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Revisada por: Calisto

Última Atualização: 25/12/2024
respirou fundo, sentindo o ar gelado tomar conta de seu corpo, como se o frio a invadisse por dentro, congelando seus ossos. Era mais um sinal, ela pensou, de que não deveria estar ali. De que nada daquilo deveria estar acontecendo. Mas já era tarde para esses pensamentos. Ela estava ali e sabia exatamente o motivo. Havia levado três horas de voo de Washington para o aeroporto de Charlotte e mais uma hora de carro até a sua cidade natal em um táxi onde o motorista não parou de falar por um minuto sequer, o que seria completamente absurdo de se ver em Washington, onde ela vivia há mais de uma década.
Mas agora estava ali. Depois de anos, estava de volta.
Everpine, Carolina do Norte.
O táxi a deixou na porta de casa, e ficou parada, observando a entrada da casa dos pais por longos minutos. Não pôde evitar franzir o cenho ao olhar para a fachada. Durante anos, ouviu sua mãe dizer que, embora não fossem ricos, sua casa deveria sempre ser elegante. Por isso, era sempre a mais bonita da rua, especialmente no Natal. Mas, este ano, se surpreendeu ao ver que o jardim estava vazio. Não havia luzinhas de LED, uma guirlanda na porta ou até mesmo as renas que seu pai sempre colocava no telhado.
Tudo bem, não passava o natal em casa há muito tempo. Para ser sincera, em anos eleitorais, ela nem sequer comemorava o feriado, mas seu pai sempre — sempre mesmo — mandava foto da decoração pra ela. Ela resolveu parar de encarar o jardim vazio como uma maluca nostálgica e entrar de uma vez. Talvez eles só não tivessem tido tempo. Era só uma decoração idiota, de qualquer forma.
esticou a mão para tocar a campainha, mas parou. Era sua casa. Olhou em volta, sabendo exatamente o que estava procurando, e avistou, um pouco mais distante da porta, um vaso de orquídeas falsas. Com um sorriso, se abaixou e pegou a chave reserva escondida e abriu a porta. Assim que entrou dentro da casa, sentiu seu corpo relaxar, como se um peso estivesse saindo de cima de seus ombros. Não só porque estava absurdamente frio do lado de fora em comparação com o aquecimento que nunca falhava na casa da família Grace, mas porque não levou nem mesmo dois segundos para seu cérebro ser atingido pelas sensações que apenas estar em casa poderia trazer. Era mesmo sua casa, afinal.
Deixou sua mala de lado, ignorando a escada para o primeiro andar e indo para a sala. A vitrola de seu pai tocava “White Christmas” de Bing Crosby e não conseguiu evitar sorrir. Realmente era natal se Tom Grace já estava ouvindo Bing Crosby. Seguindo o cheiro de biscoitos, foi em direção a cozinha. Nem precisou entrar para ouvir as vozes de seus pais. Ela se aproximou sorrateiramente da porta, observando os dois no balcão da cozinha.
— Thomas, o que acha que está fazendo? — Sua mãe quase gritou, afetada.
— Decorando os bonequinhos, é claro.
— Você não pode decorá-los como soldados! Isso é para crianças! Você... — A mãe dela arregalou os olhos. — Isso é um rifle? Qual é o seu problema, homem?
— Alunos da segunda série já podem aprender sobre seus veteranos. Sabe, no Iraque...
Ele parou de falar quando Maggie Grace esmagou o pequeno rifle que ele tinha desenhado na mão do homenzinho de biscoito. não conseguiu segurar o riso, dando um passo à frente e adentrando a cozinha.
— Papai, o senhor ainda não parou com as histórias sobre a Guerra do Golfo?
Os dois pararam, de repente, observando a filha parada na porta da cozinha como se fosse um fantasma.
? — seu pai soltou, enquanto Maggie largava a forma que segurava e corria até a filha para abraçá-la.
— Meu Deus, querida! O que está fazendo aqui? Não estávamos esperando que viesse esse ano!
fechou os olhos enquanto sentia o abraço apertado da mãe em volta de si. Não demorou muito para sentir os braços fortes de seu pai ao redor dela também.
— Por que não nos avisou? Eu teria ido te buscar no aeroporto.
— Não queria atrapalhar. Peguei um táxi na frente do aeroporto mesmo — respondeu, e logo emendou, quando os dois se afastaram para olhá-la de cima a baixo, como faziam sempre quando ela passava muito tempo sem vê-los: — Não foi tão caro.
— É claro que foi, mas creio que os republicanos paguem bem a sua mão de obra.
— Thomas, não comece. acabou de chegar — Maggie falou em tom de aviso, fazendo com que o marido recuasse.
tocou a mão de sua mãe.
— Está tudo bem. — E estava mesmo. Estava acostumada com os comentários de seu pai.
Embora Tom Grace fosse muito patriota e tivesse orgulho de ter servido o país quando foi chamado, ele não era republicano, como muitos outros veteranos como ele. Não que ele se dissesse democrata também, não era o caso. Tom Grace apenas não acreditava em políticos — e acreditava nos republicanos menos ainda. Sua filha mais nova se formar em Publicidade e se especializar em Marketing Político não foi o melhor presente do mundo para ele, mas ele nunca disse nada. Não até deixar escapar que a empresa que já estava há anos fazia campanha para membros do Partido Republicano e isso se tornar um problema entre ela e seu pai.
— Eu só estou surpreso que eles a deixaram sair do porão este ano — comentou ele, voltando para o balcão da cozinha. — Se bem que, com o resultado que tivemos para a presidência mês passado, eles devem estar felizes.
respirou fundo, olhando para o seu velho pai com carinho. Ele não havia mudado nada. Nada mesmo. Ela caminhou até ele, passando o braço por seu ombro.
— Não saberia dizer, papai, não trabalho lá há dois meses.
— O que disse? — Sua mãe piscou.
Seu pai, que segurava um pano de prato, o jogou no chão sem cerimônias.
— Ora, esses malditos te demitiram? Quem eles pensam que são? Jamais encontrariam outra Diretora de Estratégia como a minha filha!
soltou uma risada alta.
— Você literalmente odeia o meu trabalho.
— Eu tenho questões sobre o seu trabalho. Isso não quer dizer que eles podem te demitir assim.
… dois meses? Por que não nos disse nada? — Maggie perguntou, visivelmente preocupada.
suspirou. Não era assim que esperava contar, mas talvez não tivesse escolha. Ela deu de ombros.
— Eu me demiti, e vou explicar tudo pra vocês, mas não agora, tudo bem?
Seus pais se entreolharam, como se dividissem uma conversa silenciosa entre eles. Depois de alguns segundos, sua mãe falou:
— Você fez uma longa viagem. É melhor descansar.
sabia que aquela conversa não havia acabado ali, mas ficou grata por eles pelo menos fingirem que acabaria. Ela assentiu, pegando um biscoito da forma que estava esfriando a sua frente e saindo da cozinha.
? — seu pai chamou antes que ela pudesse subir as escadas em direção ao andar de cima.
— Sim?
— Estamos felizes que veio passar o natal em casa, querida. Estávamos com saudades.
abriu um sorriso sincero.
— Eu também, papai. Eu também.




Depois de se instalar no seu antigo quarto, desceu as escadas a fim de ajudar seus pais na cozinha. Sua mãe prontamente recusou, e como estava cansada dos olhares questionadores dos pais, decidiu visitar a irmã mais velha.
Não pegou o carro, como seu pai recomendou. Na verdade, queria andar. Não vinha a Everpine há anos demais e queria ver com os próprios olhos o que tinha mudado.
Quanto mais andava e se aproximava do centro da cidade, seu sorriso cômico crescia, como um certo divertimento a tomando. Nada, absolutamente nada, parecia ter mudado. A escola onde se formou no ensino médio ainda ostentava a mesma pintura desbotada, e o placar na frente da propriedade continuava a exibir a mesma realidade: o time de basquete ainda era tão ruim quanto sempre fora. A loja de antiguidades da Sra. Mason seguia aberta, aguardando o primeiro desinformado que se atrevesse a se perder no labirinto de objetos empoeirados que ela mantinha ali dentro. A sorveteria da família Smith ainda estava no mesmo lugar, com crianças sentadas na calçada, alheias ao frio de apenas 10 graus. E o parque central, na frente da Grace’s Diner — a lanchonete mais movimentada da cidade, gerenciada pelos seus pais desde que ela se entendia por gente — tinha a mesma árvore de Natal gigante que eles nunca se deram nem mesmo ao trabalho de renovar. balançou a cabeça, em um misto de incredulidade e desânimo. Como essa cidade poderia ter ficado tão estagnada? Será que ninguém mais aqui queria ver o mundo além dessas ruas, como ela?
— Estou tendo uma alucinação ou a filha pródiga voltou? Grace?
A voz alta da prefeita atravessou a rua, fazendo apertar os olhos com força, como se isso impedisse a realidade. Mas, quando os abriu novamente, forçou um sorriso e se virou para encarar a dona da voz.
— Ora, é você mesma! Espere aí! — ela gritou mais uma vez, dizendo alguma coisa para pessoa que estava com ela e atravessando a rua rapidamente para dar um abraço educado na filha de seus amigos de longa data.
— Prefeita Sullivan, quanto tempo. Como você está?
— Eu que te pergunto, garota, quem abandonou a cidade foi você!
riu, sem graça.
— Não foi bem assim... Eu só estava trabalhando muito.
— Ah, para os grandes tubarões, não é? Seu pai me contou.
Ela segurou a vontade de revirar os olhos, exatamente como fazia quando raramente encontrava algum dos deputados no trabalho. Ao invés disso, abriu seu melhor sorriso corporativo.
— Alguém tinha que trabalhar, certo?
— Com certeza, querida. — Ela sorriu. A voz cheia de simpatia mostrava que estava sendo sincera.
— Foi bom te ver, Sra. Sullivan, mas preciso ir. Tenho que encontrar a minha irmã.
A prefeita assentiu com um sorriso.
— Diga a que a encomenda de ontem fez o maior sucesso na prefeitura. Ela é uma fada, sempre digo isso. — sorriu genuinamente pela primeira vez e fez um leve aceno de cabeça. — Te vejo depois, . Quem sabe você não pode me dar umas dicas para a campanha do próximo ano?
riu, observando as rugas que se formavam nos cantos dos olhos de Sally. A prefeita sempre foi amiga de seus pais, o que fez com que a conhecesse desde pequena. Ela sempre foi uma força da natureza — energética, impulsiva e direta, mesmo quando ainda era apenas a diretora da escola de ensino médio. Sally sempre foi uma figura de autoridade para e os fios brancos que brilhavam no topo de sua cabeça fizeram com ela sentisse afeto e nostalgia ao mesmo tempo.
— Só se você quiser realmente ganhar. Sou muito boa no que faço, Prefeita Sullivan. — A prefeita riu, dando alguns tapinhas no ombro de e se despedindo.
respirou fundo, metendo as mãos nos bolsos enquanto olhava ao redor, retomando o passo. Talvez tudo parecesse igual, mas o tempo havia realmente passado, e ela não podia negar isso.
A Sweet Grace Bakery era a única loja rosa de toda a rua, uma explosão de cor que chamava a atenção de qualquer pessoa que passasse por ali. Mesmo que não tivesse ajudado pessoalmente a criar a identidade visual do lugar, ela saberia de qualquer jeito que aquela confeitaria era propriedade de sua irmã mais velha. Ela já estava quase na porta quando viu parada, retirando uma grande caixa de papelão do porta-malas. arregalou os olhos e correu até ela.
Grace, você pirou?! — exclamou, puxando a caixa das mãos da irmã.
— Agora é Bennett... — começou a dizer automaticamente, mas as palavras se engoliram ao perceber quem havia pegado a caixa. — ?
— Ok, Bennett, você pirou? Só assim para uma grávida de 8 meses estar pegando peso. Cadê o panaca do seu marido?
— O que você está fazendo aqui? Como... Quando...? Sua idiota! — deu um tapa no braço da irmã. — Como pôde não me avisar?
— Eu acabei de chegar! — revirou os olhos. — Podemos entrar e aí você pode me abraçar como uma pessoa normal?
reprimiu um sorriso, e as duas entraram na confeitaria. colocou a caixa em uma das mesas. Tentou abraçar a irmã o melhor que podia, mas sua barriga pontuda não permitiu o melhor dos abraços.
— Por que está fechado? — perguntou em voz alta enquanto ia até a cozinha.
— É quase Natal, e estamos com muitas encomendas. Achei melhor fechar para o público por enquanto — explicou , sem olhar para trás.
assentiu, pegando a bandeja que carregava quando voltou e colocando na mesa antes de ajudá-la a se sentar.
— Por que não me avisou?
— Eu cheguei agora, juro. Só fui em casa para deixar a mala e ver o papai e a mamãe.
— Por que não me avisou que estava vindo? — empurrou o cupcake e a xícara de chocolate quente que havia trazido em direção a irmã. encarou a irmã como se estudasse cada mínima coisa que ela fosse falar ou fazer de agora em diante. — Coma.
nunca conseguia mentir para a irmã mais velha. Elas sempre foram amigas demais para que conseguisse fazer isso. Mesmo quando tentava, sempre sabia a verdade. Talvez fosse um super poder que apenas irmãs mais velhas tinham. enfiou o cupcake na boca para não ter que responder de imediato.
— Você nunca vem para o Natal — disse, antes de se corrigir: — Na verdade, você nunca vem para Everpine, ponto. Está de férias?
— Não exatamente.
— Tirou uns dias de folga? — franziu o cenho, contemplando essa possibilidade. sempre foi workaholic demais para fazer algo assim.
— Hum... Não.
— Ora, então... — parou de falar, seu olhar fixo no rosto de , onde a culpa começava a ficar mais clara. — Você foi demitida?
— Eu me demiti — disse de uma vez, tomando um gole do chocolate quente enquanto parecia extremamente surpresa. — Isso aqui está muito bom, . Encontrei a Prefeita Sullivan, aliás, ela disse que seus doces foram um sucesso na festa da prefeitura.
não pareceu sequer notar o comentário sobre os doces, a expressão dela se tornando mais séria, mais atenta.
engoliu em seco, tentando encontrar uma saída. Mas ela sabia que não haveria mais como esconder. Ela olhou ao redor, como se procurasse algo para focar, tentando evitar os olhos de sua irmã.
— Cadê o Nathan? Faz tanto tempo que não vejo meu cunhado... — ela tentou, sua voz agora quase implorando para que a conversa tomasse outro rumo.
não cedeu. Olhou fixamente para ela, a expressão suave, mas firme.
. É sério. — Ela tocou a mão de sobre a mesa, com uma delicadeza que fez o coração de apertar.
Ela fechou os olhos por um segundo, respirando fundo, antes de finalmente se abrir. As palavras saíram em um suspiro pesado.
— Tive uma crise de burnout uns meses atrás. Minha terapeuta me afastou do trabalho por um tempo... Eu... Eu estava exausta, . Nem reparei quando estava acontecendo, só quando ficou óbvio demais. — riu, antes de continuar. — Ironicamente, só quando meus resultados começaram a piorar. Mas eu me afastei. Fiz tudo que me recomendaram. Mas quando eu voltei… tudo tinha ido por água abaixo.
— O que quer dizer?
— Minha equipe, que eu cuidei, que eu treinei, que eu acreditava... Todas as minhas ideias… Tudo tinha sido descartado. Você sabe que trabalhamos com quem paga mais, isso não é uma novidade, mas eu nunca inventei nada ou prejudiquei alguém.
— Eu sei, .
— Mas quando eu voltei, o meu substituto tinha uma opinião diferente. E a diretoria concordava com ele. E eu não podia… Não, eu não queria me vincular ao que eles estavam fazendo. Notícias falsas em massa? Compra de dados pessoais de eleitores? Isso é loucura. Não faria isso. Vai contra tudo que eu acredito. Então eu me demiti.
— Você está bem agora?
— Sim. Foi difícil no começo. — sorriu. — Fiz todos os tipos de exercícios que você possa imaginar. Mas, pensando bem, acho que, se não fosse por isso, eu nunca teria tido coragem de sair. A terapia me ajudou a entender que não seria o fim do mundo. Que eu sempre posso encontrar outro lugar pra trabalhar.
a observou com cuidado, como se estivesse procurando rachaduras que não queria compartilhar.
— Fico feliz por você, , mas... — Ela hesitou, a voz vacilando por um momento antes de continuar, mais firme. — Você podia ter ligado. Podia ter voltado pra casa. Eu te ligo quase todos os dias e não fazia ideia do que estava acontecendo.
desviou o olhar, o peso da culpa crescendo em seu peito. Suspirou profundamente. Quando voltou a encarar a irmã, viu que os olhos de brilhavam com lágrimas que ela não queria deixar caírem — um misto de preocupação e uma pontada de mágoa que fez o coração de apertar.
— Eu não queria preocupar ninguém, . Muito menos você. Olha pra você... — gesticulou na direção da barriga de , tentando suavizar o momento com um sorriso fraco.
revirou os olhos, limpando o canto dos mesmos com a mão.
— Você e Nathan precisam parar de agir como se eu estivesse doente. — A seriedade em sua voz foi rapidamente substituída por um tom leve — Eu só estou grávida, . Não é como se eu fosse de açúcar. Já contou aos nossos pais?
— Contei que me demiti. — suspirou, tomando um gole do chocolate quente que agora estava quase frio. — Mas não acho que vou contar toda a história pra eles.
, eles vão querer saber.
— Eu sei... — fez uma pausa, os olhos fixos na caneca entre suas mãos, como se estivesse tentando encontrar as palavras certas. — Só não quero pensar nisso agora. Não hoje.
parecia ter mais coisas para falar sobre o assunto, então rapidamente a cortou:
— Por que você não me fala como estão as coisas aqui na Sweet Grace Bakery?
A mudança de assunto trouxe um alívio palpável ao ambiente, e as duas passaram um bom tempo apenas conversando sobre os detalhes do dia a dia na confeitaria, as encomendas de Natal, e até algumas fofocas da pequena cidade. A risada de preencheu o espaço enquanto ela contava sobre os pedidos extravagantes de alguns clientes até que ela decidiu fechar tudo e ir para casa.
acompanhou até em casa para ajudá-la a descarregar as caixas que precisaria, pois Nathan ainda não havia voltado do trabalho. Mesmo sob os protestos da irmã, decidiu voltar andando até a casa dos seus pais.
— O tempo longe do escritório me fez perceber que eu gosto um pouco do ar fresco, , não tire isso de mim! — falou rindo, enquanto corria e se afastava da calçada da irmã.
O ar frio do final da tarde parecia trazer uma clareza necessária para . Ela não havia mentido. Passou a vida toda achando que não era do tipo esportiva ou do tipo que gostava de estar ao ar livre, mas a verdade era que ela sempre havia passado tempo demais estudando ou trabalhando. Dar um passo para trás fez com que ela visse que não era tão simplória quanto sempre havia se considerado. Segundo sua terapeuta, precisava dar muitos outros passos para trás. Só assim conseguiria ver como a vida realmente era. Como quando estamos em um museu e só distantes o bastante é que conseguimos ver como uma pintura é realmente bonita.
Bom, pelo menos era isso que ela dizia.
e Nathan moravam relativamente perto de seus pais, então em pouco tempo, já estava se aproximando de casa. Estava passando pelo jardim quando reparou em uma figura alta no telhado ajustando as renas de Natal. A sombra não deixava que visse o rosto dele, e ela parou no meio do caminho, franzindo o cenho. Desde quando seu pai contratava alguém para fazer aquilo? Ele sempre insistia que essas coisas eram tradição de família. Estava pronta para entrar em casa e perguntar se ele estava velho demais para isso, e ela mesma poderia ter feito quando um barulho alto interrompeu seus pensamentos.
Uma das renas escorregou do telhado.
Antes que pudesse reagir, a pesada decoração de Natal caiu a centímetros de sua cabeça, aterrissando com um estrondo no chão, bem nos seus pés. O impacto foi tão repentino que deu um salto para trás, tropeçando e caindo sentada na grama fria. Um grito escapou de seus lábios enquanto encarava a figura de plástico quebrada à sua frente. Seu peito subia e descia descontroladamente, e os olhos arregalados permaneciam fixos no objeto que quase a atingiu. Mais um segundo e teria acertado na minha cabeça, era tudo que ela pensava, enquanto ouvia a porta da frente se abrir.
Antes que seu cérebro pudesse compreender completamente o que estava acontecendo, a figura desceu com uma agilidade impressionante, saltando do telhado e aterrissando no chão como se fosse um simples degrau.
— Ah, meu Deus... Ah, meu Deus! — exclamou , a mão apertando o peito enquanto o medo inicial começava a se transformar em uma raiva crescente. Ela piscou algumas vezes, tentando processar o que acabara de acontecer, e quando a figura se aproximou mais, as palavras saíram em uma torrente furiosa: — Você está tentando me matar?! E pior, me matar da forma mais humilhante possível? Uma rena de Natal?! Que diabos, por que você... — Sua voz ficava cada vez mais alta e carregada de indignação.
?
A reclamação da mulher morreu instantaneamente ao som daquela voz. Grossa, carregada com um sotaque britânico que o tempo e os anos nos Estados Unidos nunca conseguiram realmente apagar. Seu coração agora parecia disparar por um motivo completamente diferente. Queria correr dali, pois jamais esqueceria de quem era aquela voz, mas não conseguia. Tudo que pôde fazer foi erguer o rosto, lenta e hesitantemente, e encontrar os olhos cor de avelã que ela não via há tantos anos.
O ar parecia ter sumido de seus pulmões, e pensou que o universo só podia estar rindo dela nesse momento, largada na grama gelada, enquanto o sol se punha atrás deles, iluminando de maneira dolorosa aqueles olhos tão familiares, e realçando os tons dourados que sempre achou que só ela era capaz de perceber no olhar do seu ex-namorado.
Do seu primeiro amor.
— Nicholas?


Continua...


Nota da autora: Sem nota.

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