Revisada por: Saturno 🪐
Última Atualização: 28/02/2025.— Disseram que seria esta tarde, mas não estou muito animada não — disse, mantendo minha atenção em minhas atividades.
— Por quê? — Seu olhar surpreso me impressionou um pouco.
Aquele sorteio era a atração da agência, esperada o ano inteiro por todos os funcionários e simpatizantes curiosos — os terceirizados.
— Eu não tenho muita sorte. — Eu suspirei fraco, voltando o olhar para a porta da loja.
— Que isso, menina, você é uma das melhores funcionárias de todas as lojas, está na lista top 10, você tem pelo menos dez por cento de chance de ganhar. — Ela deu um sorriso meio animado que mais parecia estar falando de si mesma. — Cruze os dedos, vai que é você a sorteada.
— Hum. — Voltei minha atenção a ela, dando um sorriso desanimado.
Realmente não acreditava em sorte, e o fato de eu estar entre os dez melhores funcionários não era por sorte e sim muito esforço e dedicação. Eu trabalhava em uma agência de viagens em São Paulo, e anualmente, nas férias de dezembro, eles selecionavam os dez melhores funcionários e sorteavam um pacote de viagem com acompanhante para qualquer país que o funcionário quisesse. A empresa fazia isso como um incentivo para todos se dedicarem mais no trabalho e nas vendas.
Aquele era meu quinto ano no top 10 em sete anos de empresa. Ainda não acreditava que estava lá desde os meus 16 anos, algo que seria temporário pelo contrato de jovem aprendiz e havia se tornado permanente até o momento. Passei a tarde em plena serenidade, concentrada nas ligações de retorno à pequena lista de clientes interessados na promoção do Cruzeiro Premium de fim de ano. Não acreditava mesmo que ganharia, nunca tive sorte, não seria agora que teria, por isso era mais lucrativo manter foco no meu trabalho, afinal a bonificação por pacotes fechados já valia a pena meu esforço.
Logo ao final da tarde, a gerente voltou de uma videoconferência com o RH da empresa e anunciou que haviam colocado o resultado no portal dos funcionários. Depois de muita insistência de Lola, entrei para conferir o ganhador.
“É com imenso prazer que anunciamos o vencedor do Funcionário do Ano:
Martins — Loja Boulevard
Estamos felizes em saber que a cada ano nossos funcionários se dedicam ainda mais e vamos sempre motivá-los a isso!!!”
Oi?!
Aquilo havia me deixado surpresa e estática por alguns instantes. Eu, , havia sido sorteada no ápice da minha incredulidade e nem imaginava que destino iria escolher. Tinha que me decidir e não me dariam muito tempo para pensar nas opções. Ao final do expediente, com todos os muitos comentários sobre minha conquista, voltei para o apartamento onde morava com minha amiga de infância, , e nosso gato chamado Bob. Meu lado cético não conseguia me deixar acreditar no resultado do sorteio. Assim que adentrei o apartamento, me deparei com sentada no sofá, vendo tv, com um balde de pipoca no colo. Seu olhar se voltou para mim, demonstrando certa confusão no rosto, talvez por não entender minha cara de incredulidade.
— O que houve, ? — ela perguntou, voltando a atenção para o desenho que estava passando na tv.
— Então, aconteceu algo surreal hoje — comecei a explicar, me sentando no sofá e jogando minha bolsa ao lado.
— Você encontrou um namorado? — Ela riu baixo.
Sabia que minha vida sentimental era tão dura quanto minha falta de sorte.
— Mais surreal que isso. — Eu a olhei.
— Mais surreal que isso? — Ela me olhou meio curiosa. — Ganhou na loteria?
Aquilo foi demais, ela sabia que eu não jogava.
— Fui sorteada na viagem do funcionário do ano. — Olhei para frente, meio estática ainda.
— Mentira! — Ela me olhou boquiaberta.
— Verdade! — Voltei a olhá-la, com seriedade.
— Não brinca com meu coração. — Ela se ajeitou no sofá, fazendo gestos de palpitação no coração.
— É sério! — reforcei.
— Uau! — Ela colocou o balde de pipoca na mesa de centro e virou seu corpo para mim, os olhos brilhando. — E para onde vamos? Porque eu vou com você!!!
A viagem era com acompanhante.
— É claro que você vai — confirmei, rindo de sua reação imediata. — Só não resolvi o destino.
— Vamos para Vegas!!! — disse ela empolgada. — Estou com vontade de jogar, vai que consigo juntar grana extra lá? Posso comprar meu carro.
— Sua louca, não quero ir para Vegas. — Eu remexi minha bolsa e retirei meu celular dela, liguei e comecei a checar minhas redes sociais. — Estava pensando na Europa, o inverno europeu deve ser lindo!!!
— Então vamos para Monte Carlo! — Ela me lançou um olhar de imposição. — Tem cassinos lá também.
— Oh, obsessão. — Eu ri dela, enquanto me levantava do sofá, então peguei minha bolsa. — Lembrou de comprar a ração do Bob?
— Sim, o que aquele gato mais faz é comer. — Ela soltou uma gargalhada maldosa. — E por falar no gato, vamos ter que deixá-lo em um hotelzinho, porque ele não vai poder ficar sozinho.
— Então você resolve isso. — Olhei para a janela da sala e lá estava o gato, dormindo tranquilamente. Sorri automaticamente e fui para o meu quarto.
Ao entrar, caminhei até a cama e joguei minha bolsa nela, coloquei meu celular na mesinha ao lado, retirei minha jaqueta, já pegando a toalha que estava no cabideiro de parede ao lado da porta. Uma espreguiçada de leve, segui em direção ao banheiro, precisava de uma ducha quente para relaxar meus músculos. Graças a , eu já tinha meu destino, só faltava informar à minha gerente. No dia seguinte, comuniquei a ela minha decisão e passei no RH da empresa para saber quando seria minhas férias. Tudo foi marcado para a primeira semana de janeiro, assim eu poderia ainda ver as decorações de natal da cidade e, de quebra, ver a neve.
Contraditório eu ser sorteada para desfrutar de umas calorosas férias de verão e acabar indo para um país com a estação contrária.
— Não acredito que vou viajar! — deu um pulo animada, indo para a cozinha.
— Me agradeça depois — eu brinquei, rindo dela, ao olhar para as passagens que estavam em cima da mesa de centro.
— Agradeço, sim. — Ela retornou para sala com um copo de suco na mão. — Prometo te apresentar alguns amigos do meu baby.
— Ha… ha… ha… Dispenso. Apesar de considerar muito o estava mais animada do que eu, já fazendo planos e roteiros da viagem para aproveitar ao máximo seu tempo nos cassinos da cidade. Foram 14 horas de vôo até Paris, na França, e mais 25 minutos até Monte Carlo em Mônaco.
Nosso desembarque foi tranquilo. Um guia turístico, chamado Francis, de uma agência credenciada, já estava nos esperando com uma plaquinha com nossos nomes. Era de noite e a cidade, mesmo com a neve, o frio e o clima meio úmidos, estava tão linda e iluminada pela lua, assim como as luzes de natal que ainda estavam nela. Ele nos levou até o hotel que estava reservado para nós duas. Por uma surpresa nossa, ficaríamos em quartos separados, achei isso sensacional. Como previsto, a primeira pergunta de era onde e como ela poderia chegar ao Cassino de Mônaco, minha amiga estava obstinada a gastar algumas moedas nos caça-níqueis, com a esperança de conquistar o triplo.
Quando entrei em meu quarto, fiquei admirada com o conforto e a beleza do lugar, por mais que o hotel fosse simples, de quatro estrelas, ainda assim, enchia os olhos de qualquer pessoa. Mais luxuoso que qualquer cinco estrelas do Brasil e com uma vista sensacional.
Pela primeira vez em anos, eu estava gostando de ser a funcionária do mês.
“É a ideia de ser jovem
Quando seu coração é como um tambor
Batendo mais alto, sem nenhuma maneira de impedir.”
— Permission To Dance / BTS
Não queria encará-lo, mas fiquei o olhando por um longo tempo, atenta a todos os detalhes em sua volta. Uma xícara bem à sua frente e um copo de suco que ainda estava cheio, assim como a fatia de bolo, que ao longe parecia de chocolate, intocável em seu prato. Comecei a me perguntar o que tanto ele fazia olhando para aquele bloco de notas, quase sem piscar.
— Oh, que bom que me esperou — disse , ao se aproximar, me tirando a atenção do homem.
— Ah, sim. — Eu a olhei. — Para dizer a verdade, até pensei que já estava aqui.
— Resolvi aproveitar mais aquela cama macia. — Ela riu, se sentando, ajeitando a cadeira. — Não é todo dia que temos isso em casa.
Ela soltou uma gargalhada boba, então fez silêncio.
— O que estava olhando no fundo do salão? — indagou.
— Nada. — Desviei minha atenção para o garçom que estava se aproximando de nós, com sutileza para não dar lugar às suas perguntas curiosas.
— Bondiorno, senhoritas, posso anotar o pedido? — perguntou ele, dando um sorriso gentil.
— Não entendi a última palavra — disse ela, ao me olhar.
O inglês dela era péssimo, mas minha amiga sabia se virar sozinha. Já eu, por conta do trabalho, precisava ser pelo menos razoável na conversação. Mas não a culpava, o homem falava inglês com um sotaque italiano que realmente poderia nos confundir com facilidade.
— Ele quer anotar nosso pedido — expliquei a ela.
— Claro. — pegou o cardápio e folheou rapidamente. — Eu vou querer um suco de maçã e um pedaço da torta holandesa, por favor.
— E a senhorita. — Ele olhou para mim.
— Hum. — Eu demorei um pouco olhando as páginas. — Vou querer um cappuccino e uma fatia de torta de morango.
— Perfeitamente. — Ele anotou e se afastou, indo até o balcão. O que me fez olhar novamente para o asiático da mesa à frente, com a máxima discrição.
— Então, que planos tem para esta tarde? — perguntou . — Já que eu vou te abandonar.
— Me trocando pela jogatina. — Eu ri, fazendo ar de abandonada. — Da próxima, não te trago comigo, vou convidar um dos amigos do , ela estava mesmo animada com a ideia de se casar ainda neste ano.
Pontualmente às 9 horas da manhã, o guia da agência nos buscou no hotel para a primeira caminhada pela cidade, ele seria nosso guia por apenas três dias, para nos mostrar os principais pontos turísticos da cidade. Nossa primeira parada foi no Museu de Arte de Mônaco. No salão principal, estava tendo uma interessante exposição de um artista local, em comemoração ao seu aniversário, ou algo relacionado. O guia foi nos contando um pouco da história do Museu, enquanto andávamos pelos corredores do lugar. Foi muito interessante aquela aula prática de história local de Monte Carlo, e Francis era realmente muito educado e simpático, além de possuir um carisma natural.
Almoçamos em um restaurante de comida caseira que ele tinha recomendado, e logo à tarde ele iria levar ao Cassino de Mônaco, seu sonho de consumo. Voltei de táxi para o hotel, caminhei tranquilamente até o elevador. Assim que ele parou, eu entrei distraída com o folheto em minha mão. Pouco antes das portas se fecharem totalmente, uma mão apareceu e as portas se abriram novamente. Era ele, o asiático misterioso do bloco de notas. No susto e na pressa para entrar no elevador, ele deixou seu bloco cair no chão. Eu me abaixei automaticamente e peguei, não resisti à tentação e, antes de entregar, olhei uma das páginas, tinha algumas coisas escritas em hangul e embaixo algumas notas musicais.
Aquilo me deixou mais curiosa. Assim que entreguei, ele pegou rapidamente e colocou no bolso, se curvou de leve em agradecimento, sem dizer uma só palavra. Ficamos em silêncio durante todo o tempo. Assim que a porta se abriu, coincidentemente saímos juntos. Ele caminhou na minha frente, e, por mais que minha mente insistisse para que eu ficasse quieta na minha, pois ele era um desconhecido, minha curiosidade foi um pouquinho mais eficaz neste caso.
— Com licença — eu disse, num tom alto.
Me esquecendo totalmente que estava em outro país, só depois percebi que falei no meu idioma nativo.
— Hum?! — ele resmungou alguma coisa em inglês ao se virar, me olhando.
— Você fala meu idioma? — perguntei, fazendo uma cara de dúvida.
Será que ele tinha entendido?
— Português? — Ele sorriu de leve. — Sim.
— Oi?! — Eu sorri espontaneamente e pouco sem reação. — Interessante.
— Posso te ajudar em algo? — perguntou ele.
— Me desculpe, mas não pude deixar de ver o que estava escrito em seu bloco. — Eu respirei com leveza. — Tinha algumas notas musicais nele.
— Ah. — Ele me olhou meio tímido. — Bem, eu trabalho com isso.
— Música?
— Sim, sou compositor.
— Oh. — Senti meus olhos brilharem. — Nossa, que legal. Deve ser legal pelo menos.
— Sim, quando não se está com bloqueio criativo. — Senti traços de frustração em sua voz.
Parecia eu com meus devaneios sobre finalmente mudar de trabalho e tirar meu diploma de designer gráfico da gaveta.
— Hum. — Eu não sabia se deveria me apresentar, mas não queria que a conversa terminasse ali. — Bem, meu nome é .
— Prazer, . — Ele sorriu tímido novamente. — .
— Você é coreano, não é? — perguntei, já identificando suas origens.
— Sim, nascido em Seoul. — Ele permaneceu me olhando com suavidade e uma ponta de confusão. — Você é?
— Brasileira — respondi rapidamente. — O que o traz aqui em Mônaco?
— Vim para tentar encontrar uma inspiração, preciso escrever algo especial.
— Hum. — Eu sorri de leve. — Espero que consiga. Eu estou aqui só para aproveitar minhas férias.
— Se divertir também é muito bom — comentou ele. — Descansar após um longo tempo de trabalho é necessário.
— Sim. — Eu desviei meu olhar para o lado. — Bem, eu vou indo agora, espero que consiga encontrar sua inspiração. — Me afastei um pouco, seguindo na direção oposta dele, o elevador ficava no meio do corredor dos quartos.
— Espera — disse ele.
— Sim?! — Me virei rapidamente, estava mesmo torcendo para ele me chamar de novo.
— Está ocupada esta noite? — perguntou ele, vi de relance uma certa tristeza em seu olhar.
— Não, estou livre.
— Gostaria de dar um passeio comigo? — Ao mesmo tempo que parecia tímido, seu tom demonstrava ousadia.
— Sim, seria bom.
— Posso te esperar mais tarde na recepção? — pareceu controlar seu olhar.
— Sim — confirmei.
Ele se curvou de leve novamente e seguiu em direção ao seu quarto. Eu me virei com um largo sorriso no rosto. Não entendia por que estava tão animada com aquilo, ele era só uma pessoa comum que eu havia conhecido. Entrei no quarto e fui direto para o banheiro. Eu ainda não tinha percebido que havia uma banheira, aquilo era maravilhoso. Enchi a banheira com muita espuma e entrei dentro, aos poucos fui sentindo meu corpo relaxar. Fiquei alguns minutos desfrutando daquele momento, até que me levantei e joguei uma ducha em mim para tirar as espumas com mais facilidade.
Voltei para o quarto e abri a mala, estava indecisa como que iria vestir. Não era um encontro, mas também ele não era uma pessoa qualquer, então eu realmente queria impressionar, e aquilo me deixava ainda mais indecisa. Separei para vestir: uma blusa de manga longa cinza, uma calça jeans preta, uma bota de cano longo de salto baixo e meu cachecol marrom, além de uma jaqueta preta que tinha ganhado de no último aniversário de amizade.
E sim, comemorávamos nosso aniversário de anos de amizade, enfim, nós duas éramos inseparáveis desde o ensino fundamental.
“Na primeira vez em que eu te vi
Meus olhos brilharam, meu coração parou
E na minha cabeça o sino tocou ding dong.”
— Ring Ding Dong / SHINee
— Hum, o que seria isso? — perguntei, olhando para as bicicletas encostadas na parede ao seu lado.
— Bem, eu soube que eles incentivam passeios noturnos de bicicleta nos hotéis. — Ele olhou para as bicicletas. — Então pensei que seria divertido.
— Oh, mas está nevando e fazendo frio — argumentei, não sentindo lógica naquilo.
— O gerente disse que com a neve é mais divertido ainda — garantiu ele.
Assenti, tentando deixar a lógica e o frio de lado.
Nada de atrapalhar a oportunidade quando ela bate à porta.
— Então acho melhor irmos. — Eu peguei minha bicicleta. — Vamos nos divertir, então.
— Sim. — Ele sorriu. Vi seus olhos brilharem um pouco com minha animação.
Pedalamos um pouco pelas ruas mais próximas do hotel, até que ele parou em frente a uma sorveteria que ainda estava aberta, descemos das bicicletas e entramos. Eu ainda estava meio com receio, mas o acompanhei mesmo assim.
— O que vai escolher? — Ele me olhou tranquilamente.
— Ah, você está mesmo…? — Eu fiquei surpresa. — Mas estamos no inverno.
— Sim. — Ele riu de leve. — Sabia que o sorvete foi inventado no inverno? As pessoas precisavam de uma sobremesa que combinasse com a estação.
— Sério? — Essa eu não sabia.
— Se não for, podemos conviver com essa teoria — brincou ele.
Eu ri um pouco, assentindo sua ideia maluca. Ele pediu um de morango para ele e um de chocolate para mim. Voltamos para as bicicletas e ficamos parados até terminar de saborear. Mesmo com a neve, foi uma boa pedida.
— É a primeira vez que vem a Mônaco? — perguntou ele.
— Sim. — Eu terminei de tomar meu sorvete e coloquei o guardanapo no lixo que tinha ao lado.
— Hum, a cidade é muito bonita — comentou ele, disfarçando seus olhares para mim.
— É, pena que não poderei ficar por muito tempo — concordei.
— E vai embora quando? — perguntou.
— Tenho somente 14 dias aqui, mas acho que vou voltar antes. Ainda não sei a data que está na minha passagem de retorno — expliquei.
— Ah. — Ele jogou seu guardanapo no lixo também. — Espero que consiga aproveitar este tempo aqui.
— Eu também. — Eu o olhei. — Posso perguntar uma coisa?
— Sim.
— Eu poderia ver suas composições, se não for muita curiosidade da minha parte?
— Claro, adoraria te mostrar. — Ele sorriu de leve.
Pedalamos mais um pouco até retornarmos para o hotel. No instante em que assinou o recibo de devolução das bicicletas, chegou. Ela ficou de longe, me vendo me despedir dele com um olhar de surpresa e relativo julgamento. Assim que me afastei dele, ela se aproximou de mim.
— Oh, céus, quem é ele? — perguntou ela, me puxando para a direção do elevador.
— Um hóspede que conheci hoje à tarde — respondi tranquilamente.
— Hum... — Ela me olhou desconfiada. — Me agradece depois por ter te deixado sozinha.
— Pode deixar, pagarei seu vestido de casamento como agradecimento — brinquei.
— Vou cobrar, madrinha. — Ela riu e entrou no elevador.
— À vontade. — Eu entrei atrás, rindo. — E nada de começar com suas brincadeiras quanto a isso, ou teorias da conspiração.
— Nossa, não disse nada. — Ela deu de ombros. — Apesar de te ver babando pelos asiáticos dos doramas que vê.
— Mas está pensando que eu sei — retruquei. — Já tá jogando as referências em cima de mim.
— Ele é bonito, só isso que eu comentarei até amanhã. — Ela soltou uma gargalhada maldosa.
— Sua boba.
Eu ri junto, fui direto para meu quarto, troquei de roupa e me joguei na cama, estava cansada, porém animada. Quatro dias se passaram, eu e tínhamos visitado todos os pontos turísticos que estavam no roteiro da agência. Eu e ela saímos à tarde para dar uma volta pela cidade. Mesmo não querendo, a acompanhei ao cassino. Ela estava obstinada a jogar aquele dia, já tinha ganhado muitas moedas no dia anterior. As horas se passaram e, no final da tarde, voltei de táxi para o hotel antes dela, passei pela recepção e fui para o salão de refeições. Quando entrei, vi um rosto conhecido.
estava com sua atenção voltada para o inseparável bloco de notas. Me aproximei dele em silêncio e me sentei em sua frente.
— Boa noite, — eu disse, num tom baixo para não o assustar.
— Hum?! — Ele levantou a cabeça e me olhou. — Oh, você.
— Sim. — Eu sorri de leve.
— Boa noite. — Ele sorriu de volta. — Eu estava um pouco concentrado, não a percebi chegar.
— Estou vendo. Está escrevendo?
— Tentando, mas não consegui sair da primeira estrofe. — Ele desviou seu olhar para o bloco de notas com uma certa frustração em sua voz.
— Hum, está forçando muito sua mente nisso. — Eu peguei o bloco e olhei. — Acho que deveria deixar as coisas acontecerem naturalmente.
— Estou muito desesperado por isso. — Ele pegou o bloco, colocou em seu bolso e guardou a caneta que estava em sua mão também. — Está com fome?
— Hum, um pouco.
— Então vamos pedir algo para comer. — Ele sorriu timidamente.
A comida daquele hotel era mesmo muito gostosa, e me alimentar na companhia dele seria melhor ainda. Pedimos cappuccino e cookies, comemos tranquilamente e, após terminar, ele me convidou para passar um tempo no jardim do hotel. Aceitei de imediato. Enquanto o esperei por um tempo no jardim, ele foi até seu quarto pegar seu violão. Fiquei sentada em um banco perto de um canteiro de azaleias, olhando a fonte que havia no centro do jardim.
Foi um belo momento de contemplação.
Assim que retornou, ele se aproximou em silêncio, porém consegui acompanhar seus movimentos, até que se sentou ao meu lado. Um sorriso espontâneo surgiu em minha face. tinha um encanto nos olhos que me atraía sem explicação, e seu jeito tímido me deixava a cada instante mais fascinada por ele.
— Demorei muito? — Ele virou seu corpo para a minha direção, me olhando suavemente.
— Não, foi rápido.
— Que bom. — Ele desviou seu olhar para o violão que estava em sua mão. — Então, como você tinha pedido para ouvir uma música composta por mim, trouxe isso.
— Estou ansiosa para ouvir.
colocou o violão em seu colo e começou a dedilhar as cordas suavemente. De forma lenta e com suavidade, começou a cantar. Sua voz era tão bonita e envolvente que fazia os pelos do meu corpo se arrepiarem. Durante toda a música, ele permaneceu me olhando nos olhos fixamente. Eu conseguia entender algumas palavras daquela canção, mas a forma como ele me olhava me fazia entender ainda mais.
— Bonita — disse, quando ele terminou.
— Que bom que gostou. — Um sorriso tímido se formou no canto do seu rosto, ao colocar o violão escorado no banco ao seu lado.
— Fala sobre o que a música? — perguntei curiosa.
Parecia tão romântica como uma declaração de amor.
— Um amor não correspondido. — Ele olhou para fonte, parecia reflexivo. — Um homem que ama uma mulher, mas ela não sente o mesmo por ele, o que o deixa destruído internamente.
— A letra deve ser um pouco triste — comentei.
— Sim, ela é — concordou ele.
— Mas sua voz é muito bonita também, assim como a melodia da música.
— Hum. — Ele sorriu de canto. — Você sabe tocar?
— Violão? — Eu ri de leve. — Não muito, já tentei duas vezes e nunca sei como segurar direito.
— Se aproxime um pouco mais, vou te ensinar. — Ele pegou o violão e me olhou.
Meu corpo congelou automaticamente. Fiquei alguns instantes sem saber o que fazer, mas me aproximei dele e virei meu corpo, ficando de costas. Ele apoiou o violão em meu colo e começou a me explicar como eu poderia segurar de uma forma segura e que não me deixasse com dores nas costas.
Assim que ele pegou em minha mão direita e encaixou no braço do violão, senti um frio na barriga. Estávamos muito próximos, tanto que eu conseguia sentir seus batimentos atrás de mim. O toque de suas mãos segurando as minhas era suave e macio. Não consegui prestar a atenção em mais nada. Em um momento, virei meu rosto para ele, ficamos mais próximos ainda, sentia sua respiração, estávamos sincronizados e meu coração acelerado.
“Eu continuo a me apaixonar, me apaixonar
Quando te vejo, meu coração, oh, oh, oh, oh
Apaixonar-se, se apaixonar
Eu só quero você, o que devo fazer garoto?”
— Falling In Love / 2NE1
— Bem. — Eu me levantei, também respirando fundo. — Eu tenho que ir agora.
Ele não disse nada, só me olhou e sorriu, assentindo. Voltei para meu quarto ainda com o coração acelerado. Não entendia o que estava acontecendo comigo, mas ele era a causa. Troquei minha roupa e me deitei na cama. Depois e horas olhando para o teto, contando para conseguir pegar no sono, dormi tranquilamente, e, para minha surpresa maior, sonhei com ele. Na manhã seguinte, após desmarcar de ir ao cais comigo, cancelei minha meta de fazer um passeio de barco. No entanto, descobri o número do quarto de , e, sem muitas cerimônias, bati à sua porta.
— Oh, . — Ele me olhou surpreso. — Como soube que meu quarto é esse?
— Perguntei na recepção. — Eu sorri de leve, meio sem graça.
— Hum, o que faz aqui?
— Bem, minha amiga está com ressaca, ou seja, estou solitária novamente, então pensei em te convidar para um passeio.
— Ah. — Ele olhou para trás e depois olhou para mim. — Acho que não poderei.
— Está ocupado?
— Bem, desconfio que não serei uma boa companhia. Estou muito focado em minha composição.
— Hum. — Fiquei mais sem graça ainda, queria muito conhecê-lo melhor. — E conseguiu escrever mais alguma coisa?
— Não, mas estou trabalhando duro para isso.
— Ah. — Eu peguei em sua mão e o puxei para fora do quarto sem pensar nas consequências. — Bem, tive uma ideia.
— Espera. — Ele fechou a porta do quarto e me olhou sem entender. — O que está fazendo?
— Sei por que não consegue escrever nada. — Eu peguei a chave que estava em sua mão e tranquei seu quarto. — Você só irá retornar para este lugar depois que se divertir.
— Mas… — Ele me olhou, tentando questionar.
— Mas nada. Não vou devolver suas chaves até o final deste dia. — Eu peguei em sua mão e o olhei, sorrindo. — Não vou deixar você perder esta oportunidade de estar em uma cidade maravilhosa e não aproveitar por causa de um bloqueio criativo.
— Eu realmente preciso…
— Eu imagino que sim, esta composição deve ser muito importante para você, mas quanto mais você forçar isso, menos irá conseguir chegar aonde quer. — Minhas palavras o deixaram pensativo.
Contra fatos, não há argumentos.
Ele desistiu de relutar e assentiu. Continuei de mãos dadas a ele e o guiei para fora do hotel. Estava nevando um pouco, mas isso não impediria que nosso dia fosse mais agradável. Caminhamos pela rua principal, até que pensei em levá-lo ao passeio de barco que havia desmarcado comigo.
Cancelem o cancelar!
Quando chegamos ao cais, o marinheiro que nos guiaria já estava esperando em frente ao seu barco. Entramos e nos acomodados. Foi um passeio de 40 minutos, muito inspirador. Quando saímos, ele não parava de dizer que sempre quis fazer aquilo, mas nunca havia feito por se preocupar muito com seu trabalho. Constatei que tinha uma missão pela frente: o faria esquecer toda aquela pressão que estava sob ele para escrever aquela música. Mesmo que no início ele tenha recusado, havíamos combinado de todos os dias almoçar juntos e passar a tarde caminhando pela cidade. Aquele inverno europeu estava ajudando, e nem a neve nos atrapalhava, conseguia fazê-lo se divertir de diversas formas, até mesmo no jardim do hotel.
Uma semana estava se completando. havia feito amizades com um grupo de turistas brasileiros que tinha conhecido no cassino. Ela passava a maior parte do tempo jogando com eles, e, para sua felicidade já tinha juntado muitas moedas que ganhava nas máquinas de caça-níqueis. Era tarde de sábado, e eu finalmente havia sido convidada para entrar no quarto dele. Estava um pouco bagunçado. Seu notebook aberto e ligado em cima da escrivaninha com um programa de edição de música aberto, alguns papeis espalhados em cima da cama e vários bolinhos de papeis no chão, ao lado da lixeira, que também estava cheia.
Segurei o riso quando entrei. Ele precisava mesmo encontrar sua criatividade, mas tinha por mim que nossos momentos de diversão iriam ajudá-lo.
— Me desculpe a bagunça — disse ele, envergonhado. — Juro que sou mais organizado que isso.
— Imagina. Meu quarto consegue ser pior que isso. — Eu ri um pouco da minha realidade, não era nada organizada. — Mas você ainda está preocupado com a música?
— Sim. — Ele respirou fundo e se sentou no beiral da janela. — É o que faço da vida e agora não consigo.
— Bem, você só precisa de um tempo para respirar. — Eu caminhei até ele e fiquei ao seu lado, o olhando. — Sabe, às vezes as melhores ideias saem dos pensamentos mais simples.
— Espero conseguir chegar a este pensamento. — Eu sorriu de leve.
— Posso te fazer uma pergunta?
— Sim.
— Você tem namorada?
— Hum? — Ele me olhou meio confuso.
— Se não quiser responder, não precisa. — Desviei o olhar para o chão, com vergonha de mim mesma.
Muita intromissão da minha parte.
— Agora não, mas antes, há um tempo, eu tinha. — Ele olhou para a rua com certa tristeza.
— Me desculpe falar sobre isso. — Voltei a atenção para ele, demonstrando minha sinceridade.
— Não se desculpe, não dói mais. — Ele me olhou com um sorriso meigo no rosto.
— Hum, tive uma ideia. — Eu peguei em sua mão e o puxei para o meio do quarto.
— O que está pensando em fazer agora?
— Algo diferente. — Eu me sentei no chão, o puxando junto, peguei seu violão e comecei a dedilhar um pouco. — Vamos fazer assim: você pensa em uma palavra e eu escolho um momento.
— Você quer compor algo?
— Não, quero que você se divirta fazendo o que gosta. — Eu continuei dedilhando as cortas, o esperando continuar.
— Ok. — Ele riu, com o olhar confuso por minhas ideias malucas. — Apaixonar.
me olhou com tanta profundidade que senti um frio na barriga de imediato.
— Férias de verão. — Eu desviei meu olhar para o violão e comecei a cantarolar aleatoriamente.
Ele riu por um tempo, até que começou a cantarolar junto comigo. Em poucos minutos, ele foi cantando algumas frases diversas relacionadas ao nosso tema, seguindo a melodia que eu havia inventado. Ficamos três horas fazendo aquilo sem parar. Quando percebi, vi seus olhos brilhando e um sorriso lindo em sua face. Ele estava mesmo se divertindo fazendo aquilo.
— Isso foi diferente — disse ele, ao se levantar do chão.
— Foi divertido, você deveria fazer isso mais vezes. — Eu coloquei o violão do meu lado, me levantando também.
— Acho que sozinho não seria tão legal assim. — Ele se aproximou de mim e me abraçou. — Mas obrigado por isso. Estar com você me faz bem.
— Eu que agradeço — sussurrei, sentindo seu perfume. — Por querer minha companhia.
Ficamos nos olhando por um longo tempo. Seu olhar mexia muito comigo, e eu nunca tinha ficado daquela forma perto de alguém que nem conhecia direito. Não sabia explicar o que sentia, mas estava começando a perceber que meu coração acelerava sempre que ele se aproximava de mim.
“Com um sorriso inocente,
Sua voz sempre brilha para mim,
Porque você está (comigo), eu posso sorrir.”
— Kiss kiss kiss / SHINee
— Olha, amiga, que lindo esse vestido de renda — disse ela, entrando em uma loja de roupas.
— Não vai gastar sua riqueza com roupas, hein! — Eu ri, entrando atrás dela, olhando um vestido azul que estava no manequim.
— Vou comprar só um, tenho que economizar. A sorte que tive em ganhar no cassino é para meu casamento.
— Estou vendo. — Eu a observei, segurando o riso.
experimentou o vestido e resolveu comprar. Ela se ofereceu para comprar um presente para mim em agradecimento por ter escolhido ela como minha acompanhante na viagem, e eu resolvi comprar um livro de um escritor local na livraria ao lado do hotel, era uma recomendação do gerente. À noite, eu e decidimos comer em uma Cantina Italiana que encontramos na volta para o hotel. Já havia muito tempo em que eu não comia pizza e nem imaginava que existissem restaurantes italianos em Mônaco.
Quando voltamos para o hotel, para minha surpresa estava na recepção, me esperando. Fiquei curiosa para saber o porquê. Ele me levou para dar uma volta pelo quarteirão.
— Eu preciso te falar uma coisa — disse ele.
— O quê? — Eu o olhei.
— Eu vou voltar amanhã. — Ele desviou seu olhar triste para o chão.
— Hum. — Eu respirei fundo. — Uma hora isso iria acontecer. Meus dias aqui também estão acabando.
— Gostaria que esse tempo congelasse. — Ele me olhou. — Sua companhia me deixa melhor.
— Eu também. — Eu parei em sua frente e segurei em sua mão, o olhando. — Como é seu último dia aqui, eu queria te dar uma coisa para se lembrar de mim.
— O quê? — Ele me olhou com doçura.
Eu reuni toda a coragem que tinha e lhe dei um beijo de leve. Ele ficou sem reação de imediato, e talvez até tenha permanecido com os olhos abertos como nos doramas, mas, aos poucos, foi retribuindo. Senti meu coração parar e acelerar ao mesmo tempo. Aquilo era uma confirmação, eu estava apaixonada por ele, mas o que poderia fazer se vivíamos em lugares distantes e tínhamos culturas tão diferentes? Tanto eu como ele ficamos meio tímidos após o beijo, e ele me levou de volta para o hotel.
Os dias se passaram e eu estava de volta ao Brasil, minha rotina de trabalho estava ativa e estava ajudando a começar seus preparativos para o sonhado casamento. Ela tinha conseguido uma quantia razoável naquele cassino e poderia ter uma linda festa. Eu mantive contato com pelo kakaotalk, havia baixado o aplicativo por causa dele. Nossas conversas eram em horários aleatórios, e, na maioria das vezes, de madrugada. Mesmo com a distância, meus sentimentos por ele só faziam aumentar. Ele havia me contato uma novidade, estava conseguindo compor novamente. Aquilo me deixou ainda mais feliz.
Duas semanas após o carnaval, consegui fechar um pacote de viagens que me fez ganhar uma semana de folga. Era raro um vendedor ganhar uma semana de folga por uma venda só, mas aproveitei para descansar um pouco e ajudar com sua lista de prioridades para o casamento, além de colocar em prática meus planos de construir meu portfólio. Estava decidida a ter dois empregos, um regular e designer freelance, assim juntar dinheiro ficaria mais fácil.
— Então, eu separei algumas lojas de vestidos de noiva — disse para , ao mandar os links pelo whatsapp. — Acho que você vai gostar.
— Ah, sim, estou indecisa quanto a isso. — Ela parou perto da mesa, olhando alguns modelos de convite que eu estava produzindo no fotoshop. — Preciso da sua opinião, madrinha, pois todos que fez são um arraso.
— Você é a noiva, você que deve escolher. — Ri da careta dela.
Seu olhar continuou na tela do notebook.
— E como o . Quando abri, fiquei paralisada de imediato:
“Oi, . Estou no aeroporto, vem me buscar.”
Oi?!
Não sabia se permanecia estática ou se deixava meu coração acelerar. Ele estava no Brasil e me esperando. Desci correndo as escadas do prédio e entrei em um táxi. Quando cheguei ao aeroporto de Congonhas, lá estava ele, parado, me esperando com um sorriso tímido.
— O que está fazendo aqui? — perguntei a ele, rindo.
— Senti sua falta. — Ele me olhou com doçura. — Eu encontrei minha inspiração.
— Encontrou?
— Sim. — Ele segurou de leve em minha mão direita. — Estou diante dela agora.
— Eu?! — O olhei surpresa.
— Quando voltei a compor, percebi que estava fazendo aquilo porque estava pensando em você, e lentamente as palavras surgiram em minha mente — confessou ele.
Entrei em choque com aquilo, minhas pernas bambearam e me apoiei nos braços dele. ficou me segurando de leve, estávamos muito próximos, nos olhando fixamente. As palavras tinham sumido naquele momento, mas nossos olhares diziam tudo. Eu estava apaixonada por ele, e ele estava apaixonado por mim. Nossos sentimentos um pelo outro eram os mesmos.
Eu poderia dizer que esta história terminaria com um beijo, mas não, estaria mentindo. Esta minha história só estava se iniciando, com o beijo suave e doce que me deu naquele momento. Definitivamente, aquelas férias eram para acontecer na minha vida, e estava feliz por isso!
Estava grata a Deus por isso!
“Eu não soube logo de início
Como comecei a te amar
Eu ainda não conheço meu coração
Mas mesmo assim, mesmo assim eu te amo.”
— Standy By Me / Boys Over Flowers OST (SHINee)
“Amor: Um dia me disseram que o sorriso é uma forma de mostrarmos o quanto gostamos de alguém. Hoje me perguntaram se eu gostava de você, e eu apenas sorri” — Pâms.