaba com queijo. Ao que parece, em algum momento da colonização portuguesa, eles desenvolveram essa beleza gastronômica para substituir a marmelada, o doce deles — expliquei, alcançando um macaron de pistache.
— Interessante. Vou tentar não achar isso estranho e experimentar. — Sorriu. — RM, do BTS. — E estendeu a mão para mim.
— Me desculpe! — Limpei a mão com batidas na roupa. — Muita gente assim me deixou confusa… E mal educada. — Ri fraco. — . Cafrey. E só eu. Não tem grupo — me apresentei tentando ser humorada.
— Eu sei — ele brincou e riu da minha piadinha nada a ver.
— É, eu também sei. Digo, sei que você é o RM do BTS. — Ri, sentindo o beliscão forte de Désirée em minha cintura. — Essa é a minha assistente pessoal, Désirée — os apresentei, notando a malícia no sorriso dela. De fato, RM era muito bonito e suas covinhas deixavam tudo mais difícil de ignorar.
Eles se cumprimentaram e eu me afastei educadamente, seguindo para o meu lugar. Estava muito cheio de gente, um pouco confuso para ir cumprimentar uns aos outros, então apenas sorri educada e fui em busca do meu próprio lugar, me distraindo com a mesa de bebidas. Um bom café jamais deveria ser ignorado.
E eu não fui a única nesse caminho. Diante da máquina, estava Suga e eu senti meu corpo todo estremecer com a memória do nosso breve encontro, com o medo de ele me reconhecer por alguma obra diferente do destino. Segui adiante mesmo assim, vendo-o focado em mover seus dedos freneticamente no que deveria ser uma mensagem para outra pessoa — revirei os olhos com a hipótese de ser a tal Maggie com quem ele discutia no outro dia. Assim que fui pegar minha caneca e cumprimentá-lo, alguém o chamou em coreano e ele foi pelo lado oposto, não me vendo. Ri sozinha em alívio e peguei o café, sentando à mesa em meu lugar demarcado.
— Eu vi. — Désirée, sentada ao meu lado, me provocou, baixinho.
— O quê? — Olhei estranho para ela.
— Você toda sem graça do lado do bonitinho ali. — Em seus lábios havia um sorriso malicioso escondido. — O que foi que te chamou a atenção nele, hein?
— Você só pode estar é doida, Désirée. — Revirei os olhos, soprando meu café. Ela continuou me encarando sem me oferecer qualquer moral. — Ah! Não é nada… Eu só fiquei preocupada de ele me reconhecer… Sabe… daquele dia…
— Uhum, sei — Désirée desconversou, voltando para seu iPad no exato momento que Barteau se sentou do meu outro lado. A reunião iria começar.
De repente, o ambiente se fechou em silêncio e, do outro lado que eu estava, Jacob Atkins, o diretor da minha última turnê, tomou o microfone em mãos. Ele seria o diretor de arte da nossa grande apresentação, afinal.
— Olá, pessoal! — ele iniciou e foi respondido em uníssono. — Eu sou Jacob Atkins e vou participar deste grande evento como diretor de arte, a direção criativa. A equipe da já está familiarizada comigo, afinal, trabalhamos juntos na última turnê mundial dela… — Jacob sorriu para mim e eu retribui, só então notando que ainda estava com os óculos cobrindo meus olhos.
Ao fazê-lo, meu olhar acabou cruzando com o de Suga, na verdade, eu vi que ele me olhava e, em terceira pessoa, eu poderia facilmente ser levada como mal educada por aquelas lentes escuras. Ele estava um pouco mais para o meu lado direito, do outro lado, e continuava me olhando, mas eu mantive minha postura — ou melhor, tentei manter.
Enquanto isso aconteceu, Jacob continuou sua introdução e eu precisei de ajuda da Désirée para retornar o rumo. Quando abri a pasta em minha frente, veio outra grande surpresa.
— Gostou? — ela perguntou, provocativa. A encarei feio antes de retomar meu olhar para o papel.
Meu nome estava escrito ao lado do de Suga diversas vezes — e grifado de forma personalizada —, com a orientação de que iríamos produzir todo o remix correto para aquela sequência de apresentações. Isso não era incomum para mim, que sempre gostei de participar diretamente das produções dos meus trabalhos, e eu sabia que, no mínimo, isso seria jogado em minha mão. Só não esperava que ele estaria representando o outro lado.
O resto da reunião foi um grande movimento de “vai ser assim”, “vai ser desse jeito”, “prefiro isto” e dentre outras opções de escolhas para definir tudo. E, como uma grande surpresa, Jacob sugeriu que tivéssemos uma faixa de transição da minha apresentação para a do BTS, afinal, seria dividido sete minutos e meio para cada um, e Suga disse que saberia escolher duas faixas, uma minha e uma deles, para fazer essa união. Eu não debati, afinal, me pareceu muito que ele sabia o que estava fazendo. E eu não era nenhuma idiota: todos eles ali tinham talento e eu vinha acompanhando de longe há anos; crescemos praticamente ao mesmo tempo nessa indústria.
No fim, Désirée era toda sorrisos maliciosos para mim e eu queria muito voltar logo para meu quarto de hotel e me enfiar dentro do travesseiro. Realmente estava com medo de ele ter notado qualquer semelhança ao meu “eu” desmontado.
Hannah Montana que me perdoe, mas essa história de melhor dos dois mundos é uma sacanagem.
Eu não sei dizer o que diabos estava acontecendo, mas eu tinha essa frescura de frio na barriga quando acordei de manhã. E isso durou por muito, até eu tomar um chá de camomila e pegar as rédeas da minha vida no caminho para o estúdio de uma filial da minha gravadora em Los Angeles, preparado para nos receber. Por “nós” quero dizer eu e Suga, iríamos ter o dia todo para trabalhar em um bom remix para a nossa apresentação.
— Bom dia, senhorita Cafrey! — fui cumprimentada por alguém desconhecido logo que entrei no prédio, tendo Désirée em meu encalço. Desde o episódio com Adam, ela recebeu ordens expressas de Barteau para não desgrudar de mim por um minuto sequer.
Cumprimentei de volta com um sorriso no rosto e segui para a sala que eu geralmente usava. Normalmente, eu gostava de fazer todo o meu processo criativo sozinha, vez ou outra, eu pedia socorro para Ryan, que, além de produtor, compositor e vocalista do OneRepublic, era um dos meus melhores amigos dentro da indústria. Trabalhar com Ryan era uma dádiva, pois foi ele quem me ensinou a maior parte das coisas que sei e sempre me direcionou a ter confiança em meu trabalho desde o momento que pisei em Los Angeles com o meu sonho e um velho francês rabugento tentando me ajudar.
Ryan também sabia sobre meu segredo. Ele sabia quem era a Maria e quem era a . E, por mais que eu tente me manter fiel à mim mesma, ainda que esteja sendo Cafrey, com ele eu sempre podia ser quem eu era de fato. Não fugir muito da minha própria essência; e eu gostava muito mais de produzir como Maria, as performances eram coisa da . Embora fosse de grande confiança, eu pedi para trabalhar sozinha desta vez, torcendo para que Suga também viesse sozinho, afinal, eu precisava sanar essa grande dúvida da minha imaginação ansiosa: ele havia notado alguma semelhança entre Cafrey e a estranha que estava escondida embaixo da cama de seu quarto no Ritz?
— Bom, vou te deixar sozinha, te trago o almoço e nos vemos quando terminarem. — Désirée, sem tirar a atenção do iPad, me lembrou, estávamos paradas diante da porta do estúdio 27.
— Você realmente não sabe se ele está sozinho? — choraminguei e ela negou. — Ele podia apenas me dizer…
— Ou você podia simplesmente esquecer isso. May, ele é um homem muito ocupado e não me pareceu nem um pouco preocupado com esse tipo de fofoca.
— É, você tem razão. Eu vou tentar não focar nisso e apenas trabalhar.
— Isso! Apenas trabalhe. Vai lá e faz o que você sabe fazer de melhor! — Ela sorriu e se virou de costas para mim depois de um aceno em "tchau".
Observei a partida de Désirée por mais algum tempo e então respirei fundo, inspirando coragem para entrar na sala. Quando meus pulmões me preencheram como dois escudos, eu forcei a maçaneta, entrando.
Lá estava ele, uma visão atraente e curiosamente acalentando o frio em meu estômago que vinha atormentando meus sentidos desde aquela manhã. Meu sorriso foi instantâneo quando ele virou o rosto para minha direção, visto que a mesa com os equipamentos ficava com a cadeira de costas para a entrada. Suga também sorriu e eu notei que o meu sorriso foi muito maior do que o esperado entre duas pessoas que mal se conheciam (na verdade havia essa intuição de que eu o conhecia mais, mas era apenas algo com sentido só para mim, até porque eu era muito ligada nas redes sociais; já ele, eu não sei).
— Ei! Você já chegou… — Tentei ser o mais natural possível, então notei que ele estava com o celular em mãos e o colocou de lado assim que entrei, como se eu fosse um tipo de autoridade.
— Não muito antes de você — ele respondeu, virando-se com a cadeira. — Me disseram que podia te esperar aqui. — Deu de ombros.
— Sem problemas. — Puxei a cadeira ao lado dele. — Então você já se enturmou… — me referi aos equipamentos, notando o computador ligado.
— Não tem nada muito novo pra mim aqui nessa sala. — Cruzou os braços, rindo um pouco fraco.
Tentei não tomar isso como uma "provocação", mas pareceu que havia um certo segundo sentido na fala dele. Ignorei, sentando e me aproximando da mesa. Talvez fosse apenas o medo de ele saber meu segredo falando mais alto e criando um outro sentido.
— E o que você já tem aí? — observei. — Está esperando alguém?
— Não, não. Eu gosto de trabalhar… Sozinho? — Ele franziu o nariz e eu ri fraco, achando graça.
— Te entendo. Mas se você quiser, podemos fazer como na época de escola: cada um faz o seu e depois a gente junta as duas partes — brinquei.
— Não tem necessidade. Eu tomei a liberdade e comecei alguma coisa… Acho que podemos usar um sample para unir as faixas… Criar alguma identidade.
— É uma ótima ideia. Vocês vão usar essas faixas? — Apontei para a tela do computador.
— Acho que fica um pouco atemporal. — Ele apontou para a última da lista deles. — Idol é sempre uma boa escolha para criar uma ponte entre uma música e outra. Você já ouviu ela?
— Já! — respondi mais rápido do que gostaria e raspei a garganta. — Sou uma fã. — Ri nasalado, em vergonha.
— É uma honra. — Cordialmente, ele curvou o corpo brevemente, e eu reconheci o agradecimento. — Mas, se eu bem me recordo, a gente meio que estreou na mesma época… Não foi?
— Mais ou menos. Quando vocês começaram a vir para os Estados Unidos, eu estava começando a performar. Mas já tinha produzido muitas coisas.
— Entendo…
O assunto pareceu morrer um pouco. Porém, a minha língua que nunca foi fã de parar dentro da boca, se soltou:
— Tive muita sorte de ter encontrando uma galera boa e ter sido impulsionada por eles. — Apoiei meu cotovelo direito na mesa, colocando o queixo em cima da palma. — Mas foi um caminho bem longo pra chegar até aqui… E ainda preciso continuar correndo como muita gente não faz, se eu quiser manter meu lugar.
Ele me encarou demorado, por mais do que trinta segundos, e eu me senti meio tola. Não era bem um assunto para aquele momento, talvez eu tenha me excedido e criado uma ilusão de um clima que não existiria: Suga estava ali para trabalhar, só isso, e eu querendo criar uma amizade com papo furado.
Era a Maria naquele momento, ela sempre tinha esses lapsos de querer ser um poço de razão e boas conversas.
Pelo meu constrangimento, me endireitei, porém, acabei esbarrando em uma caneta, derrubando ela para baixo da mesa. Rapidamente me impulsionei para frente, a fim de pegar o objeto que rolou no chão, mas de uma forma muito desengonçada. Ao voltar para cima, acabei batendo a cabeça no tampo da mesa.
— Ai! — reclamei, ouvindo um riso nasalado de Suga. Ele estava olhando para mim de forma fixa.
— O que foi? Não é nada elegante rir dos outros — comentei, mas sem muita reclamação.
— Você tem uma tatuagem igual a uma louca que entrou no meu quarto de hotel esses dias. — Cruzou os braços, parecendo nostálgico com a memória, porém nem um pouco incomodado. Engasguei com o ar. — Foi no mesmo dia que houve aquele problema com a sua segurança… Aliás, sinto muito por isso.
— Eu já estou acostumada — tentei dizer sem parecer carregar alguma culpa. — O pior eu deixo para os fãs malucos que sobem no palco. Amo todos os meus fãs, até os insanos, mas tem momentos que eu gostaria de poder pagar a terapia de todos eles…
Meu comentário fez ele rir. E foi de forma genuína.
E eu estava genuinamente incomodada com ele saber sobre minha tatuagem. Não era algo que eu poderia manter à vista, isso era coisa da Maria.
— Mas me conta… Maluca invadindo seu quarto no Ritz? — Me folguei mais na cadeira. — O que está havendo com aquele hotel, hein?
Suga me analisou por alguns instantes, passando a língua pelos lábios e braços cruzados.
— Você usou meu quarto para fugir do Adam? — Sua voz ecoou como uma raquete batendo em meu rosto. — Por que não me disse?
— Eu… — Minha voz sumiu. — Não sei do que está falando.
— Não levei a sério a história de não conseguir abrir a porta. — Ele se curvou, apoiando os cotovelos nos joelhos. — Fiquei um tempão pensando de onde você poderia ter surgido e que diabos estava fazendo ali. — Torceu um bico, esfregando uma mão na outra. Todos os seus movimentos não passaram despercebidos por mim, que sentia o suor escorrer por meu rosto. — E agora faz sentido. Seus olhos e a voz não são fáceis de esquecer…
— Obrigada? — Tentei soprar em riso.
— A tatuagem confirma tudo.
— Escuta-
— Já sei, não posso contar para ninguém que você tem um segredo. — Ele revirou os olhos, voltando a coluna para o encosto da cadeira. — Eu também tenho um e você ouviu.
Franzi o cenho.
— Maggie? — Ele assentiu e eu revirei a memória. — E que tipo de segredo ela é? Ninguém sabe sobre vocês ou ninguém sabe que você anda sofrendo na mão de alguém?
— Nenhum dos dois.
— Então não tem segredo, estou em desvantagem. Porque o que eu ouvi naquele dia foi alguém que está claramente apaixonado, mas não é correspondido. Ou você só quer mesmo ficar com ela e sua fod-
— Tá, tudo bem. Eu gosto dela — Suga me interrompeu no meu monólogo. Olhei para ele, cruzando os braços e pernas. — Mas é um pouco complicado. Enfim, estamos aqui para trabalhar na nossa apresentação. Certo?
— Certo. — Suspirei, não aguentando manter para mim mesma os meus próprios pensamentos. — Mas, escuta aqui, Suga. — Aproximei minha cadeira da dele, apontando o indicador: — Se ela não te dá valor, foge. Mulher quando quer, não fica fazendo esse tipo de doce…
— Doce? Que doce?
— É… Como posso dizer? — Olhei para o teto e voltei para ele. — Se fazendo de difícil.
— Hum — resmungou.
— Foda fixa você acha fácil. — Ousei dar dois tapinhas em seu ombro e afastei a cadeira. — Sobre meu segredo: é segredo. Simples assim. Se você contar pra alguém, eu vou saber. E se isso acontecer, eu acabo com a sua pose de homem da razão falando pra todo mundo que na verdade você é um pau mandado. Combinado? — estendi a mão, sorrindo.
Olhando da minha mão para meu rosto, ele apertou. Quando as nossas peles se tocaram, eu senti algo me dizendo no fundo que não seria a primeira vez. Talvez iríamos nos tornar amigos de segredo. Ou seja lá como isso poderia ser chamado.
Continua...
Nota da autora: Espero que goste dessa aventura que está por vir! Até a próxima.
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