Revisada por: Saturno 🪐
Última Atualização: 18/11/2024.Mas sabia como o amor era capaz de ser destrutivo e a primeira vítima que se lembra de ter visto sucumbir a ele foi sua mãe.
Sua mãe que todas as noites, sem falta, se sentava na beira de sua confortável cama, em seu espaçoso quarto na cobertura dos Snow, e lia para ele. Os livros lidos se amontoavam nos móveis projetados por designers da Capital, que vinham de trem do Distrito 2 e que, anos após a morte dela, foram sacrificados na lareira para impedir que sua família congelasse. Ver as páginas coloridas dos livros infantis serem reduzidas a cinzas sempre o deixava em prantos.
Coriolanus era pequeno, não mais de cinco anos, mas sabia que sua mãe era uma das mulheres mais belas de toda a Capital, pois era o que seu pai dizia, e seu pai era um homem com honra imaculada, que jamais mentiria. Ele não a comparava com as mulheres de Panem, pois isso incluiria as escórias dos Distritos e seria uma ofensa. A Capital era o átrio da beleza e sua mãe o epítome. E ela sempre cheirava ao pó de rosas que guardava em um compacto de prata, que reaplicava quando estava perto do horário do pai dele chegar em casa.
Ela era uma verdadeira dama, como ele ouviu inúmeras vezes de inúmeras pessoas. Sua mãe tinha um bom coração, bons modos e boa educação. Ela lhe explicava as lições de matemática com paciência e penteava o cabelo dele com carinho. Buscava na Academia também. Enquanto a maioria dos amigos eram recepcionados pelas suas babás, ela estava lá, junto ao motorista dos Snow, o esperando com braços abertos e um sanduíche de damascos e presunto cru no pão artesanal do Distrito 11.
Sua mãe era talentosa, ao ponto de jamais errar quando tocava piano ou cantava para acompanhar sua Lady-Vó na época do Cerco. Enquanto Lady-Vó desafinava sem piedade, sua mãe sorria para ele e piscava para que não fizesse caretas.
No entanto, um dia o cantarolar dela foi substituído por um grito, cuja memória ainda estremecia seus ossos. Como metal arranhando metal, os gritos dela o arrepiaram na noite em que o primeiro bombardeio contra a Capital impediu que pudesse ir ao hospital. Ela morreu gritando para que salvassem a criança e a deixassem morrer.
Sua mãe amou tanto sua irmãzinha, que permitiu que ela a matasse.
— Os médicos haviam avisado a ela — Lady-Vó sussurrava aos pais de Tigris na sala. A tia dele, cunhada de seu pai, suspirou com pesar. — Uma gravidez nesta situação, com os rebeldes à solta, não seria ideal, mas aquela mulher sempre foi teimosa. — Muito pequeno, ele não percebia que sua avó tratava a situação como um mero plot novelístico e se fez protagonista em pouco tempo. — Fiz tudo o que pude, junto à imprestável da cozinheira, mas não consegui salvá-la. — No topo da escada, de onde observava tudo, ele podia notar as lágrimas de crocodilo. — Havia tanto sangue…
Coriolanus Snow nunca amou ninguém em sua vida.
Contudo, o fato de não ter nutrido sentimentos por garota alguma em seus anos na Academia nunca o preocupou. Ele sabia que o amor era a porta de entrada para a fraqueza que jamais poderia permitir-lhe acometer. Uma moléstia feroz como a gripe de cisne que o fez desmaiar nas ruas da Capital e quase congelar quando era criança.
Mas não poderia permitir que aquilo se repetisse, afinal, Crassus Snow havia morrido e ele era o herdeiro de uma casa em ruínas, e sua avó devedora de dívidas que a seguiriam para o túmulo se ele não tivesse sucesso em elevar o nome de sua família e as quantias em sua conta bancária. Isso somente seria possível com um bom emprego após a Universidade, enveredando em uma profissão lucrativa ou outra, mas o caminho era árduo e difícil.
O seu bom desempenho na Academia era necessário para garantir oportunidades para uma vida melhor, mas Coriolanus também precisava garantir que ganharia um dos prêmios que eram oferecidos na formatura, sendo o mais recém instituído o Prêmio Plinth. Sem tal prêmio, não teria como pagar a Universidade, o que significaria que não teria carreira, o que significaria que não teria o futuro que merecia na Capital e não poderia prover para sua família.
Então, diferente dos demais estudantes com quem dividia sala, Coriolanus se absteve de qualquer relacionamento que não pudesse garantir a ascensão social necessária.
Por tal motivo, engatou em uma amizade com Clemencia Dovecote, dando tutorias quando necessário e, inúmeras vezes, permanecendo um pouco mais tarde para garantir que iria jantar. Algumas vezes pedia um pouco mais da sobremesa, alegando que a sua avó iria amar. No entanto, as ocasiões eram raras e ele muitas vezes se forçava a sair momentos antes do jantar ser servido, alegando que havia prometido jantar com a sua família, mesmo que o jantar opulento que os Dovecote imaginavam ser fosse uma sopa rala de feijão e repolho.
No entanto, Coriolanus fez questão de aproximar-se de todos os colegas de classe até certo ponto, é claro. Dentre aqueles que o limite nunca se atenuava, Sejanus Plinth era um dos primeiros.
Snow os culpava pela queda de sua família. Os Plinth, como Crassus Snow, investiram todos os seus recursos na Guerra, principalmente no setor armamentista. No entanto, os Snow o fizeram no Distrito 13, enquanto os Plinth no Distrito 2. Enquanto o 13 ardia em chamas, após um ataque nuclear que destruiu o Distrito e todos os bens dos Snow, o 2 se tornou o novo centro de manufatura militar da Capital e, com ele, os Plinth se tornaram os novos ricos mais detestados de Panem.
Sejanus Plinth era de Distrito. Chamava sua mãe de Mãezinha e desdenhava dos Jogos Vorazes, pois sabia que deveria ter seu nome entre aqueles na Colheita. Snow achava que parte do medo de tal coisa acontecer foi o que levou os Plinth para a Capital. Sendo filho do maior investidor na Guerra que destruiu os Distritos e os puniu com os Jogos, Sejanus morreria antes mesmo do banho de sangue se iniciar.
No entanto, Sejanus tinha um ponto forte.
Gaul. A família Gaul, logo após os Plinth, era a mais rica da Capital.
Parte da velha-guarda, os Gaul fizeram fortuna muito antes de sequer existirem boatos sobre a Guerra, sendo os responsáveis por muitos dos avanços científicos de Panem. Todas as famílias na Capital eram renomadas por seus feitos em determinados ramos e os Gaul não eram diferentes; todos eram formidáveis — médicos e cientistas que o Governo considerava tão valiosos ao ponto de jamais permitir que deixassem a Capital e se realocassem para algum distrito, tanto que, durante a Guerra, permaneceram no lar de visitas na Mansão do Presidente, salvos da fome e do frio. A salvo de serem tentados pelos rebeldes e acabassem por destruir a Capital.
Mediante o fim da Guerra, a irmã do meio, Dra. Volumnia Gaul, se tornou a Chefe dos Idealizadores dos Jogos. O irmão mais velho, Hyperion, tornou-se Presidente do Departamento de Guerra O mais novo dos dois, Atlas Gaul, morreu na Guerra após fugir e se juntar aos militares. Hyperion Gaul tornou-se mais aliado ao Presidente do que nunca, mas teve de dividir os holofotes com Strabo Plinth, o que resultou em um trio dominante entre os homens mais ricos e poderosos da Capital.
E fez inevitável a aproximação entre , filha de Hyperion, e Sejanus.
havia sido parte do ciclo social de Coriolanus há muito mais tempo do que os Plinth tinham poder na Capital, mas Sejanus havia sido a escolha dela quando foi a hora de formar pares assim que entraram no ensino médio. O horror dos demais alunos, que sempre se sentiram deveras intimidados para sequer trocar uma palavra com Gaul, não foi inesperado.
Diferente de como Clemencia Dovecote era a aluna mais popular com alunos e os professores, e sua gentileza dava margem para muitas liberdades, Gaul era a mais respeitada. Os professores a conheciam, pois conheciam seu nome, principalmente a sua tia, que era professora na Universidade e sempre estava na Academia. Os alunos a conheciam, pois era a mais inteligente da sala. E Coriolanus a conhecia, pois a mãe de , Viola Gaul, comprava as rosas de sua avó.
No entanto, Sejanus, a escória de distrito que havia sido rejeitada por todos os demais alunos, foi quem caiu nas graças da única herdeira da farta herança dos Gaul.
Coriolanus e muitos outros alunos, membros de seu círculo íntimo, estavam enojados com o relacionamento que parecia estar se estabelecendo entre os dois. As meninas estavam assustadas com a falha de quem consideravam a melhor entre elas, mesmo que jamais ousassem admitir, e os rapazes, em sua grande maioria, dividiram a fúria e inveja de ter sido o garoto Plinth que havia conquistado a jovem antes que eles pudessem.
Snow havia convivido com por muitos anos, mas não o suficiente, não como Sejanus provavelmente havia durante o Cerco. Coriolanus e ela frequentavam as mesmas aulas há uma década e se cumprimentavam cordialmente nos corredores. Algumas vezes, ela até mesmo sorria para ele como fazia com Felix Ravinstill, o sobrinho-neto do presidente com quem ela havia crescido. Coriolanus não sentia nada pela jovem Gaul além de um certo senso de possibilidade, mas passou a sentir raiva após sua aproximação com Sejanus.
Não entendia como ele foi a sua escolha.
Ele não conseguia entender como alguém como ela, de nível tão alto e tão influente, podia gostar tanto de Sejanus. No entanto, Coriolanus sempre optou por suprimir o assunto, decidido a não perder tempo com algo tão frívolo como motivos pelos quais o amor poderia a levar a fazer escolhas tão tolas.
No entanto, ele se viu mais próximo de Sejanus quanto desejava de início, mas o fez em troca de uma recomendação para o Prêmio Plinth, e era impossível passar mais de algumas horas com o exilado sem ouvir sobre . Sejanus contava a Corio, como havia começado a chamá-lo após encontrar com Tigris um certo dia, sobre seus planos de casar-se com a jovem Gaul após a Academia, e como a sorte estava ao seu favor por encontrar amor — Sejanus realmente usou tal palavra incontáveis vezes ao falar sobre ela — em alguém de sua mesma posição.
Coriolanus passou a vê-lo, além de desmerecedor de seus privilégios, como inapto para a posição social que ocupava. Sua falha estava em deixar seu amor por ela tão claro para todos, expondo a sua fraqueza como uma condecoração militar de honra. foi a primeira pessoa a abrir os braços a Sejanus, logo, toda sua lealdade estava nela.
Com facilidade, ela poderia convencê-lo de qualquer coisa.
Coriolanus Snow nunca amou ninguém em sua vida.
Porém, muito podia ser especulado sobre o assunto, tendo em vista seu envolvimento com Lucy Gray Baird. No entanto, ele mesmo sabia não se tratar de amor por nunca o ter sentido ao ponto de saber diferenciar do sentimento que tinha pela garota do Distrito 12: posse.
Coriolanus não a amou, mas, sim, o sentimento de propriedade que tinha sobre ela. Sendo dos distritos, ela era inerentemente inferior, logo, tão desesperada por sobreviver, ela o viu como única pessoa capaz de garantir que deixaria a Arena com ar em seus pulmões. E Coriolanus cumpriu com a promessa feita a ela, como um cumpriria com um animal comprado e que juraria proteger.
Lucy Gray era um animal, sim. Selvagem e perigosa. Um pássaro que tentou arrancar seus olhos com as garras afiadas como sua avó havia premeditado. Seu tributo foi, em partes, um desperdício do talento dele e que ganhou os jogos aos custos de sua liberdade. O que ela mais prezava em sua vida foi exatamente o que tirou dele.
Coriolanus a fez uma vitoriosa ao seu custo.
Ele havia sido filmado em uma jaula do Zoológico com Lucy Gray Baird. Havia sido considerado fraco pelos colegas por tratá-la como um deles, mesmo sabendo que ela não era nem mesmo próxima de alguém ao seu nível, e havia arriscado sua vida na Arena, nem mesmo só por ela, mas pelo tolo do Sejanus Plinth. Lucy Gray o recompensou com restos e migalhas, tudo o que ela podia o oferecer em sua situação. Ela escreveu músicas tolas sobre Snow, o alimentou como os membros do Bando viviam e o distraiu de todas as maneiras possíveis enquanto estava no Distrito 12.
Contudo, música ou noite alguma o faria suportar a vida que precisaria levar ali. Com um salário de Pacificador em treinamento, o cheiro de carvão e das minas. A comida não tinha sabor, enquanto o gosto da água era preocupante. Suas roupas eram poucas e ruins. E as ligações com Tigris e Lady-Vó curtas demais para saber como sobreviviam e se iriam aguentar mais um dia.
Coriolanus havia orquestrado a delação de Sejanus Plinth, o que seria algo a ser tratado posteriormente como um apoio à Panem, mas era o seu grito desesperado de socorro em busca de uma fuga daquele local. Pouco tempo após virar as costas para Sejanus, foi obrigado a matar Mayfair para garantir que o “segredo” dele jamais escape para o Prefeito. Segredo este que era: estar no lugar errado vigiando o estúpido Sejanus e ter acabado rodeado de rebeldes. Matá-la foi um ato de autopreservação.
Mas, com seu ato de autopreservação, outro o foi necessário: Lucy Gray Bird.
Após o enforcamento de Sejanus e os demais rebeldes entregues por ele à Dra. Gaul através dos tordos que ela o apresentou em seu laboratório, Lucy Gray restou. Ela era a única pedra em seu caminho, a única ponta solta que precisava ser consertada ou seu retorno para Capital, seu retorno para Tigris e Lady-Vó, seria prejudicado e incerto, pois seus segredos permaneceriam na mente de alguém. Assim, o arrependimento por tudo o que fez por ela durante o 10º Jogos Vorazes, até mesmo por decidir ir para o 12 por ela, o matava aos poucos, e acabou por matá-la também.
Snow a guiou com carinho e calma para o abate como o dono de um animal faria com o bicho doente. Fingiu aceitar a ideia de uma vida no campo e, no caminho do Distrito 13, eles se distanciaram para buscar alimento por tempo suficiente para que ele pudesse lhe dar um tiro na nuca enquanto Lucy Gray estava de costas. Coriolanus cuidou de Lucy Gray como havia prometido fazer meses antes, assim que se conheceram e ele a alimentou. Ele removeu a bala alojada em seu pescoço e enrolou sua garganta com um tecido branco. Também fechou os olhos vidrados dela e limpou o sangue que escorria pela sua boca.
Snow a envolveu no xale que sua mãe havia deixado, o forrando com uma cama de pedras que a manteria no fundo do rio até que a água a deixasse irreconhecível.
Então, junto às suas armas, ele a deixou no rio do Distrito 12, onde nunca sairia.
Coriolanus Snow nunca amou ninguém em sua vida.
E os pais de Sejanus se mantinham em primeiro lugar entre as pessoas de quem mais sentia pena e desgosto ao fingir amar.
Os Plinth o receberam na Capital como um filho, o aguardando nas escadas do Departamento de Guerra, assim que ele deixou o laboratório da Dra. Volumnia Gaul, após a notícia de que todas as memórias físicas do 10º Jogos Vorazes haviam sido apagadas e que ele havia conquistado sua merecida vaga na Universidade.
Quando viu os Plinth nos primeiros degraus da escadaria, Coriolanus torceu a boca com leveza algumas vezes enquanto se aproximava, até que o nariz pinicou e seus lábios caíram, adotando a máscara que seria cabível e que usou com o Hoff quando ele o confrontou sobre a morte de Sejanus. Mas com os Plinth, a máscara foi mais elaborada e Coriolanus fingiu tentar prender um soluço quando a Sra. Plinth, desengonçada, subiu o degrau que os separava e envolveu o assassino de seu filho em um abraço apertado.
Em pouquíssimo tempo, Coriolanus foi pseudo-adotado pelos Plinth, órfãos de um filho e que precisavam de algo para preencher a lacuna deixada por ele. Logo, o amigo que esteve com Sejanus em suas últimas horas de vida era a escolha ideal e que, com certeza, seria aprovada pelo filho que sempre se desfez em elogios sobre ele. E para Strabo, só por ter se lançado na Arena para resgatar Sejanus, Snow já era merecedor de tudo o que podiam lhe oferecer.
Diferente do que muito esperava, ninguém na Capital imaginava o que tinha feito no Distrito 12 e seus novos vizinhos de baixo (os Plinth, que insistiram tanto e enfim construíram uma escadaria em espiral e elevadores até a cobertura dos Snow), Lady-Avó e Tigris o tratavam como um herói ressurgido das cinzas do carvão do 12.
Mãezinha conseguiu um emprego para Tigris na grife favorita dela e Strabos insistiu muito até que Lady-Avó aceitasse uma dama de companhia avox, que sempre eram os melhores funcionários. Sem pontas soltas e sem muito mais que pedir aos céus, Coriolanus passou somente a colher os frutos de seu esforço, nem que, para tal, precisasse tomar café e jantar com os Plinth, abraçar o pai de Sejanus e beijar as bochechas de sua mãe, sorrindo como o tolo inocente que queria que lhe imaginassem ser.
Snow pedia conselhos de estudo ao Sr. Plinth, comentava sobre as armas dos Pacificadores e o treinamento, sempre incluindo a memória de Sejanus nas histórias. Se as memórias eram fabricadas, não importava. Enquanto a memória do rebelde estivesse viva, enquanto o amor dos pais transcendesse a morte do filho, poderiam ser explorados. A Sra. Plinth gostava de cozinhar para ele, fazendo sanduíches de bolo de carne como os que ele dividiu com Lucy Gray no Zoológico, mas que sempre acabavam em uma lata de lixo da Universidade.
Certa noite, durante o jantar no andar dos Plinth, o telefone tocando no meio da refeição surpreendeu a todos, mas, antes que a cuidadora de Lady-Avó atendesse, foi Mãezinha quem alcançou o telefone primeiro, os olhos arregalados ao identificar quem ligava em um horário tão inadequado.
— Viola! — Coriolanus, que coletava purê de ervilha em seu garfo, atentou-se para o tom preocupado da mulher e como Strabo imediatamente se endireitou. Em um reflexo do homem, ele também abandonou seu garfo e fingiu preocupação. — Aconteceu alguma coisa com a ?
Gaul era vista pelos Plinth com os mesmos olhos que Coriolanus: uma outra memória viva de Sejanus, do amor que ele sentia por aqueles que restaram de sua breve vida. Coriolanus prendeu a respiração, limpou os lábios e se inclinou para frente, como se tentasse ouvir melhor. Quando percebeu que o Sr. Plinth o olhava de canto, franziu o cenho.
— Céus — Mãezinha se virou para a mesa de jantar, com a mão no peito. — Fiquei tão preocupada que algo houvesse acontecido com ela! — Strabo respirou e olhou para Coriolanus, sua mão pousando no ombro do rapaz. — Claro que sim, querida! — Pobre Sra. Plinth, desacostumada com a vida na Capital, Coriolanus pensou enquanto fingia relaxar. — Pedirei que o cozinheiro faça aquela torta de maçã que você gosta.
Quando Mãezinha retornou para a mesa de jantar, fez questão de garantir que estava bem, isso antes mesmo de se sentar. Com um rápido aperto no ombro do rapaz ao seu lado, o Sr. Plinth voltou a comer, se mantendo em silêncio como os demais membros da família que se formou após o retorno de Coriolanus do 12. Nem Lady-Avó, que mal falava a este ponto, nem Tigris se pronunciaram, pois ambas sabiam dos sentimentos da jovem Gaul pelo falecido. A viram com os olhos inchados e lábios rachados no funeral dele. A viram tocar no caixão e se retirar do local. A viram chorar através do vidro do carro que a levou de volta para sua casa antes mesmo do enterro.
Coriolanus voltou a comer, bem devagar, enquanto pensava.
era próxima dos Plinth, então que mal haveria se ele se aproximasse dela? Sua amizade seria tão fácil quanto o amor dos Plinth.
— Não entendo como… — Snow iniciou, engolindo em seco para conquistar a atenção de todos. Quando os olhos da família estavam sobre ele, Coriolanus fingiu dificuldade em engolir o vinho saboroso. Ele limpou os lábios com o guardanapo macio. — Não pensei em .
— Oh, querido… — Quando mãezinha, com os lábios trêmulos, estendeu a mão para ele por cima da mesa. Snow sabia que havia sido entendido.
Como não pensei em consolar a pobre após a morte de Sejanus.
— Perdão, eu estou mentindo. — Coriolanus molhou os lábios. — Pensei nela, mas não tive coragem de visitá-la. — Fingiu confessar, ao apertar os dedos da mulher mais velha e mais tola. — Sejanus falava diariamente sobre ela. — Tal memória não havia sido fabricada. Certa vez, bêbado demais, Sejanus havia chorado ao ponto de todo o pelotão rir com pena. Quando viram a fotografia dela, calaram-se e pareceram entender. — Aqui e no 12, ele sempre falava da e eu… — Snow respirou fundo, evitando os olhos de todos. — Não tive forças para visitá-la.
— Filho — Strabos o chamou e, em um reflexo, Coriolanus se virou para o homem mais velho, sobrancelhas frisadas e expressão entristecida, enquanto os pais de Sejanus mordiam a isca. — Por que não faz uma visita a ela?
— Ela é uma pessoa especial, Corio — Mãezinha incentivou e apertou a mão de Snow com carinho. — Tenho certeza de que ficaria muito feliz com a sua visita e gostaria de conversar com um amigo do Sejanus.
Coriolanus Snow nunca amou ninguém em sua vida.
Mas poderia aprender a fingir que sim.
O motorista contratado pelos Plinth o deixou na Universidade no mesmo horário de todos os dias, cuidadoso para que o garoto de ouro não se atrasasse para suas importantes aulas. E cumpridas todas suas obrigações pela manhã, lhe restando somente a outra, que era se juntar aos Idealizadores dos Jogos, no seu luxuoso andar no Departamento de Guerra, onde Volumnia Gaul os esperaria para que fossem apresentados os planos e propostas recém-criadas.
Snow havia recentemente deixado de ser um mero interno, função esta que durou nada além de dois meses, pois ele foi rapidamente efetivado como Idealizador Pleno, sem precisar aguardar sete anos para o novo título como os demais. Ele não se importava se os demais imaginassem que Strabo Plinth comprou o cargo para ele, pois sabia não ser verdade, e que a função lhe foi atribuída depois de um silêncio ensurdecedor após apresentar sua proposta aos irmãos Gaul, proposta esta que envolvia integrar e incentivar os Distritos a participarem dos Jogos, não no papel de tributos, mas de espectadores:
— Em nossas últimas reuniões, discutimos quanto à participação dos Distritos nos Jogos e pedi que, cumprindo com a mínima parte das suas funções, produzissem ideias aptas a garantir maior participação dos Distritos e da Capital.
Hyperion Gaul era um homem robusto, alto e grande, com barba feita de modo a exibir a cicatriz na sua garganta que teria sido feita por um rebelde durante a Guerra na vez que invadiram a Mansão do Presidente. Com um terno verde escuro e gravata preta, as irises verdes se destacavam e, assim, todos sabiam exatamente para quem olhava a todo tempo. Snow não tinha dúvidas que a fome no período do Cerco nunca chegou ao velho homem. Grande e forte, o Dr. Gaul era exatamente como imaginaria o chefe do Departamento de Guerra.
— As pessoas dos Distritos são próximas, mas não o suficiente para sentirem por um Tributo — o homem instigou, ignorando que a irmã fazia carinho em uma serpente ao seu lado. — Não assistem aos Jogos e não identificam qualquer motivo para torcer pelos tributos.
— E isso precisa ser revertido o mais rápido possível para que os Jogos continuem — Volumnia cantarolou, sorrindo como a hiena que Coriolanus se lembrava ter visto no Zoológico. Com espuma escorrendo pela boca. — Alguém sabe como garantir que isso não aconteça?
Enquanto os demais Idealizadores começaram a paginar seus blocos de anotação, se entreolharam e alguns balançavam a cabeça, Snow lembrava-se do que viu no Distrito 12 e o que sabia sobre aquelas pessoas.
Lembrou-se que algo os igualava a eles quando viviam no Cerco: fome e pobreza.
— Acredito que a vitória de um Tributo deve representar a vitória de todo o Distrito.
A cientista deu um sorrisinho animado e travesso, balançando o rabo barulhento da serpente. Não esperavam que Coriolanus falasse algo, é claro: após serem feitos os pedidos pelos irmãos, os idealizadores ficavam em silêncio e aguardavam o prazo dado pelos chefes para produzirem as respostas de seus questionamentos, mas “Snow-Snow”, como Volumnia Gaul o chamava, não podia se dar ao luxo de ser como os demais.
— E como tornar todo um Distrito vitorioso, Sr. Snow? — Hyperion questionou. Frio.
— Passei muitos meses no Distrito 12, como a própria Dra. Gaul sabe. — Ele direcionou um olhar conhecido para ela. Outra vez, ela sacudiu o rabo da serpente. — E vivi como alguém de Distrito. Percebi que os Tributos são desconhecidos para grande parte da população, e, por isso, os Jogos não os afetam tanto. Eles não sentem vontade de assistir, por saber se tratar de punição e se recusam a ceder.
— Propõe puni-los novamente, Sr. Snow? — O patriarca sorriu interessado.
— Proponho incentivá-los, Dr. — Coriolanus corrigiu o homem mais velho, que lhe olhava com um questionamento nítido: como? — Primeiramente, solucionando o problema do seu acesso precário a aparelhos de televisão.
— Acabamos de sair de uma guerra, garoto… — Snow ouviu um homem mais velho.
— Minha proposta é exibir os Jogos em telões nas praças, com presença obrigatória — Coriolanus prosseguiu, ignorando-o. — Da mesma forma que iniciam seus dias com o hino de Panem, devem iniciar com uma memória do que desafiar a ordem resultou. — O rapaz cruzou as mãos sobre a mesa. — Em seguida, o Distrito com o Tributo vencedor recebe um suprimento mensal de grãos e óleo para cada habitante. — Isso fez a sobrancelha do Dr. Gaul se erguer e sua irmã o olhar, sorrindo como uma besta. — A fome é a melhor forma de controlar os Distritos mais pobres. E prometer que, com seu apoio, seus Tributos venceriam e assim todos sobreviveriam mais um tempo, é um bom começo.
Snow deu um aperto de mão seguro em Hyperion Gaul naquela tarde, prometendo que em sua próxima reunião, retornaria com mais ideias para os próximos jogos e com nomes para formar a recém-criada Comissão Especial de Integração Distrital, chefiada pelo jovem promissor de meros 19 anos. Quatro dias depois, quando Hyperion foi encontrado morto em seu lar nas montanhas, foi Volumnia que anunciou aos Idealizadores, em um memorial ao irmão, sobre o novo posto de Snow.
Mãezinha ficou tão feliz com a notícia da ascensão do filho adotivo que o presenteou na manhã seguinte, com uma bolsa de couro e sapatos novos. O Sr. Plinth o presenteou com uma conversa longa, acompanhada de whisky e um novo relógio de couro. No fim da noite, Coriolanus se retirou para seus aposentos com a garrafa debaixo do braço.
No entanto, ao passar pelo luxuoso prédio do Departamento de Guerra, ao em vez de ir para o andar dos Idealizadores, onde o quartel general dos Jogos Vorazes era, Coriolanus decidiu ir à floricultura no centro da Capital primeiro. Lá, Snow comprou um buquê de rosas brancas, se esforçando para não deixar sua mente se desviar do objetivo e resgatar lembranças de seu velho amigo Sejanus segurando um buquê semelhante na noite do aniversário de Arachne Crane, e o presenteando para a então namorada quando deixaram a festa opulenta na Residência Crane. No fim, Snow solicitou que ramos de eucalipto fossem adicionados para conter o cheiro adocicado.
Ao retornar ao prédio central da Cidadela, Coriolanus adentrou no elevador após certo tempo, cumprimentando colegas da Universidade e até mesmo da Academia, que haviam iniciado seus estágios no mesmo local. Com falsa discrição, Snow comentou com Martin Howgreen sobre o cargo que assumiu, ciente que, no dia seguinte, todos na Universidade saberiam das boas novas.
Quando chegou ao seu destino, Coriolanus desceu do elevador e andou pelo grande e vazio laboratório aberto que já havia visitado algumas vezes, mas não buscando a mesma pessoa e, sim, uma pequena possibilidade de algo melhor entre as fileiras de mesas de experimentos e as caixas de vidro repletas das criaturas mais infelizes e abomináveis que Snow havia visto em sua vida. Enquanto tentava distinguir se a criatura flutuando em um líquido azul à sua direita era um macaco ou um crocodilo, ele não se atentou à presença da única alma viva naquele cemitério de monstros.
— Coriolanus.
O jovem Idealizador voltou sua atenção diretamente para a jovem parada nas escadas do pequeno balcão onde encontrou a Dra. Gaul pela primeira vez para tratar sobre sua proposta. E precisou engolir em seco para ter certeza que estava acordado.
o observava com o maravilhar macabro que ela teria por um fantasma.
Desde a morte de Sejanus Plinth, Gaul havia desaparecido da vida social da Capital, o horror de reencontrar com figuras da época em que esteve com Sejanus impedindo até mesmo que ela retornasse as inúmeras ligações dos Plinth e as dezenas de convites que lhe enviaram para jantar. Somado às lembranças trazidas cada vez que o nome do rapaz era sequer mencionado, carregava um fardo esmagador consigo, ao ponto que qualquer tentativa de retornar para a sua antiga vida demonstrava-se impossível.
Com as mãos delicadas cruzadas diante do corpo e os dedos brancos pela força posta no ato e um sussurro em seu peito, ela imaginou que poderia ter uma síncope na presença de Snow, ou qualquer outra coisa que lhe remetesse a Sejanus Plinth.
— — ele a chamou de volta.
Coriolanus não havia se esquecido da notável aparência de , mas não esperava que um ano sequer fosse o suficiente para que ela mudasse tanto, principalmente que pudesse ficar ainda mais bela e etérea. O seu rosto, que anteriormente era mais cheio, assumiu forma firme e esguia, revelando que seu amadurecimento em tão curto período de tempo também foi físico. E o cabelo, anteriormente preso em penteados delicados, estava solto sobre seus ombros, reluzindo na luz do laboratório pálido e sem vida. Assim, distante e iluminada por raios amarelados, a jovem idealizadora se assemelhava a um anjo.
— Coriolanus — ela se repetiu, a voz comumente tão sólida e estável se elevando em um claro sinal de descrença. — É você? — O sussurro foi soprado, pois, ainda que ela planejasse demonstrar-se superior a qualquer sentimento que o repentino encontro pudesse invocar, não viu forma de superar o estarrecimento de vê-lo.
O choque evidenciado o assombrou, semelhante a muitos dos seus erros passados, e Coriolanus sentiu algo que poderia identificar como pena. O mero fato de vê-la fez fluir tanta pena de quanto Coriolanus sentiu e permanecia sentindo pelos Plinth, apesar de não os ver com os mesmos olhos que a jovem Gaul.
Talvez sentisse mais compaixão por ela. Talvez mais. Muito mais.
Conforme descia os poucos degraus para se aproximar, ele reconheceu a expressão no rosto da ex-colega de turma. parecia quase feliz por vê-lo, mas surpresa a dominava, assim como fez com Tigris e Lady-Avó quando o viram pela primeira vez, após seu retorno do Distrito 12. E ele não podia culpá-la, afinal, muitas vezes nem se reconhecia no espelho, e talvez ela tivesse a mesma dificuldade que ele.
Pouquíssimos metros os separaram quando ela parou.
— Como vai, ? — Coriolanus a cumprimentou, tentando não soar satisfeito com a vitória cujo doce e rico sabor já podia sentir.
Os jovens ficaram plantados a poucos metros um do outro, como se uma barreira invisível forçasse o distanciamento, e Snow detestou imaginar que ela estivesse vendo Sejanus ali, semelhante a como ele às vezes o via e começava a suar frio no mesmo instante. Apavorado que o mesmo estivesse acontecendo com ela e isso se repetisse em todas as tentativas de aproximação que faria nos próximos meses, Coriolanus lentamente removeu o buquê que escondia atrás de si e o apresentou para a mulher, fingindo estar tão envergonhado com as flores que as mãos tremiam.
Enquanto segurava as flores que custaram uma pequena fortuna no cartão de crédito dos Plinth, Coriolanus percebeu que ainda não havia as notado, parecendo ter dificuldade em desviar os olhos dele para qualquer outra coisa ao seu redor. Ela observou os fios que não se deram o trabalho de crescer cacheados novamente, a pequena cicatriz na orelha dele, os lábios e os olhos azuis tempestuosos. Mas não parecia olhá-lo, somente uma miragem.
Snow estava vivo. Sejanus Plinth, contrário, estava sendo devorado por criaturas microscópicas em seu caixão. Coriolanus sobreviveu enquanto Sejanus foi responsabilizado por seus atos de traição à Panem.
Ele segurou um sorriso vitorioso quando ela enfim pareceu olhá-lo direito e os seus olhos se fecharam, antes que um suspiro pesando uma tonelada a escapasse. havia retornado para a realidade e aparentava não acreditar que ele também havia.
— Eu… — A voz dela vacilou e Snow preocupou-se, por um instante, que ela acabasse desmaiando. Mulheres, criaturas frágeis demais. Fáceis demais. — Perdão, eu… Você está mudado, eu não esperava que tivesse mudado em tão pouco tempo. — Gaul respirou e se recompôs, voltando a entrelaçar os dedos diante do corpo.
Então, ela enfim notou as rosas.
— Coriolanus… — Pela terceira vez, em um tom abatido, havia sussurrado o seu nome, revelando sua melancolia, pois lutava para conter o desprazer de precisar tratar sobre o que já imaginava ser objetivo da visita. “Sinto muito por sua perda, Srta. Gaul” ele diria, igual a muitas pessoas lhe disseram dentro de um ano e alguns meses. não mais suportava ouvir aquilo. — São…
— Suas favoritas, eu sei. — O loiro sorriu, ainda que já estivesse cansado de esperar por notar o presente, mas a reação dela, os lábios avermelhados abrindo num breve e dolorido sorriso, fizeram valer a pena a espera. Coriolanus exibiu um semblante preocupado de imediato, suas sobrancelhas erguidas como se não houvesse planejado tudo e, ainda tão angustiada, falhou em perceber que ele também atuava. — Agora imagino que deveria ter trazido outras.
— Não. São lindas, Coriolanus. — Descartando as memórias que povoaram sua mente, a jovem aproximou-se para recolher as flores com delicadeza, evitando tocar nele ainda que Snow tenha erguido a mão para que conseguisse fazê-lo. — Obrigada. — recolheu as flores perto do peito, permitindo que contrastassem com o negro de sua blusa de seda. — Sejanus sempre me presenteava com rosas brancas.
Pronto, aqui está. Eu disse a palavra certa. Sejanus. Pode começar. Ela quis bufar.
tocou nas pétalas com delicadeza para que nenhuma caísse. A dicotomia com Lucy Gray, que destruiu uma rosa de sua avó, era gritante, e Coriolanus se questionou como errou de tal forma. Gaul, Arachne Crane e Clemensia Dovecote deveriam ser as únicas mulheres que ele devia considerar importantes o suficiente para algum sacrifício, mesmo que mínimo.
Não um animal grosseiro como Lucy Gray Baird.
— Peço perdão por não ter vindo visitá-la mais cedo. — Snow procedeu com seu plano que havia armado mais cedo. — No verão — ele ressaltou.
No verão que servi lealmente à Panem. No verão que me tornei herdeiro dos Plinth.
— Muitas coisas mudaram no verão. — ergueu o buquê perto do rosto, mas não para cheirar as rosas, mas sim um ramo de eucalipto que havia se sobressaído dos demais no buquê. Ela fechou os olhos por um momento. — Jamais o culparia por não ter achado tempo.
— Ainda assim, eu deveria ter vindo prestar minhas condolências a você mais cedo. — Os olhos brilhantes dela se direcionaram para os sapatos dele, pois não quis se repetir. — Toda a Academia sabia do amor que tinha por Sejanus e como a morte dele a afetou.
Coriolanus havia pensado em cada detalhe de sua conversa com Gaul.
Havia planejado este exato momento, onde trataria tão abertamente sobre o motivo de se dar o trabalho de visitar alguém que trocou no máximo alguns “bom dia” nos últimos anos. Ele havia ido a visitar para cutucar a ferida que ainda estava aberta e girar a faca no coração de , lembrá-la de que seu namorado estava morto e que não voltaria mais. Na outra face da mesma moeda, se fez presente para lembrá-la que, mesmo que Sejanus houvesse morrido, ele ainda estava ali. Uma memória dele, igual como era para Mãezinha e Strabos.
E correspondeu às expectativas dele.
Ela não chorou quando ouviu o nome de Sejanus, ou demonstrou grande tristeza fora seus olhos que lutavam para coibir qualquer expressão muito exagerada. foi educada como uma dama, ciente que demonstrar grandes sentimentos em público era errado e não fazia jus ao seu status. Ela simplesmente suspirou e apertou os lábios.
— Agradeço sua bondade, Coriolanus. — A moça o olhou de novo, tentando sorrir para ele. Então algo aconteceu. Coriolanus viu parte da máscara dela se desmontar. — Eu o agradeço também por ter tentado intervir. — Snow olhou para ela sem entender do que falava. “Intervir?” Ele questionou confuso. olhou para ele, sem muita emoção a ser identificada no ato. — O gaio-tagarela que trouxe detalhes sobre os planos dos rebeldes do Distrito 12 — ela esclareceu.
Snow conteve o desespero e não olhou ao redor para saber se mais alguém estava ali.
estendeu a mão para pedir por um momento e deu um passo adiante, a então infelicidade em seus olhos abrindo um espaço para algo não identificável. Quando ela demonstrou calma, Coriolanus se viu mais confuso do que antes, e temia deixar o desespero transparecer. Ele quis vomitar.
— Eu o ouvi. — Acariciando as macias pétalas, sussurrou para ele, apoiando as flores na curva do cotovelo como um faria com um bebê. Snow sentiu-se enjoado. Sabia que não devia ter confiado na Dra. Gaul e se questionou quantas pessoas sabiam que era ele na gravação. Porém, procurando no rosto de , não viu nada que entregasse a raiva que ela deveria sentir. Ela sempre foi tão calma. — Tentou o impedir de arruinar a própria vida — prosseguiu, e Coriolanus sentiu parte do peso cair de seus ombros. — Sejanus sempre foi tão idealista que se esquecia que Panem tem ouvidos atentos.
Snow respirou fundo, evitando os olhos da mulher.
— Ele era apaixonado. — Com a justificativa fraca dele, ela o olhou com pena.
— E tolo. — respirou fundo. Não olhou para Coriolanus por um momento. — Ele era apaixonado e tolo.
O loiro a observou por um instante, reconhecendo como havia acertado. Apesar de nutrir sentimentos por Sejanus, ela tornou claro que possuía um eixo. Era leal à Capital apesar dos erros do namorado.
— Quando evitei visitá-la, foi por medo de me culpar. Por não ter o protegido. — Ao contrário da maioria das coisas que disse à durante a conversa até então, havia verdade na sua confissão forçada.
Snow a evitou, pois não pôde evitar os Plinth e precisou aprender a lidar com a culpa.
— Não posso culpá-lo pela autodestruição dele, Coriolanus. — Havia algo em seus olhos que o rapaz conseguiu descrever apenas como barganha e que ela realmente já havia entendido ser aceitação. — Fiz tudo o que pude para que você não fosse se unisse ao Sejanus na… — ela engasgou-se. Talvez, como ele mesmo sentia algumas noites, sentiu uma corda fantasma ao redor de seu pescoço. Coriolanus esperou enquanto a herdeira da fortuna dos Gaul molhava os lábios. Balançando a cabeça de forma que os fios lustrosos emolduraram o belo rosto, ela o olhou e Snow notou que ela travava uma guerra sozinha.
— Eu não permitiria que morresse sabendo que condenou alguém que amava.
A ficha dele caiu antes mesmo que ela prosseguisse.
Coriolanus deveria se juntar em morte a Sejanus. Não em um evento público como o da árvore-forca, mas, no mínimo, seria espancado até a morte pelos demais pacificadores por trair o companheiro que o amava como irmão. Ele havia desonrado seu pelotão. Sua punição? Morte.
— Precisei te proteger como você fez com ele naquela noite na Arena a meu pedido — a jovem justificou novamente seus atos, e Coriolanus sentiu uma onda de preocupação o alcançar. Ela considerava sobrevivência algo comparável a uma vitória? — Ele sempre me escrevia. Corio isso, Corio aquilo… — Pela primeira vez, o sorriso que direcionou a ele foi sincero. Mesmo morto, as lembranças de Sejanus a deixavam serena. ainda se sentia segura com Sejanus, mesmo que fossem somente memórias que a protegiam. — E eu serei eternamente grata pela noite em que entrou na Arena, Coriolanus. — A memória foi o suficiente para ele. — Salvou Sejanus como pôde e jamais poderei lhe compensar por isso.
Snow deu um passo adiante, encurtando a distância entre eles, e o seu planejamento estava sendo indiscutivelmente seguido à risca por ela. Ali estavam os agradecimentos que queria.
— Não vim em busca de uma recompensa, . — Suas sobrancelhas apertaram.
A meta estipulada era soar o mais ofendido possível com tal perspectiva dela.
— Sei que não, mas creio que lhe devo uma. — , de súbito, ficou na defensiva. Coriolanus quis sorrir com a inocência dela. — Quando precisar de um favor, por favor, me procure. Farei o possível para ajudá-lo — ela insistiu. — É uma promessa, Snow.
É claro.
Favores e promessas estavam entre as moedas de troca mais valiosas de toda Capital. não sabia ainda. No momento em que Coriolanos se preparava para despedir-se dela, um rapaz um pouco mais velho e mais baixo entrou no enorme laboratório. Ele vestia um jaleco como o dela, mas sem os emblemas da Cidadela que somente servidores de altos cargos podiam usar. Pela distância, Coriolanus sentiu certa preocupação. Ele podia ver o buquê? Esperava que sim.
— Srta. Gaul, suas encomendas foram locadas para seu laboratório — o rapaz avisou.
— Obrigada, Silvian. — não desviou os olhos de Coriolanus.
Ele identificou o que ela custava a encontrar nele. buscava Sejanus. Buscava uma memória do amante perdido, ainda que se envergonhasse dos feitos dele.
— Preciso voltar para meu trabalho, mas irei colocar as rosas em água. Obrigada por lembrar-se — pronunciou-se após um tempo. Ainda sem parecer querer se afastar e dizer um adeus de verdade. — Pode mandar um abraço para Mãezinha por mim, por favor?
— Claro. — Snow assentiu. Mãezinha ficaria feliz por saber sobre a aproximação deles. Coriolanus deu alguns passos desavergonhados até ela. se manteve estática quando Snow pressionou um beijo delicado em sua bochecha para despedir-se. — Cuide-se, .
Ela ainda sentia calor em sua bochecha minutos após a saída do rapaz.
A jovem engoliu em seco enquanto segurava as rosas, os olhos marejados, pois os seus sentimentos não demonstraram qualquer compatibilidade e ela sentia-se prestes a explodir. Não mais se preocupava com os experimentos que a aguardavam em seu laboratório privativo, ou com os espécimes que haviam sido trazidos para ela do Distrito 4. Somente com as rosas aveludadas em seu colo e com o fato de que Snow, o amigo que Sejanus tanto amou e decidiu seguir até o Distrito 12, estava vivo.
Sejanus sempre a presenteava com flores em todas as vezes que se encontravam, até mesmo nas ocasiões em que ela o visitava na Mansão Plinth para estudarem juntos. No fim do dia, ele sempre arranjava uma desculpa para afastar-se e retornar com buquês enormes e sorrisos tão grandes que ela não podia evitar e sorrir junto a ele. Sempre que a presenteava com rosas, Sej fazia questão de garantir que, infelizmente, não havia encontrado flores tão lindas como ela e precisaria permanecer procurando por elas.
Sua amizade se iniciou junto à Grande Guerra que destruiu os Distritos e quase matou os moradores da Capital na maior fome que Panem já havia sido vítima.
ainda lembrava-se do quebra-cabeças que montaram na noite do bombardeio que destruiu ¼ da Capital e seus pais discutiam avidamente com Pacificadores e aliados nos fones em seus ouvidos. Mas Sejanus mal conversava com alguém além dos pais, e ela já estava ficando impaciente com a única outra criança além de Felix, que chorava agarrada nas saias da mãe. Então agiu; pegou o enorme quebra-cabeças do mapa de Panem que havia levado para as férias que passaria na Mansão do Presidente, e se sentou na frente de Sejanus, pertinho do fogo:
— Não precisa falar para brincar de quebra-cabeças — ela havia comentado, sem dar muita importância para o fato das porcelanas na mesa próxima a eles estarem tintilando, tremendo e levantando poeira como o chão abaixo deles. — Mas eu sou a . — A menina deu a mão para ele, aguardando um cumprimento.
Sejanus Plinth era um garoto magrelo, cujos shorts de alfaiataria ficavam enormes e suéteres o afogavam com facilidade. Mas ela tinha o achado legal, no auge de seus nove anos, com os olhos cor de chocolate enormes e o sorriso banguela que dava para sua Mãezinha. somente não entendia o motivo de que, quando chamou a sua própria mãe por tal apelido, acabou por levar um beliscão por sua impertinência.
Eles então tornaram-se amigos improváveis durante o período do Cerco, e quando a Guerra acabou, os Gaul partiram para o Distrito 3, no fito de auxiliarem na produção de conhecimento tecnológico que Panem tanto precisava.
foi educada em seu lar nas montanhas, longe das crianças do Distrito e da sujeira daqueles muito abaixo dela. Aprendeu línguas antigas, artes e história. Então, a partir dos doze anos, foi educada em ciências e tecnologia por seu pai e tia, que posteriormente seriam convocados de volta para Panem após o quinto Jogos Vorazes.
De volta à Capital e ingressando na Academia como filha do Chefe do Departamento de Guerra e sobrinha da Idealizadora Chefe dos Jogos, tornou-se realeza dentre os alunos. As roupas que usava em premiações e celebrações governamentais eram capas de revistas e, em poucos dias, todas as alunas utilizavam os mesmos acessórios que ela. Suas notas, extremamente altas, eram atingidas sem dificuldades, e ela se tornou a garota propaganda do Departamento de Guerra em pouquíssimo tempo.
— Lembre-se que quando está fora desta casa, é seu pai quem você representa. É ele quem as pessoas vêm quando olham para você, — a Sra. Gaul soprou no ouvido na filha certa vez. — Tudo o que faz é refletido nele. Não quer desapontá-lo, certo?
, tão jovem e inocente, se recusava a desapontar ou humilhar sua família, e, por tal motivo, aceitou ir e fingir gostar dos longos encontros às escondidas com Ajax Cannondale, um homem catorze anos mais velho que ela e cuja influência no Departamento da Economia agradou Hyperion Gaul o suficiente para que passasse tempo com sua única filha em troca de apoio na sua investida para tornar os Jogos ainda mais significantes para Panem.
Nas noites em que era deixada no elevador de casa com lágrimas nos olhos, os lábios gelados de Cannondale tendo deixado o cheiro de bebida permanente na sua bochecha, ela era consolada unicamente pela empregada que a criou nas montanhas do Distrito 3, enquanto os seus pais preocupavam-se com lucros e vitórias políticas que aumentassem sua fortuna. Quando Magna, com todo o cuidado, questionava a adolescente se Cannondale havia sido impertinente, sentia seu coração quase sair pela boca antes que soluçasse e lhe dissesse que não, ele estava guardando o resto para o seu casamento.
Ajax Cannondale havia comentado uma vez com uns amigos sobre não ir longe antes de casar-se com quando ela completasse vinte anos, afinal, quem gostava de mercadorias usadas, certo? E todos riram, sem saber que Magna o aguardava atrás da cortina do grande salão dos Gaul para servir champanhe aos convidados. A mulher quase perdeu seu emprego quando derrubou as seis taças que carregava em cima do homem.
No entanto, durante o seu penúltimo ano na Academia, foi surpreendida pelo retorno de Sejanus Plinth para a Capital, com uns dígitos adicionais na sua herança após seu pai se tornar o homem mais rico de toda Panem, apenas alguns milhões atrás do Presidente e outros bilhões acima de Cannondale. E viu sua chance de encontrar, na medida do possível, para pessoas de seu status social, algum resquício de felicidade no futuro.
Pouco foi discutido sobre o assunto, toda a negociação feita na mesa de jantar. A morfinácea Violla Gaul concordou de imediato, afinal:
— Os Plinth são os mais ricos de Panem agora, pelo menos possuem isso ao seu favor.
Hyperion precisou de mais para convencer-se que alternar os planos e tentar garantir uma união entre a filha e um garoto de Distrito, um novo rico, era uma boa escolha.
— Então. — respirou fundo, o coração acelerado conforme o tempo passava e o desespero a consumia. — Se o rapaz, se Sejanus Plinth não pedir a minha mão em casamento até meus vinte anos, eu mesma me humilharei e pedirei que Ajax Cannondale me aceite como a sua esposa.
— E como sabe que até lá Cannondale não terá se casado? — Hyperion insistiu, e sua filha sentiu os olhos arderem.
— Pois sei que mulher alguma aceitará casar-se com alguém como ele se lhe houver outra opção. — As abóboras que comia azedaram em sua boca. preparou-se para a dor que seguiria suas próximas palavras desafiadoras. — Eu não aceitaria se o senhor não houvesse me vendido a ele como uma das prostitutas que usa.
Quando o hematoma causado por uma garrafa de vinho lançada em seu rosto enfim se amenizou, retornou para a Academia, o seu compreensível desespero para aproximar-se de Sejanus Plinth a devorando viva. Enfim, por um golpe de sorte, o seu professor de genética havia decidido que os alunos deveriam formar pares para dar prosseguimento aos experimentos reais, não tão somente a teoria:
E conforme todas as duplas se formavam e burburinhos iniciaram-se na classe, levantou-se antes que Felix pudesse sentar-se ao seu lado, e se aproximou do incerto e tímido Sejanus Plinth, que organizava os materiais em sua maleta de laboratório, apenas aguardando que alguém demonstrasse coragem o suficiente para se juntar a ele, o que raramente acontecia se não por ordens dos professores. Mas o Sr. Philion também não era seu fã, uma vez que o ouviu suspirar que os experimentos em animais vivos eram tortura.
Sejanus estava prestes a aceitar a ideia de fazer todo o trabalho sozinho, quando ouviu o som de livros sendo colocados sobre a bancada perto dele. Provavelmente uma das alunas que ainda organizava a mesa decidiu usar sua bancada como encosto, o que não seria uma grande surpresa. Os colegas de classe não exageravam ao ponto de machucá-lo fisicamente, mas suas atitudes que o diminuíam e faziam parecer invisível. A desconsideração era costumeira.
— Não precisa falar para montar quebra-cabeças, mas precisa para fazermos estes experimentos — comentou, ao sentar e guardar seus cadernos na prateleira abaixo da bancada.
sorriu para o rapaz, que a observava sem reação, até mesmo com o ar preso na garganta, pois era impossível que alguém na Academia, ou mesmo em toda Capital, se oferecesse para dividir alguma palavra ou segundo com ele. Porém, ali estava uma das pessoas mais lindas de toda a Capital, e completamente a salvo de seus distorcidos padrões de beleza. Como nas vezes que brincavam na Mansão do Presidente, seu cabelo estava preso no penteado que Sejanus só podia descrever como “princesa”. E, apesar do vermelho vivo do seu uniforme da Academia, seu rosto brilhava e parecia tão delicado como quando era menina.
Ele havia a visto na festa que o Presidente fez para celebrar o retorno dos Plinth para a Capital. Com um vestido azul ciano e joias prateadas. parecia cada vez mais com as tais princesas das histórias que sua mãe contava sobre o mundo antes de Panem.
Então, com as bochechas vermelhas e um estranho frio na barriga, Sejanus retribuiu o sorriso dela, pois, antes mesmo que pudesse notar como todos os olhares da classe se voltaram para a dupla inesperada, estendeu a mão para ele como nenhum outro aluno havia feito.
— Como está a sua mãe, Sejanus? — indagou a ele com óbvio carinho, fato que horrorizou os seus colegas, que haviam parado todos os seus afazeres para entender o que acontecia ali. Gaul, a dona de um dos closets mais luxuosos e invejáveis de Panem, realmente havia questionado sobre a mãe do Plinth? A mesma que usou xadrez e listras na mesma roupa no jantar de inauguração do novo prédio da Academia? — Ela ainda faz biscoitos de açúcar como os que fazia quando éramos pequenos?
Na manhã seguinte, ela sorriu para ele no meio da aula de História da Guerra, onde a professora discutia sobre os mortos por radiação. Tudo isso, pois, ao sentar-se ao lado dela na sala que mais se assemelhava a um palco suspenso, Sejanus lhe passou um pote hermético por debaixo da mesa, contendo uma dúzia de biscoitos de açúcar cujo sabor ela nem mesmo sabia se gostava. não conseguiu conter sua vontade de rir por muito mais tempo, preferindo desviar os olhos para uma das enormes janelas atrás de Sejanus Plinth e deixar um sorriso agradecido escapar.
A Mãezinha dele ficou incrédula ao ouvir que Gaul quis se juntar a ele na Academia, e mais surpresa ainda quando ela se lembrou dos biscoitos. Antes de ele pedir, a Sra. Plinth dispensou os serviços da cozinheira e dedicou-se, durante toda a tarde e parte da noite, a preparar algumas dúzias de biscoitos.
Em seu interior, Sejanus sabia que a repentina amizade de poderia ser parte de uma brincadeira maldosa dos alunos da Capital. Sabia que deveria ser cuidadoso e que ela era igual aos demais. Mas também sabia que havia muito carinho na forma que ela afagou o pote por baixo da mesa, e como ela provou alguns dos biscoitos na hora do almoço enquanto lia um livro no silêncio da biblioteca, onde ele também acreditava ser o melhor lugar para passar o horário livre.
Durante os meses em que foram parceiros de laboratório, a cega confiança de em poder usá-lo e, somente usá-lo ao seu favor, decaiu. Sejanus era nada além de bom com ela. Diferente dos demais alunos, que somente se aproximavam e se davam o trabalho de ficar por perto em razão dos benefícios de sua família, não havia nada que ela pudesse oferecer que ele não conseguisse sem o mínimo de esforço. E, mesmo assim, ele a ouvia com atenção, a fazia rir e se sentir querida.
Nas vezes em que visitava a residência da família do namorado, esquecia que existia outro lugar para chamar de casa além do espaçoso e simultaneamente aconchegante lar dos Plinth. Ela passava suas tardes na biblioteca da família, estudando na poltrona ao lado de Sejanus nas raríssimas ocasiões onde não acabava sentada no colo dele e o forçando a ler os seus livros obrigatórios, os quais sempre acabava lendo enquanto ignorava o olhar apaixonado dele.
Ao chegar a noite, após enfim estudarem de verdade e não apenas ficarem deitados no carpete, comentando sobre os colegas de classe e fingindo que ela não precisaria ir embora logo, se sentava com os Plinth para jantar. Mãezinha lhe questionava sobre seu dia, sobre a Academia e sobre os livros que lia. Não era comum alguém demonstrar tanto interesse assim nas partes menos importantes de sua vida, então não sabia responder no começo e sentia-se rude ao dizer que nada interessante havia acontecido. Mas conforme se abria, ficava mais fácil. E o Sr. Plinth, ao contrário, demonstrava seu agrado com a presença dela em silêncio, mas se envolvendo nas conversas quando era convocado.
No entanto, ao retornar para a residência da família na qual nascera, era recepcionada no escritório do pai, onde deveria relatar cada detalhe de informação que havia coletado durante o dia. Ignorando o seu coração pesado, ela até mesmo o informava que as empregadas haviam mudado a cor dos uniformes para um cinza claro.
— A fraqueza está nos detalhes — ele sempre dizia.
Quando o 10º Jogos Vorazes começou a ser comentado e muito se discutiam sobre o Prêmio Plinth, redirecionou todos os seus esforços para conseguir algum posto dentre os Idealizadores ao lado de sua tia. Ela havia conversado algumas vezes com Sejanus sobre o prêmio e quem seria merecedor o suficiente dele: o bom amigo de Sej, Coriolanus Snow.
Pouco se falava sobre a vida dos Snow após o fim da Guerra e morte do patriarca, morte que o tornou o único herdeiro da família que um dia foi uma das mais poderosas de Panem. Mas herdeiro do quê? As famílias mais abastadas e pertencentes ao seleto círculo de amizades dos Gaul, incluindo Casca Highbottom, sabiam que as histórias dos Snow sobre demais investimentos e bens não passava de triste mentira. Todos seus bens foram para os ares com o Distrito 13, mas muitos ainda admiravam a resiliência de Coriolanus em manter as aparências.
No jantar de gala com seletos doze convidados e que foi organizado para celebrar os 10 anos do fim da Guerra, o nome dele foi mencionado entre as grandes famílias perdidas na Grande Guerra. E sentado ao lado da namorada, Sejanus não pôde evitar se mexer desconfortável em sua cadeira, o que não passou despercebido por ela. Horas depois, ao conversarem no telefone, Sejanus prometeu que garantiria que Corio teria uma vaga na Universidade, fosse devido ao prêmio ou através de qualquer outra maneira que ele encontrasse.
No dia seguinte, informou seu pai sobre seu “sonho” em tornar-se Idealizadora. E, horas depois, seu nome foi retirado da lista de futuros mentores dos jogos. Se Sejanus sacrificaria algo para garantir que seu amigo obtivesse sucesso de uma forma ou de outra, ela sentia-se com o dever de o apoiar, a começar por diminuir a competição para o prêmio.
Ela nunca foi próxima de Snow, nem mesmo após iniciar seu relacionamento com Sejanus, mas sabia que Plinth nutria certo carinho pelo rapaz, que nunca se juntou aos demais que, em seu primeiro ano na Capital, tornaram sua vida um inferno. Então, mesmo com a distância entre eles, o ajudou como pôde. E implorou por sua ajuda quando Sejanus forçou caminho dentro da Arena:
— Coriolanus — clamou, enquanto subia as escadarias do prédio em que se localizava a Arena. Podia sentir cada célula do seu corpo em estado de choque, mas precisava estar ali. Seu casaco soprava no vento frio da noite escura, o pijama de seda sem obter êxito em protegê-la do frio. — Espere! — Ela arfou no topo das escadas, atraindo atenção da meia-dúzia de pacificadores que acompanhou Snow da Academia até ali.
Magna havia a acordado quando ouviu xícaras quebrando no escritório de Hyperion, após ele descobrir que Sejanus, que havia arranjado problemas suficientes em uma semana, se infiltrou na Arena. Então, com o coração escapando pela boca, forçou um motorista a lhe levar até as redondezas, onde seu olhar gélido e perverso, semelhante ao do pai, lhe garantiu entrada escoltada no círculo militar fortificado da Arena.
O som de sua voz foi o suficiente para chamar a atenção de um vacilante Coriolanus Snow, que parecia mais pálido do que nunca enquanto tentava inutilmente se preparar para um pesadelo acordado — a Arena.
Apesar da iluminação precária, as lágrimas se formando nos olhos azuis safira dele eram identificáveis. Coriolanus era mais alto do que Sejanus pouquíssimos centímetros, porém o porte físico de Sej o diferenciava e podia dar uma dianteira na Arena.
— Sejanus… — Snow balbuciou, apavorado pela tarefa que lhe foi designada.
— Eu sei — Gaul disparou mordaz, ao aproximar-se o máximo que os pacificadores deixaram. Ela não conseguia mais demonstrar tremenda fúria com a insubordinação, então aceitou a restrição. A única pessoa capaz de salvá-la de um futuro bárbaro e repulsivo estava rodeada de monstros, e ela não conseguia encontrar forças para ameaçá-los. Snow respirou fundo e ela o acompanhou, até que esticou a mão e agarrou o pulso do rapaz com o vigor de uma víbora, tão forte que Coriolanus nem sequer ousou respirar. — Me devolva ele vivo e eu o farei um vitorioso, Coriolanus.
Quando Sejanus correu para fora da Arena, foi direto para os braços dela, bem como a primeira coisa que Snow fez, ao enfim conseguir respirar, foi buscar os olhos de .
Ela havia feito uma promessa e jamais a quebraria.
Uma semana após o fim dos Jogos, Gaul sentiu-se tão desesperada quanto nas noites angustiantes em que precisava jantar na casa de Ajax. Mas, ao contrário, diante dela, não estava o homem sujo que afagava sua coxa por debaixo da mesa de jantar com palmas frias e uma ereção na calça. Ali estava o seu namorado, que mal havia se recuperado do choque da Arena; mas estava com as malas prontas e uma passagem só de ida para o Distrito 12, em busca de Coriolanus Snow, de forma a agradecer por seu sacrifício.
Sejanus aguentou firme e imóvel quando permitiu que lágrimas furiosas começassem a escorrer por seu rosto, o horror da decisão do namorado a devorando viva enquanto ela lutava para afastar a cólera brutal por já poder sentir as mãos de Cannondale nela novamente. Ela se apoiou na mesa de jantar da Residência dos Gaul, se segurando na madeira com tamanha força que seus dedos ficaram brancos, os soluços e lamentos ecoando pelo espaçoso apartamento. Sejanus se permitiu algumas lágrimas também, principalmente quando soluçou que ele havia mentido todo o tempo que passaram juntos, coisa que jamais faria.
Precisou virar seu rosto quando ela chorou com mais intensidade, aos prantos, pois ele estava a abandonando. O jovem Plinth sabia o motivo do terror de sua namorada em ser deixada para trás na Capital, pois havia sido informado pelo pai do absurdo acordo firmado entre Hyperion Gaul e Ajax Cannondale. Sabia que sua partida era condená-la aos abusos de seu pai e Ajax. Então, no momento em que ela parecia não mais aguentar ficar de pé e se sentou em uma cadeira, ele se pôs diante dela, enfim revelando o anel cravejado de diamantes que havia sido encomendado dias após a descoberta sobre os horrores da Residência dos Gaul.
— Seis meses são suficientes para meu treinamento básico e suas provas de vestido.
No entanto, enquanto suas famílias se preparavam para o evento do ano, os gaios do Distrito 12, contendo os planos de Sejanus em resgatar e traficar rebeldes para fora do Distrito, foram entregues no laboratório da Dra. Gaul. Para sua própria surpresa, ao divulgar o plano rebelde para o irmão em um jantar com o Presidente e suas famílias, a cientista maluca ocultou de todos que o remetente foi Coriolanus Snow, quem havia cotado como possível padrinho de casamento do noivo.
A morte de Sejanus levou parte dela consigo.
Por mais que tentasse esconder de todos, até mesmo de si mesma, sentia um certo carinho por Sejanus Plinth. Sentia-se segura como jamais seria novamente. Podia mentir para quem quisesse, mas nunca para si mesma, pois lembrava-se de sorrir para ele e sentir seu peito se aquecer com os toques dele.
Junto ao luto, vinha a culpa.
o usou e aceitava tal falha, uma vez que o carinho que sentiu por ele no prosseguir do relacionamento houvesse se demonstrado o suficiente para suprir a falta de sinceridade no início. No começo, o usou para se distanciar de Ajax, o que não surtiu efeito a longo prazo, pois Hyperion não confiava em suas habilidades para conquistar Sejanus mesmo depois dela relatar ao pai que Sej havia dito que a amava.
A culpa foi parte do motivo pelo qual se manteve reclusa em seu quarto por dois dias e meio, os prantos apavorados mais intensos quando o corpo de Sejanus foi devolvido no meio da noite aos Plinth e ela precisou implorar que Hyperion deixasse que ela o visse uma última vez, ainda sem aceitar que ele realmente havia a abandonado. Gaul teve seu pedido negado por um lacrimoso Strabo Plinth, ciente de que a nora jamais se recuperaria do horror.
Um som de portas abrindo novamente despertou para a realidade, onde ainda estava de pé no meio do luxuoso laboratório e abraçando um buquê de rosas que a lembravam de sua esperança perdida.
Ela chegou ao andar mais alto do Departamento de Guerra, que era inteiramente destinado aos Jogos (ideia de Hyperion, que acreditava que os Jogos Vorazes eram a chave para o futuro, onde guerras seriam encerradas antes mesmo de começarem). Sua chegada com minutos de antecedência ao local vazio foi essencial para que pulasse o silêncio que se formava conforme atravessava os corredores de mármore carvão que quase sempre estavam abarrotados.
A morte de seu pai, há duas semanas, foi um evento estatal.
O Presidente Heavensbee visitou e sua mãe, e passou longos minutos discutindo junto a elas quais seriam os próximos passos. Hyperion morreu no exercício de seu cargo, então, não havia nada mais correto e simbólico do que indicar Volumnia Gaul para ocupar o cargo de seu irmão. Similarmente, fazia sentido indicar um novo Idealizador Chefe, mas parecia impossível encontrar pessoa apta ao cargo em tão pouco tempo, portanto, sua tia manteria ambos os cargos por tempo indeterminado.
— Sua tia precisará do seu apoio, — o velho Heavensbee sussurrou, enquanto Violla Gaul encarava uma caixinha na mesa de centro. Quando o Presidente saísse, ela beberia todos os morfináceos escondidos na caixa até esquecer seu nome e o que sua existência patética significava. — Precisará do apoio que somente você será capaz de dar.
— Não imagino como poderei apoiar alguém na situação que me encontro. — correu os dedos pelo cabelo, cruzando as mãos diante do rosto. — Nós travamos uma guerra interna nos últimos anos, Senhor Presidente. Meu pai e eu — ela se explicou. — Nunca discordei de seus ideais, mas dos métodos grosseiros. Agora ele está morto e esperam que eu seja de algum apoio ao seu cargo?
O homem idoso, que há muito já deveria ter resignado seu posto, respirou fundo.
— Panem requer que seja quem Dra. Gaul me disse que é, Srta. — Panem. Panem esperava mais dela. Na verdade, cobrava mais, não apenas esperava. manteve-se quieta. — Espero que demonstre que é a força da natureza que sua tia muitas vezes descreveu para mim. — Heavensbee manteve os olhos fixados na moça. — Que demonstre ser uma herdeira apta a carregar do nome de seu pai, e que é merecedora do poder que acompanha o seu sobrenome.
— Eu não sou meu pai, Senhor Presidente. — Seu respirar foi ríspido.
— Não seja ele — o Presidente ordenou. — Seja melhor.
Os únicos grandes nomes de Panem que não se encontravam no enterro de Hyperion eram, para a surpresa de inúmeros líderes e de toda a mídia da Capital, sua irmã e filha. Dias depois, o Departamento de Guerra anunciou a escolha de nova Arena para os Jogos Vorazes, assim também instituindo um Centro Institucional de Treinamento, onde os tributos seriam ensinados lutas e métodos de sobrevivência por Pacificadores e vitoriosos.
O horror dos servidores que antes temiam a crueldade de Hyperion havia sido transferido para sua herdeira que, pouquíssimos dias após a morte do pai, se tornou a mente macabra por trás dos Jogos Vorazes daquele ano. Enquanto Volumnia era vista por inúmeros cidadãos da Capital como a nova face dos Jogos Vorazes, foi a verdadeira idealizadora das mudanças que culminariam uma nova era para os jogos e Panem.
se dirigiu ao salão de reuniões, onde doze idealizadores aguardavam Volumnia Gaul e demais membros do comitê. Quando entrou no local, não se surpreendeu, pois todos, com idade de serem seus pais ou avôs, se levantaram para cumprimentá-la. Dentre eles, a única pessoa que não viu necessidade de cumprimentá-la foi Arachne Crane, que se sentava ao lado do seu pai e irmão, ambos idealizadores a quem ela dedicava-se dia e noite a servir café e posca.
— A Idealizadora Chefe pediu que eu os informasse que precisará de mais tempo para se unir a nós nesta tarde, senhores — anunciou, sua voz poderosa assumindo o comando dos demais participantes da reunião que, em sua maioria, eram vinte ou trinta anos mais velhos. — Peço que revisem suas propostas e identifiquem pontos onde devem as complementar.
Ela se dedicava a ler o relatório comportamental dos bestantes que preparava para a próxima edição dos Jogos, quando, através de sua visão periférica, percebeu que o Sr. Crane se levantou. suspirou alto o suficiente para que o homem pudesse perceber a sua irritação imediata, mas isso não pareceu afetá-lo. Gaul revirou os olhos antes de virar-se na cadeira para encarar Crane, evitando qualquer contato visual com sua filha.
— Srta. Gaul, creio que falo por todos os demais membros desta prestigiada equipe quando expresso minhas sinceras condolências pelo falecimento de nosso tão estimado amigo Hyperion. — O terno que vestia era excelente, de alta qualidade. No entanto, o valor da roupa podia ser facilmente negligenciado pela maneira como quem a vestia a exibia. Alexis Crane estava com 68 anos e um estômago enorme de tanto beber. o observou em uma tentativa excelente de mascarar o seu desdém. — E também que, em situação adversa, poderá contar com nosso apoio incondicional e demais meios de suporte que julgar necessário. — Os demais homens concordaram.
Ela o olhou com uma simpatia bem praticada desde a infância, mesmo ciente de que se revelavam, através de suas palavras indiscutivelmente predatórias, meros urubus que aguardavam o momento de se deliciarem com os restos de Hyperion. Dentre eles, sua filha.
— Agradeço por suas palavras sinceras, Sr. Crane. — sorriu como era esperado dela, no entanto, não era necessário ser mestre em linguagem não-verbal para reconhecer que seu sorriso não alcançou os olhos, estes que se tornavam mais firmes e gélidos conforme observa cada um dos idealizadores. Gaul somente se fartou quando Crane, engolindo em seco, enfim sentou.
Volumnia Gaul vestia um longo vestido branco quando entrou no salão, acompanhada de outros membros de sua equipe pessoal. Dentre eles, sentiu sua expressão relaxar dada a presença de Athena Zane, estagiária de sua tia e sua conhecida de algumas aulas na Universidade. No entanto, enquanto ocupava um lugar privilegiado próximo da ponta da mesa onde Dra. Gaul se sentava, Athena e demais estagiários, assessores e secretários deviam manter-se de pé e em silêncio como Avoxes.
— Que caras são essas, senhores? Este comitê parece tão morto como meu irmão. — Gaul gargalhou, ao perceber que os Idealizadores, comumente tão falantes, se mantinham quietos após a falha tentativa de receberem qualquer aprovação vinda de .
O comentário macabro e desrespeitoso conquistou a atenção dos homens, e podia jurar que Arachne Crane estava tão pálida quanto seu vestido. O desconforto dos tão poderosos idealizadores arrancou um pequeno sorriso dela.
— Oh, como é revigorante! — Gaul, mesmo com luvas azuis de látex, agarrou a mão da sobrinha com entusiasmo. Ela não evidenciou o que tanto a emocionava na situação, mas sorriu. Quando as portas se abriram novamente, o som afiado começou a irritar os ouvidos de que, optando por aproveitar a nova distração, voltou a ler o conteúdo de seu relatório. — E, enfim, mais um de meus talentosos pupilos se junta a nós!
Deslizando a ponta do dedo pelo lábio, a jovem ergueu os olhos para quem entrava no salão, se surpreendendo com o inesperado e ágil reconhecimento de quem seria o tão talentoso pupilo que sua tia havia se referido. E talvez ela não devesse se surpreender tanto.
Coriolanus Snow cumprimentava os demais idealizadores com um porte diferente do que mantinha ao conversarem horas mais cedo. Enquanto demonstrava-se sereno quando o assunto tratado era a morte de Sejanus e ele prestava suas condolências a ela, Snow sorria para os homens, os tratando como velhos amigos e, aqueles desconhecidos, como futuros parceiros. Para sua surpresa, sentiu um toque em seu lado direito quando a tia, sorrindo entretida, indicou o jovem Idealizador com o queixo, enquanto ele cumprimentava os Crane e, consequentemente, a velha colega da Academia com um abraço respeitoso, que fez Arachne Crane sorrir pela primeira vez.
não podia desconsiderar que Arachne estava certa em sentir-se tão especial.
Coriolanus vestia um terno de três peças cinza-escuro, semelhante ao tom de grafite. O casaco grande que vestia quando a visitou no laboratório havia sido deixado em algum lugar, muito possivelmente no novo escritório que havia sido preparado para ele, e, na ausência de tal camada exterior de roupa, Snow parecia menos acessível e receptivo. O calor que demonstrava tendo se dissipado ao assumir não o seu papel de amigo do falecido noivo de , mas de um membro do Comitê de Idealizadores e um dos prodígios de Volumnia Gaul, assim como ela.
Gaul conhecia as habilidades dele, motivo pelo qual não se viu surpresa por, apesar de todos os acontecimentos, ter feito Lucy Gray Baird uma vitoriosa improvável. No entanto, Snow não precisava de conhecimentos técnicos para encantar os demais idealizadores, apenas de jogo de cintura, o que demonstrava ter de sobra, além de muita habilidade para encantar aqueles que se permitiam ser encantados.
— Novamente, apresento o líder da Comissão Especial de Integração Distrital, o Sr. Coriolanus Snow. — A Dra. Gaul acenou para que Snow se sentasse no seu lado livre, frente a frente com . — E aproveito este momento — ela prosseguiu com seus anúncios, mas Coriolanus fixou os olhos em , que havia voltado a estudar seu relatório, preocupada com a rachadura que as emoções que expressou para o homem fossem causar em sua imagem. Não lembrava de ter se exposto tanto assim desde a morte de Sejanus. — E também, indicar que…
Mas Coriolanus não conseguiu desviar os olhos de .
Ele se lembrava de seus longos discursos e propostas nas aulas de Teoria do Estado de Panem, assim como recordava-se da maneira que raramente a via fora das salas sem um livro nas mãos. Não se surpreendia por seu cargo recém-ocupado, ou por aquele que muito comentavam que seria seu dentro dos meses subsequentes. Coriolanus lembrou-se, com mais afinco e detalhe, do dia em que os vinte e quatro mentores dos jogos de Lucy Gray se reuniram em um seminário a fim de discutir novas ideias para garantir um aumento na audiência dos Jogos Vorazes.
Enquanto não precisava fazer parte do seminário, não se recolheu quando os mentores entraram no grande-salão de aulas, mas abriu espaço ao seu lado para Sejanus Plinth e, também, para Coriolanus. Na mão em que Festus Creed propôs punir aqueles que não assistissem os Jogos, sem especificar qualquer meio de fiscalização e punindo moradores da Capital com uma passagem sem volta para os Distritos, e Coriolanus adotou uma tese referente a apostas e que ele planejava implementar nos Jogos daquele ano, se destacou entre os demais alunos, apesar de ser contra as opiniões do então namorado.
Sua ideia de patrocinadores não havia saído da cabeça dele desde então.
— Na última semana, pedi para elaborarem propostas para a audiência da Capital, já que os Distritos ficaram sob responsabilidade do Sr. Snow e sua comissão. — Gaul, enfim, iniciou a reunião, indo direto ao ponto em vista de ter pouco tempo a ser desperdiçado. — Sr. Ravensworth, apresente sua proposta.
Snow, apesar de atento a cada tese apresentada, suas falhas e poucos acertos, não se privou de olhar, algumas raras vezes, para Gaul, que havia abandonado seu relatório para dirigir sua atenção aos demais idealizadores. Coriolanus, algumas vezes em sua vida, ouviu sua avó falar que apenas um mentiroso reconhece o outro, e, em tal sentido, podia observar como, apesar de aparentar desinteresse nas propostas alheias, as analisava com um tato invejável. Nas oportunidades certas, impugnava os pontos mais fracos, e em escassas ocasiões sua expressão se tornava mais serena, indicando que talvez não fossem assim tão ruins.
A atmosfera ao seu redor tornou-se diferente quando mais pessoas entraram no jogo e não eram somente eles dois trocando algumas palavras sem real valor sobre Sejanus Plinth. Ela, quase um ano e meio após a morte de seu noivo e semanas após o repentino falecimento do pai, se demonstrava cada vez mais madura e mais segura de si mesma. sempre se portou com a confiança de uma verdadeira mulher da Capital, mas agora havia se tornado mulher pela idade e tornou-se ainda mais temida após a morte de Hyperion.
Quando chegou a vez dela, Coriolanus quis ouvir cada palavra.
No fim do dia, tomaria uma decisão sobre , mas precisava ter certeza dela.
— Diferentemente de parte dos senhores, que viveram por algum período que não me preocupo em determinar agora, nos Distritos. — De modo contrário aos seus competidores, Gaul não dependia de uma enorme montanha de papéis. — Passei minha adolescência e passo minha vida adulta na Capital, motivo este pelo qual acredito ter tido experiências de telespectadora dos Jogos que superam as suas.
Se Coriolanus um dia pensou pouco dela, não se recordava. Sua mera introdução à sua proposta foi suficiente para a sala ficar em um silêncio desconfortável, exceto a Dra. Gaul, que soltou um sorrisinho.
— Minha proposta é extensa, mas os asseguro que todos os pontos que irei tocar são intimamente ligados — com a mesma eloquência de todas as vezes que Coriolanus a ouviu falar, prosseguiu. — Durante a 10ª Edição, eu ainda era aprendiz da Academia, mesmo que ocupasse um lugar nesta sala como os senhores. — Seu sorriso foi gentil, incitando um humor inexistente. — Mas lembro-me de um seminário que foi lecionado por um de meus professores, cujo intuito era avaliar métodos para garantirmos um maior envolvimento da população da Capital nos Jogos Vorazes. — Snow manteve os olhos nela, sentindo um torcer em seu estômago quando o olhou de volta. Os olhos tristes de uma hora mais cedo não mais eram os mesmos. — Lembro-me bem que o Sr. Snow estava presente. — Quando ela desviou os olhos dele, Coriolanus teve certeza de que o sorriso educado foi dado para Arachne Crane, que se recuperava de seu ataque no Zoológico e não estava no seminário. — E eu propus a ideia de Patrocinadores. Patrocinadores semelhantes aos patronos das casas de ópera da Capital, que auxiliam os seus artistas favoritos com valores vitais para que continuem focados em sua arte.
— Neste caso, os tributos? — Felix Ravinstill intrometeu-se, mesmo que não fosse surpresa alguma.
— Muito bem observado, Sr. Ravinstill. Obrigada por seu esclarecimento. — Gaul ergueu as sobrancelhas, sorrindo para ele apesar do óbvio sarcasmo. — Mas os tributos, a diferir, não são artistas, mas caçadores em uma performance que será ofertada aos Distritos e à Capital. E como qualquer performista, não há de ser ignorado o ponto chave de qualquer forma de arte: a beleza. — Snow cruzou as mãos, evitando que sua mente divagasse para Lucy Gray no palco do Prego. — A perfeição, para ser mais exata. — deu continuidade. — Perfeição esta que está longe de alcançar os Distritos e por isso se torna cada vez mais difícil que a Capital se sinta atraída aos Jogos. — Ela molhou os lábios, apoiando os cotovelos na mesa, buscando tornar-se mais amigável com os homens que desprezava. — Não há casa de moda alguma na Capital que oferte trapos como os que os tributos dos últimos jogos usavam, senhores!
Uma mulher falando de beleza e moda dificilmente seria contradita por homem algum. Ciente disso, ela não se surpreendeu quando a maioria riu, enquanto alguns sorriam desconfortáveis.
— Sabemos que há uma indiscutível superioridade entre nós e os de distrito. Mas, para os espectadores dos Jogos, a plateia que precisa ser conquistada. Os ver em roupas sujas, fedidas e de distrito, torna a situação ainda mais triste. — Ela apoiou a mão na mesa, suspirando. Ao mesmo tempo que planejava meios de tornar os Jogos Vorazes mais cruéis, ainda alcançava seu objetivo ao fingir sentir pena dos distritos. — Os Jogos Vorazes são, sem dúvidas, uma punição aos Distritos, mas há de continuar para lembrá-los do grave resultado de sua rebeldia. É em razão deste motivo que não só se selecionam 24 crianças e os Pacificadores atiram em suas cabeças.
— Seria muito fácil, não? — Ego Dovecote respirou, esfregando a barba branca.
concordou. Ela iria encontrá-lo após a reunião e questionar sobre Clemensia.
— Seria, Sr. Dovecote. — Assentiu novamente. — Todavia, é devida uma compensação pelos dias escuros que passamos durante a Guerra. — Gaul notou o tensionar da mandíbula de Coriolanus.
Ele foi vítima da fome e da destruição causada por rebeldes. Possivelmente, quem mais sofreu entre todos ali.
— E, portanto, para garantir-lhe um papel ativo nos Jogos, é necessário demonstrar que os tributos perdidos serão honrados em seu período na Capital. E honrados na forma da Capital, é claro; da forma que aqueles menos afortunados que nós sonham. Beleza, comida e atenção. — olhou nos olhos de Arachne Crane no último momento, o que não passou despercebido por nenhum dos presentes. — Os mentores dos últimos Jogos visitaram os tributos no Zoológico, se recordam? — Ela olhou para Snow, então. As memórias sobre a última edição pareciam o incomodar e se conteve de imediato. — O cheiro pútrido daquele local, com tributos rodeados de seus próprios dejetos devia ser terrível. — O Zoológico era outro ponto a ser destacado. — Fora que, ao serem tratados como animais, eles se tornam ainda mais ferozes.
— Domaremos as feras, Srta. Gaul? — Islo Creed reconheceu.
— Domaremos as feras. — O sorriso dela, Coriolanus reconheceu, foi essencial para que a tensão na mesa diminuísse. — Os lavaremos, vestiremos, alimentaremos e trataremos suas moléstias até torná-los dignos da Capital.
A Dra. Gaul observava com atenção sua sobrinha quando ela foi interrompida.
— E quanto vale a beleza dos tributos, Srta. Gaul? — Arachne Crane indagou ríspida, erguendo o queixo afinado. A cicatriz em sua garganta era uma mera impossível de ignorar. — Quando seus rostos estiverem irreconhecíveis na primeira noite, quanto acha que os seus... Patrocinadores… — Crane riu, aguardando que a acompanhassem, mas nem mesmo seus familiares o fizeram. O Sr. Crane parecia ainda mais humilhado que antes, mas sua filha não reconheceu que os falsos agradecimentos de anteriormente foram sinais para que se calassem durante o resto do dia. — Quanto acha que irão oferecer a eles?
Coriolanus sentiu seus lábios se moverem quando a Dra. Gaul sorriu largo, olhando o velho e pálido Sr. Crane.
— Também é sabido que a beleza leva seu portador a lugares inesperados, Srta. Crane — comentou, se recostando em sua cadeira. — Não há de ser subestimada, mas também não é permanente. — Ela fez questão de olhar a jovem Crane de cima a baixo, deixando os olhos fixos então, na cicatriz deixada pelo golpe que quase a matou. — Então, por este motivo, outras particularidades devem ser aperfeiçoadas antes que os tributos alcancem a Arena, e foi neste sentido que a Dra. Gaul instaurou resolução que instrui a criação de um Centro de Treinamento. Posterior ao treinamento, eles serão avaliados e suas notas feitas públicas para toda Panem. Desta maneira, mesmo quando severamente deformados, terão algo a ser oferecido. — virou-se então para Vivien e solicitou que ele se aproximasse. — Mande uma cópia da última resolução normativa para o escritório da Srta. Crane, por favor.
Coriolanus arfou, precisando levar sua taça de água aos lábios para disfarçar o riso que a Dra. Gaul não se deu ao trabalho de impedir escapar.
— Acredito, senhores — Volumniase pôs de pé, sorrindo insana como sempre — que após esta refrescante e inovadora perspectiva apresentada pela Srta. Gaul, não restam dúvidas quanto a quem há de assumir minha recém-instaurada Comissão Especial de Integração do Capitólio.
sorriu com carisma, ainda que o som das falsas parabenizações a irritasse.
— Congratulações, por seu comprometimento com nossa grande nação. — Dra. Gaul tocou no ombro da sobrinha, antes de dispensar os demais idealizadores.
Felix fez questão de parabenizá-la pessoalmente, junto a inúmeros elogios que considerou estúpidos demais para serem ditos em voz alta. Quando ele partiu, e mais ninguém se atreveu a congratulá-la após o vexame das repugnantes ofertas de favores após a morte de seu pai, ela recolheu seu relatório e preparava-se para deixar a sala, quando percebeu que, para sua surpresa, Coriolanus Snow permanecia sentado e analisando uma cópia da proposta de Andrew Hyves.
— Não é tão mal assim — ele comentou, afinal, havia realmente algumas ideias úteis. O loiro ergueu os olhos para , que também o olhava. Naquele momento, permitiu que a sua máscara caísse, afinal, não mais o via como um concorrente, mas alguém naquele meio que, além de sua tia, não a incomodava e merecia ocupar tal posição de prestígio. — Sortear jantares com o vitorioso. — Coriolanus refrescou a memória dela para a proposta que ela achou ridícula. franziu as sobrancelhas, seu silêncio e expressão revelando que discordava. — Fará mais sentido no momento que instituir suas melhorias.
— Pensei que havia cometido o erro de acreditar que Hyves podia ser útil — se deixou comentar, cruzando as pernas. Quando ele sorriu complacente, ela balançou a cabeça. Ao mesmo passo que Coriolanus se lembrava das habilidades de , Gaul se recordava bem das que ele demonstrou em seus anos na Academia. Apesar da difícil situação da família, Coriolanus se manteve sempre acima da água, sem jamais permitir transparecer que algo estava errado. — Fico feliz que ocupe uma destas cadeiras, Coriolanus. — Suas palavras, sem qualquer sinal de mentira ou adulação, o tomaram de assalto, porém, Snow não permitiu que isso transparecesse, como ela não imaginou que ele faria. — Enquanto Felix e Arachne ocupam espaço necessário, eu soube dos seus feitos recentes e posso dizer que não me surpreendi com eles.
— Comandou esta sala com habilidade até mesmo quando não estava com a palavra, . — Coriolanus preferiu não tratar quanto ao seu mérito. Talvez pudesse parecer mais incerto ao fingir que seu posto não o orgulhava tanto, ao ponto que sabia ser tão merecedor quanto ela. — Acredito que Hyperion ficaria orgulhoso de vê-la nesta cadeira, também.
— Não. Ele detestaria. — Ela não sabia o motivo de estar falando isso a ele, mas era o que todos que conheciam minimamente Hyperion Gaul podiam deduzir. — Pediu ao Presidente que não desse o cargo de Idealizador Chefe para minha tia por acreditar que ela já havia atingido o ponto mais alto de sua existência ao ter frequentado a Universidade.
Coriolanus apertou a boca, já tendo ouvido tal rumor pela boca de Clemensia.
— E agora é líder de uma das comissões especiais para o novo Jogos Vorazes.
estreitou os olhos antes de deixar um sorriso entretido escapar, balançando a cabeça, pois havia reconhecido o jogo que o rapaz estava tentando vencer. Coriolanus a olhou por baixo dos cílios quase transparentes, ciente que havia sido pego e, para seu alívio, parecia divertida o suficiente para decidir atacá-lo da mesma forma que fizera com Arachne e Felix.
Volumnia Gaul havia instituído, junto à comissão recém liderada por , que os líderes que melhor satisfizessem os objetivos de suas respectivas jurisdições seriam cotados ao cargo de Idealizador Chefe. Logo, com a retro coroação de como responsável pela Capital, e ele pelos distritos, a competição havia sido iniciada.
— Competir com um Idealizador dos Jogos é perigoso, Sr. Snow — ela alertou.
A astúcia de Gaul o fez sorrir de verdade pela primeira vez em meses.
— Há jogos muito piores para se jogar, Srta. Gaul.
Sua decisão estava firmada em pedra.
O motorista particular deixou na porta de seu apartamento.
Grandes políticos da Capital também viviam no mesmo prédio, mas como a mãe dela era a dona de quase todo o quarteirão, cuja proximidade ao litoral da Capital cujo ponto alto era uma vista invejável das montanhas rochosas do outro lado da península. residia na enorme cobertura há poucos meses, pouquíssimo tempo após a morte de Hyperion e Violla Gaul-Crane haver deixado a Capital, sob a mentira de que havia se recolhido para um centro de reabilitação no paradisíaco Distrito 4.
Na verdade, a mãe de Gaul havia encontrado o mesmo destino do marido, mas, em circunstâncias diferentes. Hyperion morreu pelo o que seus médicos consideraram uma reação esperada de seu organismo após cinco décadas fumando quatro charutos diários. A sua causa da morte, ao contrário da opinião médica que identificou um infarto, foi um envenenamento causado pela filha, que somente aguardava os últimos detalhes legais para poder usufruir da herança bilionária deixada a ela.
Em seu laboratório, extraiu o veneno de plantas de acônito que haviam sido as mesmas utilizadas ao preparar o pólen artificial e letal para as plantas na arena da edição seguinte dos Jogos Vorazes. Em seguida, utilizou uma seringa e água destilada, introduzindo o conteúdo no charuto do pai, ciente de que os sintomas do envenenamento levariam à sua morte em pouquíssimo tempo. Menos de vinte minutos depois, uma das empregadas estava aos prantos, clamando que a governanta da Residência dos Gaul chamasse o médico, pois o patriarca tinha parado de respirar.
Hyperion havia vendido a filha, com apenas catorze anos, para Ajax Cannondale, filho de Thanatos Cannondale, secretário do Presidente Ravinstill e que foi responsável pela nomeação de Gaul ao seu tão almejado cargo no Departamento de Guerra. Hyperion permitia que Ajax os visitasse nas horas mais incomuns possíveis. Hyperion ordenava que fosse convocada todas as vezes para se juntar a eles e sentar-se no sofá apertado do escritório ao lado de Ajax e Thanatos. Hyperion não permitia que a filha vestisse roupas capazes de cobrir seu corpo, apesar de homens estranhos sempre vagarem por sua casa. Hyperion ignorava e somente ria quando os Cannondale tocavam nas pernas de sua filha, brincavam com o cabelo dela e beijavam seu rosto, até mesmo usando a língua para secar as lágrimas apavoradas da jovem quando fingiam que iam tocar em seus seios ou intimidade.
Hyperion havia merecido sua morte, e disso não tinha dúvidas.
Violla, tão absorta em sua própria dependência química e os próprios demônios, não demonstrava qualquer intuito em proteger a única filha da prostituição e constantes abusos que a menor sofria. Ao contrário, parecia entender as motivações do marido para tal. Violla a instruía a se sentar no colo de Ajax quando ele a visitasse, principalmente quando ele lhe presenteava com doses altas de mortináceo. Violla comprava roupas provocativas para a filha, no intuito de saciar a luxúria dos Cannondale, que haviam feito tanto por sua família e que “mereciam um bom tratamento em seu lar”. E Violla também fingia não perceber que o próprio marido também cobiçava a filha.
Envenenada com toxina que também havia isolado de um peixe que estaria na Arena e provavelmente mataria muitos outros, a mulher ficou paralisada após uma dose leve. E se viu uma vítima silenciosa como a filha também havia sido, sem nem mesmo conseguir chorar ou pedir por ajuda enquanto preparava uma seringa, agora com uma enorme dose do morfináceo que havia sido presenteado a ela por Ajax. O dano no cérebro causado pela overdose a deixou absorta da realidade até certo ponto.
Ela estava consciente, mas presa no próprio corpo. Igual sua filha esteve por anos.
No entanto, sua vingança ainda não havia tido fim.
não havia se livrado da ameaça dos Gaul apenas para ser abandonada nos braços de Ajax devido às dívidas de seu pai com Thanatos. Seria um desperdício e arriscado. Então cada detalhe de seu plano foi devidamente pensado, cada segundo cronometrado e cada passo foi dado na direção correta.
Portanto, quando o pai morreu, ela soluçou para o líder do Alto Comando dos Pacificadores que imaginava quem poderia ter sido responsável pela morte de Hyperion. contou para Hunter Gastown que o charuto que o pai tinha fumado pouco antes de morrer havia sido presente de um amigo da família, Ajax Cannondale. E mediante uma inspeção na residência dos Cannondale, fora encontrado um casaco no closet de Ajax que possuía resquícios do veneno contido no charuto que Hyperion fumava e guardou consigo como "memória do pai", o pó havendo sido plantado dias antes por uma estagiária do Departamento da Economia que era amiga de Athena. Era surpreendente o que as pessoas faziam por uma carta de recomendação no nome da Dra. Volumnia Gaul.
Thanatos, por sua vez, não permitiu que qualquer notícia sobre o crime supostamente cometido pelo filho se tornasse pública. Então, mediante muito suborno e o apoio do Presidente Ravinstill, Ajax foi condenado a servir Panem como um pacificador no Distrito 8 por no mínimo 15 anos, segundo o acordo firmado com o Presidente e, claro, e Violla.
Somente três meses após o escândalo que esvaziou seu cofre e expôs sua família à elite da Capital, Thanatos Cannondale ateou fogo em sua casa no meio da noite e, antes de ser consumido pelas chamas, ele se deitou na cama com a esposa, que havia sufocado horas antes. Na ausência de alguém para encobrir os podres dos Cannondale, ou, ao menos aqueles que haviam se tornado públicos, Maritzia Cannondale tornou-se um mártir da Capital, e as línguas más diziam que o jovem Ajax havia tentado se matar também. Infelizmente, foi punido pela sua tentativa. Por razão de seu posto como pacificador, Ajax era propriedade de Panem e não lhe cabia dispor quanto a sua vida.
foi vítima de diversos monstros por anos e merecia a paz de saber que houve justiça, mesmo que tenha sido ela a conquistar, e que aqueles que sobreviveram seus atos, viviam como miseráveis e nas mesmas condições que ela viveu graças a eles.
— Magna! — chamou sorridente, ao adentrar o apartamento. — Estou em casa!
Ela deixou a bolsa de luxo na mesa ao lado da porta e se apoiou na estante próxima, onde alguns porta-retratos continham fotos suas com a sua fiel escudeira e anjo da guarda. A foto mais recente havia sido tirada poucos meses antes da morte dos Gaul, no dia em que haviam se mudado para o atual apartamento, celebrando sua libertação da garra dos pais ao completar vinte anos. Na mais antiga, Magna a carregava no colo, vestindo seu uniforme azul escuro e protegendo do sol com um guarda-chuva.
Porém, conforme o tempo se demonstrou mais gentil com as duas, Magna não vestia mais uniformes ou sequer era permitida na cozinha, lavanderia ou em qualquer área da casa onde uma dama não deveria estar. Magna vestia roupas tão caras quanto as de , comia comidas tão saborosas quanto e frequentava os mesmos lugares que ela. também havia a salvo de seus pais quando a arrastou consigo para fora da mansão e lhe ofereceu uma vida de verdade.
Magna havia a protegido na sua infância e a protegeria pelo resto de sua vida.
— Soube das notícias! — a ouviu avisar de algum canto da casa, e enquanto ela removia os sapatos apertados, Magna surgiu por trás da parede que levava para a cozinha, mais algumas funcionárias a seguindo enquanto carregava uma pequena torta de maçã com pitangas de creme por cima. — E não podíamos deixar passar em branco, Srta. Idealizadora!
se recusava a ser como os pais, ao ponto que todos os seus funcionários, às cinco da tarde, já deveriam ter partido para suas respectivas casas. No entanto, a cozinheira e duas auxiliares de limpeza seguiam Magna na direção dela.
— O que ainda estão fazendo aqui? — ela perguntou preocupada. Lhe esperaram por quase quatro horas a mais do que deviam. — Deveriam estar em casa com suas famílias, senhoras!
— Todos que puderam, decidiram ficar para parabenizar você, meu docinho — Magna explicou, ao colocar a torta na grande mesa de jantar no centro da sala. — Não é toda vez que alguém recebe um posto como o seu.
Aproximando-se deles, seguiu direto para Magna, quem abraçou com toda sua força, beijando a cabeça da mulher mais baixa e mais velha. Com a idade, Magna havia ficado um tanto mais baixa, mas os seus abraços ficaram mais quentes e carinhosos. Não havia ninguém que amasse tanto como Magna, ou buscasse tanto orgulhar.
— Obrigada, Maggie — ela sussurrou para a ex-babá, beijando também seu rosto.
Gaul deu abraços e agradeceu a gentileza dos seus demais funcionários. Winnie, Kit e Marlee eram funcionários antigos dos Gaul. Kit e Winnie eram da época em que a família vivia no Distrito 3, então nutriam sentimentos bons pela filha dos antigos chefes e que, diferente deles, os tratava com nada além de respeito.
— Obrigada a todos por terem esperado. Teria vindo mais cedo se soubesse que vocês me aguardavam com uma torta. — riu animada e todos a acompanharam. — E, também, eu sei que passamos por momentos turbulentos nos últimos meses — ela prosseguiu, abraçando sua antiga babá de lado. — Mas espero que saibam que sou grata por, apesar de tudo o que houve, nós termos tido esta oportunidade. — As mulheres assentiram, cientes que a parte turbulenta já tinha sido sanada. Os Gaul, a parcela ruim da família, não mais podiam abusar de seus poderes sobre elas. — Sei o que passaram enquanto trabalhavam para os meus pais. Lembro dos gritos que eles davam para vocês, da maldade de suas palavras e dos demais abusos. Mas posso vos garantir que este local será um porto seguro.
— A senhorita se tornou uma mulher muito boa — Winnie elogiou, parecendo segurar suas lágrimas. Ela sempre preparava a comida favorita de após a visita dos Cannondale e se preocupava em colocar gelo no freezer, ciente que após as costumeiras agressões sofridas pelo pai ou mãe, sentiria dor e precisaria do alívio. — Nós ficamos muito felizes com a notícia, Srta. Gaul.
— Bom, todos sabemos o quão disfuncional e sinceramente terrível minha vida foi até poucos meses atrás. — não mediu palavras. Qualquer um que acreditasse que Hyperion e a louca da Violla não mereciam o que aconteceu com eles, não deveria dividir o mesmo ar que ela. — E, se me tornei uma pessoa boa como você disse, foi por ter, por trás das cortinas, influências valiosas. — Ela sorriu ao apoiar a bochecha no cabelo de Magna. — Então renovo minha gratidão a todas vocês. Fizeram uma diferença genuína em minha vida, senhoras.
Foi um fungar úmido de Marlee que interrompeu o momento especial e fez rir, seguindo para mais um abraço e anunciando que era hora de provarem a famosa torta de maçã de Magna. Após certa insistência, Kit, ainda resistente às mudanças, aceitou sentar-se na mesa para comer com sua chefe, que ainda a fez levar mais um pedaço de torta para o motorista, seu marido. Antes das oito da noite, todos haviam recolhido seus pertences e ido para seus lares, o carro que estava com o motorista as levando para casa em agradecimento por a esperarem.
Após um longo banho, se retirou para seu escritório no intuito de avaliar todas as medíocres propostas apresentadas pelos demais idealizadores para engajar o público da Capital nos Jogos Vorazes que aconteceriam em 9 meses.
— Já estou indo dormir, querida — Magna avisou, ao entrar no escritório, seu gorro de dormir combinando com o pijama e o robe de seda da mesma cor. a olhou com um sorriso apesar do cansaço estampado no rosto. Quando em casa, podia ser amável e demonstrar cansaço até certo ponto, em vista dos funcionários. Mas quando em casa e só na presença de Magna, podia ser verdadeira e aceitar seu cansaço e fraqueza. — Como estão os preparativos?
— Lentos, Mag… — Ela suspirou e correu os dedos pelo cabelo. — Aqueles homens só apresentam ideias boas quando se trata dos Jogos em si, da Arena e formas de matar os tributos. — Magna sentou-se na beira do sofá, sorrindo compreensiva. — Quando se trata dos aspectos mais políticos, não sabem como agir e surgem com propostas absurdas.
— Enquanto isso, você foi criada e conviveu ao lado de políticos por quase toda a vida — a mulher explicou com facilidade o que poderia justificar a frustração dela. mordeu o lábio, como uma criança levando bronca.
Uma criança que havia assassinado o pai e causou lesões irreversíveis na mãe.
— Não pode os julgar por não terem o mesmo senso que tem.
— Eu cresci entre políticos e monstros, Maggie. Esta é a verdade — ela murmurou.
— Mas isso não altera o fato de que entende melhor deste aspecto dos Jogos, e até mesmo da vida, do que eles. — respirou fundo, deixando as palavras de Magna fazerem sua mágica. — Que o que te faz diferente deles tem todo o poder de fazer ser melhor! — ela insistiu. — Qualquer um pode aprender sobre plantas, saúde e história. Até mesmo eu aprendi. — A jovem fez questão de balançar a cabeça para repreender Magna. Não gostava que se diminuísse. — Mas não é fácil entender de pessoas, . E você nasceu no meio dos políticos de segredos mais sujos e os esquemas mais absurdos de Panem. — conteve um riso amargurado. — Não perca seu tempo precioso seguindo por um caminho que não vai lhe levar tão longe como deveria.
— Esta é a sua forma de dizer que me vê como futura Presidente de Panem, Magna? — provocou, estreitando os olhos e se empinando na cadeira. A idosa fez uma careta. — Ou que devo me enveredar pela política?
— Só estou dizendo que precisa saber no que é boa e investir nisso.
levantou o rosto e virou a bochecha na direção de Magna para receber um beijo quando a senhora se aproximou dela, apertando seus ombros.
— Vou manter seu conselho em mente, ok? — ela sussurrou serena. — Boa noite, Mag.
Quando descansava a cabeça em seu travesseiro a noite, não sentia medo do que o futuro lhe reservava. Ela havia feito questão de garantir que todos aqueles que haviam feito mal a ela estivessem contidos.
Não imaginava nada mais tranquilizante do que uma vingança bem executada.
Coriolanus havia tido êxito em sua comissão e no aceite de todos os novos decretos que a sua equipe havia produzido, de forma que a audiência dos distritos era garantida para a nova edição. A exemplo da Capital, onde todos os dias eram iniciados com uma transmissão do hino de Panem na televisão, o mesmo aconteceria nos distritos, e, em seguida, teria uma transmissão do resumo dos Jogos Vorazes e os acontecimentos da madrugada e início da manhã. No almoço, os trabalhadores assistiram aos Jogos, e no jantar também. Seriam servidas sopas nos centros dos distritos durante a noite, para atrair os moradores para os telões. Os produtores de grãos e tecido seriam úteis, pois, através deles, a Capital presentearia as famílias dos tributos com alimento e roupas, os tornando mais adeptos à ideia dos filhos nos Jogos.
Mesmo com suas vitórias, o reconhecimento óbvio advindo de seus feitos havia lhe garantido preferência e “amizade” com os políticos de distrito e fortes personagens da capital, e a superior habilidade dele entre os demais idealizadores, Coriolanus sempre encontrava tempo para dedicar-se à sua investida contra Gaul.
havia promovido uma mudança gigantesca dentro da própria Capital ao se preparar para os Jogos Vorazes. Com o auxílio da tia, havia organizado um sistema de treinamento básico de sobrevivência para os tributos, de forma a garantir que seus dias na Arena fossem ainda mais divertidos de serem assistidos. “Seus tributos”, como a Dra. Gaul havia apelidado, também seriam sortudos: seriam alimentados e a eles seriam oferecidas acomodações em seus trens, que ainda passavam por reformas para acomodarem os tributos de cada distrito em um vagão. Por fim, o sistema de apostas e patrocínios organizado por ainda era o favorito dos cidadãos da Capital, estes que sempre comentavam animados sobre a novidade quando o tópico da nova edição era sequer mencionado.
— Sr. Snow, o Chefe dos Pacificadores do Distrito 11 entrou em contato solicitando um reforço de quarenta homens — Conrad, filho de um cirurgião qualquer, avisava, ao tropeçar em sua tentativa de acompanhar as passadas largas de Coriolanus pelo oitavo andar do Departamento de Guerra. — Disse estar preocupado com a população causar problemas na hora de distribuição das cestas para a família dos tributos. E na hora do sopão.
Corio estremeceu. Sopão. Panem et circenses, ou pão e circo, era a referência para a sua melhoria. Mas é claro que o povo dos distritos chamaria seu projeto de “sopão”.
— Verifique com o Karteger se há possibilidade de serem realocados uma parte dos pacificadores da Tríade para o 12, 11 e 10 — Snow ordenou, alinhando suas abotoaduras. Tinha uma entrevista a ser dada para o jornal em duas horas e precisava estar apresentável para as fotografias e para esbarrar com . — E faça um memorando para mim: pacificadores nas casas até o tributo morrer.
— Sim, senhor — o rapaz confirmou com a cabeça, enquanto anotava as instruções nos seus inúmeros bloquinhos, e Coriolanus resistiu a vontade de o mandar se afastar. — E quanto à festa de aniversário de Clemência Dovecote? Será hoje às oito horas.
— Confirme minha presença e mande um carro me buscar em casa às 21h. E mande um outro para o atelier de Tigris às 20h, a levando para casa — o idealizador prosseguiu, ao entrar no elevador, apertando os dentes ao ser seguido pelo assistente. — Também a avise que desejo que me acompanhe na festa.
Chegando à sala de reuniões, Coriolanus colocou um sorriso no rosto assim que abriu a porta, cumprimentando todos os assistentes de filmagem, sonoplastia e direção que transitavam ali. O jovem idealizador era muito conhecido por seu carisma e charme, coisa que causava grande inveja em Lucretius Flickerman, que jogou seu pente na direção de um assistente antes de ir até o outro.
— Sr. Snow! — “Lucky” gargalhou, se apressando por entre membros da equipe para se aproximar de Coriolanus. — Que bom vê-lo!
Snow concordou com a cabeça, apático ao apertar a mão gelada do apresentador.
— Será um prazer ser entrevistado por você, Flickerman — ele avisou, antes de Conrad o guiar para uma penteadeira onde pudesse se preparar para sua curta entrevista, mas não antes de Corio perceber a careta do jornalista com sua resposta insatisfatória.
Lucretius “Lucky” Flickerman passou de mero homem do tempo da Capital TV para o líder do horário nobre, principalmente com seu programa de entrevistas, onde podia se portar com ainda mais ânimo e humor do que quando apresentou os Jogos Vorazes. Se fosse possível, claro. E, normalmente, idealizadores e membros do governo superior evitavam aparecer em tal programa em vista dos comentários nada educados de Lucky, sua falta de tato e a busca pelo anonimato que muitos governantes prezavam. Contudo, em vista da nova meta dos Jogos Vorazes em manter a indústria em chamas, Coriolanus havia sido escalado para discutir os novos objetivos dos Jogos para com os distritos e, juntamente a ele, Gaul faria sua parte quanto à Capital.
Tudo isso em um novo segmento do Lucky Panem Show.
— Avisou o Flickerman que qualquer desvio da pauta para conteúdo não autorizado pela Dra. Gaul será motivo de cancelamento do programa? — Snow questionou ao estagiário, seus olhos fechados enquanto uma maquiadora com luvas verdes aplicava pó em seu rosto.
— Sim, senhor. Quer que eu reafirme? — Um entortar de lábio foi o suficiente para o menino correr pelo set, procurando por Lucky Flickerman, o diretor do programa e os produtores.
Assim que a maquiadora terminou com ele, atendendo a pedidos mínimos que Snow fez, por nenhuma cor excêntrica na sua face, apenas o “básico” pó para as câmeras, ele se levantou e alinhou o terno escuro com linhas retas, centralizando o botão de seu colete que imitava o brasão de sua família, bem como o anel de assinatura em seu dedo. Coriolanus estava alinhando os broches com a bandeira de Panem e a da Capital sobre seu peito, quando o som de saltos atraiu sua atenção para Gaul e Athena Harrington.
trajava um belíssimo vestido azul petróleo, o tecido sofisticado e bem formal, sem qualquer tipo de acessórios que pudessem desviar o seu intuito de se sobressair por meio da elegante simplicidade da peça. Com os fios lisos presos em um penteado firme em que os brincos enormes de safira e diamantes se destacavam, Coriolanus percebeu exatamente o que ela estava fazendo: agradaria bem o público jovem e feminino da Capital com sua indiscutível beleza e o seu belíssimo par de brincos, mas o vestido azul (quase preto) sóbrio a tornaria mais séria e capaz de se demonstrar mais confiante ao público conservador.
— Snow. — Ela sorriu para ele, apesar de Athena tocar em sua cintura, querendo guiar a chefe na direção do camarim improvisado.
— Srta. Gaul. — Ele acenou com a cabeça como havia praticado no espelho.
Quase meia-hora depois, o estúdio estava pronto para recebê-los, e Coriolanus enfiou a mão no bolso interno de seu paletó, alcançando um broche que havia comissionado há pouco para indicar sua estação nos Pacificadores e a insígnia da organização que ele fez questão de colocar ao lado dos broches de Panem e da Capital.
Enquanto Snow se ocupava com tal detalhe, não conseguiu deixar de pensar em seus pais, mais precisamente em sua mãe. “A fraqueza está nos detalhes” ela dizia. Mas, agora, só podia ver a grandeza do homem que seu antigo colega de sala havia se tornado no auge de seus dezenove anos.
Coriolanus não usaria o broche dos Pacificadores pelos distritos, estes que ele deveria estar tentando agradar, uma vez que os Pacificadores eram temidos e quase detestados fora da Capital, exceto em alguns distritos, onde eram vistos como uma mão amiga da Capital e de Panem. A mulher foi rápida ao perceber que Snow buscava apoio, portanto, do Distrito 2 e 12, aqueles que ele havia servido, querendo ou não. Agora, tendo sido nomeado a um cargo vitalício, qual seria tal razão para o apoio de meros distritos?
— Lindo vestido, — ele elogiou, ao se sentarem em cadeiras de veludo escuro, na diagonal da que Lucky ocupava ao retocar seu gel de sobrancelhas.
— Obrigada, Coriolanus — Gaul respondeu, com um sorriso, pousando as mãos no colo e angulando o rosto na direção do entrevistador, também roubando uma olhada dos broches dele. — Panem, Capital e Distritos. — Ela curvou a boca em um sorrisinho, quase maldosa. — Corajoso.
— Não custa agradar o braço amigo — Corio retrucou gentilmente, abrindo um botão do paletó, expondo o brasão da família nos seus botões. achou um toque bonito. — Como estão as suas bestas?
Além de ser a Idealizadora-Chefe da Comissão Especial de Integração do Capitólio, ela ainda era parte da equipe científica da Dra. Vollumia Gaul, motivo que a tornou responsável pelas bestas que se uniriam aos tributos na Arena na nova edição.
— Bestantes, Sr. Snow — lembrou-se da denominação que escolheu, lançando um olhar de ligeira e falsa reprovação para ele. Corio assentiu, se desculpando. Para ele, somente pelo fato de aceitar falar com ele ou reparar em seus broches, sabia que estava na frente de muitas pessoas da Capital. Para uma mulher reservada, ela falava com ele com certa naturalidade depois de alguns meses. — Estão famintos. Crescendo como nunca vi um de sua espécie.
— E irá me contar qual a espécie deles? — O pedido dele a fez balançar a cabeça.
— O senhor irá descobrir com os demais, eu creio. — sorriu entretida.
Lucky Flickerman iniciou sua narração intensa, segurando seu microfone, o que achava ridículo e se recusou a fazer, motivo pelo qual foram pregados microfones nela e em Snow.
— E aqui estão os Idealizadores responsáveis pelas nova políticas dos Jogos Vorazes que os Distritos e a Capital poderão usufruir nos próximos meses! — Assim que a câmera se virou para eles, Coriolanus estampou o mesmo sorriso agradável de quando foi filmado no Zoológico da Capital com Lucy Gray Baird. Contudo, desta vez, a mulher ao seu lado realmente merecia ocupar a posição. — Senhor Coriolanus Snow, chefe da Comissão Especial de Integração Distrital. — Corio curvou seu pescoço, como fazia em seus tempos de Pacificador, e então olhou para . — E a Srta. Gaul, chefe da Comissão Especial de Integração do Capitólio e filha do antigo idealizador chefe dos Jogos Vorazes, o Sr. Hyperion Gaul.
A menção de seu pai quase fez erguer-se de sua cadeira.
Em nove meses, ela havia conseguido evoluir e sofisticar os Jogos Vorazes de maneira que seu pai não conseguiu e, ainda assim, seria eternamente resumida à filha de Hyperion. Porém, engolindo o seu ego e a raiva de Lucky, ela sorriu para a câmera e maneou sutilmente a cabeça, assim como Snow fez.
— Sr. Snow, o que pode dizer a toda a Panem sobre as novas práticas dos Jogos?
— Gostaria de cumprimentar a todos que nos assistem e reforçar o quão grato sou pela oportunidade de servir a Panem em um programa tão nobre quanto os Jogos Vorazes. — A eloquência de Coriolanus era parcialmente advinda de suas aulas de oratória na Academia, mas sabia que havia algo além de prática, o que somente poderia ser puro talento com as pessoas. — Sabemos que a vida nos distritos pode ser desafiadora, e é por isso que implementamos medidas que irão transformar o futuro de muitos de vocês. Para o distrito vencedor dos Jogos Vorazes, estamos introduzindo uma nova recompensa: um ano inteiro de grãos e óleo, para que cada família tenha a certeza de uma mesa farta e de uma vida mais digna.
Gaul engoliu em seco, atenta para como Snow se portava ao tratar de um tópico tão delicado para si. Sejanus havia lhe contado de suas dúvidas sobre a família de Coriolanus, e ela não tinha dúvidas que eles passavam necessidade semelhantes às dos residentes de distrito. Devido a isso, ela admirava sua desenvoltura, apesar da fragilidade do tópico.
— Além disso, compreendemos a importância da informação e da comunicação. Por isso, instalamos telões nos centros dos distritos, para que todos possam acompanhar de perto cada momento dos Jogos e se sentir mais conectados ao que está acontecendo na Arena. — Tratava-se de uma política coercitiva: sem a desculpa de não possuírem televisores, os de distrito não poderiam mais arranjar desculpas para não assistir aos jogos. — Também nos preocupamos profundamente com as famílias dos tributos que, corajosamente, representam seus distritos nos Jogos Vorazes. A partir de agora, cada família receberá roupas e alimentos adicionais durante o período dos Jogos, para que possam enfrentar este tempo com mais conforto e dignidade. Sabemos que a ausência de um ente querido é difícil, e essa é a nossa maneira de apoiar aqueles que permanecem, enquanto seus filhos, filhas, irmãos e irmãs demonstram bravura nos Jogos.
Quando finalizou seu discurso e despediu-se momentaneamente do público de casa, Coriolanus direcionou um sorriso paciente para o vazio escuro ao redor deles, de onde alguns sons de choro ecoavam. Ele claramente havia tocado o coração oco de alguns idiotas, e isso tornava tudo muito mais fácil.
— Não consigo imaginar a grandeza da próxima edição, Sr. Snow. Não consigo! — Coriolanus mostrou os dentes ao sorrir para Lucky, evitando mencionar que, com a sua própria cabeça oca, o entrevistador certamente não conseguiria imaginar nada. Lucky suspirou, a mão no peito para fingir emoção antes de se dirigir a , que fez questão de manter os olhos irados fixos nele, enquanto a câmera não se virava para ela. E Corio notou como o entrevistador engoliu em seco antes de rir tenso. — Srta. Gaul, e quais são as novidades para a Capital?
— Semelhante ao Sr. Snow, gostaria de cumprimentar a todos que nos assistem, os cidadãos do glorioso Capitólio e nossos tão estimados habitantes dos distritos, e desejar-lhes uma experiência inigualável nos próximos Jogos Vorazes. — Enquanto Coriolanus sentia-se confortável com seu jogo de cintura, parecia falar do coração, mesmo que ela soubesse ser mentira. Já havia ouvido muitos discursos de Hyperion e sabia enganar uma audiência. E o que era o mundo senão a sua audiência? — Como idealizadora, sempre busquei maneiras de tornar essa experiência ainda mais emocionante e significativa para todos nós. E é com esse espírito que introduzimos o sistema de patrocínios. A partir de agora, os cidadãos do Capitólio terão a chance de apoiar diretamente os tributos, se tornando seus "patrocinadores". Isso significa que cada um de vocês pode investir em seu tributo favorito, oferecendo recursos valiosos que podem fazer toda a diferença na arena.
— Contudo, nossa celebração não para por aí. Como forma de reconhecer e celebrar o apoio dos nossos patrocinadores, os cidadãos que mais contribuírem para o sucesso do tributo vencedor serão recompensados com uma experiência única: um jantar exclusivo com o tributo que ajudaram a levar à vitória. Este será um momento inesquecível, onde poderão conhecer de perto a força e a coragem que levaram aquele tributo a superar os desafios mais árduos. — Lucky fez um som de agrado, que ecoou no microfone e fez rir, tentando soar inabalável pela sua interrupção e bem-humorada.
Quando Coriolanus lhe acompanhou em um sorriso educado, ela balançou a cabeça, ciente de que a Capital devoraria o pequeno deslize do apresentador e a simpatia dela e de Snow.
— E para garantir que os tributos estejam mais preparados do que nunca, serão treinados em táticas de sobrevivência. Eles aprenderão a sobreviver nas condições mais adversas, a usar o ambiente ao seu favor e a desenvolver estratégias que poderão definir o resultado dos Jogos. — Coriolanus manteve os olhos fixos nela, atento à sua postura impecável e a dicção clara. E, obviamente, em como suas mudanças seriam úteis para envolver o povo da Capital na nova edição dos jogos. estava construindo uma nova política brilhante. Enquanto a Capital quiser, os jogos se mantêm. Snow sentiu seu coração acelerar. Se um dia teve dúvidas de que seria sua melhor escolha como aliada, elas haviam sido sanadas. — Estamos construindo juntos um futuro onde os Jogos Vorazes serão mais do que uma tradição e memória do erro cometido; será uma celebração da nossa união, da força coletiva e do nosso espírito de superação. — Ela apertou as mãos, firmando suas palavras.
— A cada ano, nos tornamos mais fortes, mais conectados e mais empenhados em fazer dos Jogos uma experiência que nos une, vitoriosos e vencidos. Essas melhorias são apenas o começo de um futuro mais promissor para todos — Coriolanus se pronunciou, de maneira que dividiram a câmera e o olhou. — Acreditamos que, juntos, podemos construir uma sociedade mais forte e mais unida, onde cada sacrifício seja recompensado e cada vitória celebrada.
— Panem está comprometida em fazer mais por vocês, porque acreditamos que um amanhã melhor começa hoje. — deu continuidade ao texto que havia redigido para eles, as mãos se soltando assim que eles dois se levantaram das cadeiras, e Lucky se aproximou deles, dando seguimento ao roteiro de palco. — Que os Jogos Vorazes continuem a ser um símbolo de nossa força, e que cada um sinta o impacto dessas novas iniciativas em suas vidas!
— Sigamos em frente, com esperança, coragem e a certeza de que o melhor ainda está por vir. — Coriolanus olhou para ao finalizar sua fala, um pulso forte lhe fazendo tomar a mão delicada dela na sua. E ele não conseguiu identificar que emoção ela esboçou com o ato, se virando de imediato para a câmera ao rogar: — Que a sorte esteja sempre ao seu favor!
Contudo, para a surpresa dele e de toda a equipe por trás das câmeras, ergueu suas mãos unidas, decidida a fazer o melhor possível com o simbolismo que Snow havia invocado.
A Capital e os distritos unidos. Vitoriosos e vencidos.
— E é com esta bela mensagem de esperança que encerramos a nossa transmissão! — Flickerman se apossou da câmera novamente, a mão direita sobre o peito ao exclamar com um entusiasmo que não condizia com a situação solene: — Panem, avante!
A equipe irrompeu em aplausos e salutares quando as luzes do estúdio se acenderam, quase cegando e fazendo Coriolanus rir, fingindo estar entretido, ainda que sentisse uma gloriosa faísca em seu sangue. Volumnia Gaul, ao dividir entre ele e ela as comissões de maior destaque, havia lhe dado uma incrível plataforma, bem como lhe unido com .
— Ótimo toque, Snow — soprou para ele, ao soltar sua mão, que lhe transmitiu tanto calor nos poucos minutos que dividiram o toque. Ela fez questão de bater palmas para ele e para Lucky Flickerman, mesmo que o outro não tenha feito nada demais além de seu trabalho. — Esses jogos serão inesquecíveis!
Coriolanus sorriu para ela, concordando veemente enquanto eram ovacionados.
A festa de aniversário de Clemência Dovecote foi a ocasião ideal para inaugurarem a nova mansão de sua família, mas também foi motivo para ficar quase uma hora dentro de seu carro a caminho da zona leste da Capital.
— Todas as revistas colocaram você e o Snow-Snow nas suas capas — Volumnia Gaul comentou com a sobrinha, acariciando o furão branco e rosa elétrico em seu colo. — Formam um par adequado. — engoliu uma golada do champagne que lhe foi servido pela avox que sentava no banco contrário a ela e a tia. — Na ausência do meu irmão, precisamos nos firmar nesta sociedade. Um docinho como Coriolanus Snow em seu braço é firme o suficiente.
Desde a morte de seu pai, era constantemente bombardeada por Volumnia na tentativa de encontrar um pretendente à sua altura, mas faltava à cientista a realização de que, no evento da morte de Sejanus e seu escape dos Cannondale, não conseguia encontrar em si algo além de desinteresse em um relacionamento ou no toque de um homem. E a tia sabia do que seu pai lhe forçava a fazer para entreter os Cannondale, contudo, “não há de ser obstáculo”, segundo ela, afinal, sem um pai, irmão, ou marido, não se manteria segura em sua posição por muito tempo.
— Coriolanus Snow — a Dra. Gaul cantarolou o nome do rapaz, sorrindo para si mesma ao imaginar como uma união com seria o arremate final dele. O “amigo” de Sejanus Plinth, que causou sua morte ao entregá-lo para a Capital, que se apossou de sua família, herança e só lhe faltava a garota. — Um vitorioso dos Jogos, com certeza. — olhou para tia, mantendo certa distância do animal semivivo em seus braços. Volumnia era uma cientista incrível e havia ajudado nos últimos tempos, mas não conseguia ignorar o fato de que a tia sabia de seu sofrimento e o havia deixado perdurar sem intervir. — Talvez o único a realmente vencer os Jogos Vorazes.
— E acredito que não seja a sua última vitória. — Ela preferiu ignorar as insinuações da tia e mergulhar em um outro tópico que lhe interessava mais ao falar sobre Coriolanus Snow. — Eu tenho notado que Coriolanus não se porta tanto como um Idealizador, quanto como um político em ascensão. — Suas mãos se mantiveram cruzadas em seu colo após devolver a taça para a avox. — Usa um broche dos Pacificadores que eu nunca vi ninguém portar, e se dedica muito às relações públicas.
A Dra. Gaul riu sinistra, enrolando o rabo do furão no dedo. O bicho guinchou e decidiu que encontraria outra forma de retornar para a casa. Não duvidava que o animal já estaria fedendo no fim da noite.
— Ele é filho do pai dele… — a mais velha cochichou, balançando os ombros. se convenceu, há não muito tempo, que a tia tinha alguma imperfeição cerebral. E cada movimento insano e espalhafatoso dela a convencia mais e mais do diagnóstico. — Crassus Snow moldou Panem durante a guerra. Tal pai, tal filho. — Volumnia lançou um sorriso para a sobrinha. — Tal pai, tal filha.
Hyperion Gaul era um homem perverso em sua vida pessoal e profissional.
No aspecto pessoal, as humilhações suportadas por sua única filha eram o rastro do seu toque cruel. E no aspecto profissional, o panorama político de Panem era o registro espiritual de seus feitos junto a Crassus Snow e o Presidente Ravenstil. Prefeitos de distritos deviam as suas vidas e postos a Hyperion Gaul, os Pacificadores deviam seus status e força a Crassus Snow, e Snow e Gaul deviam seu poder ao Presidente Ravenstil, um velho amigo que havia ascendido ao posto mais alto de toda Panem por mera sorte.
Na ausência de um filho homem que o sucedesse, Hyperion Gaul estaria fadado a um governo curto caso fosse sequer considerado para assumir a presidência de Panem. Ravenstil, na sua idade já avançada, somente poderia aguardar que o filho se tornasse responsável e respeitado o suficiente para seguir os seus passos. E assim, com a fortuna dos Plinth que lhe permitiu assumir novamente o posto de herdeiro de uma das casas mais antigas e poderosas da Capital, fazia sentido que o único filho de Crassus Snow fosse considerado um possível nome a ocupar o posto mais alto no cinturão político de Panem.
— Que competição ele teria pela presidência? — murmurou para si mesma, mas repetiu a pergunta quando a tia fez um sonzinho de desentendida. — Felix Ravenstil é uma piada. Panem irá irromper em chamas antes que uma mulher seja presidente. Coriolanus Snow se demonstra a opção mais favorável. — Ela ligou todos os pontos em sua mente, alinhando o seu raciocínio. — Meu pai era amigo das outras famílias da elite, e é óbvio que nenhum terá a coragem.
— Com o apoio dos Plinth, ele será imbatível — a Dra. Gaul comentou, sem perceber como a menção dos pais de Sejanus fez cerrar as mãos em punho. — Mas é claro que os Heavensbee, os Crane e as demais famílias da elite vão apoiar candidatos internos que precisam ser bem combalidos.
evitou perguntar-lhe qual seria o posicionamento da família Gaul. Com ambos os “chefes” da família mortos, Hyperion e o marido de Volumnia, restava a elas a decisão. E sabia qual seria a resposta correta:
Elas apoiariam o vencedor.
Apesar de toda a movimentação ao seu redor, a música alta e as pessoas sorridentes demais, Corio deu alguns sorrisos verdadeiros com a animação de Tigris enquanto trotavam pela enorme festa em celebração aos dezenove anos de Clemensia Dovecote. O pai de sua amiga claramente não havia economizado nenhum centavo, Com mesas fartas, músicos excelentes e um enorme bolo que Tigris julgou ser o mais lindo que viu.
Seu primo sentia um prazer absolutamente puro ao vê-la desfrutar de toda a pompa e todo o luxo da Capital, da maneira que deveriam ter feito por todos os anos anteriores. Corio não se preocupava com a fatura do cartão de crédito dela ou de Lady-Vó, pois a poupança provisória que os Plinth o haviam dado iria cuidar dos gastos. E ele sempre batia palmas quando ela desfilava pela cobertura da família com seus modelos autorais feitos com os tecidos e joias mais caros que o dinheiro poderia comprar.
Ele também não se importava com os maços de cigarro que a avó fumava, contanto que estivesse sempre com aqueles da melhor qualidade. E quem se importava se Lady-Vó gastava rios de dinheiro com sapatos que não acomodavam seus pés inchados? Ou os chocolates que ela degustava sempre que podia. Agora, a idosa que quase sucumbiu à gripe no inverno anterior era constantemente vigiada por uma dama de companhia treinada, e possuía uma equipe médica toda sua: um espirro e o mundo parava para garantir que não se repetisse.
— Aquele é Darius Clarkson? — Tigris questionou baixinho, uma taça de champagne encostada em seus lábios dourados. Corio não se surpreenderia se fosse ouro puro na boca dela. — Pensei que havia sido enviado para o Distrito 11.
— Foi enviado, mas a hostilidade dos de distrito o fizeram voltar — Coriolanus soprou, olhos atentos escaneando cada pessoa que passava por eles. Ele até mesmo acenou para um dos senadores, que maneou a cabeça para ele. — Disse que viu coisas horríveis — ele comentou baixo, ciente que todos ali procuravam apenas mais fofocas para compartilharem. — Está trabalhando no laboratório da Idealizadora-Chefe.
— Pelo o que me lembro, a Dra. Gaul é tão tenebrosa quanto às moléstias distritais. — Snow quis reprovar o comentário sagaz da prima, mas não podia. Tigris falava a verdade. Apesar de ter salvado sua vida, a Dra. Gaul era definitivamente uma antagonista em sua história: uma cobra pronta para dar o bote se fosse lhe favorecer. — É incrível que uma pessoa tão perversa como ela divida o mesmo sobrenome que alguém como a .
A menção de fez Corio atentar seus ouvidos para a opinião da prima.
— O que sabe sobre Gaul? — o loiro indagou com falso desdém.
Ouvir a opinião de Tigris sobre sua pretendente secreta poderia lhe fazer ignorar que a mesma perversão que ela julgava ser tenebrosa ao vir de Volumnia Gaul, pouco se comparava aos feitos dele sob a penumbra do Distrito 12. Ao passearem mais um pouco e Tigris conseguir um refil de sua bebida, Coriolanus decidiu que jamais poderia contar a ela sobre a verdade de seu retorno heroico à Capital. Morreria antes de permitir que Tigris pensasse sobre ele daquela maneira — ela e Lady-Vó eram a razão de todos os seus sacrifícios.
— O que a Sra. Plinth me contou sobre ela. — Tigris ergueu a sobrancelha dourada. Seu primo não se lembrava do jantar em que a Sra. Plinth pensou que algo havia acontecido com a sua ex-nora? Talvez não. Foi dois dias antes do “acidente” da Sra. Gaul-Crane. — Você estava lá, Corio! — A modista riu, balançando a cabeça. Corio estava tão distante em seus afazeres para os Jogos que ela não se surpreendeu pelo esquecimento. — Disse que ela sempre foi muito madura para a idade dela e era séria antes de se soltar, o que ainda foi mínimo. Por isso me surpreendi tanto com toda a desenvoltura dela no noticiário com você. — Ela apertou o braço dele, cheia de orgulho. Coriolanus tentou não sorrir. E falhou. — Mas ela realmente é muito elegante. Estoica.
— Ela é extremamente bem versada — Corio adicionou. Além da beleza e porte dela, a mente ágil de também lhe agradava. — Tem uma oratória excelente e pensamento crítico.
Tigris olhou para o primo que, ciente, havia permitido o ingressar dela em seu mundo. Ele conseguiu não sorrir com vitória ao perceber que os lábios da prima se abriram, uma expressão incrédula em seu rosto perfeito. Então Tigris desviou os olhos, bochechas erguidas ao sorrir.
Coriolanus orgulhava-se de sempre estar um passo à frente de todos ao seu redor. E, no passo que Tigris percebia um leve interesse dele em Gaul, ele já imaginava quais os seus seguintes atos. Tigris cresceu rápido demais, assim como ele, a fome e a Guerra os lançando para fora do conforto da infância para a incerteza da vida adulta, mas ela ainda era uma menina em seu coração, motivo pelo qual ele achou interessante comentar com ela sobre : Tigris amava as histórias de amor que lia nos livros da biblioteca da família. E ele sabia que ela adoraria viver tais devaneios fúteis e inúteis, mas que adoraria ainda mais proporcionar tais momentos para ele. Se ela era o ponto fraco de Coriolanus, ele também era o ponto fraco dela.
— A assistente dela fez encomendas comigo há umas semanas. — Tigris fez questão de contar para ele, também fingindo desinteresse, apesar de estar louca para contar para Lady-Vó que “Corio gosta de uma moça”. — Talvez ela goste dos modelos e venha visitar meu atelier assim que ele estiver pronto.
Snow engoliu um gole de seu vinho branco, evitando fazer uma careta apesar da perspectiva de se aproximar de Tigris lhe interessar — ninguém falaria tão bem dele para ela. A sua irritação, contudo, vinha do fato de que uma mera assistente estava usando os designs de sua prima. Corio instruiria os seguranças da casa de moda de Tigris a serem seletivos com a clientela.
— Claro que sim, prima. — Corio levou a mão de Tigris aos seus lábios e a beijou.
Quase do outro lado do salão, cumprimentou Clemência Dovecote com um aperto de mão e trocas de beijos nas bochechas.
— Que bom vê-la, Clemência. — Ela apertou os dedos finos e frios da aniversariante ao se afastar. — Encontrei com a sua mãe ontem.
— Obrigada por vir. — A jovem sorriu incerta. Claro, ela ainda se lembrava do que lhe aconteceu quando cruzou o caminho da tia de . — Mamãe me contou. — Clemência recuou, usando ambas as mãos para segurar sua taça de champagne cor-de-rosa e cheio de framboesas. — E ela me disse que você certamente estaria muito elegante hoje, é claro. — riu, grata. Poderiam tentar lhe ganhar de todas as formas, mas seu senso de moda era o tipo de puxação de saco que aceitaria de bom grado. — Lindos sapatos!
Dovecote apontou para os saltos delicados da outra, correndo os olhos pelo vestido que sua mãe a havia descrito. A parte superior em um tecido preto, justo e assimétrico, deixando um dos elegantes ombros de Astória à mostra, enquanto a saia branca tinha um caimento suave e volumoso, criando um contraste clássico e sofisticado entre as duas cores. Minimalista, chique e adequado para a ocasião especial e intimista.
Enquanto isso, Clemência vestia uma peça de alta-costura impactante. O design do vestido dourado possuía um padrão de raios que parecia emanar do centro do torso dela, se espalhando em direções variadas, dando uma sensação de movimento intenso para cada respirar.
— Lindo vestido — elogiou de volta, erguendo sua taça de vinho em um gesto apreciativo para a aniversariante. Clemência pareceu agradecida mesmo pela falta de um sorriso no seu rosto, ciente que, se quisesse, com o seu guarda-roupa de curadoria impecável e atemporal, poderia facilmente roubar os holofotes dela. — Quem é o designer?
— Conhece a prima de Coriolanus Snow? — Dovecote questionou, antes de beber de sua taça. assentiu após um momento. — Tigris — a outra se corrigiu antes de prosseguir, um tanto satisfeita por agradar alguém tão exigente. — Ela que tem feito o design das minhas peças recentemente. Muito talentosa. E também tenho considerado usar um dos modelos dela no casamento do meu irmão.
Corvus Dovecote se casaria em breve com a filha do Senador Myers.
— Irei procurá-la, então. — Gaul sorriu agradável, atenta em como a expressão alheia se iluminou. Raramente procuraria um novo designer além de Lucrezia Volage, mas, dada a idade avançada da mulher, imaginou ser uma boa ideia.
Clemência pediu licença alguns minutos depois, permitindo que escondesse um suspiro aliviado por trás de sua taça, encoberta pela desculpa de uma degustação olfativa da bebida. Também discreta, ela olhou a hora em seu relógio dourado e fino, imaginando que Magna já estaria dormindo. Tão rapidamente, desejou voltar para casa o mais rápido possível, ainda mais quando o pai de Clemência, recém empossado no cargo de Secretário de Energia após desistir de seu cargo de Idealizador dos Jogos Vorazes, gastou uns bons minutos fazendo um discurso sobre a filha e o quanto a amava.
evitou esvaziar sua taça de uma vez, sorrindo e batendo palmas enquanto se distanciava do átrio da reunião, caminhando para longe o suficiente a ponto de serem poucos os olhares que ainda a seguiam. Sua presença em eventos era rara antes e agora um pouco mais, no entanto, ao concorrer para o cargo de Idealizadora Chefe dos Jogos Vorazes, ela precisaria ser mais social, mesmo que após a morte de seu pai e o “incidente” de sua mãe, todos lhe olhassem como se estivessem mentalmente se preparando para um surto dela, coisa que jamais aconteceria.
Ela estava recolhendo outra taça de vinho tinto, quando cruzou os olhos com os Snow, acenando a cabeça para os dois em um gesto de reconhecimento.
Os dois primos, de aparência imponente, se destacavam entre os demais convidados de forma notável, os olhos azuis intensos e hipnotizantes refletiam uma frieza que contrapunha a ocasião celebratória. O cabelo loiro, quase platinado, acrescentava um ar etéreo à sua presença, os fazendo parecerem figuras esculpidas em mármore. A família Snow compartilhava características físicas de destaque: pele clara, os olhos de um azul gélido e o cabelo loiro platinado eram quase um emblema familiar, convergindo em um toque de mistério.
— Snow? — cumprimentou o outro idealizador, caminhando até eles em um ritmo compassado e seguro, observando como Coriolanus deslizou a mão da prima de seu braço e se desculpou com ela, que apenas sorriu para os dois.
— Está surpresa em me ver, Gaul? — Ele pendeu a cabeça levemente e segurou a mão que lhe estendeu, a apertando com a gentileza que uma dama demandava. Sentiu-se um tanto inclinado a beijar a mão dela, mas lembrou-se do dia em que usou uma quantidade significativa de álcool em gel após Felix Ravenstill ter feito tal coisa.
A mão dela era quente, o anel dourado em seu dedo reluzindo na luz.
— Tenho uma tendência a imaginar que meus colegas de trabalho estão sempre em seus escritórios. — Ela sorriu, mas foi para Tigris, que retribuiu o ato com entusiasmo. Então, olhou para Coriolanus e entortou a boca, contendo um pouco seu sorriso. Ela gostava de competir com ele, pois finalmente havia encontrado alguém em seu patamar. — Principalmente aqueles com quem estou competindo.
Coriolanus riu surpreso, tanto pela mordida dela, quanto pelo humor. Não precisou se forçar para tal, o que o impressionou. Estava tão acostumado a forçar suas reações com os outros que podia acabar se esquecendo que era, como ele, uma estrategista.
— Tigris, essa é a Srta. Gaul que comentei mais cedo. — Corio fez questão de se entregar, fazendo erguer a sobrancelha com ceticismo para ele, mas amenizar de imediato a sua expressão ao olhar para a outra mulher, que apertou sua mão com educação e afeto. — Chefe da Comissão Especial de Integração do Capitólio. — Ele ficou satisfeito com o aproximar delas. — E essa é minha prima, Tigris Snow.
— Que assinou o vestido de Clemência, pelo o que ouvi — afirmou, com uma expressão de agrado que fez ambos os primos se sentirem orgulhosos. — Design muito intrincado e glamuroso, por falar nisso! — Gaul congratulou a outra, achando adorável o suave rubor de Tigris. Então olhou para o primo da estilista, apertando os lábios. — E obrigada por não apresentar os feitos do meu pai junto aos meus.
Coriolanus endureceu sua expressão, assentindo. Quando fosse sua, ele faria Lucky Flickerman pagar pelo desconforto que a causou, pois, por óbvio, qualquer atentado contra a honra ou bem-estar dela seria uma ofensa à imagem dele. E Coriolanus detestava ser rebaixado.
— É um prazer enorme a conhecer, Srta. Gaul. — Tigris recolheu sua mão, ainda sem se convencer a parar de sorrir. Já havia ouvido muito sobre e a visto nas capas de revista dos eventos da elite da Capital, então saber que gostou de seus designs era um passo na direção certa para sua grife e para Corio. — Fico muito feliz que tenha gostado do vestido da Srta. Dovecote.
— Bom, não é o meu estilo costumeiro — defendeu-se, sinalizando para o seu traje. — Mas, ainda assim, achei belíssimo.
Tigris acenou na direção das irmãs Persephone e Despoina Price, que ela também se orgulhou de vestir para a ocasião.
— Imagino que as roupas das Srtas. Price seja o que mais se adequa a seu gosto, Srta. Gaul. — Tigris sorriu entusiasmada para Corio quando a promissora idealizadora se virou para ver ao que a estilista se referia. — Um pouco menos extravagante e mais sofisticado que o dourado. — Ela fez um sinal de “positivo” para o primo, que apenas balançou a cabeça para a insinuação.
reconheceu que a prima de Coriolanus estava mais que certa, uma vez que os vestidos glamourosos e sofisticados, ambos com detalhes impressionantes, eram exatamente o que ela procuraria no evento de ser a sua vez de celebrar algo.
Persephone trajava um em tons de prata, adornado com pedrarias brilhantes que cobriam toda a peça, criando um efeito cintilante. A silhueta justa ao corpo, destacando a figura da mulher. Na parte inferior, era decorado com plumas brancas, que acrescentavam movimento e um toque luxuoso ao visual. Já Despoina, usava um vestido preto, com um estilo mais ousado e moderno com um corpete estruturado, semelhante a um espartilho, destacando a cintura e adicionando uma linha gráfica interessante ao design em tecido transparente, com uma sobreposição de pequenos detalhes em forma de penas brancas ou prateadas espalhadas por todo o comprimento do vestido. Ambas as irmãs exalavam elegância e um singelo toque de extravagância.
— Pode me chamar de — a mais baixa soprou para Tigris, ainda atenta a todos os detalhes das roupas das gêmeas Price. Então, ela virou-se para a loira e brindou suas taças, uma sensação de conforto se espalhando por seu corpo devido ao sentimento quase instantâneo de conexão entre ambas. — Sinto que seremos boas amigas, Srta. Snow. — Então olhou para Coriolanus, saboreando a expressão de satisfação dele antes de tocar no braço alheio. — Talvez eu faça uma exceção para você também, Sr. Snow.
— Competir com um idealizador dos Jogos Vorazes não era uma brincadeira perigosa, Srta. Gaul? — Coriolanus rememorou-se de um de seus primeiros encontros com a face de que havia recém-conhecido. A face sedenta por carnificina e poder.
— Mas, se não estou enganada, nós mesmo estamos organizando o tabuleiro para um jogo muito pior, não? — ela retrucou, seu senso de satisfação se apurando mais e mais. Coriolanus era um adversário a ser admirado, o que intensificava muito mais a sua sede pelo posto ocupado pelo pai.
— Isso não posso negar. — Ele assentiu com intensidade, soando admirado.
Noite seguinte à Colheita, a Capital TV narrou a situação dos distritos como "em altos espíritos", mas, para o orgulho de Coriolanus, não havia ironia como nos últimos anos.
Os distritos mais pobres, como o Distrito 9 e seguintes, lotaram suas “Clareiras”, como Coriolanus havia apelidado os centros de encontro onde as rações seriam distribuídas antes e durante os Jogos. Sem revoltas, agressividade e qualquer sinal de rebeldia, todos os distritos se comportaram como animais famintos, porém treinados e que aguardavam sua recompensa após simples sacrifícios: duas vidas para a Capital e a garantia da ordem estatal. Aqueles que conheciam o hino de Panem, cantaram, e aqueles que não o conheciam eram facilmente ignorados.
O Presidente, sua família e demais convidados de honra, os idealizados e os senadores assistiram a colheita em uma transmissão luxuosa na Mansão Presidencial, onde a excelente equipe do Secretário de Segurança identificava os tributos selecionados e também apresentava todos os dados colhidos do banco de informações da Capital. Após os atos da 10ª Edição que quase haviam ceifado a vida do filho do Presidente, Coriolanus fez questão de agradar o Chefe de Estado e logo ordenou um recadastramento mandatório de todos os cidadãos de distrito.
— Sable Thorn — uma funcionária indicou, focando a imagem da transmissão na face encharcada de lágrimas da tributo do Distrito 4. — Filha de pescadores donos de um restaurante na periferia do Distrito 4. Notas muito abaixo da média distrital — ela continuou, enquanto bebericava seu café preto. — Não possui qualquer outro dado significativo.
— Não sei se aguentarei de tanta ansiedade para conhecer a Arena! — A sobrinha do Presidente saltitou, uma machadinha cor de rosa em suas mãos.
— Blaise Rook — a funcionária prosseguiu, apresentando o Tributo masculino do 5. — Filho de um professor de História de Panem e uma engenheira química. Excelentes notas…
— Imaginei que seriam os espectadores a viciarem-se em energéticos para não perder um segundo da nossa Arena, sobrinha — a Dra. Gaul comentou, ao sentar-se na mesa de . — E não você.
A jovem suspirou, abaixando a xícara.
— Supervisionei o despachar dos Tributos para o trem, preciso supervisionar o Lucky Flickerman no Diário Capital esta noite e ainda tenho petições a serem avaliadas, tia. — deu um sorriso amargo para a mais velha. — Preciso me manter alerta.
— Espero que tenha dormido bastante nos últimos meses, então. — Volumnia Gaul se curvou na mesa, estalando os dedos apesar de sua luva de látex violeta. — Pois tenho um pedido diretamente do Salão Oval. — ergueu os ombros e se atentou, desejando estar atenta para atender integralmente o pedido advindo do Presidente. — Terror.
— O Presidente ordena que as mortes sejam cruéis? É isso? — curvou as sobrancelhas, confusa. O que poderia apavorar os distritos mais que a perda de seus filhos e filhas?
— Não. — A expressão zangada de sua tia a surpreendeu. Ela havia entendido bem, no entanto, não era esse o pedido intrínseco do Presidente. — Crueldade não causa terror, sobrinha. — A Dra. Gaul tocou no queixo dela, virando seu rosto na direção onde o Presidente e sua esposa se sentavam em um sofá exclusivo, rodeados de Pacificadores. Os dois idosos mantinham-se mais atentos para o filho, que conversava com a fria Livia Cardew, do que na Colheita que acontecia. — E se você perdesse o seu bem mais precioso em um único segundo, ? — Gaul sussurrou para ela, estalando os dedos de novo. sentia-se como se o Diabo em si soprasse em seu ouvido. — Eles precisam demonstrar que os segundos em que os distritos e os rebeldes tiveram a dianteira não foram esquecidos.
Somente assim, ela entendeu o pedido que lhe havia sido feito pela tia: as mortes nos jogos deveriam ser prolongadas e o mais brutais possível — a fim de causar um profundo terror psicológico nos Tributos, suas famílias e qualquer um que ousasse se erguer contra a Capital e o Estado.
Então, ela sentiu uma pontada no peito.
Sejanus Plinth havia, em repetidas e públicas ocasiões, se posicionado contrário aos Jogos Vorazes, e o seu posicionamento rebelde havia o matado apesar da posição social de seus pais. Quem poderia imaginar que alguém como ele sofreria com as consequências de seus atos dessa maneira? , portanto, se viu com uma obrigação cruel de provar que a Capital era mais perigosa do que imaginavam e do que o próprio Sejanus jamais imaginaria: se a tortura seria televisionada, o medo dos rebeldes cresceria, pois, se as cenas vistas por eles seriam tão brutais, jamais ousariam imaginar o horror por trás das câmeras.
— Precisarei da ajuda de Coriolanus Snow, então. — Ela se forçou a dizer. Somente via a fúria de Sejanus em sua mente, principalmente após ver que Marcus foi crucificado vivo. — Se a Capital irá sujar as mãos e não somente entregar os meios para os tributos fazerem isso…
— Os Distritos precisarão garantir a cooperação e sofrerem em conjunto às crianças que deixaram os seios das mães. — A Dra. Gaul voltou a sorrir, suas pupilas dilatadas brilhando. Ela se sentia bem retaliando contra os Distritos, e ainda melhor não tendo que sujar as próprias mãos, só usando-se da boa vontade de e Coriolanus em demonstrar serviço e lealdade. — Snow já sabe disso. Ele está agora organizando suas propostas e eu recomendo que você faça o mesmo.
Quando chegou ao Departamento de Guerra, se demorou aceitando todas as congratulações que recebeu de funcionários que nem mesmo conhecia, distribuindo apertos de mão e sorrisos triunfantes que mascaravam seu verdadeiro estado emocional naquele momento.
Apesar de ter sido confiada uma missão importante por sua tia, missão essa ordenada pelo Presidente Havenstil, seu peito doía, afinal, seus atos dali em diante seriam mais e sempre mais contrários às opiniões de Sejanus. No entanto, era fácil perceber que ambos eram peões de polos opostos de uma guerra que, ao contrário do que todos diziam e celebravam, ainda não havia acabado.
Ela não foi para o seu escritório ou o laboratório que dividia com a tia, mas para o que Snow ocupava, este sendo algumas portas depois do seu e com uma vista dos jardins suspensos na direção da Avenida dos Tributos, como os cidadãos da Capital apelidaram a última parada em que os tributos rebeldes da última edição e onde seus corpos ficaram apodrecendo até o fim dos Jogos. E, já dentro do escritório largo e perfeitamente organizado e limpo, Coriolanus observava as ruas próximas, onde os rebeldes também eram exibidos, mas que estavam ocupadas pelas festas de comemoração à nova edição.
Snow já havia removido seu paletó restritivo, ocupado demais ao escrever na enorme parede de vidro atrás de sua cadeira confortável as suas novas propostas para tornarem os Jogos mais cruéis e aterrorizantes aos moldes do pedido do Presidente Havenstil. Ele abriu a boca para ordenar que quem fosse a pessoa estúpida batendo em sua porta o deixasse sozinho, mas teve de virar-se para ver quem invadia seu escritório sem aguardar uma autorização expressa. E, para a sua sorte, Coriolanus conseguiu engolir o insulto que já estava na ponta de sua língua a tempo de não o lançar em .
— Soube do pedido do Presidente? — Snow franziu os lábios, correndo a língua pelos dentes, apesar do leve cansaço aparente pela maneira que seus olhos tinham perdido o brilho.
Ele então umedeceu os lábios, tampando o pincel vermelho que usava para escrever no vidro cristalino, saboreando a imagem polida de e lutando para conter sua vaidade. Ela havia vindo a ele, o que já era suficiente para atestar o aproximar deles. E Corio apreciou a beleza dela enquanto ela assentia, removendo o seu casaco longo de inverno de cor verde escura, feito de um tecido que parece ser grosso e estruturado, oferecendo proteção contra o frio do lado de fora.
— Sim — confirmou, atenta para como o rapaz suspirou pesado, o tecido de sua camisa e o colete cinza se expandindo com sua caixa toráxica. Coriolanus realmente havia mudado muito desde que ela o viu pela última vez antes de ele ser enviado para o Distrito 12. — Vim ajudá-lo.
Ela ajustou as mangas de seu suéter preto de gola alta ao procurar um lugar para guardar seus pertences. Notando a movimentação dela, Corio se aproximou e recolheu o casaco pesado dela e sua bolsa, recebendo um assentir agradecido dela quando o ultrapassou na direção da janela, o perfume dela inundando suas narinas ao acomodar os itens em um cabideiro. Ele conteve com êxito a vontade de respirar fundo e se deleitar com o perfume que exalava feminilidade.
— Somente nós fomos informados? — Snow indagou, e ela concordou, correndo os dedos pelo cabelo volumoso, ajustando as grandes ondas encorpadas sobre seus ombros. Ela leu as anotações feitas pelo outro e não se surpreendeu por gostar delas ou a caligrafia elegante dele.
— Para minha surpresa, sim. — se apoiou na mesa que pertencia a Coriolanus, apanhando um segundo pincel, desta vez, azul. — Mas minha tia não me surpreendeu quando o creditou como o mais adequado e o informou primeiro. — Ele buscou qualquer sinal de irritação ou insolência no tom de voz ou no rosto dela, mas não achou nada. soava acostumada com a deslealdade familiar. Ela, então, deu de ombros. — Como comentei antes, minha família não é das melhores.
Corio concordou rápido, lembrando de como ela disse que seu pai detestaria ver que a filha ocupava um cargo de alto-escalão. puxou as mangas de seu suéter, enfiando os dedos nas fendas e suspirou, decidida a tentar entender o motivo de estar sendo tão sincera com Snow, mas em um outro momento: tinham uma missão. Na privacidade de sua mente, Coriolanus optou por deixar à parte a sua missão pessoal com para poder focar no objeto de sua visita.
— Temos três dias para remodelar a Arena — ela murmurou, esfregando o queixo.
— Estava pensando na sua proposta do lago ácido. — Coriolanus apontou para o terceiro tópico que escreveu, se lembrando da ideia dada por antes de decidirem o layout definitivo da Arena. Ela conteve uma careta, certa de que Snow teria uma opção mais adequada para a Arena atual. — Reconheço que é impossível com a Arena, mas uma chuva ácida soa como uma boa ideia... — Ela concordou com a cabeça, então. Já esperava que ele contornasse a problemática. — É uma cidade, então faz sentido.
A Arena do 11º Jogos Vorazes era uma réplica das áreas mais movimentadas da Capital, atendendo ao pedido do Presidente de entreter ainda mais os cidadãos da Capital. E o que os faria mais interessados do que ver os Tributos passeando por suas ruas? A Arena havia sido construída em uma zona distante do centro, mas ainda no território da Capital, permitindo completo controle por parte dos Idealizadores.
— Quanto às correntes da Praça da Liberdade, acho que podem ser melhoradas também. — Snow se referiu a uma das armadilhas que haviam sido planejadas, se aproveitando da ironia do nome da praça. Em busca de liberdade, os Tributos cairiam na cilada e pisariam em armadilhas, os acorrentando e suspendendo no ar entre as espadas do busto da estátua da Mãe da Justiça e um prédio residencial. — Se guiarmos um tributo já ferido e o mantermos vivo por alguns dias até que outro o encontre. — engoliu em seco, imaginando o que Sejanus Plinth diria ao ver o seu único amigo e sua namorada planejando armadilhas para torturar crianças. — Lembra do que estudamos nas aulas de história arcaica? Dos instrumentos de tortura da era medieval?
Ela concordou, cruzando os braços. Snow falava sobre desmembramentos por tração.
— A chuva ácida queima a pele e corrói os músculos. — Corio sorriu com agrado por ser entendido com tanta facilidade. — Fica mais fácil de os desmembrar, então a chuva vai ter de ser interrompida de tempos em tempos. — Ele começou a indicar as propostas de no vidro, satisfeito com a mente realmente brilhante dela. — Ainda no tópico das correntes, nós podemos transformar a Praça da Liberdade em uma zona em construção e deixar serras por perto. — afastou a imagem de Sejanus. Ele não podia a ouvir e a sua ausência por ter se unido aos rebeldes lhe deu forças e desejo de causar maior dor aos representantes de tais escórias que haviam o corrompido. Ela molhou os lábios, também escrevendo no vidro, o ombro esbarrando no braço de Coriolanus. — Oferecemos a escolha de morrerem esquartejados ou serrarem as partes de seus corpos que foram acorrentados.
Desta vez, Snow teve de engolir em seco, atento para a escrita dela e os toques de tortura psicológica que propunha, cumprindo com o objetivo que a Dra. Gaul ordenou ser cumprido.
— Quando disse sobre os demais Tributos achando o acorrentado, como imagina que irão saber que alguém está lá? — ela prosseguiu, analisando o conjunto como um todo.
— Podemos mandar-los para a Arena com mapas da Capital. Sem indicar os perigos, mas apenas mostrando onde estão e onde podem visitar — Coriolanus propôs, ciente que tal coisa era novidade nos Jogos. As Arenas antigas eram tão pequenas e em espaços muito fáceis, por isso muitos Idealizadores resistiram ao layout proposto por e a tia. Contudo, se desejavam que os Tributos visitassem todos os espaços planejados, eles ao menos deveriam conhecer a “Capital”. — Então quando algum for acorrentado, disparamos um timer e o Lucky lança um aviso informando que há um tributo desarmado. Os demais irão de imediato.
Coriolanus lembrou-se dos Tributos “caçadores” da edição de Lucy Gray e como eles tinham sede de sangue inimigo. Com sorte, também haveriam alguns assim na nova edição.
— Ainda assim, com um mapa e com a oferta de um abate, alguns Tributos ainda se recusam a matar — Gaul comentou desgostosa. Qual a necessidade de tanta resistência? Por qual motivo não abraçavam os Jogos Vorazes de vez? Estavam presos na Arena, cientes de que somente um deles seria o Vitorioso. Então que vitória a pena dos outros lhes daria? — Eu acho que seria interessante que oferecêssemos uma “recompensa” pelo abate. Pelos menos para os pôr no ritmo. Um incentivo, se podemos chamar assim — ela propôs. — Água pela misericórdia, comida por sua bondade… Atributos de moradores da Capital.
— Comida em troca de um abate será um gatilho — Coriolanus apontou, ainda muito abalado pelas vezes que viu seus vizinhos e pessoas que caminhavam pelos mesmos corredores que ele assassinando as pessoas nas ruas e levando consigo pedaços delas no intuito de sobreviverem mais um dia. — O canibalismo durante o Cerco, por mais que não o mencionemos muito após o perdão presidencial, ainda é motivo de especulações da população.
Ela assentiu, voltando a apoiar-se na mesa dele e fechando o pincel.
reconhecia que havia sido protegida da fome e da guerra, assim como Sejanus Plinth e Felix Havenstil, principalmente devido à proximidade de seu pai e o Presidente. Sabia que a Capital havia virado um caos e que muitos ainda comentavam dos horrores da guerra que ainda vivia no imaginário popular, com ênfase nos sacrifícios e crimes hediondos cometidos em prol da sobrevivência. E ela também sabia que os anos de sofrimento absurdo da Capital justificavam os Jogos Vorazes.
— Eu sei — ela afirmou, a voz um pouco menos poderosa. Sentiu-se um pouco tímida e não olhou para Coriolanus por alguns momentos enquanto fingia pensar. Quem o visse tão alto e inteligente, forte devido ao seu treinamento como Pacificador, nunca imaginaria que sua família e ele foram tão atingidos pelo Cerco. — Peço perdão. — o olhou, então: os olhos azuis gélidos de Coriolanus demonstrando sua impassividade por mais que suas sobrancelhas estivessem curvas e ele molhasse os lábios, incerto em como reagir ao pedido de desculpas dela. — Eu estive tão… É ingrato dizer que estive protegida e por isso não fui tão atingida pelos resultados do Cerco — Gaul se auto acusou, mas não perdeu o rápido mudar de expressão dele, esse que permitia que ela vislumbrasse um certa confirmação da censura dela. Ela sorriu. Raramente assumia estar errada, e mais raramente ainda, alguém ousava concordar. — Não fui tão exposta à realidade do Cerco e por isso estou dessensibilizada.
Coriolanus respirou fundo, apoiando sua mão na mesa, mas mantendo uma distância educada dela. Querendo ele ou não, era uma dama da alta sociedade da Capital e merecia o seu respeito.
— Os feitos da Capital para se manter de pé devem ser honrados nos Jogos, mas não precisamos ser tão explícitos. — Ele tentou nivelar a proposição dela. — Os Distritos não sabem das barbáries que ocorreram no Capitólio, portanto a punição de nos lembrarmos do acontecido só vai nos afetar e não a eles — Corio explicou-se, mesmo que somente estivesse o entendendo em parte, mais focada em como Coriolanus parecia anos mais sábio que deveria. — Podemos nos organizar para planejar uma outra forma de garantir abates. De uma forma mais coercitiva.
— Abate por abate — considerou. — Podemos… — Ela tocou em seu pescoço, esfregando a garganta. — Podemos ordenar a produção de gargantilhas fixas.
Snow lhe deu as costas, começando a escrever no vidro novamente, permitindo que as ideias de florescessem sem que fossem interrompidas.
— Com o uso de nanitos de ferro, a cada hora que passar sem o Tributo não abater um outro, podemos introduzir agulhas nas gargantas deles. — Ela manteve a mão no próprio pescoço. — A cada hora, as agulhas entram alguns milímetros. Se desejarem sobreviver, terão de matar.
— Coleiras para as feras — Corio sussurrou baixinho, ao escrever os apontamentos dela. — Mas como os Jogos precisam durar mais do que da última vez, talvez alguns milímetros por dia sem abate. — A 10ª edição dos Jogos durou três dias, significativamente mais curta do que as anteriores a ela. — Talvez possamos também encontrar outra forma de os forçar a matar.
— Podemos injetar veneno — ofereceu, um pouco mais quieta, mais que bem versada com o uso de venenos. — Usei acônito para preparar o pólen artificial que iremos usar nos jardins suspensos da Arena. — Ela fez uma menção rápida para os jardins verdadeiros em que os da Arena foram inspirados. — Ainda tenho muitas plantas no meu laboratório.
— Não estudamos que acônito mata em vinte minutos? — Coriolanus indagou.
— Bom saber que estava atento ao meu seminário no segundo ano, Snow — elogiou, o pôr do Sol do lado de fora refletido com nitidez no sorriso do rapaz, menos o fato de ser extremamente cínico e convencido. — Entretanto, posso garantir que as doses serão mínimas: apenas tontura, fraqueza e alucinações…
Uma batida rápida na porta fez ambos direcionarem olhares aborrecidos para um dos estagiários que haviam elogiado imensamente mais cedo.
— Boa noite, Sr. Snow e Srta. Gaul. — O garoto, uns poucos anos mais novo que eles, se tornou semelhante a um tomate cozido: rubro e suando ao os cumprimentar. — Desculpa por interrompê-los — ele gaguejou, quando Coriolanus projetou sua mandíbula para frente, irritado com a visita indesejada em um momento tão crítico de sua carreira e planos pessoais. — Mas a Dra. Gaul solicitou que eu questionasse o que desejam jantar esta noite. — Corio sentiu o estômago torcer com a ideia de precisar dividir a mesa de jantar com a tia insana de .
— Avise minha tia que nós recusamos seu convite — por sorte, a sobrinha da possível anfitriã se pronunciou com certa educação, falando com calma com o garoto. Ele estava tão feliz quando ela apertou sua mão, que seria maldade o tratar de outra forma sem ele merecer. — Diga que permaneceremos aqui até a finalização do projeto que ela nos repassou. — Snow deu seu aval para ela com um assentir, então lançou um olhar duro para o garoto, incitando que se retirasse, já que tinha um posicionamento.
No entanto, o estagiário parecia mais sem graça ainda ao reformular suas palavras:
— Não, Srta. Gaul — ele gaguejou de novo, e suspirou impaciente. — A Doutora Gaul irá enviar o jantar para os senhores.
Coriolanus olhou para , que também o olhou, inclinando os lábios para baixo ao ponderar a ideia de comerem algo. Também havia uma mensagem de Vollumnia Gaul na oferta de alimento e que ambos identificaram: até mesmo comeriam no Departamento de Guerra a fim de que pudessem se concentrar em elaborar propostas que o Presidente aprovasse.
— Podemos provar o cardápio que elaborei para os Tributos — ofertou a ele, os saltos de seu sapato de couro emitindo toques repetidos no piso de Snow. Ele tampou o pincel e assentiu para ela, rendido à ideia. Ainda teriam muitos planos a fazerem e um jantar poderia lhe ajudar a se aproximar um pouco mais dela.
— Informe à cozinha que iremos degustar parte do cardápio dos Tributos. — Snow fez um movimento rápido com o pulso, expulsando o rapaz de seu escritório. O menino se desculpou uma outra vez antes de sair.
suspirou, colocando alguns fios atrás da orelha. Ela já se sentia cansada.
— Espero que goste de coelho — ela comentou com o outro, assim que ficaram a sós.
Coriolanus sorriu com leveza. Após o Cerco, qualquer proteína animal lhe agradava. E contados quarenta minutos depois, ele confirmou sua ausência de preferência com o esplêndido jantar que não acreditava que seria ofertado para os ferozes tributos.
— Como ficaram decididos os mantimentos dentro da Arena? — Coriolanus indagou, ao cortar um pedaço do suculento filé de carneiro. — Não pude estar na última reunião.
Atendendo às ordens dadas por Volumnia Gaul, avoxes que serviam ao Departamento de Guerra prepararam uma mesa de jantar para eles, enquanto ainda sofisticavam um pouco mais os planos que haviam feito para a Arena. No centro da mesa, havia um grande prato de carneiro assado, cercado por outros pratos contendo peixes, aves, saladas e legumes cuidadosamente preparados. Haviam também tigelas de molhos e guarnições dispostas entre as travessas.
— Serão encontrados nas cozinhas das casas e apartamentos — o explicou, colocando um pouco de purê de batatas e ervilhas selvagens em seu garfo. — Em sua maioria, será enlatado. Os patrocinadores poderão enviar mantimentos de sua escolha dentro do cardápio que montei. — Ela tocou no tablet entre eles na mesa, localizando o arquivo antes de virar o aparelho para Snow, o desviando de algumas taças e dos pratos quentes que lhe foram servidos.
Coriolanus limpou os lábios com o guardanapo em seu colo antes de pegar o aparelho e analisar a listagem feita por . Água potável, rações compactas e sopas instantâneas. Logo abaixo, estavam a lista de suprimentos de sobrevivência que continha pedras de fogo, cobertores térmicos, sacos de dormir e filtros de água, bem como um kit de primeiros socorros. Ele não pôde evitar perceber o quão eficiente era ao exercer sua função com maestria e cuidado. Mais abaixo, estavam os itens vetados por ela: antídotos, coletores de venenos e armamentos. Snow só assentiu em aprovação, lhe devolvendo o tablet e bebericando um pouco de vinho.
— Como estão os Plinth?
A pergunta dela o surpreendeu, mas ele não permitiu que sua perplexidade fosse tão óbvia assim, apenas devolvendo a taça para seu devido lugar. Quando a olhou, se ocupava em digitar no tablet apenas com uma mão, a outra limpando os lábios com o guardanapo cinza, o batom ficando levemente marcado no tecido.
— Se recuperando da perda — Coriolanus respondeu, com um descaso interno. O pai de Sejanus já havia se recuperado o suficiente, mas Mãezinha ainda não. Tigris achava o mais que ágil superar do Sr. Plinth um tanto triste, como se ele nem mesmo quisesse seu filho problemático de volta. — Ainda que Mãezinha tenha algumas recaídas.
— Strabo sempre foi o mais firme. — o olhou após bloquear a tela do aparelho, certa pena da mulher sem filho marcando sua face ao carregar o peso de uma tristeza que não era sua.
Ela sabia que Strabo amava Sejanus, de sua própria forma, mas também sabia que ali havia muito espaço para dúvidas, principalmente em razão dos atos perpetrados por Strabo Plinth durante o último Jogos ao arranjar o sorteio do tributo do Distrito 2. O tributo masculino, Marcus, e Sejanus eram amigos de escola quando pequenos e o sorteio dele, obviamente corrompido pelos interesses de Strabo, foi uma punhalada nas costas do filho rebelde, lhe lembrando da posição de sua família se não se adequassem às normas da Capital. Sejanus, tão facilmente como Marcus foi, podia ter sido sorteado na colheita.
Coriolanus via, além da pena estampada na face de , uma outra oportunidade de instigar um novo e mais permanente aproximar entre ela, ele e os Plinth. Sua simpatia por eles era clara, afinal, ele sabia, pelas histórias de Mãezinha, que ela foi muito próxima da família durante seu romance com Sejanus. Sabia que ela nutria sentimentos pela família que ele agora representava e que um aproximar seu com ela dependeria da ponte que o luto por Sejanus havia fortificado.
— Por que não se junta a nós para um jantar, ? — Snow lhe convidou com a voz suave, a olhando por entre as taças e velas altas. Se outra pessoa o ouvisse, poderia jurar que ele também sentia pena, mas não deles e, sim, dela. — Mãezinha pergunta sobre você todos os dias — Coriolanus instigou, suavizando sua expressão como se a imagem da mãe de Sejanus lhe causasse serenidade e não repulsa. — Não a via somente como a namorada do Sejanus. Ela se importa com você da mesma forma que se importa comigo. — Ele plantou a semente. Se os Plinth o viam como um substituto de Sejanus, nada mais justo que também o visse como tal. — Quando nos viu na TV, me fez prometer que questionaria aos funcionários da cozinha se estava se alimentando corretamente.
A menção da preocupação da Sra. Plinth com seu bem-estar fez a culpa em seu peito pesar, mas se recusou a deixar que o peso a envergasse. Ela havia se afastado da família de Sejanus após o funeral, sem forças para suportar a dor da perda que pousaria nos seus ombros. Sendo a última namorada de Sejanus, era esperado que ela mantivesse contato e os ajudasse com a manutenção da memória que tinham dele: um filho dedicado e um namorado amoroso. Porém suportar seu próprio luto seria dificultoso demais e ela não precisaria da memória viva daqueles os quais o amavam tanto quanto ela amou.
— Quando eu o vejo, Coriolanus, consigo não pensar nele — confessou, seus olhos direcionado à imensidão cerúlea que eram as irises do colega de equipe e a pessoa mais próxima do que Sejanus poderia chamar de amigo. Se lembrava de como seu coração errou as batidas na ocasião em que Coriolanus a visitou em seu laboratório e de como a presença dele era a prova de que Sejanus havia realmente morrido, e como Snow era eficiente em afastar o fantasma que tanto a assombrava. — Mas temo que, se os ver, não conseguirei o tirar da minha mente. E eu lutei muito para fazê-lo. — Snow abaixou o queixo, ciente de que aquela seria a resposta dela. — É um exercício diário — prosseguiu, olhando sua comida e então o olhando. Sentia-se culpada por ter escolhido sua paz em vez da dos Plinth. — Sou grata pelo convite, mas…
— Eu entendo. — Coriolanus assentiu firmemente.
Ele não entendia. E a cisma de com Sejanus Plinth iria o enlouquecer.
Sejanus sabia do risco que ela corria sendo deixada sozinha na Capital, um risco que muito se diferenciava do que Tigris e Lady-Vó corriam na sua ausência, porém, ainda assim, era um risco relevante. Coriolanus não se sentia honrado pelas histórias sussurradas a ele por Sejanus em uma noite enquanto voltavam do Prego após o show de Lucy-Gray, mas sabia em parte como a ausência de Sejanus da Capital seria arriscada para o destino de nas mãos de homens tão gananciosos como ele mesmo era.
E, ainda assim, Sejanus escolheu a deixar para trás.
Sejanus iria a deixar para trás não apenas por ter o seguido para o Distrito 12 por conta própria, sem ter sido exilada da Capital como Snow foi, mas a deixaria para fugir com os rebeldes para o Distrito 13. Tal tomada de consciência atormentou Coriolanus por inúmeras noites após ele perceber que Sejanus havia esquecido completamente de e iria fugir, sem retorno, para o Distrito 13 e a deixar cair nas garras do pai e de Ajax Cannondale.
— Depois dos Jogos. — A voz gentil de , muito diferente daquela usada por ela ao latir ordens para seus subordinados, o despertou do devaneio que muito provavelmente partiria o seu coração. Coriolanus a olhou, aguardando que uma decisão alcançasse seus lábios. — Quando a poeira baixar, talvez possamos nos reunir — ela propôs, buscando os olhos dele. — Pode dar este recado a eles?
— É claro. — O loiro assentiu, curvando o pescoço para ela.
o observou por um momento, as palavras alcançando sua boca antes que ela pudesse as impedir ou pudesse pensar bem:
— Fico feliz que eles tenham você para os ajudar neste momento. — Corio a olhou, um tanto surpreso pela ternura palpável na voz dela, mas intimamente satisfeito com o despertar dos sentimentos de ao perceber como ele tinha se dedicado aos Plinth, mesmo que de forma contrária à como ela imaginava ser.
— Eles passaram por algo inimaginável. — Coriolanus suspirou. Estava cansado de ter de repetir o mesmo papinho para todos que lhe elogiavam por seus feitos com os Plinth. — Poder dar qualquer senso de paz de espírito para eles é o mínimo que posso fazer em nome de Sejanus.
Ele percebeu, assim que finalizou sua desculpa, como os lábios dela se curvaram.
— Então, pelo o que posso perceber, também cabe a mim lhe agradecer. — O curvar foi direcionado para cima, um gentil e conhecedor sorriso se moldando nos lábios dela. Coriolanus engoliu com força a última garfada de comida, se preparando para corrigir sua afirmação. — E fico grata a você por os dar o apoio que não posso — prosseguiu, segurando no pé de sua taça de vinho, olhos direcionados para a mesa farta que não finalizaram nem em seus sonhos.
— Não preciso de seus agradecimentos, — ele lhe garantiu da maneira mais educada que conseguia. O erguer de sobrancelha dela fez o vinho que bebeu amargar sua boca. — Nem dos agradecimentos dos Plinth. — Se fez ser ouvido, abaixando a taça e a olhando com toda a intensidade que podia, mas que, mesmo assim, não a fez dar para trás. — Apesar de quão breve foi o aproximar entre mim e Sejanus, restou claro que, em um momento de vulnerabilidade, ele foi tão leal a mim quanto pretendo ser à sua família. Sem seu suporte no Distrito 12, eu não teria como retornar para a Capital e para a minha família, que sofreu em minha ausência. — A sinceridade fez Coriolanus sentir-se quase arrependido de ter engajado em tal discussão. Sejanus lhe serviu bem enquanto precisava dele. E só. — Se estou aqui, é por causa dele. — De sua fraqueza e minha força, ele se conteve. — Então lhe devo isso.
sentiu um sentimento agressivo se expandir em seu peito, a pressionando.
— Soa idealista como ele — ela confessou, observando as chamas de uma vela através do resto de vinho na taça que segurava. — O que torna compreensível a admiração cega que o Sejanus tinha por você.
Snow engoliu em seco, se recostando na cadeira.
— Lembro-me de como entrou na Arena a comando de minha tia para resgatá-lo. — Ela molhou os lábios, sorrindo com memórias de quando Sejanus vivia e ela tinha esperanças para eles. — E imagino que… — balançou a cabeça. — Ela tenha apelidado Sejanus de “cachorro raivoso e delirante” ao ordenar que você fosse até ele. — A jovem Idealizadora pendeu a cabeça. A gentileza nunca foi o forte de sua tia e agora, com a morte do irmão que havia a enlaçado com uma coleira a vida inteira, a liberdade tornava Volumnia Gaul mais traiçoeira e cruel. — Ainda ali, se demonstrou leal a Sejanus, mesmo que somente no intuito de salvar seu tributo.
Lucy-Gray Baird era outro fantasma que a 10ª Edição dos Jogos Vorazes deixou rondar as ruas da Capital e a mente de . Sabia que a garota havia sido morta, afinal, estava sumida do Distrito 12, e podia dizer, com uma boa margem de acerto, que Volumnia Gaul seria a culpada. Se apagaram os arquivos da 10ª edição, a vencedora também deveria ter sido.
— Seu pedido foi um dos motores de minha escolha, Srta. Gaul. — Coriolanus lembrou, a menção de sua tributo o trazendo nojo. Como foi tolo a este ponto?
fez menção a um sorriso, balançando sua cabeça.
— E ainda assim se recusa a ter um favor atendido por mim. — Ela riu, para o choque dele. Snow sabia que o rumo que o diálogo havia tomado durante o jantar a pegou desprevenida, e, ainda assim, se demonstrava capaz de encontrar algum sinal de humor na situação ou se provar agradável. Sua resiliência era admirável.
— Até o momento, sim — Snow retrucou, um sorriso sincero iluminando seu rosto.
— Certo… — assentiu, aerando o resquício de vinho na taça com movimentos circulares. — Até o momento.
O resto do jantar se passou rapidamente, ambos focados em finalizar suas refeições e voltarem para o planejamento que os uniu em primeiro lugar. E, ainda que gostaria de conversar e ouvir mais de a fim de fortificar os laços de parceria entre eles e que seriam futuramente úteis, Coriolanus sabia que sua ascensão a Chefe dos Idealizadores seria importante na trajetória que havia optado para si, logo, conseguiu colocar o aproximar de em segundo plano.
— Crocodilos — ela revelou para ele, enquanto analisavam as possíveis melhorias para o Nível do Subsolo da Arena e Coriolanus mencionou ser estranhamente seguro. A expressão meio confusa dele a fez sorrir ao entregar o tablet onde o projeto dos bestantes que havia criado estava aberto. Os monstros já estavam sendo “treinados” por sua equipe. — São os meus bestantes. Eles são crocodilos que eu irei lançar na zona inundada assim que o nível de água da área subterrânea subir.
— Fico feliz por não precisar conhecê-los junto aos demais. — Ele fez referência à sua conversa com ela antes de gravarem com Lucky Flickerman, observando as imagens e vídeos dos monstros que havia recriado utilizando o material genético da espécie extinta desde a 4ª Guerra Mundial.
— Não são tão atraentes como as serpentes que idealizou um ano atrás, Coriolanus. — Ela pendeu a cabeça para o lado, os fios emoldurando o rosto angelical que escondia o sadismo que prometia uma edição inesquecível. Snow a olhou, apoiado na própria mesa, enquanto ela se mantinha sentada na mesa de jantar, as pernas longas cruzadas e um sorriso educado. — Porém tão letais quanto.
Coriolanus lhe ofertou um sorriso camarada, satisfeito com sua escolha.
— É assim que pretende manter seu favor ainda válido, Sr. Snow? — o indagou, ao passarem pela Praça da Justiça na direção de seu apartamento. O calor no interior do carro que os Plinth haviam presenteado a Coriolanus aqueceu seus dedos frios apesar de ter ficado do lado de fora do prédio em que trabalhavam por meros cinco minutos enquanto relutava a carona. — Me dando uma carona para casa?
Após deixarem o Departamento de Guerra quase no início da madrugada, Coriolanus fez questão de ser ele a levar para casa e rebateu as desculpas dela de não querer tomar mais tempo dele do que era necessário. E, atendendo à pergunta dela, Snow sorriu satisfeito com mais uma vitória e o lento, porém estável, rachar da muralha entre Gaul e o resto do mundo, as pequenas movimentações que ele podia ver pelas frestas dela, o convencendo mais e mais de que seus planos teriam sucessão com o apoio dela.
— Não imagina ser possível que eu somente esteja buscando garantir que a senhorita chegue em segurança? — ele retrucou, mantendo uma velocidade constante e agradável. Se fosse rápido demais, perderia o momento de valiosa conversa. E lento demais, ela notaria sua intenção.
— Possível. — Gaul pendeu a cabeça, os dedos cruzados no colo. — Porém improvável.
O riso de Coriolanus ecoou no carro, também a fazendo sorrir minimamente.
não se lembrava de pessoas capazes de lhe fazer sorrir com facilidade que não Sejanus ou Magna. Após tantos anos sofrendo em silêncio e precisando forçar sorrisos durante as celebrações organizadas por seus pais, ou nas festas e jantares alheios, sorrisos sem intensidade lhe vinham facilmente, mas não aqueles em que ela realmente se agradava e eles escapavam por si só.
— Quando digo que competir com você é revigorante, não foi somente por falar — a voz dela se fez soar novamente, expondo seus pensamentos como sempre gostava de fazer se a ocasião lhe permitisse. E, para sua surpresa, a presença de Coriolanus Snow lhe dava liberdade. — Entre uma dúzia de idealizadores incompetentes e estagiários que somente estão ali pelo nome que carregam, você é uma competição e tanto, Coriolanus.
Snow sentiu-se estranhamente satisfeito com as palavras de , quase orgulhoso por ter se demonstrado “merecedor” da atenção e ter despertado o ar de competição daquilo que faziam. Estava claro que, entre todos os demais idealizadores, eram eles dois os que competiam no grau de paridade pelo cargo de Volumnia Gaul. Com suas comissões se demonstrando mais e mais triunfantes na reta final antes do início dos Jogos Vorazes, eles eram aqueles que realmente seriam cotados para o cargo.
— Pelo menos sabemos que realmente estamos competindo — ele ponderou, as suas mãos deslizando pelo volante ao fazer uma curva na direção do plano residencial. emitiu um som delicado de concordância. — Felix seria um problema se… — Corio molhou os lábios. Ela e Felix tinham crescido juntos.
— Se ele soubesse como ser um problema. — deu continuidade à ofensa que o outro hesitou em proferir. Coriolanus sorriu com a consciência rápida dela.
Estacionando diante do prédio luxuoso, Coriolanus desceu do carro e o contornou, se alinhando e alinhando o seu terno e casaco antes de abrir a porta para ela e lhe estender a mão. O seu ego ficou ligeiramente ferido quando, em vez de segurar a mão dele para descer, se firmou no chão e segurou no braço dele, se levantando do carro com habilidade e um toque firme.
— Vamos, eu a acompanho até em casa — Snow ofereceu, antes mesmo que pudesse se despedir, tomando nota de que deveria ser ágil em seus avanços contra ela.
Juntos, eles atravessaram o corredor entre dois jardins de inverno que os separava dos elevadores, e ele fez questão de observar o teto enquanto ela digitava a senha para o elevador subir até seu andar. não podia evitar sentir-se cuidada por ele, mesmo que tal cuidado fosse um mero retrato da dívida que Coriolanus tinha com Sejanus. A ironia era: enquanto fugia dos Plinth e buscava distanciar-se de qualquer memória dele, Coriolanus Snow se demonstrava fiel ao intuito de lhe apoiar no lugar de Sejanus, fortalecendo seu laço com o fantasma do amor perdido.
Quando o elevador abriu as portas para o outro corredor que levava até a porta dela, o casal desembarcou, os saltos de ecoando entre as paredes pálidas ao caminharem.
— Apesar da minha recusa prévia, eu o agradeço pela carona. — Ela virou-se a ele, sua expressão revelando como estava, para sua própria surpresa, verdadeiramente grata. — E pela sua prontidão em ajudar minha tia esta noite.
Coriolanus assentiu, mantendo as mãos nos bolsos do casaco.
— Acredito que se fomos selecionados por ela, é porque confia em nossa competência — Snow justificou-se. Não mencionaria a carona, afinal, tinha outro ponto em mente que gostaria de tocar. — Pode não ter sido explícita e um pouco áspera em não confiar unicamente em você pra esse trabalho, mas sei que a Dra. Gaul tem seus favoritos no programa, e você é um deles.
riu, balançando a cabeça. Coriolanus havia a elogiado e se elogiado também.
— Dois favoritos, para ser exata. — A jovem sorriu, incrédula. E ele também. — Tenha uma… — No entanto, o sorriso que Coriolanus conseguiu a fazer exibir se enfraqueceu quando, ao virar-se para a porta, percebeu que estava ligeiramente aberta.
Seguindo o olhar atento dela, Coriolanus percebeu que, além de um pouco aberta, era óbvio o forçamento contra a porta. A caixa estava arranhada, indicando que forçaram algum objeto para a abrir. E antes que ele pudesse a impedir, já havia empurrado a porta, o coração em sua boca ao imaginar os horrores que podiam a aguardar do lado de dentro.
A primeira coisa que identificou foi o sangue oxidado no carpete claro, demonstrando que alguém havia sangrado ali há algum tempo e muito possivelmente foi arrastado para longe, o rastro seguindo para a varanda um pouco mais adiante. Desta vez, Coriolanus tomou a dianteira, se adiantando e dando alguns passos para dentro antes que ela pudesse fazê-lo, a palma estendida na direção da mulher, indicando que permanecesse ali e o deixasse entrar primeiro. Snow prendeu a respiração ao notar um corpo debruçado próximo aos pés do sofá branco, um punhal fincado nas costas de quem imaginou ser uma avox. E, ao lado dela, caída de barriga para cima, estava outra. O homem deu para trás, esbarrando em .
— Vão embora tão rápido, senhores?
Ela agarrou-se ao braço dele, olhos arregalados quando viu a cena no interior de seu apartamento, mas seus olhos imediatamente se fixaram na figura que vinha da varanda, o vento fazendo o cabelo do homem esvoaçar. Coriolanus não precisou de muito para a forçar ainda mais para trás, seu tempo considerável de treinamento como pacificador fazendo-o querer se livrar de imediato da causa do problema: . Era a casa dela e ela era a única pessoa de valor que podia estar procurando ali. Se ela não estivesse ali, aquele homem também não estaria, logo, o seu alvo principal era claro: ela.
— É um prazer enorme finalmente a conhecer, Srta. Gaul. — O assassino sorriu e Snow agarrou o braço de , que parecia enraizada no lugar e somente se moveu com um puxão, se ocultando atrás da figura de Coriolanus, que ao mesmo tempo a forçava a caminhar para trás. — Não, não. — O homem riu, acelerando o passo e erguendo as mãos, uma lâmina reluzindo em uma delas, fazendo o sangue de Corio gelar. — Não precisa correr, madame. Não quer se cansar por nada, quer?
Foi o suficiente para Coriolanus, que, sem hesitar, agarrou o porta-sombrinhas de ferro ao lado da porta e se virou na direção de , cuja palidez entregava o pavor.
— — ele disse, tremendo apesar do quão firme chamou o nome dela. — Saia daqui. — No entanto, o paralisar dela era mais forte que o medo que sentia. — Agora, !
— Estou aqui a serviço do Sr. Ottavius Cannondale — o homem explicou-se, limpando o sangue em sua mão na barra do vestido da avox morta, mas mantendo os olhos nos dois. Sua ausência de pressa fazendo todos os alarmes na cabeça de Coriolanus soarem, bem como o nome dos Cannondale, cuja menção enfim despertou do choque. — Para cobrar um débito.
Com um último impulso vindo de Snow, correu na direção dos elevadores com um grito de socorro assim que o homem avançou contra Coriolanus e o lançou no chão, somente não o ferindo fatalmente com a lâmina, pois Snow obteve êxito em interceptar o golpe, o atingindo com o objeto de metal que havia pego. Coriolanus se levantou, tonto com o ataque, mas apto a se desviar de um outro, onde a faca somente conseguiu alcançar seu braço e não o peito, mas lhe fez grunhir de dor ao cambalear para trás.
— Snow! — gritou, pressionando todos os botões possíveis e socando as portas que se recusavam a abrir, horrorizada com o sangue que escorria do braço de Coriolanus e como, ainda assim, desviou de um outro golpe, conseguindo desferir um soco duro na boca do invasor.
A rapidez com que se levantou, pisou no próprio sangue e correu na direção dela, entregava que não era a primeira vez que ele lutava por sua vida. E ele conseguiria alcançá-la, tinha certeza que conseguiria. Porém, os dois homens que saíram do elevador e avançaram em sua direção enquanto um terceiro agarrava pelo pescoço, conseguiram virar o jogo. Coriolanus gritou o nome dela, enquanto era forçado para trás, os olhos azuis dele arregalados conforme o outro assassino, duas vezes maior que ela, a erguia na parede do elevador somente pelo aperto firme em sua garganta, os saltos de grife sequer tocando no chão.
tentava, inutilmente, respirar. Suas unhas arranharam a mão que cortava a sua respiração e os pés tentavam desferir chutes no homem, mas seus esforços eram insignificantes e as lágrimas que havia segurado já molhavam seu rosto. Além do medo, ela sentia uma fúria que já conhecia bem. Os Cannondale finalmente conseguiriam o que tanto queriam e tentaram por bons anos: a destruir. Não com um casamento infeliz e coito forçoso, mas, sim, a matando.
— Corio! — Snow a ouviu implorar esgoelada, enquanto tentavam o imobilizar.
Então, o reluzir de um revólver no coldre de um dos monstros que lhe impediam de a ajudar chamou sua atenção e Coriolanus conseguiu o alcançar, sua esperança se demonstrando poderosa quando, ao puxar o gatilho com a arma ainda presa a um deles, o tiro alto ecoou pelo corredor. A dor e singelo afrouxar do aperto do homem foi suficiente para Coriolanus sacar a arma e atirar na garganta dele, se virando e também conseguindo enterrar uma bala no peito do outro.
Os sons ensurdecedores fizeram o brutamontes que abusava de sua força quase lhe soltar, mas conseguiu respirar quando ele afrouxou o aperto somente para pressionar, com a mão trêmula, uma lâmina contra a garganta dela, o pressionar firme quase a fazendo sangrar. Ela tentou olhar para Coriolanus, apavorada com o som e com a possibilidade de o repentino silêncio significar que precisaria morrer sozinha nas mãos dos assassinos contratados por Cannondale.
— Solte ela. — A voz de Coriolanus mais se parecia com um rosnado, enquanto ajustava a mira no homem de cabelos ruivos, a arma tremendo em suas mãos ao se aproximar do elevador. O homem não sabia para quem olhar. Snow, com a mira direcionada a ele, ou a faca na garganta de , que precisava morrer ou ele morreria. — Solta!
No instante em que seus pés tocaram no chão, correu como nunca na sua vida e o fez na direção de Coriolanus, como ele nunca esperou que ela fosse fazer tão cedo. Ela ouviu o som da lâmina atingido o chão de metal e caiu no chão ao mesmo tempo, o som do tiro e o corpo do grandalhão soando em seguida. não conseguiu olhar para trás, os olhos fixos no sangue que escorria no chão de mármore e tinha como fonte os corpos ao lado dos pés de Coriolanus, seu sangue se misturando ao dos homens na sola do sapato de couro dele quando correu até ela, a forçando a levantar do chão gelado.
Os tremores apavorados dela facilmente conseguiam anular os dele quando Snow a segurou contra si, pressionando o rosto de contra sua roupa para que não fosse exposta à carnificina ao redor deles. Com as unhas sujas do sangue de um dos assassinos, ela agarrou-se em Coriolanus com força, sua respiração entrecortada e fungares escapando de sua boca ao tentar respirar. E, naquele momento, enquanto se agarrava a ele como se sua vida dependesse disso e ele observava sua lista de assassinatos se expandir de 3 para 7, Coriolanus lhe abraçou com força.
Agora, após terem lhe entregado assim, Coriolanus contraiu um débito com os Cannondale.
Magna havia sido ferida durante o ataque: um corte grosseiro em seu braço e que lhe causaria anos de dor intensa, pelo o que os médicos disseram para , enquanto averiguavam o estrago em seu pescoço. As marcas dos dedos do homem do elevador eram gigantescas, brutais, e ficaria enfurecida com elas, mas seu foco estava em Magna, que mal havia sobrevivido o ataque, e no homem desacordado a meros dois quartos de distância.
Ela também se pegava pensando em Coriolanus Snow, que havia sido rodeado pelos pacificadores e médicos assim que chegaram ao prédio; os médicos tentando conter o sangrar em seu rosto, e os pacificadores entender o que havia acontecido. E, após descobrirem quem era a vítima do atentado, os Sentinelas da Capital, junto ao Presidente Havenstill e seu filho Felix, foram até o hospital em que eles estavam.
— Uma Idealizadora dos Jogos Vorazes, após o inferno que vivemos no último ano, em pleno início da programação — a voz do Presidente ecoava pelos corredores, enquanto saía da enfermaria, segurando uma bolsa de gelo em sua garganta. — Não se lembram dos riscos que nós corremos? Estamos falando da filha de Hyperion Gaul! Um legado dos Jogos Vorazes!
desviou das enfermeiras que passavam com lençóis sujos de sangue, saindo do quarto onde o homem que havia conversado com ela e Coriolanus estava. E, se aproveitando da confusão que a voz estrondosa do Presidente e sua mera presença causava, ela deslizou para o quarto na enfermaria, seus olhos pousando no homem que havia deixado Magna sangrando perto da cozinha.
Soltando a bolsa de gelo, ela encarou o homem, que foi escoltado por sentinelas até o hospital, analisando os ferimentos que foram causados nele em troca dos seus atos. notou os cortes em seu rosto, provocados por Coriolanus Snow e sua arma improvisada, então as marcas retangulares e longas dos cacetetes que o espancaram até que chegasse ali. Ela engoliu em seco, a dor do mero mover em seu pescoço lhe forçando a respirar fundo, os olhos lacrimejando pelo aperto enquanto se dirigia ao carrinho de parada próximo ao homem, cuja boca estava enfaixada, mas o sangue ainda escorria pelas ataduras.
Sua língua havia sido cortada. Ele se tornaria um avox.
No entanto, enquanto abria as gavetas, lembrou-se de Magna. Do seu sangue no vestido de dormir, no chão, nas suas mãos e nos braços de Coriolanus, que a carregou até uma ambulância. Ela lembrou-se da profundidade do ferimento e de quão pálida Magna estava. Focou na lembrança dos enfermeiros a apertando e segurando a carne que o homem havia fatiado e por pouco não se desconectou de seu braço por inteiro.
— A mulher — a voz dela estava apertada quando conseguiu falar — que você quase matou — arfou e apoiou-se no carrinho, quase ficando sem ar. Parecia que engolia cacos de vidro. Estava suando frio quando continuou — é a minha mãe. — O pacote de seringas estava na última gaveta e ela destacou uma, analisando a agulha grossa.
O assassino de aluguel emitiu grunhidos horripilantes, seu pavor cristalino.
— Vou causar uma embolia em você — contou para ele, enquanto conferia se o monstro estava algemado contra as barras constritivas da maca. O sangue nas gazes de sua boca já estava espumando de tamanho seu desespero em ser socorrido. — Você não parece saber o que é uma embolia. — Ela destacou a embalagem e removeu a proteção da agulha.
Gaul descartou o conteúdo da seringa na pia próxima a eles, ignorando o chacoalhar da algema e os sons que o homem emitia.
— Mas eu vou deixar que descubra sozinho do que se trata. — Ela sugou ar na seringa, o suficiente para a encher e então se aproximou do homem que tentava inutilmente gritar mesmo com a sua língua tendo sido removida. O homem começou a tentar se mover, se esgueirar e bater as pernas na maca, da mesma forma que Magna se desesperou horas mais cedo. — Acredito que em vinte minutos, no máximo, você irá morrer. — agarrou a mão dele, e, sem qualquer hesitação, injetou os 200ml de oxigênio na veia saltada pela resistência e esforço dele.
50ml o matariam. E ela se sentiu culpada por não poder estudar os efeitos de 200ml.
O horror demonstrado pelo homem não lhe assustava, mesmo que o sangue escorresse por sua boca e ele se sacudisse como um peixe fora d’água, gritando e engasgando com o seu próprio sangue. tampou a agulha, recolheu a embalagem plástica e de papel, enfiando no bolso do casaco, enquanto o assassino se esgoelava e se sacudia sem sucesso. Ela fez questão de colocar o carrinho de volta no lugar, lembrando que havia o empurrado um pouco, a cacofonia de sons ao seu redor não a intimidando em fazer um trabalho bem feito. Enquanto o homem agonizava, ela apanhou a bolsa de gelo e encostou novamente no pescoço, suspirando com alívio.
deixou o quarto com a mesma calma que entrou e voltou para a sua maca.