Revisada por: Saturno 🪐
Última Atualização: Julho/2024.Do nada, o lugar parou de se mover e tremer. Ela pôde ouvir vozes vindas de fora. se levantou vagarosamente, tentando fazer as pernas funcionarem, e bateu a cabeça no teto de onde estava. Era muito alta para estar ali de pé.
O tampo se abriu, inundando o local com uma luz solar cegante. fechou os olhos para protegê-los e tirou os óculos para que pudesse colocar o braço sobre o rosto. As vozes ao seu redor falavam loucamente e ela não conseguia identificar o que diziam, mas sabia que eram masculinas.
— Bem-vinda à Clareira. Pronta para sair daí? — Disse uma voz feminina.
recolocou os óculos e olhou para onde vinha a voz. Era uma mulher de cabelos escuros e longos, a pele era branca, mas bronzeada. Os braços eram longos e majestosos, e a mão estava estendida em sua direção.
Sabendo que não tinha nenhuma outra opção a não ser ir com a mulher, agarrou sua mão e foi puxada para fora do local. Ao olhar ao seu redor, ela viu vários homens e duas mulheres, uma delas era a que lhe ofereceu ajuda. Mas isso não foi o que mais lhe chamou atenção, e sim as imensas paredes de concreto que os cercavam. Ela ainda não havia parado de tremer.
— Como você se chama? — A mulher perguntou-lhe.
— An… eu…
— Ela não se lembra, sua trolha! — Uma voz masculina falou no meio das pessoas.
— Cala a boca, Winston!
— Eu me lembro sim — disse. — Me chamo .
— , legal! — A mulher respondeu. — Eu me chamo Maíra! Vem, vamos sair de perto desses trolhos.
Trolhos? estava ficando cada vez mais confusa.
— Espera. Você pode me explicar onde estou? — perguntou a Maíra.
— É uma longa história e cheia de detalhes, mas, para resumir, isso aqui é a clareira, . E é sua casa agora.
sentiu um arrepio lhe subir pela espinha. Maíra pegou sua mão com carinho e disse:
— Vai ficar tudo bem, eu prometo. — E sorriu amigavelmente. — Agora vem, vou te mostrar o que nós chamamos de casa.
Maíra arrastou por todo canto. Apresentou-lhe os domicílios, a cozinha — e o cozinheiro, Caçarola —, a enfermaria, os jardins, o matadouro e o cemitério. Por fim, ela a levou até às grandes paredes de concreto, que tanto intrigavam .
— Bem, aqui é o labirinto — ela disse, colocando uma das mãos sobre o concreto frio. — Não vou mentir pra você, , isso aqui não é um lugar legal.
— Não parece ser.
— Realmente — Maíra disse, concordando. — Tenho que te advertir. Nunca, em hipótese alguma, entre aqui sozinha, durante a noite ou durante o dia. Aqui vivem as piores coisas existentes, os verdugos. — Maíra ficou extremamente séria nesse momento. — São monstros que você não vai querer ver, porque, se ver, provavelmente vai morrer. Se for picada… bem, seu destino não será dos melhores. Entendeu?
— Sim.
— Você só pode entrar aí se for uma corredora.
— Corredora? Como assim?
— É, bem, você vai ser testada pra tudo. Logo saberá.
Elas começaram a voltar para o domicílio quando um garoto chamou Maíra ao longe. pôde ver apenas que ele era alto, forte e tinha os cabelos escuros. Maíra, então, se despediu e foi correndo em direção ao garoto, deixando sozinha, perdida em todos os sentidos.
andou até um toco que estava ali por perto e se sentou, apoiando as costas nele. Ela abraçou os joelhos e ficou pensando sobre tudo o que estava acontecendo. Ela estava em um lugar que não fazia ideia do que era, mesmo depois das explicações de Maíra, presa dentro de enormes paredes que guardavam monstros mortais. Ela apertou ainda mais as pernas contra o peito. Não se lembrava de absolutamente nada além de seu nome, toda sua memória era de depois que acordara daquele lugar, que a levou até ali.
O chão, então, começou a estremecer. O coração de começou a bater loucamente. Ela levantou o olhar e viu as enormes paredes se movendo, se abrindo, e um grupo de garotos, e Maíra, correndo para dentro delas. Ela imaginou os monstros horríveis que Maíra dissera anteriormente passando pelas paredes e acabando com todos ali. Ela sentiu o sangue se esvair de seu rosto. Medo. Muito medo.
— Ei! — Alguém chamou. enrijeceu. — Novata! — Ela olhou pra trás e viu um rapaz alto, de porte atlético e loiro, mancando suavemente em sua direção.
Ele andou até ela e se sentou ao seu lado. observou seu rosto, uma pequena cicatriz lhe marcava a bochecha direita, havia rugas suaves de preocupação na junção das sobrancelhas, os cantos dos olhos tinham finíssimas linhas de expressão e ele sorria muito.
— Não precisa se preocupar com eles — ele disse, por fim. — São os melhores, logo estarão de volta. — apenas assentiu com a cabeça. — Eu sou Newt — ele disse e estendeu a mão para ela, que correspondeu ao ato.
— .
— Muito prazer, . Olha, eu vi você sentada aqui e quis te trazer um pouco de conforto, porque eu sei exatamente como é o que você está passando. Na verdade, todos aqui sabemos — ele disse e deu um sorriso amigável. — Todos chegamos à Caixa, assim como você, sem lembrar nada de nossas vidas antes dela, alguns custaram a lembrar o nome. Então, assim, nós entendemos você, e vai ficar tudo bem.
— Por que a Maíra foi lá dentro… ou lá fora?
— Ela é uma corredora. — Newt sorriu e viu muito carinho em seus olhos. — Uma das boas.
— Ela não me explicou o que é “ser uma corredora”.
— Bem, ela e os outros entram no labirinto todos os dias para mapeá-lo.
— Pra quê? Achar uma saída?
— Isso. Mas não é fácil, ele muda todas as noites, depois volta ao “normal” e recomeça o ciclo.
— Nossa — soltou, desanimada. — Você é corredor?
— Não, já fui, mas não sou mais.
— O que você faz?
— Eu ajudo na enfermaria — ele respondeu. — Você quer comer alguma coisa? Ou beber uma água?
só então percebeu como seu estômago estava vazio. Achava que tanta informação a desligara de si mesma. Então ela assentiu para Newt e ambos foram até a cozinha, onde encontraram Caçarola trabalhando concentrado.
— Caçarola, poderia arranjar alguma coisa pra comer? — Newt perguntou.
— Claro. — Ele pegou uma maçã do meio das outras e ofereceu a . — Aqui está.
— Muito obrigada. — agradeceu, pegando a fruta. — Não tinha percebido que estava com fome. — Ela riu sem graça e deu uma mordida na maçã.
Ela não sabia o que era a última coisa que havia comido, ou quando, mas a realidade era que aquela maçã lhe pareceu a melhor coisa do mundo. A doçura e a suculência logo lhe encheram a boca e inebriaram suas papilas gustativas. A fome fazia uma simples maçã parecer coisa de outro mundo. Newt e Caçarola a observavam comendo a maçã com um sorriso astuto no rosto, se divertindo com a cena e, talvez, se lembrando de quando eram eles na posição de .
— Nós sabemos, mas é divertido ver como vocês chegam famintos — Caçarola disse. — Mas olha, novata, não se acostume a pegar comida fora do horário, viu?
— Sim, senhor — ela respondeu, sem dar muita atenção, mas entendendo o recado.
— Vem comigo, , vou te apresentar aos outros! — Newt chamou, saindo da cozinha.
foi atrás do garoto loiro. Ele a levou até a enfermaria, que era uma edificação toscamente construída, de madeira. Os ângulos estavam fora do prumo, mas se aquilo estava de pé por todo aquele tempo, ela pensou não ter problema. Newt a guiou para dentro do prédio e foi a apresentando aos garotos que lá estavam. Ele explicou a ela que todos que trabalhavam ali eram chamados de Med-Jacks. Eles andaram por todo o espaço, Newt ia explicando a ela como as coisas funcionavam ali dentro e como ela poderia pedir ajuda, caso precisasse.
— E aí, trolha! — Disse um rapaz alto e de cabeça raspada, que ela se lembrou de Newt ter dito que chamava Jeff. — Gostou do nosso muquifo?
— E aí, Jeff? Vi que estava ocupado, então nem passei com ela por lá — Newt disse, cumprimentando o garoto.
— Tranquilo, cara! As coisas estavam meio feias mesmo, o ferimento parecia mais simples do que realmente era. Mas daqui a uns dias aquele fedelho fica bem.
— Entendi! — Newt respondeu. — Essa é a .
— Agora a Caixa deu pra mandar garotas não, é? Já é a terceira! — Jeff ponderou. — Muito prazer, trolha. Eu sou o Jeff.
— Prazer, Jeff — respondeu com um sorriso. — Quem é que se machucou?
— Gally, pra variar um pouco as coisas — Jeff respondeu e Newt revirou os olhos. — Ele não é muito amigo desse trolho aí, sabe? — Ele disse, apontando com a cabeça para Newt. — Na verdade, não é muito amigo de ninguém. Um poço de mértila. Mas aqui cuidamos uns dos outros, mesmo que esse “outros” seja o Gally e seus cães de guarda.
— Isso que eu chamo de espírito de comunidade — disse, prendendo os cabelos cacheados. — Mas estão bem certos. Esse tal de Gally faz o que aqui?
— Ele é guardião dos construtores — Jeff disse. — Eles que fazem os nossos prédios.
— Entendi. E como foi que ele veio parar aqui?
— Acidente com uma serra. A lâmina fez um belo corte no braço dele.
— Ai, deve ter doído bastante — exclamou. — Ainda bem que vocês fazem a desinfecção rapidamente! Imagina se ele desenvolve uma infecção, ou pior, se infecta com tétano. — Ela se arrepiou. — Um destino que não desejo a ninguém.
— Gostei dela, Newt! — Jeff exclamou. — Talvez seja um nova med-jack, ein, !
— Quem sabe? — Ela respondeu sem jeito, mas feliz por ter falado algo que agradasse.
— Seria bom ter mais alguém aqui, não é, Jeff? — Newt disse e o outro assentiu. — Vamos ver isso depois! Agora vou levar ela pra conhecer os outros.
— Até mais, Jeff! — se despediu e foi atrás de Newt.
O garoto loiro a levou por toda a clareira e lhe apresentou todos os outros clareanos, exceto os corredores, que não estavam presentes. Ele aproveitou e a levou ao dormitório para que ela pudesse achar um lugar para dormir. Depois ele a deixou só, pois precisava voltar ao trabalho.
foi então até os jardins. Ao fundo deste, havia algo parecido com uma floresta, ela então resolveu explorar. Ela tentou não atrapalhar quem estava trabalhando nas plantações, então passou sorrateiramente pelos cantos.
As árvores eram estranhas, quase como se não pertencessem àquele local, mas eram bonitas. Elas projetavam uma sombra aconchegante e a temperatura ali era ligeiramente mais baixa que no resto da clareira, mas era algo perceptível. ajeitou os óculos e se embrenhou floresta adentro.
Embaixo de seus pés, galhos e folhas secas estalavam. Ela viu algumas ervas que não conseguiu identificar brotando aqui e ali, e preferiu ficar longe. Era incrivelmente silencioso. A garota caminhou por alguns minutos até encontrar um pequeno arbusto com algumas amoras bem maduras, que ela achou que seriam de boa utilidade para Caçarola, então resolveu pegar algumas para levar de volta.
estava abaixada, catando as frutinhas, quando ouviu um galho se partindo em algum lugar ali perto. Aguçou seus sentidos e se levantou vagarosamente, o que quer que fosse poderia se assustar com movimentos bruscos. Ela guardou um punhado de amoras no bolso de sua calça e pegou um galho que estava caído perto de si.
O ruído havia cessado. Mas ela sentiu que ainda devia se manter atenta. E com razão. Logo os barulhos recomeçaram e dessa vez pareciam ainda mais próximos. pensou em subir em uma das árvores, mas logo desistiu da ideia ao ver que elas não seriam empecilho para o que estava fazendo o barulho. Ela segurou o galho com mais força e tentou se mover vagarosamente, sem fazer barulho. Mas um galho fino se partiu sob suas botas.
Nesse momento, do meio das outras árvores e arbustos, surgiu um garoto alto e moreno, correndo enfurecido em sua direção. Seu rosto estava marcado por veias saltadas e escuras, a pele estava extremamente pálida e os olhos vidrados nela. tentou acertá-lo com o galho que tinha em mãos, mas ele foi mais rápido, lançando-se sobre ela e a derrubando no chão. Ela pôde ver todos os dentes do garoto.
Com a adrenalina a guiando, ela deu um chute em seu agressor, empurrando-o e se libertando. Ela engatinhou até o galho, e quando estava para pegá-lo, o rapaz a puxou pela perna. Ela soltou um grito agudo com o susto, mas conseguiu desferir um golpe no rosto do garoto, que rugiu de raiva. conseguiu, então, pegar sua “arma” e se levantar correndo. Ela tinha plena noção de que não conseguiria correr e fugir dele, pois ele, claramente, era mais rápido que ela, então ela precisava dar um fim nele. Afinal, era ele ou ela. E escolheu a segunda opção.
O garoto de cabelos escuros correu em sua direção, com os dentes à mostra e um sangue escuro escorrendo de onde o havia acertado. Ela correu na direção oposta e se jogou atrás de um arbusto cheio e alto, se escondendo. A garota andou de gatinhas até achar uma pedra grande e pesada o suficiente para ser jogada contra o garoto. Ela o ouvia andando à sua procura. De repente, achou um buraco na folhagem do arbusto, e ali ela viu os pés do garoto e sentiu uma oportunidade.
A garota enfiou a mão pelo buraco e puxou, com força, o pé do rapaz, fazendo-o cair no chão. Ela se levantou e correu, para longe, esperando que aquilo fosse atrasá-lo, pelo menos um pouco. Mas estava errada. Sentiu um baque nas costas e caiu no chão novamente, batendo o rosto no solo e perdendo seus óculos. Uma dor aguda tomou forma em seu rosto. Mas ela não podia se preocupar com isso agora. O garoto havia se lançado sobre ela outra vez e agora portava uma pedra, muito maior que a dela, e estava pronto para acertá-la.
Do nada, ela sentiu o peso sair de cima dela e ouviu um grito. Se levantou às pressas e viu um outro garoto brigando com o seu agressor. Esse outro garoto pegou uma das pedras ali presentes e acertou o outro nas têmporas, o fazendo desmaiar.
— THOMAS! — O garoto gritou e um terceiro apareceu do meio da mata. — É o Tim, cara, ele fugiu. Isso tá fora de controle.
— Temos que tirá-lo daqui — Thomas disse. — Eu vou levá-lo — disse e o outro assentiu.
Thomas então colocou o garoto apagado nos ombros e saiu pelo lugar de onde veio.
— Você está bem? — O garoto restante perguntou a .
— Acho que sim — ela respondeu meio atordoada.
— Acho que esse sangue aí diz o contrário — ele disse, indicando com a cabeça. colocou a mão no rosto e sentiu o sangue quente descendo. — O que você estava fazendo aqui, garota? — Ele questionou meio bravo. não conseguia enxergar direito, então se abaixou e começou a tatear o solo à procura de suas lentes.
— Eu só vim conhecer — ele disse igualmente ríspida.
— Você não sabe que aqui não é dos lugares mais seguros? — Ele falou. Agora os dois estavam numa disputa de quem era mais grosso.
— Não, não sei, porque cheguei HOJE — ela disse, ainda em busca de seus óculos.
— Mértila! O que você tanto procura, fedelha? — O rapaz disse.
— Meus óculos! — Ela respondeu e continuou tateando o solo. Por fim, encontrou a armação ligeiramente torta.
se sentou e se pôs a desentortar a peça, enquanto o garoto a observava com cara de poucos amigos, com as mãos apoiadas nos quadris. Assim que conseguiu alinhar, a garota recolocou as lentes e, finalmente, pôde enxergar quem estava ali.
O garoto era alto e musculoso, tinha cabelos lisos e bem escuros, os olhos eram orientais e escuros como os cabelos. Seu rosto tinha angulações que combinavam muito bem entre si, mas estava carrancudo com a situação.
— Quem é você, hein, salvador da pátria? — Ela perguntou, limpando o sangue na manga da blusa.
— Quem sou eu? Quem é você?
— Meu nome é e, como já falei antes, cheguei aqui hoje! Babaca — ela disse no mesmo tom.
— De nada por ter salvado sua vida, sua fedelha! — Ele disse e saiu de perto dela.
se levantou, limpou as roupas e pegou as amoras amassadas em seu bolso. Ficou triste, pois realmente achava que Caçarola poderia fazer algo com elas, mas resolveu não se demorar ali.
— ! — Ela ouviu Maíra chamar e se virou na direção de sua voz. — Ai que bom que você está bem! — Completou e abraçou-a.
— Eu tô bem, Maíra, obrigada por se preocupar — disse, retribuindo o abraço. — Foi assustador, mas eu tô bem — falou e soltou a outra garota.
— Que que cê foi fazer lá, ? — Maíra disse com um tom de preocupação.
— Eu não sabia que era perigoso. Fui lá pra passar o tempo.
— Eu esqueci de te alertar, me desculpa — Maíra disse. — Mas o importante é que você tá bem, tá viva! — Ela disse e abriu um sorriso. — Agora vem, vamos dar uma olhada nessa sua cara, porque tá com um pouquinho de sangue — brincou e as duas riram.
Maíra e foram até um canto vazio e Maíra lhe entregou algumas gases e um pote com água para que ela pudesse limpar o rosto. Depois de tirar o excesso de sangue, percebeu que o sangue vinha de um corte no lábio e um corte na parte interna do nariz. Por sorte não tinha quebrado nada.
Ela mesma cuidou de seus ferimentos, higienizando-os com iodo e um pouco de água oxigenada. Ela tinha alguns cortes na parte interna da boca, então bochechou um pouco de água e passou água oxigenada nos maiores. Depois de todo o procedimento, Jeff apareceu:
— Já vi que não precisa de ajuda — comentou. — Mas estão precisando de você lá em cima.
— De mim? — perguntou confusa.
— Sim, o Tim quer se desculpar.
— Tim é o garoto que me atacou, certo? — Quis saber. Jeff afirmou com a cabeça. — Tudo bem, eu vou.
deu um tchauzinho para Maíra e saiu no encalço de Jeff. Eles subiram as escadas e entraram em um quarto movimentado. viu Newt, o garoto asiático, Caçarola, um outro rapaz — que ela supôs ser Thomas, pela cor das roupas —, Teresa e alguns outros garotos. Todos tinham uma expressão de pesar.
Na maca, estava amarrado o garoto que a atacara, Tim. Agora ele parecia ainda mais pálido, mais veias saltavam de seu rosto e corpo, todas escuras. Os olhos também tinham veias escuras, a boca estava sem cor. se arrepiou. Era assustador.
Ela se aproximou da maca e Tim a olhou fixamente. Ele estava chorando.
— Me... me desculpe, moça — ele disse entre soluços. — Eu não queria te machucar, mas eu não pude me controlar — ele falou com tanta verdade que quase chorou junto.
— Está tudo bem, Tim — ela disse e colocou a mão em seu braço. — Eu estou bem, você não me machucou — mentiu.
— Mas eu tentei… — ele disse e toda a sanidade sumiu de seus olhos. Ele começou a gritar e se debater na cama. Alguém agarrou por trás e a carregou pra fora do quarto. A porta foi fechada.
Seu coração batia rápido e sua mão estava gelada. Tim urrava dentro do quarto e se debatia fortemente na cama. quis ver quem a carregou pra fora, então se virou e viu o garoto que a havia ajudado anteriormente.
— Obrigada — ela disse com a voz fraca. Estava assustada com a mudança repentina de Tim. — Outra vez.
— Por nada — ele disse baixo, apoiado no guarda-corpo, cabisbaixo.
— O que ele tem?
— Foi picado.
— Picado?
— Sim — ele disse, levantando a cabeça e se virando para ela. — Foi picado por um verdugo há umas noites.
— Nossa… — soltou, lembrando-se do que Maíra havia dito mais cedo. — O que vai acontecer com ele?
— Vai ser banido ou enterrado — ele disse e uma sombra tomou seu rosto. — A propósito, me chamo Minho, me desculpe pela grosseria mais cedo.
— Tudo bem — disse. — Obrigada mais uma vez por me ajudar, tanto lá quanto agora.
— Não precisa agradecer — Minho respondeu e tentou dar um sorriso, mas a situação não estava sendo fácil para ele.
— Eu vou descer agora, acho que não posso ser útil aqui — disse. — Até mais, Minho — ela se despediu e ele apenas acenou com a cabeça e voltou para dentro do quarto.
Algumas horas mais tarde, anunciaram que Tim não tinha conseguido resistir. Fizeram então um simbólico enterro para ele no Cemitério. Apesar de não o conhecer, deixou algumas lágrimas rolarem. E, obviamente, após esse episódio, ninguém tinha clima pra muita coisa.
Depois de se banhar e trocar de roupas, foi até onde os Clareanos comiam pra pegar uma porção de algo para si. Caçarola havia feito um cozido de alguma coisa, com algumas outras coisas, e o cheiro estava ótimo. Ela se encaminhou para um dos bancos vazios, se sentou e começou a comer. Estava pensativa com os acontecimentos recentes, pensou em como seria Tim antes de ser picado e ficar naquele estado. Será que ele era um cara legal? Parecia ser. Ela se lembrou do momento em que viu a sensatez se esvair de seu ser, em como seus olhos mudaram de uma verdade profunda para uma loucura avassaladora. Ela se arrepiou ao lembrar.
Estava perdida em seus pensamentos, quando alguém se sentou ao seu lado. Era Teresa.
— Oi, Teresa.
— Oi, , por que está sozinha aqui?
— Eu queria pensar um pouco e não encontrei a Maíra, então preferi não me enfiar em rodinhas alheias.
— O Newt ficou bem mal com essa coisa do Tim. Eles eram bem próximos, ela deve estar com ele.
— Eles são um casal, certo? — perguntou e Teresa assentiu. — Dá pra ver o carinho quando falam um do outro.
— É, eles têm história — Teresa disse, dando uma colherada em seu cozido. — Sinto muito que tenha passado por tudo isso logo no seu primeiro dia.
— Uma chegada conturbada, não é? — brincou.
— Bastante! Mas é bom que tenha mais uma garota aqui. Quando era só eu, me sentia muito sozinha.
— Você foi a primeira?
— Sim, Maíra veio logo depois, e agora você.
— Vocês não são lá muito amigas, né? — perguntou.
— Não. Nós tivemos alguns problemas antes de você chegar, mas já foi tudo resolvido — Teresa respondeu, e não pareceu querer dar mais explicações.
— Entendi — disse e voltou a comer. — Teresa, isso que aconteceu com o Tim é algo corriqueiro por aqui?
— Não. Bem, desde que eu cheguei é a primeira vez que acontece, mas já rolou antes também. Mas não é frequente.
— Que bom.
— Eu gostei de ver o que você fez consigo mesma lá na enfermaria! Cuidou muito bem de todos os seus ferimentos, talvez queira trabalhar conosco lá.
— Obrigada! Eu acho que gostaria bastante, mas me disseram que vou ser testada.
— Vai mesmo, mas não precisa se preocupar, todo mundo tem seu lugar aqui! — Teresa falou com um sorriso amável no rosto. — Vou ficar muito feliz se você vier pra enfermaria, de verdade!
— Muito obrigada, Teresa! Isso me deixa feliz também — disse.
As duas ficaram ali comendo e conversando por um tempo, até que resolveram ir se deitar. Ambas estavam cansadas física e mentalmente, tinha sido um dia bem desgastante para todos.
— Bom dia! Posso entrar? — disse, batendo na porta aberta.
— Bom dia, . Entra aí! — Ele disse, sem tirar os olhos de suas tarefas. — Como você está, hein? Depois de toda aquela confusão.
— Dolorida, literal e figurativamente — disse, sem saber explicar exatamente como se sentia sobre Tim. — Estou triste por Tim.
— Eu também… — ele disse com a voz abatida. — Ele era um cara muito legal, não merecia passar pelo que passou. Acho que foi até melhor assim, melhor do que mandá-lo pro labirinto — ele disse e se virou para . — Vão te testar hoje, é? — Mudou de assunto.
— Acredito que sim — ela disse, dando de ombros.
— Será que temos uma corredora?
— Não, não temos, não — ela disse, rindo. — Não quero nunca entrar naquele lugar, Caçarola. E eu não corro muito também.
— Então não é igual à outra — ele disse. — Maíra logo quis ser corredora.
— Ela é bem corajosa, não é? — disse, e Caçarola assentiu. — Ela tem sido muito legal comigo desde que cheguei.
— Ela é gente boa, difícil não gostar dela.
— Teresa me disse que não são amigas. Você sabe o porquê? — perguntou, curiosa.
— Sei, e é por uma bobeira imensa! — Ele disse e soltou um riso debochado. — Quando Maíra chegou, Teresa achou que ela estivesse interessada no namorado dela, o Thomas, e teve um ataque de pelanca. Se não me engano, Maíra deu uma coça nela. — Ele soltou uma risada.
— Nossa, sério? — perguntou, rindo, o cozinheiro confirmou. — Que bobagem! Maíra e Newt formam um belo casal!
— Formam mesmo, se completam — Caçarola concordou. — Às vezes ficam de melação, mas tudo bem — comentou, fazendo rir.
— Vou deixar você trabalhar, Caçarola! Te vejo no café! — disse e saiu da cozinha, deixando o cozinheiro com suas panelas e facas.
Ela foi caminhando até o refeitório, onde alguns clareanos estavam acordando. Viu Maíra e Newt trocando carícias ao longe, Teresa e Thomas conversando do lado oposto e Jeff esfregando o rosto para acordar. Que coisa interessante era a Clareira! Um total experimento antropológico na visão de .
A garota de pele escura foi, então, se sentar em uma das mesas para esperar o café. Enquanto esperava, resolveu trançar o cabelo, ela sentia que o dia seria quente e cheio de tarefas. Estava distraída, trançando seus cachos, quando sentiu alguém se aproximar, olhou e viu que era Minho, totalmente equipado com seu traje de corredor.
— Bom dia, Minho — ela disse, amarrando um elástico na ponta da trança recém feita.
— Bom dia, . — Ele se sentou ao lado dela. — Como foi sua primeira noite?
— Não muito boa, devo confessar.
— Eu imagino, sua chegada foi conturbada.
— Foi mesmo — ela respondeu. — Não vou lhe perguntar sobre sua noite porque imagino que não tenha sido das melhores — falou, e Minho apenas confirmou com a cabeça. — Sinto muito, de verdade.
— Tudo bem, no fim isso ia acontecer de alguma forma — ele disse. — Eu vim aqui pra te perguntar sobre seu teste.
— Ainda não fiz, eu acho — disse. — Acredito que vou fazer hoje.
— Bom, serei o primeiro então.
— O primeiro a fazer o quê?
— Te testar — Ele disse e se levantou. — Vem comigo, vamos ver se você corre.
— Não corro.
— Eu vou dizer se corre ou não — ele disse com um pouco de rispidez, fazendo levantar uma sobrancelha desafiadora.
Ela se levantou e foi atrás dele. Ele a levou até uma das paredes, que estavam todas fechadas.
— Agora você precisa correr até o outro lado — disse seco.
— Tudo bem — ela respondeu no mesmo tom.
Ele deu o sinal e ela começou a correr. detestava correr, sentia as pernas arderem, os óculos nunca ficavam no lugar e seu corpo simplesmente não se sentia confortável. Apesar disso, ela venceu a distância em um bom tempo. Minho veio correndo em sua direção logo depois que ela terminou. Ele fez na metade do tempo. Enquanto ela estava bufando e se apoiando nas pernas, ele estava magnificamente bem, como se não tivesse feito nada.
— Você até que corre, mas não o suficiente — ele disse por fim.
— Eu avisei! Pra que me fazer correr tudo isso sem motivo? — Ela disse, se recompondo.
— Eu precisava te testar! Já te disse!
— Agora já testou e viu que eu não sirvo pra correr — ela disse, enfatizando a última parte. — E outra coisa, não vou entrar lá sem um motivo muito urgente.
— Sensata. Você não ia durar muito com esse seu preparo físico — Minho disse meio desdenhoso.
— Qual foi? Não gostou de mim, não, moleque? — perguntou com raiva. — Não aguenta ficar sem me criticar ou ser grosso comigo.
— Você é bem petulante! Chata pra caramba.
— Ai, Minho, sinceramente… — ela disse e saiu de perto dele, fula da vida.
Quem ele pensava que era pra ficar a tratando assim? Que cara mais volátil! Ela pensou. voltou para o refeitório e encontrou Maíra e Newt sentados em uma das mesas enormes.
— Posso me sentar com vocês? — Perguntou ao se aproximar do casal.
— Claro! — Maíra respondeu animada. — Conseguiu dormir?
— Mais ou menos, estou meio em choque ainda, sem contar as escoriações.
— Muita coisa pra um dia só, não é? — Newt disse.
— Com toda a certeza.
— O Minho já te testou? — Newt perguntou.
— Sim, mesmo eu tendo dito que não prestava pro cargo — disse e bufou. — E ainda falou mal do meu preparo físico! Quero ver se ele vai achar ruim quando eu der um soco bem dado naquela cara dele!
— Calma, mulher — Maíra disse, rindo. — Ele é meio assim mesmo, depois você se acostuma.
— Acho que não, viu? Não gosto de gente grossa de graça.
— Que tal fazer seu teste na enfermaria depois do café? — Newt disse, mudando de assunto. — Acho que é um bom horário, porque passamos em todos os que estão nas camas pra ver como estão.
— Por mim, tudo bem! — Ela disse mais animada.
Logo depois, Caçarola deu sinal de que o café estava liberado, então todos foram se servir. O grupo de corredores pegaram algumas coisas, colocaram em suas mochilas e logo foram para sua edificação de verificação de mapas. O resto dos clareanos, porém, ficaram por ali mesmo, comendo a deliciosa comida do Caçarola.
Depois de se alimentarem bem, Newt e foram atrás de Jeff e dos outros med-jacks. Depois que juntaram todo o grupo, eles pegaram algumas porções que estavam separadas para os pacientes e foram para a enfermaria.
Eles repassaram, antes de começar a ronda, o caso de cada um dos internados. Não havia muitos, mas ainda assim era um procedimento necessário. Quando chegaram à ficha de Tim, todos ficaram quietos e cabisbaixos e Newt tirou o prontuário e colocou em uma gaveta.
Dividiram-se em duplas para executar as tarefas. Newt e iriam fazer a ronda, para que ele pudesse vê-la trabalhando, Jeff e Tony iam separar e recontar os suprimentos, Teresa e Nick iam preparar alguns medicamentos à base de ervas.
Newt e se deslocaram então para o primeiro quarto, onde estava um dos slicers que trabalhava no matadouro, ele havia se acidentado um uma das ferramentas quando um dos carneiros avançou pra cima dele. Tinha um corte na barriga, nada muito grave, mas passível de infecção. Enquanto Newt conversava com o clareano, trocava o curativo e examinava o ferimento.
Logo depois, passaram por um dos construtores que tinha caído de um andaime e quebrou a perna. Não havia muito o que fazer, já que ele já estava imobilizado, então apenas observou Newt administrar os analgésicos.
O próximo foi Gally. Newt não entrou muito feliz no quarto. Como havia sido explicado anteriormente, Gally tinha se ferido com uma serra enquanto trabalhava.
— Bom dia, Gally — Newt falou secamente. — Algum incômodo durante a noite? Ou algo que eu deva saber?
— Óbvio que tive incômodo, seu trolho, quase cortei meu braço fora! — Gally disse grosseiramente. não gostou dele logo de cara. — Quem é ela? — Ele perguntou, apontando para ela com a cabeça.
— Essa é a , ela chegou ontem depois do seu acidente — Newt respondeu curto e grosso.
— Muito prazer, Gally — tentou ser o mais amigável possível.
— Igualmente — Gally respondeu com uma educação que a surpreendeu. — Estão te testando ou já é definitiva aqui?
— Em teste por enquanto — ela respondeu.
— Ei, Newt — Jeff disse, aparecendo na porta. — Precisamos de uma ajudinha aqui, você pode vir?
— Tudo bem pra você, ? — Ele perguntou e ela assentiu. — Então refaça o curativo e depois me encontre antes de passarmos para o Chuck, certo? — Ela assentiu novamente, e Newt saiu com Jeff.
— Vou precisar ver seu ferimento, Gally, com licença — ela disse e pegou o braço lesionado do garoto, que fez uma careta. — Desculpe por isso.
Ela desenrolou a gaze e a colocou de lado. Os pontos estavam bem vermelhos e inchados, sinal de infecção. Ela, então, pegou uma espécie de pinça comprida e, com ela, pegou um algodão limpo da mesa, molhou-o em iodo e começou a higienizar o ferimento de Gally.
— Você não é de falar, né? — Gally disse.
— Ah, é que eu estava concentrada, me desculpe — ela disse, sorrindo ligeiramente. — Seu ferimento está com sinais de infecção.
— Deve ser por isso que dói tanto — ele disse.
— Ou talvez seja porque você enfiou uma serra no braço, quem sabe? — brincou e Gally riu, para sua surpresa.
— Ou isso — ele comentou. — Parece que está quente.
— E está mesmo. Você devia ter dito isso ao Newt — ela o repreendeu.
— Aquele fedelho não sabe de nada! — Falou bravo.
— Sabe sim, Gally! Não é à toa que está aqui — ela respondeu. — Mas tudo bem, vou cuidar disso, depois relato pra ele — falou, ajeitou os óculos e continuou a limpeza.
— O que é isso aí que você tá passando no meu braço? — Gally perguntou, puxando assunto.
— É iodo, serve pra limpar o ferimento — ela respondeu, sem tirar os olhos de sua tarefa. — Acredito que vá melhorar isso aqui.
— Interessante — ele disse. — Quando você acha que eu vou poder sair daqui?
— Olha, eu não sei dizer — ela disse e colocou os equipamentos sobre a mesa, pegou um bálsamo anti-inflamatório e começou a aplicar com um novo algodão. — Eu não sei qual é a verdadeira extensão do seu machucado, mas acredito que logo poderá sair, se essa infecção não piorar.
— Não aguento mais ficar preso aqui — ele disse.
— Mas você chegou ontem, Gally — ela disse, rindo um pouco.
— Mas mesmo assim! Muito chato ficar aqui deitado fazendo nada.
— Eu entendo, mas você precisa ter paciência — falou e colocou o medicamento de lado, pegou uma nova gaze e começou a refazer o curativo. — Se essa infecção piorar, pode se espalhar, e você não vai querer isso. Vai ser um cenário bem pior que o atual.
— É mortal? Porque se não for, eu vou embora hoje.
— Se se espalhar, pode ser sim, então eu te aconselho a ficar aqui — ela disse, terminando de prender o curativo. — Meu trabalho aqui está feito. — Juntou todos os equipamentos. — Daqui a pouco devem trazer seu café, Gally! Até mais.
— Você podia trazer! É mais legal que o resto desses trolhos aí — ele disse e amarrou a cara.
— Não sou eu quem decide isso, me desculpe — ela disse e se retirou do quarto.
Ela não achara Gally tão ruim quanto haviam dito que era, ele tinha sido até legal com ela. Enfim, às vezes as pessoas se enganam. foi então encontrar Newt no depósito, onde os meninos organizavam os suprimentos. Ele estava conversando com Jeff.
— Oi, Newt, terminei lá — ela disse, lhe entregando os equipamentos na bandeja. — Acredito que o ferimento tenha infeccionado, está quente, inchado e bem avermelhado.
— Ah, mértila! Tinha que ser com o Gally? Queria dispensá-lo logo! — Ele exclamou. — Inclusive, desculpe por te deixar sozinha lá com aquele trolho.
— Tá tudo bem, foi tranquilo — ela respondeu.
— Agora vamos ver o Chuck — Newt disse. — Jeff, distribua as refeições, por favor — pediu e Jeff assentiu.
Os dois foram, então, para o quarto onde estava Chuck, um garoto de uns 12 anos, era o mais novo que vira até então. Ele havia contraído algum tipo de infecção alimentar por conta de algo que pegou pra comer nos jardins. Mas estava bem, então Newt apenas o advertiu e o liberou.
Depois disso, Newt levou até Teresa, para que ela pudesse lhe mostrar como eram feitos os medicamentos. Teresa era muito divertida e inteligente, gostava dela. As duas, e Nick, ficaram um bom tempo ali, preparando cuidadosamente cada um dos remédios. Teresa explicou sobre cada erva e pra que elas serviam, estava amando aprender.
Quando terminaram tudo, já havia passado da hora do almoço, então as duas foram até a cozinha ver se tinha sobrado algo para que elas pudessem comer. Caçarola lhes entregou suas porções e as enxotou da cozinha. As garotas foram então até o refeitório e comeram tudo o que tinham.
Depois disso, voltaram à enfermaria. Assim que chegaram, Jeff as alertou que outro slicer havia se ferido e pediu para que elas ajudassem. As duas o seguiram até a sala onde o clareano estava sendo atendido. Tinha sido um ferimento bem feio. Então todos os med-jacks e ficaram ali para ajudar.
O procedimento demorou a terminar, devido à complicação do corte, e quando eles conseguiram estabilizar o garoto e colocá-lo em um leito, já começava a escurecer. Os corredores já haviam voltado, as paredes se fechado e todos os outros clareanos já haviam terminado seus turnos de trabalho. estava morta de cansada, porém muito animada. O dia tinha sido incrível, tinha aprendido tanta coisa nova! E tinha se sentido útil.
Ela foi então tomar um banho e se trocar. Ela tinha ganho algumas roupas de Maíra e de Teresa, então tinha duas ou três mudas de roupa, mas ela decidiu que lavaria as roupas sujas assim que pudesse, pra não precisar ficar com roupas sujas de um dia para o outro. Ela lavou o cabelo e arrumou os cachos molhados.
Logo depois, se dirigiu até o refeitório. O clima estava bem melhor que no dia anterior, as pessoas conversavam e riam nas grandes mesas. Ela avistou Maíra sentada com Thomas e Newt em uma das mesas e foi se juntar e eles.
— ! — Maíra cumprimentou animada. — Como foi seu dia?
— Foi muito bom, cansativo mas bom!
— Newt disse que você fez um ótimo trabalho — Thomas comentou. — Acho que temos uma nova med-jack!
Nesse momento, Minho chegou e se sentou ao lado de , que fechou uma carranca na mesma hora, fazendo Maíra e Newt rirem.
— Minho, Newt admitiu a na enfermaria! — Thomas contou, trazendo o recém-chegado para o assunto.
— Que bom, porque pra corredora não serviu.
— Obrigada pelo elogio, Minho, foi muito gentil da sua parte — disse com todo o sarcasmo que tinha.
— Por nada. — Ele virou e sorriu igualmente sarcástico para ela.
— ... Eu não o achei tão ruim — disse depois de comer uma colherada de comida.
— Ah, eu também não acho os verdugos tão ruins — Thomas disse, fazendo-os rir. — Aquele cara é simplesmente intragável.
— Tenho que concordar com o Thomas — Maíra disse. — Ele foi especialmente babaca comigo.
— Babaca é elogio, Mai — Newt disse.
— Nossa, mas ele foi muito tranquilo comigo — disse. — Ele conversou comigo e tals, não me destratou em nenhum momento.
— Deve ser porque ele tá dopado — Minho disse, sem levantar os olhos da comida.
— Eu também diria isso, mas ele não está — Newt ponderou. — Vamos ver quanto tempo vai durar essa simpatia toda.
— Mas você já bateu o recorde, , que era de 5 minutos — Teresa disse e todos riram.
Depois que terminaram de comer, Newt, Teresa e foram até a cozinha pegar as refeições dos internados. Jeff se juntou a eles logo depois. Os quatro foram, então, de volta à enfermaria e se dividiram para entregar e monitorar os internados. ficou com Gally, já que ela não o achara tão péssimo.
Ela pegou a refeição embalada com cuidado e foi para o quarto em que estava Gally. Bateu na porta pra ter certeza de que ele estava acordado e disposto a vê-la.
— Entra! — Ele gritou lá de dentro.
— Boa noite, Gally — disse, entrando. — Vim trazer seu jantar.
— Boa noite… , não é?
— Isso! — Ela confirmou, colocando a refeição na mesa ao lado da cama do garoto. — Posso dar uma olhada no seu braço antes de você começar a comer? Quero ver como anda a infecção.
— Pode, tudo bem — ele disse, estendendo o braço para ela.
— Ainda o sente quente? — perguntou, enquanto se sentava num banco ao lado da cama.
— Não muito.
— Que bom! — Ela falou, desenrolando a bandagem e expondo o ferimento. Os pontos agora não estavam mais tão inchados e vermelhos, ainda estavam quentes e sensíveis ao toque, mas nada muito preocupante. — Nossa, está bem melhor! Acho que poderá sair amanhã depois da ronda.
— Ah, finalmente! — Ele exclamou aliviado. — Ouvi uma movimentação hoje mais cedo, o que houve?
— Um slicer se machucou bem feio — explicava, enquanto recolocava a bandagem. — Todos tivemos que ajudar, ele estava com muita dor e o sedativo não pegava.
— Quem foi? Você sabe?
— Acho que o nome dele era Kyle, mas não tenho certeza — ela respondeu, terminando de fechar o curativo. — Mas acho que ele ficará bem. Vai demorar, mas vai ficar bem.
— Que bom — Gally disse. — Gostei do seu cabelo — elogiou, pegando de surpresa. Ela sentiu sua face corando fortemente.
— An... muito obrigada — ela agradeceu. — Agora pode comer tranquilo, amanhã recolheremos os utensílios. E tente não dormir sobre o seu braço.
— Certo, muito obrigado, — ele agradeceu e se retirou do quarto.
Ela foi encontrar Teresa para que pudessem voltar pro dormitório juntas. Quando encontrou a amiga, ambas se retiraram da enfermaria e foram andando pela clareira até chegarem ao dormitório. Teresa foi encontrar Thomas e foi para seu cantinho.
No dia seguinte, acordou e foi conversar com Caçarola, como havia feito no dia anterior. Ele era uma boa companhia. Ambos ficaram conversando por alguns minutos até deixá-lo sozinho para trabalhar. Ela foi então para o refeitório esperar o horário correto do café. Viu Chuck passando e o cumprimentou. Enquanto não aparecia ninguém e nem liberavam o café, ela ficou sentada cutucando as cutículas e modelando os cachos compridos.
— Bom dia, — Thomas disse, se sentando ao lado dela.
— Bom dia! — Ela cumprimentou. — Onde está Teresa?
— Dormindo ainda, daqui a pouco ela aparece — ele disse. — Queria te falar uma coisa.
— Pode falar, Thomas, não precisa pedir — ela disse, rindo.
— Certo. — Ele riu. — Só queria te alertar sobre o Gally. Ele é muito volátil e pode ser bem perigoso, sabe? Já ocorreram alguns episódios bem... complexos com ele.
— Entendi, mas, sendo bem sincera, ele tem sido bem legal comigo, até elogiou meu cabelo ontem — ela contou.
— Nossa, eu não consigo imaginar ele sendo legal com alguém — Thomas ponderou. — Mas só fica atenta, tudo bem? E qualquer coisa, me fala.
— Certo. Muito obrigada pela preocupação — disse e sorriu agradecida.
Newt e Teresa chegaram logo depois. Thomas foi se encontrar com os demais corredores. Os três, então, tomaram seus respectivos cafés, conversaram sobre a ronda noturna e foram para a enfermaria.
Chegando lá, encontraram Jeff , Tony e Nick, já a postos. Dessa vez, foi para os estoques, já que ainda não tinha trabalhado lá. Ela foi com Jeff para o depósito, eles se sentaram no chão e começaram a contabilizar os elementos das prateleiras baixas. Depois etiquetaram tudo que havia chegado, separaram vários kits de uso único e tudo mais. Era um trabalho mais simples, mas era igualmente demorado. Portanto, finalizaram já no horário do almoço.
saiu do estoque com as costas doloridas. Ela saiu no “hall” e alongou o corpo, Jeff fez o mesmo.
— Cansou, amiga? — Teresa perguntou, saindo do “laboratório”.
— Ai, sim. Muita coisinha pra fazer — respondeu cansada. — Mas finalizamos tudo, então poderei fazer algo diferente depois do almoço.
— Isso! Acho que hoje vai ser tranquilo, inclusive. Newt liberou dois dos internados.
— Ah, que bom! — disse e pôde sentir a barriga roncar. — Teresa, vamos almoçar? Estou com bastante fome.
— Vamos! — Teresa disse animada. — Estamos indo, Jeff. Se precisar de nós, só chamar! — Passou o braço pelo de e as duas saíram pela clareira.
Ela foram rindo dos nomes que haviam dado para as ervas medicinais, conversando sobre as tarefas chatas de etiquetação dos medicamentos e coisas do tipo.
— Nossa, mas eu acho muito chato ter que separar bolinha por bolinha de algodão pra fazer os kits descartáveis — Teresa comentou, enquanto elas pegavam suas porções do almoço.
— É chato mesmo, mas infelizmente é necessário. Imagina só um rolo de algodão por kit? Iria acabar tudo com 3 pacientes — brincou e elas riram.
O algodão e alguns medicamentos vinham na Caixa, assim como os clareanos, Jeff explicara para anteriormente, portanto precisavam parcelar para durar até a próxima caixa.
As duas estavam sentadas, comendo e conversando, quando avistou, de longe, uma garoto alto, loiro e musculoso, com o braço em uma tipoia, pegando sua porção do almoço. Era Gally. Ela estava feliz em vê-lo bem.
— Não sabia que tinham liberado o Gally — comentou com Teresa.
— Ah sim, foi um dos que eu citei hoje mais cedo — ela disse sem dar muita importância. — Ninguém aguentava mais aquela cara dele lá — completou e deu uma risada.
— Estava contando a Thomas hoje cedo que ele elogiou meu cabelo ontem — contou à amiga.
— Poxa, amiga, mas só um idiota não acharia seu cabelo bonito! — Ela disse, fazendo ficar vermelha. — O Gally é idiota, mas não tanto.
— Aposta quanto que o Minho vai achar motivo pra falar mal? — disse, rindo.
— Não é possível! Ele é tosco, mas não é cego! — Teresa respondeu e elas riram.
Depois de almoçarem, elas voltaram à enfermaria e entregaram os almoços aos internados. O movimento estava tranquilo, então depois de pouco tempo, todos os med-jacks estavam sentados no gramado à frente do prédio, conversando e rindo entre si.
Como Teresa havia previsto, o dia foi muito tranquilo. Nenhum acidente grave, só um cortezinho ou outro, e nenhuma complicação com os clareanos, que já estavam internados. Então a tarde deles foi praticamente livre.
De noite, depois de tomar banho e lavar suas roupas, foi ao refeitório. Chegando lá, ela viu que estavam todos muito entusiasmados, mais que o normal. Ela parou um dos clareanos e perguntou:
— Por que tá todo mundo tão animado?
— Resolveram fazer uma festa hoje pra desestressar dos acontecimentos recentes — ele respondeu e saiu animado.
Uma festa? Uma festa! Iria ser ótimo pra fechar o dia. Ela logo se animou também. Ela viu alguns garotos construindo uma fogueira e foi lá ver se podia ajudar em algo.
— Oi, gente! Precisam de ajuda?
— Não, está tranquilo! — Alguém de fora de seu campo de visão disse.
— Se precisarem de algo, podem me chamar! — Respondeu.
— Obrigado — a mesma pessoa respondeu e agora ela havia visto quem era. Era Minho. — Acabamos de terminar aqui.
— Tudo bem, então — disse e foi saindo.
— Me falaram que soltaram o Gally hoje — Minho disse ao seu lado, fazendo-a se assustar.
— É, ele está bem melhor, então não tinha por que ficar lá — ela respondeu.
— E o Kyle, como está? — Minho perguntou, limpando as mãos nas calças.
— Ele está estável. Eu acho que ele vai ficar bem, mas isso vai demorar um pouco — ela explicou.
— Ele é gente boa — Minho comentou. — E você tá gostando de trabalhar lá? Nem te testaram pra mais nada.
— Gosto sim, é bem legal! — Ela disse animada. — Acho que me encaixei perfeitamente lá.
— Que bom — Minho disse. — Eu vou tomar um banho, depois a gente se vê — completou e saiu andando em outra direção.
achara muito estranho ter uma conversa saudável com Minho, mas não ia reclamar. Ela seguiu seu caminho para o refeitório, onde encontrou os dois casais, Newt e Maíra, e Thomas e Teresa. Ela os cumprimentou e os cinco seguiram para perto da fogueira para conseguirem um lugar confortável.
— Fiquei sabendo que o Gally que deu a ideia dessa festa — Maíra disse.
— É bem a cara dele mesmo — Thomas respondeu ao comentário. — Aposto que vão liberar aquela bebida.
— Nossa, é verdade — Teresa disse.
— Que bebida? — perguntou.
— É um fermentado alcoólico que o Gally inventou — Teresa respondeu. — É ruim, mas é bom, não sei explicar. Você tem que beber pra saber — ela disse e todos riram concordando.
Maíra e Teresa não conversavam muito, só o básico, mas se respeitavam e, caso uma dirigisse a palavra, a outra respondia. Para , era engraçado ver a dinâmica daquele grupo, os dois casais passavam o dia todo separados, por causa de suas rotinas diferentes, mas, sempre que estavam de folga, ficavam juntos e, apesar de Teresa e Maíra não se bicarem, Thomas e Newt eram melhores amigos, portando ambos também viviam juntos, o que forçava as duas garotas a sempre estarem juntas também.
A fogueira logo foi acesa e o fogo iluminou toda a área com uma luz quente e reconfortante. Caçarola havia feito alguns petiscos, que estavam espalhados pelo refeitório em grandes bacias, e já havia se juntado aos demais clareanos. A famosa bebida do Gally estava em uma espécie de tonel e era retirada com as conchas da cozinha.
pensou se ela e Minho não seriam como Maíra e Teresa, obrigados a conviver por conta de terceiros. Assim que o garoto se sentou, sentiu o cheiro de sabonete de ervas que ele exalava.
— É verdade! Acho que a última foi quando a Mai chegou — Newt comentou e deu um sorriso amoroso à Maíra, que entrelaçou seus dedos.
— Tanta coisa aconteceu desde então… — Minho comentou. — Quero beber alguma coisa, acho que vou lá pegar um pouco de bebida. Alguém quer?
— Eu quero! — disse. — Vou lá com você — completou e o garoto concordou.
Os dois se levantaram da grama a foram em direção às canecas enfileiradas na mesa.
— Como é essa coisa, hein, Minho? Eles não souberam me explicar — perguntou enquanto caminhavam.
— É difícil de descrever, acho que posso dizer que é... forte — ele tentou explicar.
— Vocês fazem parecer péssimo! — Ela comentou.
— Mas é péssimo! — Ele respondeu. — Mas ao mesmo tempo não é.
— “É ruim, mas é bom” — ela repetiu a frase de Teresa.
— Exatamente, você tem que experimentar pra saber — ele disse e sorriu. — Eu quero ver você provando!
— Por quê?
— Vai ser engraçado! Eu tenho certeza — ele disse e começou a rir.
Os dois pegaram suas respectivas canecas e as encheram com o líquido estranho do tonel. Minho deu logo uma golada e em seguida fez uma careta, fazendo rir.
— Sua vez! — Ele disse, ainda com uma careta suave no rosto.
— Tudo bem — ela disse e bebeu uma golada.
Ela logo sentiu o álcool queimando sua garganta, junto a um amargor explosivo. Minho desandou a rir quando viu a careta que fez e ela teve de rir também, afinal, ela imaginava como estava sua cara naquele momento.
— Eu SABIA que você ia fazer isso! — Minho disse, rindo.
— Acho que qualquer um que bebe isso faz uma careta das brabas! — Ela respondeu, rindo. — Mas olha, agora que passou o amargo, o gosto até que é bom!
— Sim, é por isso que é ruim, mas é bom — ele disse e os dois começaram a voltar para onde estavam os amigos.
Maíra e Newt não estavam mais lá, e Thomas e Teresa estavam se beijando. Então, Minho e deram meia volta e voltaram pra perto do refeitório.
— Desconfortável, não é? — comentou.
— Se acostuma, isso é bem comum — ele disse e sorriu debochado. — São as complicações de ser amigo de dois casais. Mai e Newt devem estar em algum canto se agarrando também.
— Justo — disse, rindo. — Ainda bem que não durmo perto deles.
— Eu também não — Minho disse e bebeu mais um gole de sua bebida.
— Olha, depois de alguns goles, não fica tão ruim! — disse sobre a bebida.
— Fica menos pior, não é? — Ele disse e ela concordou.
— Ela deixa a gente meio… leve.
— É o álcool, , o álcool! — Minho disse, levantando a caneca. — Um brinde ao álcool!
— Um brinde! — disse, brindando as canecas, e ambos beberam um gole logo em seguida. — Vamos pegar algo pra comer?
— Por favor! Não vai dar certo beber de bucho vazio — ele concordou e os dois saíram em direção às mesas com os petiscos.
Eles pegaram um prato e encheram com alguns dos petiscos disponíveis, depois se sentaram na grama para comer. Por incrível que pareça, os dois estavam se dando muito bem. Talvez fosse o álcool, mas Minho não fez nenhum comentário desnecessário sobre .
Ficaram um bom tempo ali, conversando, bebendo e comendo. Minho tinha se mostrado um cara muito engraçado, sempre tinha uma tirada sarcástica engraçada e era cheio de histórias. não se lembrava de muita coisa, mas compartilhava suas opiniões recém-formadas e as histórias recém vividas.
— Você é gente boa, ! — Minho disse em algum momento. — Eu gostava de te pentelhar pra te deixar brava, era engraçado, mas é mais legal trocar uma ideia contigo!
— Tá de sacanagem que você ficava naquela só pra me incomodar? — Ela disse indignada, mas não brava. — Quase te agredi por causa disso, sabia?
— Por causa do teste, né? — Ele disse, rindo. — Foi engraçado demais!
— Engraçado pra você, né? Porque eu fiquei bem bolada, seu trolho!
— Olha só, ela tá aprendendo a usar nosso vocabulário! — Ele disse e estendeu a mão para ela, que correspondeu o ato e ganhou um aperto de mão forte. — Meus grandes parabéns!
— Ai, Minho, deixa de palhaçada — ela disse, rindo. O álcool definitivamente estava fazendo seu trabalho, ela não tinha o riso tão frouxo assim.
— Um dia eu paro — ele disse e terminou de beber o conteúdo de sua caneca. — Agora eu preciso ir ao banheiro — comentou e se levantou. — Daqui a pouco que volto. — E saiu, deixando sozinha.
A garota ficou então ali observando os demais clareanos se divertindo. Ela ficou muito feliz de ver sorrisos nos rostos daqueles garotos, que nos últimos dias tinham perdido um amigo tão querido. Todos estavam altos com o álcool da bebida de Gally e as risadas altas eram ouvidas a todo momento.
estava refletindo sobre essas questões, quando alguém a chamou:
— Oi, ! — Era Gally. Ele estava com o rosto avermelhado por conta da bebida.
— Oi, Gally! — Ela o cumprimentou de volta. O garoto então se sentou ao seu lado. — Como anda o braço?
— Bem melhor! Graças a você! — Ele disse, com um sorriso no rosto. E corou.
— Olha, olha, hein. Não vai se esforçar demais e romper os pontos!
— Sim, senhora! — Ele disse e deu uma golada em seu copo. — Gostou da festa?
— Sim! Está ótima — respondeu. — Muito bom ver todos de bom humor.
— Foi ideia minha — o garoto se exibiu.
— Eu fiquei sabendo mesmo — ela disse. — Foi uma ótima ideia, por sinal! Gostei muito.
— Que bom que gostou — Gally disse, com um sorriso no rosto. — Digamos que é sua festa de boas-vindas.
— Oh, muito obrigada então! — Ela disse e soltou uma risadinha. — Engraçado pensar que cheguei tem tão pouco tempo, não é?
— É assim mesmo, aqui as coisas são bem intensas — Gally disse — Quando terminar seu primeiro mês, vai sentir como se estivesse aqui há anos.
— Verdade — disse e riu.
— Você parece diferente das outras duas — Gally disse, olhando ao longe.
— Como assim?
— Você parece mais simpática.
— Eu gosto delas — disse, defendendo as amigas.
— Eu não — ele disse e fez uma careta.
— Sua reputação não é das melhores também, viu? — disse. — Ouvi algumas coisas.
— Eu imagino, mas eu não ligo pra esses trolhos — Gally disse. — Toda ação tem uma reação, e eles tiveram a deles — completou.
— Nem tudo precisa ser assim, sabe? — ponderou. — Tem coisas que você pode simplesmente deixar passar, principalmente aqui, que estamos todos presos juntos.
— Eu não acho — ele disse. — Mas respeito seu pensamento. Talvez seja uma pessoa muito melhor que eu — falou e deu de ombros.
— Não sou melhor que ninguém e você também não é pior que ninguém, Gally! — Ela disse. — Eu gosto de você, é um cara muito legal! — Elogiou e Gally corou vigorosamente. — Olha aí, até tem a capacidade de ficar corado — ela disse e riu, e o garoto fez o mesmo. — Melhor rindo do que com uma carranca — disse e passou a mão na bochecha de Gally, que corou ainda mais, se é que era possível.
— Er... obrigado — ele respondeu encabulado. — Eu gosto de você também, sabe, você é legal.
— E aí, Gally — Minho disse com cara de poucos amigos, voltando do banheiro. — Veio perturbar a , seu fedelho?
— Não tá me perturbando, não. Acho que eu que estou o perturbando — disse e riu.
— De certo modo… — Gally ponderou. — Vou indo. A gente se vê, ! — Ele disse, se levantou e sorriu para ela. — Minho — cumprimentou-o com a cabeça e saiu.
— O que rolou aqui? — Minho perguntou curioso, sentando-se onde Gally antes estava. — Te deixei só por uns minutos e já apareceu um parasita.
— Que isso, Minho? — Ela disse e deu um soquinho no braço do garoto, brincando. — Deixa de ser amargo.
— Sou doce como mel, minha querida — ele disse sarcástico. — Não consegue ver? — Ele disse e se jogou no colo dela, com os braços esticados. — A pura doçura! — Completou e caiu na risada.
Ela pegou uma porção do mingau, ou seja lá o que era aquilo, uma maçã e foi se sentar em uma das mesonas. estava comendo, quando alguém se aproximou e se sentou do seu lado.
— Bom dia, . — Era Newt. — Dormiu bem?
— Bom dia, Newt — ela cumprimentou. — Dormi tão pesado quanto as paredes do labirinto, mas agora não posso dizer que estou cem por cento — contou e ele deu uma risadinha.
— Eu entendo, acho que vamos lidar com muita gente assim hoje! — Newt disse, rindo. — Não te vi muito ontem.
— Será por que, Don Juan? — ela disse, levantando uma sobrancelha sugestiva, e Newt corou. — Não vamos entrar em detalhes, certo?
— Certo — ele disse sem graça. — A última vez que te vi, você estava conversando com o Gally, muito amigavelmente. — Dessa vez, ele foi quem ergueu a sobrancelha.
— Ah, ele é muito divertido! Gostei dele — disse e a confusão cortou o rosto do garoto loiro. — Eu sei que vocês não se gostam, mas ele foi bem legal comigo.
— Não vou discutir, vai que ele resolveu mudar. — Newt deu de ombros. — Mas foi, no mínimo, curioso.
— Isso não sei. Afinal de contas, cheguei agora.
— Justo — Newt disse. — Vi você e Minho também.
— Você acredita que ele me disse que tava tirando onda com a minha cara? — contou indignada.
— Pior que acredito! É a cara dele fazer isso — Newt disse, rindo.
— Mas ontem nós rimos muito! Ele é muito palhaço — a garota disse, rindo de leve.
Os dois ficaram ali conversando até terminarem de comer, depois foram para a enfermaria. Como era de se esperar, muitos clareanos passaram por lá procurando algo que pudesse melhorar dor de cabeça, estômago ruim ou corpo mole, e o melhor era que cada um que passava por lá ficava um pouquinho para conversar sobre a noite anterior, o que rendeu boas risadas a .
O trabalho rendeu bem pouco naquela manhã, tanto pela quantidade de pessoas que passava lá o tempo todo, quanto pelo estado de espírito que os mad-jack estavam. De tempos em tempos eles paravam para beber água, se encostar numa parede qualquer, ou fofocar uns com os outros.
Quando deu a hora do almoço, todos foram juntos para o refeitório, sabendo que teriam muito o que fazer quando retornassem. Como de praxe, os corredores ainda não haviam voltado. ficou pensando sobre como estaria sendo o dia deles, tendo que correr sob o sol quente e com uma ressaca.
Depois de comerem, voltaram cabisbaixos para a enfermaria. A realidade é que todos queriam se encostar em algum lugar e tirar uma sonequinha, mas o dever os chamava. resolveu terminar de organizar o estoque sozinha, porque achou que iria render mais do que ficar com Teresa conversando o tempo todo.
A garota então se enfiou no estoque e começou a trabalhar. Guardava um frasco daqui, anotava uma falta dali… E assim ela ficou até o fim do turno. O estoque estava uma bagunça devido às retiradas que aconteceram durante o dia e não foram anotadas por falta de tempo e atenção, mas ela deu conta.
Saindo do estoque, ela encontrou Newt e Teresa conversando e se aproximou dos amigos:
— Acabaram por hoje?
— Sim sim — Teresa disse aliviada.
— O rendimento hoje foi baixíssimo — Newt disse.
— Realmente, demoramos o dobro do tempo pra fazer as coisas — comentou. — Mas pelo menos tudo foi feito.
— Sim, verdade — Newt concordou. — Ainda bem que não temos festas frequentemente! — ele disse e jogou as mãos pro céu, fazendo as duas garotas rirem.
— Ainda bem mesmo! — falou. — Agora eu queria tomar um banho, tô me sentindo imunda.
— E tá mesmo, sua fedida! — Teresa brincou e deu um soco fraco no ombro da garota.
— Fedida é você, sua trolha! — disse e saiu rindo da enfermaria.
foi então tomar seu merecido banho. Lavou os cachos volumosos e cada cantinho do corpo. Quando terminou, se sentiu renovada, limpa, fresca e aliviada. Ela foi, então, para o refeitório, encontrar os amigos e jantar.
Ela ficou impressionada com o quão cheio estava o lugar naquele dia, parece que a fome bateu mais cedo nos clareanos. Assim que chegou, ela encontrou Maíra com o olhar e foi se sentar com a amiga.
— Oi! Não te vi hoje! — Maíra cumprimentou logo.
— Dormi um tiquinho a mais hoje. Estava com uma dor de cabeça terrível hoje de manhã.
— Ah, pois eu também estava! Nossa, nunca mais eu bebo!
— Você fala isso TODA VEZ! — Thomas disse, se aproximando para se sentar com as garotas. — E toda vez você bebe — ele disse, rindo.
— Poderia dizer isso também, Mai, mas nunca é muito tempo! — disse e a amiga concordou. — Mas me contem, vocês dois, como foi o dia hoje?
— Péssimo — Maíra logo disse. — Só porque estávamos todos de ressaca, o sol resolveu ficar mais forte que nunca.
— E ainda esqueceram uma garrafa de água pra trás — Thomas complementou.
— Nota 2 pra nós — Maíra falou emburrada.
— Se conforta vocês, o nosso também foi de péssimo rendimento — contou. — Acreditam que esqueceram de retirar as baixas do estoque? Tive que ficar lembrando quem passou por lá e o que pegou.
— O álcool cobrando seu preço — Thomas disse. — Mas pelo menos acabou! Amanhã é outro dia, e hoje não tem festa.
— E aí, seus trolhos! — Minho disse alto, fazendo dar um pulo no banco.
— Oi, Minho! — disse.
— Aí o palhaço que esqueceu a água — Maíra dedurou.
— Nossa, mas vocês não me dão um minuto de paz, hein? Já pedi desculpas! — Minho disse, de cara amarrada, fazendo dar risada da situação.
— Que feio, Minho, deixando as pessoas com sede — ela provocou.
— Ó, não começa você também! — ele disse, fazendo todos rirem.
Aos poucos, os outros foram chegando e completando a rodinha de amigos. Naquela noite, eles deram muitas risadas e conversaram bastante. Foram dormir leves como plumas e com o coração um pouco mais morno de saberem que não estavam sozinhos naquele lugar terrível.
Nessa semana, ela conversou bastante com Gally, que frequentemente ia à enfermaria levar alguém — ou ele mesmo — devido a algum ferimento. Ela o achava um cara muito peculiar, ele tinha muitos segredos dentro dele — obviamente todos ali tinham segredos que nem eles mesmos sabiam —, mas ele tinha algo a mais, mas ainda assim era muito engraçado, fazia rir sempre e tornava as coisas mais leves pra ela. Porém, ela se incomodava com o fato de que, sempre que estavam conversando, não podia tocar nos nomes dos amigos, porque isso fazia Gally ficar desconfortável, e se, por acaso, algum deles chegasse quando eles estavam conversando, Gally se despedia e se retirava.
Havia muitas farpas soltas na Clareira. percebeu isso desde cedo e soube, também, que isso iria implodir a organização social que os clareanos tanto prezavam. Mas não havia muito o que ela pudesse fazer a respeito, afinal de contas, ela não era nem onipresente e nem onipotente, por mais que quisesse.
Certo dia, enquanto se dirigia para o lavatório para tomar seu merecido banho pós-trabalho, ouviu uma gritaria e foi correndo verificar o que era. Uma briga. No refeitório. Ela não conseguia ver direito quem é que estava se engalfinhando no chão, mas se enfiou no meio para tentar separar:
— Vou te arrebentar, seu babaca! — um dos garotos berrava, enquanto tentava o separar do outro. Era Minho.
— Quero ver tentar! — o outro respondeu aos gritos. Era Gally.
Levando em consideração que os dois garotos eram os maiores e mais fortes de toda a clareira, parecia uma missão impossível separá-los. Até que levou uma cotovelada no rosto e caiu no chão. A briga parou instantaneamente.
— Você tá bem? — Minho correu até ela, com o supercílio cortado e sangrando. A cotovelada tinha vindo dele. — Me desculpa, foi sem querer! De verdade, não era minha intenção te acertar, de nenhuma forma! — ele se desculpava, mas a cabeça de estava um pouco fora de órbita e ela não conseguia responder.
— Sai de perto dela! — uma voz feminina gritou e Minho saiu da visão de . — Amiga, você está bem? — Era Maíra. Ela segurava o rosto de nas mãos com um semblante preocupadíssimo. apenas acenou positivamente com a cabeça. — Tem certeza? Olha pra mim! — ela disse e olhou no fundo dos olhos da outra garota, como se procurasse alguma prova de que tudo estava bem. E aparentemente encontrou, pois logo sua expressão se suavizou. — Que mértila é essa, hein? O que deu na cabeça de vocês dois? Não aguentam ficar no mesmo espaço por 2 minutos? — Maíra esbravejava com os garotos. Enquanto ela passava o sermão, se levantou, movimentando o maxilar para ver se estava tudo certo.
— Amansador. Os dois — Newt disse com a voz clara e firme. Os garotos protestaram, mas foram agarrados pelos demais clareanos e levados para longe. — E a senhorita vem comigo pra enfermaria, vamos conferir se está tudo bem — completou, chamando .
— O que aconteceu? Por que eles estavam brigando? — quis saber a garota, assim que eles saíram do refeitório.
— Não sei bem, cheguei no meio da zona, mas provavelmente eles ficaram se alfinetando até saírem no tapa — o loiro disse.
— Nossa, mas tudo aqui termina em briga? Credo!
— As tensões estão sempre à flor da pele, mas o Minho e o Gally parecem piores nesse sentido. Os dois são muito estourados e se detestam, então …
— Que coisa mais desagradável — disse, entrando na enfermaria, seguida de Newt. — Será que é muito difícil perceber que as coisas aqui já são ruins o suficiente com aqueles verdugos lá fora?
— Eu concordo com você — Newt disse, enquanto pegava uma lanterna para examinar os reflexos de . — Também acho que a gente não precisa de brigas, tudo pode ser resolvido na conversa.
Ele apontou o feixe de luz para o olho da garota e observou a pupila se contrair rapidamente. Satisfeito com o resultado, fez alguns outros testes só para saber se não havia nenhum tipo de lesão cerebral. Feito isso e constatado que não havia nenhum problema, ele passou a examinar o maxilar. Viu que estava no lugar, não estava quebrado nem trincado, portanto tudo estava bem.
— Não tem nada de muito preocupante, mas pelo visto logo logo você vai ter um belo hematoma surgindo aí.
— Gelo então — antecipou o diagnóstico. — Sabe, Newt, eu fico pensando se a gente era assim antes de aparecer aqui.
— Assim como, ?
— Assim. Você o Newt, eu a , o Gally o Gally, o Minho o Minho… Se nós éramos como somos hoje.
— Eu também penso nisso, mas te aconselho a não se prender nisso. O passado de todos nós é nebuloso e ficar pensando muito nele pode ser frustrante e deprimente. Pensar como éramos ou como poderíamos ter sido — ele disse, olhando pela janela, como se tivesse há muito analisado tudo. — O que a gente tem é o agora, e só o agora. Nosso passado e nosso futuro é totalmente nebuloso, talvez o C.R.U.E.L saiba, mas nós só sabemos o agora, nossas vidas aqui dentro da clareira.
— Você sabe algo do C.R.U.E.L?
— Sei que, aparentemente, eles nos querem vivos, porque são eles que mandam os suprimentos todo mês. Mas não sei se isso é bom ou ruim — contou e os pelos de se eriçaram.
— Certo, acho que vou tomar um banho agora, já que está tudo certo — ela mudou de assunto. — Obrigada pela ajuda e pela conversa.
— Sempre às ordens! — Newt respondeu com seu habitual sorriso amigável.
então saiu e foi se banhar. Enquanto se limpava, ela ficou matutando sobre o que Newt dissera. Realmente, seus passados eram nebulosos, na verdade eram inexistentes já que nenhum deles se lembrava de nada, mas o futuro parecia ainda mais instável e obscuro. A única coisa que sabiam é que a caixa chegava todos os meses, o resto era completamente misterioso para todos. E isso realmente a frustrou.
Após se limpar, ela foi para o refeitório. Chegando lá, viu o grupo de amigos sentado numa ponta das mesonas, estava faltando um membro. Ela pegou sua porção e foi comer com eles. não prestou muita atenção no que foi falado naquela noite, estava perdida nos seus pensamentos sobre passado, presente e futuro, sobre a clareira e sobre ela mesma.
Depois de comer, ela foi se deitar. Mas não conseguia dormir, rolava de um lado para o outro e não achava uma posição confortável. Depois de algo que pareceram horas, ela desistiu, se sentou e olhou ao redor para ver se havia alguém acordado para lhe fazer companhia, mas logo viu que todos estavam bem embolados em seus próprios sonhos.
A garota, então, se levantou e resolveu andar um pouco para desanuviar a cabeça e desligar um pouco o corpo. O vento estava fresco e ela foi passeando pela clareira. Foi até as paredes, ouviu o barulho dos verdugos estalando lá fora, um arrepio lhe subiu a espinha e ela se afastou. Passou perto das plantações e ficou um tempo observando as ervas balançarem com a passagem do vento. Era quase hipnotizante. Por fim, ela resolveu ir ao Amansador, quem sabe algum dos meninos estava acordado e disposto a lhe fazer companhia? Ela foi caminhando a passos lentos até lá, pisando descalça a grama macia. Ela tentou não fazer nenhum ruído, não queria acordá-los se já estivessem dormindo.
Se aproximou da primeira cela e viu Gally dormindo enroscado lá dentro. Ele parecia grande demais para aquele espaço. Passou para a segunda e ela estava vazia, o que fazia sentido, pois os dois garotos podiam brigar facilmente de celas tão próximas. Andou então até a terceira, olhou lá dentro e viu Minho sentado, ela pensou que ele estivesse dormindo, mas, quando ela ia se afastando, ele a chamou:
— O que tá fazendo aqui, trolha?
— Não consegui dormir, então vim aqui ver se tinha alguém para me fazer companhia — ela respondeu, voltando-se para a cela de Minho.
— Olha, me desculpa mesmo por ter te acertado, não foi minha intenção. Foi sem querer mesmo.
— Tá certo. Eu tô bem.
— Acho que eu não sei muito bem calcular o espaço que meu corpo ocupa as vezes — ele falou mais pra si mesmo do que pra ela. — Como está o seu queixo?
— Bem, dolorido, mas bem. Newt disse que não tem nenhuma lesão aparente — contou e se sentou no chão frente à grade de bambu. — Provavelmente vai ficar marcado nos próximos dias, mas dos males o melhor.
— Nossa, me desculpa — ele disse, olhando-a nos olhos.
— Minho, você já pediu e eu já aceitei, não precisa ficar se desculpando toda hora.
— Mas é que… É que nunca na vida eu ia pensar em te machucar, nem por acidente. Falhei com você. — Desviou o olhar para os próprios pés.
— Não vou dizer que eu gostei, por motivos óbvios. Mas eu entendi que foi um acidente, então tá tudo bem. Não se martirize por isso — ela falou e ele apenas assentiu, mas ela percebeu que ele ainda não tinha entendido, mas não tinha mais o que ela pudesse dizer. — Como foi lá hoje, hein?
— Lá?
— No Labirinto. Passei perto das portas agora a pouco e ouvi os verdugos.
— Ah, foi o de sempre. Nada de novo, só o velho labirinto seguindo sua rotina semanal — ele contou desanimado. — É frustrante, sabe? Parece que somos ratos correndo à toa o dia todo.
— Mas vocês já conseguiram mapear todo o labirinto, certo? — perguntou e ele confirmou. — Então não é à toa! Se tiver alguma forma de sair daqui, tenho certeza de que vocês vão achar.
— Espero que sim, , de verdade — Minho falou, fitando-a. — E como foi seu dia na enfermaria? Quem se arrebentou hoje? — perguntou, arrancando uma risadinha da garota.
— Hoje um dos caras do Gally apareceu lá com um corte na perna, não faço ideia como ele arrumou aquilo, mas não era nada muito grave, só precisou de uns pontos superficiais.
— Esses caras tão sempre se machucando, né? Parece até que fazem de propósito.
— Realmente, mas espero que não seja o caso, ou vou ficar bem irritada por estarem me dando trabalho e gastando nosso estoque! — ela disse e Minho riu.
— Não duvido nada desse povo que anda com esse mértila do Gally.
— Minho! Sossega! Meu deus, você acabou de ser mandado pra cá por causa de uma briga, não precisa de mais hostilidade. E o Gally tá ali do lado.
— Eu só tô falando a verdade, ! — ele disse, se exaltando um pouco, mas a garota fez uma careta repreensiva e ele abaixou a voz. — Esse cara só cria problemas, desde sempre. Até com a Maíra esse babaca se meteu.
— Passado. Certo? Talvez, eu disse talvez, ele possa mudar e mostrar pra vocês que não é esse monstro.
— Olha, sinceramente, não sei o que ele te disse, mas ele não é confiável, nem um pouco — ele disse sério. — Eu acho que você devia tomar bastante cuidado com ele. Sei que você o acha um cara legal, mas eu, pela minha vivência com ele, não confio nele de nenhuma forma. Eu sei como ele pode ser perigoso, agressivo e traiçoeiro. — Ele segurou a grade de bambus.
— Eu agradeço a preocupação, prometo que vou me cuidar, mas comigo ele realmente não é essa pessoa que vocês descrevem.
— Só com você então.
— Talvez seja porque eu sou nova aqui, não sabia do histórico dele e tudo mais. Talvez ele tenha se sentido confortável de ser um pouco diferente comigo. Mas eu aprecio, de verdade, a preocupação e vou ficar de olho — disse e colocou a mão sobre a de Minho. — Qualquer problema, eu vou te avisar.
— Promete? Realmente não quero que se machuque.
— Prometo — ela disse e deu o dedinho para que pudessem selar o trato. Ele entrelaçou o seu com o dela. Promessa feita.
Os dois passaram o resto da noite conversando sobre o dia, sobre pensamentos aleatórios e sobre suas comidas preferidas feitas pelo Caçarola. Ambos acabaram por adormecer ali mesmo, Minho não tinha como sair mesmo e estava entretida demais com a conversa para sair dali. Ela finalmente conseguiu achar uma posição confortável.
— ! — Minho chamava. — Acorda, mulher!
Ela abriu os olhos sem entender direito onde estava. O céu já estava claro e seus olhos custaram a se acostumar com a luminosidade. Ela então se lembrou que tinha saído do seu cantinho e ido passear, até achar Minho acordado. A garota se sentou e se espreguiçou. Apesar de ter dormido poucas horas, estava bem descansada.
— Bom dia, Minho — cumprimentou. — Tem muito tempo que clareou?
— Bom dia. Eu acho que não, mas não posso dar certeza.
— Poxa, acho melhor eu ir então, já deve estar quase na hora de começar o primeiro turno — ela disse, olhando na direção da enfermaria. — Obrigada por me fazer companhia essa noite, de verdade.
— Por nada, eu que agradeço. Foi bom ter você aqui pra conversar e passar o tempo — ele falou, sorrindo. — Seu queixo está ficando roxo mesmo, um pouquinho — Minho falou, apontando para o hematoma que começava a tomar forma.
— Vou tratar disso hoje — ela disse, tocando levemente no lugar dolorido. — Te vejo mais tarde, sim? — perguntou e ele assentiu. — Até mais então. — Se levantou e tomou seu rumo.
Ela foi caminhando até a cozinha. Encontrou Caçarola lá dentro, como sempre, e a julgar pela cara de sono do amigo, ela pôde concluir que o dia não havia clareado há muito tempo. Ela ficou ali jogando conversa fora com ele até que o cozinheiro a expulsasse da cozinha. Então foi até o refeitório e ficou surpresa de encontrar Teresa lá, sentada sozinha.
— Bom dia, Teresa!
— Bom dia, ! Onde você estava? Quando acordei eu não te vi.
— Eu não estava conseguindo dormir, aí resolvi andar um pouquinho pra espairecer e acabei ficando lá no Amansador conversando com o Minho. Caí no sono por lá, acordei por agora.
— E ele estava acordado? — perguntou, e assentiu. — Aí os dois ficaram conversando com o Gally de enfeite?
— Não, o Gally estava dormindo.
— E esse roxo aí? Como tá?
— Dolorido, bem dolorido, mas, tirando isso, tá tudo ok.
— Nossa, não acredito que o Minho te acertou.
— Ele pediu desculpas 350 vezes. Eu entendi que não foi por mal, mas prefiro que não ocorra novamente — brincou.
— Que bom que ele pediu desculpas, né? Era o mínimo que ele poderia ter feito depois de ter te derrubado a troco de nada.
— Sim, amiga, mas não precisa ficar me lembrando, e nem a ele, do acontecimento. Eu tenho uma lembrança dolorosa constante.
— Perdão, mas é que eu fiquei bem assustada — Teresa disse. — Depois que Newt te levou pra enfermaria, nós os levamos pro Amansador. Eles pareciam dois animais raivosos, querendo de qualquer forma acertar um ao outro. Gally ficou xingando o Minho por ter te batido e isso parece que mexeu com o Minho de verdade.
— Ele me disse que foi um acidente, que nunca quis me machucar, que não sabe calcular o espaço que ocupas às vezes. Parecia bem chateado e arrependido, mas nem um pouco arrependido de ter saído no soco com o Gally.
— Acho que ninguém se arrepende de esmurrar o Gally — Teresa soltou. — Mas eu não me importo muito com eles. Se você tá bem, eu fico mais tranquila.
— Obrigada pela preocupação, amiga, de verdade.
Depois da conversa, elas tomaram café e foram trabalhar. Algumas horas depois, chegou o boato de que os meninos tinham sido soltos do Amansador e ficou pensando no que Minho faria o dia todo, já que não tinha saído para correr.
A manhã passou rápido, talvez fosse porque havia muita coisa a ser feita. Dessa vez, ela ficou com Teresa para preparar medicações e unguentos. Era uma das tarefas que ela mais gostava de fazer, principalmente quando a amiga estava junto, assim elas conversavam e trabalhavam, fazendo tudo ficar mais leve. Assim que terminaram a primeira parte, elas resolveram ir almoçar, chamaram os outros med-jacks e seguiram todos juntos para o refeitório. Como adorava aquela pequena gangue!
Depois de almoçar, deu um tempinho antes de voltar ao trabalho. Ela estava sentada no chão, na frente da enfermaria, trançando três raminhos de grama, quando alguém se sentou do lado dela.
— Oi. — Era Gally.
— Oi, Gally!
— Como você está, hein?
— Tô bem! Dormi bem essa noite e fiquei trabalhando com a Teresa agora de manhã. Tô de bom humor.
— Que bom! E como está o seu rosto?
— Tá doendo um pouco, mas, tirando isso, tá tudo ok.
— Aquele mértila do Minho é um idiota mesmo…
— Ai, Gally, não começa! Eu sei que vocês não se gostam, mas não precisa de hostilidade o tempo todo!
— Você tá certa. Perdão. Não vim aqui pra falar dele, vim saber de você — ele falou. — Acho que ouvi sua voz ontem à noite, mas posso estar devaneando.
— Não, não, eu fui lá no Amansador ontem! Queria conversar com alguém, aí achei o Minho acordado.
— Entendi. Eu estava dormindo?
— Aham — disse, com um sorriso brincalhão. — Dormindo como um bebê, todo enroscado num canto.
— Aquele lugar é meio apertado — ele disse, retribuindo o sorriso. — Mas eu realmente estava cansado demais ontem, assim que me deitei, eu dormi.
— Imagino mesmo! Você tava dormindo tão pesado que não quis nem fazer barulho pra não te acordar.
— Podia ter acordado, eu ia gostar de conversar com você!
— Da próxima vez que eu estiver insone, vou te acordar então. Vai ter que ficar bem acordado, ouvindo minhas lamúrias! — brincou e ambos riram.
— Será um prazer, senhorita! — ele disse. — Agora eu preciso ir, o trabalho me chama. — E se levantou.
— Toma. — entregou a trancinha de grama pra ele. — Pra você lembrar de não deixar ninguém se machucar lá hoje e me deixar de mau humor. — Ele riu, pegou a trança, guardou no bolso da blusa e saiu.
então adentrou a enfermaria e foi ao encontro de Teresa. As duas ficaram até tarde terminando de produzir e envasar tudo e adiantaram um pouco o trabalho do estoque do dia seguinte, etiquetando tudo com datas e nomes. Saíram tarde da enfermaria, então acabaram por pegar o jantar no final. As amigas jantaram juntas, sentadas com os amigos que já tinham terminado de comer.
Depois de comer, Teresa levou seus utensílios e os de para a cozinha, já que os demais já tinham sido recolhidos. Aos poucos, os outros também foram saindo da mesa, deixando ela e Minho para trás.
— , tenho uma coisa pra você.
— O que, hein?
— Um pedido de desculpas pelo acontecimento de ontem — ele disse e enfiou a mão no bolso. — Newt e Maíra me ajudaram a fazer, mas, mesmo assim, não tá dos mais bem acabados.
— Ai, eu quero saber o que é! — disse toda animada e morta de curiosidade.
— Dizem por aí que a curiosidade matou o gato, hein? — Minho brincou e eles riam. — Mas é isso aqui, ó. — Ele estendeu a mão aberta.
Na palma da mão dele tinha um colar feito de um fio de couro e uma pedra como pingente. A pedra tinha sido lapidada toscamente, mas estava muito bem polida. Pelo que pôde perceber, era uma lasca de uma das paredes do Labirinto, pois tinha a mesma cor e textura. Ela pegou o presente e logo o colocou no pescoço.
— Eu adorei!
— Adorou? — Minho perguntou confuso.
— Sim. Gostei muito! Me lembra de você, sabe? A pedra do labirinto, o cordão de couro, essa lapidação meio pra lá e meio pra cá… Tudo indica que foi feito por você — ela disse, sorrindo. Minho corou levemente.
— Eu que fiz mesmo, mas não ficou como eu queria.
— Mas eu gostei bem assim. Gostei mesmo — ela disse, analisando a pedra pendurada no pescoço. — E é único, né? Só eu tenho um desse.
— É, só você — ele disse, sorrindo. — Que bom que gostou. É um pedido sincero de desculpas.
— Muito obrigada! Eu adorei — disse feliz. — Agora eu preciso tomar um banho, estou podre!
— Tudo bem, vai lá, fedorenta — Minho brincou e ela deu um tapa fraco em seu ombro.
— Chato! — ela disse, rindo enquanto se levantava. — Mas muito obrigada mesmo pelo colar, eu amei! — Deu um beijo na testa do garoto e se afastou.
No dia seguinte, quando acordou, sentiu que estava atrasada, e realmente estava. O café da manhã já estava no final, e ela teve de se contentar com o mingau frio que sobrara. Mal terminou de comer e já teve que correr para a enfermaria.
Como previsto, ela ficaria no estoque e agradeceu muito por terem adiantado as coisas no dia anterior. Enquanto estava lá sentada no chão, rotulando os frascos de vidro escuro, ouviu uma pequena discussão surgindo no corredor. Ela pensou bem se devia se meter, mas, levando em consideração como as coisas podiam partir pra violência rápido ali na Clareira, ela resolveu ir ver do que se tratava. Um Clareano que ela conhecia por Dimas, do Abatedouro, discutia com Newt.
— Cara, não posso fazer nada, você não está machucado — Newt explicava com a paciência se esvaindo.
— Qual é, Newt? Só um pouco daquele negócio que você me deu da outra vez! — Dimas falava suplicante.
— Não posso, Dimas!
— Pode, sim!
— Não pode, não. — se meteu na conversa. — Dimas, nossas medicações são racionadas, não podemos gastar assim.
— Mas um pouquinho só não vai fazer falta! — ele dizia como se estivesse pedindo água depois de passar dias sob um sol escaldante. — Eu sei que vocês tem dele aí!
— Dimas, eu já te disse que não vamos te dar, cara! — Newt se estressou e levantou a voz. — As coisas não são como você quer que seja!
— Qual é, maluco? — Dimas disse e deu um empurrão em Newt.
— Dimas, por favor, sai daqui. Agora — disse firme.
— Só saio daqui depois de vocês me darem aquele remédio, sua trolha — ele disse e se virou para , furioso. As coisas escalonavam muito rápido para violência ali. — Estou sendo um cara legal e vocês uns babacas! Aposto que se fosse pra aquele idiota do seu amiguinho Thomas — Dimas falava, cutucando o peito de Newt —, vocês já teriam entregado essa mértila!
— Dimas, por favor, chega de escândalo. Se retire da enfermaria — Newt pediu, tentando manter a calma. — já pediu e agora eu estou pedindo.
— Ou vai fazer o que, hein, Newt? Com essa perna coxa aí? — ele disse e pôde ver o maxilar de Newt se tensionando. — Você e essa trolha fracote aqui — apontou para a garota — não vão me impedir de ter o que eu quero!
Dimas claramente tinha desenvolvido um vício pelo analgésico que lhe aplicaram quando ele havia se ferido. Mas eles não tinham como fornecer o medicamento a ele, as doses eram contadas e demoravam muito para serem feitas, já que os elementos necessários só chegavam uma vez ao mês e em doses pequenas. Na enfermaria, só usavam aquilo quando era realmente necessário, caso contrário, usavam outros tipos de analgésicos, mais fracos e mais lentos.
estava tentando achar uma solução para o problema. Newt, claramente, estava a um fio de perder as estribeiras. Dimas estava, aparentemente, em abstinência e logo logo a violência chegaria. Os outros med-jacks não pareciam estar cientes da confusão, três deles tinham ido buscar algumas plantas para secar, os demais estavam absortos em suas funções, longe do estoque.
— Dimas, vem comigo, eu vou te examinar. Se você realmente estiver precisando, nós vamos administrar a medicação — ela disse, pensando que talvez isso acalmasse um pouco o abatedor. — Pode ser?
— Pode.
Os dois seguiram para uma das macas na outra sala. pediu ao garoto que se sentasse na cama e começou a fazer tudo quanto é tipo de checagem que podia pensar, para deixá-lo ocupado. Ela precisava que alguém arrastasse ele para fora da Enfermaria e provavelmente o colocasse no Amansador, porque o surto só ia aumentar.
— Dimas, tem algo estranho aqui — ela disse, quando ouvia a respiração do garoto. Tudo estava muito bem, mas ela precisava se afastar para falar com Newt. — Seus pulmões estão fazendo um ruído esquisito. Vou conversar com Newt e já volto. Espere aqui! — ela frisou bem a última parte.
Foi a passos rápidos até o hall, mas Newt não estava mais lá, e ela não fazia ideia de onde ele poderia ter ido. Estava sem opções. Olhou para dentro da outra sala, Dimas estava de pé lá dentro, ansioso, não parecia ter a intenção de ficar ali esperando por ela. olhou pela janela e viu Gally passando, um anjo que apareceu na hora certa. O garoto olhou para ela logo em seguida, e a garota gesticulou para que ele fosse até ela com urgência. Dimas estava irrequieto na outra sala, ansioso por uma dose de seu medicamento mágico.
Gally correu até a Enfermaria e logo o puxou para dentro, mas, assim que o loiro entrou, Dimas saiu da outra sala, inflado de uma raiva repentina e proveniente da abstinência. Quando viu que conversava com Gally, achou que tinha sido enganado — e realmente tinha — e ficou ainda mais furioso.
— Cadê aquele mértila manco do Newt? — ele gritava. — E você tá fazendo o que, hein, sua fedelha? Não devia estar resolvendo o que eu pedi?
— Gally, pelo amor de deus, tira ele daqui — disse baixo e suplicante.
— Dimas, cara, calma aí! — Gally se colocou entre os dois. — Não precisa arrumar confusão a essa hora da manhã.
— Cala a boca, Gally! Você não sabe nem do que se trata.
— Não sei mesmo, não, mas você tá criando confusão na Enfermaria, cara, ninguém faz isso — Gally falava e se aproximava vagarosamente do outro garoto.
viu Newt descendo as escadas em silêncio, ele e Gally trocaram olhares cúmplices e pareciam agir juntos para arrastar o abatedor para fora do local. Dimas estava irado, xingava absolutamente todos gritando a plenos pulmões, alguns outros clareanos se aproximavam querendo ver a confusão. Gally e Newt se aproximavam cada vez mais do outro garoto, silenciosamente, sem que ele pudesse sequer se dar conta do que estava acontecendo.
Newt então agarrou as duas mãos de Dimas, imobilizando seus braços. Logo em seguida, Gally pegou uma corda que estava em sua cintura e laçou o garoto, que se debatia e urrava. Com muito esforço, o med-jack conseguiu segurar o abatedor, enquanto o outro garoto o amarrava. Dimas nunca pareceu mais irado. então pegou um rolo de gases e entrou para que Newt pudesse colocá-lo na boca do garoto.
Com muita dificuldade, conseguiram imobilizar totalmente o garoto em surtos. Gally então o colocou no ombro, como se fosse um saco de areia, e o levou para fora, seguido de Newt. Provavelmente iam colocá-lo no Amansador. De qualquer forma, agora podia respirar, não havia percebido que estava segurando a respiração até aquele momento. Ela arrumou a desordem geral que estava no hall e voltou para o estoque. Ela pensou que teriam que arrumar trancas melhores para aquele lugar.
Ela ficou ali, trabalhando no silêncio e acalmando a própria mente, até o horário do almoço. Foi até o refeitório, mas não encontrou Teresa nem Newt, então pegou sua porção e foi comer sentada na escada, deixando o sol bater no rosto.
— O que aconteceu lá hoje? — Gally disse, aparecendo do nada e fazendo a garota se assustar.
— Nossa, Gally, quase me engasgo! — ela protestou. — Mas parece que o Dimas tá com algum tipo de vício em analgésico, ele queria porque queria uma dose do nosso medicamento mais forte.
— Nós o colocamos no amansador, mas eu nunca tinha visto ele assim — ele falou, sentando-se ao lado dela.
— Crise de abstinência — explicou. — Inclusive, será que você conseguiria fazer algum tipo de tranca mais resistente pro nosso estoque? Estou com um pouco de medo do que pode acontecer quando a gente não estiver perto.
— Claro, pra você qualquer coisa! — ele disse prontamente, mas aparentemente a última parte saiu sem querer, porque ele corou fortemente.
— Ah, muito obrigada! — ela disse e abraçou o garoto de lado. — Você me salvou hoje, hein? Não sabia o que iria fazer e você apareceu!
— Às vezes a gente tá no lugar certo e na hora certa — ele disse, sorrindo. — Fico aliviado de ter chegado antes que qualquer coisa pudesse ter acontecido.
— Eu também fico aliviada, com toda certeza ele ia me partir no meio! — ela disse, brincando, mas nem tanto. — Mas me conta aí sobre o seu dia, já tive contato demais com o Dimas hoje — ela disse e ambos riram.
— Hoje estávamos reforçando as vigas da cozinha … — ele começou e eles ficaram ali conversando por um tempo.
Gally fazia bem a ela. E ela a ele. Sempre que os dois conversavam os mais diferentes assuntos, ele ficava menos rancoroso e agressivo, como se fosse uma bolha de tranquilidade dentro daquele lugar onde ele não era muito chegado a ninguém. Ela o tratava de forma que ninguém mais tratava, era normal, tranquila e natural, sem medo ou obediência imposta. Ele gostava disso.
Depois do almoço, retornou para a enfermaria. Que dia agitado! Ela esperava que a tarde fosse calma e tranquila. Como já havia terminado o estoque, foi atrás de Newt para ver no que poderia ajudar, mas no meio do caminho encontrou Teresa.
— Já terminou o estoque, amiga? — disse e ela assentiu. — Poxa, então bem que você podia me ajudar!
— Claro! Vamos fazer o quê?
— Sabão!
— Sabão?
— É! Sabão! — Teresa disse animada. — De vez em quando fazemos nossas barras aqui!
— Que legal!
— Então vamos! — Teresa falou e saiu com em seu encalço.
Foram para uma parte atrás da enfermaria, a céu aberto. Lá já estava separado tudo o que elas iam utilizar para a produção. Teresa explicou que eles utilizavam quase tudo de dentro da própria clareira, óleo usado da cozinha, banha de cabra extraída lá no abatedouro, ervas e óleos essenciais que vinham das plantações… produção 100% clareana.
As duas ficaram boa parte da tarde fazendo o sabão, mas colocaram nas formas de madeira para secar pouco antes do fim do turno, então arrumaram tudo e voltaram para dentro do prédio. Tudo estava tão tranquilo que nem parecia que havia tido aquela confusão toda no mesmo dia. Newt, Jeff e Tony logo apareceram também. Todos concordaram que precisariam de uma proteção melhor nos estoques, e disse que já havia pedido que providenciassem trancas mais robustas.
Depois de conferir tudo, o grupo foi até o refeitório jantar, as garotas em especial estavam famintas, bater sabão é um trabalho cansativo. Tony e Jeff foram se sentar com os amigos e os outros três se sentaram juntos, à espera do resto da gangue. Logo menos, Maíra e Thomas se juntaram a eles, e pouco depois Minho também.
— Como foi hoje, hein? — Minho perguntou a .
— Caótico, louco, assustador — ela disse e ele olhou com uma mistura de curiosidade e confusão. — Hoje de manhã um cara deu uma surtada lá.
— Que cara?
— O Dimas — Newt respondeu. — Foi uma confusão danada.
— Ele tá viciado em analgésicos, aí entrou lá querendo uma dose do nosso medicamento mais forte, e nós, obviamente, não demos. Aí ele pirou.
— Veio pra cima de mim fulo da vida, mas aí a deu um jeito de distrair ele.
— Por um tempo, né? Falei que ia examinar ele e que tinha algo no pulmão… pura balela, mas foi pra poder pensar em uma solução.
— E aí você fez o quê? — Minho perguntou.
— Eu não fiz nada. Por um milagre divino, Gally estava passando por ali na hora, então eu o chamei e ele foi me socorrer. Daí o Dimas ficou surtado e veio pro meu lado, mas o Gally e o Newt conseguiram prender ele antes que qualquer coisa pudesse acontecer.
— Gally, o salvador da pátria — Newt disse, rindo. — Acreditem se quiserem.
— Mas você tá bem? — Minho perguntou preocupado
— Tô ótima! Até aprendi a fazer sabão hoje, acredita!
— Vão ficar ótimos, amiga! Certeza! — Teresa falou animada.
— E como está o seu queixo? — Minho perguntou.
— Dolorido, mas bem… E não se desculpe outra vez. Por favor — ela disse, sorrindo.
— Tudo bem, tudo bem. — Ele levantou as mãos em sinal de rendição. — Está um pouco roxo.
— Logo logo passa.
— Espero que sim — ele segurou cuidadosamente o rosto dela. Estavam tão próximos que ela sentiu o cheiro do sabonete de ervas dele. — Não merece ficar com essa marca por minha causa. Eu sei que pediu pra eu não falar, mas me desculpe.
— Não precisa se desculpar. — Ela pegou a mão dele que estava em seu rosto. — Foi um acidente e você já me deu isso. — Mostrou o colar que estava sob a blusa. — Está tudo bem.
Depois de jantar, se separou do grupo e foi se banhar, pois sentia que ainda estava cheirando a gordura de cabra e aquilo a estava incomodando. Depois do banho, ela voltou para o dormitório, se sentou e começou a pentear os cabelos.
— ! — Teresa sussurrou, chegando de fininho.
— Oi! Senta aí. — E a amiga o fez. — Achei que estivesse dormindo.
— Estava quase, mas precisava conversar com você antes!
— Sobre o quê?
— Sobre o quê? Sobre você e o Minho hoje no jantar!
— O que, Teresa?
— Amiga, eu JUREI que ele ia te beijar! Ali no meio de todo mundo! — ela disse e riu. — E não fui só eu que vi não, tá? Tom também achou!
— Amiga, não viaja! Ele só estava olhando o meu queixo.
— Eu consigo olhar o seu queixo daqui, ! — ela debochou. — E uma outra coisa que você não viu, mas o Gally estava sentado na mesa atrás da nossa hoje e ele ficou vermelho como um tomate quando rolou.
— Tá, vamos lá, primeiro que não rolou NADA! E você sabe que o Gally se estressa com absolutamente qualquer coisa, então não tem nada a ver uma coisa com a outra.
— Aham aham — Teresa riu. — Agora eu preciso ir deitar. Boa noite, amiga!
— Boa noite, amiga!
— Bom dia, Caçarola.
— Bom dia, ! Dormiu bem?
— Dormi, mas acordei com dor nas costas, nada demais.
— Acontecerá mais vezes do que você pode imaginar — ele brincou, enquanto mexia uma das panelas. — Fiquei sabendo da doideira lá na enfermaria ontem.
— Ah, foi realmente uma doideira — ela falou. — Precisamos ajudar aquele menino.
— Dimas… ele é gente boa quando quer, sabe?
— Eu consigo imaginar. — Ela se encostou na parede. — Ele tá em abstinência, sabe? Perguntei a Jeff ontem sobre, e ele disse que há algum tempo o Dimas teve uma lesão séria e precisou de muito medicamento para melhorar e aguentar a dor.
— Eu lembro disso. Se não me engano, ele teve um corte bem profundo na perna, BEM profundo. — Caçarola se arrepiou de lembrar. — Foi uma sangueira danada.
— É, deve ter cortado tudo quanto é vaso sanguíneo.
— Ele ficou um tempão na enfermaria, Newt disse que teve complicação e tudo mais.
— Então tá explicado de onde ele tirou esse vício — ela falou. — Vou te deixar trabalhar agora, Caçarola! Te vejo depois!
— Até, !
Ela então saiu da cozinha e foi se sentar no gramado perto do refeitório. Como as costas estavam doloridas, ela resolveu fazer uma sessão decente de alongamentos. O sol ainda não tinha esquentado, então o clima estava fresco e o espaço silencioso. Poucos minutos depois de começar sua sessão, alguém se aproximou.
— Bom dia! — Era Minho. — Tá fazendo o que aí? — Se sentou ao lado dela.
— Bom dia! — ela respondeu, com um sorriso. — Dormi de mau jeito, sabe? Aí estou tentando colocar minhas costas de volta no lugar.
— Quer ajuda?
— Por favor! — ela falou. — Se puder puxar meus braços nessa direção, vai ajudar bastante!
Minho então levantou, segurou os braços da garota e puxou gentilmente em sua direção. dava sinais de que ele podia puxar mais, até que pediu que a soltasse, e ele o fez.
— Nossa, muito obrigada!
— Por nada — ele disse, com um sorriso. — Meio estranho esse alongamento aí, mas quem sou eu pra julgar? — brincou e mostrou-lhe a língua.
— Agora me ajuda a levantar — ela disse e esticou a mão para que ele a puxasse. — Obrigada. Acho que está melhor — falou, mexendo as costas.
— Que bom então!
— É estranho te encontrar antes do café
— No mínimo incomum — ele brincou. — Mas hoje nós acordamos mais cedo, então estamos esperando as paredes abrirem.
— Maíra está por onde? Queria conversar com ela.
— Com Newt, obviamente. — Ele fez uma cara de desdém e riu. — O que quer falar com ela?
— Assunto privado. Apenas mulheres podem saber.
— Teresa sabe?
— Sabe.
— Droga. Agora estou curioso!
— Pois assim vai ficar, porque eu não vou te contar! — ela disse, rindo. — Desculpe, mas a vida tem dessas coisas. — Ele balançou a cabeça, se dando por vencido. Então um ruído seco e alto soou por toda a clareira. As paredes se abriram.
— Preciso ir — Minho falou, olhando para trás.
— Boa corrida, e se cuida, por favor — ela disse com preocupação genuína.
— Eu vou. — Ele deu um beijo na testa dela e saiu correndo para se encontrar com os demais corredores.
ficou observando até que eles sumissem labirinto a dentro. Quanta coragem eles tinham! O Labirinto era um lugar que emanava uma energia estranha que dava arrepios! Ela se desligou de seus pensamentos e foi para o refeitório tomar seu café da manhã.
Newt estava sentado em uma das mesas, acompanhado de Jeff e Tony. pegou sua porção de comida e foi se juntar a eles.
— Bom dia! — ela disse animada e se sentou do lado do amigo loiro.
— Bom dia — Newt disse, levantando uma sobrancelha sugestiva.
— O que foi? — perguntou, sem entender do que se tratava.
— Você e Minho andam bem próximos, não é? — ele disse, com um sorriso zombeteiro.
— Ah, você também, não! — Ela revirou os olhos. — Teresa veio com esse mesmo papo ontem à noite.
— Então quer dizer que algo tem!
— Tem nada! Para com isso, Newt!
— Não tá mais aqui quem falou. — Ele levantou as mãos em rendição.
— Falou o quê? — Teresa disse, se juntado a eles na mesa. sabia que o assunto ia render agora.
— Dela e do Minho.
— Ah! Eu disse pra ela ontem que ele gosta dela.
— Ele te disse isso? — Newt perguntou curioso.
— Não, mas é bem óbvio, não? — Teresa respondeu.
— Gente, chega desse assunto! — falou, entre os dois amigos. — Não tem nada acontecendo, só uma amizade tranquila. Só isso — se justificou, mas Newt e Teresa trocaram olhares desacreditados.
— Vamos parar por agora, depois a gente continua — Teresa brincou e Newt riu.
Os med-jacks terminaram o café e foram juntos para a enfermaria. As garotas foram verificar o sabão que haviam feito no dia anterior e ele já estava quase seco, mais uns dias e poderiam cortar e embalar. Depois do sabão, elas foram fazer alguns unguentos para repor o estoque. Unguentos costumavam acabar rápido, pois eram muito utilizados ali na Clareira para machucados menores, que ocorriam com bastante frequência.
e Teresa ficaram boa parte da manhã fazendo e envasando tudo o que faltava. Quando terminaram, retornaram para o Hall, onde encontraram Tony descansando.
— O que temos mais pra hoje, Tony? — Teresa perguntou
— Acho que nada. Os leitos estão todos livres, Newt e Jeff estão terminando a contagem do estoque, vocês já repuseram o que tinha que repor…
— Enfermaria é pura eficiência — disse. — Folga o resto do dia, será?
— Talvez — ele falou, dando de ombros. — Espero que nenhum trolho se quebre todo hoje, já estou com muita preguiça.
Os três então ficaram ali no hall conversando e, mais tarde, os outros dois vieram se juntar a eles. Como não havia nada mais a ser feito, Jeff e Tony foram dar uma volta, deixando os outros três na enfermaria. Eles haviam combinado que, mesmo não tendo mais tarefas diárias, iriam se revezar e não deixar a enfermaria vazia, para caso algo acontecesse. Newt havia ido ao banheiro, quando Gally surgiu na porta.
— Bom dia, Gally! — disse, com um sorriso no rosto, indo até o garoto. Teresa torceu o nariz.
— Bom dia, ! — Ele correspondeu o sorriso caloroso. — Tudo certo por aqui?
— Tudo sim!
— Então, vim tirar as medidas pras trancas novas que você pediu.
— Ah, que ótimo! Pode vir comigo — disse, pegou Gally pela mão e o levou até o estoque. — Aqui.
— Certo. — Ele tirou algumas coisas do cinto de ferramentas e começou.
— Posso ficar aqui ou te atrapalho?
— Pode ficar! Gosto da sua companhia — ele falou e sorriu pra ela. — Te vi alongando hoje mais cedo, o que houve? — Puxou assunto.
— Nossa, não sei como eu dormi, mas acordei com a lombar dolorida! Tive que alongar pra ver se melhorava.
— E melhorou?
— Um pouco. Teresa passou uma coisa pra dor e agora tá menos dolorido.
— Que bom, então — Gally disse e anotou algumas coisas. — Fiquei meio travado essa noite também.
— Então depois que terminar aí, vou dar uma olhada em você.
— Não precisa, não é nada demais.
— Isso não foi um pedido, Gally — ela disse, sorrindo para ele. — Você não tem escolha.
— Tudo bem então — o garoto falou, com um sorriso no rosto. — Se você insiste… Mas, mudando totalmente de assunto, estava pensando em fazer um reforço metálico em vez de usar madeira aqui. O que você acha?
— Eu não entendo nada sobre isso, Gally, confio totalmente em você.
— Tem certeza? — Ele sorriu brincalhão. — Não sei se Newt e Teresa concordam.
— Mas temos que concordar que você trabalha com isso há tempos, então sabe mais que nós. Mas, se te deixar mais tranquilo, posso perguntar a eles.
— Acho melhor, pra não ter nenhum problema depois — ele disse, concordou com a cabeça e saiu para encontrar os outros dois med-jacks.
Ela saiu no hall e não os viu, supôs então que estivessem do lado de fora, tomando um sol, e realmente estavam.
— Olá, queridos, preciso da opinião de vocês.
— Sobre o quê?
— Gally disse que está pensando em fazer, no estoque, reforços de metal em vez de madeira — contou. — Mas ele pediu para que eu perguntasse a vocês sobre. Concordam ou discordam?
— Para mim, faz sentido ser de metal. — Newt deu de ombros. — E por mais que eu não queira admitir, ele sabe mais que a gente nesse assunto.
— Faço das palavras do Newt as minhas — Teresa disse, sorrindo.
— Estão fofocando o que por aqui, hein? — perguntou, rindo.
— Nada demais — Teresa disse, mas não foi muito convincente.
— Certo, certo. Vou voltar lá — disse e voltou para o estoque. Gally já havia terminado a medição e estava encostado no balcão, olhando para os pés. — Eles concordam em trancas metálicas.
— Ótimo, então. Olha só. — Ele se virou para o desenho que tinha colocado sobre o balcão. se juntou a ele. — Minha ideia é fazer isso aqui. — Apontou para o papel.
— Para mim, parece ótimo!
— Então assim será. — Ele sorriu satisfeito.
— Isso. Agora vem comigo. — Ela o pegou pela mão novamente e o levou até uma das macas em outra sala. — Senta aqui. — Ele o fez. — Me diz onde dói.
— Meio que a dor desce da base do pescoço até o meio das costas.
— Certo. Posso… ahm… posso te pedir para tirar a camisa? — ela disse, corando fortemente, mas agradeceu por estar atrás dele sem que ele pudesse ver seu rosto queimando. Gally concordou e retirou a camisa de algodão cor de canela.
Ela teve que se lembrar de respirar e fechar a boca. Sabia que ele era forte e grande, mas quando ele tirou a camisa, ela pôde ver os músculos dorsais perfeitamente desenhados sob a pele com sardas. Os ombros conversavam perfeitamente com o resto, tudo esculturalmente desenhado. Ela observou alguns hematomas espalhados, mas o que mais chamou atenção foi um que estava pouco abaixo das costelas do garoto. Por mais que quisesse ficar observando, ela precisava ser profissional e trabalhar.
— Que roxo é esse aqui, Gally? — Ela colocou a mão suavemente sobre o hematoma. A pele dele estava quente.
— Ah, isso aí foi daquela briga — ele disse. mudou de lugar e agora estava de frente para ele. — Nada demais, não.
— Devia ter me falado — ela falou séria. — Pode ter quebrado a costela. Vou ter que tocar, se doer muito, você me fala, certo? — Ele assentiu com a cabeça.
Ela apertou de leve o local do hematoma e Gally fez uma careta e contraiu os músculos do abdome. Não parecia quebrado, felizmente. Ela apalpou mais um pouco e teve certeza de que o osso estava inteiro, a dor, provavelmente, era devido à pancada. O peitoral dele era igualmente estonteante, a musculatura bem definida, a pele coberta por pequenas sardas e alguns pelos loiros… Realmente de tirar o fôlego. Mas ela precisava ser profissional ali.
— Quebrada não está, mas quero que você fique de olho, porque se estiver trincada, eu não consigo saber só tocando — ela disse séria e Gally sorriu. — De que tá rindo?
— De você. Super séria e profissional — ele contou e ela balançou a cabeça.
— Tô falando sério, Gally! Precisa se cuidar!
— Eu sei que está! — Ele sorriu brincalhão. — Eu vou ficar de olho. Prometo.
— Muito bem. — voltou para atrás de Gally. Ele cheirava a anis e madeira.
Ela apalpou o local que ele disse que estava dolorido, o que o fez retesar os músculos outra vez. percebeu que o trapézio direito estava mais tensionado que o normal, provavelmente por conta da lesão no externo oblíquo. Nada demais, conseguiria resolver logo.
— Achei o problema, senhor — ela disse, voltando a ficar de frente para ele. — Suas costas estão travadas por conta dessa coisa aí nas suas costelas.
— E o que eu faço agora?
— Deita aí na maca. Vai ganhar uma massagem dolorida. — Ele olhou confuso para . — Sim, Gally. Preciso liberar esse músculo aí. Vai doer, mas vai melhorar.
— Tudo bem então — ele falou e se deitou de barriga para baixo.
pediu a ele que relaxasse bem os músculos para facilitar o trabalho dela. Começou, então, a apertar o músculo tensionado. Gally deu um gemido de dor.
— Eu sei que dói, mas prometo que vai ficar melhor — ela falou e continuou.
O que ela não pensou é que iria ser tão dolorido para ela. Como Gally era muito forte, seus músculos normalmente já eram mais estruturados que o normal, e o músculo tensionado era ainda pior. Suas mãos doíam de tentar relaxar o músculo das costas dele. Houve momentos em que ela teve que usar parte do peso do corpo para facilitar as coisas. Mas, depois de muita dor para Gally e um pouco para ela, deu certo. respirou aliviada.
— Pronto. Pode levantar — ela falou, secando o suor da testa.
— Nossa, isso dói — Gally falou, se sentando novamente na maca.
— Eu disse que doía — ela falou, alongando os dedos.
— Disse mesmo. Mas obrigado, já está bem melhor — ele disse, movimentando as costas.
— Por nada, sabe que sempre que precisar pode me procurar — ela falou, sorrindo.
— Sei — ele falou e colocou uma mexa do cabelo dela, que havia caído no rosto, atrás da orelha. Ela corou no mesmo momento. — Você é demais.
— Só estou fazendo o meu trabalho…
— , vamos almoçar! — Teresa gritou do lado de fora, interrompendo-a.
— Hora do almoço — Gally falou, se levantou e pegou sua camisa. — Mais tarde venho te ver outra vez. — Ele a abraçou, deu um beijo em sua cabeça e saiu.
se recompôs e foi encontrar a amiga. Elas foram então até o refeitório, onde os garotos as esperavam. Caçarola havia feito um cozido que estava divino! quis repetir o prato, mas sabia que, se o fizesse, ia ficar sonolenta o resto do dia, então aproveitou cada garfada. Depois de comer, se sentiu até mais alegre de tão deliciosa a comida. Ela percebeu, também, que suas costas não doíam mais e agradeceu a Teresa pela pomada.
Jeff e Tony logo voltaram para a enfermaria. Já que os outros três haviam ficado mais tempo lá pela manhã, eles resolveram compensar e deixar que tivessem um horário de almoço um pouco maior. Ali na mesa, os três conversaram sobre a situação de Dimas. Todos, incluindo Jeff e Tony, concordavam que precisavam ajudá-lo a se livrar do vício, mas não sabiam como. sugeriu que dessem analgésicos diários para que ele não entrasse em abstinência, mas que fossem reduzindo a dose a cada dia, e depois aplicassem um placebo, reduzindo gradativamente a quantidade, até que ele conseguisse ficar sem. Os outros dois concordaram que era uma boa ideia e que iriam conversar com Jeff e Tony sobre depois.
Depois de papear bastante, retornaram para a enfermaria, passaram a ideia aos meninos e eles aprovaram. Com isso, não havia mais o que fazer. e Teresa se sentaram do lado de fora da enfermaria.
— Ficou um tempão lá dentro com o Gally.
— Estava fazendo liberação miofascial. Meus dedos estão doloridos até agora.
— Eu vi ele te abraçando.
— Nossa, mas você vê tudo, amiga! — disse, rindo. — Agora vai dizer que ele gosta de mim também?
— Poderia, mas você já sabe, então vou ficar quieta — Teresa falou, rindo. — Faz uma trança no meu cabelo, ?
— Faço. — A garota se levantou e tornou a se sentar, agora atrás da amiga. Teresa tinha cabelos muito bonitos, pareciam os de Maíra, mas ela nunca poderia ouvir aquilo da boca de . Caso contrário, ficaria irritadíssima.
— Mas, falando sério agora, quanto tempo será que ele vai demorar pra terminar as trancas?
— Não sei, amiga, mas ele falou que iria voltar mais tarde hoje. — deu de ombros, mexendo nos cabelos escuros de Teresa. Lembrou da imagem de Gally sem camisa, mas balançou a cabeça para tirá-la da mente. — Deve terminar logo.
— Assim que ele arrumar tudo, vão soltar o Dimas — Teresa contou. — Não podemos correr o risco de liberá-lo antes.
— E como ele tá, hein?
— Mal, né, amiga? Em surto, mas pelo menos não tá violento.
— Fico com pena dele — falou e amarrou um elástico na ponta da trança recém feita. — Que coisa horrível deve ser essa dependência. — Ela se levantou e voltou a se sentar ao lado da amiga.
— Verdade, muito triste — a outra garota disse e se deitou no colo da amiga. — Esse seu queixo roxo parece que não melhora.
— Tem poucos dias que fui acertada, amiga. Vai demorar mais um pouco pra sumir — falou, rindo.
As duas ficaram ali mais um tempo jogando conversa fora, até que resolveram entrar para conversar com os meninos. Os cinco passaram a tarde toda sentados no chão, conversando, rindo e jogando. Como eram bons esses dias tranquilos! Podiam relaxar sem pensar em trabalho a ser feito. A tarde passou, os corredores voltaram, e o jantar ficou pronto. estava fazendo companhia a Newt enquanto fechavam tudo, quando Gally apareceu.
— Voltei — ele falou, com um sorriso. Trazia consigo uma prévia da tranca. — Queria testar, posso?
— Pode ir jantar, Newt! Já já eu chego lá — disse e Newt acenou com a cabeça e saiu. — Vamos lá?
— Vamos! — Gally concordou e foram até o estoque.
se sentou no balcão e ficou observando Gally trabalhar. Ele posicionava a peça, analisava de longe, ficava pensando sobre o encaixe e anotava em um pedaço de papel o que pensava. Chegou a colocar alguns parafusos e forçar a porta para testar a resistência, mas não pareceu muito feliz com o resultado. Ela achava interessante observar como as pessoas se comportavam, ele em especial, porque parecia ser cheio de segredos e nuances. E era bem bonito também.
— Como estão as costas? — ela perguntou, quebrando o silêncio.
— Muito bem! Você e suas mãos mágicas colocaram tudo no lugar — ele disse, sorrindo enquanto desparafusava a peça. — E as suas?
— Melhor também!
— Então estamos ambos curados — ele comentou, sorrindo. — Exceto por esse roxo aí no seu rosto. — Apontou com o queixo.
— Ah, eu esqueço que isso tá aqui. — Ela tocou o próprio rosto. — Só dói quando eu aperto, sabe?
— Aquele idiota… — Gally ia dizendo, mas o repreendeu com um olhar. — Desculpe, falei sem pensar.
— Tudo bem — ela disse. — Mas se isso aqui dói, imagino o que você tem aí.
— É, dói, mas eu não posso ligar muito pra essa coisa. Preciso trabalhar, certo? — ele disse e se encostou no balcão ao lado dela. — E só pra te deixar ciente, não senti nada de diferente hoje — falou, sorrindo.
— Que bom! Um paciente modelo! — ela respondeu, rindo. — E aí? Vamos jantar?
— Vamos! — ele concordou.
Ela, então, desceu da bancada, deu uma última olhada dentro do estoque e trancou o cômodo. Ambos andaram até o hall, onde ela fechou a janela e colocou a peça de madeira que a trancava. Por fim, trancou a porta e os dois subiram conversando até o refeitório. Era a primeira vez que se sentava para jantar com alguém diferente de seus amigos.
pegou sua porção, Gally fez o mesmo e se sentaram na ponta de uma das mesas do lado oposto ao qual ela estava acostumada. Era estranho, mas interessante. Sentaram-se frente a frente.
— Caçarola hoje está inspirado! — ela disse, depois de dar uma colherada na sopa. — Tudo muito delicioso.
— Realmente! Mas tem dia que, nossa, é quase a mesma coisa de comer serragem! — ele falou sério, mas caiu na risada.
— Verdade! Quando ele inventa umas receitas malucas com grãos… — Ela fez cara de nojo, depois riu. Amava Caçarola, mas às vezes a comida era intragável. — Ainda bem que existem frutas! — ela disse e Gally riu.
Eles ficaram rindo e conversando até terminarem de jantar. queria tomar um banho, apesar do dia ter sido tranquilo, ela achava que tomar banho todos os dias era mandatório! Muitos ali não pensavam o mesmo, mas ela se sentia desconfortável se dormisse sem se lavar. Estava saindo do refeitório, quando Chuck passou correndo por ela, tropeçou e caiu no chão, batendo o queixo e abrindo um corte sangrento. Jeff e Tony vieram correndo para ajudar, mas, depois de lavar a área, viram que não era nada demais. se ofereceu para levar o garoto para a enfermaria e cuidar do corte.
Ela levou Chuck até uma das macas, onde ele se sentou. não pôde perder a oportunidade de dar uma bronca no garoto, que sempre se machucava por coisas bobas e dessa vez tinha caído por conta de um cadarço desamarrado. Ela higienizou o ferimento com iodo, viu que era um pouquinho mais profundo do que pensava, então deu três pontinhos simples e fez um curativo em cima. Logo depois, liberou Chuck.
Finalmente, foi se banhar. Estava ansiosa para provar do sabonete novo que estavam fazendo! Depois de se trocar, ela viu que precisava costurar uma de suas blusas, então pegou uma agulha de osso, linha e se sentou nas escadas do refeitório.
— O que houve? — Maíra disse, chegando de repente e assustando a garota, que furou o dedo.
— Que susto, Mai!
— Desculpe, foi sem querer.
— Tudo bem — disse e Maíra se sentou ao lado dela. — Mas não aconteceu nada. Por que a pergunta?
— Você não jantou com a gente hoje.
— Ah, desculpe, mas eu estava com Gally logo antes do horário e resolvemos jantar juntos.
— Achei que estava chateada com a gente — contou, dando de ombros. — Newt achou que tinha falado demais.
— Nada disso, tá tudo bem!
— Minho me disse hoje mais cedo que você queria falar comigo.
— Sim! Queria mesmo! — deu um último ponto, cortou a linha com os dentes e deixou o material de lado. — Teresa veio com um papo estranho pra mim ontem, queria saber o que você acha.
— Ela é sempre estranha… — Maíra murmurou.
— Tarde da noite ela veio me perguntar se tinha alguma coisa acontecendo entre o Minho e eu. E, hoje mais cedo, Newt veio com a mesma conversa.
— Amiga, não vou mentir pra você, não — Maíra começou. — Ontem pareceu MUITO que ele ia te beijar, mas muito mesmo. Eu não sei o que se passa na cabeça dele sobre, mas pra quem olha de fora parece, sim, que pelo menos uma faísca tem. — Ela deu de ombros. — Ou talvez seja apenas peso na consciência de ter te nocauteado. Vai saber?
— Pois é, acho que é isso — falou, segurando o colar que havia ganhado de Minho.
— Ah, você gostou? — Maíra perguntou empolgada, apontando para a peça.
— Eu amei! Achei muito legal ele ter feito.
— Ele ficava esculpindo isso em todas as pausas que nós dávamos. — Ela riu. — Ai, amiga, acho que talvez vocês tenham que conversar pra tirar essa história toda a limpo.
— Concordo — falou. Maíra soltou um longo bocejo.
— Vamos deitar?
— Vamos. — Então ambas foram para o dormitório.
se deitou e dormiu quase que imediatamente. No dia seguinte, acordou assustada com o barulho das paredes se abrindo, ela normalmente acordava antes, mas havia dormido um pouco demais. Então se levantou, alisou o rosto, prendeu os cabelos em um rabo de cavalo alto e foi para o refeitório. O café havia sido servido há pouco tempo, então estavam praticamente todos os clareanos sentados às mesas. avistou Teresa e Newt, pegou sua porção de comida e foi se juntar a eles.
— Bom dia, — Teresa falou, abrindo espaço para que ela pudesse se sentar ao seu lado.
— Bom dia, amiga — cumprimentou e se sentou. — Bom dia, Newt.
— Bom dia!
— Dormi demais hoje.
— Percebemos. — O garoto riu. — Não jantou com a gente ontem, . Tá tudo certo?
— Tá sim, eu inclusive estava falando disso com Maíra ontem à noite — ela disse e deu uma colherada na comida do dia. Aparentemente, hoje Caçarola não estava tão inspirado. — Como ontem o Gally foi lá na enfermaria, você tava lá, Newt. — Apontou para o amigo, que confirmou com a cabeça. — Então, nós ficamos um tempinho lá, depois resolvemos comer juntos. Nada demais. Tá tudo certo.
— Que bom então! — Ele sorriu aliviado. — E o Chuck, hein?
— Cadarço desamarrado, acredita? — falou indignada.
Depois de comerem, os três foram para a enfermaria. Finalmente o sabão estava pronto! Então as duas garotas pegaram as formas de madeira, levaram para o balcão e lá cortaram em retângulos e separaram de acordo com o aroma. foi até a cozinha pedir palha de milho a Caçarola, aproveitou e gastou uns 10 minutos conversando com o amigo. Quando retornou à enfermaria, ela e Teresa embalaram cada uma das barras cuidadosamente, fazendo marcas para identificarem os cheiros. Depois de todo esse processo, elas pegaram três caixotes, etiquetaram cada um de acordo com o sabão que iria armazenar e guardaram tudo. Aproveitaram para adicionar a contagem no estoque.
Terminado todo o processo do sabonete, voltou ao hall bem a tempo de encontrar Chuck. Na noite anterior, ela havia pedido a ele que retornasse pela manhã para que ela pudesse olhar novamente o machucado e trocar o curativo. Chuck era um garotinho muito adorável, completamente atrapalhado, mas muito gentil. Mostrou a ela que havia dado um laço duplo nos sapatos para evitar mais acidentes, o que a fez rir. Depois de cuidar de tudo, o dispensou.
Faltava pouco para o almoço quando Newt a pediu para ajudá-lo a arrumar uma das salas. Assim que terminaram, eles encontraram Teresa e foram almoçar. Depois do almoço, voltaram para a enfermaria. Um dos slopers havia caído e ralado algumas partes do corpo. Newt cuidou dele em cerca de minutos.
O resto da tarde passou tranquila e sem maiores problemas, então resolveram sair para o jantar um pouco mais cedo. aproveitou o tempo de sobra e foi se banhar antes de jantar, havia pegado um sabonete novo e queria muito experimentar. Ela aprovou o produto. De banho tomado, ela voltou para o refeitório, onde encontrou Maíra, Newt e Minho já sentados à mesa.
— Oi, gente! — cumprimentou, se sentando ao lado de Minho. — Como foi lá hoje?
— O de sempre, né? Corre, corre, corre, para, bebe água, come, corre, corre, e assim por diante — Maíra brincou. — Não tem muita novidade lá.
— O que pode ser bom ou ruim, depende do ponto de vista — Minho comentou. — Não estou muito afim de encontrar outro verdugo.
— Outro? Você já viu um? — perguntou surpresa.
— Nunca te contei? — perguntou e ela negou com a cabeça.
Ele contou, então, que em um dos primeiros dias de Thomas na Clareira, antes dele virar corredor, Minho estava voltando do labirinto, carregando um amigo ferido, porém as paredes começaram a se fechar e ele não ia conseguir passar. Morte certa. Mas, segundos antes, Thomas passou correndo paredes adentro e ambos ficaram presos. Sem ter como voltar, tiveram que tentar sobreviver à noite no labirinto, onde tiveram o grande azar de encontrar com um verdugo. Mas tudo terminou bem e, quando o dia amanheceu, conseguiram voltar à salvo para a Clareira.
se arrepiou inteira ouvindo a história. Se imaginou no lugar deles e soube, na mesma hora, que morreria em minutos lá dentro.
— É a coisa mais feia que eu já vi na vida — Minho falou. — Às vezes sonho com aquilo.
— Você é MUITO corajoso.
— Er... obrigado — Minho falou, corando levemente. — Mas e como foi o dia de vocês hoje?
— Finalmente cortamos o sabão!
— Nunca vi ninguém tão animada com sabão antes — Newt falou, rindo.
— É muito legal! Como pode, né? Juntar aquele tanto de coisa e virar uma barra cheirosinha de sabão? — falou animada.
— E ficou bom? — o garoto loiro perguntou.
— Ficou ótimo! Tomei banho com um deles hoje, estou mais cheirosa que o normal! — ela contou e cheirou o próprio braço. — Muito bom.
Depois disso, todos foram pegar suas porções para jantar. Retornaram à mesa e logo Thomas e Teresa se juntaram a eles. O grupo comeu junto, rindo e contando histórias, como de costume. Depois os casais se ausentaram, deixando e Minho para trás.
Como já havia passado a hora do jantar, eles foram conversar perto dos dormitórios, sentados na grama.
— Como você tá? — ele perguntou.
— Eu? Tô bem, por que a pergunta?
— Senti sua falta ontem no jantar... ontem à noite, no geral. Não te vi depois que voltei.
— Ah, estou em falta com todos vocês! É que eu jantei com outra pessoa ontem. — Ela preferiu esconder o nome de Gally, pois sabia que os dois não se bicavam. — Esqueci de avisar ou comentar com vocês.
— Mas então está tudo bem?
— Sim, pode ficar tranquilo. — Ela sorriu e ele fez o mesmo.
— E como está o seu rosto?
— Bem. — Ela tocou o queixo de leve. — Só dói quando eu aperto, nada demais.
— Que bom que está melhor.
— Quase não lembro que está aqui, só quando vejo meu reflexo — ela disse, rindo. — Mas logo, logo some.
— E as costas?
— Melhores também! Teresa me aplicou uma pomada ontem de manhã, parece que resolveu bem o problema.
— Então tá quase nova em folha! — ele brincou.
— Quase! — ela disse, rindo.
— Newt me disse que estão melhorando as trancas lá na enfermaria. — Minho mudou de assunto. — Por causa do acontecimento.
— Verdade. Ontem Gally foi lá fazer umas medições e testes com as peças novas.
— Ele está cuidando pessoalmente disso? — perguntou curioso.
— Está. Bem, desde o começo, não é? — Ela deu de ombros. — Ele nos ajudou a segurar e tirar o Dimas de lá, logo depois pedi a ele que ajudasse também com a proteção do estoque, e ele aceitou.
— Jantou com ele ontem, não é? — perguntou, pegando de surpresa.
— Sim. — Pra que negar? Era a verdade.
— Entendi — Minho falou e ficou olhando para o horizonte.
— Isso te chateia?
— Um pouco, mas só porque eu não gosto dele. Nem um pouco.
— Eu sei disso, mas concorda que ele tem me ajudado bastante?
— Concordo, mas não sei a que preço — ele falou, olhando seriamente para ela.
— Precisa parar de achar que tudo que ele faz é em troca de algo.
— Eu conheço aquele trolho tem tempos, , não falo da boca pra fora.
— Se quiserem, as pessoas podem mudar, Minho — ela disse, sorrindo com carinho. — Você mesmo deixou de ser um grande paspalho para virar uma das pessoas que eu mais gosto aqui. — apertou a bochecha dele, o fazendo rir e corar.
— É. Talvez tenha razão.
A Clareira era um ambiente muito estranho, por mais que não se lembrasse de qualquer outro que estivera anteriormente. Ali tudo era aumentado, intensificado. Amores, medos, ódios… tudo fervia em pouco tempo. Minho, e todos os outros, nutriam uma desconfiança fortíssima contra Gally. Às vezes ela se sentia extremamente errada por não se sentir da mesma forma. Mas, ao mesmo tempo, com ela, ele era uma pessoa boa, cuja companhia ela apreciava. sentia-se como se fosse o elo frágil entre Gally e os seus amigos, e que isso poderia fazê-la perder qualquer um dos lados em qualquer situação fora de controle.
Compreendia os motivos de todos para ter suas ressalvas com garoto, mas, de alguma forma, não conseguia se colocar no mesmo lugar e pensar da mesma forma, e temia que isso a fizesse parecer egoísta. Porém não achava justo que ele fosse hostilizado por todos que ali viviam. No fundo, ele era uma pessoa boa, ela sentia isso. Esperava muitíssimo que não estivesse errada.
Ela já estivera errada uma vez. Quando achou que Minho era um completo babaca. Lembrou-se que não conseguia compreender como pessoas tão amáveis como Newt e Thomas podiam ser amigos de alguém como ele. Mas, aos poucos, ele se mostrou uma pessoa diferente e se tornou um bom amigo. Ela colocou a mão sobre o colar que ele lhe dera. acreditava que ele, agora, a julgava como alguém importante para ele.
Pensou sobre o que havia conversado com Maíra e Teresa. Ambas concordavam que algo diferente se passava entre ela e o corredor. tocou no local onde o hematoma ainda se mostrava. Na sua visão, era um sentimento de culpa que o fazia tratá-la de forma diferente. Ou será que ela estava em negação? Talvez confrontá-lo sobre isso iria quebrar a relação pacífica que eles criaram. E não queria isso de forma alguma. Não poderia arriscar isso baseada apenas em especulações de seus amigos e sem uma prova concreta.
Ah, como estava confusa! Via-se em duas situações extremamente delicadas, em seu ponto de vista. Ser próxima de alguém que seus amigos odiavam com todas as forças. E a dúvida sobre a tênue linha traçada entre amizade e interesse.
“Que bobagem, !” pensou consigo mesma. “Tanta coisa importante para lidar e eu me preocupando com coisas bobas assim!”. Agora voltou seus pensamentos para o trabalho. Dimas. Ela não o conhecia, não nutria qualquer tipo de afeição por ele, mas também não nutria nenhum tipo de desafeto. Ela sentia pena. Queria ajudá-lo de qualquer forma. Queria poder fazê-lo voltar a ser quem era antes do vício. Queria mesmo? Ou era uma questão de egos? “Não. Eu realmente quero ajudar! Ninguém merece ficar trancafiado no amansador a vida toda.” Ela acreditava que fazia um bom trabalho e que conseguiria pelo menos melhorar um pouco a vida dele.
Esticou as pernas e ficou olhando para as pontas dos pés. Queria muito se lembrar do “Antes”. De como era a sua vida, de como aprendera a fazer o que fazia, das pessoas que participavam de sua rotina. Como será que era tudo no Antes? E por que tem um “Antes”? Ela queria muito saber, mas não queria pensar sobre. Sabia que se ficasse por muito tempo nessa paranoia iria criar teorias demais para a sua própria mente. Ela não precisava disso ali. A Clareira intensificava as coisas.
O ruído das portas se abrindo a assustou e a tirou de sua maré de pensamentos. Ela viu de longe os corredores entrando no labirinto. Os admirava muito. Era um trabalho que demandava muita aptidão física e psicológica. Ela não sabia se possuía alguma das duas.
Levantou-se e foi até o refeitório. Procurou os amigos com os olhos, mas não os viu, então pegou sua porção e se sentou no lugar habitual. Não estava com fome, mas sabia o quão importante eram as refeições do dia para que todos funcionassem bem e mantivessem a Clareira funcionando. Comia devagar, observando o movimento.
— Bom dia! — Newt a cumprimentou, sorridente.
— Bom dia! Dormiu bem? — ela perguntou, saindo do marasmo que se encontrava naquela manhã.
— Dormi muito bem. E você?
— Também! Acordei bem disposta.
— Que bom! Espero que o dia seja calmo como foram os últimos — o garoto comentou, e logo em seguida deu uma colherada no seu mingau. Caçarola estava menos inspirado que no dia anterior. — Tão bom quando podemos ficar de bobeira grande parte do dia.
— Vamos ficar mal-acostumados! — ela disse, rindo. — Mas, se está calmo, é sinal de que ninguém está se machucando, que é boa coisa.
— Verdade! — Newt concordou. — Sabe se as trancas ficam prontas logo?
— Não sei. Gally levou algumas para testar, mas não gostou do resultado, pelo que eu vi. Mas posso ir lá ver como está o andamento do projeto.
— Seria bom. Não gosto de manter o Dimas trancafiado — ele disse, olhando em direção aos amansadores. — Será que podemos começar a passar os remédios para ele ainda hoje?
— Não sei. Acho que devíamos conversar com os outros sobre isso para termos uma decisão concreta.
— Justo.
Os outros med-jacks não apareceram no café, então Newt e seguiram para a enfermaria assim que acabaram de comer e lá os encontraram.
— Bom dia! — Newt disse, entrando no hall. — Precisamos de uma reuniãozinha aqui.
— Qual é o assunto? — Jeff perguntou.
— Dimas.
— E o que sobre ele? — Teresa se aproximou. — Gostei do cabelo — sussurrou para , que sorriu em resposta.
— e eu estávamos conversando sobre começar a administrar os medicamentos hoje. O que vocês acham?
— Acho que precisamos fracionar e traçar as quantidades exatas antes de começar — Nick disse. — Planejar mesmo cada passo. Ou vamos nos meter em problemas maiores que podemos aguentar.
— Tem razão — Teresa concordou. — Podemos fazer isso hoje. Se tivermos condições, iniciamos logo o protocolo. Se não, esperamos até podermos. O que acham?
— Acho prudente — falou. — Como estão as tarefas pra hoje?
— Tudo tranquilo. Nada de especial — Tony disse. — Acho que conseguimos finalizar tudo pelo meio da manhã. Podemos nos encontrar depois.
— Ótimo! — Newt disse. — Então, se não houver problemas maiores, nos encontramos na enfermaria para decidir isso — completou. — , pode ir ver como está o progresso das trancas?
— Claro.
— Obrigado. Os demais, vamos seguir a escala — finalizou e todos seguiram para os seus postos.
saiu em direção ao local onde os Construtores costumavam trabalhar. Ao se aproximar, ouviu o habitual ruído que sempre saía de lá. Cumprimentou os clareanos que estavam do lado de fora, perguntou se sabiam onde ela poderia encontrar Gally, eles a disseram que ele estava nos fundos e para lá ela seguiu.
Gally estava mexendo com algum metal incandescente, que brilhava vermelho na pinça que ele segurava com as mãos enluvadas. O rosto estava suado devido ao calor das chamas e os olhos semicerrados por causa da intensa luminosidade. Ele não a havia percebido, então ela se sentou em um banco que estava ali perto e esperou. Não queria atrapalhar.
Ele colocou o metal sobre uma bigorna e começou a martelar. Os ruídos agudos ecoaram por todo espaço. Talvez até por toda a clareira. ficou observando. Gally trabalhava muito concentrado e aplicava bastante força em cada golpe. Ela podia ver cada músculo de seu corpo se delineando sob a camiseta suada. Gally mergulhou o metal quente em alguma substância líquida, que ela não saberia dizer o que era, e um chiado alto e uma fumaça intensa se dissiparam pelo ar.
O garoto secou o suor do rosto com as costas das mãos e retirou a peça do tonel. Aparentemente, estava do jeito que ele queria, pois Gally sorriu assim que viu o resultado.
— Oi, Gally! — disse, sem se aproximar, mas ainda assim o garoto se assustou.
— Oi, ! Quando você chegou aqui? — perguntou, tirando as luvas e as colocando sobre a bancada. — Me assustou.
— Desculpe! É que quando eu cheguei você estava tão concentrado que eu não quis te atrapalhar.
— Você nunca atrapalha — ele disse e se aproximou dela. — Em que eu posso te ajudar? Ou veio aqui só pra me ver?
— Vim te ver também, mas minha missão é saber como andam as trancas — ela disse, sorrindo. — Queremos começar a trabalhar com o Dimas, mas precisamos das trancas prontas.
— Estou trabalhando nelas agora mesmo! Quer ver?
— Quero! — ela disse e se levantou num pulo. Gally a guiou até a bancada em que estava trabalhando.
— Cuidado que algumas coisas podem estar quentes — alertou-a. — Mas isso aqui é o que eu penso em fazer — falou, mostrando um desenho minucioso feito num papel amarelo. — O que você acha?
— Se você acha que está bom, eu confio totalmente! Não entendo muito da mecânica das coisas, mas me parece muito bom! — ela disse, e ele sorriu.
— Elas vão ficar assim — ele disse, pegando a peça que acabara de trabalhar com as luvas de couro. — Vão dar um pouco mais de trabalho para instalar, mas vão ser mais seguras.
— Gostei! Você é o máximo! — ela disse animada, e ele enrubesceu ligeiramente, algo que poderia ser confundido com uma reação ao calor do fogo próximo a eles. Mas ele sabia que não era.
— Que bom que gostou — ele disse. — Eu acredito que consigo terminar todas ainda hoje, mas não sei se consigo instalá-las nesse prazo.
— Acha que amanhã de manhã consegue?
— Se não houverem problemas, creio que sim.
— Ótimo! — Ela se animou. — Mais uma vez, muito obrigada por cuidar disso!
— Não precisa agradecer. É o meu trabalho. E eu gosto de poder te ajudar — Gally disse, e ela sorriu.
— Que bom saber que posso contar com você.
— Sempre.
— Pode contar comigo também. Sabe disso, não é?
— Sei sim — ele confirmou, sorrindo.
— Que bom! — ela disse e lhe deu um beijo na bochecha. — Eca, você está suado! — brincou e ambos riram.
— É o que acontece quando se mexe com fogo, ! — ele falou, sorrindo. — Ossos do ofício.
— Nada que um banho não resolva! — ela brincou. — Olha, eu preciso ir agora.
— Tudo bem. Te vejo mais tarde?
— Claro! Até mais!
— Até!
saiu então da “oficina” e voltou para a enfermaria. Chegando lá, seguiu para ajudar Teresa a trocar os lençóis das macas.
— Oi, amiga! — Teresa cumprimentou, assim que a viu. — E então? A quantas andam as trancas?
— Gally disse que consegue terminá-las hoje, mas só vai conseguir instalar tudo amanhã.
— Certo — Teresa disse pensativa. — Isso é um problema pros nossos planos.
— Sim, mas não há o que fazer. Ele está forjando as peças uma a uma, não tem como apressar.
— Forjando? Sério? — Teresa perguntou, enquanto retirava um lençol de uma das macas. — Que dedicação — murmurou alto. — Amiga, alguns estão rasgados, vamos ter que costurar.
— Tudo bem — disse, enquanto retirava outro lençol. — Acho que vai ficar um trabalho muito bom, sabe? Ele parece empenhado.
— Até demais, eu diria — a outra garota comentou. — Mas que bom! Vamos ter um estoque seguro e à prova de doidos.
— Amiga… — tentou, mas não conseguiu segurar o riso. — Que feio!
— Querendo ou não, ele é um doido, amiga! Fazer o quê?
— Para!
— Parei! — Teresa levantou as mãos em rendição. — Vou mudar de assunto então. Minho estava te procurando ontem.
— E me achou. Conversamos ontem à noite antes de dormir.
— Sobre?
— Nada demais. Ele achou, como todos vocês acharam, que eu estava chateada com vocês porque não jantamos juntos — respondeu, arrumando mais uma maca. — Aí eu disse que não tinha nada disso, que eu só jantei com outra pessoa.
— Você realmente tolera o Gally. Impressionante.
— Teresa… — não queria entrar nesse assunto outra vez. — Ele é um bom amigo.
— E você é uma santa! Ninguém nessa clareira conseguiu amansar aquele cavalo.
— Eu não amansei ninguém. Ele sempre me tratou bem.
— É porque é IMPOSSÍVEL não gostar de você, ! — Teresa disse e jogou um travesseiro na amiga. — Você é um poço de simpatia.
— Obrigada pelo elogio. — jogou o travesseiro de volta, rindo.
— Mas é verdade! E não estou falando isso só porque você é minha amiga — a garota continuou. — Eu te acho muito… não sei explicar, mas é muito fácil gostar de você.
— É fácil gostar de você também.
— Maíra não gosta. — Teresa fez cara de desgosto. — Mas eu também não gosto dela.
— Pois é … — também não queria se meter naquele assunto. Não era da conta dela. E nem queria tomar partido. — Todos esses são os que estão rasgados? — Mudou de assunto, apontando para uma pilha de pano em uma das macas.
— Sim. Tem alguns lençóis, algumas fronhas e uns jalecos também — Teresa disse, terminando a última maca. — Vamos costurar?
— Vamos.
Elas, então, pegaram as peças e foram se sentar do lado de fora. se ocupou de ir buscar agulhas e linhas e logo as duas começaram os trabalhos. A maioria não estava muito danificada, eram apenas alguns furos pequenos. Mas outros tinham rasgos maiores que demorariam mais para serem reparados.
gostava de costurar, achava relaxante, ainda mais quando tinha companhia. Ela e Teresa ficaram conversando sobre casualidades da vida enquanto davam os pontos e nem perceberam o tempo passando. Só perceberam quando Newt foi chamá-las para a reunião.
Todos os med-jacks se encontraram no hall para fazer o plano de ação. Primeiro pensaram sobre quanto tempo duraria todo o “tratamento”, pois, por mais que eles tentassem, não podiam saber ao certo como o corpo de Dimas responderia. Então criaram uma janela de tempo em que poderiam manejar bem qualquer alteração que pudesse surgir, e torciam para que ela fosse suficiente para concluir o que queriam.
Passada essa etapa, decidiram quais os medicamentos eles iriam utilizar. Sabiam que não podiam dar do analgésico mais forte livremente, já que o estoque era limitado e poderiam precisar dele para algum acidente grave, além de não ajudar com o vício do clareano. Então decidiram que iriam utilizá-lo diluído em algum tônico calmante, no início. Depois passariam a administrar medicamentos mais fracos, então estes diluídos, e então passariam para os tônicos puros e, por fim, para os placebos. Pareceu-lhes um bom plano.
A próxima tarefa era decidir as dosagens. Como não podiam prever exatamente o tempo que duraria o processo todo, resolveram dividir por estágios. No estágio 1, que seria o mais crítico, em que o vício está extremamente descontrolado, iriam utilizar o medicamento forte diluído em tônico. No estágio 2, quando as coisas começassem a melhorar, iriam passar para os analgésicos mais fracos. E este estágio se dividiria em 4 etapas, cada uma delas com um medicamento mais fraco que a anterior. No estágio 3, utilizariam o medicamento mais fraco diluído em tônico. E, por fim, no estágio 4, aplicariam os placebos. E o estágio 5 seria o final de tudo, onde poderiam parar de dar a Dimas qualquer coisa.
Com tudo isso planejado, criaram um quadro de acompanhamento. Esse era um plano de longo prazo, e precisavam poder saber exatamente onde estavam para que pudessem ter sucesso. Separaram um caderno para que cada dia e cada etapa pudesse ser registrado, assim, caso alguém novo entrasse no esquema, saberia exatamente o que já aconteceu e o que vai acontecer.
E, no final, criaram uma escala nova para a função de cuidar do Dimas. A nova função demandaria que um deles entregasse a medicação ao clareano, fizesse um exame físico rápido, e anotasse cada passo e cada sintoma que ele relatasse.
Todo esse processo durou mais do que eles esperavam, e acabaram por perder o horário do almoço. e Newt foram conversar com Caçarola, explicar a situação e ver se eles poderiam comer mesmo fora de horário. O cozinheiro concordou e lhes deu o que havia sobrado — ele havia guardado as porções de cada um deles quando percebeu que eles não estavam presentes. Um querido.
Para que a enfermaria não ficasse sozinha, se dividiram em trios para poderem almoçar. Primeiro Jeff, Tony e Nick. E depois , Teresa e Newt, já que ainda precisavam terminar de costurar as roupas de cama e os jalecos. “Ainda bem que não pulei o café da manhã” pensou.
O turno estava quase no final, quando ouviram uma comoção do lado de fora da enfermaria. Todos correram para ver o que era. Minho vinha carregando uma Maíra desacordada no colo, seguido pelos outros corredores. Newt arregalou os olhos e foi correndo em direção a eles. Ele, então, pegou-a dos braços de Minho e voltou às pressas para dentro da enfermaria. Os med-jacks, assim como Minho e Thomas, o seguiram.
— O que aconteceu? — perguntou, enquanto Newt e Jeff colocavam Maíra em uma das macas.
— Ela caiu. Tomou um tombo feio e rasgou a perna — Minho disse, com a respiração acelerada.
— Quando viu o sangue todo, ela desmaiou — Thomas completou.
— Rasgou a perna em quê?
— Um vergalhão que estava exposto — Minho respondeu.
— Droga — praguejou. — Obrigada. Podem ir — dispensou-os sem muita cerimônia e foi ajudar a amiga.
Passou para Newt o que os corredores relataram e logo começaram, efetivamente, a cuidar de Maíra. O corte tinha sido realmente feio. Não foi um corte, foi literalmente um rasgo. Enquanto Jeff e Nick tratavam de acordar a garota, os demais se ocuparam do ferimento. Levaram ali um bom tempo para higienizar, fechar e aplicar o curativo, mas, no final, ficou um trabalho excepcional. E Maíra estava bem.
— Vai ter que ficar de molho por um tempo — Newt disse à namorada, que ia começar a reclamar, mas ele a interrompeu. — Isso não é negociável. Ou você sossega por uns dias ou isso aí vai piorar e ficar muito muito muito ruim.
— Mas…
— Nem meio “mas”. Isso não é uma discussão. — Ele a interrompeu. — Precisa se cuidar — ele disse carinhoso, fazendo carinho no rosto dela. os achava muito fofos.
Depois de juntarem todo o material utilizado, os med-jacks resolveram deixar os dois à sós e saíram da sala. Minho, Thomas e Gally estavam sentados no hall. se assustou ao ver o construtor ali e ainda mais com o fato de os três não estarem discutindo.
— E aí? Ela tá bem? — Minho se levantou e perguntou. Enquanto isso, Teresa se ocupou de contar a Thomas do ocorrido.
— Sim, sim. Não vai poder correr por um tempo, mas está bem — respondeu.
— Foi bem feio.
— Bem feio mesmo! Mas por sorte não afetou nenhuma estrutura importante — ela respondeu aliviada. — Agora vamos observar ela por uns dias para ver se não vai desenvolver alguma complicação. Espero muitíssimo que não — completou, cruzando os dedos.
— Espero que não também — ele falou. — Ela vai ter que dormir aqui?
— Sim.
— Você vai ficar aqui também?
— Acho que não vou precisar — disse, rindo. — Newt vai querer se ocupar disso pessoalmente.
— Verdade! — Minho concordou, rindo. — Te vejo no jantar então?
— Sim! Eu devo demorar um pouquinho, mas já perdi o horário de almoço, Caçarola não vai me deixar comer se perder o do jantar também — contou.
— Como assim? — Ele quis saber. Nesse momento, Gally fungou o nariz e lembrou que precisava conversar com ele também.
— Te conto no jantar. Pode ser? Preciso resolver mais algumas coisas.
— Certo — Minho falou, franzindo levemente o cenho para o outro garoto. — Te espero no refeitório então. — Ele, talvez de pura pirraça, deu um beijo na testa de e saiu. — Até logo!
— Até! — uma corada respondeu. — Oi, Gally! — ela disse ao outro garoto.
— Oi — ele disse, olhando para a porta por onde Minho acabara de sair. — Vim testar as trancas. Posso?
— Claro! Vem comigo — ela disse e o guiou para dentro do estoque. — Fique à vontade.
— Obrigado. — Ele então colocou as peças sobre o balcão e começou a trabalhar. — O que aconteceu ali? — perguntou. de costas para .
— Maíra machucou a perna no labirinto. Um machucado bem feio.
— E deu tudo certo?
— Acredito que sim. Por ora, não tivemos nenhum problema.
— Que bom — ele disse, seco.
— Como foi o seu dia? — ela perguntou, tentando puxar assunto.
— Fiquei trabalhando nisso o dia todo.
— Me parecem muito boas — disse, observando as peças metálicas que ele testava. Gally ficou quieto enquanto posicionava as peças aqui e ali e anotava os resultados num papel.
percebeu que ele não queria conversa, então ficou calada. Havia bandagens para dobrar e separar para serem utilizadas no dia seguinte, então ela se ocupou disso. Ficaram os dois trabalhando calados, um de costas pro outro, até que Gally terminou.
— Amanhã eu venho instalar — falou, quebrando o silêncio desconfortável que estava no pequeno estoque. — Tudo bem?
— Certo — disse, se levantando do chão em que havia sentado para organizar as bandagens. — Obrigada.
— Quero saber se você está bem — ele falou, se apoiando no balcão, desfazendo a carranca que estava antes. sorriu.
— Sim. Estou bem. Cansada. Estressada. Mas estou bem.
— Isso aí te deu um trabalhão, não é? — ele disse, apontando na direção da sala em que Maíra estava.
— Com toda a certeza. Mas a preocupação com ela me deixou mais ansiosa — disse, alongando o pescoço. — Fiquei bem assustada.
— Foi tão ruim assim?
— Foi bem ruim, mas o fato de ela ser minha amiga eleva as coisas num nível muito maior.
— Justo — Gally disse. — Ainda bem que ela te tem como amiga. Você é ótima no que faz.
— Ah, obrigada! — sorriu. — Você é muito gentil.
— Só estou falando a verdade! — ele respondeu, sorrindo. — Ela vai ficar bem, e você também. — Então se aproximou e a abraçou. Ele cheirava a fumaça, mas era uma abraço tão envolvente que ela nem se importou.
— Obrigada, Gally — disse, assim que se separaram.
— Não há de quê. — Ele sorriu. — Agora eu vou porque preciso guardar isso aqui e tomar um banho.
— Certo. Te vejo amanhã? — ela perguntou.
— Claro! Até amanhã!
— Até! — ela se despediu e ele saiu.
Então levou as bandagens arrumadas para o quarto de Maíra, que ainda estava conversando com Newt. Ela não quis interromper, então entrou e saiu bem rapidinho. Depois, ela e os outros fecharam tudo e foram para o refeitório. Como já era esperado, Newt não foi com eles, pois iria passar a noite com a namorada.
Chegando ao refeitório, a garota pegou sua porção e procurou os amigos com os olhos. Não viu Thomas e nem Teresa, mas viu Minho chegando pelos fundos. Ela acenou para ele e se sentou em uma das mesas. Logo em seguida, depois de pegar a sua comida, Minho se juntou a ela.
— Então, como vão as coisas lá? — perguntou
— Tudo bem. Newt vai passar a noite com Maíra e amanhã vão ser colocadas as novas trancas no estoque — ela respondeu, sorrindo.
— Vai ser estranho correr sem ela — Minho comentou.
— É, mas não tem outro jeito. Ela precisa ficar de molho por um tempo.
— Sim, sim, eu entendo totalmente — ele concordou. — Ainda bem que ela te tem como amiga. Você é muito boa no que faz! — disse. sorriu, mas achou engraçado que Gally disse a exata mesma coisa.
— Muito obrigada! E que bom que ela TE tem como amigo, não quero nem pensar no que aconteceria se ela estivesse sozinha lá! — disse e um arrepio lhe subiu pelo corpo.
— Por isso que não se deve passar dos muros se não for um corredor — ele disse. — Mas tudo acabou bem.
— Sim!
— Eu não te vi hoje de manhã. Dormiu demais? — perguntou, com um sorriso zombeteiro no rosto.
— Não, eu até levantei cedo, mas fui dar uma volta e acabei me atrasando pro café.
— Dar uma volta nesse lugar tão amplo e interessante? — Minho falou sarcasticamente e riu.
— É o que temos, não é? — ela falou e ele riu. — Estava precisando arejar a mente um pouco.
— É muita intromissão minha se perguntar o porquê?
— Não.
— Então, por quê? — ele perguntou e ela riu.
— Por causa da situação do Dimas — contou. Obviamente, não mencionaria as outras partes. — Inclusive foi por isso que perdi o almoço — completou.
— Como assim?
— Fizemos uma reunião pra planejar todos os passos que daremos com ele a partir de agora e demorou muito mais do que esperávamos, aí passamos direto pelo almoço.
— Espero que dê tudo certo — Minho disse. — Foi um dia agitado então.
— Com certeza! Achei que seria tranquilo, mas, olhando agora, tiveram muitas coisas.
— MUITAS coisas — ele falou e ela sorriu.
Ficaram falando bobeira até terminarem de comer. achava tão fácil ficar perto de Minho. Agora a energia dele fazia bem pra ela. Depois de lavarem e devolverem os utensílios, eles se sentaram na escadaria.
— Nossa, estou tensa até agora com isso da Maíra — ela disse, apertando os ombros, que estavam rígidos e doloridos.
— Não sou dos melhores, mas posso tentar te fazer uma massagem. Quer? — Minho ofereceu.
— Ah, eu não vou recusar, não. — Ela se sentou, então, dois degraus abaixo dele, entre as suas pernas. — Vai que é tua! — falou e ele riu. Ela estava realmente muito tensa, tanto que quando ele começou a apertar seus ombros, ela sentiu dor, mas sabia que era passageira.
— Credo, tá parecendo uma pedra — ele comentou.
— Ossos do ofício — brincou e ele riu. As mãos dele eram firmes e ela podia sentir o calor delas através da blusa. Fechou os olhos e se deixou relaxar ali com ele. Parecia que cada vez que Minho a tocava uma onda de tranquilidade passeava pelo seu corpo e voltava uma eletricidade positiva que a fez arrepiar algumas vezes.
— Além de tudo isso, como você está? — ele perguntou, com a voz calma.
— Bem. Na medida do que é possível aqui na Clareira.
— Entendo bem o que diz — completou, massageando suavemente os ombros da garota. Agora ela já nem sentia mais dor, só se sentia relaxando mais a cada segundo. — Quanto mais a gente pensa, pior.
— Exatamente, por isso tento não ficar criando mil teorias na minha cabeça. Mas as vezes sai do meu controle.
— Eu acho que quanto mais a gente corre desses pensamentos, mais eles nos perseguem.
— Tem razão. Mas não sei se estou preparada para me aprofundar nisso ainda.
— Tudo tem seu tempo, .
— Tudo tem seu tempo — ela repetiu, concordando. — Você pensa muito sobre.
— Tanto quanto é possível, mas já exauri minhas ideias com isso. Já estou aqui tem tempo demais.
— Eu ia dizer que sinto muito, mas não sei como era O Antes. Vai que era pior?
— O Antes?
— Sim. É assim que eu chamo.
— Achei pertinente — ele falou e parou de massagear os ombros da garota. — Quer dar uma volta por aí? — perguntou, colocando o rosto próximo ao dela.
— Quero. — Ambos, então, se levantaram dos degraus e seguiram sem rumo pelo gramado.
— Não gosto muito de pensar no Antes, me deixa soturno demais — Minho comentou, olhando o céu. — Mas não tenho como evitar.
— Eu me sinto da mesma forma. É uma estranheza que não consigo superar. Vira e mexe isso volta a ser o foco na minha mente.
— Eu tento me focar o máximo possível no trabalho para que isso não me absorva.
— Acho que também faço isso, sabe? — disse, olhando para ele. Minho olhava tranquilamente para o céu, contemplando a imensidão cercada pelas paredes do labirinto. — Você gosta de ir lá?
— No labirinto? — ele perguntou e olhou para ela. assentiu com a cabeça. — Não gosto. Mas eu acho que é a única forma de talvez encontrar uma saída — respondeu, parando de andar, e ela fez o mesmo. Estavam de frente para os Jardins.
— E o que vai acontecer quando encontrarem? — ela perguntou, se dirigindo a um banco junto das cercas da plantação de milho.
— Não sei — Minho falou e a acompanhou. Ambos se sentaram. — Realmente não sei. Ao mesmo tempo que quero sair daqui, tenho medo do que vamos encontrar do outro lado.
— Também tenho medo — ela contou. O desconhecido era um grande abismo. — Tenho muitos medos, eu acho — ela disse e riu de si mesma.
— Todo mundo tem. Acredite — ele falou, sorrindo. — Eu tenho medo de agulhas.
— Ah, não! — ela falou desacreditada. — Sério?
— Sério! — MInho falou, rindo. — Não gosto nem de pensar.
— Como pode? Um homem forte desse jeito com medo de agulhas.
— É meu ponto fraco. — Ele deu de ombros. — Se tem agulha, muito provavelmente tem dor envolvida.
— Mas nem sempre! — disse. — Eu me pico com agulhas sempre, acho que já me acostumei.
— Ossos do ofício?
— Ossos do ofício! — ela repetiu, rindo. — Você é ótimo! — ela disse, e ele corou levemente.
— Que bom que consigo te arrancar uns sorrisos depois de um dia desses — Minho disse, sorrindo, mas desviou o olhar para o chão.
— Você sempre me faz rir! A não ser quando resolve pegar no meu pé, aí eu quero te socar.
— Violência nunca é a resposta, senhorita — ele disse brincando, e ela riu mais uma vez.
— Tá vendo? Você é um palhaço! — Ela deu-lhe um empurrãozinho. — Não tem como!
— E pensar que você não gostava de mim!
— Você que implicava comigo!
— Era só brincadeira, ! Só pra te estressar um pouco — ele falou, e ela lhe mostrou a língua. — Preciso fazer uma coisa — falou repentinamente, a fazendo ficar confusa.
— O quê? Posso perguntar?
— Pode — ele disse e então juntou seus lábios nos dela.
ficou paralisada. Não sabia o que fazer. Definitivamente, não estava esperando por aquilo. Uma eletricidade percorria o seu corpo.
— Desculpe — ele disse e afastou o rosto do dela.
— Não — ela disse.
Colocou as mãos no seu pescoço e o puxou novamente para o beijo. Ela não queria que ele tivesse se afastado. Dessa vez, ambos estavam relaxados, certos de que estavam fazendo o que queriam. Minho reduziu a já pouca distância entre eles e colocou as mãos na cintura de . Ela sentiu, novamente, a onda elétrica lhe atingir com o toque. Logo os dois estavam completamente entregues num beijo calmo e ao mesmo tempo intenso.