Tamanho da fonte: |

Codificada por: Saturno 🪐

Última Atualização: 08/04/2025.

“From the dark, I feel your lips
And I taste your bloody kiss”

Bloody Kisses (A Death in the Family) — Type O Negative



Era mais uma noite no ano de 1995, em Brooklyn, Nova Iorque. A partir do momento que passasse pela porta de sua casa, seria um novo homem. Hoje, estava à procura de problema.
Boa parte dos Estados Unidos começava a conhecer seu rosto — o que era bom, porque ele vinha trabalhando arduamente em busca de reconhecimento. Era difícil ter uma banda de sucesso em meio à existência de tantas e elas aumentaram como formigas em um formigueiro nesses últimos tempos, mas conseguiu carregar a sua até o caminho certo no começo dos anos 90. Ele começou com a ajuda de seus amigos, Josh, Kenny e Johnny. Tinha sido bem-sucedido na tarefa de convencê-los em algo banal como a ideia de ter uma banda enumerando as recompensas que os traria. No fim, foi e não foi uma surpresa ter dado certo. conseguiu o tão almejado contrato com uma gravadora.
A música deles passou a ser inovadora conforme o tempo se passou e, no terceiro álbum, se consolidaram em um estilo quase único. Ele decidiu abraçar o metal gótico, pois a banda passou a ser o seu trabalho e vida. Quem o conheceu antes de 1989, não o reconheceria mais. Não com suas roupas totalmente diferentes do que costumava usar na década anterior. Porém, não era novidade, ele já havia passado por tantas modas e tantas décadas...
, no fundo, até que gostava de ser uma nova pessoa, sempre poder se reinventar. Para quem veio sendo várias pessoas ao longo da sua miserável existência, já considerava a tarefa fácil.
Ele caminhava calmamente até a discoteca, deixando com que certas pessoas da comunidade alternativa de Nova Iorque o observassem com os cenhos franzidos de “conheço-aquele-cara”. Estava se tornando conhecido, não famoso a ponto de ser abordado na rua para autógrafos e coisas do tipo. A sensação de ter os olhos sobre ele assim era formidável. Nunca quis ter a fama do Drácula, não era bom se tornar tão famoso. Então se contentava com sua pouca fama.
A noite estava agradável e a fila estava grande, mas o segundo ponto não era um problema, Kenny acenou de dentro do estabelecimento para e o segurança o deixou passar. A banda de foi vista para alguns como uma chance de o estilo gótico sair dos buracos espalhados pelo mundo e finalmente disseminar a palavra para estranhos. Eles eram perfeitos para o papel e aquilo fazia dos quatro símbolos a serem respeitados, portanto, nada de filas e nada de bebida barata. Ainda bem, bebida barata poderia não dar ressaca no seu corpo morto há tempos, mas a sensação ainda era uma merda de beber o que parecia ter saído de uma bomba de gasolina.
cumprimentou na ordem: Kenny, Josh e, em seguida, Johnny. O último colocou uma garrafa de vinho importado na sua mão. Ah, o vinho... A única bebida que agradava o paladar de , depois do famigerado sangue. Ele era um grande admirador. Os quatro encostaram na parede mais próxima e começaram a discutir trivialidades enquanto observavam o movimento. Algumas garotas bebiam no bar alheias, outras dançavam olhando diretamente para eles. Ele correu os olhos pela pista de dança sem se ater a nenhuma delas.
O que não gostava de se tornar conhecido era o quanto isso não ajudava com seu eu romântico. Um imortal que possuía um lado romântico... É, infelizmente era verdade. Ele só entregou seu coração para garotas erradas quando era humano e que o fizeram sofrer ao longo dos anos. Em uma dessas vezes, ele chegou a tentar tirar sua própria vida pela dor que a decepção o infligiu até sua criadora o encontrar e transformá-lo no último segundo. não havia atingido a morte, mas a imortalidade. Com o seu coração, que já não batia, muito mais blindado do que quando respirava, não tinha sequer uma vida amorosa agora.
Ele não podia dizer que não estava totalmente adaptado à vida de ter uma mulher diferente a cada vez que saía; no começo até insistia para tentarem evoluir para algo a mais, mas agora já estava velho o bastante no ramo para se contentar que elas simplesmente não queriam. Os vampiros têm essa dificuldade em estabelecer um relacionamento com alguém que não seja seu criador, quanto mais novo mais forte era o chamativo para perto do criador e era bem raro encontrar uma vampira mais velha que também estivesse interessada em romance. Na verdade, romance em sua mais pura essência era algo até que banalizado pelos vampiros e quase raro encontrar um que tivesse interesse em abdicar da vida de devassidão. Com o passar do tempo, ele aprendeu que estava tudo bem amar uma um certo período. Quando o amor verdadeiro batesse em sua porta, ele acreditava fielmente que saberia.
Josh era a exceção das exceções. Ele estava com o casamento marcado com uma mortal daqui a algumas semanas, portanto, bebia sua cerveja sem observar nada em particular. Quando passasse das duas, retornaria para casa e sua noiva estaria dormindo em sua cama com muito calor para compartilhar. sempre pensava o quanto ele era sortudo por isso. Ele havia encontrado alguém e, por mais que ela não fosse uma vampira, April sabia da sua natureza.
Kenny e Johnny eram cães sem dono desde que os conhecia (e se conheciam desde 1918). Quando juntava os dois era maldade na certa. Não demorou muito para que os dois escolhessem os alvos da noite que os miravam de volta com olhos famintos.
, qual vai ser essa noite? — Kenny perguntou. — Vai embora sozinho de novo beber o estoque de bolsa de sangue da sua geladeira? — zombou.
Ele arqueou a sobrancelha direita, pensando naquela pergunta. Queria voltar sozinho? queria problema, queria experimentar uma mortal, mas uma mortal que o tirasse da zona de conforto. Precisava de distração ou ficaria louco. Por isso, necessitava ser minucioso em quem escolher para abordar. Nada das garotas comuns em suas fantasias de gótica para poder se inserir no clube. Estava cansado delas.
Seus olhos, depois de muito observar, finalmente se prenderam na que seria a perfeita.
A garota dançava de uma forma bem esquisita, parecia se divertir sem dar a mínima. Ela usava um vestido justo preto de mangas longas, luvas listradas e uma bota cujo cano se estendia em suas coxas para além da barra do vestido. Seu cabelo era cobre e longo. De longe, viu que a maquiagem no seu olho parecia borrada de propósito.
Ela não é uma vampira, mas emana perigo como se fosse, constatou.
— Não, hoje eu vou sair daqui com ela. — apontou com a cabeça para a garota em questão. Os três amigos arquearam uma sobrancelha ao mesmo tempo, uma digna cena de filme.
E tudo o que Johnny conseguiu dizer foi:
— Por que ela?
Essa resposta, sem ao menos se dar conta, tinha na ponta da língua.
— Motivo um: ela é mortal. Motivo dois: nós estamos em julho, ela se veste como se fosse Halloween. E motivo três: ela não dá a mínima para que quatro pares de olhos estejam a julgando — enumerou.
Os quatro encararam a menina por alguns segundos. Ela sequer desviou o olhar, presa demais em sua dança única. Se cercava com seus braços, passeando a mão pelo seu corpo, para embolar as mãos no ar como em um feitiço e numa sincronia que parecia fazer sentido em sua cabeça.
— Não me leve a mal. Não é que ela não seja bonita, porque ela é, mas essa garota parece um tanto quanto esquisita — Kenny disse com o cenho franzido. entendia o estranhamento dos seus amigos, mas ele a queria exatamente pelo motivo que Kenny comentara. Ela era estranha? Sim, e ele estava encantado por esse motivo.
— Ela é nova aqui, nunca a vi antes. Os pensamentos são bastante... peculiares — Josh se manifestou. De todos, ele parecia o que mais era aberto à escolha do amigo e menos disposto a julgar, talvez por causa da sua habilidade de ler mentes humanas. — Bem, se você quer, vá buscá-la.
a observou por mais alguns instantes, pensando na hora perfeita para a abordagem. Kenny e Johnny sumiram com vampiras a tiracolo. Josh bebia silenciosamente também observando a tal “garota esquisita”, seus pensamentos impossíveis de decifrar só de olhar. Ele era o único do grupo que preferia as mortais e estava tentando experimentar seu estilo de vida. A fonte de calor delas era boa, mas as que haviam saído com ele não foram para frente. As mortais eram as melhores no quesito diversão. Sempre se jogando em cima deles, sem perceber que o intuito da aparência de um vampiro era exatamente atrair suas presas. Totalmente inocentes.
A música mais famosa deles começou a tocar. aproveitou a deixa para andar em direção ao alvo.
Ele já estava quase acostumado a todo o ritual de conquistar uma garota humana. Primeiro: o nome; segundo: se ele podia pegar algo para ela beber; terceiro: ela o reconhecia; e quarto: eles saíam dali. Nada muito complexo, ele executava com perfeição toda vez que pisava naquele lugar.
Ao se aproximar, parou no lugar à espera de que ela diminuísse a frequência da dança e o notasse. O que se sucedeu foi o contrário. A garota parecia presa numa bolha onde só se encontrava ela mesma. pigarreou uma, duas, três vezes. Parando de dançar, os olhos dela miraram a figura que a observava impacientemente e franziu o cenho para o desconhecido.
— Você é uma dançarina única — ele comentou, galante.
Ela o estudou dos pés à cabeça. Quem era esse? E por que ele se achava no direito de interrompê-la?
— Não estou interessada — ela declarou e se virou para tentar voltar a dançar.
Ele piscou algumas vezes, mirando a parede, sem ação depois do fora. Enquanto isso, sentiu o cheiro da garota tomar seu olfato e era pura canela — como se ela tivesse esfregado um pedaço de canela sem parar em seu corpo e cabelo. Esse cheiro trazia a lembrança da época que sua mãe fervia água com canela em pau na lenha para perfumar a casa. Ele não queria deixá-la escapar, queria sentir de mais perto o seu cheiro. Por isso, enquanto ela se balançava em seu ritmo, pensou em como poderia insistir.
Ela parecia estar apreciando a música, sem ligar para parado ali a encarando descaradamente. Isso o deu uma ideia. Ele abaixou um pouco para murmurar perto do ouvido dela:
— Sabia que essa música é minha?
Virou a cabeça para fitá-lo, sem parar de dançar, parecendo despertar de um transe.
— Sua como? — ela perguntou baixo. Se ele não estivesse tão perto, não teria escutado.
— Eu a escrevi, cantei e toquei o baixo — sorriu com presunção, o que não passou despercebido por ela. — Você gosta, não é?
— Gosto, é minha música favorita atualmente. — Ela finalmente parou de dançar para virar e encará-lo. — Você está mentindo para chamar minha atenção?
Ela parecia severa ao dizer isso, como uma mãe indagando o seu filho. Se estivesse mentindo, temeria um pouco como se ela pudesse aplicar uma punição, mas como estava falando a verdade, apenas se limitou a sorrir de lado.
— De forma alguma. Se quiser, posso te mostrar a folha que compus. Guardo todas as minhas composições em casa — ele comentou.
A garota notou sua intenção de atraí-la para sua casa. Ela preferiu não comentar nada, porém, soube que ele era mais um desses tubarões que escolhiam e depois ficavam esperando o melhor momento para dar um bote em um peixinho. Só que ela não era um mero peixinho, era ela quem ditava o jogo. Talvez ela não tenha comentado nada por estar mesmo curiosa para desvendar mais sobre sua música favorita, apesar de desconhecer totalmente a banda por trás. Se ele quisesse mentir, ela cairia, mas viu que seus olhos brilhavam com a verdade e seu talento de identificar isso raramente falhava.
, mas sou conhecida por aí como — apresentou-se.
Ele ajeitou a postura, ficando uns bons centímetros mais alto que ela, por mais que a garota tivesse uma estatura acima da média. Esticou sua mão na direção dela.
, mas sou conhecido por aí como . — Ela pegou sua mão e eles apertaram uma a do outro. — , huh?
— Isso. — Ela soltou sua mão. Percebeu que ele era um tanto quanto alto, a ponto de deixar todo mundo do ambiente pequeno. A altura contribuía para que sua presença fosse bem imponente e, se fosse outro tipo de garota, teria sucumbido, mas resistiu como se nem fizesse cócegas.
— E de onde vem esse apelido? — resolveu perguntar.
— Meus amigos me deram. — Ela se abaixou para pegar uma garrafa de água. Tinha uma história por trás do apelido, mas julgou ser melhor não comentar. Não gostava de falar sobre aquilo. — É um bom apelido, acabou pegando.
O cheiro que ela emana é bem forte, pensou.
Era bom. tinha vontade de abaixar e lamber seu pescoço para comprovar se tinha gosto de canela de fato. Apostava que sim. Seu sorriso só se alargou por isso.
— Posso pegar algo mais forte para você beber, ? — ele perguntou, observando-a beber água de uma garrafa. Ela estranhou escolher logo o seu nome de batismo, já que a maioria das pessoas a chamava de .
— Não, obrigada. Estou aqui só para dançar. — Ela pousou a garrafa de volta perto da caixa de som. — Vamos direto ao que importa: qual foi a inspiração para escrever essa música?
olhou para o teto e franziu os lábios, fingindo pensar na pergunta. Na verdade, ele pensou que queria sair dali, o ambiente estava fedendo a suor, bebida e cigarro. Se fosse passar os próximos minutos ali, preferia que fosse enroscado em e rodeado pelo seu cheiro inebriante.
Ele não podia evitar praticamente farejá-la. O perfume era o melhor que tinha sentido há tempos e precisava saber o que ela fazia para cheirar assim.
Ela o encarava, esperando uma resposta.
— A letra da música em si só entrega tudo, me baseei nas garotas daqui — ele falou por cima da música, ela parecia prestar muita atenção às suas palavras. — Garotas assim como você.
Resolveu pousar as mãos ao lado da cabeça dela para conversarem melhor, sem elevar a voz, e para arrancar alguma reação dela. No entanto, cruzou os braços e parecia resoluta em ignorar suas investidas. Percebeu que ela tinha olhos profundos ao vê-los escurecendo com sua sombra.
A música acabou e a garota fez uma careta de desgosto ao constatar.
percebeu que os olhos de eram de uma coloração intensa conforme ele se abaixava para a encurralar com toda sua altura e imponência. Ela estava curiosa para saber até onde ele iria para tentar ganhá-la.
— Você tem olhos bonitos — ele disse, fitando-a e tentando prendê-la em um transe. Ela devolvia o olhar sem se render.
Difícil como imaginei, ele pensou.
— Obrigada. Os seus olhos também são bonitos — ela respondeu. Além do calor estar crescendo ali, ela não estava incomodada por estar presa com ele, tampouco entregue. Ela sabia que ele tinha um chamativo e lutou contra sua natureza para não se entregar.
— Para ser sincero, estou morrendo de vontade de te levar para fora desse lugar — sorriu minimamente. Ela acabou retribuindo o sorriso, depois se amaldiçoou por isso. Ele tinha um sorriso contagioso com caninos longos, não pôde evitar. notou o gesto discreto e interpretou como um convite. — Que tal se a gente se beijasse um pouco antes só para aquecer?
Ela franziu o cenho. Não conseguia acreditar no absurdo que tinha saído dos lábios dele. Porém, seu sorriso sedutor sustentava as palavras.
— Eu não disse que sairia daqui com você e não vou te beijar. Eu mal te conheço! Sei seu nome e que provavelmente tem uma banda, mas aposto que só aqui tem pelo menos mais dez caras como você. — Apontou o indicador para o peito dele. — Me diga, o que te faz tão especial para ganhar essa chance? — perguntou. Ele teria levado como uma farpa, só que as palavras soaram mais como um desafio. O que faria para ganhá-la? Ela parecia se achar o último gole de água no deserto e ele estava sedento.
Se fosse qualquer outra noite, ele provavelmente já estaria saindo dali com uma garota. Sempre tinha aquela que resolvia se fazer de difícil, mas durava pouco tempo, só até a encurralar e perguntar se poderia beijá-la. Papinho vai e papinho vem, elas cediam por já estarem de olho nele. Era sempre assim. Porém, hoje ele resolveu sair da linha e ir atrás de uma que sequer notou sua presença no mesmo ambiente, quem dirá saber quem ele era. Isso magoou seu ego um pouco, uma garota humana estava resistindo às suas investidas. Aquilo não parecia certo.
— Bem, sou eu quem canta sua música favorita. Isso geralmente é o suficiente para deixar as garotas com vontade de me beijar — ele disse em tom brincalhão, ela não achou a mínima graça. O papo estava até causando sono nela. — Mas, está bem. Que tal se nós apenas dançássemos? Você parece gostar de dançar.
Ela realmente gostava de dançar, por isso tomara a iniciativa de ir para uma discoteca. Estava óbvio. Porém, ele achou que o convite funcionaria de alguma forma. O que se mostrou verdadeiro ao vê-la ela concordar com a cabeça.
— Com uma condição — ela avisou, antes que a mão de alcançasse a sua por cima da caixa de som. — Eu só dançarei se for a música anterior, a sua.
não cansava de dificultar as coisas para ele. A verdade era que o achava bonito e gostava do som da sua voz — tanto cantada quanto falada —, por isso estava dando brechas. Ela queria mesmo sair dali com ele, tinha um propósito para tentar cumprir, mas que não consistia em se atracar.
— Posso tentar — ele disse, dando de ombros. Ela se perguntava o porquê de ele querer continuar, apesar dos empecilhos em que estava colocando no meio. Qualquer outro homem já teria desistido.
saiu em direção à mesa do discotecário, ela ficou observando suas costas. Teve um sentimento de que não seria a única vez o veria.
Não demorou para conseguir com que o rapaz encarregado pela música trocasse os discos de vinil e colocasse a música para tocar de novo, por mais que lhe rendesse vaias por tocar algo repetido. caminhou de volta na direção dela. As luzes estavam verdes, ocasionando um clima promissor para o ambiente. Procurou Kenny e Johnny com os olhos, encontrando apenas Josh, que continuava no mesmo lugar e acenava para ele. Sua garrafa de vinho ainda permanecia ao lado do amigo e ele pensou que tudo seria mais fácil se simplesmente escolhesse voltar para ela ao invés de . Porém, ele não via a hora de provar daquele pescoço cheiroso como recompensa do seu esforço.
— Pronto — ele anunciou quando a alcançou, depois de fazer a curva contrária à direção de Josh e a garrafa. — A música não é mais problema. Agora, se me der a honra. — Ofereceu a mão para ela, que aceitou.
Os dois deram dois passos em direção ao meio do lugar e da aglomeração, só para se afastarem um pouco da caixa de som. Ele esperou que ela começasse a dançar para poder acompanhá-la. No entanto, a surpresa veio ao senti-la passar os braços pelos seus ombros para dançarem juntos.
sabia que ia surpreendê-lo se dançassem juntos inocentemente, feito um baile, mas era o melhor para conversarem. , com toda a certeza do mundo, não era do tipo que dançava assim sem mãos e bocas por toda a parte. Como a música era um pouco frenética, ela julgou que a cena era, no mínimo, cômica.
— Essa dança não parece com a de antes — ele comentou, se posicionando para balançar junto com ela ao som da sua própria voz.
— Aquela dança não combina muito com... você — rebateu. Sua vontade era de dizer “com os dois metros de você”, mas se controlou. Ele tinha o olhar concentrado nos olhos dela, como se fosse o ser humano mais cativante daquele lugar. Ela deixou se iludir de que não houveram mais de milhares outras mulheres antes que ele lançou esse mesmo olhar.
— Você acha que sou do tipo que combina com danças mais lentas?
Sim, o típico cara que as garotas querem namorar e levar para dançar. Um perfeito mentiroso, ela pensou.
Se ele não tinha enxergado essa resposta em seus olhos, ela que não a verbalizaria. Limitou-se apenas a concordar com a cabeça. Ele lhe lançou um sorriso misterioso.
Por trás do sorriso que brotou em seus lábios, sabia que estava no mínimo interessada em gastar seu tempo com ele — o que já era suficiente para fazê-lo continuar.
Ainda não tinha entendido bem o motivo de estar tão preso à esta garota com várias que ainda o miravam de longe, mas quando botava os olhos em alguém, não era geralmente do tipo que deixava margem para outra pessoa na mesma noite. A vida poderia ser solitária, constatou depois de todos esses anos de existência. Mesmo cercado de pessoas, no fim, ele acabava sozinho.
— Vai me deixar sair daqui com você hoje ou estou apenas fazendo papel de bobo? — perguntou, já sabendo da resposta.
— Você fala como se eu fosse uma merda de prêmio — ela chiou, olhando-o com aquele mesmo olhar de repressão de minutos antes quando perguntou se estava mentindo. — Apenas aproveite a sua própria música, . É uma obra de arte.
Ele não estava dando a mínima para aquela música que teve de escrever, gravar e se forçar a cantar mil vezes.
— Está bem. Se quer que eu aproveite, vou aproveitar. Com licença. — Enterrou o rosto no pescoço dela e suas mãos espalmaram a base da coluna.
Com a ponta do nariz, percorreu toda a extensão, admirando o cheiro e como o sangue fazia as veias pulsarem pela proximidade dele do local. Tão delicioso. Ele ficou tentado de novo a passar a língua e dar uma pequena mordida com seus dentes habituais mesmo, mas ela parecia rígida demais sob seu toque para tal atrevimento. Se fizesse isso, o botaria para correr e tudo estaria perdido. Deixou apenas um beijo embaixo da orelha que a fez estremecer.
Os lábios dele eram frios feito o vento de outono, surpreendendo-a um pouco no momento. Decidiu não se afastar ou ele a veria surpresa e vulnerável pelo seu toque. Demonstrar fraquezas não era nada bom perto de alguém como ele.
— Não parece bom ser um prêmio? Afinal, a atenção sempre está toda nele, ele reluz e o melhor o leva para casa — sussurrou, sentindo suas presas coçarem para aparecerem e se enfiar na carne dela. — E você vai descobrir que sou o melhor daqui esta noite, se olhar ao seu redor e se der conta dos perdedores que te cercam. Eles nem se atrevem a te olhar, sabe por quê? Porque você é boa demais para garotos comuns, só os melhores enxergam a sua verdadeira beleza. Você brilha no escuro e sua luz me chama, .
Ela sorriu de lado, gostando do que ouviu. Uma boa escolha de palavras, tinha de admitir, o suficiente para ganhá-la. A língua coçando para lhe dar uma resposta que o desanimaria, mas apenas continuou balançando para lá e para cá com o sorriso nos lábios. Ele era bom nisso.
soube que tinha ganhado alguns pontos ao sentir sua bochecha se repuxando num sorriso discreto. Pensou que não seria o suficiente para ela parar com o que quer que estivesse fazendo e saísse dali com ele, mas servia ao seu favor. Poderia soar uma conquista barata, mas ele realmente acreditava naquelas palavras.
— Você soa desesperado demais para um vampiro abriu logo o jogo, sabendo que isso o faria desenterrar a cabeça de seu pescoço.
Ela sabia o que ele era desde o momento em que se aproximou. Por mais que estivesse escondendo suas presas ao sorrir e seus caninos sejam naturalmente grandes, ele tinha totalmente a aparência clichê de um vampiro. Os fios longos, grossos e pretos do seu cabelo; suas feições perfeitamente esculpidas; a palidez... Era um combo que chamava qualquer mulher mortal ou imortal. Fora que tudo indicava que ele era um centenário e vampiros com idade avançada tinham um chamativo maior.
— O que disse? — ele perguntou, encarando-a de perto com os braços ainda abraçando seu corpo, pensando não ter escutado certo.
Ela sorriu e seus olhos brilharam.
— Criatura da noite, vampiro — respondeu com convicção. — Precisa que eu desenhe?
Os pés dele pararam de dançar e ele se afastou, soltando a cintura da garota. Ela também parou de dançar. Não era possível que sua audição estivesse funcionando corretamente porque... Como poderia saber? Analisou-a novamente para ver se tinha se enganado sobre ela ser uma vampira. Emanava calor e um cheiro quase imperceptível de transpiração, que são duas coisas impossíveis de se fazer quando se era vampiro. Afinal, para que eles transpirariam se nem vivos estavam?
— Ora, não faça essa cara — ela disse e imitou a cara dele. Imediatamente, ele desfez a expressão que nem sabia estar fazendo. Em seguida, ela acariciou o rosto pálido com a ponta dos dedos. — Não é como se você não gritasse “vampiro”, principalmente quando sinto essa pele fria e dura feito a de um cadáver ou quando você parece entretido demais com o meu pescoço. Então, vampiro, vamos direto ao assunto? Quer me tirar daqui para sugar o meu sangue em um beco qualquer ou realmente tem interesse em mim?
Por um momento, ele ficou sem palavras. Olhando no fundo dos olhos dela, era como se cada sílaba tivesse sido roubada de sua mente pela surpresa que o assolava.
Ela se divertia ao constatar que tinha deixado um imortal incrédulo.
— Como sabe sobre nós? — perguntou. Alguns segundos se passaram, ela continuava tocando seu rosto numa carícia.
— Todos sabem sobre a existência de vocês, a diferença é que enquanto uns acreditam, outros preferem desacreditar — se limitou a dizer apenas isso. Tocou o cabelo dele e percebeu que era uma de maciez sobrenatural. Um cabelo humano nunca atingiria àquele nível, para seu infortúnio. — Estou suscetível ao charme de vocês como uma mortal e não lutarei mais contra isso esta noite. Vamos cortar a baboseira que você finge que fará de tudo para me convencer de que está perdidamente apaixonado. Você é bonito, sua voz... Ah, a sua voz é simplesmente incrível. Quero ouvir mais sobre você. Quais são suas pretensões para hoje? Está alimentado ou procurando uma infeliz vítima?
Ele sorriu de lado, desistindo de entender tudo por ora. O importante era que ela sabia e mesmo assim queria sair dali. se sentia finalmente vitorioso.
Já ela percebeu que abrindo o jogo e o colocando na parede, ele se tornaria o prêmio. Por isso, também se sentiu vitoriosa em pensar que ele estava quase cedendo. Pensou que era uma coincidência ter sido abordada por um vampiro, já que necessitava de um para seu plano.
ajeitou a postura, não estava faminto para precisar desesperadamente ir atrás de alguma fonte de sangue. Na verdade, as bolsas de sangue do hospital estavam até que o mantendo bem saciado nos últimos tempos. No momento, estava mais curioso para saber quais eram as pretensões dela.
— Estou bem — ele disse.
Fez uma análise da garota: seu cabelo, seus olhos, o formato de sua boca, cada manchinha no seu rosto, a cintura fina e as longas pernas. Visualmente, não tinha nada de extraordinário nela, além do seu gosto por roupas diferenciadas e seu perfume.
Ela sorriu, era possível perceber que sabia o quanto tinha o deixado confuso. A sensação era adorável.
— Ótimo! Vamos para a minha casa. — Virou-se para alcançar a garrafa de água, depois, jogou-a fora em uma lata de lixo ali perto.
Ele piscou, sua mente tentava acompanhar a rapidez que ela foi de dificultar as coisas para levá-lo para casa. Um pensamento surgiu: será que ela pretendia fazer algo com ele já que sabia que era um vampiro? Alguma experiência maluca, trancá-lo no porão...
Quase riu com o pensamento. Se ela pretendia fazer qualquer coisa dessa natureza, ela desconhecia a força de um vampiro. Uma pessoa comum, como , não seria capaz nem de amarrar um recém-criado sozinha, quem dirá um que tem 158 anos.
De qualquer forma, ele a seguiu para a saída com curiosidade. Não saber o que ela pretendia só deixou tudo mais excitante. Deu uma boa olhada em suas costas e pensou que cumpriu o que queria para a noite — saiu dali com um problema.
Lançou um último olhar antes de sair para Josh e com sua audição aguçada o escutou dizer “boa sorte”.
Ele sorriu de lado.
Se Josh que tinha o poder de ler mentes estava lhe desejando boa sorte, o encontro prometia.

* * *


Não se tratava de uma habilidade exclusiva ler mentes, afinal, todo vampiro a possuía se ligando ao humano só por beber do sangue. Quando o material genético entrava no sistema do vampiro, estava feito. Era difícil discernir os próprios pensamentos, porque a maioria dos mortais pensavam nada e em tudo ao mesmo tempo. Se às vezes uma pessoa se pegava perdida nos próprios pensamentos, acompanhado pela imersão no dos outros era vinte vezes pior. Josh tinha a habilidade de ler os pensamentos de qualquer um que escolhesse se concentrar para observar, nunca soube como ele não enlouqueceu até hoje. Na verdade, seu melhor amigo era uma das pessoas mais calmas que conhecia.
Ao longo desses anos, concluiu que odiava ter acesso aos pensamentos de vítimas antes de apagar as lembranças. Elas sempre o lembravam de que era um monstro e ele odiava se sentir assim. Fazia querê-lo se infiltrar mais no meio dos humanos, se disfarçar e esquecer sua natureza por alguns momentos.
Ele sofreu muito com a depressão durante sua breve vida mortal, mas todas as suas lembranças, mesmo que tristes, agora eram felizes. Os olhos humanos enxergavam o mundo mais colorido, mais cheio de vitalidade. Durante a sua existência imortal, tudo se tratava de tons de sépia; ele sabia a cor de tudo, mas nunca mais as viu como eram.
Colocando os olhos no interior da casa de , ele até que duvidou um pouco dessa constatação.
Ele nunca havia visto tanta cor junta e misturada em um espaço tão pequeno. Verde, azul, vermelho, amarelo... Parecia uma pintura de criança com uma infinidade de giz de cera à disposição. Elas só aumentavam conforme acendia as velas.
O flash de uma de suas lembranças surgiu: um campo com muito verde, o amarelo dos girassóis, o céu azul e o sol de meio-dia queimando sua pele. Era uma das milhares lembranças que lhe causavam saudade de sentir o calor do sol.
O aroma proveniente das velas o trouxe de volta de seus devaneios. Era exatamente o cheiro que ela tinha. Ele sorriu minimamente, já gostando do lugar.
Observou de relance um altar com várias pedras, estatuetas de figuras religiosas, incenso e ervas. Ele não podia tocar naquilo, era sagrado devido a fé dela e ele era uma criatura profana. A fé das pessoas tornava objetos e lugares sagrados. Por esse motivo, uma cruz ou água benta poderiam servir para afastar um vampiro dependendo da sua idade.
Tocou as flores dentro de um vaso no aparador abaixo do altar. Elas emanavam um cheiro gostoso, ele deveria cogitar comprar um buquê para dar vida à sua casa, mas tinha certeza de que seus gatos o destruiriam. Os quatro eram feitos pequenos demônios, sempre causando o caos.
passou por ele, ainda acendendo as velas espalhadas pela casa. Pensou consigo mesmo se ela tinha algo contra energia elétrica, quando a ouviu explicar:
— O prédio é velho e a energia oscila bastante. — Apagou o fósforo com um assopro. — Pelo menos, o aluguel é barato e eu economizo com a conta.
Ele concordou com a cabeça. Poderia explicar para ela que não era nada bom ficar no escuro com alguém como ele, só que não oferecia risco nenhum. Estava saciado e tentando se alimentar mais de bolsas para não precisar sair com humanas apenas para usufruir do sangue delas. Não queria dizer que ela pudesse fazer isso com qualquer vampiro, esperava que ela soubesse dessa informação.
— Deve ter umas cem velas queimando aqui — comentou, olhando à sua volta. O apartamento era pequeno e parecia menor ainda com aquele tanto de plantas e velas. Era um típico apartamento nova-iorquino, a cozinha era americana e dividia espaço com a sala que era onde eles estavam, enxergou portas ao longo do corredor iluminado pelas velas que devia ser os quartos e o banheiro. Era aconchegante e quente. Por mais que não transpirasse, reconhecia que o calor das velas junto ao calor do verão deixava tudo abafado.
— Deve mesmo. Eu as faço, algumas são perfumadas e outras só são velas mesmo — comentou, jogando o palito do fósforo no lixo. Em seguida, se sentou no sofá. — Sabe, ... Eu pretendia sair hoje para dançar até meus pés não aguentarem mais. Só que, graças a você, eu não dancei nem por uma hora — ela sorriu.
— Bem, me desculpe por isso — também sorriu. Não estava nem um pouco arrependido.
— Não se preocupe. Estou mais fascinada por saber que a voz por trás da minha música favorita vem de um vampiro. Nunca imaginei que um iria querer chamar tanta atenção para si mesmo a ponto de ter uma banda. — Deu tapinhas ao seu lado no sofá, para que se sentasse.
Ele obedeceu.
— Não se surpreenda, há vampiros em tudo que puder imaginar, até mesmo em hospitais curando humanos feridos, cheios de sangue — respondeu. Quem controlava o fornecimento de bolsas de sangue era uma rede de vampiros do Conselho que atuavam como médicos. Eles não eram animais irracionais para não saber lidar com “comida”, um vampiro bem-saciado pode se passar facilmente por um humano qualquer e era por isso que todos duvidavam da existência deles.
— Oh, eu sei bem — ela disse e seu sorriso se alargou mais ainda. — No entanto, você não me disse o motivo de querer tanta atenção.
Deu de ombros.
— Eu sempre fui um amante da música, tentei ter uma banda desde a época da beatlemania, mas a ideia só veio se concretizar mesmo nessa década porque uns amigos aceitaram fazer parte. Acho que eu precisava do estilo certo para fazer sucesso e só o obtive por ter começado a frequentar discotecas com muitas pessoas da comunidade. Já os meus parceiros de banda, cada um tem seu motivo, Josh gosta de tocar ao vivo, Kenny queria arranjar garotas, Johnny acredita no momento que tocar bateria seja seu propósito de vida — sorriu. — Desde que o conheço, ele está atrás de um sentido para sua imortalidade...
pensou que poderia escutá-lo falando a noite inteira sobre qualquer assunto. A sua voz grave causava um tipo de vibração que reverberava no seu estômago, era uma sensação boa. Não é à toa que o primeiro fator que lhe chamou atenção na música foi exatamente a voz, ele devia ter cordas vocais bem potentes ou qualquer parte de anatomia que explique o porquê sua voz seja desse barítono tão incomum. Ele por si só já chamava bastante atenção, tendo uma banda então... Imaginava que as garotas se jogassem em seus pés, implorando para serem mordidas.
Ela ficou curiosa em como seria ter as presas dele cravadas em sua pele. Nunca havia sido mordida por um vampiro, mesmo trabalhando com vários ao longo dos últimos anos. Nunca havia passado de profissionalismo, apesar de que muitos vampiros desconhecessem essa palavra.
— Você é um centenário, não é? — ela perguntou ao observar os olhos dele deslizarem pelas suas pernas nada discretamente.
Arqueou uma sobrancelha.
— Por que a pergunta? — estranhou.
— Por causa do seu chamativo, ele é muito forte — ela comentou, passando as mãos pelas pernas e abrindo o zíper de uma bota e depois da outra. Ele sorriu com o comentário.
— Sim, sou um centenário.
bem que queria enchê-lo de perguntas para que continuasse falando incessantemente noite adentro e pudesse apreciar o som de sua voz, porém, tinha um plano em mente. Sabia que estava sendo observada por olhos curiosos. Jogou as botas e as meias para o lado do sofá bem devagar.
— Eu tenho uma proposta para te fazer — ela disse, virando de volta para ele.
— Sou todo ouvidos — murmurou. Sua pose era de alguém que tinha muita confiança, mas ele teve muitos anos para conquistar esse feito. Ela apostava que ele era todo desengonçado com aquela altura toda antes da transformação. Agora, ele parecia superconfortável sentado ali com suas pernas abertas, um braço apoiado no encosto do sofá e os dedos quase encostando no ombro dela, o outro descansando suavemente no colo.
Cara, era incrível como ele definitivamente era o estereótipo, pensou.
Ele arqueou as duas sobrancelhas quando o olhar dela encontrou o seu rosto, esperando a proposta. Gostava de ser observado por ela, gostava dos seus belos olhos prestando atenção em pequenos detalhes. As mulheres não o miravam como se fossem mais do que um mero pedaço de carne.
— Vamos trocar nossos sangues. Você me dá um pouco do seu e eu te dou um pouco do meu — propôs.
Imediatamente franziu o cenho.
O que diabos ela queria dizer com isso?
Algo acendeu no rosto dela segundos depois de observá-lo, um esclarecimento.
— Ah! Você ainda não percebeu, não é?
negou com a cabeça. O que quer que fosse, não tinha percebido nada.
— Eu sei o que é um vampiro por conviver com vários. Sou uma bruxa.
Ele abriu a boca várias vezes, mas não saiu nada. Isso explicava muita coisa, pensou. Inclusive o cheiro forte que ela emanava.
Bruxas...
As criaturas não mexiam com elas, ainda mais os vampiros. Existiam poucas maneiras de matá-los, bruxas e feiticeiros faziam com a maestria de um estalar de dedos. De todas as criaturas, eles eram os mais perigosos. Ao mesmo tempo que tinham a marca do diabo tatuados em sua nuca para qualquer ser sobrenatural ver, também eram humanos. se perguntava como não poderia ter visto a marca dela, já que estava com a cabeça enterrada em seu pescoço na discoteca.
Se tivesse um pouco de amor à própria existência, teria saído correndo dali, mas permaneceu sentado exatamente como estava. Seus olhos miravam a garota de uma maneira diferente agora, eram carregados de receio. Ao contrário do que pensou antes de chegar ali, poderia, sim, fazer o que quisesse com ele. Ela possuía poderes para isso.
A garota sorriu de lado.
— Não farei nada que não concorde — ela disse, parecendo ter lido a mente dele. — Estou trabalhando em uma porção e preciso de um pouco de sangue de vampiro. Só falta esse ingrediente para completar.
Não significava que ele não tinha poderes para negar também. Vampiros tinham força extrema, rapidez, hipnose e outros poderes ao seu favor. Além do mais, como as bruxas também eram humanas, elas estavam ainda suscetíveis aos seus poderes, assim como comentara do seu chamativo.
Ele teria rido de si mesmo. Escolheu tanto entre as mortais, que acabou na casa de uma bruxa. Só poderia ser uma piada de mau gosto.
— Eu estou saciado, como te disse — respondeu.
— Sim, e isso é bom. — Se aproximou um pouco. — Você já provou do sangue de uma bruxa? Ele é tão poderoso que te cega e, se você não estiver bem alimentado, vai querer drenar todo ele. Acredite em mim, , quero poupar magia com você. Vai exigir muita magia para te tirar de cima de mim.
Ele pareceu refletir. Nunca tinha provado do sangue de uma bruxa, evitava como qualquer outro vampiro chegar perto delas. Suspirou desnecessariamente, já que não precisava nem de respirar — só mantinha por conveniência, assim como piscar —, e o cheiro dela ficou mais forte. Ela cheirava tão bem, era uma pena que fosse uma bruxa e estivesse apenas interessada numa troca. Mas ele esperava o quê? Uma bruxa dificilmente se envolveria com um vampiro.
tinha gostado de de verdade. Ficou com um pouco de raiva de ter feito tanto para conquistá-la e, no final, ter resultado em incompatibilidade. Ele estava frustrado por não poder ganhar algo a mais naquela troca. Porém, era isso ou sair de mãos abanando. E estava bem curioso para saber o gosto do sangue de uma bruxa.
— Está bem — deu de ombros. — Um pouco de sangue não faz mal.
Ela sorriu abertamente e se levantou para pegar um recipiente de vidro e uma adaga. Pensou que, pela hesitação, ele não aceitaria. Fez uma boa escolha, não se arrependeria de provar do sangue dela. Ao voltar para o sofá, tocou o braço dele para pressionar a adaga. Ele imediatamente endureceu, seus olhos ficaram nublados.
— É só um cortezinho — ela brincou.
— O difícil é confiar em uma bruxa — murmurou, de cara fechada.
pousou os objetos em cima do assento do sofá. Sabia que os vampiros assim como outras criaturas a temiam. Por um lado, era bom, porque servia para mantê-los longe; por outro, era uma droga. Precisava de relaxado, ele tinha que entregar o sangue de boa vontade para que a porção desse certo. Mordeu o lábio inferior, lembrando que ele havia pedido um beijo na discoteca e ela havia negado.
Um bom plano.
Era uma negação para suas irmãs bruxas, estava pensando em beijar um vampiro a troco de uma porção. Sentiu-se suja, de um jeito ruim e bom ao mesmo tempo. Ela sentia o encanto dele puxá-la de maneira quase irresistível. Só não podia se deixar levar. Tinha que ter em mente que era só para coletar o sangue.
se inclinou para frente e sua mão o puxou suavemente pelo cabelo. Os olhos dele demonstravam surpresa, os dela determinação. Ele ficou inebriado pelo cheiro dela, ela ficou pela sua presença. Quando suas bocas se chocaram, foi estranho a princípio. Ele estava morto, portanto seus lábios eram frios; ao contrário dela que exalava vida e a pele queimava conforme as chamas da vela oscilavam. A mão dele tocou o lado direito de seu rosto e aprofundou o beijo. Quando suas línguas se encontraram, quente e frio se complementaram.
O gosto de era assim como seu cheiro e ele achou esse pequeno detalhe encantador. Estava tão absorto pela atmosfera que mal percebeu quando um corte foi infligido na sua pele com a adaga. Somente ao sentir o sangue escorrer pelo braço, no qual tocava o rosto dela, é que parou de beijá-la para dar atenção à ardência.
Ela lançou um sorriso travesso em sua direção. Em seguida, pegou o recipiente que estava entre eles e coletou uma pequena quantidade do sangue que pingava. Sangue de vampiro tinha o cheiro absurdamente forte de enxofre, os olhos dela marejaram um pouco. Percebendo que era o suficiente, disse:
— Cure-se.
levou o pequeno corte aos lábios e lambeu o sangue devagar até que não restasse mais vestígio. Ela sentiu como se a língua dele estivesse deslizando em sua própria pele. Colocou o recipiente na mesa de centro e o tampou, antes que enlouquecesse de vez e o carregasse para o quarto.
— Minha vez? — ele perguntou.
Ela concordou e estendeu o pulso em sua direção. Ele abriu um sorriso de lado enquanto plantava um beijo bem acima de onde se destacava uma de suas veias. se viu no meio de um contato visual impossível de quebrar, ao contrário da sua resistência para não o fazer momentos antes.
estava usando hipnose com ela? Estava completamente imóvel, incapaz de fugir ou sequer desviar. Assistiu os beijos subirem ao longo do seu braço. Pensou em como a boca dele era tão suave, deveria ser proposital, para distrair a vítima do perigo de se entregar na mão de tal criatura. Ele a puxou para mais perto e ela foi sem hesitar. Quando piscou, já estava sentada de lado em suas coxas. Pescou seu queixo com sua mão grande e fria, fazendo-a olhar para seus olhos de novo.
— Eu gosto de fazer o processo um pouco diferente — sussurrou, colocando uma mecha do cabelo dela atrás da orelha. Então, trouxe-a para mais perto do seu peito e iniciou outro beijo. Dessa vez, ele a beijava com voracidade, sem deixar espaço para que ela pensasse em qualquer outra trivialidade que não fosse no que acontecia ali.
Ela partiu o beijo para respirar, acabou lançando as costas dele contra o sofá e se sentando de frente. Os olhos dele estavam escuros e selvagens. Imaginou que os dela também não deveriam estar diferentes. Grudou seus lábios nos dele. Se soubesse que ele era capaz de fazer tudo sumir e deixar só a preocupação do próximo movimento que sua boca faria, ela teria tomado a iniciativa antes.
Mesmo que tenha negado por não querer nada com um vampiro, um beijo não mancharia sua reputação e nem sua consciência... Desde que ninguém soubesse.
Não era?
sentiu o calor do ambiente ficar insuportável quando os beijos desceram pelo seu maxilar e pescoço. Ela tocou em seu cabelo e o trouxe para mais perto, incentivando-o a continuar. Sentiu as presas começarem a aparecer entre os lábios, mas ela ainda não conseguia recuar; na verdade, era como se ela precisasse ir adiante. Prendeu-o com suas pernas e braços ao sentir os caninos pontudos perfurarem sua pele. Doía e ardia, mas o beijo mexeu com ela a ponto de interpretar a mordida como algo excitante. Ela gemeu ao sentir o sangue começar a deixar seu corpo e sussurrou encantos desesperados.
percebeu que os segundos se tornaram minutos e que, por mais que o gosto do sangue fosse doce na medida certa, ele não queria que sofresse com a perda de uma quantidade absurda. Removeu suas presas, mesmo com os resmungos descontentes dela, e lambeu a ferida até que sarasse.
Os humanos sempre queriam mais, assim como eles também desejavam. Porém, o Conselho não permitia que vampiros chamassem atenção deixando vítimas ao se alimentarem. Ele precisava ser bastante controlado e metódico se quisesse sobreviver. Fora que o sangue dela era potente e um pouco seria o suficiente para alimentá-lo até sair de seu sistema daqui a dois dias. Era realmente diferente de tudo que tinha provado. Se associasse o seu cheiro a um, seria aquele com exatidão.
— Por que parou? — ela parecia irritada ao encarar .
— Já basta — ele respondeu, acariciando o cabelo dela.
Franziu o cenho, incomodada. Pensou que ditar o final estava em suas mãos.
— Você até que é bonita para uma bruxa — revelou, sentindo-se preso em um encanto.
Ajeitou-se no colo dele.
— Você também é, mas sei que esse é o intuito da sua aparência — respondeu.
— Por que não consigo escutar seus pensamentos?
— Sussurrei um feitiço enquanto me mordia para que não houvesse ligação através do meu sangue.
Ele concordou com a cabeça, deveria ter imaginado que uma bruxa nunca deixaria que uma ligação fosse feita entre ela e um vampiro. Quando o silêncio começou a ficar constrangedor, ela falou:
— Se você fosse humano, eu te convidaria para o meu quarto agora.
sorriu.
— É... Mas, infelizmente, nós somos incompatíveis.
Ela soltou uma risadinha e se levantou, deixando com que ele se levantasse também. Parecia que chegara a hora da despedida. deu uma boa olhada nele, da ponta dos sapatos até seus olhos vermelhos por causa do sangue.
É realmente um desperdício ter que deixá-lo ir embora, pensou.
A vida seria mais legal se não existissem espécies e suas rivalidades, mas elas existiam. Ele arqueou uma sobrancelha ao vê-la o analisando e ela se limitou a sorrir de lado em resposta.
andou até a porta e correu para abrir.
? — ela chamou ao terminar de rodar a chave na tranca.
— Sim? — ele a fitou.
— Não conte para ninguém sobre... o que aconteceu aqui.
— Eu tenho uma reputação a manter também — respondeu, com um sorriso quase invisível.
Ela notou que os olhos dele mudaram de cor antes de girar a maçaneta e deixar sua casa.
— Obrigada! — ela gritou para ele, que descia a escada.
— Disponha — ele respondeu, sem necessidade de gritar, sua voz já era grave o suficiente para ser ouvida.





Era uma manhã fria em Nova Iorque. Depois de um verão estendido, o outono finalmente dava suas caras.
Ela adorava o outono: árvores peladas, folhas caídas, chuva, escuro, frio modesto, roupas da estação e principalmente o Halloween. Sentia que passava o ano todo comemorando o Halloween, por isso quando estava chegando a data se sentia cada vez mais animada. Nesse dia, o sobrenatural podia dar suas caras e se juntar aos humanos em sua forma original. Por mais que ela não tivesse forma além da humana, recorria às fantasias. Estava planejando se vestir de um dos personagens do Stephen King esse ano.
era uma jovem de 28 anos em 1995. Apesar da pouca idade, ela já era uma bruxa habilidosa. Contou desde pequena com os ensinamentos da mentora, sua avó Lizzie. Nasceu e cresceu em Memphis, no Tennessee. Mudou-se para Nova Iorque por ter sido recrutada pelo Conselho Sobrenatural quando tinha apenas 24 anos. Ela sentia saudades da sua cidade natal todos os dias, porém, aprendeu a enxergar as ruas mega movimentadas e o trânsito caótico com certa familiaridade.
O pai de sempre idealizou que ela trabalhasse na Organização das Nações Unidas, seguindo o seu exemplo. Desde criança, ela soube que tinha que realizar o desejo dele. Quando descobriu seus poderes lá pelos 15 anos, sua avó revelou a existência de um órgão dentro da ONU desconhecido pelos humanos que tratava de assuntos das criaturas sobrenaturais. A partir desse momento, ela trabalhou arduamente para desenvolver seus poderes e se candidatar à uma vaga quando estivesse forte o suficiente. A carta de aceitação chegou depois da primeira tentativa. Ela se surpreendeu, era quase impossível de entrar no Conselho, as bruxas tinham o maior índice de concorrência. Seu pai que não era a favor do uso dos poderes, se orgulhou mesmo assim. No seu primeiro dia no Conselho, teve a maravilhosa sensação de dever cumprido.
O prédio do Conselho era dividido em andares que abrigava cada espécie de trabalhador e suas necessidades. Havia o andar dos vampiros, bruxas e feiticeiros — que era onde ela trabalhava — e o de criaturas diversas (o último). Cada andar lidava com um tipo de situação, o dela resolvia alguns problemas em campo e os feitiços que o Conselho precisava para se manter funcionando. trabalhava em campo, lidando com criaturas fora de controle que corriam o risco de revelar o segredo que o Conselho tentava manter: a existência do sobrenatural. Se o Conselho era respeitado hoje pela maioria das criaturas, ela acreditava que era por causa das bruxas e do seu trabalho árduo.
Divagava sobre a fantasia e bebericava seu café quando escutou o chefe chamá-la. Andou despreocupadamente até a sala dele. Tudo estava muito tranquilo na sede do Conselho desde que outubro começara. Ela desconfiava que as pessoas também estavam se planejando para o Halloween. Por mais que seja um dia feliz para ela, as criaturas escolhiam esse dia para pintarem e bordarem todos os anos. O trabalho sujo de colocá-los na linha sempre sobrava para eles: os funcionários do Conselho.
— Me chamou? — ela perguntou, aparecendo na porta do maior cubículo do andar.
— Sente-se, — Burns pediu. Ela já previu que vinha algo de ruim só por ele ter a chamado pelo nome, além do cabelo preto bagunçado e o primeiro botão da camisa aberto. Ainda eram onze da manhã e ele já parecia exausto. — O problema veio mais cedo esse ano. — Passou uma pilha de papéis pela mesa até alcançá-la.
Ela passou os olhos pelo relatório, assimilando a reunião do Comitê para discussão de um grupo de criaturas que fazia alarde e chamava atenção dos humanos.
— É um grupo de vampiros que tem uma banda. O Comitê julgou necessário acompanhar o caso de perto — ele disse, tirando os óculos e pressionando a ponte do nariz. — Parece que a reclamação veio direto dos humanos e estão enchendo o saco para que eu envie alguém o mais rápido possível.
E, no caso, o alguém escolhido era ela.
— Não tem mais ninguém para ir? Eu sempre tenho que lidar com os vampiros — ela lamentou. Ele negou. — Nem mesmo a Morello?
— Morello está ocupada com um shifter fora de controle.
Morello era sua melhor amiga. Conhecia a outra bruxa bem o suficiente para saber que ela preferia lidar com um shifter fora de controle do que com um grupo de vampiros que só estão se divertindo. Odiava vampiros com toda sua força natural e sobrenatural.
Enfim, não tinha escolha.
— Já que não posso fazer nada... — ela deu de ombros, pesarosa.
Ele se alegrou minimamente, acendendo seus olhos amarelos de lobo no processo.
— Sabe que você é minha melhor funcionária, não é? — brincou.
— Só porque sou a única que lida com os vampiros para você? — zombou, se levantando e levando consigo a pilha de papéis. — Lembre disso na hora de me pagar.
— Se essa fosse minha obrigação e não do financeiro, eu tiraria do salário de um monte de pessoas para colocar no seu, inclusive da Morello — ouviu ele resmungar nas suas costas. Duncan Burns e Violet Morello não se bicavam, sempre achou graça nisso. — Não se esqueça que precisa ser o mais rápido possível!
— Está bem.
Deixou a sala e caminhou de volta para a sua mesa. Pretendia se livrar desse grupo de vampiros para chegar cedo em casa e costurar seu vestido de Halloween.
Discou o número do celular de Violet no telefone da sua mesa. Ela atendeu no terceiro toque.
Alô?
— Você se acha bem engraçadinha, não é? Aposto que sabia de tudo e escolheu o primeiro caso pela frente — disse, semicerrando as pálpebras e enrolando o indicador no fio do telefone.
Oh! É você, . Pensei que era o Burns torrando a minha paciência de novo. Ele não pode saber que estou trabalhando em campo que me bombardeia de coisas para fazer fora do escritório. Pensa que eu sou a secretária dele.
— Você me apunhalou pelas costas! Até hoje de manhã, você não estava trabalhando em caso nenhum e, de repente, Burns me fala que a Morello está ocupada com um shifter fora de controle — imitou a voz dele.
— Sua imitação foi péssima, ! E eu posso ouvir as duas fofocando daqui! — ele gritou do escritório.
Ela riu e abafou a boca com a palma da mão para que ele não escutasse. Violet também ria.
Desculpa, mas você sabe que tenho um probleminha com vampiros. Para evitar que eu cometa um ato que leve o Comitê me exonerar, eu preciso me ocupar com outras criaturas.
— O que te leva a pensar que eu suporto os vampiros? Eu também sou uma bruxa e os abomino.
Mas você dormiu com um — ela falou e soube só pelo tom de voz que ela estava se divertindo.
— Eu não dormi com ele — falou, se controlando para não aumentar o seu tom e se deixar levar pela brincadeira. — E pare de me provocar, estou com raiva de você.
Ah, não! Você não pode ficar com raiva de mim, porque estou te prometendo que na próxima vez que for encontrar com vampiros, eu irei contigo. A menos que você esteja procurando um para levar para cama, aí...
— Não consigo acreditar que você não tenha superado isso — revirou os olhos.
Ao decidir contar à sua melhor amiga sobre o que aconteceu naquela noite de julho, jamais imaginou que ela fosse ficar relembrando sem parar quando pegasse um caso com um vampiro ou sequer passasse por um no escritório. Ela era alvo de chacota por deixar um vampiro beber de seu sangue e ter gostado. Se esse acontecimento vazasse, a irmandade das bruxas não ficaria nada feliz.
Eu não superei assim como você não superou esse vampirão gost...
Ela bateu o telefone na cara de Violet antes que completasse aquela palavra. A amiga sabia tirá-la do sério. Serviria de lição para aprender a nunca mais contar seus segredos obscuros.
O fato de não ter se relacionado com ninguém depois não ajudava em nada, mas já não tinha esse costume antes mesmo do vampiro. Ela também não voltou na discoteca — O Clube — depois daquele dia, andava muito ocupada com o trabalho antes da calmaria se instalar. Agora que se instalara, estava mais ocupada com outros afazeres.
Abriu o arquivo com irritação. Com tantas bruxas e feiticeiros nesse andar, sempre tinha que ser ela quando o assunto era vampiros. Sentia que Burns estabeleceu isso na cabeça dele. Pelo que tinha escutado, essa fama se espalhou por outros andares do prédio do Conselho Sobrenatural. Ela estava conhecida por aí como “a bruxa que lidava com vampiros” e isso era péssimo para a reputação de qualquer um.
A rixa entre bruxas e vampiros não era atual. Na verdade, era bem antiga. Há muitos anos, quando a população sobrenatural era muito maior do que a da atualidade, principalmente a dos dois povos, havia uma guerra por poder e território. Ainda não existia Conselho, por isso tudo era puro caos assim como o resto do mundo se tornou antes de se estabelecer. As duas espécies eram como potências, assim como Rússia e Estados Unidos na Guerra Fria, mas a guerra entre eles, de fato, passou a acontecer em certo ponto. Tudo começou porque Vethus, um vampiro, estava passando de aldeia em aldeia feito uma praga e aniquilando a vida humana, até encontrar Tade Wood, uma bruxa poderosa, que o lançou um feitiço para fazê-lo sofrer de uma enxaqueca quase fatal quando atrevesse a morder um humano. Para não morrer, ele começou a matar bruxas que não haviam desenvolvido seus poderes por completo e descobriu que o sangue da espécie deixava os vampiros mais poderosos. A notícia logo se espalhou, as bruxas mais poderosas começaram a revidar e a defender as mais novas. Então, uma guerra se iniciou.
Bruxas tentaram formar alianças com outras espécies sobrenaturais para tentarem se defender, mas os vampiros começaram a ficar mais numerosos, transformando humanos cada vez mais para lutarem ao lado deles. A guerra só terminou com a formação do primeiro grupo de criaturas anciãs — vampiros, bruxas, feiticeiros, shifters, lobisomens, elfos, todos os mais velhos e mais sábios de cada espécie se reuniram para a criação do Conselho Sobrenatural. Juntos, eles extinguiram a guerra. Isso acontecera séculos antes da Liga das Nações, a precursora da então Nações Unidas.
As bruxas passaram a não suportar os vampiros. O contrário também se aplicava, mas em menor proporção, já que os vampiros davam menos crédito à história. Muitos nem se preocupavam em saber a fonte da discórdia, só alimentavam o ódio. Vampiros não se importavam com quase nada, além deles mesmos. Era por isso que dialogar com eles era complicado e achava que merecia receber um Nobel da Paz por sua diplomacia. Ela poderia simplesmente usar magia para colocar medo neles e obrigá-los a obedecerem, só que essa não era a estratégia que o Conselho defendia.
Seus olhos analisaram as fotos e a ficha dos integrantes da tal banda. Eles pareciam vampiros normais, nunca tinha escutado falar neles, portanto não deveriam ser do tipo arruaceiros. Somente ao virar a página da penúltima ficha que arregalara os olhos.
O líder deles era o do Clube dos Góticos. A banda era dele.
Não, não podia ser.
Passou a folha para o lado, se deparando com várias fotos de e dos outros integrantes no palco, em entrevistas, no camarim cercados de mulheres.
morava no Brooklyn e tinha 158 anos, era natural de Nova Iorque mesmo, mas tinha passado um tempo da sua existência na Polônia. Ele vinha se alimentando de bolsas de sangue com certa frequência, de acordo com a planilha do andar dos vampiros, mostrando que não estava mordendo humanos como fonte principal de alimentação. Ele parecia um vampiro solitário, além dos amigos da banda. Não havia informações sobre frequentar clubes exclusivos de vampiros ou sequer ter uma parceira fixa da mesma espécie. Na verdade, só muitas fotos dele com humanas diferentes. Parecia que o vampiro estava chamando mesmo atenção dos mortais, afinal, ele só saía com elas.
precisava saber mais sobre a banda antes de abordá-los, por isso, resolveu começar a fazer seu dever de casa. Pegou o casaco no encosto da cadeira, avisou Burns que estava saindo para reunir informações e, minutos depois, deixou o prédio do Conselho.
Caminhou até a loja de discos mais próxima e ficou surpresa que a banda dele era famosa a ponto de estar em destaque na prateleira. Pegou o disco e analisou a capa, eram duas mulheres, aparentemente do Clube, com maquiagem pesada assim como a própria usava todos os dias. Sem pensar muito, levou ao caixa e pagou.
Sabia que iria gostar do álbum por causa da sua música favorita. Tinha a descoberto na rádio alguns meses atrás e ela não saiu mais da sua cabeça. No entanto, depois do dia na discoteca, ela nunca mais soou da mesma forma.
Assim que chegou em casa, colocou o vinil no toca-discos. Enquanto a primeira e a segunda música tocavam, se serviu de uma taça do vinho que estava aberto na geladeira. A voz de ecoou pela casa como lembrava, porém com uma adição que não sabia explicar. Na terceira faixa, ela fechou os olhos para admirar sua música favorita.
O poder que vinha daquela voz era assustador. a achava perfeita, grave, profunda, que causava arrepios e era capaz de teletransportar para uma atmosfera diferente. Ela estava tão imersa na melodia que nem percebeu seus dedos tocando o lugar que tinha sido mordida. Seus dedos deslizaram pela pele lisa de dois pontinhos quase invisíveis. Pensou naquela noite, na dor das suas presas e nos olhos verdes dele que ficaram vermelhos com o seu sangue.
E se não fossem o que eram? Ela teria o beijado outra vez e sentido o seu gosto nos lábios do vampiro. Teria gosto de morte — ferro com aquela pontada doce que significa a magia de uma bruxa —, assim como tudo em . Deixaria curiosa sobre prová-lo misturado a ele. O frio de sua língua unido ao calor da dela, o líquido escarlate que escorreria pelos lábios deles...
A próxima música começou a tocar, fazendo-a despertar de seu transe. Ela abriu os olhos e encontrou sua casa vazia, imaculada assim como se lembrava.
Desabou no sofá e bebeu todo o conteúdo da taça de uma vez só. Seria praticamente impossível trabalhar com alguém que mexia com sua cabeça dessa forma.
Mesmo tendo lançado um feitiço para não se ligarem através do sangue, aconteceu. Ela provavelmente não fez da forma apropriada por estar mais concentrada no que estava acontecendo do que no feitiço.
E a única coisa que conseguiu pensar foi:
Fodeu.

* * *


— Não tenho mais ninguém para colocar no seu lugar. Hoje é Halloween e você sabe que depois disso nós temos dias bem caóticos por aqui. Todo mundo do andar está trabalhando com feitiços e porções, além dos que estão se preparando para atuar em campo. Você e a Morello são as duas que estão com casos isolados no momento e, na minha opinião, os mais fáceis por serem fora do Halloween — Burns disse, fitando sentada do outro lado da mesa.
Ela se desesperou ao perceber que o feitiço não havia funcionado por completo, por isso, passara o resto do dia à procura de maneiras de anular a conexão com um vampiro. Não achou nada, nenhuma porçãozinha sequer. Então, assim que chegou no prédio do Conselho essa manhã, resolveu implorar para Burns tirá-la do caso.
— Coloque a Morello. Eu me viro com o shifter — falou com desespero, passando os dedos pelas mechas do meu cabelo, quase as arrancando.
— Por que você quer tanto sair desse caso?
De forma alguma, falaria o verdadeiro motivo para ele. Revelar para o chefe que ofereceu seu pescoço para um vampiro e agora tinha se ligado a ele? Não falaria isso nem que a pagassem o dobro de seu salário. Já ficava de cabelo em pé quando escutava o burburinho sobre ela ser a bruxa que lidava com vampiros, se isso se espalhasse...
Ela não queria nem pensar nisso.
— Porque é uma necessidade. De todos do andar, sempre eu sou que lido com os vampiros. Não posso querer só dessa vez pular fora? — ela praticamente implorou pela segunda vez no dia, o próximo passo era ficar de joelhos.
— Não dá, . Infelizmente, não posso fazer mudanças ou o caos vai se instaurar. Sinto muito — ele disse com pesar. Ela sentiu que realmente lamentava. Burns não era um carrasco, se não tinha como, era porque não tinha mesmo. O Comitê devia estar mesmo o pressionando.
Ela até que ficaria de joelhos, mas tinha muito amor-próprio para isso. Por esse motivo, apenas se virou e deixou a sala sem responder.
Teria que encarar depois de todos esses meses sabendo a ligação que tinha com ele. Talvez pedisse para ele apagar sua memória como fazia com suas vítimas para se desvincularem, mas para que isso acontecesse, precisaria dar o braço a torcer e admitir que falhou. Esse tipo de comportamento poderia diminuir seu poder aos olhos dele e nunca era bom demonstrar esse tipo de fraqueza naquela profissão.
Ela passou o resto do dia assistindo silenciosamente o andar virar uma bagunça de bruxas e feiticeiros passando para lá e para cá, feitiços sendo lançados, criaturas de outros andares pedirem ajuda... Tudo que já havia se familiarizado com um Halloween desde que começara a trabalhar ali.
Encarou diversas vezes o folheto que pegou mais cedo na porta do Clube, o qual mostrava e os outros três integrantes da banda como a atração principal da noite.
Ela o imaginava se envergonhando do que aconteceu ou nem lembrando se a visse novamente. Torcia para que a segunda opção acontecesse. Se ele lembrasse, tornaria tudo mais constrangedor para ambas as partes e queria se esconder em um buraco só para evitar a situação. Logo ela que sempre foi tão decidida a encarar tudo de frente, estava cogitando fugir para Memphis no primeiro avião.
Como pude deixar um vampiro me morder? Que ideia mais imbecil, pensou antes de deixar sua mesa.
Às nove e meia, ela saiu em direção ao Clube. Vestida com sua fantasia e coberta de sangue falso por todo o corpo. Nesse ano, ela era Carrie. Pensava que deveria ter chamado Violet para, pelo menos, lhe fazer companhia numa festa de Halloween — mesmo que à trabalho —, mas ela deveria estar ocupada também trabalhando. De qualquer forma, seria só ela.
Lembrou-se mil vezes que estava sendo paga para arruinar com sua festividade favorita e vivendo o futuro que seu pai idealizou para ela durante a fila. Ao entrar, a música estava muito alta. Eles já tocavam. As pessoas dançavam, pulavam e se empurravam no ritmo. Não havia muita diversidade de criaturas sobrenaturais, só vampiros e muitas vampiras que estavam perto do palco.
Sentou-se no bar para assistir o show e beber o drink com bebida barata que o barman lhe deu. Ainda bem que tinha ido a pé, só o teor alcóolico de um gole seria o suficiente para bater o carro saindo do estacionamento. De qualquer forma, ela tinha uma porção na bolsa que a fazia ficar sóbria em minutos, o único problema era que ela não estava bem desenvolvida ainda e a fazia sentir muito calor como efeito colateral. Ela usaria apenas em último caso.
Não dava para negar que ele tinha muita presença no palco. Lidava bem com toda a atenção que recebia com piadinhas. Também não dava para negar que os quatro eram vampiros, eles tinham uma beleza sobrenatural e só mesmo olhos humanos poderiam não enxergar. Apesar de que até eles estão enxergando até demais ultimamente.
encarou o teto escuro enquanto cantava. Depois, ela podia jurar que os seus olhos verdes brilhantes se voltaram para a sua imagem. Ele devia ter usado sua visão noturna para ver a plateia no escuro. Não durou muito tempo, logo, ele olhava para outras pessoas. Ela achou que não tinha sido reconhecida e conseguiu relaxar um pouco. Ficou grata por ter passado tanto tempo espalhando sangue falso em si mesma.
O show não tardou a acabar. Após finalizar a bebida, ela resolveu andar um pouco por aí antes de abordá-los. O Clube estava bem decorado para a data com várias atrações, inclusive um ambiente de espelhos e com pouca iluminação. resolveu entrar ali para conhecer. Não tinha ninguém, nem mesmo um casal se beijando no escuro, só a imagem dela refletida no espelho.
Aproveitou para ajeitar a gargantilha no lugar e retocar o batom preto. Desde que mudara para Nova Iorque aderiu a um novo estilo e se sentia vivendo sua melhor versão. O vestido rosa claro destacava os acessórios escuros espalhados pelo corpo e a cor de seu cabelo, o sangue falso dava um ar mais chamativo ao visual. Ela se sentiu bem consigo mesma.
Sentiu alguém observar suas costas, mas o espelho mostrava que não havia ninguém. Um borrão se mexeu ao virar-se para encarar.
Estou ficando paranoica?, pensou.
De frente para o espelho, agora ajeitou o cabelo e tocou a cicatriz da mordida. Durante o show, ela sentiu o impulso puxá-la para ele, uma sensação que a deixava dormente e tonta, como se estivesse hipnotizada. Depois de ontem, toda vez que ela tocava na cicatriz, ela revivia a dor, a ligação, o erotismo. Fechou os olhos, acariciou a pele e soltou um suspiro. Pensou nele no palco, em toda a sua imponência e na sua voz que a tirava do conforto.
Sentiu outra vez um intruso a observar. Abriu os olhos e se virou de uma vez.
estava ali, observando-a em silêncio em meio a escuridão. O reflexo dele não aparecia nos espelhos, por isso ela não viu antes.
— Vampiro — ela murmurou com raiva.
— Bruxa — ele murmurou de volta, saindo das sombras.





Ela era apaixonada por si mesma.
concluiu isso ao observá-la se admirando no espelho.
Reconheceu a garota na plateia assim que botou os olhos nela, esperando o show acabar para segui-la. Tinha conhecimento de que frequentava o Clube, mas fazia um tempo que não a via. Movido pela curiosidade, entregou seu baixo para a primeira pessoa que estava cuidando da organização e andou a passos apressados até a casa de espelhos. A memória reviveu com força total ao se aproximar e sentir seu cheiro forte. Agora, parando para notar, ela fedia um pouco a bruxaria, porém, o cheiro de canela sobressaía no seu olfato.
Ela parecia tão absorta se admirando e se acariciando de olhos fechados, achou injusto interromper. Perceberia uma hora, mas, enquanto isso não acontecia, ele poderia olhá-la com curiosidade nas sombras.
Até que ela se virou em sua direção.
— Vampiro.
— Bruxa.
saiu de onde estava. Os dois se encararam por alguns segundos. Ela o olhava com censura, ele não se intimidou.
— Por que está me observando escondido?
— Estava esperando o momento certo para anunciar minha presença — disse com um sorriso de lado e os olhos fixos nela. — Você parecia distraída demais.
Mesmo com a iluminação precária, notou que ela ruborizou. O que quer que estivesse pensando ao tocar seu pescoço deveria ser constrangedor. divagou rapidamente sobre o que poderia se tratar, mas sequer a conhecia o suficiente para saber seu sobrenome, quem dirá adivinhar seus pensamentos. Ele queria que eles tivessem desenvolvido a ligação, assim poderia provocá-la mais.
— Eu não estava — ela respondeu, por fim. — O que você está fazendo aqui, ?
Ele se surpreendeu quando ela disse seu nome. Achava que não se lembrava mais, afinal, seu último pedido foi para que o acontecido não passasse de um segredo.
— Eu te segui — admitiu e colocou as mãos dentro do bolso da calça. — Fiquei curioso para saber se era mesmo você debaixo de todo esse sangue.
— Ficou interessado em saber se era sangue de verdade? — zombou. Ele rolou os olhos, mas quase deixou escapar uma risada pela audácia.
A garota se aproximou, ficando a dois passos dele.
— Bem, de qualquer forma, preciso mesmo falar contigo.
— Tem outra proposta daquelas para me fazer? — Arqueou uma sobrancelha e seus lábios finos se retorceram em um sorriso sugestivo.
As bochechas dela adquiriram cor de novo. Sabia que era extremamente vergonhoso para uma bruxa ter oferecido um acordo como aquele para um vampiro, por isso, ela enrubesceu dessa vez.
— Não — soou feito um resmungo. — Na verdade, tenho assuntos a tratar com a sua banda.
O sorriso de foi se desfazendo gradativamente ao somar dois mais dois e entender quem era ela.
— Eles enviaram alguém — murmurou mais para si mesmo.
Ela concordou com a cabeça, deixando-o agora embasbacado.
— Sim, fui enviada pelo Conselho Sobrenatural.
Se sentia o mínimo de simpatia por , ela se esvaiu naquele momento. E se pudesse ficar mais pálido do que já era, teria ficado. Ele sabia que iam enviar alguém porque recebeu uma notificação em sua casa, mas não esperava que fosse logo ela.
— Aquele dia, na sua casa... — ele começou a falar, imaginando que tinha sido manipulado para entregar seu sangue à uma bruxa do Conselho.
— Não! — ela captou logo o que ele estava querendo dizer, pelo jeito que se alarmou. — Aquele dia não tem nada a ver com meu trabalho, eu realmente estava trabalhando em uma porção pessoal que acabou não dando certo. — Ela coçou a nuca.
não sabia o que pensar. Sua mente estava tomada pelo pavor de seu sangue estar nas mãos do Conselho, todos sabiam que os funcionários não eram flores que se cheire. Eles sempre estão à espreita e, quando têm algo contra você, dão um jeito de reunir todo o tipo de prova para te incriminar.
— Acredite em mim, eu também me surpreendi quando abri o arquivo e vi sua foto.
Cruzou os braços e quase bufou, mas se conteve.
— Uma das principais regras do mundo sobrenatural é nunca acreditar em um funcionário do Conselho. Então, não. Eu não acredito que seja uma coincidência.
Ela deu de ombros.
— Não posso te culpar por isso, sei o que falam por aí.
Os dois se encararam por alguns segundos. pensou que fazia sentido ela ter o beijado, eles realmente faziam de tudo para conseguir o que queriam. Estava decepcionado consigo mesmo por ter deixado com que isso acontecesse, mas estava feito.
Suspirou.
— É sobre a banda, afinal?
— Sim, vocês estão chamando muita atenção dos humanos, principalmente você. — Ela olhou para os dois lados, parecendo desconfiar que alguém pudesse estar ouvindo.
O faro aguçado dele indicaria se alguém estivesse ali, mortal ou imortal, mas o nariz traidor dele estava ocupado demais afundado em canela. Alguns passos ecoaram pelo chão de madeira, indicando que havia outras pessoas no lugar.
— Tem um lugar mais privado para termos essa conversa? — perguntou.
— O camarim, onde estão os outros membros da banda. Só que está cheio de gente da minha espécie lá e sabe como eles não toleram os da sua espécie. — Sentiu-se patético falando em códigos assim, mas sabia que ela o censuraria caso utilizassem as palavras certas por achar que tinha alguém ouvindo.
— Seria bom conhecer seus amigos e o camarim de bandas como a sua para colocar no relatório que vai para o Comitê — ela falou como se quisesse aceitar o que ele achou que era uma ideia absurda.
Ele soltou uma risada. Já ela fechou os olhos, parecendo uma bomba-relógio de raiva prestes a explodir.
— É sério? — perguntou, desacreditado.
— Claro que é! — respondeu, furiosa, e abriu os olhos.
riu novamente, mas agora da reação dela.
Quando se deu conta, o riso cessou abruptamente e estava sério. Não por querer, mas por ter sido forçado com magia. Ela sorriu vitoriosa.
— Nunca ouviu falar para não irritar alguém da minha espécie, ? — perguntou, se aproximando e tocando com o indicador o peito dele coberto pela camisa preta de botões. — Agora, ou colabora com o Conselho ou te deixarei de boca fechada por um dia. Não é recomendado usar truques nos diálogos profissionais, mas estou trabalhando na melhor noite do ano e estou sem paciência para ser a diversão de alguém, além de mim mesma. — Ela olhou para cima, fitando-o com um sorrisinho, tirando o dedo do peito dele. — E, então, vai querer colaborar?
Ele concordou com a cabeça, porque sua boca parecia ter sido costurada. Não acreditava que ela tinha usado magia em uma festa e apostava que ela estaria em apuros se o chefe dela soubesse disso. Ele teria zero credibilidade se resolvesse delatar, vampiros eram criaturas mentirosas e funcionários do Conselho eram corretos aos olhos deles mesmos.
Ela ergueu o indicador até a boca dele e com a unha cortou a linha mágica que a mantinha fechada.
— Se você não fosse do Conselho, eu me negaria a fazer qualquer coisa depois disso daqui — resmungou, tocando os lábios para checar se tinha sido machucado, quem sabe servisse como prova contra ela.
— Me dê soluções para entrar no camarim ou farei de novo — ela disse enquanto dava um passo para trás, parecendo estar sufocada. Ele estranhou, mas não ia reclamar e correr o risco de ser calado de novo.
— Está bem, está bem — franziu o cenho, incomodado com a possibilidade. — Podemos fazer o seguinte: eu vou colocar meu cheiro em você. Vai disfarçar o seu de bruxaria, mas não pode sair do meu lado ou vão desconfiar. E, quando perguntarem, você é apenas uma humana que está saindo comigo. Faremos isso até que eu reúna todos os integrantes da banda e despiste os outros.
o encarava com as duas sobrancelhas arqueadas.
— Ok, como vou cheirar a você? — ela perguntou com certa inocência, ele soltou uma risadinha sacana por isso. Arregalou os olhos, surpresa. — Não, mil vezes não!
Já esperava que ela interpretasse tudo errado.
Sua espécie não faz muito meu tipo — respondeu, divertido. — Eu vou te abraçar por um minuto e é o suficiente.
A postura dela pareceu endurecer, mas apenas disse:
— Tudo bem, vá em frente.
ficou sem jeito de executar aquilo, estava prestes a abraçar uma bruxa e funcionária do Conselho. Tentou encontrar outras maneiras, mas não havia jeito menos constrangedor.
Ergueu os braços e a puxou pela nuca para se aconchegar em seu peito. , que parecia mais um tronco de árvore de tão dura, não reagiu. Suas mãos deslizaram pelos braços dela, espalhando mais o sangue falso pela pele. Ela era quente como uma humana deveria ser, mas pensar que tinha o poder de lançar um feitiço nele a fez parecer mais forte do que as outras e não teve medo de quebrá-la enquanto a segurava. Tocou a sua cintura e a virou para que ficasse de costas. Depois, moveu as mãos para deslizar pelo cabelo dela que emanava o aroma doce característico e assistiu a garota fechar os olhos através do reflexo no espelho, apreciando o toque. Sentiu a vontade de enterrar as presas no pescoço dela e provar do sangue que o deixou bem alimentado crescer em seu âmago, mas tinha amor à sua não-vida e resolveu focar em outra parte do corpo da garota. Ele colou a barriga às costas dela e passou os braços pelos seus ombros, abraçando-a.
Sussurrou no ouvido da garota:
— Este é mais um segredo que deve permanecer entre nós?
Ela sorriu, ainda de olhos fechados.
— Ninguém acreditaria se você contasse.
sorriu de lado. Seus amigos perguntariam o motivo do seu cheiro nela depois que soubessem de quem se tratava. Ele não tinha problema em falar a verdade para os três, fez o que tinha que ser feito. Se eles acreditariam, era outra história.
Soltou a garota e, por um momento, pensou ter a ouvido choramingar bem baixinho. Deveria estar ouvindo coisas. Ela ajeitou o vestido e colocou o cabelo no lugar, depois o encarou com petulância.
— Por que está me observando? Ande, indique o caminho — mandou.
Ele rolou os olhos novamente e tomou a frente.

* * *




Abraçar foi mais difícil do que ela pensou, parecia tudo uma coreografia que antecedesse a mordida. Se ela não tivesse tanto autocontrole teria entregado que o feitiço não tinha dado certo e agora ela tinha uma ligação com ele, por isso precisava desesperadamente que as mãos dele continuassem nela. Só que preferia comer formigas a admitir isso. Então, preferiu permanecer estática enquanto ele fazia todo o trabalho.
Assim que passaram pelo segurança que guardava o camarim, ele segurou a mão dela e sussurrou:
— Se você tem algum lado atriz está na hora de usá-lo... Ou estaremos bem encrencados.
— Deixa comigo — sussurrou de volta.
Eles andaram até um corredor com três portas brancas e entraram na primeira. O lugar, apesar de amplo, estava abarrotado de vampiros. A atenção de quase todos se voltou para os dois que entraram.
! — alguém gritou e todos gritaram em aprovação.
Uma mulher de cabelo curto se jogou em cima dele e alisou o seu peito. Pela demora de em tomar uma atitude, julgou que estava sorrindo e aprovando o gesto. A mulher começou a falar algo impossível de escutar, mas ela sabia que preferia continuar assim — era perigoso vomitar se escutasse, julgando pelo olhar lançado a ele. Ela precisava tomar uma atitude ou ele entregaria os dois. se colocou ao lado dele e abraçou o seu braço, sorrindo para a mulher.
— Quem é sua amiga, amor? — ela perguntou, a última palavra cortando o ar. Poderia ter usado magia para fazê-lo voltar aos eixos, mas teve medo de intensificar o cheiro de bruxaria que comentara e todos os vampiros pudessem farejá-la de uma vez só.
Ele pareceu acordar de um transe e extremamente insatisfeito por isso. Pegou pela cintura, forçando um sorriso que quase a fez sorrir também. Queria que Violet tivesse vindo, ela morreria de rir com a cena.
— Samyra, essa é a , minha namorada — ele disse, entredentes.
— É um prazer, Samyra. — Ela esticou a mão para cumprimentar a vampira, que a pegou enquanto estudava .
— O prazer é todo meu. — Seus olhos censuravam , que apenas sorria daquele modo esquisito. A bruxa pensou que provavelmente quando a vampira tivesse oportunidade, questionaria por estar dando preferência a uma mortal.
Esse não era um problema dela. Por isso, quando a mulher saiu da frente, eles continuaram furando as pessoas que paravam para cumprimentá-lo. Ele era bem popular entre a comunidade, o que era curioso porque lembrava de ter lido no relatório o contrário. Será que algum estagiário fez seu trabalho errado?
Ao se sentar no único lugar disponível, deu dois tapinhas em sua coxa para que ela se sentasse. se controlou para não semicerrar os olhos e questionar. Sabia que eles estavam fingindo ter algo e que precisava ficar perto de , mas não pensou que precisava ficar literalmente em cima dele. Sentou-se de maneira desconfortável em sua perna grande, ele a puxou para se aninhar em seu peito.
— Eu vou torcer o seu pescoço quando sairmos daqui — ela prometeu, deitando-se no vão de seu pescoço frio para tentar se acomodar melhor. Ele tinha cheiro de couro, almíscar e noite, todo o seu ser se deleitou como se ela estivesse em um lugar familiar que desejou por muito tempo estar de novo.
— Isso não me mataria — ele se gabou.
— Mas doeria muito.
sorriu brevemente.
— Espero que essa ceninha conte alguns pontos ao meu favor no Conselho. Não quero que nossa bela atuação seja em vão. Aliás, você me fez perder uma garota com isso daqui.
Ela se afastou para olhá-lo nos olhos. Sentiu o peso da proximidade em seus ombros e a sensação que a puxava para ele acender com força total em seu interior. Por sorte, era boa em disfarçar.
— Você pretendia mesmo dormir com ela? Ouvi dizer que anda preferindo pessoas com mais calor — zombou.
Um vampiro que sai com humanas e acaba se alimentando de bolsas de sangue era no mínimo patético. O Conselho permitia que os vampiros extraíssem o próprio sangue, contanto que fosse pelo menos um pouco confortável para o humano — eles usavam seu poder de sedução e o chamativo para este fim — e sua memória fosse apagada depois. Não dava para garantir que cada vampiro não usasse a força para beber sangue, era mais uma recomendação do que uma norma em si. Porém, se o Conselho desconfiasse de que uma criatura andava fazendo vítimas, receberia uma advertência. A intenção era causar o menor impacto possível na vida humana e poderem continuar compartilhando o mesmo ambiente.
não sabia a exata motivação de um vampiro para fazer a escolha de se alimentar apenas de bolsas de sangue, mas sabia que alguns preferiam não se misturar com humanos de forma alguma. parecia ter escolhido o contrário.
Ele arqueou as duas sobrancelhas grossas, surpreso.
— Vocês sabem até com quem eu durmo?
— Nós sabemos de tudo, os nossos detetives são bem detalhistas com as informações.
Eram vampiros, por isso devem ter passado batido pelo faro de .
— Ah, agora sei o motivo que você saiu correndo daquele jeito — ouviu alguém por perto dizer, provavelmente para quem estava embaixo dela. — Tinha uma garota envolvida nisso.
Ela se virou e deu de cara com um dos vampiros que estavam no palco mais cedo. Três segundos depois, detectou a presença dos outros por perto também.
— Prazer, Kenny. — Ele esticou a mão, ela a aceitou em um aperto firme.
, mas pode me chamar de . Eu sou a fun...
— A minha namorada — a cortou e pousou a palma da mão possessivamente em sua coxa. Ela sentiu arrepios vindo do toque e deu uma estremecida imperceptível. Não entendeu o que tinha dado nele, achou que poderiam revelar ao menos para os amigos dele.
— É sério? — Ele repreendeu o amigo com o olhar e algo se iluminou em seu rosto. — Espera, vocês estão saindo desde aquele dia em julho?
— É...? — soou mais como uma pergunta do que uma afirmação. Olhou para , pedindo direções de como prosseguir.
— Sim — respondeu.
— Mas você saiu com outras mulheres — o outro observou.
Ela fechou a cara para , esperando como explicaria ter um par de chifres se não fazia uma hora que era namorada dele. O vampiro embaixo dela pigarreou.
— Não se preocupe. Depois você vai saber com detalhes sobre a nossa linda história de amor — disse, cheio de sarcasmo. — , aqueles são Johnny e o Josh. Eles são os outros integrantes da banda.
Ele apontou os outros dois que estavam ali por perto conversando. Josh conversava com a outra única mulher que estava fantasiada ali dentro, enlaçava sua cintura. Era uma humana e vestia uma fantasia de bruxa, quase riu pela audácia de estar no meio de vários vampiros vestida assim. Já simpatizou com a garota.
— Kenny, reúna os outros dois na sala ao lado. Preciso falar com vocês sobre um assunto urgente — pediu.
— Agora? — Ele deixou cair os ombros e concordou com a cabeça. — Preciso descansar, cara. Por que você não aproveita sua garota um pouco e me deixa pegar pelo menos uma cerveja?
— Tudo bem, vá pegar sua cerveja e chame os dois. Nós dois vamos conferir se a sala ao lado está vazia.
Kenny concordou com a cabeça e saiu, deixando os dois. Ela imediatamente franziu o cenho e encarou com o olhar acusador.
— Por que não me deixou falar a verdade para ele? — perguntou em um tom baixo, só para que ele escutasse.
— Você quer mesmo falar a verdade em um lugar como esse? — ele perguntou de volta, arqueando uma sobrancelha.
Ela suavizou a expressão, se lembrando de onde estava. Ele tinha razão, seria perigoso demais revelar que era uma funcionária do Conselho sentada no colo de um vampiro em uma sala lotada de outros vampiros. Chamaria atenção demais. Ela poderia ser de qualquer espécie, mas bastava uma atenção a mais para desconfiarem do seu cheiro.
— Vem. Vamos checar a sala, amor — pediu, destacando a última palavra.
Eles atravessaram o cômodo praticamente colados um no outro. O coração de bombeava o sangue rápido demais pela adrenalina e ela se perguntou se aquilo chamaria atenção das criaturas à sua volta. Sabia que não deixaria nada acontecer com ela por medo de uma punição do Conselho, mas ainda temeu pela sua segurança. Bastava um desconfiar, virar e enterrar suas presas no pescoço dela. Ela poderia usar magia para tirar qualquer vampiro de cima, porém, podiam machucá-la gravemente antes disso. Encolheu-se mais contra o peito de , sentindo mais segurança conforme ele os conduzia para a saída.
O corredor agora estava cheio de gente tentando entrar no cômodo. Enquanto eles furavam mais pessoas, alguém resmungou:
— Nossa, mas que fedor de bruxaria! Está sentindo?
Ela arregalou os olhos e, no segundo seguinte, foi jogada em um armário de vassouras.
— Merda, maldito olfato! — esbravejou em um tom de voz mínimo. Cabos de madeira bateram entre si pela entrada repentina deles. — Você usou algum tipo de bruxaria desde que entrou aqui? — sussurrou em meio a escuridão.
— Não, eu não fiz absolutamente nada.
Ele suspirou, sem saber o que fazer por um momento. Ela ficou apavorada pela possibilidade de ser descoberta só por ouvi-lo suspirar.
— Não é seguro continuar aqui, vou reforçar meu cheiro em você e depois sairemos — declarou, por fim.
— E os outros?
— Avisarei a eles que você é do Conselho depois. Agora, se nós não quisermos conflito, é melhor te tirar daqui.
Ela concordou com a cabeça, mas obviamente ele não viu. Não era muito de concordar e acatar ordens, mas tinha a impressão de que se não obedecesse ao vampiro nesse momento, colocaria sua segurança e a dele em risco. Ficou receosa de ser tocada por de novo, não sabia qual onda de emoção o toque desencadearia dessa vez e se seria suportável. Da última vez, há poucos minutos, quase colocara tudo a perder.
Concluiu que era melhor que ela começasse dessa vez para não correr o risco de novo. O seu toque alcançou o que julgou ser a lapela da camiseta dele e o puxou para seu encontro, os braços fortes enlaçaram a cintura e suas mãos descansaram na base da coluna dela. conteve um suspiro pelo alívio de estar em contato com ele de novo, era como se a sensação gritasse até ser atendida e, quando finalmente era, seu corpo ficava tomado pela libertação. Lembrou-se de que era a culpada por aquilo e que poderia afetar seu trabalho diretamente. Só tinha a se amaldiçoar por isso, mas não serviu para diminuir a sensação de alívio. Ela abraçou o pescoço dele e inspirou até encher seus pulmões do cheiro de noite que vinha dos fios compridos do vampiro. As imagens que cultivou em seus pensamentos dos dois se beijando em meio ao sangue surgiram como flashes em suas pálpebras fechadas. Ela acabou por arfar. Ao contrário da outra vez que deixou escapar, julgou que dessa ele escutou perfeitamente devido ao seu ouvido perto do rosto dela.
? — chamou baixinho.
— Sim?
— Está tudo bem? Estou te machucando? — ele fez menção de se afastar.
— Oh, não — ela o segurou firme no lugar. — É só que... — ponderou por um minuto — ...você abraça muito bem e... eu estava precisando de um abraço — inventou. Teve vontade de enterrar a cabeça mais fundo no cabelo dele para se esconder dessa mentira ridícula.
— Ah, está tudo bem — ele parecia surpreso. — Você está segura comigo, não vou deixar com que nada te aconteça.
Ela sorriu de olhos fechados por alguns segundos, estava perfeitamente ciente do contato íntimo até demais e queria se irritar consigo mesma por não estar reagindo de maneira mais apropriada.
— Você deve estar mesmo querendo alguns pontos a mais com o Conselho.
Ele suspirou.
— Você estando a mando do Conselho ou não, eu jamais deixaria que alguém te machucasse. Não é do meu feitio — respondeu, firme. Ela reparou que mesmo em um ambiente pequeno como o que estavam, a voz dele meio que dançava em ondas até o ouvido dela. Da mesma forma que aconteceu na outra vez, ela teve impressão de que parecia uma canção para o ato final.
O encanto era muito forte, nunca experimentou nada do tipo. Nem quando ela ainda estava estudando e desenvolvendo porções e tinha que ser sua própria cobaia. A magia dos vampiros era forte e isso a deixava embasbacada. Ela era humana, mas também tinha magia correndo em seu sangue, por isso, não fazia sentido que a atingisse com força total assim como uma pessoa que não possuía a marca.
Precisava estudar mais. Precisava saber o que estava acontecendo e como sair dessa.
— Bem, você ganhou alguns pontos comigo, então obrigada. — Forçou seus membros a soltá-lo. O corpo todo protestou ao mesmo tempo, como se ela tivesse arrancado um grande esparadrapo de uma ferida.
— Sem problemas. Eu costumava precisar de abraços quando era humano, sei o quanto essa vida pode ser difícil — respondeu. Repentinamente, se encheu de curiosidade de saber mais sobre ele, assim como foi quando eles se conheceram. — E, então, vamos?
Ela concordou com a cabeça.
— Eu cubro suas costas — ele disse, abrindo a porta. A claridade irrompeu pelo ambiente como um lembrete de que havia outros seres rondando. Parecia que quando via , o mundo se resumia a ele. Odiou-se pelo pensamento.
Como eles não chamariam atenção se o vampiro em si já era um ímã de olhares?
Ela quem tomou a frente dessa vez. Imediatamente após passar, sentiu-o cobrir suas costas com todo o seu corpanzil. Parecia estar mais protegida depois de saber que ele não deixaria que nada lhe acontecesse. Era péssimo depender da palavra de um vampiro porque eles são vis, mas ela sentia verdade irradiando dele. Provavelmente o pouco que confiava nele vinha da ligação que eles tinham, afinal, o predador precisava da confiança da presa. No momento, preferia apenas acreditar que ele era fora da curva e apenas um cara legal para o bem de sua sanidade.
Ele a soltou quando passaram pela segurança do camarim.
— Vou avisar ao Kenny — informou e voltou ao corredor abarrotado. Ela ficou sem saber se ia embora ou se o esperava. No fim, preferiu esperar para que eles pudessem pelo menos conversar sobre o futuro da banda e poder ter um plano traçado para entregar para Burns.
Ao contrário do show, agora o Clube não estava tão cheio. Ela desconfiava que era por boa parte estar dentro do camarim no espaço apertado. Puxou o casaco de dentro da bolsa que carregava consigo e vestiu, se preparando para o frio outonal que estava do lado de fora.
Esperava veemente que o trabalho com a banda fosse mínimo porque não teria saúde mental para lidar com toda a submissão que aquela ligação a forçava ter. Cada vez, ficaria mais aparente. Fora que aquela atitude dela beirava o intragável.
voltou e a conduziu para a saída com a mão em sua cintura. Pensou que o contato era íntimo demais para duas pessoas que não precisavam mais fingir, mas apenas continuou a andar sem verbalizar.
— O que as bruxas fazem no Halloween? — perguntou quando a noite se tornou visível.
— O mesmo que os humanos. Nós nos divertimos com fantasias, festas, gostosuras ou travessuras, talvez uma porção ali ou aqui — deu de ombros. — Para vocês é um pouco diferente, não é?
Eles começaram uma caminhada contra o vento que soprava. Ela não se atinha ao frio entrando pelo seu casaco, só a ele.
— Sim, é a noite que não precisamos esconder nossas presas, que os humanos ficam mais suscetíveis a nós e beber sangue parece um ato mágico.
— Uma definição própria de gostosuras ou travessuras — brincou. Ele sorriu, mostrando os caninos longos por natureza. — Por que você não está usando suas presas então?
— É costume. Que diferença faz deixar aparecer um dia do ano se nos outros não posso?
— Pelo ato revolucionário de mostrar as presas pelo menos uma vez no ano. — Ergueu a mão, transformando seus caninos em presas. — O que acha?
Ele a observou. A risada que saiu da sua boca ecoou pela noite, ela também sorriu por causa do som.
— Você daria uma boa vampira, tem a autoestima alta que é o básico do manual.
— Como sabe que eu tenho uma autoestima alta?
A magia se esvaiu e as presas sumiram.
— Só de observar você dançar naquela outra noite já foi o suficiente para concluir.
Ela ia se deixando levar pelo assunto e contando que tinha um motivo para ter adquirido essa autoestima, mas geraria perguntas. Não estava pronta para responder à questionamentos em uma conversa casual com alguém que não conhecia tão bem.
— Eu gosto de dançar, faz bem para a alma — mudou a direção da conversa antes que começasse a agir estranho. — Esperava poder fazer um pouco disso hoje, mas meu chefe me encurralou e disse que tenho que resolver o problema de vocês o mais rápido possível.
— E como pretende fazer isso?
Um número grande de crianças passou por eles, fantasiadas, gritando e correndo. Os dois tiveram que se separar para não serem atropelados por elas.
— Vou passar o que vi hoje para ele, dizer que não foi nada fora da curva. As festas no camarim são para vampiros notoriamente. A única humana que vi estava com seu amigo e parecia bem familiarizada com o ambiente.
— Ah, a April é noiva do Josh. Ela sabe de tudo. — Ele voltou a andar perto dela quando a última criança passou por eles. — Eu não quero problema com o Conselho, mas se a ordem que receber for para acabar com a banda, já vou avisando que não desistirei. Em tantos anos de imortalidade, eu encontrei algo que valha a pena correr atrás e não estou disposto a voltar para a estaca zero.
Ela concordou com a cabeça. Parecia razoável, a banda dele já tinha uma considerável fama. Não deveria ter sido fácil carregá-la até onde estava.
— Vou ter isso em mente.
Ao virarem a esquina da rua da casa dela, começou uma chuva fina e em grande quantidade. Dispararam numa corrida rápida até o prédio. foi educado e não usou sua super velocidade, correu lado a lado com a garota. Os dois estavam ensopados quando chegaram no hall de entrada da construção.
— Quer subir? Está uma chuva terrível e... Bem, tem algo que quero te mostrar.
Ele pareceu ponderar por um momento, depois, deu de ombros e concordou com a cabeça. Não tinha ninguém ali que os conhecessem, então não havia problema serem vistos juntos. Subiram as escadas. Ela testou as luzes do corredor e, para variar, estavam sem funcionar — o que indicava que o prédio estava sem energia elétrica. Nada que ela não estivesse acostumada, principalmente ao chover.
Destrancou a porta para entrarem. Eles deixaram os sapatos molhados na soleira. acendeu uma vela, depois passou a mão pelo ar, acendendo o resto com magia. Percebeu que arqueou as sobrancelhas em surpresa.
— Parece que você melhorou o seu modo de acender velas desde a última vez que estive aqui — comentou.
— Eu tento não usar muita magia no cotidiano, minha avó diz que ela pode cegar e te fazer perder a habilidade de fazer coisas simples. Só que estou molhada e sem paciência para acender uma por uma. — Enfiou-se no armário do corredor, voltando com duas toalhas e entregando uma para ele. Pegou-a de suas mãos e pôs a se secar.
Enquanto também se secava e manchava a toalha de vermelho, ela o observava. Percebeu que o quer que estivesse a puxando para ele se tornara até tolerável depois de saírem do Clube, acabou por ficar curiosa pelo motivo. Pensou em perguntar, mas estava analisando como fazer isso sem levantar suspeitas.
— Que tal bebermos uma garrafa de vinho?
Parece ser a porta de entrada perfeita para saber mais sobre a ligação e talvez me livrar dela, pensou.
Percebeu que ele ficou meio receoso em responder, por isso logo se adiantou:
— Você também está seguro, . Finja que só estou precisando de uma companhia para essa noite solitária de Halloween enquanto a chuva cai lá fora. Esqueça que sou do Conselho por alguns minutos.
Ele suspirou e deu um sorrisinho de lado.
— Tudo bem.
Ela sorriu de volta, triunfante. Foi atrás do vinho e do saca-rolha. Quando o chamou para subir, primeiro pensou que seria mal-educado se não o fizesse, já que ele a ajudou, acompanhou até em casa e estava chovendo; porém, pensou que já que provavelmente Burns a faria encontrar mais vezes com ele para trabalho, poderia tentar ser mais amigável.
Ela serviu duas taças e entregou uma para ele, que ainda estava parado na porta com a toalha pendurada no ombro. A postura estava rígida demais. Ela teria que dar um jeito de conquistar sua confiança de outra forma. Entrou no quarto que usava para guardar toda sua bagunça e tirou de lá um potinho que estava começando a pegar poeira. Ao voltar para a sala, entregou-o em sua mão.
— Seu sangue — explicou, pegando sua taça que estava no balcão para bebericar do líquido. — Eu te disse que foi uma surpresa quando peguei sua ficha. Agora você pode relaxar um pouco? Ou terei que usar magia para te colocar sentado naquele sofá?
Seus olhos verdes a analisaram, provavelmente para ver se podia mesmo se desarmar. Bebeu uma boa quantidade do vinho para lhe dar coragem de dar esse passo. Depois, se virou e foi até o sofá no qual largou o corpo com elegância. Ela o seguiu para se sentar na poltrona em frente.
— Melhor agora? — perguntou.
Ele cruzou as pernas.
— Bom, eu poderia ficar melhor, você sabe... — disse em tom brincalhão, colocando o pote com sangue na mesa de centro.
Ela soltou uma risada, era bom ver que estava voltando aos poucos. Ele sorriu por trás da taça.
Quando a risada cessou, eles se encararam por um tempo.
— Se eu tivesse nos deixado estabelecer uma ligação quando você me mordeu aquela noite, como seria? — perguntou, tentando fazer com que o seu rosto não tremesse minimamente e entregasse sua mentira.
— Você provavelmente não teria levado essa minha fala como brincadeira e estaria em cima de mim agora, me implorando para te morder. Ou, talvez... — Ele passou a mão que não estava segurando a taça pela extensão da coxa coberta pela calça jeans e a atenção de imediatamente se prendeu aos dedos pálidos como se a carícia fosse nela — ...por você ser uma garota difícil, estivesse se segurando a ponto de subir nas paredes para não dar o braço a torcer. — Ele subiu a carícia para sua barriga e foi até o pescoço, tocando com dois dedos o exato lugar que tinha a mordido. Ela sentiu a própria pele queimar. — Mas a cicatriz da mordida não te deixaria mentir e você sentiria ela me chamar junto dos seus pensamentos, cada vez mais e mais... Você se entregaria a mim, seria só uma questão de tempo — sua voz era profunda. Estremeceu de leve ao imaginar a cena da entrega assim como imaginou nas duas vezes que sua mão foi até a cicatriz. Estava mortificada por estar sentindo o que ele disse. O próximo passo seria se tornar insuportável, assim como foi no camarim e ela não estava pronta para isso. — Ou poderia não acontecer nada, não sei como funciona com bruxas.
O clima estava ficando estranho sem uma resposta dela, então se forçou a responder:
— Entendi. É por isso que vocês são obrigados a apagar a mente das vítimas — preferiu ir por uma margem segura e falar o óbvio.
— Sim. — Ele tirou a mão do pescoço e voltou a descansá-la no colo — Um ser humano comum tem tendências a se tornar doentio a ponto de nos perseguir e implorar para ser mordido. A ligação é parecida com a de um vampiro com seu criador nos primeiros anos, mas ainda mais doentia. Alguns não param até serem drenados.
— E essa ligação pode ficar mais forte em algum tipo de situação? — ela perguntou o que vinha querendo saber, se controlando para parecer casual. Bebeu de sua taça para reforçar a tentativa.
— Várias situações, deixar uma ligação acontecer é um modo que a gente tem de marcar um humano como nosso. Geralmente, ela se torna mais forte quando tem outros vampiros que são predadores em potencial, aqueles que estão com sede e caçando uma presa. Essa é apenas uma forma de garantir a lealdade do humano, por mais forte que seja o chamativo do outro vampiro — explicou. Em seguida, finalizou o conteúdo da taça.
Aquilo fazia sentido para ela.
— Isso acontece até mesmo quando o vampiro que tem a ligação com o humano não está perto?
— Sim. Quando ele não está por perto, o humano exala um cheiro característico de outro vampiro e costuma ser o suficiente para afastar o predador. A menos que ele queira vingar o humano para si, mas isso pode dar o maior problema.
Ela concordou com a cabeça, pensativa. Bebeu o resto do conteúdo para se levantar e ir pegar a garrafa na bancada da cozinha. Ela não deveria ter esse cheiro, não sentiu, então, ou feitiço tinha dado certo nesse quesito ou o cheiro de bruxaria abafava. Também não sentia que a sua ligação com ele era doentia a ponto que ela implorasse para que ele bebesse o seu sangue. Tinha vontade que ele bebesse? Sim, mas não a ponto de implorar por isso.
— Por que a curiosidade? — perguntou, observando-a encher a sua taça.
sorriu para disfarçar que estava pensando em como responder essa pergunta.
— Porque eu sempre sou a escolhida do meu andar para trabalhar com vampiros e percebi que sei tão pouco a respeito da espécie. Eu só entrego intimações, negocio, as vezes tenho que ser um pouco mais... Digamos que ameaçadora, mas nunca quis saber mais. — Ela se serviu e se sentou de novo, colocando a garrafa na mesa de centro ao lado do pote com sangue. — São criaturas fascinantes — mentiu.
Ela não os achava nada fascinantes e, sim, repugnantes. Era um nojo de reparação histórica. Mas, aqui estava , se sentindo dentro de um filme, entrevistando o Brad Pitt em Entrevista Com o Vampiro e gostando de saber mais sobre ele. A memória de sua fantasia estava bem vívida em sua mente, confirmando o que ele disse anteriormente e fazendo-a querer apertar as coxas em excitação.
Sentia-se uma bruxa patética. A pior de uma espécie.
— Duvido que você nos ache fascinantes mesmo — a palavra brincou em seus lábios. Ele soltou uma risadinha, fazendo o líquido balançar dentro da taça. — Tem algum motivo importante por trás das perguntas, mas não precisa me dizer. Eu gosto de garotas misteriosas.
Ela se controlou para não rolar os olhos. Não soube de onde ele tirou que queria agradá-lo com qualquer traço de sua personalidade.
Ele bebeu todo o conteúdo e, depois, pousou a taça vazia na mesinha de centro.
— Então, você trabalha com vampiros...
— Na verdade, eu trabalho com o que mandam, mas geralmente caio com vampiros.
É por isso que estamos aqui hoje, completou mentalmente.
— Você não tem medo de ser mordida de novo? — ele perguntou, chegando para frente e apoiando os cotovelos nas coxas e as mãos em cada lado do maxilar. Parecia um movimento inocente, mas ela se questionou se não era proposital.
— Não, acredito que a experiência foi bem agradável — foi sincera. O pós é que estava a matando, só que ele não saberia.
sorriu.
— Nem todos fazem ser uma experiência boa, . — Deixou a cabeça tombar para um dos lados. — Deveria começar a temer.
— Eu temo, porque sei que, nas costas do Conselho, os da sua espécie nem sempre são delicados e podem querer me machucar por diversos motivos. Agora, de que você me morda de novo? Não tenho.
Os dois se encararam por alguns segundos. Ela detectou algo no ar quase palpável e pensou o que poderia ser. Um convite silencioso?
— Acho que deu a minha hora — declarou, desconfortável no assento.
— Você não beberia do meu sangue de novo? — ela deixou sair antes que pudesse conter as palavras.
— Não — respondeu rápido, sem precisar pensar.
— Porque sou do Conselho? — não foi uma pergunta, apesar de ter saído como uma.
— Pode-se dizer que sim.
Ela sentiu como se fosse um tapa na cara para se tocar quem era e onde trabalhava. No entanto, não levou para o lado seguro; sentiu uma espécie de desafio irrompendo pelo seu peito e uma impulsão. Ela considerava uma fraqueza odiar ser negada, mas era verdade, odiava com todas suas forças. Queria que ele tomasse, queria que fosse fraco também.
— Tem certeza? — ela perguntou, se levantando. Ele olhou para cima, de forma a encará-la. — Não beberia nem um pouquinho?
Alcançou uma agulha que estava ali na outra poltrona junto da linha e uma calça jeans. Espetou o dedo e assistiu as narinas dele inflarem quando o sangue brotou no pontinho de pele. Espremeu o dedo para que algumas gotas caíssem dentro da taça dele. Bastava apenas algumas. Depois, colocou o dedo na boca para estancar o sangue e sentiu o gosto metálico.
— O que está fazendo? — perguntou.
Os olhos dele estavam escuros, parecia por um fio de se levantar. Ela o queria exatamente assim, vulnerável por causa dela. Despejou o resto do conteúdo da garrafa de vinho dentro da taça e a mexeu para misturar. Andou até ele — que estava atento a todos seus movimentos —, embrenhou os dedos nos fios grossos do cabelo dele e puxou com força para deitar sua cabeça no encosto do sofá. Ele abriu a boca para arfar pelo puxão, ela aproveitou para aproximar a borda da taça de cristal de seus lábios. Os olhos desejosos dele passaram a praticamente implorar para que virasse o conteúdo em sua boca. Ela sorriu em triunfo.
— Gostosuras ou travessuras, ? — perguntou, em seguida soltando uma risadinha. — Se responder errado, não vai ganhar nada.
Ele engoliu em seco.
— Os dois.
— Boa resposta.
Virou a taça, deixando o líquido escorrer. A expressão no rosto do vampiro relaxou completamente e parecia entorpecido ao engolir. soube que o tinha em suas mãos.
Ela sabia bem que aquilo era puramente seu orgulho gritando para brincar um pouco com ele e sair por cima.
Os olhos de estavam desfocados e nublados. Ela olhou para seus lábios e percebeu que suas presas estavam alongadas. Queria beijá-lo para provar o gosto da sua boca assim como sua fantasia, queria apreciar o gosto como ele estava fazendo.
Repetiu internamente que não deixaria com que essa ligação a fizesse perder a cabeça. Não a ponto de desejar provar sangue, mesmo que seja dos lábios de um homem tão atraente.
Tirou a taça de sua boca quando o último gole foi bebido. Os olhos dele agora estavam focados na imagem dela e podia se ver na íris vermelha.
— Você é má — sussurrou, os lábios estavam vermelhos quase como os olhos.
Ela apenas riu. Era, de fato, uma atitude perversa da sua parte. Ainda mais, depois de querer conquistar a confiança dele a ponto de mostrar o pote que guardava.
Virou-se para pegar a outra taça. A chuva havia parado, constatou ao olhar pela janela da cozinha. Não queria que fosse embora, mas ele parecia prestes a fazer isso. Pelos seus movimentos, ainda parecia atordoado demais. Era como se ele quisesse sair correndo dali por medo dela. quase riu de seus movimentos apressados. Tinha conquistado o objetivo ao vê-lo perder a cabeça pelo seu sangue. Apesar de ainda desejá-lo, precisava se contentar em só garantir um pouco de controle sobre ele para que sua mente pudesse descansar.
A última vez que havia baixado a guarda e se tornado dependente de um homem, seu mundo desmoronou bem debaixo do nariz e havia se tornado quem se tornou: cheia de si e solitária. Se não fosse por Violet, ela não teria amigos em Nova Iorque. Todos os amigos que fizera foi por causa do seu ex-namorado e acabaram ficando do lado dele.
Essa ligação ameaçava toda a vida que lutou para ajeitar.
terminou de calçar seus coturnos. Ela parou em sua frente, sentindo o cheiro forte de álcool e perfume masculino.
— Aonde vai, ? — perguntou com um falso tom doce.
— E-eu... preciso ir — murmurou com a voz grave e intensa. Ela estava achando muita graça do assombro dele, parecia que tinha visto um fantasma. Ficou curiosa para saber o que estava passando em sua mente com exatidão.
Ela destrancou a porta e assistiu a ele praticamente tropeçar em seus próprios pés ao passar pelo batente com a pressa.
? — chamou-o. Ele olhou para trás pelo ombro. — Happy Halloween, baby.





Depois que saiu da casa de , ele praticamente correu até a sua. Os dedos trêmulos destrancaram a porta do porão que morava com certa dificuldade, se atrapalhando diversas vezes. Ele entrou em um rompante e apoiou as costas na madeira assim que a fechou. Havia mais de décadas que não se sentia tão fora de controle por causa de sangue, desde que deixou de ser um recém-criado para ser exato. Porém, aquelas gotinhas do sangue doce dela misturadas à sua bebida favorita... O olhar que lhe lançava enquanto cometia esse ato de crueldade...
Ela quer acabar comigo, pensou.
Ele estava convencido de que ela queria desafiá-lo, queria ver até onde ele iria pelo sangue dela, para depois usar isso contra ele no Conselho de alguma forma. As perguntas sobre vampiros, as velas, o convite, o sangue, gotículas de suor brotando na pele dela e deslizando pelo seu colo... Parecia tudo proposital. Milimetricamente calculado por uma mente fria que só alguém da espécie dela teria a capacidade.
Ele não permitiria com que o plano se concretizasse, não cairia nos encantos de uma bruxa.
E pensar que chegou a acreditar que as intenções dela eram puras ao pedir por uma companhia. Se não se cuidasse, ela o arruinaria para sempre. Tudo que ele veio lutando para conseguir até esse ponto na sua vida, destroçaria com aquele maldito sorriso perverso no rosto.
No momento que o conteúdo da taça acabou, ele pensou várias vezes em puxá-la para o sofá. Beijaria todos os pedaços a mostra de sua pele e faria com que implorasse para ter as presas dele em seu pescoço fino. Porém, o seu cérebro — apesar de não parecer estar funcionando, provou que estava — alertou que poderia vir a ser uma armadilha e ele julgou que o melhor era dar o fora o mais rápido que conseguisse. Mas, antes que saísse, quando ela fez a pergunta naquele tom... Ele teve vontade de imprensar a garota na porta e fazer loucuras.
Vampiros não desejavam bruxas, eles as odiavam, e precisou se lembrar disso antes de dar a ela mais uma brecha.
Sua parte irracional se arrependia, mas a racional estava aliviada de ter agido rápido.
Não sabia ainda qual a relação entre beber o sangue dela e aquela ereção dolorosa, só que o incomodava profundamente durante longos minutos. Decidiu tomar um banho frio. Não que a temperatura fizesse diferença em seu corpo, mas precisava acalmar os ânimos e usaria o banho para este fim.
Quando já deveria estar amanhecendo, , em seu quarto escuro, adormeceu pensando em uma garota gótica que cheirava a canela e bruxaria.

* * *




Segunda-feira, um pouco depois que a noite caiu, todos os membros da banda se encontravam no Clube. foi o último a chegar, pois teve que esperar uma encomenda de bolsas de sangue. Kenny e Josh conversavam entre si enquanto Johnny tinha o rosto enterrado no pescoço de uma humana.
resmungou baixo quando ele deixou um filete de sangue deslizar pela pele da garota. Ela parecia presa demais e alheia à existência de pessoas no mesmo recinto, entorpecida pelos encantos do vampiro.
Johnny pareceu ouvir o descontentamento do líder porque se desgrudou da garota para reclamar:
— Qual é, cara? Está com nojo de sangue agora só porque virou vegetariano?
rolou os olhos. Os outros dois homens pararam com a conversa e riram.
— Beber sangue de bolsas não é ser vegetariano — resmungou, mas o vampiro já estava ocupado demais enterrado outra vez no pescoço para responder.
Ele cumprimentou os amigos e pousou o baixo no palco que eles estavam sentados. Ultimamente, andava bem ranzinza com essas demonstrações da sua espécie, preferindo as bolsas de sangue. Pelo menos, não precisava se sentir um monstro por usar pessoas e apagar suas memórias.
— A noite de Halloween foi boa? — Kenny perguntou, sugestivo. Já sabia o motivo da pergunta, ele se lembrava de ver correndo com depois de pedir que reunisse a banda.
tinha calafrios só de repassar a noite em sua mente. Seu semblante mudou, a preocupação o invadindo.
— Aquela mulher vai acabar comigo — ele colocou para fora o que vinha pensando.
Josh soltou outra risada.
— Mulheres... — Kenny bufou.
— Não... Essa é diferente. Eu nunca sei a próxima coisa que ela vai aprontar — suspirou. — Falei que não beberia do sangue dela e, para me contrariar, ela furou o dedo com uma agulha, espremeu dentro de um copo e misturou com vinho. Me fez beber tudo depois.
— Parece que o grande foi desmoralizado com estilo — Josh sorriu de lado.
— Ei. Vai com calma, cara — ele respondeu, ofendido. Ouvir que foi desmoralizado por uma bruxa era tão desagradável quanto desejar uma. Precisava desviar o assunto e contar a verdade sobre para os amigos. — Eu menti que ela era minha garota aquele dia. Na verdade, ela trabalha para o Conselho, eles estão na nossa cola.
Kenny ficou surpreso, mas o outro continuou com sua expressão impassível de sempre.
— Eu sabia que você não começaria a namorar sem falar nada — Kenny disse.
semicerrou os olhos.
— Você absorveu isso do que falei? — repreendeu-o. — O Conselho está na nossa cola, na cola da banda.
— O que eles querem? — foi Josh que perguntou.
— Aparentemente, ela só queria avisar que estávamos chamando muita atenção dos humanos e ver como tudo funcionava. Acho que ela entrou no camarim para ver se não havia um banquete sangrento promovido por nós.
— E por que você teve que fingir que ela era sua namorada? — Kenny perguntou, voltando ao assunto. — Ela poderia só ter entrado ao seu lado, sem precisar de uma desculpa.
— Ela é uma bruxa — ele revelou de uma vez, como se tirasse um band-aid. Kenny fez uma careta e Johnny desgrudou da menina para olhar com cara de nojo para . — Eu sei, eu sei. Ajudei porque qualquer ponto a mais com o Conselho é valioso. Não pude simplesmente bater o pé e falar que não queria colaborar, só nos prejudicaria.
— Você bebeu sangue de bruxa? — Kenny disse com asco. concordou com relutância. Josh riu, parecia estar se divertindo mais do que todo mundo ali em uma piada interna.
— Já provou sangue de bruxa? É muito bom, a magia te deixa alimentado por um tempo e aumenta seus poderes — defendeu-se.
— Não e nem pretendo! — afirmou. — Eco. Você deixou com que uma bruxa te alimentasse. Isso é pior que ser vaiado por uma multidão ou ficar de castigo por um mês com os caninos presos.
— E ele gostou bastante da bruxa — Josh adicionou com um sorrisinho. — As duas vezes. Tanto que teve que se aliviar sozinho pensando nela depois que chegou em casa.
Kenny olhou horrorizado para .
— Fique fora da minha mente! — ele bradou. A voz ecoou pelo pátio. Preferia que esse detalhe não chegasse aos ouvidos dos amigos, mas deveria ter desconfiado que Josh seria mais rápido em sua gracinha.
A humana saiu pela porta, provavelmente depois de ouvir algumas palavras de hipnose e ter sua ferida lambida. Johnny se aproximou para se sentar perto deles.
— O que o fez?
— Duas vezes?! — Kenny parecia em choque.
— O está saindo com uma bruxa e bebendo o sangue dela — Josh explicou.
Agora, Kenny e Johnny pareciam horrorizados. começou a sentir vergonha e irritação darem vagos sinais pelo seu corpo. Esse não era o ponto da conversa que queria ter com eles. Se Josh tivesse ficado de boca calada — como sempre ficava a não ser em situações como essa —, poderiam focar no que importava de verdade.
— Será que dá para vocês se concentrarem no fato que o Conselho está atrás do nosso rabo? Isso nunca é um bom sinal, sabem que um movimento em falso e colocam um alvo na nossa cabeça. — Olhou para Kenny. — Ficar com as presas suspensas por um mês não será nem perto do castigo que eles vão nos dar.
— Acho que o máximo que pode acontecer é pedirem para acabar com a banda — Josh respondeu, alisando a calça.
franziu o cenho.
— Já avisei para a que não estou disposto a aceitar sem brigar por isso.
? É esse o nome dela? — Johnny perguntou, cruzando as pernas e os braços numa posição desconfiada. — E você trata a bruxa pelo nome?
— Queria que eu a chamasse como? Senhorita Bruxa do Conselho? Ela mesma se apresentou para o Kenny pelo nome e apelido. — passou as mãos pelo cabelo, tentando colocar as ideias no lugar. Duas conversas estavam rolando ali. — Vocês estão fazendo muito caso para pouca coisa, não rolou nada entre nós dois a não ser ter bebido do sangue dela. Não pretendo fazer de novo.
— Se ela contar isso para alguém, sua reputação estará na merda, cara. E a banda e nós vamos junto — Kenny observou. concluiu que ele estava certo.
Uma banda que o líder bebe sangue da espécie rival de uma maneira amigável. Quão ridículo seria ouvir isso?, ele pensou.
— Você realmente... ficou... — pigarreou, parecendo extremamente sem graça. — ...excitado com uma bruxa?
estava envergonhado de novo. Johnny o analisava com uma cara de quem estava prestes a vomitar.
— Tem algo no sangue dela que faz isso — respondeu com mais vergonha do que Kenny ao fazer a pergunta.
— Ah, cara! — Johnny explodiu em revolta. — Você é extremamente nojento!
— Pois eu acho que ele está certo — Josh brincou, dando tapas nas costas de .
— Ele está certo? É claro que o vampiro que vai se casar com comida pensa isso — Johnny zombou dele. Josh revirou os olhos.
— Acredito que ela pense o mesmo de mim pelo jeito que me fez deixar a sua casa no Halloween — divagou.
— Excitado? — Josh arqueou uma sobrancelha. o fuzilou com os olhos.
— Fique longe dos meus pensamentos, estou te avisando. — Ele apontou para Josh com os olhos semicerrados. — E, não. Além disso. Ela quis me fazer temê-la com esse gesto e... funcionou.
Johnny riu e o olhou feio.
— Você deu mais poder para ela. Agora que ela sabe como pode te assustar, é melhor tomar bastante cuidado — Kenny avisou.
Ele não fez mais comentários, deixando com que o assunto se encerrasse. O ensaio não tardou a começar. Porém, as palavras de Kenny rodeavam a mente de conforme a noite seguia. Será que ela se aproveitaria para tentar assustá-lo novamente? Atrairia, convidaria e daria outro bote? Sabia que esse era o que a espécie dela fazia, assustava outras pobres criaturas do mundo sobrenatural. só provou que era mais uma. Caso ela aparecesse, precisava se preparar para revidar como o bom vampiro que não era há anos.

* * *




Era de madrugada quando o Clube abriu e eles tiveram que terminar o ensaio. Estavam ensaiando para o próximo show que seria relativamente grande, no L’Amour. Eles não ensaiavam propriamente dizendo, era mais para jogar conversa fora e fazer o que eles mais gostavam juntos: tocar música.
estava abrindo o portão de casa com a caixa de seu baixo pendendo em uma das mãos quando foi surpreendido por uma sombra se lançando em cima dele. Com seus reflexos sobrenaturais, soltou o baixo e segurou os pulsos de quem quer que fosse em frente à cabeça.
— Bú! — ele ouviu uma voz feminina dizer e afastou os braços para ver quem era. sorria para ele em sua frente. Estava vestida com calça jeans de lavagem escura e casaco marrom e o cabelo estava preso. — Assustei você?
teve a impressão de sentir o coração que já não batia há mais de um século e resistiu ao impulso de colocar as mãos no peito. Percebeu o quão aquilo era ridículo e soltou os braços dela, adotando uma postura raivosa a seguir. Ele pensou em vários palavrões para esbravejar, porque também já deveria fazer mais de um século que não se assustava. Porém, contou até cinco mentalmente. Não daria o gosto para ela.
— Não senti sua presença por perto — comentou, preferindo um tom baixo porque aquela era uma rua residencial.
— Eu não deixei com que você sentisse. É uma porção que usamos para espionar vampiros — sorriu. — E, pelo visto, está funcionando muito bem, né? — Piscou um olho para ele.
Óbvio que ela estava me espionando, deveria estar ocupada reunindo o máximo de informações possíveis para acabar comigo, pensou.
— O que você quer, ?
Ela parou de sorrir e trocou o peso de perna, mudando totalmente seu semblante.
— Precisamos conversar. Podemos ir a algum lugar para fazer isso? — Ajeitou o casaco, parecendo incomodada com o vento que soprou em suas costas.
Ele concordou com a cabeça, com um pouco de receio pelo que ela tinha para falar e por ir a algum lugar com ela. Ainda estava com o que Kenny disse preso em sua mente.
— Só tenho que guardar meu baixo — ele lembrou, pegando a caixa que foi lançado de qualquer jeito no chão. Quis parar para pensar um pouco na dor de ter jogado o instrumento que tanto amava, mas preferiu não desviar todo o seu foco da presença de nem por um segundo.
— Tudo bem, eu espero aqui.
Ele entrou em casa e foi recepcionado por dois dos seus quatro gatos. Um dos outros dois correu para a tigela de comida. Enquanto tentava desviar do gato se enrolando em sua perna, deixou o baixo no local seguro. Cumprimentou-os com afagos e encheu as quatro tigelas.
Antes de sair, respirou fundo, tomando coragem para encontrar com de novo. Ela parecia indiferente, temeu pelo que poderia vir. Da última vez, correra para casa, mas agora ela sabia onde ele morava. Teria que correr de Nova Iorque.
Ela estava encostada na grade com as mãos nos bolsos do casaco quando ele voltou. Era uma noite relativamente fria, deveria fazer em torno de onze graus, e quem olhasse de perto perceberia que a jaqueta de era um agasalho modesto demais para a estação. Não desconfiariam que, por ser um vampiro, ele não sentiria frio; mas, por ser um homem grande, ele não precisava de tantos, como que parecia vestir todo seu guarda-roupa.
Ele destrancou o carro que estava estacionado ali em frente e abriu a porta do passageiro para que ela entrasse.
— Isso é seu? — Parecia em dúvida pelo modo que seu cenho estava franzido.
— Isso se chama A Besta e é o meu carro, eu o montei — ele falou num tom afetado.
— Ah — disse com um sorriso de desdém, analisando-o de uma ponta a outra. — Está bem claro que o montou.
Ele estava ficando sem paciência para , principalmente fazendo pouco caso do seu carro.
— Vai entrar ou prefere ir andando?
Ela entrou com o sorrisinho, que julgou nada menos que irritante, nos lábios e ele bateu a porta. Quando entrou do seu lado, a garota o observava com um brilho travesso no olhar.
— Pensei que vampiros fossem supervelozes e não precisassem de carro para se locomover — comentou enquanto dava a partida.
— Nós somos, mas eu gosto de dirigir essa máquina. — Ele acariciou o painel do carro que roncava. — Acho que carros são um passo muito grande que a humanidade deu para não serem aproveitados. — Ele seguiu pela rua escura. — Fora que eu teria que te carregar até o destino e não sei se quero mais me aproximar tanto de você depois da última noite.
O sorriso dela se alargou como o do gato de Cheshire.
— Então você quer falar sobre a nossa última noite — ela disse, tocando a coxa de e deslizando a mão pela sua extensão. Ele sentiu o toque ecoar pela sua virilha.
— Não, não quero. — Ele tirou a mão dela, antes que pudesse sentir o contorno de algo que poderia vir a despontar em sua calça em resposta ao toque repentino de mãos femininas atrevidas. — E não foi “nossa última noite”, foi uma noite qualquer.
— Está bem. A noite que você saiu correndo feito um garotinho assustado, melhor assim?
Ele a olhou de cara feia.
— Saí correndo não por estar assustado, mas por você ser má. Eu disse que não beberia do seu sangue e você me fez beber. Isso não se faz nem com um vampiro saciado, sabia?
— Você poderia ter me impedido, caso não quisesse mesmo — ela se defendeu, ainda o observando de lado no banco. Ameaçou tocá-lo de novo e ele tirou sua mão. — Está vendo? Isso é você tentando me impedir. Naquele dia, você não moveu um músculo sequer... — Ela se virou para frente e murmurou: — E olha que você tem um monte deles.
Ele se controlou para não sorrir. estava elogiando seus músculos?
— Se é o que quer, tudo bem. Vamos jogar esse jogo — continuou.
Ele a fitou de relance e ela parecia obstinada. sentiu um calafrio subir pela sua espinha. Se aquela mulher já era o diabo sem motivação, com uma então...
Eles ficaram alguns minutos em silêncio enquanto dirigia pelas ruas, até que ele mesmo quebrou o silêncio:
— Como você sabe onde eu moro?
— Está na sua ficha — ela disse como se fosse óbvio. — Aliás, você mora no porão da sua ex-namorada?
Ele ficou surpreso pela quantidade de informações que a bruxa possuía sobre a vida dele.
— Ela que mora na minha casa. Eu moro no porão desde antes de herdar a propriedade.
— Morar com a ex deve ser... complicado, para dizer o mínimo. — Ela fez cara feia, parecendo ter se lembrado de algo.
— Nós estamos de acordo sobre nossa incompatibilidade.
— Ela é bem bonita — disse depois de alguns minutos em silêncio.
Não ia perguntar como ela sabia, estava claro que o arquivo que recebeu sobre ele deveria ser da grossura de um tijolo.
— A Lucretia é uma mulher muito bonita mesmo — ele disse e se perdeu em pensamentos por um instante. Queria que tivessem sido parceiros para a eternidade, mas infelizmente ela tinha outros planos. Percebeu que olhava fixo para a estrada.
Percorreram o resto do caminho em silêncio. Uns cinco minutos depois, estacionou em um beco. Os dois saíram do carro e andaram lado a lado até um pub com letras luminosas na fachada. Sentaram-se um de frente para o outro no banco estofado. Iluminada pela luz azul do ambiente, pensou que também era uma mulher muito bonita por baixo de toda aquela roupa e o pensamento foi espantado com a velocidade em que surgiu. Afinal, nunca foi muito seguro.
O garçom chegou para tirá-lo de sua distração. Ela pediu algo inaudível.
— Eu falei com meu chefe e ele falou com os chefes dele. Eles querem que você acabe com a banda — foi direto ao assunto. Ele franziu o cenho em resposta, se preparando para se defender, mas ela o calou com o indicador em riste. — Avisei que você não queria abrir mão e que estava disposto a cooperar, já que me ajudou naquela noite a entrar e sair do camarim. Depois de muita conversa e de puxar sardinha para você no meu relatório, meu chefe conseguiu que eles concordassem em te dar o benefício da dúvida.
Ele sorriu por ter conseguido, pelo menos, uma garantia de sobrevivência temporária da banda. Ela desviou os olhos para sua boca, parecendo perder a atenção por um segundo, até que os dedos dele tocaram o alvo para comprovar se havia algo ali; a bruxa caiu em si, balançando a cabeça.
Isso foi estranho.
— Ok, sei que é uma notícia boa e eu deveria estar contente. Porém, sei também que elas sempre vêm acompanhadas... Então, fale as consequências — perguntou.
— Você vai ganhar uma babá — ela sorriu com falsa doçura. — E eu fui carinhosamente escolhida para o trabalho, não é maravilhoso?
Ele cruzou os braços e derramou o corpo no banco. Uma babá? Mais invasão de privacidade, mais convivência com aquela bruxa que gostava de brincar com seu autocontrole...
— Pelo visto, estamos no mesmo nível de felicidade quanto a isso — ela observou. Ele apenas a olhou, deixando notório todo seu descontentamento no semblante. — Ser babá de um vampiro centenário parece até piada, mas é isso que eu ganho por ter dito que você estava disposto a cooperar e ter puxado tanto o seu saco — imitou a pose dele.
O garçom colocou um copo grande do que parecia ser limonada no centro da mesa.
— Sinto muito — disse com sinceridade —, sei que fez isso para me ajudar.
— Tudo bem, eu te devia uma. — Ele franziu o cenho, sem entender. — O lance do abraço no armário de vassouras.
Arqueou ambas as sobrancelhas e concordou com a cabeça. Estava mesmo preocupado em ter perto com mais frequência, ele sentia que seria cada vez mais difícil de ignorá-la nessas vezes que ela resolvia agir como uma pessoa com princípios.
— E como vamos fazer isso?
— Eu fui encarregada de produzir uma série de relatórios falando sobre sua banda, como o público reage a ela, o que acontece no camarim de cada show, tudo para saber como o Conselho poderia fazer para diminuir a desconfiança dos humanos sobre a sua espécie. Também vou monitorar seus passos, que é o foco principal da minha missão. — Ela bebeu uma quantidade considerável do copo. — Ouvi dizer por aí que como você não bebe o sangue, não apaga a memória das garotas que sai.
— Acho o ato de apagar memória muito invasivo para um ser humano. O Conselho não me obriga, só em casos extremos, então guardo para essas situações.
— Eu entendo, mas terei que observar e reportar se achar que é algo prejudicial para a sua imagem. Se muitas delas desconfiam da sua aparência, vai ficar me trazendo até você.
— Como quiser — deu de ombros.
Por dentro, incomodava. Incomodava demais. Odiava ter que adequar sua vida aos moldes do Conselho, sentia que os humanos utilizavam do órgão para manter as criaturas sobrenaturais presas na coleira e, no mínimo sinal de ataque, eles os eliminavam como se não significassem nada. Para , criaturas no poder do órgão era meramente ilustrativo, a única serventia era achar que possuíam um controle que não existia.
Ela perdeu o olhar pelo ambiente, mas ele continuou a encarando. Somente quando a música de fundo mudou, a bruxa o encarou de volta com um sorriso largo. Era uma de suas canções.
— Parece que você está ficando famoso — ela disse.
— É, devo estar — retribuiu o sorriso. Os bares e as casas noturnas de Nova Iorque já tocavam suas músicas e ele soube que em alguns lugares ao redor da Europa também.
estava se tornando conhecido entre as mulheres principalmente, com convites se acumulando para participar de programas famosos na TV; alguns ele disse “sim”, outros “não”. Um dos que aceitou seria esta semana, inclusive. Sempre os considerou uma bobagem sem fim, mas queria notoriedade para a sua banda e ele passou a considerar ossos do ofício.
— Precisamos alinhar nossas agendas — ela lembrou, como se pudesse ler a mente dele.
— Tenho um programa de auditório para participar essa semana.
— E onde acontece?
— Chicago. Será um programa com algumas groupies.
Ela arqueou as sobrancelhas e bebeu do seu copo.
— O quê? — ele perguntou, já que ela parecia surpresa.
— É que eu não achei que você fosse famoso a ponto de ter groupies.
— Não é querendo me gabar, mas tenho um monte delas — abriu um sorriso provocante.
Ela pareceu ignorar completamente a tentativa de provocação, apenas continuou o olhando com curiosidade.
— São humanas?
Concordou com a cabeça.
— Criaturas também, especialmente vampiras, como você viu aquele dia no camarim.
Agora foi a vez de concordar com a cabeça. Ela se mexia no ritmo da música e cantarolava algumas partes, mostrando que conhecia outra música sua. sentiu uma vontade de sorrir, mas se controlou; parecia que ela vinha escutando tanto a banda dele a ponto de saber mais de uma música.
— De onde você é? — resolveu puxar assunto, pois estava se tornando um silêncio constrangedor. Resolveu começar pelo sotaque dela que, mesmo com um esforço notável para disfarçar, era notório.
Chegou a pensar que ela não tinha escutado pela hesitação, até ela responder:
— Memphis.
— Um pouco longe... — ele refletiu. — Por que veio parar aqui?
Ela semicerrou os olhos.
— Não é da sua conta, vampiro.
Lá estava ela, mostrando as garras novamente. sorriu de lado. Apesar de não esperar pela resposta nesse momento, estava curioso para ver até onde iria com aquela pose amigável depois de tudo que aconteceu. Sabia que existia uma parte dela que encobria a parte odiável e queria presenciá-la cair para finalmente dar sua verdadeira face.
— É apenas uma pergunta — Tocou o tampo da mesa, aproximando a mão da dela. Ela encarou a mão dele, os olhos fixos e arregalados. Ele não a tocou, não quando ainda estava em dúvida se era seguro. Abaixou-se para ficar mais perto e intimidar. — Tem medo do que eu posso fazer com informações suas? Não é muito difícil adivinhar o que uma garota do Tennessee veio procurar em Nova Iorque, independência... viver um sonho... um namorado... talvez matar vampiros inocentes?
Ele percebeu o maxilar dela se apertando conforme enumerava e os olhos o ameaçarem diretamente. Soube que, do que disse, tinha acertado em pelo menos um item.
— Vampiros não são inocentes — murmurou.
— Você já matou, ? Essas mãos delicadas... — Cercou as mãos dela com as suas, sem tocá-las. Ela engoliu em seco, não de maneira nervosa, mas irritadiça. — ...têm sangue inocente?
— Repito: vampiros não são inocentes — disse entredentes.
O sorriso de lado dele aumentou. Soube que gostava de vê-la irritada tanto quanto de fazer mistério sobre si mesma.
— Hm... — fingiu analisá-la, mas já fazia isso desde que colocaram os pés ali. — Então tenho a reposta que precisava. Você veio para cá para se infiltrar no Conselho como forma de descontar o seu ódio em nós, porque você, como qualquer outra bruxa, nos odeia com toda a sua força e quer nos caçar. Típico — inventou.
Ele pensou que era como assistir chamas tomarem as pupilas dela. Ela se aproximou sobre a mesa, assim como ele, e o puxou pela camiseta para ficarem ainda mais próximos — os narizes quase se tocaram e o cheiro de canela se aprofundou.
— Não podia estar mais errado, — soprou. — Se vai fazer suposições sobre mim, que tenham, ao menos, uma ínfima chance de serem verdade. — Olhou no fundo dos seus olhos. teve medo de que ela visse cada um dos seus pecados refletidos de tão perto e profundo era o olhar. — Acha mesmo que a minha vida giraria em torno de perseguição à sua espécie? Vocês não são tão importantes quanto pensam.
Ele viu em sua íris que era mentira.
Quem os olhasse de longe, pensaria que eram um casal. Porém, bastava alguns passos para sentir a eletricidade no ar e concluir que dali só sairia faíscas. passou a nutrir ódio pela indelicadeza dela, já que parecia odiá-lo desde o momento que apareceu. Cada músculo teso do corpo dela gritava que queria acabar com ele. Ela era mesmo uma bruxa com alto nível de poder, já viu feiticeiros se descontrolarem com menos e liberarem uma fagulha que não chegava a ser vista a olho humano. Ele a temia? Sim, qualquer criatura com o mínimo de amor-próprio o faria, mas preferiu não seguir por esse caminho depois do que Kenny disse e dar mais poder a ela. Dois poderiam jogar.
— Por você estar parecendo que vai me matar a qualquer instante, eu diria que elas têm uma chance de ser verdade, sim.
Ela o analisou por alguns segundos, depois, soltou sua camiseta e se afastou. Aparentava ter finalmente se dado conta que ele estava fazendo o possível para irritá-la. recolheu a mão e deixou as costas caírem no estofado. Estava feliz por ver perdendo a pose, sentia que era o mínimo pelo que ela fez. Se antes eles eram relativamente civilizados um com o outro, esse momento de paz havia acabado. Agora, ele sentia que comprou uma guerra.
Ele chamou o garçom com a mão e pediu a conta, já que ela não parecia mais disposta a falar nada. Pagou pela bebida, mesmo que tivesse aberto a boca para insistir em pagar.
Os dois seguiram para o carro. Ela entrou no lado do passageiro, após ele abrir a porta, sem nenhum comentário dessa vez. Ao percorrerem o caminho em silêncio, percebeu que parecia levemente inquieta, como se estivesse fazendo muito esforço para se controlar no lugar.
— O que é? — perguntou. Ela pulou no assento com o som da voz dele depois de minutos em silêncio.
— O quê? — ela perguntou com a voz fina demais.
— Bom, parece muito que tem formigas no seu banco.
— Ah... — Tocou seu pescoço impacientemente, coçando-o. — Estou só pensando em chegar em casa.
Ele não acreditou.
— Mais três minutos.
Ela parecia estar se contendo mais para que ele não percebesse, mas estava nítido.
Quando ele parou na frente do prédio, em um piscar de olhos, ela estava sem o cinto de segurança e tinha saído pela porta. Apenas se abaixou para dizer:
— Nos vemos em Chicago.
Ela ia fechar a porta, mas ele interrompeu ao falar:
— Você nem sabe quando é.
— Isso é fácil de arranjar, .
Ela bateu a porta do carro e saiu, deixando um sem reação para trás.





Duas horas e quarenta e cinco minutos de voo e ela estava na cidade dos ventos. Não via nada de tão chamativo em Chicago, era mais uma cidade grande estadunidense, a paisagem passando pela janela do táxi não chamava tanto sua atenção. A noite caíra há certo tempo, já que não marcaria nada de dia porque viraria cinzas com a luz do sol.
Não que fosse má ideia, pensou.
A velocidade de nenhum meio de transporte se comparava a dele, faria o caminho a pé com a metade do tempo. Mesmo assim, ao invés de usar sua rapidez para percorrer a distância pela estrada, ele preferiu ir de avião. pensou se ele era preguiçoso mesmo ou havia algum motivo banal por trás, como não querer bagunçar todo aquele cabelo. Não se surpreenderia se fosse essa banalidade, se tivesse um cabelo daqueles também não iria querer bagunçar com uma viagem.
Por que estou pensando no cabelo dele?, questionou-se mentalmente.
Quando chegou no saguão da emissora, seu nome já estava lá e ela foi guiada para onde ele se arrumava. Não conseguiu marcar o mesmo voo por ter que lidar com outra pendência no trabalho, então estava um pouco atrasada.
Ao abrir a porta, deparou-se com uma mulher que passava pó de arroz no rosto do vampiro enquanto seus olhos estavam fechados. Arqueou uma sobrancelha, pega desprevenida pela cena.
— A textura da sua pele é tão macia, eu poderia fazer isso para sempre... — a maquiadora em questão disse em um tom que deixava claro suas segundas intenções.
não disse nada, querendo não atrapalhar o momento, apenas arrastou sua mala de mão até o sofá para continuar os observando. Não que eles parecessem ter notado a presença dela, porque os dois pareciam presos em uma bolha.
— Obrigado, Mildred. Creio que já seja o suficiente ou ficarei pálido feito um vampiro — ele brincou. A menina riu. ficou de cabelo em pé com a comparação.
Quando a maquiadora saiu, ela se levantou de supetão.
— Você está louco em brincar com isso? — repreendeu-o de cenho franzido.
Ainda se olhando no espelho, ele sorriu e ajeitou o cabelo longo. Só de olhar para já poderia dizer que sabia muito bem qual era o tópico, mesmo que quem passasse por ali achasse que eles estavam discutindo qualquer outro assunto mundano.
— Oi para você também, bruxinha — respondeu. O barítono que fazia as entranhas dela dançarem surtiu o mesmo efeito de sempre, o efeito da ligação.
Assim que o seu interior aquietou na medida do possível — afinal, não dava para exigir muito pois ainda estava presa —, ela piscou uma, duas, três vezes. Não conseguia acreditar na audácia dele, que só crescia desde a última vez que se viram.
Sabia que havia virado tudo entre eles de ponta cabeça na noite de Halloween e que não gostou de ser diminuído. Só não sabia que depois disso, eles se odiariam tão abertamente. Ele a tratou com decência, mas tudo aparentava ter acabado. Se possuía motivos para odiá-la, ela o odiaria também, mas por ter deixado com que estabelecessem uma ligação — não importava se ele não sabia.
Demorou alguns segundos para que, por fim, conseguisse responder:
— Não me chame assim de novo ou... — ameaçou de cara fechada.
— Ou o quê? — ele perguntou, ficando de pé com toda sua imponência.
— Ou darei fim à sua imortalidade — sua voz parecia estar por um fio, mas a ameaça se sustentou. Nenhum vampiro a desafiara assim, todos a temiam em certo ponto. Ou seja, aquele novo tratamento de era um campo desconhecido.
— Você não teria coragem, bruxinha — ele disse em tom de brincadeira e a vontade de de fazê-lo ficar quieto foi imensa. Odiava que duvidassem da sua coragem. Doía em suas veias se segurar para não usar a magia contra ele.
Ela apenas cruzou os braços na frente do peito, desafiando-o com o olhar.
— Está duvidando? Já se esqueceu o que aconteceu daquela vez que me irritou e estávamos sozinhos? — ela lembrou, arqueando a mesma sobrancelha de antes.
Ele continuou sorrindo enquanto se olhava no espelho, totalmente alheio à irritação dela.
— Você poderia até me calar de novo com seus poderes, mas nunca me mataria. Até porque você é um fantoche do Comitê, não colocaria tudo a perder por minha causa.
Ela bufou e deu alguns passos para trás até deixar o corpo cair no sofá. Infelizmente era verdade. Não naquelas palavras, mas ela tinha um emprego a manter e se sentia frustrada por isso. Queria muito aniquilar a existência de e acabar de vez com aquela ligação que a deixava tão vulnerável. estava falhando miseravelmente em descobrir a cura para a magia de vampiro, então seria conveniente que ele apenas caísse morto. Tudo terminaria e ela estaria livre para trabalhar com outro problema, quem sabe não tentasse mudar em definitivo para porções. Burns não permitiria, mas ela insistiria. Porém, ela sequer desejava mesmo transformá-lo em cinzas. Depois de tanto bater o pé para não trabalhar com ele, ela encabeçaria a lista de suspeitos. Mesmo que ela tenha feito um relatório positivo para ser repassado aos chefes maiores, Burns estranhou que ela não estivesse economizando nos elogios quando não queria nem pegar o caso. Então, se sumisse, ela seria a primeira a ser interrogada e não sustentaria a mentira de não ter feito.
— Como é que você pode estar aparecendo no espelho, hein? Em um belo dia você quase me mata de susto por não ter reflexo e no outro fica aí se admirando — resmungou de mau-humor.
— Tenho meus truques de mágica. — E se virou para ela, suas costas sumindo no espelho. — Nós não temos alma, mas às vezes fingimos que temos e é assim que os humanos caem no nosso encanto. — Ele piscou um olho, ela sentiu a pele se arrepiar. Se amaldiçoou pela reação tantas vezes que nem foi capaz de contar.
, você entra em cinco — ela ouviu falarem por trás da porta.
Sentiu os olhos verdes dele pesarem nela, estudando-a. Teve medo, assim como das outras vezes, que algo em sua postura dedurasse a ligação, mas parecia preso ao seu corpo, parecendo se dar conta que ela tinha um. Provavelmente pela sua escolha de roupa de hoje, um presente de sua mãe — o vestido florido que estava no fundo do guarda-roupa. Logo seria aniversário dela e pensou que poderia tirar fotos por Chicago com o vestido (que não era nada a sua cara) para mandar de presente junto com um cartão. Sua mãe preferia acreditar que ainda se vestia com as roupas que usava em Memphis. Acreditava que o estilo novo da filha era uma baboseira de cidade grande. Então, lá estava , do jeito que se vestia antigamente para agradar a mãe, mas com a maquiagem pesada atual para não dar o braço a torcer por completo.
— Por que está vestida assim? — ele aparentava estar profundamente incomodado pelo seu tom. O cenho franzido e o semblante sério também contribuíam.
— Assim como? — Olhou o vestido e alisou-o, sua confiança parecia ter sumido com esse gesto.
— Com... flores. Isso não se parece nada com você.
Ela pensou em justificar que era um presente, mas isso daria voz à insegurança que crescia em seu peito. Portanto, preferiu outra abordagem.
— Eu gosto de flores. Você sabe, já esteve em minha casa mais de uma vez.
— Sim, eu sei... — coçou a nuca, procurando um jeito de dizer algo.
! — gritaram do corredor.
Ele ajeitou a postura e deu uma última olhada nela antes de sair. Quando a porta bateu atrás dele, ela finalmente soltou todo o ar que estava prendendo e seu corpo estremeceu. Ficar perto de era sempre um desafio por causa da magia que os interligava, mas com ele a olhando assim? Isso os levava a um patamar completamente diferente. Ela se sentia pequena, como se sentia perto do seu ex-namorado quase sempre. Não gostou da sensação. Não gostou mesmo. Ele geralmente zombava de suas roupas pretas, da sua maquiagem, das suas botas pesadas... Dizia que ela usava isso para chamar atenção. Com certeza, aprovaria aquele vestido.
Não gostou do rumo que seus pensamentos estavam tomando.
Aquilo cheirava a insegurança e ela não era mais assim.
Viu que o programa tinha começado pela tela pequena perto do espelho. Eram cinco cadeiras dispostas para garotas que se divergiam muito entre si em questão de aparência. Não deu atenção para as três primeiras, seus olhos captaram apenas a quarta. Ela lembrava um pouco em questão de estilo e quando as letras brotaram na tela “Groupies revelarão tudo!”, a bruxa soube imediatamente que ela era fã da Bloodlust. Ela era humana, apesar de tentar parecer com uma vampira em diversos aspectos da sua aparência.
Não demorou para o apresentador anunciar . Ele fez uma entrada bem característica e um sorriso brotou nos lábios de ao vê-lo entrar daquela forma. O vampiro já transmitia um certo ar de mistério e, no meio do olhar da plateia e de tantas câmeras, ficou mais intenso. A pose dele indicava conforto em sua própria pele. Ajeitou-se melhor no sofá para assistir o programa e absorver o máximo de informações que conseguisse.
A garota ao seu lado não tirava os olhos dele, mesmo que discretamente, e se perguntou se já havia permitido alguma outra garota ter uma ligação com ele. Será que ele havia a mordido? Pela fome nos olhos dela, tinha suas dúvidas, havia a possibilidade que ela fosse uma exceção — talvez ele não tenha apagado sua memória, talvez ele tenha deixado essa coitada sofrer por ter sido marcada...
Quando o programa acabou, ela abriu a porta do camarim para procurar por , dando de cara com a humana. Percebeu que a tal Kimberly não possuía nada que lhe desse pena mesmo. Ela era belíssima, com seu cabelo repicado e brilhante e olhos verdes feito a logo da banda de tatuada em sua pele. Conversava animadamente com ele, sua mão estava no peito dele e um sorriso de lado emoldurava seus lábios pintados de vermelho sangue. pensou em não escutar uma conversa particular, mas era seu trabalho observá-lo.
— Ouvi dizer que você recebeu as fotos aprovadas pela revista através do correio, não tem chance de adiantar algumas para nós? — Ela fez uma cara de cachorro pedindo comida e se arrumou para ouvir melhor sobre o que se tratava. estava de costas.
— Desculpa, Kim, são confidenciais por enquanto, mas posso te garantir que não é nada de tão impressionante como vocês estão pensando.
— Até parece. Quando Gail descobriu que você estava fazendo essas fotos através de alguém da equipe de fotografia, disseram que... bem, que você não deixou nada a desejar — ela sorriu com brilho nos olhos. quase se engasgou pelo tom dela carregado de malícia. — Tenho certeza de que você não vai deixar nada a desejar mesmo, você nunca deixa.
O que ele não deixava a desejar?
riu. Ela mordeu o lábio inferior ao tocar a cintura dele. O toque era bastante incisivo e se sentiu um pouco desconfortável em estar observando escondida tal gesto.
— Por que você não me mostra? — a groupie perguntou.
— Te disse o porquê, é confidencial — o tom dele era meloso, um que ele só usou com ela na primeira vez que se viram. semicerrou os olhos. Ele tinha interesse nela.
— Tem outro meio de fazer isso. — A garota deslizou a mão até o cós da calça dele e o puxou para perto. Algo despertou na bruxa, uma vontade de o puxar para ela e reivindicá-lo como sua posse. Balançou a cabeça, sem entender o que estava acontecendo e tentando se concentrar. — Um que você vem me enrolando há tempos para não fazer.
— Não estou te enrolando, eu só ando muito ocupado ultimamente. — Ele ergueu o queixo dela com um toque delicado demais para dedos grosseiros e depositou um beijo em sua bochecha.
sentiu seu interior revirar com o gesto a ponto de ficar sem ar. Apoiou-se no batente, a urgência de se meter no meio deles causou tontura. Estava vendo tudo se transformar em chamas diante dos seus olhos e nada de bom se sucedia quando isso acontecia. Precisava se acalmar com urgência.
— Por coincidência, hoje estou livre — ele completou.
— Já considero o meu dia de sorte — outro sorriso. — Está hospedado no Ritz também?
— Estou. Só vou passar no camarim antes e te encontro na saída. — Tirou os dedos do rosto dela e se afastou.
— Tudo bem, só não demore. Estou com bastante fome.
Ele concordou com a cabeça e deu as costas para ela. forçou as pernas a se movimentarem e impulsionarem o corpo para se jogar no sofá. Fingia interesse na TV que passava um comercial de sabão em pó quando ele entrou no cômodo.
Olhou dela para a televisão e depois voltou a atenção para o vestido. Aparentemente o vestido lhe causava um sério incômodo. Ela o encarou de cara feia por isso e por seu humor parecer ter uma recaída por vê-los juntos. Saber sobre Lucretia também causou um sentimento estranho nela, ainda mais ver fotos deles juntos. Deveria estar conectado com a ligação, mas não poderia perguntar a ele. Já bastava de curiosidades vampirescas ou ele acharia que realmente estava interessada demais.
— Parece que você não gostou do programa — concluiu. Ela apenas cruzou os braços, mostrando que não estava com paciência para gracinhas. — Passei para avisar que vou sair com alguém — imitou a pose dela —, mas não deixe que minha falta te impeça de sair do quarto — provocou.
— Sua falta não me impede de nada. Na verdade, acho que até aproveitarei mais sem a sua companhia irritante — rebateu.
Ele levantou os braços em rendição, percebeu que foi o suficiente para espantá-lo. Ela não pretendia aproveitar a cidade, iria vigiar . Para isso, ele precisava pensar que ela estava longe e não o perseguindo.
Ela esperou alguém vir organizar o espaço para ir embora — o que aconteceu alguns minutos depois dele sair, enquanto ela estava anotando em seu bloquinho informações sobre o programa. chamava muita atenção, era possível perceber nas reações da audiência quando ele entrou, mas como seus chefes esperavam resolver isso? Fazê-lo abdicar de sua vida por exalar uma aura sobrenatural demais? Não parecia muito justo.
Pediu um táxi até o Ritz e usou magia para que o quarto sorteado fosse ao lado do que ela sabia ser de . Depois de deixar a mala e ter disfarçado sua aparência como podia, ela desceu para onde eles jantavam.
Sentou-se numa mesa perto da janela e tampou o rosto com o cardápio. Ele não iria notar, estava sob efeito de uma porção que mudava sua aparência, mas era melhor evitar chamar atenção. Pediu um café para o garçom e deu o número do seu quarto para registro.
Os dois pareciam amigos pelo modo que falavam e sorriam um para o outro. A voz de Kimberly era baixa, por isso, ela não ouviu quase nada do que disse, mas sua postura indicava um flerte em meio a suas falas. Ela não parecia desesperada por , não como fazia ao máximo para esconder. Pelo que ele comentou, se eles tivessem uma ligação era para ela estar enlouquecendo para ser provada novamente e a garota só parecia estar apreciando a companhia dele. Quanto a isso, ela não podia falar nada.
Por trás do seu cardápio, anotou em seu bloquinho. Percebeu que tinha uma vida social até que movimentada, contrariando sua ficha.
Ele comeu um pouco até mesmo da comida que ela ofereceu. Não era muito apetitosa para seu paladar, já ouviu vampiros reclamando que tinha gosto de ferro. Porém, o ponto é que, além da aparência, ele não tinha nada que não dissesse que não era humano. Nada mesmo. Ela se entediou, pensava que seria mais interessante observar , que teria sempre algo ali para delatá-lo em seus relatórios. Não queria saber com quantas garotas um vampiro macho se relacionava. Observou os dois deixarem o recinto e bebeu o resto do café de uma vez só.
Ela pararia ali. Não queria ver mais ou correria o risco de perder a sanidade. Eles desistiram de esperar o elevador e foram de escada, também subiu e colocou uma distância segura entre os três. Em meio a risadinhas, que ela achou extremamente irritantes, subiram até o quarto andar. Se seus dias continuassem sendo sobre observar se dar bem e sentir aquele sentimento ruim, ela começaria a pensar em enfeites para seus relatórios que começassem a entediar Burns também.
Eles já pareciam ter entrado no quarto quando ela chegou no corredor, por isso, andou preguiçosamente procurando o número do seu. Só percebeu que uma porta se abriu e braços a puxaram em um abraço quando estava dentro do quarto.
estava com o corpo pressionando o dela na porta e com o rosto a um palmo do seu. Ele a estudava com os olhos bem atentos.
— O que pensa que está fazendo, ?
— Co-como... — gaguejou pela surpresa, mas depois pigarreou para corrigir o seu tom. — Como sabe que sou eu?
— O vestido te entregou — sorriu de lado.
Ela já deveria saber que isso poderia acontecer, mesmo que tivesse substituído as botas pelo tênis mais sem graça que tinha.
— Qualquer uma poderia estar usando um vestido igual.
— Não combinado com esse maldito cheiro de canela. Não acha que eu te conheço bem o suficiente para saber detectar a sua presença? — Ela não respondeu, sentia um furacão de emoções por estar tão perto dele de novo. — Achei que você tivesse mais consideração por si mesma.
De repente, a parte pensante do seu cérebro acordou para, pelo menos, formar uma resposta.
— Onde está a Kimberly?
— No final do corredor, me aguardando. Eu disse que tinha um assunto para resolver no meu quarto antes. Então, seja sucinta: por que está me seguindo?
Ela passou a mão pelo cabelo que já estava em sua cor e tamanho habituais ao invés dos grisalhos curtos da camareira que roubou a aparência, isso significava que seu rosto provavelmente já estava quase sem magia. Seu interior se recuperava gradativamente do choque de estar entre uma porta e que basicamente se tratava de outra porta com todo aquele tamanho e rigidez, ela completou em pensamento.
Percebeu que aquele não era uma área nada segura.
— Te avisei que seria sua nova babá — respondeu, ignorando seus pensamentos.
Foi a vez dele de arquear uma sobrancelha.
— E precisa me seguir até quando estou com alguém?
— Ela é humana, preciso saber se vocês têm uma ligação...
— Poderia ter me perguntado — ele parecia ofendido.
— Eu não confio na sua palavra, confio no que meus olhos veem.
Não podia sequer cogitar se dar ao luxo, ele podia estar cooperando, mas não se confiava em um vampiro.
— Bem, então fique à vontade para se juntar a nós dois no 4700 e veja com seus próprios olhos — um sorriso de lado estampou seu belo rosto. — Não temos uma ligação porque não bebi do sangue dela, mas nossa sincronia...
fez uma careta pela fala ter ficado jogada ao ar.
— Você é asqueroso — concluiu. — E eu achei que você fosse ficar longe de mim.
— É isso que quer? — Ele prensou mais o corpo dela contra a porta com o seu. — Esse vestido não parece com você, parece com uma versão que quer agradar os outros. Mas... até que é conveniente, é tão fino que posso sentir seu calor crescendo... — Prensou mais a ponto de fazê-la ofegar. — ...e crescendo... por minha causa.
Ela odiou que ele mal a conhecesse e já soubesse daquilo. Estavam tão perto que se aproximasse o rosto dois centímetros, ela o beijaria. Sentiu o ímpeto de beijá-lo ondular dentro de si, porém, enfrentou aquela batalha interna com unhas e dentes. Não daria aquele passo, sabia que ele estava a provocando para que cedesse e tomasse uma atitude que poderia usar contra ela. Apoiou as mãos em sua clavícula, elas brilharam, chamando a atenção dele, e o lançaram para trás sem que fizesse força alguma. Ele caiu sentado na cama, surpreso.
ergueu a mão direita, cipó nasceu dos pés da cama e prenderam os pulsos de . Ele deu vários puxões seguidos para tentar se soltar, mas parou conforme ela se aproximava. Apoiou as mãos nas coxas torneadas dele, inclinando-se e ficando face a face. Era tão mais fácil quando ela detinha o controle. Com os olhos tomados pela raiva de estar preso, ele a encarou. O cabelo cobria parte de seu rosto, ela colocou uma mecha para trás de sua orelha. Até pareceria um gesto carinhoso, se não tivesse um sorriso debochado nos lábios. Segurou o seu queixo, sentindo a pele fria e dura em contato com a sua.
Naquele segundo, nem um pouco macia.
— Se meu calor cresce quando você está perto, não se engane, é de puro ódio — disse. Era hora de verbalizar aquele sentimento. Aproximou-se até colar sua boca em seu ouvido para sussurrar: — Você me odeia, não é? Odeia que acabei com o seu ego te alimentando com gotas do meu sangue e te fazendo perder o controle só com isso. Então, é melhor mesmo ficar longe de mim, , ou eu farei pior.
Ela se levantou e ergueu a mão para lançar outro feitiço. Ele mostrou os dentes e as presas apareceram em ameaça.
— Isso foi muito mal-educado da sua parte — fingiu ofensa. — Eu ia te soltar.
...
Ela pôs o indicador em riste para calá-lo.
— Boa sorte em voltar para a humana.
Virou-se e saiu.
Quando a porta bateu, só conseguiu pensar em correr em direção contrária ao seu quarto. Sentiu uma tensão e... receio. Muito receio de que se ficasse lá, uma fagulha de curiosidade ou teimosia surgisse e a fizesse entrar no 4700 para encher Kimberly de perguntas. Saiu do quarto dele e percorreu as ruas sem rumo. Só parou quando chegou ao Grant Park e pôde observar a Fonte Buckingham fazendo seu show para todos que a observavam.
Tirou a câmera da bolsa e apontou para a atração, capturando uma foto para mandar para os seus pais. O coração estava mais calmo porque não pensou no que acabou de acontecer, pensou que sentia falta de casa. Às vezes gostava de imaginar que tinha deixado sua essência lá e não que tinha sido roubada pela vida em Nova Iorque. O pensamento de que aquela garota inocente ainda existia e dormia todos os dias em sua cama na casa dos pais, alheia à feiura do mundo, a confortava. Parecia que poderia voltar a ocupar aquela personalidade se apenas se imaginasse de volta à sua cidade natal. Gostava da sensação de se projetar sob a asa do pai que era seu mentor. Aprendeu desde nova que deveria seguir seu sonho e, agora que fazia, se sentia sozinha e sem rumo pela ausência dos ensinamentos do pai.
Tinha criado uma casca de mulher forte para sobreviver na cidade grande, mas, vez ou outra, quando se lembrava de casa, sentia que era o oposto disso.
Tirou outra foto. Dessa vez, ela apareceu na frente da Fonte com o vestido. Tirou algumas na sequência para que, pelo menos, uma se salvasse na revelação. Depois, zanzou por mais alguns minutos, comeu por ali mesmo e decidiu que era o suficiente para um passeio noturno. Se pudesse, voltaria para seu apartamento neste exato segundo, mas decidiu agendar o voo com chegada prevista para quatro da manhã; era o que iria.
Eram onze da noite quando voltou para seu quarto. Fechou os olhos ao deitar, se sentindo abraçada por uma nuvem. Estava quase caindo no sono pensando na casa de seus pais. Quase. Quando estava entre o limbo, começou a ouvir marteladas na parede que começaram baixas e foram escalando para uma altura que a fez se sentar. Pensou que estava meio tarde para reformas, ainda mais em um hotel. O barulho perdurou por longos minutos, até ela resolver que ligaria na recepção. Era insuportável, parecia que estava dentro de sua cabeça e tudo que ela queria era dormir um pouco.
Depois de algumas tentativas, a pessoa disse através do fone que não havia conseguido falar com os arruaceiros. resolveu que ela mesma resolveria o problema. Socou três vezes a porta e não obteve resposta, mas o ruído ainda era audível.
Eles só podem estar dando uma maldita festa.
Foi só quando olhou para cima que percebeu que o número era 4700 e se deu conta do que estava acontecendo lá dentro.
Quase vomitou com o que sua imaginação projetou.
! Eu juro que te deixarei broxa pelo resto da sua vida miserável! — Ela não se importou em gritar àquelas horas e muito menos com o que gritou. Dois minutos depois, ele continuou sem responder, mas ouviu uma movimentação vinda de dentro. — Estou falando sério, se você não abrir essa por...
A porta se abriu, interrompendo-a. Um só de roupão apareceu na fresta. Pensou que ele estava bem até demais para quem foi largado preso à cama há pouco tempo. Deu o seu máximo para não deslizar os olhos até o pedaço descoberto do peitoral dele, mas, ao perceber, já era tarde demais, olhou o suficiente para fincar a imagem em sua mente.
— Diga.
— Será que dá para pegar mais leve? Parece que está marretando a porra da minha parede — ela disse, massageando a têmpora, sem paciência nenhuma para lidar com mais um inconveniente.
— Não.
Ia fechando a porta, mas ela nem sequer precisou tocar na madeira para abri-la, tamanha era sua irritação. Quando ela ficava muito irritada, a magia saía pelos seus poros e a cercava como um abraço, Violet dizia que dava para enxergar sua pele parecendo purpurina quando isso acontecia. Só suas irmãs bruxas viam, no entanto.
— Você será mesmo um homem morto caso feche uma porta na minha cara de novo — ameaçou. Ele ia contestá-la, mas ao escancarar a porta, ela viu Kimberly desacordada e pálida entre os lençóis e pensou o pior. — Puta que pariu, você drenou o sangue dela?! — se esforçou para perguntar baixinho, mas, como foi uma exclamação também, sua voz saiu fina.
Ele olhou para trás, conferindo a garota, depois, se virou com um sorriso metido.
— Ela foi hipnotizada para que descansasse.
— Ah — foi tudo que conseguiu dizer. Estava sentindo uma pitada de desconforto pela situação. — Já que vocês não vão me incomodar mais, eu espero, vou para meu quarto. — Deu as costas.
Sentiu um toque frio em seu braço, impedindo-a de ir. Virou-se e encarou , que circulava seu pulso com a mão grande.
— Eu te desafio a fazer mesmo o seu pior, .





Mais um dia cansativo no Conselho Sobrenatural. O momento de paz havia oficialmente acabado, até mesmo para , que possuía uma pilha de papéis acumulando na mesa em sua frente. Estava tão imersa em seus relatórios quando Violet entrou pela porta a ponto de nem notar sua presença, só foi se dar conta ao vê-la pela visão periférica sentada na beirada da mesa.
— Já desistiu? — perguntou.
— Não. Nós ainda vamos, Violet — respondeu, ainda datilografando. — Já é a quarta vez que você me pergunta isso hoje.
— Eu tenho esperanças de que você desista dessa ideia mirabolante — cruzou os braços.
— Não é ideia mirabolante, é trabalho.
— A ideia mirabolante seria me carregar junto. Sabe que falei aquilo só para que não ficasse com raiva.
parou de datilografar para encarar a amiga. Sua cabeça estava pulsando pelas horas de foco e desviar o olhar do papel foi um alívio.
— Nós não vamos discutir isso de novo, você se propôs e só estou te cobrando. Além do mais, pensa que eu entraria sozinha em um covil deles enquanto você estaria deitada no sofá procurando algo de bom na TV.
Ela semicerrou os olhos.
— Covil? Você está aumentando a história para que eu me sinta melhor em ir?
, com certeza, estava. Era só o Clube com sua comunidade habitual formada por algumas criaturas. Ela sabia que Violet possuía uma leve implicância com a espécie de quem elas vigiariam. Desde que se comprometeu a acompanhá-la no próximo encontro com o grupo de vampiros, veio procurando o momento perfeito para cobrar. Não quis carregá-la para Chicago, porque seria só o e ela não queria Violet no meio do campo minado. Como hoje os outros membros da banda estariam presentes, pensou que elas poderiam se dividir para observar. Também por estar cansada de lidar com esse problema sozinha, a amiga não sabia o que estava acontecendo entre eles. Se dependesse de , não saberia tão cedo, não queria nem pensar em uma forma de contar tudo. Preferia continuar com seu mau-humor dos últimos dias.
— Eu não estou totalmente errada... — Ela se referiu à parte interna do Clube, onde havia mais criaturas da noite reunidas que já viu ao longo de sua vida.
— Se não tiver criaturas sanguinárias dilacerando humanos para se banhar do sangue deles, você estará totalmente errada e terá de me emprestar o vestido dos peitões — arqueou uma sobrancelha.
— Acho que você está esperando um encontro com a Elizabeth Bathory e não com o Nosferatu — brincou. — E a agenda do vestido dos peitões está cheia.
Violet bufou.
— Vai usar o vestido dos peitões para impressionar o Nosferatu? — debochou.
rolou os olhos. Se ela soubesse que já vinha causando bastante impressões... Só não eram boas.
— Já causei uma impressão sem precisar de roupas para isso. — Removeu o papel da máquina e juntou com os outros, batendo-os na mesa para alinhar.
A outra bruxa soltou um som de escárnio.
— Conhecendo você, eu não duvido. — sentiu que era uma leve indireta pelo tom, só não sabia qual era o fim. Desconfiou que a amiga estava tentando arrancar algumas informações dela, tendo percebido seu mau-humor combinado ao silêncio perante os últimos acontecimentos.
No entanto, por mais que a amiga incentivasse, ainda não se via contando. Como falar que havia conquistado o ódio de um vampiro centenário por puro capricho? Ela não entenderia a necessidade de fazê-lo temer como forma de descontar sua frustração pela ligação.
Eu não consigo tomar a iniciativa, pensou.
— Já terminou? Está quase na hora de fecharem o andar e só tem nós duas aqui — Violet falou, interrompendo os pensamentos de .
A hora voou e ela não estava nem na metade dos relatórios. Já que estava trabalhando fora do escritório alguns dias pela noite, ela não foi dispensada de outros casos e estava fazendo relatórios com base em anotações de outros. Para ela, mais chato que espionar se dando bem era só fazer relatórios de casos alheios, fora os garranchos que julgava ser um absurdo ter que interpretar. Não tinha o dom da adivinhação.
Puxou a cordinha da luminária para desligá-la e finalizar o dia.
As duas deixaram o prédio do Conselho às dez e meia. pretendia chegar ao Clube antes de meia-noite, mas Violet decidiu escovar o longo cabelo e tomou mais tempo que o esperado. Sob os protestos dela por não ter tido tempo o suficiente para escolher direito sua roupa, a arrastou para fora do seu apartamento. costumava chegar à meia-noite, então ela praticamente correu o caminho carregando a amiga para entrar antes dele e não chamar atenção. Como haveria muitos seres dentro de um ambiente abafado, esperava se camuflar do faro e radar dele.
— Porra, ! Vai devagar! — Violet resmungou atrás dela. — Eu não estou conseguindo me equilibrar nesses saltos com você correndo desse jeito.
foi parando de correr aos poucos, mais por estarem perto da entrada do que pelo pedido da amiga.
— Não deveria ter vindo de salto, nós estamos bisbilhotando vampiros. E se eles resolverem correr?
— Se resolverem correr, não vai ser salto que vai me impedir de alcançá-los, mas o fator de não possuir a rapidez deles — falou como se fosse óbvio. sorriu de lado e pendeu a cabeça, concordando silenciosamente.
Era raro Violet sair sem seus saltos, da mesma forma que não saía sem uma de suas botas. As duas não eram o oposto — ainda compartilhavam algumas roupas —, mas possuíam estilos divergentes. Porém, as personalidades eram parecidas e o que mais as ligavam. Gostavam de sair juntas para o cinema, discotecas, restaurantes... Estavam até mesmo aprimorando as técnicas de luta juntas. Conheceram-se no treinamento para o Conselho e nunca mais se separaram. Violet era a única que podia contar em Nova Iorque e ela nunca a deixou na mão, ajudou até mesmo a sair de um relacionamento e superá-lo. Ela sentia que possuía uma dívida eterna com a amiga.
Entrando no Clube, elas desviaram das pessoas que dançavam ou estavam paradas no caminho até o bar. Sentaram-se nos bancos altos. vasculhou entre os presentes atrás de um dos membros da Bloodlust enquanto Violet pedia duas bebidas. Veria a cabeça de acima da de todos pela sua estatura e podia afirmar que não estava ali no meio.
— E então... Onde estão? — a bruxa perguntou ao seu lado após virar o banco em direção ao que a outra encarava.
Ela olhou o relógio em seu pulso, vinte e três e cinquenta e oito.
— Faltam dois minutos.
O barman colocou as bebidas entre as duas, Violet pegou o Bramble e a entregou o Appletini. deu um gole, sentindo os ingredientes de qualidade baixa rasgarem sua garganta.
— Isso vai me deixar bêbada rapidinho — Violet comentou.
Sentiu seu coração acelerar, a respiração ficar descompassada e os pensamentos embaralhados. Pensou que a amiga estava realmente certa e a bebida já estava batendo com um mero gole, mas, ao ver uma cabeça se destacando na fumaça, soube que o motivo era outro. Ele cumprimentou várias pessoas que passaram pela sua frente, exibindo sua popularidade ali. Viu que os outros integrantes vieram em seguida, cumprimentando todos também.
Dessa vez, a ligação estava fazendo ela ter a sensação de flutuar... Queria flutuar ao encontro dele. Ela fechou os olhos para tentar controlar seu interior antes que suas pernas a levassem mesmo até ele. Quando os abriu, eles estavam parados em um canto e conversava de lado.
— É o Nosferatu? — Ouviu a amiga perguntar. Concordou com a cabeça, incapaz de emitir um som. A cicatriz em seu pescoço por baixo do colar pinicava de forma extremamente incômoda. — Uau. Eu esperava alguém mais, sei lá, careca. Não é à toa que você gostou do beijo. Ele tem cara de quem faz um beijo na bochecha soar sexual.
Ela não teve a oportunidade de responder. As duas o assistiram congelar no lugar e suas narinas inflarem. Ele olhou para onde elas estavam e sorriu a ponto de mostrar os dentes. se sentiu patética por achar que poderia driblar o olfato de um vampiro com mais de cem anos. Agora, todos os quatro olhavam para ela. Bebeu o conteúdo da taça todo de uma vez, sentindo queimar e rasgar. Pensou que precisava de todo o teor alcóolico que a bebida continha para mais uma rodada de versus .
Não demorou muito para que eles viessem em sua direção.
— Não esperava te ver por aqui hoje — disse.
Ele não tem mais a decência de dizer nem um “oi” ou “boa noite”.
— Estou trabalhando — falou, deixando claro que estava ali para observá-los. Sentiu um cutucão na costela e olhou, a amiga estava pedindo para ser apresentada. — Essa é a Violet. Ela é funcionária do Conselho e minha melhor amiga.
Os outros, que pairavam feito sombras atrás de , cumprimentaram a loira com apertos de mãos. Pela cordialidade, não era só o líder que queria uns pontos a mais com o Conselho. Violet foi educada, engatando em uma conversa civilizada, apesar do seu asco por vampiros.
abaixou e apoiou as duas mãos na bancada atrás de , encurralando-a. Ela se sentiu sufocada, mas não pelo corpo dele, era pela súbita vontade de se fundir a ele. Tê-lo em todos os lugares que latejavam ao mesmo tempo, em seu pescoço e o meio das suas pernas. Ele tirou o cabelo avermelhado do seu rosto da mesma forma que ela tinha feito em Chicago. se sentiu frágil, o poder que geralmente a cercava sumiu.
— Você está cheirando a vodca barata — comentou no ouvido dela. Ela teve vontade de chutá-lo por ter saído como um insulto. Ele se levantou, olhando para as duas. — Posso arranjar bebida de verdade para as senhoritas?
Não pretendia beber mais por ter que manter os sentidos sem comprometimento, mas Violet concordou e ela pensou que não poderia fazer mal. Caso sentisse que estava ameaçando perder a sobriedade, tomaria a porção que estava na sua bolsa e a restauraria em segundos. Tudo estaria sob controle.
pediu outras duas bebidas iguais, mas ela detectou que era feito com produtos de alta qualidade só pelo cheiro. Perguntou-se como funcionava a influência deles ali dentro para receber esse tipo de tratamento, talvez fosse algo que valesse a pena averiguar.
Ela notou que Kenny não tirou os olhos de Violet. Eles já tinham cada qual uma bebida diferente nas mãos, mas ele bebia o líquido dourado da caneca a encarando enquanto os outros conversavam em sua volta. Elas se entreolharam, estranhando.
Os outros três combinaram entre si de entrar no que era o camarim na apresentação. As duas permaneceram caladas, Violet provavelmente por não saber do que se tratava e por estar tentando afastar as memórias da noite de Halloween.
— Querem entrar? — Kenny convidou, apontando para a entrada.
A loira olhou para a amiga, que viu Josh se virar para , que fitava Kenny de cara feia. Johnny, o único que sobrou no meio, arqueara as sobrancelhas diante do jogo de olhares que acontecia.
entornou o restante do líquido todo novamente, dessa vez, para tomar coragem. Como havia pouco e a qualidade era melhor, ela não sentiu tanta ardência. Não poderia perder a oportunidade que caiu no seu colo de se infiltrar, então respondeu:
— Nós vamos.
Agarrou a mão de Violet para lhe dar o destemor necessário de seguir com o plano que sua cabeça criou.


* * *




— Está falando sério? — Violet perguntou enquanto encarava os braços de . — Porque eu acho que é um delírio coletivo essa ideia de me jogar nos seus braços por livre e espontânea vontade.
— Anda logo, bruxa — Johnny resmungou. Ele parecia o segundo mais descontente em deixá-las entrar, só perdendo para o próprio . — Nós não temos a noite toda.
— Eu vou ficar ao lado dele com uma estaca, qualquer gracinha e ele vira pó — prometeu, mais determinada ainda por conhecer a pessoa em questão.
— Só esqueceu que tenho reflexos sobrenaturais e você não, eu te derrubaria fácil, fácil — gabou-se.
Ela sentiu seu rosto esquentar pela raiva, como se estivesse borbulhando por dentro de repente. Ele estava a desafiando no meio de todos? Ainda mais depois de tudo que ela fez para colocá-lo no lugar e os dois sabiam bem. Olhando para cima para fitar seus olhos verdes brilhantes, deu os dois passos que faltavam para se aproximar dele.
— Quer apostar? — desafiou de volta.
— Adoraria.
— Ei, ei, ei — Violet chamou a atenção deles, puxando a amiga. — Tudo bem! O outro ali faz comigo enquanto esse daí põe o cheiro em você, só não se matem durante.
— Isso vai demandar um esforço tremendo — ela retrucou.
Josh e Kenny, que assistiam a cena com curiosidade, riram. se limitou a rolar os olhos. Ela estava mudando de ideia aos poucos, pensava que talvez toda a consequência de o matar compensasse.
Ele parou atrás dela. Sentiu o cheiro leve de noite a cercar e foi o suficiente para fazer seu coração bater rápido pela ansiedade do que estava por vir. A altura dele a engoliu quando se abaixou para alcançar seu ouvido. O toque em seu pescoço vinha de dedos frios como a chuva do outono. Ela fechou os olhos, se entregando mais uma vez aos encantos dele. Seu interior estava em festa, esperando ansiosamente pelos próximos passos. Ele deitou de leve a cabeça dela para expor seu pescoço, afastou o colar e encostou o nariz exatamente em cima dos dois pontos de cicatriz. engoliu o bolo de todos os palavrões que queria proferir. O corpo despertou por completo em uma onda de excitação.
— Se continuar assim, eles vão achar que você está gostando — sussurrou em um tom divertido para que só ela escutasse.
Tamanha era sua irritação por cada pedacinho dele, ela queria imprensá-lo na parede e berrar ofensas. Porém, continuou parada e de olhos fechados. Tanto tempo se passou desde que se sentiu dessa forma, a ponto de ser incapaz de quebrar o contato. A proximidade dele com a cicatriz trazia sensações novas e intensas, ela viu fogo crescer novamente por trás das pálpebras.
Sentiu seu sorriso se formar mesmo de olhos fechados. Ele passou os braços pelos dela, abraçando-a e, consequentemente, encostando as costas na parte da frente do seu corpo. O peito e abdômen rijos a ampararam, ela ofegou ao senti-los. Era a dança que parecia anteceder o ato final se repetindo e queria valsar até a beira da morte.
Porém, ele a soltou no precipício.
O momento pareceu ter sido sugado, como se, de repente, alguém liberasse a tampa de um ralo. Ela abriu os olhos, se deparando com quatro seres a encarando de maneiras divergentes. Johnny e Kenny pareciam incrédulos, Josh não carregava nenhuma expressão em seu rosto e Violet a questionava silenciosamente com sua sobrancelha arqueada. Ela sabia que, por mais que não tivesse deixado escapar uma reação além de um ofegar, cada qual tinha interpretado de uma maneira; e, ao que suas expressões indicavam, não eram nada favoráveis para manter seu segredo. Precisava de mais cuidado. Não deveria se aproximar tanto dele para não demonstrar vulnerabilidade, mas sempre se pegava presa nessas situações. Afinal, como poderia se afastar sem levantar suspeitas?
Josh cheirou ao redor de Violet depois que Kenny colocou seu cheiro e repetiu o gesto com . Concluindo que era o suficiente, eles deixaram o recuo vazio do palco e se dirigiram até o interior.
— O que devo esperar? — a outra bruxa perguntou baixinho antes de Johnny abrir a porta.
— Lembra do covil que te falei? — perguntou no mesmo tom, ela concordou com a cabeça. — É esse o lugar.
Ajeitou a postura ao seu lado e estalou as juntas do pescoço, se preparando para o que viesse.
— Em hipótese alguma, pensem em usar magia. Eles farejam até intenções — lembrou atrás delas.
sabia que ele se referia ao incidente que os levaram ao armário de vassouras. Era bom que ela soubesse, só de imaginar eles dois dentro desse mesmo armário, passando pelo processo de colocar cheiro no escuro, sentia calafrios. Não queria deixá-la sozinha com ele. Por mais que confiasse nela, o medo dele a corromper, assim como fez com a própria , ainda estava ali. Sempre existia a opção de que ele usaria qualquer oportunidade para se vingar.
Ao contrário da outra noite, ela notou a tranquilidade do local. As poucas pessoas que ocupavam o espaço pareciam presas em uma própria atmosfera. Aproveitou para fazer uma análise do ambiente: as paredes pintadas com tinta preta davam um ar cavernoso; as cortinas pesadas no tom vinho tapavam pontos específicos que deveriam ficar janelas, mas só haviam saídas de ar no lugar; o carpete marrom era consideravelmente bem limpo; uma mesa grande encostada na parede do fundo servia de apoio para quatro caixas térmicas; e os sofás espalhados, como aquele que se sentaram, eram os elementos mais surrados e, ainda assim, não eram tanto assim quanto se esperava do Clube. Ela concluiu que eles reservavam o melhor para os membros especiais, porque a parte aberta para o público era um tanto quanto malcuidada comparada a esta.
As duas se sentaram. Os quatro pediram licença e se afastaram em direção à mesa.
— Quer me dizer o que está acontecendo entre vocês? — Violet perguntou sem cerimônias.
— Vocês quem? — se fez de desentendida, recebendo um olhar atravessado. — Ainda não sei do que está falando.
Ela só queria ganhar tempo para pensar no que responder.
— Você e o seu Conde Drácula ali. Todos viram os dois se desafiarem, depois ele te acariciar e você ficar imóvel. — Virou-se para encará-la melhor. — O que não está me contando?
franziu o cenho.
— Primeiro: ele não é meu — garantiu. — Segundo: ele precisava colocar o cheiro em mim, não era? Eu só deixei, não fazia sentido ficar relutando. Não foi a primeira vez que fizemos isso.
Ela até se sentiria mal pela mentira, mas Violet não comprou nem por um segundo e sua expressão deixava aparente.
, eu te conheço. Você não estava imóvel por não ter escolha, você estava apreciando o toque dele.
Abriu a boca para retrucar, mas nada saiu. Estava impressionada demais com as palavras criando forma e sendo proferidas por Violet. Ela realmente apreciou. Na verdade, ela sempre gostava de quando ele a tocava. Preferia acreditar que a culpa era cem por cento da ligação e sua carência não tinha parte nisso, que foi só um pensamento intrusivo ter se sentido de uma forma que não acontecia há um tempo...
— O que realmente houve na primeira vez que vocês se encontraram? — Violet a trouxe de volta dos seus devaneios. Pelo olhar preocupado, ela viu que não precisava de confirmação ou uma mentira para a fala anterior. A amiga já sabia que aquela era a verdade.
— O pior — se limitou a dizer apenas isto.
Ela arregalou os olhos.
— Você deixou com que ele estabelecesse uma... — começou a perguntar, mas sua boca foi tapada.
— Fale em códigos, algum deles pode estar escutando — pediu e tirou a mão da boca dela.
— Você deixou?
— Eu fiquei muito presa ao momento para me concentrar nas palavras, acabou não surtindo o efeito completo.
Dessa vez, foi Violet que tampou a própria boca.
— E agora? — falou com a voz abafada.
— As coisas costumavam ser um pouco mais amigáveis entre nós. Existia aquela desconfiança pelas espécies? Existia, mas nós conversávamos civilizadamente... Até que eu acabei com tudo. Estava frustrada por sentir aquilo às cegas. — Suspirou. — Então, eu o assustei. Agora, ele me odeia e vice-versa.
— Tenho até medo de perguntar o que fez para desencadear esse tipo de sentimento.
— Devo ter ferido o orgulho de vampiro dele. — O olhou conversar com os amigos. — Ele vem tentando me intimidar também. Antes, disse que não me tocaria, mas algo mudou. Ele descobriu, de alguma forma, que seria mais bem-sucedido se fizesse de todas as formas possíveis.
— E tem funcionado?
voltou a olhá-la e concordou discretamente.
— Ela fica cada vez mais forte quanto mais próximo ele fica. É bizarro. Quando fui tocada, eu me senti aliviada pela proximidade e ansiosa para que ele... — mordeu as costas da mão para ilustrar.
... — murmurou, chocada. — Você chega a desejar que ele...?
Violet se referia a beber do seu sangue. maneou positivamente com a cabeça de novo. Era o que mais queria no momento, junto com sentir a maciez dos lábios dele na cicatriz.
— Temos que pesquisar alternativas para quebrar essa magia — concluiu. — Óbvio que ele não pode ler sua... — apontou para a testa.
— Não, essa foi a parte que deu certo. Ele não sabe.
— Pelo menos isso. Como você vai vigiá-lo assim? — Passou a mão pelo cabelo, exasperada. — Não sei o que é pior entre vocês dois: isto ou o ódio.
— Se não fosse por isto, eu estaria livre para sentir só ódio por ele.
Sentiu o estofado ao seu lado afundar. Só pelos poros arrepiados e o pescoço pinicando, soube quem acabou de se sentar. Virou-se para o encarar. Ele usava uma camisa que destacava bem seu peitoral definido e o primeiro pensamento de foi a lembrança de ver um pedaço descoberto em Chicago.
Como seria passear minhas mãos livremente ali?, pensou.
— Eu já volto, vou pegar algo para bebermos — Violet comentou do outro lado dela.
Quase se levantou para ir com a amiga, mas não queria deixar margem para pensar que estava intimidada com a presença dele. Ele segurava uma taça de forma graciosa e, pela marca deixada no cristal, ela concluiu que era sangue.
— Onde arranjou isso? — questionou.
— Isso daqui? — Aproximou a borda da taça para cheirar o conteúdo. — É o meu favorito desde que certa pessoa me apresentou, só fica melhor com o “O” negativo dela.
Ela tocou sua mão e aproximou o cristal para sentir o cheiro. Havia álcool misturado, mas em menor proporção.
— Onde arranjou esse sangue? Vem de bolsas? — insistiu.
— Na verdade, prefiro quando está na corrente sanguínea e eu posso experimentar diretamente... Bem quentinho — brincou.
— Você é ridículo — bufou. — Essas caixas térmicas estão cheias de sangue, não é?
— Não sei... — tentou disfarçar.
Já tinha sua resposta.
— É uma regra do Conselho que as bolsas de sangue sejam para uso próprio.
Ele imitou a fala dela com uma voz fina forçada. Ela travou o maxilar e o fuzilou com os olhos, imaginando várias formas de tirar a estaca da sua bota e enfiar no peito dele só pela audácia. No entanto, nenhuma que não colocasse todos em cima dela em um curto espaço de tempo.
— Não sei se já te falaram, mas você é extremamente chata. — Sua expressão era carregada de atrevimento e estava atento em como suas palavras seriam recebidas.
Ninguém nunca havia falado em sua cara, mas escutara várias vezes vampiros insatisfeitos se referindo a ela usando dessa mesma palavra para de mais baixo nível. No entanto, se controlou mais uma vez para não responder. Não reagiria para fazê-lo engolir a ofensa.
— Você se sentou aqui só para me irritar? — perguntou, fingindo plenitude. — Parece uma criança com essa infantilidade toda e não o velho de mais de cem anos que você é.
— Velho?! — fez uma careta. Ela concordou com a cabeça, gostando de atingi-lo. — Eu posso ter a idade, mas quem tem a alma é você. Sentada aqui, emburrada, enquanto todos se divertem.
— Como eu disse: estou trabalhando hoje — cruzou os braços. — Já tenho algo a relatar sobre essas festinhas privativas: open bar de bolsas de sangue.
— Você não vai colocar isso em um relatório.
— Ah, é? Por quê? — perguntou com desprezo.
Ele pegou o queixo dela entre o indicador e o polegar e virou sua cabeça para que o encarasse. Estava mais próximo, ela pôde enxergar com perfeição cada ponto da íris vermelha. Em meio a todo àquele vermelho, relembrou dos seus olhos tomados pela luxúria. Quis subir em suas coxas e se encaixar em seu colo, como na primeira noite, para arrancar o mesmo brilho.
— Porque eu não quero que você coloque — sussurrou.
As palavras dele ecoaram pelo seu cérebro. Quando estava sentindo o controle deixar seu corpo e ondas sonoras tomarem de conta, se deu conta do que estava acontecendo.
— Não me importo com o que quer ou deixa de querer — respondeu, ainda olhando no fundo dos olhos dele. — Tentar me hipnotizar também conta como uma infração e vai para o meu relatório.
Ele sorriu de lado e acabou por soltar o queixo dela.
— Eu disse... Chata demais. Até sua amiga preferiu procurar companhias mais interessantes. — Apontou com o queixo para trás dela.
Virou-se para ver que Violet conversava com Josh e Kenny perto da mesa.
Traidora.
Ela havia a abandonado nas mãos do inimigo depois de saber de tudo.
— Por que você não vai procurar também? Aproveita para fazer alguma merda que te comprometa mais — abriu um falso sorriso amável para acompanhar suas palavras.
— Não vim te fazer companhia por querer, amor. Sou obrigado a ficar por perto porque, aqui dentro, eu sou o seu dono.
Descruzou os braços e se virou de uma vez para encará-lo. Ele sorria, parecendo já antecipar a reação dela e constatar isso a fez ficar mais irritada.
— Nem nos seus sonhos mais pervertidos — ela chiou. — E não me chame de “amor” ou qualquer outro apelido, nós não somos íntimos!
— Tudo bem, senhorita Persephone — deu ênfase no nome dela. Ela ficou surpresa e sem palavras por ele saber seu nome inteiro. Ao ver a expressão dela, explicou: — Eu posso não ter recebido uma ficha gigante sobre você, mas tenho meus meios de conseguir informações sobre alguém.
Ela arqueou as sobrancelhas. Imaginou o quanto de informações esses meios dispunham sobre ela, se eram superficiais ou iriam mais longe. Lembrou-se de acontecimentos que preferia abandonar no passado, que não valiam nem como memória de superação, mas, como toda boa história que se preferia esquecer, ela teria um valor alto na mão de quem quisesse fazer maldade.
— Seus pais escolheram mesmo te dar o nome da esposa do deus do submundo? — debochou.
— Ela não é só esposa de Hades, é a deusa dos frutos, das flores, dos perfumes...
— Um nome clichê para alguém da sua espécie, só porque você tem o poder de manejar todos esses elementos.
Ela semicerrou os olhos, irritada com o tom de zombaria dele.
— Eu não nasci assim. Meus pais não sabiam que eu herdaria o poder, já que meu pai renegou e pulou meus irmãos mais velhos. A minha mãe acha que combino com flores desde a primeira vez que me viu, por isso, ela me deu o nome da deusa. Quando eu fiz o pacto para obter a Marca, fui presenteada com alguns dons da natureza por causa do nome do meio — explicou.
Não sabia por que estava contando detalhes da sua vida pessoal para ele, talvez para que parasse de escárnio com seu nome. Ela tinha muito carinho pela história do seu nome do meio, desde o esmero da sua mãe em escolhê-lo até o momento da sua oficialização como bruxa. Não achava justo que alguém tratasse dessa forma uma parte da sua trajetória.
— É por isso que me prendeu com cipó? — ele perguntou. Ela se lembrou de como o amarrou em Chicago e concordou com a cabeça. — Aquilo é bem forte, eu passei um tempo tentando romper sem quebrar a cama.
Um sorriso brotou em seus lábios ao imaginar tentando se desvencilhar e falhando.
— Você se divertiu, não é? — sorriu de lado. — Se divertiu em me levar à loucura por algo que fez, porque você adora um malfeito.
soltou uma risadinha baixa. Ele tinha razão, ela adorava uma maldade, da mesma forma que o contrário acontecia. Todas as vezes que ele se aproximava ou tocava uma parte do corpo dela, sabia bem de todas as reações desencadeadas. Os toques dele não tinham nada de inocentes. Um dia, ele dizia que não a tocaria e, no outro, estava imprensando seu corpo e tocando em todos os lugares possíveis. também adorava um malfeito.
— Vamos cortar o papo furado por aqui, . Me leve para conhecer a outra porta que íamos visitar naquele dia.
— Se você fosse familiarizada com o ambiente, diria que está dando em cima de mim. É o lugar que as pessoas vão procurar mais privacidade. — Ela o censurou com o olhar. — Talvez nos meus sonhos mais pervertidos? — arqueou uma sobrancelha.
— Engraçadinho — resmungou. Em seguida, ficou de pé. — Levanta e cubra minhas costas. Não quero deixar margem para nenhum sanguessuga me chamar de fedida.
— Sanguessuga... — ele refletiu. — Assim você machuca, .
— Você vai ver o que é machucar quando eu chutar sua bunda para fora desse lugar se não levantar daí — ameaçou.
Rolou os olhos.
— Está bem. — Levantou-se. — Só porque você se machucaria tentando e chamaria uma atenção desnecessária, caso contrário, eu até que pagaria para ver.
Os dois caminharam até a saída. Antes de abrir a porta, ela olhou para Violet e mexeu a boca em “já volto”, recebendo um aceno de concordância. O corredor estava vazio, sem necessidade de que se aproximasse muito dela. agradeceu mentalmente pela distância, as sensações eram vinte vezes mais intensas a cada milímetro que ele ficava e queria focar em algo que não fosse projeções de uma mente suja. Abriu a terceira porta, depois do armário de vassouras, e entrou.
Ela se assustou com a quantidade de manequins fantasiados de pessoas na sala. Olhou em volta, todos eles estavam vestidos e em posições comuns humanas, alguns sentados ao redor da mesa, outros parados parecendo conversar.
— O que é isso? — perguntou enquanto encarava um que fingia fumar.
— Digamos que um certo tipo de humor da nossa parte — ele respondeu.
— Humor? Isso é... bem tosco. — Olhava, agora, para dois que pareciam se beijar. — Impossível ter mais privacidade aqui, dá uma sensação de ser mais tumultuado.
Escutou a risada dele em suas costas.
A luz do ambiente vinha de um refletor amarelo que iluminava mais o centro da mesa, ela julgou ser alguma piada com o sol que não entenderia. Passou os olhos por mais meia dúzia até que um quadrado prateado chamou sua atenção. Era um objeto tão familiar aos seus olhos que costumava passar batido todos os dias, mas gritava no ambiente de tons sépia. Tocou o crachá do Conselho Sobrenatural e virou para ver a identificação, todas as informações e a foto foram raspadas.
se aproximou.
— Nunca vi isso aqui. — Pousou a taça na mesa para tirar o crachá do manequim.
Ela analisou a posição do boneco, o modo que apontava uma arma de plástico para sua testa. Caso se movesse, a mira estaria apontada para um manequim com o rosto enterrado no pescoço de outro.
— Aquele também está usando um — ela disse, apontando para o que parecia morder.
Ele andou até onde o dedo dela apontava. Ao tirar o manequim da posição, ela notou que havia uma mancha avermelhada espalhada pelo seu rosto assim como presas de papel na boca pintada. Alguém gastou tempo o disfarçando de vampiro. tirou o crachá e o analisou de sobrancelhas arqueadas. ficou impaciente pela hesitação dele, quebrou a distância e pegou o quadrado de plástico dos seus dedos longos.
— “Estamos matando os nossos” — leu o que estava escrito em vermelho por cima da raspagem. — O que diabos isso significa?
— Não faço ideia — ele respondeu com sinceridade, ela pôde concluir só de olhar para sua expressão intrigada.
— Como não faz ideia? Achei que vocês fossem os donos do lugar, andando por aí com suas bebidas caras — resolveu pressioná-lo um pouco, mesmo sabendo da verdade.
Notou um sorriso de lado em seu rosto de quem sabia o que ela estava fazendo. Não viu problema em ser tão direta, não precisava de rodeios ainda. Caso ele não colaborasse mais ou precisasse de uma informação mais íntima, mudaria a estratégia.
— O dono se chama Vice e quase nunca aparece. Nós só somos bem-tratados por causa da banda mesmo.
— Alguém da limpeza poderia colocar isso aqui? Ter encontrado em outro lugar e julgado que combinaria com essa bizarrice... — chutou.
— Não. Os funcionários humanos cuidam da parte aberta ao público, essa parte é cuidada por quem frequenta. Se está aqui, provavelmente foi implantado para um propósito.
A convicção da fala dele a fazia querer acreditar, mas não podia simplesmente se dar ao luxo de se basear só em palavras.
— Vou levar esses crachás comigo, ver se consigo alguma informação sobre os donos deles.
Ele concordou. Não o comprometia em nada, então provavelmente foi o motivo de que não fez questão que não fossem levados. Vozes ecoaram pelo corredor, ela se alarmou por ficarem cada vez mais próximas.
— Devem estar vindo para cá — ela murmurou. — Tem algum esconderijo por aqui?
— Para quê? São só duas pessoas querendo se agarrar — ele comentou, sem se afetar.
— Pode ter a ver com isso daqui, nunca se sabe qual será seu dia de sorte — ela disse. Ele arqueou uma sobrancelha, duvidando, mas acabou apontando para as cortinas grossas no fundo escuro da sala.
decidiu enfiar rapidamente os crachás de volta nos manequins para não causar estranhamento. Ao passar a corda do último pelo pescoço do boneco, a porta se abriu. Não foi rápida o bastante para alcançar a cortina do outro lado da sala, acabou por puxá-la para a sua e cobrir o corpo dela com o seu. De frente para a saída de ar, ela arfou por ter quase sido pega. Seu interior começou com uma faísca, mas, ao se ajeitar e sentir toda a parte da frente do corpo dele pressionar suas costas, o fogo se esparramou, virando uma fogueira. Ela se mexeu mais algumas vezes para procurar espaço, sufocada por estar no escuro, de costas para ele e desarmada.

* * *




Ele se aborreceu. não parava de se esfregar na sua virilha, parecia ser até proposital, talvez fosse a intenção dela despertar algo que ele se envergonharia. Ela adoraria o ver se envergonhar das reações do seu corpo, poderia até imaginar. Pegou a garota pela cintura e a virou para si antes que fosse tarde.
— Ótimo, não tem ninguém — ouviu uma voz masculina longe. — Acha que nos viram entrar?
— Não, estavam distraídos demais — disse uma voz feminina.
Ainda muito desconfortável com toda a proximidade, ela continuou a se movimentar até conseguir se abaixar no curto espaço e pegar uma estaca na bota para colocar entre eles. Já deveria esperar aquilo de . A ponta em direção ao peito dele — um aviso claro para qualquer movimento que pensasse em fazer e ela desaprovasse, era um adeus que daria ao mundo. Ele abriu um sorriso de lado. Era bom mantê-lo longe mesmo, pois queria beber de toda sua coragem.
Passos se aproximaram. A adrenalina começou a fazer o coração dela bombear o sangue muito rápido a ponto de ouvi-lo pelas suas veias. Seu cheiro ficou mais forte, mal cheirando a ele agora.
— Merda, esses malditos bagunçaram tudo! — a mulher reclamou.
— Nem te deu tanto trabalho assim — o outro falou.
— Mas terei que fazer tudo outra vez...
— Não sei por que você simplesmente não põe em qualquer lugar. O combinado foi que apenas os colocasse aqui.
— Não quero que fique tão óbvio, a pessoa precisa ser minimamente inteligente para aceitar o nosso convite. Nós somos um grupo sério.
— Ninguém leva um grupo rebelde pequeno a sério, Farah.
— Quando estivermos completos, eles saberão que somos o futuro deles e passarão a nos respeitar como merecemos.
Algumas batidas ocas foram escutadas, presumiu que a mulher estivesse mexendo nos manequins. Passos ficavam cada vez mais próximos de onde eles estavam, indicando que o homem andava pela sala. apertou a mão dela em torno da estaca para tentar tirá-la dali e poder abafar seu cheiro novamente, mas ela firmou os dedos. Não deu brechas nem para que afrouxasse o pontiagudo da estaca contra seu peito. Se ele forçasse mais, correria o risco de fazer movimentos bruscos e os outros os veriam lutar através do tecido da cortina.
— Estou sentindo um cheiro diferente aqui, mais doce — ele falou ao parar de andar.
— Ou você só está ficando louco mesmo.
— Acha que tem uma por perto?
— Não, elas não teriam a audácia de entrar aqui. — Mais batidas. — Você precisa parar um pouco. É muito cedo para ter tanta sede, a guerra está próxima, mas nem tanto.
Guerra. arqueou uma sobrancelha ao pensar na palavra. Se eram um grupo pequeno de rebeldes mesmo, não possuíam a capacidade de provocar nem uma briga generalizada. Requeria muito egocentrismo para falar em guerra.
— Só queria o sangue de um para sentir o gosto do poder por uns dias.
— E qual criatura da noite não quer? — riu. — Pagamos de bons samaritanos, mas, no fim, somos todos iguais, só queremos drenar uma bruxa até a última gota.
apertou a arma contra o peito dele, afundando-a perigosamente no tecido da camiseta, como se ele fosse o culpado pelas palavras. Tentou afrouxar os dedos dela mais uma vez, mas sem sucesso. Ela apertava com toda sua força e, para a surpresa dele, era até que considerável. Temeu que se continuassem com a briga pela estaca, ou ela terminaria mesmo enfiada em seu peito ou voaria para longe. Segurou o pulso fino e ela reagiu tentando puxar a mão dele com a sua livre. Devido ao esforço, ele a escutou ofegar.
Passos voltaram a circular o espaço imediatamente.
levantou o braço dela até a altura da cabeça. Ela tentou desviar a todo custo, se sacudindo.
Maldição de garota.
lhe dava trabalho desde o primeiro dia que se encontraram, tinha o temperamento impossível de se lidar. Estava farto da atitude dela, sempre tentou ajudá-la, mesmo que a odiasse, e ela retribuía da pior maneira possível. A puxou pela cintura até se chocar contra seu corpo para que parasse de sacolejar. Ela congelou no lugar, dando abertura para que ele empurrasse seu braço com a estaca para trás das costas. Sentiu o outro vampiro se aproximar mais, precisou agir rápido: enterrou o rosto no pescoço dela.
— Não... — ela miou.
A cortina foi puxada, revelando-os.
Ele beijou a pele para fingir uma mordida. Estranhou bastante quando ela soltou um gemido, sabia que a ideia de ser mordida era excitante para algumas pessoas, mas jamais imaginou que seria para — a que possuía toda aquela pose de inatingível.
— Ah, é só o — o outro disse em suas costas, ainda assim, não reconheceu sua voz. — É por isso o cheiro doce, ele está se alimentando, Farah.
— Oi, — Farah falou. Estava inebriado demais pelo cheiro do pescoço em que seu nariz estava encostado para respondê-la. Apesar das desavenças, tinha de admitir que possuía o melhor cheiro que teve a oportunidade de conhecer.
— Fique tranquilo, nós não vamos te atrapalhar mais.
Os passos foram em direção à saída.
— Tchau, — Farah se despediu, forçando uma voz infantil.
Quando não sentiu mais a presença dos dois na sala, ele olhou para cima. estava imóvel, esperando ser mordida para valer.
— Eles já foram — anunciou.
Os olhos dela se abriram devagar, acostumando-se com o ambiente. Ao vê-lo tão perto, ela pareceu se recuperar tão rápido quanto um raio cai. A mão que estava com a estaca foi em direção ao peito dele e, se ele não tivesse ido parar do outro lado da sala para desviar, teria sido bem-sucedida. arregalou os olhos, sem entender nada. Quando se tratava de , ele não entendia muito. Ela correu com a arma em punho até ele, que segurou seu pulso para o impedir de apunhalar novamente.
— Que porra você está fazendo? — perguntou, olhando em seus olhos carregados de cólera.
— Você faz parte disso! — acusou. — Eles te conhecem! — dessa vez, grunhiu. — Porra! É claro que você está com rebeldes!
E começou a lutar com ele pelo braço preso. Começou dando um chute em seu joelho esquerdo, fazendo-o tombar levemente por ter sido pego de surpresa. Ela se aproveitou para dar um murro em seu queixo e tentar puxar o braço. se provou ainda mais forte do que pensou, fazendo sua mandíbula pulsar com o incômodo. Ele tocou o local e a lançou um olhar de irritação. Arrancou a estaca da mão dela à força.
— Eu não sei como deduziu isso, mas nesse lugar obscuro que você chama de cabeça, não passou que, se eu estivesse com eles, faria de tudo para que não os ouvisse? Ou por que eu estaria colaborando tanto com tudo que me pede?
Ela cruzou os braços.
— Você quer que eu ouça por ter um propósito, mesmo motivo de estar colaborando.
— Você se escuta? Parece uma das malucas das teorias da conspiração — zombou. — Como eu saberia que eles entrariam aqui se foi você que me convidou para te mostrar o lugar? Já pensou nisso?
— Eles te viram entrar pelo corredor e vieram depois — disse como se fosse óbvio.
, não tinha ninguém no corredor. Você estava lá.
Ela pareceu refletir, até que suspirou.
— Não estou totalmente convencida. Você já teve falas rebeldes antes e eles pareciam te respeitar.
— Eles pareceram me respeitar pelo mesmo motivo que somos bem tratados aqui. Já sobre as falas rebeldes... — Prendeu os lábios numa linha fina, pensando no que disse perto dela a respeito do Conselho. — Bem, eu disse mesmo. Me prenda se achou ruim.
— Não costumo prender. Porém, sempre posso abrir uma exceção para você e usar o cipó de novo — sorriu de lado.
Só de se lembrar da sensação do cipó em seus pulsos já se sentiu preso. Não se recordava da última vez que mostrara as presas em ameaça para alguém de outra espécie antes daquele dia. o levou ao extremo com tanta facilidade, ele achava que ela merecia o crédito por isso e por sempre fazê-lo sentir um misto de emoções. Ele não era assim. Sempre teve o controle de tudo que sentia, mas bastava ela aparecer para ir tudo por água abaixo.
— Vou dispensar. — Ele forçou um sorriso.
— Quem sabe se você continuar provando que não é inocente? — Piscou um olho.
Ela se virou e foi em direção aos manequins na mesma posição de antes de serem mexidos. Ao tirar os crachás, achou mais dois.
— “Eles tentam nos controlar” — leu o que estava escrito em um. — “Esqueceram que somos os mais fortes” — leu o outro. — Vocês se acham, não é?
Ele discordava de quem escreveu aquilo. Sempre julgou as pessoas que tinham a Marca as mais fortes, mesmo não tendo uma força sobrenatural, eles possuíam a magia mais poderosa.
— Eu não compartilho dessa opinião, o que mais uma vez prova minha inocência.
— Vai me provar sua inocência de outra forma. — Ela esticou os crachás. — Vamos aceitar esse convite.


Continua...


Qual o seu personagem favorito?
: 0%
: 0%


Nota da autora: Sem nota.

🪐



Se você encontrou algum erro de codificação, entre em contato por aqui.
Para saber quando essa fanfic vai atualizar, acompanhe aqui.



Barra de Progresso de Leitura
0%