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Revisada por: Saturno 🪐

Última Atualização: Setembro/2024.




Coriolanus deixou sua cobertura com calma na manhã de segunda-feira.
O motorista contratado pelos Plinth o deixou na Universidade no mesmo horário de todos os dias, cuidadoso para que o garoto de ouro não se atrasasse para suas importantes aulas. E cumpridas todas suas obrigações pela manhã, lhe restando somente a outra, que era se juntar aos Idealizadores dos Jogos, no seu luxuoso andar no Departamento de Guerra, onde Volumnia Gaul os esperaria para que fossem apresentados os planos e propostas recém-criadas.
Snow havia recentemente deixado de ser um mero interno, função esta que durou nada além de dois meses, pois ele foi rapidamente efetivado como Idealizador Pleno, sem precisar aguardar sete anos para o novo título como os demais. Ele não se importava se os demais imaginassem que Strabo Plinth comprou o cargo para ele, pois sabia não ser verdade, e que a função lhe foi atribuída depois de um silêncio ensurdecedor após apresentar sua proposta aos irmãos Gaul, proposta esta que envolvia integrar e incentivar os Distritos a participarem dos Jogos, não no papel de tributos, mas de espectadores:

— Em nossas últimas reuniões, discutimos quanto à participação dos Distritos nos Jogos e pedi que, cumprindo com a mínima parte das suas funções, produzissem ideias aptas a garantir maior participação dos Distritos e da Capital.
Hyperion Gaul era um homem robusto, alto e grande, com barba feita de modo a exibir a cicatriz na sua garganta que teria sido feita por um rebelde durante a Guerra na vez que invadiram a Mansão do Presidente. Com um terno verde escuro e gravata preta, as irises verdes se destacavam e, assim, todos sabiam exatamente para quem olhava a todo tempo. Snow não tinha dúvidas que a fome no período do Cerco nunca chegou ao velho homem. Grande e forte, o Dr. Gaul era exatamente como imaginaria o chefe do Departamento de Guerra.
— As pessoas dos Distritos são próximas, mas não o suficiente para sentirem por um Tributo — o homem instigou, ignorando que a irmã fazia carinho em uma serpente ao seu lado. — Não assistem aos Jogos e não identificam qualquer motivo para torcer pelos tributos.
— E isso precisa ser revertido o mais rápido possível para que os Jogos continuem — Volumnia cantarolou, sorrindo como a hiena que Coriolanus se lembrava ter visto no Zoológico. Com espuma escorrendo pela boca. — Alguém sabe como garantir que isso não aconteça?
Enquanto os demais Idealizadores começaram a paginar seus blocos de anotação, se entreolharam e alguns balançavam a cabeça, Snow lembrava-se do que viu no Distrito 12 e o que sabia sobre aquelas pessoas.
Lembrou-se que algo os igualava a eles quando viviam no Cerco: fome e pobreza.
— Acredito que a vitória de um Tributo deve representar a vitória de todo o Distrito.
A cientista deu um sorrisinho animado e travesso, balançando o rabo barulhento da serpente. Não esperavam que Coriolanus falasse algo, é claro: após serem feitos os pedidos pelos irmãos, os idealizadores ficavam em silêncio e aguardavam o prazo dado pelos chefes para produzirem as respostas de seus questionamentos, mas “Snow-Snow”, como Volumnia Gaul o chamava, não podia se dar ao luxo de ser como os demais.
— E como tornar todo um Distrito vitorioso, Sr. Snow? — Hyperion questionou. Frio.
— Passei muitos meses no Distrito 12, como a própria Dra. Gaul sabe. — Ele direcionou um olhar conhecido para ela. Outra vez, ela sacudiu o rabo da serpente. — E vivi como alguém de Distrito. Percebi que os Tributos são desconhecidos para grande parte da população, e, por isso, os Jogos não os afetam tanto. Eles não sentem vontade de assistir, por saber se tratar de punição e se recusam a ceder.
— Propõe puni-los novamente, Sr. Snow? — O patriarca sorriu interessado.
— Proponho incentivá-los, Dr. — Coriolanus corrigiu o homem mais velho, que lhe olhava com um questionamento nítido: como? — Primeiramente, solucionando o problema do seu acesso precário a aparelhos de televisão.
— Acabamos de sair de uma guerra, garoto… — Snow ouviu um homem mais velho.
— Minha proposta é exibir os Jogos em telões nas praças, com presença obrigatória — Coriolanus prosseguiu, ignorando-o. — Da mesma forma que iniciam seus dias com o hino de Panem, devem iniciar com uma memória do que desafiar a ordem resultou. — O rapaz cruzou as mãos sobre a mesa. — Em seguida, o Distrito com o Tributo vencedor recebe um suprimento mensal de grãos e óleo para cada habitante. — Isso fez a sobrancelha do Dr. Gaul se erguer e sua irmã o olhar, sorrindo como uma besta. — A fome é a melhor forma de controlar os Distritos mais pobres. E prometer que, com seu apoio, seus Tributos venceriam e assim todos sobreviveriam mais um tempo, é um bom começo.


Snow deu um aperto de mão seguro em Hyperion Gaul naquela tarde, prometendo que em sua próxima reunião, retornaria com mais ideias para os próximos jogos e com nomes para formar a recém-criada Comissão Especial de Integração Distrital, chefiada pelo jovem promissor de meros 19 anos. Quatro dias depois, quando Hyperion foi encontrado morto em seu lar nas montanhas, foi Volumnia que anunciou aos Idealizadores, em um memorial ao irmão, sobre o novo posto de Snow.
Mãezinha ficou tão feliz com a notícia da ascensão do filho adotivo que o presenteou na manhã seguinte, com uma bolsa de couro e sapatos novos. O Sr. Plinth o presenteou com uma conversa longa, acompanhada de whisky e um novo relógio de couro. No fim da noite, Coriolanus se retirou para seus aposentos com a garrafa debaixo do braço.
No entanto, ao passar pelo luxuoso prédio do Departamento de Guerra, ao em vez de ir para o andar dos Idealizadores, onde o quartel general dos Jogos Vorazes era, Coriolanus decidiu ir à floricultura no centro da Capital primeiro. Lá, Snow comprou um buquê de rosas brancas, se esforçando para não deixar sua mente se desviar do objetivo e resgatar lembranças de seu velho amigo Sejanus segurando um buquê semelhante na noite do aniversário de Arachne Crane, e o presenteando para a então namorada quando deixaram a festa opulenta na Residência Crane. No fim, Snow solicitou que ramos de eucalipto fossem adicionados para conter o cheiro adocicado.
Ao retornar ao prédio central da Cidadela, Coriolanus adentrou no elevador após certo tempo, cumprimentando colegas da Universidade e até mesmo da Academia, que haviam iniciado seus estágios no mesmo local. Com falsa discrição, Snow comentou com Martin Howgreen sobre o cargo que assumiu, ciente que, no dia seguinte, todos na Universidade saberiam das boas novas.
Quando chegou ao seu destino, Coriolanus desceu do elevador e andou pelo grande e vazio laboratório aberto que já havia visitado algumas vezes, mas não buscando a mesma pessoa e, sim, uma pequena possibilidade de algo melhor entre as fileiras de mesas de experimentos e as caixas de vidro repletas das criaturas mais infelizes e abomináveis que Snow havia visto em sua vida. Enquanto tentava distinguir se a criatura flutuando em um líquido azul à sua direita era um macaco ou um crocodilo, ele não se atentou à presença da única alma viva naquele cemitério de monstros.
— Coriolanus.
O jovem Idealizador voltou sua atenção diretamente para a jovem parada nas escadas do pequeno balcão onde encontrou a Dra. Gaul pela primeira vez para tratar sobre sua proposta. E precisou engolir em seco para ter certeza que estava acordado.
o observava com o maravilhar macabro que ela teria por um fantasma.
Desde a morte de Sejanus Plinth, Gaul havia desaparecido da vida social da Capital, o horror de reencontrar com figuras da época em que esteve com Sejanus impedindo até mesmo que ela retornasse as inúmeras ligações dos Plinth e as dezenas de convites que lhe enviaram para jantar. Somado às lembranças trazidas cada vez que o nome do rapaz era sequer mencionado, carregava um fardo esmagador consigo, ao ponto que qualquer tentativa de retornar para a sua antiga vida demonstrava-se impossível.
Com as mãos delicadas cruzadas diante do corpo e os dedos brancos pela força posta no ato e um sussurro em seu peito, ela imaginou que poderia ter uma síncope na presença de Snow, ou qualquer outra coisa que lhe remetesse a Sejanus Plinth.
— ele a chamou de volta.
Coriolanus não havia se esquecido da notável aparência de , mas não esperava que um ano sequer fosse o suficiente para que ela mudasse tanto, principalmente que pudesse ficar ainda mais bela e etérea. O seu rosto, que anteriormente era mais cheio, assumiu forma firme e esguia, revelando que seu amadurecimento em tão curto período de tempo também foi físico. E o cabelo, anteriormente preso em penteados delicados, estava solto sobre seus ombros, reluzindo na luz do laboratório pálido e sem vida. Assim, distante e iluminada por raios amarelados, a jovem idealizadora se assemelhava a um anjo.
— Coriolanus — ela se repetiu, a voz comumente tão sólida e estável se elevando em um claro sinal de descrença. — É você? — O sussurro foi soprado, pois, ainda que ela planejasse demonstrar-se superior a qualquer sentimento que o repentino encontro pudesse invocar, não viu forma de superar o estarrecimento de vê-lo.
O choque evidenciado o assombrou, semelhante a muitos dos seus erros passados, e Coriolanus sentiu algo que poderia identificar como pena. O mero fato de vê-la fez fluir tanta pena de quanto Coriolanus sentiu e permanecia sentindo pelos Plinth, apesar de não os ver com os mesmos olhos que a jovem Gaul.
Talvez sentisse mais compaixão por ela. Talvez mais. Muito mais.
Conforme descia os poucos degraus para se aproximar, ele reconheceu a expressão no rosto da ex-colega de turma. parecia quase feliz por vê-lo, mas surpresa a dominava, assim como fez com Tigris e Lady-Avó quando o viram pela primeira vez, após seu retorno do Distrito 12. E ele não podia culpá-la, afinal, muitas vezes nem se reconhecia no espelho, e talvez ela tivesse a mesma dificuldade que ele.
Pouquíssimos metros os separaram quando ela parou.
— Como vai, ? — Coriolanus a cumprimentou, tentando não soar satisfeito com a vitória cujo doce e rico sabor já podia sentir.
Os jovens ficaram plantados a poucos metros um do outro, como se uma barreira invisível forçasse o distanciamento, e Snow detestou imaginar que ela estivesse vendo Sejanus ali, semelhante a como ele às vezes o via e começava a suar frio no mesmo instante. Apavorado que o mesmo estivesse acontecendo com ela e isso se repetisse em todas as tentativas de aproximação que faria nos próximos meses, Coriolanus lentamente removeu o buquê que escondia atrás de si e o apresentou para a mulher, fingindo estar tão envergonhado com as flores que as mãos tremiam.
Enquanto segurava as flores que custaram uma pequena fortuna no cartão de crédito dos Plinth, Coriolanus percebeu que ainda não havia as notado, parecendo ter dificuldade em desviar os olhos dele para qualquer outra coisa ao seu redor. Ela observou os fios que não se deram o trabalho de crescer cacheados novamente, a pequena cicatriz na orelha dele, os lábios e os olhos azuis tempestuosos. Mas não parecia olhá-lo, somente uma miragem.
Snow estava vivo. Sejanus Plinth, contrário, estava sendo devorado por criaturas microscópicas em seu caixão. Coriolanus sobreviveu enquanto Sejanus foi responsabilizado por seus atos de traição à Panem.
Ele segurou um sorriso vitorioso quando ela enfim pareceu olhá-lo direito e os seus olhos se fecharam, antes que um suspiro pesando uma tonelada a escapasse. havia retornado para a realidade e aparentava não acreditar que ele também havia.
— Eu… — A voz dela vacilou e Snow preocupou-se, por um instante, que ela acabasse desmaiando. Mulheres, criaturas frágeis demais. Fáceis demais. — Perdão, eu… Você está mudado, eu não esperava que tivesse mudado em tão pouco tempo. — Gaul respirou e se recompôs, voltando a entrelaçar os dedos diante do corpo.
Então, ela enfim notou as rosas.
— Coriolanus… — Pela terceira vez, em um tom abatido, havia sussurrado o seu nome, revelando sua melancolia, pois lutava para conter o desprazer de precisar tratar sobre o que já imaginava ser objetivo da visita. “Sinto muito por sua perda, Srta. Gaul” ele diria, igual a muitas pessoas lhe disseram dentro de um ano e alguns meses. não mais suportava ouvir aquilo. — São…
— Suas favoritas, eu sei. — O loiro sorriu, ainda que já estivesse cansado de esperar por notar o presente, mas a reação dela, os lábios avermelhados abrindo num breve e dolorido sorriso, fizeram valer a pena a espera. Coriolanus exibiu um semblante preocupado de imediato, suas sobrancelhas erguidas como se não houvesse planejado tudo e, ainda tão angustiada, falhou em perceber que ele também atuava. — Agora imagino que deveria ter trazido outras.
— Não. São lindas, Coriolanus. — Descartando as memórias que povoaram sua mente, a jovem aproximou-se para recolher as flores com delicadeza, evitando tocar nele ainda que Snow tenha erguido a mão para que conseguisse fazê-lo. — Obrigada. — recolheu as flores perto do peito, permitindo que contrastassem com o negro de sua blusa de seda. — Sejanus sempre me presenteava com rosas brancas.
Pronto, aqui está. Eu disse a palavra certa. Sejanus. Pode começar. Ela quis bufar.
tocou nas pétalas com delicadeza para que nenhuma caísse. A dicotomia com Lucy Gray, que destruiu uma rosa de sua avó, era gritante, e Coriolanus se questionou como errou de tal forma. Gaul, Arachne Crane e Clemensia Dovecote deveriam ser as únicas mulheres que ele devia considerar importantes o suficiente para algum sacrifício, mesmo que mínimo.
Não um animal grosseiro como Lucy Gray Baird.
— Peço perdão por não ter vindo visitá-la mais cedo. — Snow procedeu com seu plano que havia armado mais cedo. — No verão — ele ressaltou.
No verão que servi lealmente à Panem. No verão que me tornei herdeiro dos Plinth.
— Muitas coisas mudaram no verão. — ergueu o buquê perto do rosto, mas não para cheirar as rosas, mas sim um ramo de eucalipto que havia se sobressaído dos demais no buquê. Ela fechou os olhos por um momento. — Jamais o culparia por não ter achado tempo.
— Ainda assim, eu deveria ter vindo prestar minhas condolências a você mais cedo. — Os olhos brilhantes dela se direcionaram para os sapatos dele, pois não quis se repetir. — Toda a Academia sabia do amor que tinha por Sejanus e como a morte dele a afetou.
Coriolanus havia pensado em cada detalhe de sua conversa com Gaul.
Havia planejado este exato momento, onde trataria tão abertamente sobre o motivo de se dar o trabalho de visitar alguém que trocou no máximo alguns “bom dia” nos últimos anos. Ele havia ido a visitar para cutucar a ferida que ainda estava aberta e girar a faca no coração de , lembrá-la de que seu namorado estava morto e que não voltaria mais. Na outra face da mesma moeda, se fez presente para lembrá-la que, mesmo que Sejanus houvesse morrido, ele ainda estava ali. Uma memória dele, igual como era para Mãezinha e Strabos.
E correspondeu às expectativas dele.
Ela não chorou quando ouviu o nome de Sejanus, ou demonstrou grande tristeza fora seus olhos que lutavam para coibir qualquer expressão muito exagerada. foi educada como uma dama, ciente que demonstrar grandes sentimentos em público era errado e não fazia jus ao seu status. Ela simplesmente suspirou e apertou os lábios.
— Agradeço sua bondade, Coriolanus. — A moça o olhou de novo, tentando sorrir para ele. Então algo aconteceu. Coriolanus viu parte da máscara dela se desmontar. — Eu o agradeço também por ter tentado intervir. — Snow olhou para ela sem entender do que falava. “Intervir?” Ele questionou confuso. olhou para ele, sem muita emoção a ser identificada no ato. — O gaio-tagarela que trouxe detalhes sobre os planos dos rebeldes do Distrito 12 — ela esclareceu.
Snow conteve o desespero e não olhou ao redor para saber se mais alguém estava ali.
estendeu a mão para pedir por um momento e deu um passo adiante, a então infelicidade em seus olhos abrindo um espaço para algo não identificável. Quando ela demonstrou calma, Coriolanus se viu mais confuso do que antes, e temia deixar o desespero transparecer. Ele quis vomitar.
— Eu o ouvi. — Acariciando as macias pétalas, sussurrou para ele, apoiando as flores na curva do cotovelo como um faria com um bebê. Snow sentiu-se enjoado. Sabia que não devia ter confiado na Dra. Gaul e se questionou quantas pessoas sabiam que era ele na gravação. Porém, procurando no rosto de , não viu nada que entregasse a raiva que ela deveria sentir. Ela sempre foi tão calma. — Tentou o impedir de arruinar a própria vida — prosseguiu, e Coriolanus sentiu parte do peso cair de seus ombros. — Sejanus sempre foi tão idealista que se esquecia que Panem tem ouvidos atentos.
Snow respirou fundo, evitando os olhos da mulher.
— Ele era apaixonado. — Com a justificativa fraca dele, ela o olhou com pena.
— E tolo. — respirou fundo. Não olhou para Coriolanus por um momento. — Ele era apaixonado e tolo.
O loiro a observou por um instante, reconhecendo como havia acertado. Apesar de nutrir sentimentos por Sejanus, ela tornou claro que possuía um eixo. Era leal à Capital apesar dos erros do namorado.
— Quando evitei visitá-la, foi por medo de me culpar. Por não ter o protegido. — Ao contrário da maioria das coisas que disse à durante a conversa até então, havia verdade na sua confissão forçada.
Snow a evitou, pois não pôde evitar os Plinth e precisou aprender a lidar com a culpa.
— Não posso culpá-lo pela autodestruição dele, Coriolanus. — Havia algo em seus olhos que o rapaz conseguiu descrever apenas como barganha e que ela realmente já havia entendido ser aceitação. — Fiz tudo o que pude para que você não fosse se unisse ao Sejanus na… — ela engasgou-se. Talvez, como ele mesmo sentia algumas noites, sentiu uma corda fantasma ao redor de seu pescoço. Coriolanus esperou enquanto a herdeira da fortuna dos Gaul molhava os lábios. Balançando a cabeça de forma que os fios lustrosos emolduraram o belo rosto, ela o olhou e Snow notou que ela travava uma guerra sozinha.
— Eu não permitiria que morresse sabendo que condenou alguém que amava.
A ficha dele caiu antes mesmo que ela prosseguisse.
Coriolanus deveria se juntar em morte a Sejanus. Não em um evento público como o da árvore-forca, mas, no mínimo, seria espancado até a morte pelos demais pacificadores por trair o companheiro que o amava como irmão. Ele havia desonrado seu pelotão. Sua punição? Morte.
— Precisei te proteger como você fez com ele naquela noite na Arena a meu pedido — a jovem justificou novamente seus atos, e Coriolanus sentiu uma onda de preocupação o alcançar. Ela considerava sobrevivência algo comparável a uma vitória? — Ele sempre me escrevia. Corio isso, Corio aquilo… — Pela primeira vez, o sorriso que direcionou a ele foi sincero. Mesmo morto, as lembranças de Sejanus a deixavam serena. ainda se sentia segura com Sejanus, mesmo que fossem somente memórias que a protegiam. — E eu serei eternamente grata pela noite em que entrou na Arena, Coriolanus. — A memória foi o suficiente para ele. — Salvou Sejanus como pôde e jamais poderei lhe compensar por isso.
Snow deu um passo adiante, encurtando a distância entre eles, e o seu planejamento estava sendo indiscutivelmente seguido à risca por ela. Ali estavam os agradecimentos que queria.
— Não vim em busca de uma recompensa, . — Suas sobrancelhas apertaram.
A meta estipulada era soar o mais ofendido possível com tal perspectiva dela.
— Sei que não, mas creio que lhe devo uma. — , de súbito, ficou na defensiva. Coriolanus quis sorrir com a inocência dela. — Quando precisar de um favor, por favor, me procure. Farei o possível para ajudá-lo — ela insistiu. — É uma promessa, Snow.
É claro.
Favores e promessas estavam entre as moedas de troca mais valiosas de toda Capital. não sabia ainda. No momento em que Coriolanos se preparava para despedir-se dela, um rapaz um pouco mais velho e mais baixo entrou no enorme laboratório. Ele vestia um jaleco como o dela, mas sem os emblemas da Cidadela que somente servidores de altos cargos podiam usar. Pela distância, Coriolanus sentiu certa preocupação. Ele podia ver o buquê? Esperava que sim.
— Srta. Gaul, suas encomendas foram locadas para seu laboratório — o rapaz avisou.
— Obrigada, Silvian. — não desviou os olhos de Coriolanus.
Ele identificou o que ela custava a encontrar nele. buscava Sejanus. Buscava uma memória do amante perdido, ainda que se envergonhasse dos feitos dele.
— Preciso voltar para meu trabalho, mas irei colocar as rosas em água. Obrigada por lembrar-se — pronunciou-se após um tempo. Ainda sem parecer querer se afastar e dizer um adeus de verdade. — Pode mandar um abraço para Mãezinha por mim, por favor?
— Claro. — Snow assentiu. Mãezinha ficaria feliz por saber sobre a aproximação deles. Coriolanus deu alguns passos desavergonhados até ela. se manteve estática quando Snow pressionou um beijo delicado em sua bochecha para despedir-se. — Cuide-se, .




Ela ainda sentia calor em sua bochecha minutos após a saída do rapaz.
A jovem engoliu em seco enquanto segurava as rosas, os olhos marejados, pois os seus sentimentos não demonstraram qualquer compatibilidade e ela sentia-se prestes a explodir. Não mais se preocupava com os experimentos que a aguardavam em seu laboratório privativo, ou com os espécimes que haviam sido trazidos para ela do Distrito 4. Somente com as rosas aveludadas em seu colo e com o fato de que Snow, o amigo que Sejanus tanto amou e decidiu seguir até o Distrito 12, estava vivo.
Sejanus sempre a presenteava com flores em todas as vezes que se encontravam, até mesmo nas ocasiões em que ela o visitava na Mansão Plinth para estudarem juntos. No fim do dia, ele sempre arranjava uma desculpa para afastar-se e retornar com buquês enormes e sorrisos tão grandes que ela não podia evitar e sorrir junto a ele. Sempre que a presenteava com rosas, Sej fazia questão de garantir que, infelizmente, não havia encontrado flores tão lindas como ela e precisaria permanecer procurando por elas.
Sua amizade se iniciou junto à Grande Guerra que destruiu os Distritos e quase matou os moradores da Capital na maior fome que Panem já havia sido vítima.
ainda lembrava-se do quebra-cabeças que montaram na noite do bombardeio que destruiu ¼ da Capital e seus pais discutiam avidamente com Pacificadores e aliados nos fones em seus ouvidos. Mas Sejanus mal conversava com alguém além dos pais, e ela já estava ficando impaciente com a única outra criança além de Felix, que chorava agarrada nas saias da mãe. Então agiu; pegou o enorme quebra-cabeças do mapa de Panem que havia levado para as férias que passaria na Mansão do Presidente, e se sentou na frente de Sejanus, pertinho do fogo:

— Não precisa falar para brincar de quebra-cabeças — ela havia comentado, sem dar muita importância para o fato das porcelanas na mesa próxima a eles estarem tintilando, tremendo e levantando poeira como o chão abaixo deles. — Mas eu sou a . — A menina deu a mão para ele, aguardando um cumprimento.
Sejanus Plinth era um garoto magrelo, cujos shorts de alfaiataria ficavam enormes e suéteres o afogavam com facilidade. Mas ela tinha o achado legal, no auge de seus nove anos, com os olhos cor de chocolate enormes e o sorriso banguela que dava para sua Mãezinha. somente não entendia o motivo de que, quando chamou a sua própria mãe por tal apelido, acabou por levar um beliscão por sua impertinência.


Eles então tornaram-se amigos improváveis durante o período do Cerco, e quando a Guerra acabou, os Gaul partiram para o Distrito 3, no fito de auxiliarem na produção de conhecimento tecnológico que Panem tanto precisava.
foi educada em seu lar nas montanhas, longe das crianças do Distrito e da sujeira daqueles muito abaixo dela. Aprendeu línguas antigas, artes e história. Então, a partir dos doze anos, foi educada em ciências e tecnologia por seu pai e tia, que posteriormente seriam convocados de volta para Panem após o quinto Jogos Vorazes.
De volta à Capital e ingressando na Academia como filha do Chefe do Departamento de Guerra e sobrinha da Idealizadora Chefe dos Jogos, tornou-se realeza dentre os alunos. As roupas que usava em premiações e celebrações governamentais eram capas de revistas e, em poucos dias, todas as alunas utilizavam os mesmos acessórios que ela. Suas notas, extremamente altas, eram atingidas sem dificuldades, e ela se tornou a garota propaganda do Departamento de Guerra em pouquíssimo tempo.

— Lembre-se que quando está fora desta casa, é seu pai quem você representa. É ele quem as pessoas vêm quando olham para você, — a Sra. Gaul soprou no ouvido na filha certa vez. — Tudo o que faz é refletido nele. Não quer desapontá-lo, certo?

, tão jovem e inocente, se recusava a desapontar ou humilhar sua família, e, por tal motivo, aceitou ir e fingir gostar dos longos encontros às escondidas com Ajax Cannondale, um homem catorze anos mais velho que ela e cuja influência no Departamento da Economia agradou Hyperion Gaul o suficiente para que passasse tempo com sua única filha em troca de apoio na sua investida para tornar os Jogos ainda mais significantes para Panem.
Nas noites em que era deixada no elevador de casa com lágrimas nos olhos, os lábios gelados de Cannondale tendo deixado o cheiro de bebida permanente na sua bochecha, ela era consolada unicamente pela empregada que a criou nas montanhas do Distrito 3, enquanto os seus pais preocupavam-se com lucros e vitórias políticas que aumentassem sua fortuna. Quando Magna, com todo o cuidado, questionava a adolescente se Cannondale havia sido impertinente, sentia seu coração quase sair pela boca antes que soluçasse e lhe dissesse que não, ele estava guardando o resto para o seu casamento.
Ajax Cannondale havia comentado uma vez com uns amigos sobre não ir longe antes de casar-se com quando ela completasse vinte anos, afinal, quem gostava de mercadorias usadas, certo? E todos riram, sem saber que Magna o aguardava atrás da cortina do grande salão dos Gaul para servir champanhe aos convidados. A mulher quase perdeu seu emprego quando derrubou as seis taças que carregava em cima do homem.
No entanto, durante o seu penúltimo ano na Academia, foi surpreendida pelo retorno de Sejanus Plinth para a Capital, com uns dígitos adicionais na sua herança após seu pai se tornar o homem mais rico de toda Panem, apenas alguns milhões atrás do Presidente e outros bilhões acima de Cannondale. E viu sua chance de encontrar, na medida do possível, para pessoas de seu status social, algum resquício de felicidade no futuro.
Pouco foi discutido sobre o assunto, toda a negociação feita na mesa de jantar. A morfinácea Violla Gaul concordou de imediato, afinal:

— Os Plinth são os mais ricos de Panem agora, pelo menos possuem isso ao seu favor.
Hyperion precisou de mais para convencer-se que alternar os planos e tentar garantir uma união entre a filha e um garoto de Distrito, um novo rico, era uma boa escolha.
— Então. — respirou fundo, o coração acelerado conforme o tempo passava e o desespero a consumia. — Se o rapaz, se Sejanus Plinth não pedir a minha mão em casamento até meus vinte anos, eu mesma me humilharei e pedirei que Ajax Cannondale me aceite como a sua esposa.
— E como sabe que até lá Cannondale não terá se casado? — Hyperion insistiu, e sua filha sentiu os olhos arderem.
— Pois sei que mulher alguma aceitará casar-se com alguém como ele se lhe houver outra opção. — As abóboras que comia azedaram em sua boca. preparou-se para a dor que seguiria suas próximas palavras desafiadoras. — Eu não aceitaria se o senhor não houvesse me vendido a ele como uma das prostitutas que usa.


Quando o hematoma causado por uma garrafa de vinho lançada em seu rosto enfim se amenizou, retornou para a Academia, o seu compreensível desespero para aproximar-se de Sejanus Plinth a devorando viva. Enfim, por um golpe de sorte, o seu professor de genética havia decidido que os alunos deveriam formar pares para dar prosseguimento aos experimentos reais, não tão somente a teoria:

E conforme todas as duplas se formavam e burburinhos iniciaram-se na classe, levantou-se antes que Felix pudesse sentar-se ao seu lado, e se aproximou do incerto e tímido Sejanus Plinth, que organizava os materiais em sua maleta de laboratório, apenas aguardando que alguém demonstrasse coragem o suficiente para se juntar a ele, o que raramente acontecia se não por ordens dos professores. Mas o Sr. Philion também não era seu fã, uma vez que o ouviu suspirar que os experimentos em animais vivos eram tortura.
Sejanus estava prestes a aceitar a ideia de fazer todo o trabalho sozinho, quando ouviu o som de livros sendo colocados sobre a bancada perto dele. Provavelmente uma das alunas que ainda organizava a mesa decidiu usar sua bancada como encosto, o que não seria uma grande surpresa. Os colegas de classe não exageravam ao ponto de machucá-lo fisicamente, mas suas atitudes que o diminuíam e faziam parecer invisível. A desconsideração era costumeira.
— Não precisa falar para montar quebra-cabeças, mas precisa para fazermos estes experimentos — comentou, ao sentar e guardar seus cadernos na prateleira abaixo da bancada.
sorriu para o rapaz, que a observava sem reação, até mesmo com o ar preso na garganta, pois era impossível que alguém na Academia, ou mesmo em toda Capital, se oferecesse para dividir alguma palavra ou segundo com ele. Porém, ali estava uma das pessoas mais lindas de toda a Capital, e completamente a salvo de seus distorcidos padrões de beleza. Como nas vezes que brincavam na Mansão do Presidente, seu cabelo estava preso no penteado que Sejanus só podia descrever como “princesa”. E, apesar do vermelho vivo do seu uniforme da Academia, seu rosto brilhava e parecia tão delicado como quando era menina.
Ele havia a visto na festa que o Presidente fez para celebrar o retorno dos Plinth para a Capital. Com um vestido azul ciano e joias prateadas. parecia cada vez mais com as tais princesas das histórias que sua mãe contava sobre o mundo antes de Panem.
Então, com as bochechas vermelhas e um estranho frio na barriga, Sejanus retribuiu o sorriso dela, pois, antes mesmo que pudesse notar como todos os olhares da classe se voltaram para a dupla inesperada, estendeu a mão para ele como nenhum outro aluno havia feito.
— Como está a sua mãe, Sejanus? — indagou a ele com óbvio carinho, fato que horrorizou os seus colegas, que haviam parado todos os seus afazeres para entender o que acontecia ali. Gaul, a dona de um dos closets mais luxuosos e invejáveis de Panem, realmente havia questionado sobre a mãe do Plinth? A mesma que usou xadrez e listras na mesma roupa no jantar de inauguração do novo prédio da Academia? — Ela ainda faz biscoitos de açúcar como os que fazia quando éramos pequenos?


Na manhã seguinte, ela sorriu para ele no meio da aula de História da Guerra, onde a professora discutia sobre os mortos por radiação. Tudo isso, pois, ao sentar-se ao lado dela na sala que mais se assemelhava a um palco suspenso, Sejanus lhe passou um pote hermético por debaixo da mesa, contendo uma dúzia de biscoitos de açúcar cujo sabor ela nem mesmo sabia se gostava. não conseguiu conter sua vontade de rir por muito mais tempo, preferindo desviar os olhos para uma das enormes janelas atrás de Sejanus Plinth e deixar um sorriso agradecido escapar.
A Mãezinha dele ficou incrédula ao ouvir que Gaul quis se juntar a ele na Academia, e mais surpresa ainda quando ela se lembrou dos biscoitos. Antes de ele pedir, a Sra. Plinth dispensou os serviços da cozinheira e dedicou-se, durante toda a tarde e parte da noite, a preparar algumas dúzias de biscoitos.
Em seu interior, Sejanus sabia que a repentina amizade de poderia ser parte de uma brincadeira maldosa dos alunos da Capital. Sabia que deveria ser cuidadoso e que ela era igual aos demais. Mas também sabia que havia muito carinho na forma que ela afagou o pote por baixo da mesa, e como ela provou alguns dos biscoitos na hora do almoço enquanto lia um livro no silêncio da biblioteca, onde ele também acreditava ser o melhor lugar para passar o horário livre.
Durante os meses em que foram parceiros de laboratório, a cega confiança de em poder usá-lo e, somente usá-lo ao seu favor, decaiu. Sejanus era nada além de bom com ela. Diferente dos demais alunos, que somente se aproximavam e se davam o trabalho de ficar por perto em razão dos benefícios de sua família, não havia nada que ela pudesse oferecer que ele não conseguisse sem o mínimo de esforço. E, mesmo assim, ele a ouvia com atenção, a fazia rir e se sentir querida.
Nas vezes em que visitava a residência da família do namorado, esquecia que existia outro lugar para chamar de casa além do espaçoso e simultaneamente aconchegante lar dos Plinth. Ela passava suas tardes na biblioteca da família, estudando na poltrona ao lado de Sejanus nas raríssimas ocasiões onde não acabava sentada no colo dele e o forçando a ler os seus livros obrigatórios, os quais sempre acabava lendo enquanto ignorava o olhar apaixonado dele.
Ao chegar a noite, após enfim estudarem de verdade e não apenas ficarem deitados no carpete, comentando sobre os colegas de classe e fingindo que ela não precisaria ir embora logo, se sentava com os Plinth para jantar. Mãezinha lhe questionava sobre seu dia, sobre a Academia e sobre os livros que lia. Não era comum alguém demonstrar tanto interesse assim nas partes menos importantes de sua vida, então não sabia responder no começo e sentia-se rude ao dizer que nada interessante havia acontecido. Mas conforme se abria, ficava mais fácil. E o Sr. Plinth, ao contrário, demonstrava seu agrado com a presença dela em silêncio, mas se envolvendo nas conversas quando era convocado.
No entanto, ao retornar para a residência da família na qual nascera, era recepcionada no escritório do pai, onde deveria relatar cada detalhe de informação que havia coletado durante o dia. Ignorando o seu coração pesado, ela até mesmo o informava que as empregadas haviam mudado a cor dos uniformes para um cinza claro.
A fraqueza está nos detalhes — ele sempre dizia.
Quando o 10º Jogos Vorazes começou a ser comentado e muito se discutiam sobre o Prêmio Plinth, redirecionou todos os seus esforços para conseguir algum posto dentre os Idealizadores ao lado de sua tia. Ela havia conversado algumas vezes com Sejanus sobre o prêmio e quem seria merecedor o suficiente dele: o bom amigo de Sej, Coriolanus Snow.
Pouco se falava sobre a vida dos Snow após o fim da Guerra e morte do patriarca, morte que o tornou o único herdeiro da família que um dia foi uma das mais poderosas de Panem. Mas herdeiro do quê? As famílias mais abastadas e pertencentes ao seleto círculo de amizades dos Gaul, incluindo Casca Highbottom, sabiam que as histórias dos Snow sobre demais investimentos e bens não passava de triste mentira. Todos seus bens foram para os ares com o Distrito 13, mas muitos ainda admiravam a resiliência de Coriolanus em manter as aparências.
No jantar de gala com seletos doze convidados e que foi organizado para celebrar os 10 anos do fim da Guerra, o nome dele foi mencionado entre as grandes famílias perdidas na Grande Guerra. E sentado ao lado da namorada, Sejanus não pôde evitar se mexer desconfortável em sua cadeira, o que não passou despercebido por ela. Horas depois, ao conversarem no telefone, Sejanus prometeu que garantiria que Corio teria uma vaga na Universidade, fosse devido ao prêmio ou através de qualquer outra maneira que ele encontrasse.
No dia seguinte, informou seu pai sobre seu “sonho” em tornar-se Idealizadora. E, horas depois, seu nome foi retirado da lista de futuros mentores dos jogos. Se Sejanus sacrificaria algo para garantir que seu amigo obtivesse sucesso de uma forma ou de outra, ela sentia-se com o dever de o apoiar, a começar por diminuir a competição para o prêmio.
Ela nunca foi próxima de Snow, nem mesmo após iniciar seu relacionamento com Sejanus, mas sabia que Plinth nutria certo carinho pelo rapaz, que nunca se juntou aos demais que, em seu primeiro ano na Capital, tornaram sua vida um inferno. Então, mesmo com a distância entre eles, o ajudou como pôde. E implorou por sua ajuda quando Sejanus forçou caminho dentro da Arena:

— Coriolanus — clamou, enquanto subia as escadarias do prédio em que se localizava a Arena. Podia sentir cada célula do seu corpo em estado de choque, mas precisava estar ali. Seu casaco soprava no vento frio da noite escura, o pijama de seda sem obter êxito em protegê-la do frio. — Espere! — Ela arfou no topo das escadas, atraindo atenção da meia-dúzia de pacificadores que acompanhou Snow da Academia até ali.
Magna havia a acordado quando ouviu xícaras quebrando no escritório de Hyperion, após ele descobrir que Sejanus, que havia arranjado problemas suficientes em uma semana, se infiltrou na Arena. Então, com o coração escapando pela boca, forçou um motorista a lhe levar até as redondezas, onde seu olhar gélido e perverso, semelhante ao do pai, lhe garantiu entrada escoltada no círculo militar fortificado da Arena.
O som de sua voz foi o suficiente para chamar a atenção de um vacilante Coriolanus Snow, que parecia mais pálido do que nunca enquanto tentava inutilmente se preparar para um pesadelo acordado — a Arena.
Apesar da iluminação precária, as lágrimas se formando nos olhos azuis safira dele eram identificáveis. Coriolanus era mais alto do que Sejanus pouquíssimos centímetros, porém o porte físico de Sej o diferenciava e podia dar uma dianteira na Arena.
— Sejanus… — Snow balbuciou, apavorado pela tarefa que lhe foi designada.
— Eu sei — Gaul disparou mordaz, ao aproximar-se o máximo que os pacificadores deixaram. Ela não conseguia mais demonstrar tremenda fúria com a insubordinação, então aceitou a restrição. A única pessoa capaz de salvá-la de um futuro bárbaro e repulsivo estava rodeada de monstros, e ela não conseguia encontrar forças para ameaçá-los. Snow respirou fundo e ela o acompanhou, até que esticou a mão e agarrou o pulso do rapaz com o vigor de uma víbora, tão forte que Coriolanus nem sequer ousou respirar. — Me devolva ele vivo e eu o farei um vitorioso, Coriolanus.
Quando Sejanus correu para fora da Arena, foi direto para os braços dela, bem como a primeira coisa que Snow fez, ao enfim conseguir respirar, foi buscar os olhos de .
Ela havia feito uma promessa e jamais a quebraria.


Uma semana após o fim dos Jogos, Gaul sentiu-se tão desesperada quanto nas noites angustiantes em que precisava jantar na casa de Ajax. Mas, ao contrário, diante dela, não estava o homem sujo que afagava sua coxa por debaixo da mesa de jantar com palmas frias e uma ereção na calça. Ali estava o seu namorado, que mal havia se recuperado do choque da Arena; mas estava com as malas prontas e uma passagem só de ida para o Distrito 12, em busca de Coriolanus Snow, de forma a agradecer por seu sacrifício.
Sejanus aguentou firme e imóvel quando permitiu que lágrimas furiosas começassem a escorrer por seu rosto, o horror da decisão do namorado a devorando viva enquanto ela lutava para afastar a cólera brutal por já poder sentir as mãos de Cannondale nela novamente. Ela se apoiou na mesa de jantar da Residência dos Gaul, se segurando na madeira com tamanha força que seus dedos ficaram brancos, os soluços e lamentos ecoando pelo espaçoso apartamento. Sejanus se permitiu algumas lágrimas também, principalmente quando soluçou que ele havia mentido todo o tempo que passaram juntos, coisa que jamais faria.
Precisou virar seu rosto quando ela chorou com mais intensidade, aos prantos, pois ele estava a abandonando. O jovem Plinth sabia o motivo do terror de sua namorada em ser deixada para trás na Capital, pois havia sido informado pelo pai do absurdo acordo firmado entre Hyperion Gaul e Ajax Cannondale. Sabia que sua partida era condená-la aos abusos de seu pai e Ajax. Então, no momento em que ela parecia não mais aguentar ficar de pé e se sentou em uma cadeira, ele se pôs diante dela, enfim revelando o anel cravejado de diamantes que havia sido encomendado dias após a descoberta sobre os horrores da Residência dos Gaul.
— Seis meses são suficientes para meu treinamento básico e suas provas de vestido.
No entanto, enquanto suas famílias se preparavam para o evento do ano, os gaios do Distrito 12, contendo os planos de Sejanus em resgatar e traficar rebeldes para fora do Distrito, foram entregues no laboratório da Dra. Gaul. Para sua própria surpresa, ao divulgar o plano rebelde para o irmão em um jantar com o Presidente e suas famílias, a cientista maluca ocultou de todos que o remetente foi Coriolanus Snow, quem havia cotado como possível padrinho de casamento do noivo.
A morte de Sejanus levou parte dela consigo.
Por mais que tentasse esconder de todos, até mesmo de si mesma, sentia um certo carinho por Sejanus Plinth. Sentia-se segura como jamais seria novamente. Podia mentir para quem quisesse, mas nunca para si mesma, pois lembrava-se de sorrir para ele e sentir seu peito se aquecer com os toques dele.
Junto ao luto, vinha a culpa.
o usou e aceitava tal falha, uma vez que o carinho que sentiu por ele no prosseguir do relacionamento houvesse se demonstrado o suficiente para suprir a falta de sinceridade no início. No começo, o usou para se distanciar de Ajax, o que não surtiu efeito a longo prazo, pois Hyperion não confiava em suas habilidades para conquistar Sejanus mesmo depois dela relatar ao pai que Sej havia dito que a amava.
A culpa foi parte do motivo pelo qual se manteve reclusa em seu quarto por dois dias e meio, os prantos apavorados mais intensos quando o corpo de Sejanus foi devolvido no meio da noite aos Plinth e ela precisou implorar que Hyperion deixasse que ela o visse uma última vez, ainda sem aceitar que ele realmente havia a abandonado. Gaul teve seu pedido negado por um lacrimoso Strabo Plinth, ciente de que a nora jamais se recuperaria do horror.
Um som de portas abrindo novamente despertou para a realidade, onde ainda estava de pé no meio do luxuoso laboratório e abraçando um buquê de rosas que a lembravam de sua esperança perdida.




Ela chegou ao andar mais alto do Departamento de Guerra, que era inteiramente destinado aos Jogos (ideia de Hyperion, que acreditava que os Jogos Vorazes eram a chave para o futuro, onde guerras seriam encerradas antes mesmo de começarem). Sua chegada com minutos de antecedência ao local vazio foi essencial para que pulasse o silêncio que se formava conforme atravessava os corredores de mármore carvão que quase sempre estavam abarrotados.
A morte de seu pai, há duas semanas, foi um evento estatal.
O Presidente Heavensbee visitou e sua mãe, e passou longos minutos discutindo junto a elas quais seriam os próximos passos. Hyperion morreu no exercício de seu cargo, então, não havia nada mais correto e simbólico do que indicar Volumnia Gaul para ocupar o cargo de seu irmão. Similarmente, fazia sentido indicar um novo Idealizador Chefe, mas parecia impossível encontrar pessoa apta ao cargo em tão pouco tempo, portanto, sua tia manteria ambos os cargos por tempo indeterminado.

— Sua tia precisará do seu apoio, — o velho Heavensbee sussurrou, enquanto Violla Gaul encarava uma caixinha na mesa de centro. Quando o Presidente saísse, ela beberia todos os morfináceos escondidos na caixa até esquecer seu nome e o que sua existência patética significava. — Precisará do apoio que somente você será capaz de dar.
— Não imagino como poderei apoiar alguém na situação que me encontro. — correu os dedos pelo cabelo, cruzando as mãos diante do rosto. — Nós travamos uma guerra interna nos últimos anos, Senhor Presidente. Meu pai e eu — ela se explicou. — Nunca discordei de seus ideais, mas dos métodos grosseiros. Agora ele está morto e esperam que eu seja de algum apoio ao seu cargo?
O homem idoso, que há muito já deveria ter resignado seu posto, respirou fundo.
— Panem requer que seja quem Dra. Gaul me disse que é, Srta. — Panem. Panem esperava mais dela. Na verdade, cobrava mais, não apenas esperava. manteve-se quieta. — Espero que demonstre que é a força da natureza que sua tia muitas vezes descreveu para mim. — Heavensbee manteve os olhos fixados na moça. — Que demonstre ser uma herdeira apta a carregar do nome de seu pai, e que é merecedora do poder que acompanha o seu sobrenome.
— Eu não sou meu pai, Senhor Presidente. — Seu respirar foi ríspido.
— Não seja ele — o Presidente ordenou. — Seja melhor.


Os únicos grandes nomes de Panem que não se encontravam no enterro de Hyperion eram, para a surpresa de inúmeros líderes e de toda a mídia da Capital, sua irmã e filha. Dias depois, o Departamento de Guerra anunciou a escolha de nova Arena para os Jogos Vorazes, assim também instituindo um Centro Institucional de Treinamento, onde os tributos seriam ensinados lutas e métodos de sobrevivência por Pacificadores e vitoriosos.
O horror dos servidores que antes temiam a crueldade de Hyperion havia sido transferido para sua herdeira que, pouquíssimos dias após a morte do pai, se tornou a mente macabra por trás dos Jogos Vorazes daquele ano. Enquanto Volumnia era vista por inúmeros cidadãos da Capital como a nova face dos Jogos Vorazes, foi a verdadeira idealizadora das mudanças que culminariam uma nova era para os jogos e Panem.
se dirigiu ao salão de reuniões, onde doze idealizadores aguardavam Volumnia Gaul e demais membros do comitê. Quando entrou no local, não se surpreendeu, pois todos, com idade de serem seus pais ou avôs, se levantaram para cumprimentá-la. Dentre eles, a única pessoa que não viu necessidade de cumprimentá-la foi Arachne Crane, que se sentava ao lado do seu pai e irmão, ambos idealizadores a quem ela dedicava-se dia e noite a servir café e posca.
— A Idealizadora Chefe pediu que eu os informasse que precisará de mais tempo para se unir a nós nesta tarde, senhores — anunciou, sua voz poderosa assumindo o comando dos demais participantes da reunião que, em sua maioria, eram vinte ou trinta anos mais velhos. — Peço que revisem suas propostas e identifiquem pontos onde devem as complementar.
Ela se dedicava a ler o relatório comportamental dos bestantes que preparava para a próxima edição dos Jogos, quando, através de sua visão periférica, percebeu que o Sr. Crane se levantou. suspirou alto o suficiente para que o homem pudesse perceber a sua irritação imediata, mas isso não pareceu afetá-lo. Gaul revirou os olhos antes de virar-se na cadeira para encarar Crane, evitando qualquer contato visual com sua filha.
— Srta. Gaul, creio que falo por todos os demais membros desta prestigiada equipe quando expresso minhas sinceras condolências pelo falecimento de nosso tão estimado amigo Hyperion. — O terno que vestia era excelente, de alta qualidade. No entanto, o valor da roupa podia ser facilmente negligenciado pela maneira como quem a vestia a exibia. Alexis Crane estava com 68 anos e um estômago enorme de tanto beber. o observou em uma tentativa excelente de mascarar o seu desdém. — E também que, em situação adversa, poderá contar com nosso apoio incondicional e demais meios de suporte que julgar necessário. — Os demais homens concordaram.
Ela o olhou com uma simpatia bem praticada desde a infância, mesmo ciente de que se revelavam, através de suas palavras indiscutivelmente predatórias, meros urubus que aguardavam o momento de se deliciarem com os restos de Hyperion. Dentre eles, sua filha.
— Agradeço por suas palavras sinceras, Sr. Crane. — sorriu como era esperado dela, no entanto, não era necessário ser mestre em linguagem não-verbal para reconhecer que seu sorriso não alcançou os olhos, estes que se tornavam mais firmes e gélidos conforme observa cada um dos idealizadores. Gaul somente se fartou quando Crane, engolindo em seco, enfim sentou.
Volumnia Gaul vestia um longo vestido branco quando entrou no salão, acompanhada de outros membros de sua equipe pessoal. Dentre eles, sentiu sua expressão relaxar dada a presença de Athena Zane, estagiária de sua tia e sua conhecida de algumas aulas na Universidade. No entanto, enquanto ocupava um lugar privilegiado próximo da ponta da mesa onde Dra. Gaul se sentava, Athena e demais estagiários, assessores e secretários deviam manter-se de pé e em silêncio como Avoxes.
— Que caras são essas, senhores? Este comitê parece tão morto como meu irmão. — Gaul gargalhou, ao perceber que os Idealizadores, comumente tão falantes, se mantinham quietos após a falha tentativa de receberem qualquer aprovação vinda de .
O comentário macabro e desrespeitoso conquistou a atenção dos homens, e podia jurar que Arachne Crane estava tão pálida quanto seu vestido. O desconforto dos tão poderosos idealizadores arrancou um pequeno sorriso dela.
— Oh, como é revigorante! — Gaul, mesmo com luvas azuis de látex, agarrou a mão da sobrinha com entusiasmo. Ela não evidenciou o que tanto a emocionava na situação, mas sorriu. Quando as portas se abriram novamente, o som afiado começou a irritar os ouvidos de que, optando por aproveitar a nova distração, voltou a ler o conteúdo de seu relatório. — E, enfim, mais um de meus talentosos pupilos se junta a nós!
Deslizando a ponta do dedo pelo lábio, a jovem ergueu os olhos para quem entrava no salão, se surpreendendo com o inesperado e ágil reconhecimento de quem seria o tão talentoso pupilo que sua tia havia se referido. E talvez ela não devesse se surpreender tanto.
Coriolanus Snow cumprimentava os demais idealizadores com um porte diferente do que mantinha ao conversarem horas mais cedo. Enquanto demonstrava-se sereno quando o assunto tratado era a morte de Sejanus e ele prestava suas condolências a ela, Snow sorria para os homens, os tratando como velhos amigos e, aqueles desconhecidos, como futuros parceiros. Para sua surpresa, sentiu um toque em seu lado direito quando a tia, sorrindo entretida, indicou o jovem Idealizador com o queixo, enquanto ele cumprimentava os Crane e, consequentemente, a velha colega da Academia com um abraço respeitoso, que fez Arachne Crane sorrir pela primeira vez.
não podia desconsiderar que Arachne estava certa em sentir-se tão especial.
Coriolanus vestia um terno de três peças cinza-escuro, semelhante ao tom de grafite. O casaco grande que vestia quando a visitou no laboratório havia sido deixado em algum lugar, muito possivelmente no novo escritório que havia sido preparado para ele, e, na ausência de tal camada exterior de roupa, Snow parecia menos acessível e receptivo. O calor que demonstrava tendo se dissipado ao assumir não o seu papel de amigo do falecido noivo de , mas de um membro do Comitê de Idealizadores e um dos prodígios de Volumnia Gaul, assim como ela.
Gaul conhecia as habilidades dele, motivo pelo qual não se viu surpresa por, apesar de todos os acontecimentos, ter feito Lucy Gray Baird uma vitoriosa improvável. No entanto, Snow não precisava de conhecimentos técnicos para encantar os demais idealizadores, apenas de jogo de cintura, o que demonstrava ter de sobra, além de muita habilidade para encantar aqueles que se permitiam ser encantados.
— Novamente, apresento o líder da Comissão Especial de Integração Distrital, o Sr. Coriolanus Snow. — A Dra. Gaul acenou para que Snow se sentasse no seu lado livre, frente a frente com . — E aproveito este momento — ela prosseguiu com seus anúncios, mas Coriolanus fixou os olhos em , que havia voltado a estudar seu relatório, preocupada com a rachadura que as emoções que expressou para o homem fossem causar em sua imagem. Não lembrava de ter se exposto tanto assim desde a morte de Sejanus. — E também, indicar que…
Mas Coriolanus não conseguiu desviar os olhos de .
Ele se lembrava de seus longos discursos e propostas nas aulas de Teoria do Estado de Panem, assim como recordava-se da maneira que raramente a via fora das salas sem um livro nas mãos. Não se surpreendia por seu cargo recém-ocupado, ou por aquele que muito comentavam que seria seu dentro dos meses subsequentes. Coriolanus lembrou-se, com mais afinco e detalhe, do dia em que os vinte e quatro mentores dos jogos de Lucy Gray se reuniram em um seminário a fim de discutir novas ideias para garantir um aumento na audiência dos Jogos Vorazes.
Enquanto não precisava fazer parte do seminário, não se recolheu quando os mentores entraram no grande-salão de aulas, mas abriu espaço ao seu lado para Sejanus Plinth e, também, para Coriolanus. Na mão em que Festus Creed propôs punir aqueles que não assistissem os Jogos, sem especificar qualquer meio de fiscalização e punindo moradores da Capital com uma passagem sem volta para os Distritos, e Coriolanus adotou uma tese referente a apostas e que ele planejava implementar nos Jogos daquele ano, se destacou entre os demais alunos, apesar de ser contra as opiniões do então namorado.
Sua ideia de patrocinadores não havia saído da cabeça dele desde então.
— Na última semana, pedi para elaborarem propostas para a audiência da Capital, já que os Distritos ficaram sob responsabilidade do Sr. Snow e sua comissão. — Gaul, enfim, iniciou a reunião, indo direto ao ponto em vista de ter pouco tempo a ser desperdiçado. — Sr. Ravensworth, apresente sua proposta.
Snow, apesar de atento a cada tese apresentada, suas falhas e poucos acertos, não se privou de olhar, algumas raras vezes, para Gaul, que havia abandonado seu relatório para dirigir sua atenção aos demais idealizadores. Coriolanus, algumas vezes em sua vida, ouviu sua avó falar que apenas um mentiroso reconhece o outro, e, em tal sentido, podia observar como, apesar de aparentar desinteresse nas propostas alheias, as analisava com um tato invejável. Nas oportunidades certas, impugnava os pontos mais fracos, e em escassas ocasiões sua expressão se tornava mais serena, indicando que talvez não fossem assim tão ruins.
A atmosfera ao seu redor tornou-se diferente quando mais pessoas entraram no jogo e não eram somente eles dois trocando algumas palavras sem real valor sobre Sejanus Plinth. Ela, quase um ano e meio após a morte de seu noivo e semanas após o repentino falecimento do pai, se demonstrava cada vez mais madura e mais segura de si mesma. sempre se portou com a confiança de uma verdadeira mulher da Capital, mas agora havia se tornado mulher pela idade e tornou-se ainda mais temida após a morte de Hyperion.
Quando chegou a vez dela, Coriolanus quis ouvir cada palavra.
No fim do dia, tomaria uma decisão sobre , mas precisava ter certeza dela.
— Diferentemente de parte dos senhores, que viveram por algum período que não me preocupo em determinar agora, nos Distritos. — De modo contrário aos seus competidores, Gaul não dependia de uma enorme montanha de papéis. — Passei minha adolescência e passo minha vida adulta na Capital, motivo este pelo qual acredito ter tido experiências de telespectadora dos Jogos que superam as suas.
Se Coriolanus um dia pensou pouco dela, não se recordava. Sua mera introdução à sua proposta foi suficiente para a sala ficar em um silêncio desconfortável, exceto a Dra. Gaul, que soltou um sorrisinho.
— Minha proposta é extensa, mas os asseguro que todos os pontos que irei tocar são intimamente ligados — com a mesma eloquência de todas as vezes que Coriolanus a ouviu falar, prosseguiu. — Durante a 10ª Edição, eu ainda era aprendiz da Academia, mesmo que ocupasse um lugar nesta sala como os senhores. — Seu sorriso foi gentil, incitando um humor inexistente. — Mas lembro-me de um seminário que foi lecionado por um de meus professores, cujo intuito era avaliar métodos para garantirmos um maior envolvimento da população da Capital nos Jogos Vorazes. — Snow manteve os olhos nela, sentindo um torcer em seu estômago quando o olhou de volta. Os olhos tristes de uma hora mais cedo não mais eram os mesmos. — Lembro-me bem que o Sr. Snow estava presente. — Quando ela desviou os olhos dele, Coriolanus teve certeza de que o sorriso educado foi dado para Arachne Crane, que se recuperava de seu ataque no Zoológico e não estava no seminário. — E eu propus a ideia de Patrocinadores. Patrocinadores semelhantes aos patronos das casas de ópera da Capital, que auxiliam os seus artistas favoritos com valores vitais para que continuem focados em sua arte.
— Neste caso, os tributos? — Felix Ravinstill intrometeu-se, mesmo que não fosse surpresa alguma.
— Muito bem observado, Sr. Ravinstill. Obrigada por seu esclarecimento. — Gaul ergueu as sobrancelhas, sorrindo para ele apesar do óbvio sarcasmo. — Mas os tributos, a diferir, não são artistas, mas caçadores em uma performance que será ofertada aos Distritos e à Capital. E como qualquer performista, não há de ser ignorado o ponto chave de qualquer forma de arte: a beleza. — Snow cruzou as mãos, evitando que sua mente divagasse para Lucy Gray no palco do Prego. — A perfeição, para ser mais exata. — deu continuidade. — Perfeição esta que está longe de alcançar os Distritos e por isso se torna cada vez mais difícil que a Capital se sinta atraída aos Jogos. — Ela molhou os lábios, apoiando os cotovelos na mesa, buscando tornar-se mais amigável com os homens que desprezava. — Não há casa de moda alguma na Capital que oferte trapos como os que os tributos dos últimos jogos usavam, senhores!
Uma mulher falando de beleza e moda dificilmente seria contradita por homem algum. Ciente disso, ela não se surpreendeu quando a maioria riu, enquanto alguns sorriam desconfortáveis.
— Sabemos que há uma indiscutível superioridade entre nós e os de distrito. Mas, para os espectadores dos Jogos, a plateia que precisa ser conquistada. Os ver em roupas sujas, fedidas e de distrito, torna a situação ainda mais triste. — Ela apoiou a mão na mesa, suspirando. Ao mesmo tempo que planejava meios de tornar os Jogos Vorazes mais cruéis, ainda alcançava seu objetivo ao fingir sentir pena dos distritos. — Os Jogos Vorazes são, sem dúvidas, uma punição aos Distritos, mas há de continuar para lembrá-los do grave resultado de sua rebeldia. É em razão deste motivo que não só se selecionam 24 crianças e os Pacificadores atiram em suas cabeças.
— Seria muito fácil, não? — Ego Dovecote respirou, esfregando a barba branca.
concordou. Ela iria encontrá-lo após a reunião e questionar sobre Clemensia.
— Seria, Sr. Dovecote. — Assentiu novamente. — Todavia, é devida uma compensação pelos dias escuros que passamos durante a Guerra. — Gaul notou o tensionar da mandíbula de Coriolanus.
Ele foi vítima da fome e da destruição causada por rebeldes. Possivelmente, quem mais sofreu entre todos ali.
— E, portanto, para garantir-lhe um papel ativo nos Jogos, é necessário demonstrar que os tributos perdidos serão honrados em seu período na Capital. E honrados na forma da Capital, é claro; da forma que aqueles menos afortunados que nós sonham. Beleza, comida e atenção. olhou nos olhos de Arachne Crane no último momento, o que não passou despercebido por nenhum dos presentes. — Os mentores dos últimos Jogos visitaram os tributos no Zoológico, se recordam? — Ela olhou para Snow, então. As memórias sobre a última edição pareciam o incomodar e se conteve de imediato. — O cheiro pútrido daquele local, com tributos rodeados de seus próprios dejetos devia ser terrível. — O Zoológico era outro ponto a ser destacado. — Fora que, ao serem tratados como animais, eles se tornam ainda mais ferozes.
— Domaremos as feras, Srta. Gaul? — Islo Creed reconheceu.
— Domaremos as feras. — O sorriso dela, Coriolanus reconheceu, foi essencial para que a tensão na mesa diminuísse. — Os lavaremos, vestiremos, alimentaremos e trataremos suas moléstias até torná-los dignos da Capital.
A Dra. Gaul observava com atenção sua sobrinha quando ela foi interrompida.
— E quanto vale a beleza dos tributos, Srta. Gaul? — Arachne Crane indagou ríspida, erguendo o queixo afinado. A cicatriz em sua garganta era uma mera impossível de ignorar. — Quando seus rostos estiverem irreconhecíveis na primeira noite, quanto acha que os seus... Patrocinadores… — Crane riu, aguardando que a acompanhassem, mas nem mesmo seus familiares o fizeram. O Sr. Crane parecia ainda mais humilhado que antes, mas sua filha não reconheceu que os falsos agradecimentos de anteriormente foram sinais para que se calassem durante o resto do dia. — Quanto acha que irão oferecer a eles?
Coriolanus sentiu seus lábios se moverem quando a Dra. Gaul sorriu largo, olhando o velho e pálido Sr. Crane.
— Também é sabido que a beleza leva seu portador a lugares inesperados, Srta. Crane — comentou, se recostando em sua cadeira. — Não há de ser subestimada, mas também não é permanente. — Ela fez questão de olhar a jovem Crane de cima a baixo, deixando os olhos fixos então, na cicatriz deixada pelo golpe que quase a matou. — Então, por este motivo, outras particularidades devem ser aperfeiçoadas antes que os tributos alcancem a Arena, e foi neste sentido que a Dra. Gaul instaurou resolução que instrui a criação de um Centro de Treinamento. Posterior ao treinamento, eles serão avaliados e suas notas feitas públicas para toda Panem. Desta maneira, mesmo quando severamente deformados, terão algo a ser oferecido. — virou-se então para Vivien e solicitou que ele se aproximasse. — Mande uma cópia da última resolução normativa para o escritório da Srta. Crane, por favor.
Coriolanus arfou, precisando levar sua taça de água aos lábios para disfarçar o riso que a Dra. Gaul não se deu ao trabalho de impedir escapar.
— Acredito, senhores — Volumniase pôs de pé, sorrindo insana como sempre — que após esta refrescante e inovadora perspectiva apresentada pela Srta. Gaul, não restam dúvidas quanto a quem há de assumir minha recém-instaurada Comissão Especial de Integração do Capitólio.
sorriu com carisma, ainda que o som das falsas parabenizações a irritasse.
— Congratulações, por seu comprometimento com nossa grande nação. — Dra. Gaul tocou no ombro da sobrinha, antes de dispensar os demais idealizadores.
Felix fez questão de parabenizá-la pessoalmente, junto a inúmeros elogios que considerou estúpidos demais para serem ditos em voz alta. Quando ele partiu, e mais ninguém se atreveu a congratulá-la após o vexame das repugnantes ofertas de favores após a morte de seu pai, ela recolheu seu relatório e preparava-se para deixar a sala, quando percebeu que, para sua surpresa, Coriolanus Snow permanecia sentado e analisando uma cópia da proposta de Andrew Hyves.
— Não é tão mal assim — ele comentou, afinal, havia realmente algumas ideias úteis. O loiro ergueu os olhos para , que também o olhava. Naquele momento, permitiu que a sua máscara caísse, afinal, não mais o via como um concorrente, mas alguém naquele meio que, além de sua tia, não a incomodava e merecia ocupar tal posição de prestígio. — Sortear jantares com o vitorioso. — Coriolanus refrescou a memória dela para a proposta que ela achou ridícula. franziu as sobrancelhas, seu silêncio e expressão revelando que discordava. — Fará mais sentido no momento que instituir suas melhorias.
— Pensei que havia cometido o erro de acreditar que Hyves podia ser útil — se deixou comentar, cruzando as pernas. Quando ele sorriu complacente, ela balançou a cabeça. Ao mesmo passo que Coriolanus se lembrava das habilidades de , Gaul se recordava bem das que ele demonstrou em seus anos na Academia. Apesar da difícil situação da família, Coriolanus se manteve sempre acima da água, sem jamais permitir transparecer que algo estava errado. — Fico feliz que ocupe uma destas cadeiras, Coriolanus. — Suas palavras, sem qualquer sinal de mentira ou adulação, o tomaram de assalto, porém, Snow não permitiu que isso transparecesse, como ela não imaginou que ele faria. — Enquanto Felix e Arachne ocupam espaço necessário, eu soube dos seus feitos recentes e posso dizer que não me surpreendi com eles.
— Comandou esta sala com habilidade até mesmo quando não estava com a palavra, . — Coriolanus preferiu não tratar quanto ao seu mérito. Talvez pudesse parecer mais incerto ao fingir que seu posto não o orgulhava tanto, ao ponto que sabia ser tão merecedor quanto ela. — Acredito que Hyperion ficaria orgulhoso de vê-la nesta cadeira, também.
— Não. Ele detestaria. — Ela não sabia o motivo de estar falando isso a ele, mas era o que todos que conheciam minimamente Hyperion Gaul podiam deduzir. — Pediu ao Presidente que não desse o cargo de Idealizador Chefe para minha tia por acreditar que ela já havia atingido o ponto mais alto de sua existência ao ter frequentado a Universidade.
Coriolanus apertou a boca, já tendo ouvido tal rumor pela boca de Clemensia.
— E agora é líder de uma das comissões especiais para o novo Jogos Vorazes.
estreitou os olhos antes de deixar um sorriso entretido escapar, balançando a cabeça, pois havia reconhecido o jogo que o rapaz estava tentando vencer. Coriolanus a olhou por baixo dos cílios quase transparentes, ciente que havia sido pego e, para seu alívio, parecia divertida o suficiente para decidir atacá-lo da mesma forma que fizera com Arachne e Felix.
Volumnia Gaul havia instituído, junto à comissão recém liderada por , que os líderes que melhor satisfizessem os objetivos de suas respectivas jurisdições seriam cotados ao cargo de Idealizador Chefe. Logo, com a retro coroação de como responsável pela Capital, e ele pelos distritos, a competição havia sido iniciada.
— Competir com um Idealizador dos Jogos é perigoso, Sr. Snow — ela alertou.
A astúcia de Gaul o fez sorrir de verdade pela primeira vez em meses.
— Há jogos muito piores para se jogar, Srta. Gaul.
Sua decisão estava firmada em pedra.




O motorista particular deixou na porta de seu apartamento.
Grandes políticos da Capital também viviam no mesmo prédio, mas como a mãe dela era a dona de quase todo o quarteirão, cuja proximidade ao litoral da Capital cujo ponto alto era uma vista invejável das montanhas rochosas do outro lado da península. residia na enorme cobertura há poucos meses, pouquíssimo tempo após a morte de Hyperion e Violla Gaul-Crane haver deixado a Capital, sob a mentira de que havia se recolhido para um centro de reabilitação no paradisíaco Distrito 4.
Na verdade, a mãe de Gaul havia encontrado o mesmo destino do marido, mas, em circunstâncias diferentes. Hyperion morreu pelo o que seus médicos consideraram uma reação esperada de seu organismo após cinco décadas fumando quatro charutos diários. A sua causa da morte, ao contrário da opinião médica que identificou um infarto, foi um envenenamento causado pela filha, que somente aguardava os últimos detalhes legais para poder usufruir da herança bilionária deixada a ela.
Em seu laboratório, extraiu o veneno de plantas de acônito que haviam sido as mesmas utilizadas ao preparar o pólen artificial e letal para as plantas na arena da edição seguinte dos Jogos Vorazes. Em seguida, utilizou uma seringa e água destilada, introduzindo o conteúdo no charuto do pai, ciente de que os sintomas do envenenamento levariam à sua morte em pouquíssimo tempo. Menos de vinte minutos depois, uma das empregadas estava aos prantos, clamando que a governanta da Residência dos Gaul chamasse o médico, pois o patriarca tinha parado de respirar.
Hyperion havia vendido a filha, com apenas catorze anos, para Ajax Cannondale, filho de Thanatos Cannondale, secretário do Presidente Ravinstill e que foi responsável pela nomeação de Gaul ao seu tão almejado cargo no Departamento de Guerra. Hyperion permitia que Ajax os visitasse nas horas mais incomuns possíveis. Hyperion ordenava que fosse convocada todas as vezes para se juntar a eles e sentar-se no sofá apertado do escritório ao lado de Ajax e Thanatos. Hyperion não permitia que a filha vestisse roupas capazes de cobrir seu corpo, apesar de homens estranhos sempre vagarem por sua casa. Hyperion ignorava e somente ria quando os Cannondale tocavam nas pernas de sua filha, brincavam com o cabelo dela e beijavam seu rosto, até mesmo usando a língua para secar as lágrimas apavoradas da jovem quando fingiam que iam tocar em seus seios ou intimidade.
Hyperion havia merecido sua morte, e disso não tinha dúvidas.
Violla, tão absorta em sua própria dependência química e os próprios demônios, não demonstrava qualquer intuito em proteger a única filha da prostituição e constantes abusos que a menor sofria. Ao contrário, parecia entender as motivações do marido para tal. Violla a instruía a se sentar no colo de Ajax quando ele a visitasse, principalmente quando ele lhe presenteava com doses altas de mortináceo. Violla comprava roupas provocativas para a filha, no intuito de saciar a luxúria dos Cannondale, que haviam feito tanto por sua família e que “mereciam um bom tratamento em seu lar”. E Violla também fingia não perceber que o próprio marido também cobiçava a filha.
Envenenada com toxina que também havia isolado de um peixe que estaria na Arena e provavelmente mataria muitos outros, a mulher ficou paralisada após uma dose leve. E se viu uma vítima silenciosa como a filha também havia sido, sem nem mesmo conseguir chorar ou pedir por ajuda enquanto preparava uma seringa, agora com uma enorme dose do morfináceo que havia sido presenteado a ela por Ajax. O dano no cérebro causado pela overdose a deixou absorta da realidade até certo ponto.
Ela estava consciente, mas presa no próprio corpo. Igual sua filha esteve por anos.
No entanto, sua vingança ainda não havia tido fim.
não havia se livrado da ameaça dos Gaul apenas para ser abandonada nos braços de Ajax devido às dívidas de seu pai com Thanatos. Seria um desperdício e arriscado. Então cada detalhe de seu plano foi devidamente pensado, cada segundo cronometrado e cada passo foi dado na direção correta.
Portanto, quando o pai morreu, ela soluçou para o líder do Alto Comando dos Pacificadores que imaginava quem poderia ter sido responsável pela morte de Hyperion. contou para Hunter Gastown que o charuto que o pai tinha fumado pouco antes de morrer havia sido presente de um amigo da família, Ajax Cannondale. E mediante uma inspeção na residência dos Cannondale, fora encontrado um casaco no closet de Ajax que possuía resquícios do veneno contido no charuto que Hyperion fumava e guardou consigo como "memória do pai", o pó havendo sido plantado dias antes por uma estagiária do Departamento da Economia que era amiga de Athena. Era surpreendente o que as pessoas faziam por uma carta de recomendação no nome da Dra. Volumnia Gaul.
Thanatos, por sua vez, não permitiu que qualquer notícia sobre o crime supostamente cometido pelo filho se tornasse pública. Então, mediante muito suborno e o apoio do Presidente Ravinstill, Ajax foi condenado a servir Panem como um pacificador no Distrito 8 por no mínimo 15 anos, segundo o acordo firmado com o Presidente e, claro, e Violla.
Somente três meses após o escândalo que esvaziou seu cofre e expôs sua família à elite da Capital, Thanatos Cannondale ateou fogo em sua casa no meio da noite e, antes de ser consumido pelas chamas, ele se deitou na cama com a esposa, que havia sufocado horas antes. Na ausência de alguém para encobrir os podres dos Cannondale, ou, ao menos aqueles que haviam se tornado públicos, Maritzia Cannondale tornou-se um mártir da Capital, e as línguas más diziam que o jovem Ajax havia tentado se matar também. Infelizmente, foi punido pela sua tentativa. Por razão de seu posto como pacificador, Ajax era propriedade de Panem e não lhe cabia dispor quanto a sua vida.
foi vítima de diversos monstros por anos e merecia a paz de saber que houve justiça, mesmo que tenha sido ela a conquistar, e que aqueles que sobreviveram seus atos, viviam como miseráveis e nas mesmas condições que ela viveu graças a eles.
— Magna! — chamou sorridente, ao adentrar o apartamento. — Estou em casa!
Ela deixou a bolsa de luxo na mesa ao lado da porta e se apoiou na estante próxima, onde alguns porta-retratos continham fotos suas com a sua fiel escudeira e anjo da guarda. A foto mais recente havia sido tirada poucos meses antes da morte dos Gaul, no dia em que haviam se mudado para o atual apartamento, celebrando sua libertação da garra dos pais ao completar vinte anos. Na mais antiga, Magna a carregava no colo, vestindo seu uniforme azul escuro e protegendo do sol com um guarda-chuva.
Porém, conforme o tempo se demonstrou mais gentil com as duas, Magna não vestia mais uniformes ou sequer era permitida na cozinha, lavanderia ou em qualquer área da casa onde uma dama não deveria estar. Magna vestia roupas tão caras quanto as de , comia comidas tão saborosas quanto e frequentava os mesmos lugares que ela. também havia a salvo de seus pais quando a arrastou consigo para fora da mansão e lhe ofereceu uma vida de verdade.
Magna havia a protegido na sua infância e a protegeria pelo resto de sua vida.
— Soube das notícias! — a ouviu avisar de algum canto da casa, e enquanto ela removia os sapatos apertados, Magna surgiu por trás da parede que levava para a cozinha, mais algumas funcionárias a seguindo enquanto carregava uma pequena torta de maçã com pitangas de creme por cima. — E não podíamos deixar passar em branco, Srta. Idealizadora!
se recusava a ser como os pais, ao ponto que todos os seus funcionários, às cinco da tarde, já deveriam ter partido para suas respectivas casas. No entanto, a cozinheira e duas auxiliares de limpeza seguiam Magna na direção dela.
— O que ainda estão fazendo aqui? — ela perguntou preocupada. Lhe esperaram por quase quatro horas a mais do que deviam. — Deveriam estar em casa com suas famílias, senhoras!
— Todos que puderam, decidiram ficar para parabenizar você, meu docinho — Magna explicou, ao colocar a torta na grande mesa de jantar no centro da sala. — Não é toda vez que alguém recebe um posto como o seu.
Aproximando-se deles, seguiu direto para Magna, quem abraçou com toda sua força, beijando a cabeça da mulher mais baixa e mais velha. Com a idade, Magna havia ficado um tanto mais baixa, mas os seus abraços ficaram mais quentes e carinhosos. Não havia ninguém que amasse tanto como Magna, ou buscasse tanto orgulhar.
— Obrigada, Maggie — ela sussurrou para a ex-babá, beijando também seu rosto.
Gaul deu abraços e agradeceu a gentileza dos seus demais funcionários. Winnie, Kit e Marlee eram funcionários antigos dos Gaul. Kit e Winnie eram da época em que a família vivia no Distrito 3, então nutriam sentimentos bons pela filha dos antigos chefes e que, diferente deles, os tratava com nada além de respeito.
— Obrigada a todos por terem esperado. Teria vindo mais cedo se soubesse que vocês me aguardavam com uma torta. — riu animada e todos a acompanharam. — E, também, eu sei que passamos por momentos turbulentos nos últimos meses — ela prosseguiu, abraçando sua antiga babá de lado. — Mas espero que saibam que sou grata por, apesar de tudo o que houve, nós termos tido esta oportunidade. — As mulheres assentiram, cientes que a parte turbulenta já tinha sido sanada. Os Gaul, a parcela ruim da família, não mais podiam abusar de seus poderes sobre elas. — Sei o que passaram enquanto trabalhavam para os meus pais. Lembro dos gritos que eles davam para vocês, da maldade de suas palavras e dos demais abusos. Mas posso vos garantir que este local será um porto seguro.
— A senhorita se tornou uma mulher muito boa — Winnie elogiou, parecendo segurar suas lágrimas. Ela sempre preparava a comida favorita de após a visita dos Cannondale e se preocupava em colocar gelo no freezer, ciente que após as costumeiras agressões sofridas pelo pai ou mãe, sentiria dor e precisaria do alívio. — Nós ficamos muito felizes com a notícia, Srta. Gaul.
— Bom, todos sabemos o quão disfuncional e sinceramente terrível minha vida foi até poucos meses atrás. — não mediu palavras. Qualquer um que acreditasse que Hyperion e a louca da Violla não mereciam o que aconteceu com eles, não deveria dividir o mesmo ar que ela. — E, se me tornei uma pessoa boa como você disse, foi por ter, por trás das cortinas, influências valiosas. — Ela sorriu ao apoiar a bochecha no cabelo de Magna. — Então renovo minha gratidão a todas vocês. Fizeram uma diferença genuína em minha vida, senhoras.
Foi um fungar úmido de Marlee que interrompeu o momento especial e fez rir, seguindo para mais um abraço e anunciando que era hora de provarem a famosa torta de maçã de Magna. Após certa insistência, Kit, ainda resistente às mudanças, aceitou sentar-se na mesa para comer com sua chefe, que ainda a fez levar mais um pedaço de torta para o motorista, seu marido. Antes das oito da noite, todos haviam recolhido seus pertences e ido para seus lares, o carro que estava com o motorista as levando para casa em agradecimento por a esperarem.
Após um longo banho, se retirou para seu escritório no intuito de avaliar todas as medíocres propostas apresentadas pelos demais idealizadores para engajar o público da Capital nos Jogos Vorazes que aconteceriam em 9 meses.
— Já estou indo dormir, querida — Magna avisou, ao entrar no escritório, seu gorro de dormir combinando com o pijama e o robe de seda da mesma cor. a olhou com um sorriso apesar do cansaço estampado no rosto. Quando em casa, podia ser amável e demonstrar cansaço até certo ponto, em vista dos funcionários. Mas quando em casa e só na presença de Magna, podia ser verdadeira e aceitar seu cansaço e fraqueza. — Como estão os preparativos?
— Lentos, Mag… — Ela suspirou e correu os dedos pelo cabelo. — Aqueles homens só apresentam ideias boas quando se trata dos Jogos em si, da Arena e formas de matar os tributos. — Magna sentou-se na beira do sofá, sorrindo compreensiva. — Quando se trata dos aspectos mais políticos, não sabem como agir e surgem com propostas absurdas.
— Enquanto isso, você foi criada e conviveu ao lado de políticos por quase toda a vida — a mulher explicou com facilidade o que poderia justificar a frustração dela. mordeu o lábio, como uma criança levando bronca.
Uma criança que havia assassinado o pai e causou lesões irreversíveis na mãe.
— Não pode os julgar por não terem o mesmo senso que tem.
— Eu cresci entre políticos e monstros, Maggie. Esta é a verdade — ela murmurou.
— Mas isso não altera o fato de que entende melhor deste aspecto dos Jogos, e até mesmo da vida, do que eles. — respirou fundo, deixando as palavras de Magna fazerem sua mágica. — Que o que te faz diferente deles tem todo o poder de fazer ser melhor! — ela insistiu. — Qualquer um pode aprender sobre plantas, saúde e história. Até mesmo eu aprendi. — A jovem fez questão de balançar a cabeça para repreender Magna. Não gostava que se diminuísse. — Mas não é fácil entender de pessoas, . E você nasceu no meio dos políticos de segredos mais sujos e os esquemas mais absurdos de Panem. — conteve um riso amargurado. — Não perca seu tempo precioso seguindo por um caminho que não vai lhe levar tão longe como deveria.
— Esta é a sua forma de dizer que me vê como futura Presidente de Panem, Magna? — provocou, estreitando os olhos e se empinando na cadeira. A idosa fez uma careta. — Ou que devo me enveredar pela política?
— Só estou dizendo que precisa saber no que é boa e investir nisso.
levantou o rosto e virou a bochecha na direção de Magna para receber um beijo quando a senhora se aproximou dela, apertando seus ombros.
— Vou manter seu conselho em mente, ok? — ela sussurrou serena. — Boa noite, Mag.
Quando descansava a cabeça em seu travesseiro a noite, não sentia medo do que o futuro lhe reservava. Ela havia feito questão de garantir que todos aqueles que haviam feito mal a ela estivessem contidos.
Não imaginava nada mais tranquilizante do que uma vingança bem executada.


Continua...


Nota da autora: Capítulo saindo do fornoooo!
Demorei muito mais do que devia nesse capítulo e sinto muito por isso, porém espero que a espera tenha valido a pena. Quero agradecer pelos comentários lindos, meninas. Muito obrigada mesmo <3
Não esqueçam de aparecer no meu Insta (@autoraelis) para a gente conversar <3

🪐


Nota da Beth Saturno: Mulher, essa pp é simplesmente maravilhosa! O jeito que ela se vingou da família, nossaaaa. Tô boquiaberta e amando como já dá pra ver que ela e o Snow se completam kkkkk. Ansiosa por mais!

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