Revisada por: Hydra
Finalizada em: 17.02.2025“You've opened my eyes, you've opened the door
To something I've never known before
And your love is the music of my heart” — Music of my heart, NSYNC
To something I've never known before
And your love is the music of my heart” — Music of my heart, NSYNC
Se havia uma palavra que definia naquele momento, era nervosismo. Ele estava em pé ao lado da cortina do palco do auditório da Inter High School, aguardando sua vez de apresentar. Era um dia incomum na vida do brilhante quarterback do time de futebol americano do colégio, e era justamente por isso que faltava pouco para ele colocar para fora qualquer coisa que tivesse no estômago devido à tamanha ansiedade.
Ninguém ali nunca o vira tocar piano; seria a primeira vez para todos. Inclusive, apresentar para uma plateia tão grande também seria sua primeira vez. Ele confessava a si que não se importava tanto com os alunos, mas o treinador do time não estava tão feliz com a associação de um de seus atletas com o departamento de artes; ele e a professora Wright certamente tinham rixas internas e competiam entre si, pelo menos seus colegas de time demonstraram apoio desde que souberam.
E para somar ao combo, tinha seus pais, ou melhor, tinha seu pai. Robert era um jogador de futebol profissional aposentado que passava sua paixão pelo esporte para seu único filho; sempre fora bastante rígido quando às exigências do que queria para o futuro de seu primogênito e não estava nada feliz com a decisão que tomara. Foi preciso negociar uma promessa de que seriam campeões dos interescolares para que ele pudesse estar ali, em cima do palco. E, ao contrário dele, tinha sua mãe. Ela era apaziguadora entre os dois, sempre conseguia achar um meio-termo entre o que Robert queria e o que queria, se tornando, enfim, a pessoa que mais o apoiava em todas as decisões; era por conta de Tessa que as coisas permaneciam em ordem.
Por fim, ainda sentia falta de algo. Algo não, alguém.
Para ser mais exato, .
Enquanto se preparava nos bastidores, lamentava a ausência da garota. Ela sempre o incentivara a seguir sua paixão pela música, mesmo quando todos insistiam que ele deveria focar no futebol. Inclusive, ele só estava pisando naquele palco por causa dela.
Faltando ainda duas pessoas para se apresentar na sua frente, deixou que sua mente viajasse para meses antes de estar ali, relembrando os motivos que o fizeram chegar até aquele momento.
Tudo começou oito meses antes dali...
era um homem morto. A lista de pessoas que iam querer a cabeça dele em uma estaca naquele momento deveria ser maior que a lista dos inimigos da coroa inglesa, e com certeza seu pai e o treinador do time estariam brigando pela primeira posição, seguidos por seus colegas de futebol. Era sábado de manhã, e, ao invés de estar treinando como habitual, estava preso em uma sala de aula em detenção por ignorar completamente as últimas — senão todas — as atividades de casa que a Sra. Kleypas havia passado.
Na sala, só estavam ele e uma garota de quem ele lembrava vagamente que se chamava . Ela era novata — se a memória dele funcionasse bem — e eles pegavam algumas matérias juntos. Foi a primeira vez que o garoto realmente a reparou. Ela tinha pele marrom-claro, usava uma saia quadriculada e uma blusa de alcinha por dentro; o cabelo escuro, quase preto, estava solto, fazendo os cachos abertos chegarem no meio das costas. Definitivamente, muito bonita. Achou engraçado que a recém-chegada ao colégio já estivesse de detenção tão cedo no início do ano letivo; não aguentou de curiosidade e perguntou o motivo:
— E então? Tem sido difícil se adaptar?
Havia uma distância de duas carteiras entre eles. o encarou um pouco incrédula, uma vez que a regra número um da detenção era ficar em silêncio; entretanto não havia ninguém com eles naquele momento, o professor responsável pela detenção estava fazendo quaisquer coisas que os professores têm que fazer em outra sala e deixou eles ali sozinhos.
— Aparentemente o colégio tem problemas com pessoas que batem porta de armários com força por estar estressada, consideram como um ato de rebeldia.
— Erro de principiante. — eles riram.
— E você? Errou algum passe que o fez parar aqui?
— Antes fosse. Esqueci alguns deveres de casa.
— Acredito que acontece com a maioria dos atletas. — O garoto a viu dá um sorriso mínimo de lado que expunha uma covinha, fazendo-o sorri também.
O silêncio voltou a aparecer, dessa vez um pouco mais confortável. ficou encarando a lousa a sua frente enquanto deitou o corpo para trás fechando os olhos, querendo apenas que as horas passasse mais rápido e ele pudesse sair dali.
— Como você soube o que quer fazer da vida? — A voz de soou tão baixa que ele quase não escutou.
Inicialmente, ficou confuso com o assunto, mas quando abriu os olhos, lembrou que no quadro da sala tinha uma atividade para fazerem enquanto estavam detidos ali; especificamente um texto de 600 palavras falando sobre o que você quer fazer da vida.
Ambos estavam no último ano do colegial, o que deixava aquele tema sempre muito recorrente, mas até do que gostaria. Pensou um pouco antes de virar-se para ela e perceber que o encarava curiosamente, parecendo tentar ler seus pensamentos.
— Não sei se sei o que quero fazer, na verdade, faço apenas o que querem que eu faça. — suspirou, tentando responder da forma mais sincera possível. Tudo girava em torno do que seu pai queria e não do que ele queria. — E você?
— Simplesmente não sei o que fazer. — respondeu simplesmente, dando os ombros.
A partir daquele simples diálogo, foi onde tudo começou. Eles passaram a se cumprimentar quando se cruzavam nos corredores, trocavam algumas palavras quando tinham aula juntos e respondiam alguns stories um do outro pelo Instagram. Sempre um leve lembrete de “estou aqui e estou te vendo”.
Três sábados depois da detenção, a viu sentada nas arquibancadas do campo. A garota rabiscava algo no caderno que estava segurando enquanto eventualmente levantava o olhar para observar o movimento dos jogadores. Aquilo era novidade para ele, o que o intrigou um pouco; por isso, quando terminou de treinar, correu degraus acima para encontrá-la.
— Você é realmente bom no que faz — ela comentou, admirada.
— Tenho outras habilidades escondidas — respondeu com um sorriso travesso. — Posso te mostrar, se quiser ver.
— Eu adoraria. — devolveu o sorriso.
E foi assim que foram parar em um centro de lar para idosos, o que pegou totalmente de surpresa. Logo ela percebeu que se misturava facilmente entre todos; desde a recepcionista, com os idosos e enfermeiros. E foi ali, no piano que ficava no meio da sala de convivência, que ele tocou algo para ela pela primeira vez. Foi ali que ele revelou seu amor pela música, um talento que poucos conheciam.
observava atentamente enquanto tocava cada nota sentada ao lado dele no banco do instrumento; a leveza com que os dedos dançavam sobre as teclas, os olhos fechados, completamente concentrado no que fazia. Já era pôr do sol lá fora; os feixes de luz laranja invadiam a sala pelas janelas que iam do chão ao teto, iluminando os cachos do rapaz que parecia, naquele momento, uma divindade da música perdida na Terra. Ela notou que todos na sala respiravam calmamente, perdidos em suas próprias memórias enquanto se encantavam com a música que estava sendo apresentada.
Assistir tocar acalmou dores internas dela que ela nem sabia que doíam; por um momento, jurou que choraria ali mesmo.
Quando ele parou, houve uma leve sessão de aplausos e achou fofo que um dos jogadores de futebol mais populares do colégio simplesmente ficava vermelho e tímido enquanto a terceira idade o elogiava.
— Está na hora do bingo! — um dos senhores anunciou, levantando-se da cadeira. — Espero que ninguém tente trapacear hoje. Especialmente você, mocinho. — O senhor apontou para , que levantou os braços em forma de rendição e todos na sala riram. — Ficarei de olho na mocinha também, não queria ser cúmplice das jogadas dele.
— Tem como trapacear no bingo? — o questionou baixinho enquanto seguia a turma para outra sala onde aconteceria o que parecia ser o evento da semana.
— Pode ser que sim, mas não vou te revelar todos os meus segredos hoje.
Depois da tarde agitada, os dois acabaram parando para jantar em uma lanchonete ali perto.
— Você vai sempre lá? — perguntara, curiosa enquanto devorava suas batatas fritas.
— Meu avô costumava ficar lá antes de falecer. Comecei a gostar de ir para lá com mais frequência. Ele quem me ensinou a tocar piano e ficávamos a tarde toda tocando juntos para o resto do pessoal. Depois que ele faleceu, não consegui desapegar, e a galera meio que curte quando estou por perto — disse simples, dando os ombros. — Ele era o único que me incentivava.
Naquele dia, não foi o único que compartilhou seu talento oculto, um acidente revelara o de . Ao derrubar o caderno da garota enquanto se levantava da mesa, o mocinho descobrira uma série rascunhos e desenhos feitos por ela, incluindo retratos dele jogando futebol mais cedo.
— Isso é incrível. — comentou impressionado, enquanto ajudava a juntar as folhas espalhadas pelo chão. — Acho que no final você poderia tentar algo artístico no futuro, tem bastante talento.
— Viver de arte é algo realmente difícil, . Não sei se é para mim. Talvez como uma terceira ou quarta opção. — respondera com hesitação. — Prometo pensar sobre.
A medida que os dias foram se passando, eles foram se vendo com mais frequência. Eles iam juntos ao lar de idosos para vê-lo tocar, ela acompanhava os treinos e ficava desenhando da arquibancada. Determinado a apoiá-la, certo dia comprara materiais de desenho para ela, incentivando-a a perseguir sua paixão. Ela tinha um dom e ele sabia. Em troca, lhe oferecera um panfleto de uma apresentação da escola, uma espécie de concurso para expor talentos entre os alunos, sugerindo que ele participasse tocando piano. Era um acordo silencioso entre eles, um compromisso de apoiarem mutualmente em suas jornadas pessoais.
— Que música você acha que devo tocar? — Eles estavam sentados na arquibancada do campo, já depois do treino.
— Hum…. — a viu torcer os lábios para esquerda, pensando, e não conseguia descrever o quão bonita ela ficava com a covinha aparecendo. — Já viu Interestelar? É um dos meus filmes favoritos e música tema dele é incrível.
— Nunca vi. — revelou, ficando levemente ruborizado.
— O quê?! Isso deve ser algum tipo de blasfêmia. — O garoto riu da forma que ela ficou chocada, a boca aberta e a mão no peito, em uma atitude completamente caricata. — Vamos ter que resolver isso agora.
Assim, foram parar no apartamento da mocinha, no quarto dela, para assistir ao tal filme que tanto gostava. Porém, antes de entrar efetivamente no cômodo, notou um quadro pintado no corredor que dava acesso às portas do quarto. Era um retrato de uma mulher, muito parecida com , mas com cachos muito mais volumosos, carregando uma menininha no colo, que, sim, lembrava muito uma miniatura da .
Ela percebeu que algo o prendeu a atenção e parou ao lado dele, encarando a tela também.
— Meu pai era pintor — revelou. — E, depois que ele morreu, dois anos atrás, me afastei da pintura porque estava próximo, doía demais, me lembrava constantemente de que ele não está mais aqui. Só voltei a desenhar quando me mudei para cá.
a encarou por um instante.
— Consigo ver de onde herdou tanto talento. Tenho certeza de que, independente de escolher a pintura ou não, ele estará muito orgulhoso da mulher que você está se tornando.
— Obrigada.
Ele limpou rapidamente a lágrima solitária que desceu pelo rosto dela: — Vamos ver o filme.
conseguiu entender por que aquele filme era um dos favoritos de ; ele se emocionou bastante no final e nem precisava citar que a garota chorou revendo o longa. A música tema, Cornfield Chase, como ele descobrira depois, seria perfeita para a apresentação do colégio, de fato; era lenta, transmitia uma calma pontual, devolvendo o ar aos pulmões gradualmente, à medida que ia avançando. Ouviria em loop inúmeras vezes só para acalmar o coração em dias difíceis.
— Só preciso convencer meus pais a irem — confessou para a garota, enquanto comiam pizza deitados no carpete do quarto. — Meu pai é simplesmente cabeça dura. Nunca gostou que eu tocasse piano; ele e meu avô discutiram algumas vezes por isso.
— Olhando da minha perspectiva, apesar de ser complicado o relacionamento de vocês, ele continua aqui para te apoiar, e tenho certeza de que, mesmo que ele fique chateado com suas decisões diferentes do que ele pensou, vai superar.
— É o que desejo.
Ficaram em silêncio por um tempo, cada um perdido em seus próprios pensamentos, mas ainda assim apreciando a presença um do outro. O jogador não sabia dizer a última vez que teve alguém de verdade com quem pudesse se comunicar tão bem desde que o avô falecera. Já a pintora refletia o quão difícil era ter relações genuínas enquanto trocava de cidade o tempo todo.
— É muito difícil mudar o tempo inteiro? — questionou, interessado naquela vida nômade que levava.
— É terrível! — Ela fez uma careta, fazendo-o rir. — Não consigo ter muitas amizades e normalmente nem dá tempo de me acostumar com a cidade — suspirou, procurando mais palavras para continuar. — Eu e minha mãe discutimos às vezes sobre isso, sei que ela não tem culpa em geral e o salário dela é suficiente para nos dar uma boa vida, mas às vezes acho que ela está fugindo de algo, sabe? Quando meu pai estava aqui não era assim; em dois anos, já me mudei quatro vezes.
E, como se fosse algum tipo de premonição, três semanas depois, ele estava andando no corredor do colégio quando foi surpreendido pela garota com um abraço em meio às lágrimas. Eu vou me mudar de novo, ela disse, e foi assim que foi para 380 km de distância dele.
De volta ao auditório…
Ele cometeria loucuras para que ela estivesse ali naquele momento, mas não era mais possível.
Quando chegou sua vez, dava para sentir o nervosismo por todo o teatro. ensaiara a música todos os dias, depois das aulas e dos treinos de futebol. Sentou no banquinho do piano e fechou os olhos para se concentrar, respirando fundo. E, quando deu por si, seus dedos já se movimentavam sozinhos.
A melodia começou a escoar por todo o espaço, preenchendo a sala com as notas, carregando a emoção épica que a música transmitia. Em seus pensamentos, revivia todos os momentos que passara com a garota que o incentivara a estar ali, tocando na frente de todos os colegas de time e seus pais. O garoto tocava cada nota com paixão, se entregando ao sentimento, porque era isso que a música era para ele: sentimentos.
As notas ressoavam do piano, quase como se as figuras rítmicas tivessem vida própria, desenhando-se no ar e se espalhando pelo ambiente. O jogador sentia cada acorde fluindo de seus dedos, espalhando-se pelo auditório como uma brisa que balança as folhas e acaricia os rostos atentos da plateia. Lentamente, a tensão em seu peito se dissipou, e ele deixou-se levar pela música, o coração enfim relaxando. Quando a última nota ecoou, a sala explodiu em aplausos, deixando-o completamente surpreso ao ver todos de pé bem ali na sua frente, incluindo Robert .
Assim que desceu do palco, a primeira coisa que fez foi encontrar seus pais, agradecendo os elogios que seus colegas distribuíram no caminho.
— Estou tão orgulhosa de você! Foi lindo! — Sua mãe foi a primeira a recepcioná-lo, abraçando-o pela cintura. só conseguiu notar que ela chorara quando se afastaram e ela começou a secar o próprio rosto.
— Você me lembra muito ele, sabia? — Ouviu seu pai dizer ao lado, antes de puxar o garoto para um abraço também. — Ele estaria muito orgulhoso de você.
não tinha dúvidas de que seu avô amaria estar ali, presenciando aquele momento: o filho abraçando o neto, mesmo após dizer inúmeras vezes que não gostava da aproximação de com a música. Obviamente, não foi um "estou orgulhoso de você", mas um "ele estaria". Entretanto, o garoto não conseguia dizer quando foi a última vez que abraçara o pai daquela maneira e, por hora, aquilo iria bastar.
Assim que se afastou, viu uma figura ali ao lado que quase achou que fosse uma assombração. Ela usava um vestido florido curto e um cardigã por cima; os fios cacheados estavam desalinhados e segurava uma tela pequena, enquanto sorria em sua direção, com aqueles olhos brilhantes. Quase não acreditou.
— Achei que você estivesse a quilômetros de distância daqui. — Foi o que conseguiu dizer, ainda sem acreditar que ela estava bem ali, na sua frente.
— Eu estava, mas não ia perder isso aqui por nada. — Por um momento, achou que fosse explodir de alegria, ou desmaiar de tanta emoção. — E queria te dar isso aqui também.
Ela entregou a pintura que carregava consigo. A tela exibia-o, em traços precisos, sentado tocando piano, usando a mesma roupa que vestia no primeiro dia em que tocou para ela, carregada de cores laranjas e amarelas, refletindo as luzes do pôr do sol. No canto direito, sobre o piano, estava escrito a caneta branca, em letra cursiva: O amor transcende o tempo e o espaço.
— Você pintou! — O coração de batia tão forte que achava que poderia enfartar a qualquer momento; não conseguia formular sequer uma frase.
— Vamos dizer que tive uma boa inspiração e incentivo. — Ela sorriu daquela maneira que sempre lhe fazia aparecer uma covinha. simplesmente não resistiu, puxando-a para perto e, finalmente, unindo os lábios aos dela.