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Revisada por: Calisto

Finalizada em: 24/11/2024
— Você pode repetir, por favor, ?
Ajustei a armação em meu rosto e encarei e sua feição pouco curiosa. Ela estava ao meu lado, também apoiada à bancada esperando pelas panquecas de . Meu irmão, por outro lado, estava de costas para nós dois, mas pela forma como seus ombros se mexiam, eu podia dizer claramente que ele estava rindo.
Rindo do meu nervosismo.
— Eu ofereci que os pais da fiquem aqui em casa no final de semana. — Torci os lábios, me escutando. — Com ela junto, claro.
Desta vez, a risada veio de .
— Boa sorte, cunhado. — Ela deu tapinhas de consolo em meu ombro.
teve essa mesma reação quando fiz o convite duas noites atrás, posso saber o motivo?
— Não quero estragar a surpresa. — sorriu maior quando colocou dois pratos em nossa frente, o dela muito mais enfeitado, claro. — Será que a nossa ida para Búzios pode esperar um pouquinho? A gente pode até ficar aqui no Leblon…
Eu senti tão palpável a vontade absurda dela de chamar meu irmão de "momô" em minha frente, que a panqueca que eu ainda não havia ingerido já queria fazer o caminho de volta. Era sempre uma coisa muito melosa quando os dois estavam juntos — isso sendo sempre frequente.
— Vocês só estão juntos oficialmente há uns dois meses, por que conhecer os pais dela agora? — apenas piscou para a pergunta um tanto retórica de e se direcionou a mim.
Ela se mexeu na cadeira, entendendo as entrelinhas dele.
— Se você for magoar minha , é bom não estar no Rio de Janeiro quando voltarmos, seu nerd cheio de olhos! — De boca cheia, apontou o garfo para mim como ameaça.
— O nunca teve um relacionamento a esse nível, momô. É por isso a preocupação.
não tinha vergonha alguma de usar esse apelido. Eca. Soltei um resmungo em coreano, nosso segundo idioma, recebendo uma careta dele.
— Não faça essa careta, a tua pseudo namorada te chama de "neném" o tempo todo! — O garfo veio apontado dele agora. Dividia a panqueca com .
— Que seja. — Suspirei. — Você tem alguma informação que eu precise saber sobre os pais da ?
— Essa casa tem quartos suficientes para você descobrir sozinho. — Ela riu, fazendo um tipo de zíper na boca. Tentei acreditar que não fui o único a não entender o que ela disse.
— Estarei esperando você me fazer qualquer pergunta sobre o meu irmão, viu!
, é uma coisa muito diferente... Não tem como você entender. — Comecei a ficar com medo pela dramatização de e o olhar de . Eu conhecia aquele olhar, ele sabia do que estava sendo dito.
— Você sabe de alguma coisa, ! — acusei. Agora o garfo apontado era meu. — Isso é traição!
Hyung... — Ele se esticou, colocando uma mão em cima do meu ombro e usando do honorífico de forma cautelosa, só para me amansar. — Você nunca se perguntou a razão dela morar na capital, se esforçar muito por um salário regular e fazer faculdade sem nunca mencionar qualquer ajuda ou apoio dos pais? Eu me perguntei muito sobre isso quando conheci .
— E eu quando conheci a . — Não me assustei com a chegada de . Era o horário do café da manhã, seria estranho se ele não aparecesse. Mas o encarei feio por sua intromissão.
— Eu não fico forçando ela a me contar o que não quer. — Me senti pequeno.
— Certo, brincadeiras à parte, vou te contar o suficiente para não acabar com a graça e nem cumprir com o papel dela. É ela quem tem que te contar, não eu. — respirou fundo e se virou no banco, ficando de frente comigo. — Talvez você se surpreenda com o jeito dela durante esse período da ilustre visita deles... Mas tenha paciência, por favor. Eu não os conheço pessoalmente, acho que é a primeira vez que eles vão vir para cá e não o contrário. Ela sempre foi muito restrita quanto aos pais... E, aparentemente, tem um belo motivo para isso.
— Estou ficando com medo. O pai dela faz parte de alguma seita, algum tipo de grupo altamente perigoso?
— Quase isso. — Ela riu fraco. — Nunca é tarde para aceitar Jesus, viu, cunhado.
explodiu em risadas do meu outro lado, debruçado no mármore branco que cobria toda a ilha no centro da cozinha, não sabia dizer se ele estava ansioso pelas panquecas que começou a fazer para ele ou se para ouvir mais da conversa.
aceitar Jesus? — disse em meio à sua risada. arqueou as sobrancelhas, se esticando para enxergá-lo por cima dos meus ombros.
— Hum? — balbuciou, confusa.
— Ele é ateu, . Daqueles que realmente vão conseguir te convencer.
A feição dela se transformou em um imenso ponto de exclamação, como se a informação que ela obtinha sobre os pais de tivesse algo a se ligar com esse tópico. Mas eu não pude ir mais a fundo do assunto, meu celular de trabalho começou a apitar em meu bolso e eu logo vi o chamado de emergência vindo do Bonsucesso.
— Essa conversa não terminou aqui! — Estreitei o olhar para no mesmo instante que me virei para pegar minha panqueca quase inteira, sendo obrigado a dar um peteleco na mão solta de que estava tentando roubá-la. Olhei feio para ele e disse: — Contrate um cozinheiro.

⛪️

Ver Carlos responder bem às duas horas seguintes do procedimento de emergência, ao qual eu fui chamado no meio da minha manhã de folga, foi a única coisa capaz de tirar minha mente da preocupação sobre os pais de que acabou se gerando em minha mente depois do café da manhã. Mas agora ele já estava fora de risco outra vez e eu pude voltar a pensar no assunto. O que teria de tão absurdo sobre a família da minha namorada que ela ainda não tinha me contado?
Assim que terminei de preencher o formulário de pedido de transplante de coração para Sophia, uma adorável garotinha de cinco anos, me desliguei dos assuntos do trabalho e tentei ligar para , demorou duas tentativas até que ela me atendesse.
Oi, neném! — Pelo tom de voz, ela estava sorrindo e equilibrando o celular entre a bochecha e o ombro. — Estava em reunião, saí agora. Está tudo bem?
— Está sim. E você? Como está sendo seu dia até agora? — Relaxei em minha cadeira, sorrindo com a imagem do sorriso dela em minha mente.
Corrido. Meus pais chegam amanhã e já estão me deixando louca. — Riu, nervosa. — Ia perguntar se você tem um tempinho para almoçarmos juntos hoje. Final de ano esse shopping é uma loucura, mas eu consegui o impossível: um almoço de duas horas para compensar as minhas extras!
— Ainda bem que eles têm noção. — Ri com a empolgação dela. Há dias que vinha reclamando da rotina exaustiva do novo trabalho na administração do Barra Shopping. — Achei que fosse almoçar com Jorginho.
Eu sempre almoço com ele. Quero encontrar meu namorado em um lugar que não seja esse shopping. Estou com saudades, neném.
— Também estou, morena. — Suspirei, olhando no relógio. Três dias sem ver era como passar por um deserto sem oásis. — Consegue me esperar? Em 30 minutos estou aí. — Agilizei, levantando e tirando o jaleco para deixar na cadeira e conferindo a carteira no bolso.
Por que tanto assim? Não está na sua casa?
— Não. Houve uma emergência com o Carlos e precisei entrar em cirurgia com ele às oito. — Escutei o suspiro dela do outro lado.
Você não sabe o que é uma folga, não é mesmo, Doutor Neurocirurgião Pediatra? — Riu fraco. — Olha, eu posso te encontrar direto naquela churrascaria da Barra. O que acha? Pego um Uber e rapidinho estou lá.
— Tá bom. Tô saindo daqui agora mesmo.
Até já, neném. — Novamente o tom de voz de quem sorria. — Vou tentar trinta minutos a mais de almoço. — E a promessa maliciosa.
— Não é o suficiente, mas a gente faz valer a pena. Até já, morena.
Eu já estava no corredor, a caminho do estacionamento, quando desliguei a chamada e, por mensagem mesmo, reservei nossa mesa na churrascaria que ela queria. adorava aquele lugar, não só pelo ambiente em si, mas porque, nas palavras dela, "tinha a melhor carne mal passada de todo o Rio de Janeiro". Assim que encontrei meu carro, me senti mais ansioso ainda, não demorando a sair dali.
Era para ser um dia de folga, ao menos do São Lucas, o hospital que eu administro, além de trabalhar como médico também — e ser o herdeiro —; de lá, eu estava de férias. No Bonsucesso, as coisas eram um pouco diferentes. Por se tratar de um hospital público, dificilmente eu conseguia ficar 100% desligado, até porque eu não atendia somente como médico, mas também era coordenador dos residentes de todos os níveis, e não só na área da pediatria. Mas eu tentava ficar uns dias de folga pelo menos, para tentar conciliar com as férias do São Lucas, e não mantinha minha agenda aberta para eletivas, somente casos de emergências dos meus pacientes já admitidos, como foi com o pequeno Carlos — e de bônus, Sophia.
Este foi um dos motivos de eu disponibilizar a minha casa para receber os pais de , até porque também já estava na hora de conhecê-los. Ela pouco me falava sobre eles e esse pouco que eu sabia servia para entender que existia uma grande linha, nada tênue, que os separava; era nítido que amava seus pais incondicionalmente, mas tal amor e respeito só parecia funcionar bem porque estavam longe. Durante o longo um ano que tivemos nossa relação apenas “casual”, para dizer sem rótulos, nunca passou pela minha cabeça que daria tão certo e acabaríamos namorando, embora nenhum pedido tenha sido feito. Na verdade, nós não precisávamos disso, era mais do que certo nosso relacionamento. Então, mesmo que pouco falasse sobre eles, seria mais do que certo conhecê-los, até como uma demonstração de respeito por ela.
O único detalhe era que isso tudo seria muito novo para mim. Meu irmão estava certo em me questionar como fez de manhã, antes de eu não tive nenhum relacionamento tão duradouro ou sério como o nosso. Ela era o meu primeiro grande amor e eu esperava que fosse o único; um daqueles amores que você vê todo mundo falar por aí que te tira dos eixos, que te faz flutuar e querer coisas que nunca imaginou querer. Antes de aparecer na minha frente, toda educada e doce, me entregando algo não muito importante que eu havia deixado cair no cinema do Barra Shopping, onde ela trabalhava anteriormente, eu só tinha me disposto com casos extremamente eventuais e apenas por necessidades masculinas, afinal, com a profissão e carreira que tinha, o tempo se fazia quase escasso — hoje em dia não era muito diferente, mas eu me empenhava em conseguir inserir o amor da minha vida em minha rotina.
Descobri, por fim, que o amor era muito divertido. Ele te fazia entrar em questionamentos profundos com coisas que pareciam ser muito simples.
Deixei o carro na mão do manobrista e caminhei com certa pressa para dentro do restaurante, sendo guiado pela recepcionista até a mesa. Assim que enxerguei , entretida em algo no celular, que só poderia ser sério devido ao vinco em seu cenho e a forma como ela mordiscava as bochas por dentro (talvez eu soubesse cada detalhe dela e por isso conseguia saber este fato), meu coração começou a pular dentro do peito. Não demorou para ela me ver, erguendo o rosto como quem estivesse procurando algo. Certamente ela estava me procurando pela entrada e o sorriso que abriu ao me ver fez meu corpo todo vibrar como um ímã.
Saber que ela estava procurando por mim me deixou mais mole ainda.
O sorriso dela me dizia isso.
— Neném! — Se levantou, a preocupação se esvaindo de seu rosto e o celular sendo deixado de lado, tudo isso para se jogar contra mim, envolvendo meu pescoço com seus braços. não passava dos 1,57cm, por mais que ela quisesse aumentar para 1,58cm, mas usava saltos desde que começou a trabalhar na administração do Barra Shopping. Era uma coisa sexy e a deixava muito elegante, mas estar quase na minha altura não era o mesmo que ter ela toda pequenina contra meu corpo.
Mas como eu iria ligar para isso se a saudade era maior? Três cruéis dias que nos separaram. Isso era apenas um detalhe não muito importante.
Envolvi sua cintura, abraçando-a tão apertado quanto toda minha vontade. Ela me encheu de beijinhos e eu pouco me importei com a audiência em volta da nossa cena.
— Que saudade, morena! — Selei seus lábios com toda a minha necessidade, apertando-a contra mim só para sentir que era real e estávamos ali. — Te deixei esperando muito?
— Não, cheguei há uns cinco minutos. Do Barra pra cá não demora nada. — Ela deitou a cabeça no meu ombro, roçando a ponta do nariz em meu queixo, mandíbula e pescoço. — Hum, acho que perdi a fome, sabe — disse, manhosa. — Quero ficar aqui.
— Eu também. — Virei o rosto minimamente para beijar sua testa. O garçom estava num impasse de se aproximar ou não de nós dois. — Mas precisamos comer.
Nos afastei totalmente a contragosto.
— Senta aqui. — Ela voltou para a cadeira em que estava e puxou a que tinha ao seu lado para mim. — Quero ficar do seu ladinho, antes que o doutor Otávio decida te tirar de mim. Parece que ele tem um faro, você avisa ele quando vamos nos ver?
Otávio era o meu residente “braço direito”, ele era completamente apaixonado pela neurocirurgia, mas realmente, tinha um ponto. Ele sempre me chamava em momentos inoportunos. A última foi quando eu realmente consegui um dia todo desligado do Bonsucesso e São Lucas ao mesmo tempo e fui para Paraty com passar um final de semana. E isso foi semana passada, inclusive, a última vez que estivemos juntos. Para ampliar mais o desgosto, geralmente os chamados eram feitos quando estamos em nossos momentos mais íntimos.
Ri do que ela disse e descobri que ela já tinha feito nossos pedidos, porque o garçom só veio confirmar outra vez o ponto da carne e trazer o meu suco de laranja.
Percebi que ela virou a tela do celular para baixo.
— Problemas no trabalho? — me preocupei.
— Não, antes fosse. — Ela murchou a postura e passou uma das pernas por cima de mim, notei que tirou os saltos. — Meus pais e as exigências deles, como sempre.
— Tu quer que eu peça para a dona Célia cuidar da chegada deles? Ela sempre auxilia meus avós quando eles vêm para o Brasil e tal… — Coloquei a mão um pouco acima de seu joelho, acariciando-a em carinho. — Você está cheia de trabalho, mal acabou o ano letivo e está tão exausta no novo emprego.
— Obrigada, neném. Mas… É diferente, sabe? — Ela riu fraco. — Meus pais não estão vindo de outro país e estão acostumados com esse… luxo. Entende?
— Entendo. Me deixe saber se precisar de qualquer coisa. Se tiver algo que eles gostem ou as preferências deles, vou pedir para Célia deixar tudo certo pra quando chegarem.
— Ah, sobre isso. — Se endireitou e eu a encarei. — Eu pensei bem e acho melhor eles ficarem lá no sobradinho mesmo. Falei com a e tem o quarto que era da sobrando. Eles ficam lá.
— Tem certeza? Meus pais só vão vir mais perto do Natal para cá. Não precisa se preocupar.
— Não é preocupação. O senhor e a senhora Kim são incríveis! Gosto muito dos seus pais, neném. E não teria problema nenhum dos meus pais estarem com eles… Pelo contrário. — Ela entortou os lábios na breve pausa. — É só questão de costume mesmo. Antes de recebê-los em sua casa por uma semana inteira, você precisa conhecê-los. Eles combinam mais com Realengo do que o Leblon.
— Você está falando como se fossem pessoas muito difíceis de entender.
— Vai por mim, . Eu conheço bem os meus pais para saber que é melhor eles ficarem lá em casa, em Realengo. — tentou sorrir, mas só pelo fato de dizer meu nome, eu já sabia que estava exausta de bater na mesma tecla.
Lembrei que no início foi muito difícil para ela se acostumar com a diferença em nossas classes sociais, além da diferença na idade. Então respeitei o espaço que ela estava delimitando, mesmo que isso para mim não fosse nada importante.
— Quando eles chegam? — perguntei, dando outro tom para a conversa.
— Amanhã. Vão sair de Varre-Sai em torno de uma da manhã, meu pai não gosta de dirigir em estradas, então vão vir de ônibus. Chegam aqui mais ou menos às oito. Tempo suficiente para eu pegar eles na rodoviária e deixá-los no sobradinho.
— Quer usar um dos carros? — sugeri.
— Não precisa, neném. A me emprestou o Celta dela.
— Então você já tem tudo resolvido. — Sorri, beijando sua testa em seguida.
— Não quero atrapalhar você e sua paz, neném. Tudo o que menos preciso é dos meus pais te atormentando por uma semana durante o seu período de férias tão esperado.
Antes que eu pudesse responder, os nossos pedidos chegaram e ela se empolgou, recolhendo sua perna.
— Se nós dois formos rápidos, dá tempo de uma sobremesa. — Ela olhou no relógio em seu punho.
— Você sempre tem tudo planejado mesmo. — Ri fraco, me apressando com o prato em minha frente.
— Estudei muito para isso, neném.

⛪️

A lasanha de parecia grossa demais, suculenta demais e estava cheirosa demais. Ao lado dele, mamãe o ajudava a salpicar raspas de um tipo de queijo que ela dizia ser excelente para gratinar no forno. E nosso pai estava empenhado na adega, focado em encontrar o melhor vinho, daqueles que ele intitulava como “do bom” sempre que algo fosse motivo de comemoração. Eu estava terminando de arrumar nossa mesa de jantar com ajuda de Célia, recebendo carinhos dela por finalmente ter concluído os estudos de medicina. Agora eu era definitivamente um médico formado.
Porém, quando terminei de colocar o último copo no lugar que seria da minha mãe, na ponta da mesa — afinal ela era a única mulher entre nós quatro —, olhei ao redor e tudo havia sumido. Olhando de volta para a mesa, nada estava mais no lugar que deveria estar e aos poucos fui sendo engolido por um barulho alto de batidas na porta. E era na porta do meu quarto.
— Senhor Kim! — reconheci a voz de Célia. Demorei a me acostumar com isso. — Senhor Kim, me desculpe, mas é a senhorita no telefone!
Dei um salto na cama, tropeçando e completamente atordoado. Vi no relógio em minha cabeceira que não passava de três da manhã, então meu coração se acelerou mais ainda. Atordoado e sem as lentes grossas para eu poder enxergar, acabei batendo a cabeça na porta quando abri, mal me dando conta de que estava seminu. Célia já estava um tanto acostumada com isso, cuidava de nossa casa há mais de 20 anos, mas ainda assim eu me sentia um pouco envergonhado.
Fazer o que se ela disse palavras mágicas, ou melhor, um nome que faz meu mundo todo se revirar? E às três da manhã!
— Onde? — disse assim que abri a porta, em estado de alerta.
— Aqui. — Célia me estendeu o telefone residencial.
— Obrigado. — Tomei de suas mãos tentando não ser muito desesperado, mas nem Célia parecia tão calma. — Alô, oi, amor!? Tá tudo bem? — Atendi.
Oi, neném. Desculpa te acordar… É que… — Ela fungou o nariz, a voz estava funda e parecia chorar. — Você pode vir me buscar?
— Claro. Onde você está? O que aconteceu?
Eu tô em casa. Tá tudo escuro e… Eu acho que estamos sem energia em Realengo. — Ela suspirou. — A ia sair com o à noite e eu acho que ela ainda não chegou… Eu tô sozinha.
Enquanto ela estava falando, eu fui me vestindo com um moletom e uma camiseta, calcei os chinelos procurando pelo meus óculos. Completamente pronto em menos de um minuto.
— Já estou indo. Chego em 30 minutos. — a acalmei, olhando a hora em meu celular que peguei na mesinha de cabeceira. Passei pela porta, sendo seguido por Célia.
Tá bom. Você pode ficar falando comigo? Eu tô ouvindo uns barulhos estranhos na rua…
— A porta está trancada? — Caminhei em passos largos, logo atravessando a cozinha. Ela resmungou apenas um “sim”. — Eu chego já, morena, mas preciso desligar rapidinho e vou te ligar pelo meu celular, tudo bem?
Tá bom. Não demora.
Desliguei, ao passo que peguei a chave de qualquer um dos carros no chaveiro e me direcionei para Célia:
— Vou buscar ela. Parece que Realengo está sem energia e ela está sozinha. — Já estava adentrando a garagem, destravando o carro a distância.
— Ah, coitadinha! Logo com ela que tem pavor de escuro… Quando vem aqui a casa, fica toda acesa — Célia disse com doçura, ajeitando o roupão. — Vou fazer um suco de maracujá para ela tomar assim que chegar, já que ela não gosta de chá.
— Obrigado, Célia. — Entreguei o telefone residencial, ainda com ela em meu encalço, quando entrei no carro. — Volto já. — Quando bati a porta e dei a partida, liguei para pelo assistente do carro, logo no primeiro toque ela atendeu. — Pronto, neném, tô no caminho.
— Você ainda tem a chave daqui? — ela perguntou. — Porque eu não sei se consigo abrir a porta… — A voz saiu quase inaudível.
— Tenho uma cópia em todos os carros. Não se preocupe.
Assim que saí do condomínio e consegui fazer o retorno para entrar na Avenida Padre Leonel França, me deparei com um engarrafamento. Bati no volante, frustrado, e pensei em dar uma ré, mas outro carro logo se colocou atrás de mim. Se eu não tivesse saído de casa tão afobado, teria pensado melhor e escolhido a moto.
Me ouvindo reclamar, questionou:
Tá tudo bem, neném?
— Talvez eu demore um pouco mais do que 30 minutos… Acho que teve algum problema aqui na Padre Leonel, nunca pensei que veria um engarrafamento às três da manhã.
Final de ano. Tem muito turista na cidade, amor. — Ela bocejou.
— Se quiser dormir, eu vou estar aqui.
Desculpa te acordar por isso. Mas é que… — Outro bocejo. — Eu sempre ouvi minha mãe contar histórias ruins sobre o escuro e agora… Tô eu aqui, uma mulher adulta que ainda agarra um ursinho quando está com medo.
— Gosto mais quando tu se embaraça em mim nesses casos. — Ri fraco.
Eu também, neném. Eu também.

⛪️

— Me desculpa outra vez.
— Pare de pedir desculpas. — Passei o guardanapo na boca de . — Era pra ser. Era pra vocês ficarem aqui.
. — Ela deixou a bandeja de lado e respirou fundo. Tinha um tom sério. — Nós temos criações completamente diferentes e pais com ideais totalmente opostos. Será que tu consegue me prometer que ao final desse período vai conseguir continuar me amando?
— Eu não. — Fiquei sério e ela piscou algumas vezes em uma sequência ritmada. — Não vou prometer nada disso, não seja boba. Eu amo você, não estou namorando com seus pais, a eles eu devo apenas respeito, . É você quem me cativa e me conquistou, ponto final. Independente de quem eles são e como são, é com você que eu vivo meu presente planejando o futuro.
— Eu amo você, sabia? Mas tenho medo, neném. Temos tantas coisas opostas, uma diferença gritante entre nossas idades…
— Mas ainda assim nos damos bem e nosso amor cresceu de forma genuína. Certo? — Ela assentiu comigo. — Então pare de ficar se depreciando, seja pelos seus pais ou qualquer outro motivo. Nós já conversamos sobre isso. Falando assim, estou começando a pensar que , e até mesmo você querem me fazer desistir de qualquer coisa.
? — Franziu o cenho. — Espera aí. Eu não quero que tu desista de nada, não, principalmente de mim! E que papo é esse de e ?
— Nada. Nada com o que se preocupar.
Eu sabia que não seria o suficiente para convencer ela, mas, para minha felicidade, fomos interrompidos por Célia, avisando que o motorista já estava voltando da rodoviária, certamente com os pais de . arregalou os olhos e olhou para o próprio corpo, dando um pulo na cama. Ela vestia uma camiseta minha, quase maior que ela inteira, e a arrancou, não se importando com Célia ali.
— Eu preciso me trocar — disse rápido, parecendo desesperada. — Célia, pode me ajudar no outro quarto, por favor? — Sem que eu pudesse perguntar qualquer coisa, saiu.
— Pode ir lá. Eu levo essas coisas para a cozinha — dispensei Célia, que ficou no impasse por conta da bandeja com os restos do café da manhã que eu trouxe até o quarto.
Juntei tudo e fui para a cozinha, aproveitando para colocar as louças na máquina, a configuração ficaria para a ahjumma da casa, como meus pais a chamavam — um termo em coreano que eu nunca me adequei muito bem. Depois segui para o escritório, precisava abrir e-mails e ver o básico sobre notícias novas, a Organização Mundial da Saúde sempre tinha alguma novidade e, como médico e chefe dos residentes em um hospital público, além de futuro presidente do São Lucas, eu precisava estar sempre em dia.
A primeira coisa que fiz foi limpar a caixa de entrada, em seguida não encontrei nada tão inovador da medicina em fóruns ou notícias, então fui atrás de alguma informação sobre o que havia acontecido na madrugada em Realengo e nos bairros ali da região, encontrei uma notícia do G1 detalhando que a queda de energia ainda não tinha uma causa certa e alguns bairros continuavam sem o abastecimento. Tanto é que muitos comércios não haviam aberto suas portas.
— Tu não vai acreditar, neném! — Ergui a cabeça para frente, tirando o foco da enorme tela em minha mesa, e encontrei completamente pronta logo ali na porta. Notei, pelo canto do olho, que quase uma hora já tinha passado e eu nem percebi.
— O que houve? — Relaxei na cadeira, ela vinha até mim.
— Olha isso aqui. — Afastei a cadeira e ela se sentou em meu colo, me entregando o celular.
— Oi, . Estou sabendo sobre o que houve em Realengo, não precisa vir hoje, se não conseguir… Podemos usar seu banco de horas caso você queira. — Li a mensagem em voz alta. — Que ótimo! — Sorri para ela, olhando em seu rosto e notando que não parecia ser bem assim. — Você não está feliz.
— Eu gosto de trabalhar. — Murchou os ombros.
— Pensa pelo lado bom, morena, tu pode passar melhor o dia com teus pais hoje. Sem nenhuma correria.
— É. — Suspirou. — E com você… — O sorrisinho ladino dela surgiu de repente, numa dualidade incrível. levou o indicador até a gola da minha camisa. — Tu pretende ir trabalhar, doutor? — O tom de sua voz mudou.
Ri fraco, reconhecendo muito bem o que era aquilo, entendendo até onde iríamos com aquele indicador pressionando minha pele.
— Fora de casa não. — Me estiquei para colocar o celular dela em cima da mesa.
— Eu acho que preciso de uma avaliação. Um cuidado particular, sabe? — enganchou o dedo por dentro da gola, desfazendo o primeiro botão.
— O que você está sentindo? — Apertei sua cintura.
— Não sei explicar, doutor. — Ela fez um bico, abrindo outro botão com as mãos ágeis. — Tem uma coisa aqui no peito me apertando…
A mão dela estava espalmada no meu peito, já me causando arrepios comuns e que eu tanto adorava.
— Então vou precisar auscultar.
— Vai ter que ser rapidinho, meus pais devem estar chegando — sussurrou.
Me levantei no mesmo momento que , mas a voltei para perto de mim, puxando-a para meu colo e aos risos ela enlaçou as pernas em meu tronco. A segurei com um braço e o outro usei para arrastar tudo da mesa para o chão, incluindo o celular dela que eu tinha tomado o cuidado de colocar ali em cima, e a coloquei sentada em minha frente, beijando-a sem pudor nenhum. terminou de abrir minha camisa e foi tirando-a enquanto nos beijávamos e eu passeava minhas mãos por suas coxas, depois de subir seu vestido.
Meus lábios largaram os dela com muito custo, mas por uma coisa boa também, para descer por seu pescoço e chegar ao busto. Ela cravou as unhas em meus ombros e gemeu arrastado no momento que encontrei com minha boca o vão entre seus seios e minha mão direita chegou para dentro de sua calcinha.
— É aqui que está doendo? — perguntei baixinho, olhando para cima, e ela assentiu. — Ainda dói? — Usei a outra mão para abaixar a alça de seu vestido.
— Bastante. — Ela mordeu o lábio inferior.
Usando as duas mãos, livrei de seu sutiã. Ela se apoiou com as dela na mesa e ficou levemente arqueada com o corpo para trás, melodicamente preenchendo meus ouvidos com sua voz encantadora enquanto gemia meu nome a cada toque meu. Demorei em seus seios, cuidando de cada um dos dois e sentindo-a puxar meus cabelos. Era o lugar que mais lhe causava tesão, eu já sabia perfeitamente, então em todas as nossas vezes, por mais rápidas que fossem, eu sempre dava a atenção que seu desejo merecia.
Me afastei rápido, apenas para encontrar seus lábios outra vez, e ao separar nossas bocas, ofegantes, tirou o óculos do meu rosto, jogando-o longe.
Fui descendo por seu tronco e mordiscando alguns centímetros de pele pelo meio do caminho, o que o vestido enrolado em sua cintura não estava tampando. Tirei sua calcinha e não enrolei para estimulá-la, fosse com os dedos ou minha boca. Uma das coisas que eu mais gostava em todas as vezes que me enfiava entre as pernas da minha namorada era que ela se entregava sem pudor algum, além de, em “espasmos” pelo prazer, apertar mais as pernas fechadas em mim; quanto mais forte as fechasse, eu sabia que estava indo bem ou que ela não iria aguentar por mais tanto tempo até se amolecer por mim.
— Neném… — Seu tom de voz sôfrego, somado ao puxão em meu cabelo, foi um aviso.
Voltei a beijá-la, sentindo-a se deliciar com seu próprio gosto que estava em minha boca. Enquanto isso, me livrei do cinto e abri a braguilha da calça, lutando contra o desejo de me manter colado no beijo dela. Ao me separar de , a fim de encontrar uma camisinha na gaveta da mesa, ela continuou me beijando no rosto, no pescoço, no peito… Onde alcançasse. Vendo meu nervosismo por não encontrar a proteção — já houveram vezes que ela mesma se recusou a continuar por falta disso e eu nunca briguei ou fiquei frustrado, não tinha coragem pra isso —, segurou meu rosto com as duas mãos.
— Pode ser sem, amor — disse baixo, sorrindo fino. — Eu confio em você. Você confia em mim?
Meu coração pulou, agora era meu peito que estava doendo. Qualquer declaração de amor que ela tenha feito a mim foi marcante, mas ter olhando em meus olhos tão perto assim, ofegante e com os cabelos bagunçados, dizendo que confia em ter uma relação sexual comigo sem camisinha fez meu corpo todo explodir em mais amor. Não era algo banal, não era como pegar a mão e atravessar a rua; eu sabia como ela era cuidadosa e sempre a deixei ter o maior controle sobre as decisões mais íntimas, principalmente o que fosse relacionado ao seu corpo, então isso significava muito para mim.
Assenti, voltando a beijá-la. Durante mais esse beijo, mesmo desceu as mãos pelo meu peito e me ajudou a abaixar a calça e a boxer, abrindo mais suas pernas para eu me encaixar melhor.
Com o braço em volta de sua cintura e a outra mão fechada em concha entre seu pescoço e mandíbula, procurei seus olhos numa pausa.
— Você sabe que eu te amo, morena, não sabe? — Rocei meu nariz no seu, sentindo sua respiração ofegante. — Amo cada detalhe seu, cada centímetro da sua pele, suas qualidades e seus defeitos. — Trouxe ela mais para perto (como se já não estivesse o suficiente).
assentiu em resposta, arfando no mesmo instante que sentiu o mesmo que eu: nossas intimidades tão próximas.
— Eu preciso de ti, neném… — disse com o que lhe restou de forças, segurando em meus ombros.
— E eu de você. — Beijei sua testa, tirando a mão de seu rosto para me posicionar certo em sua entrada, enfim penetrando-a.
O seu gemido alto foi um gás a mais para o que já estava explodindo a cada vez que eu a preenchia. cravava suas unhas em meus ombros, jogava o corpo para trás, apertava suas mãos em cima das minhas em suas coxas e arranhava meu peito. Não aguentei muito tempo com as mãos paradas num lugar só e uma delas tomou o caminho sozinho para um de seus seios, enquanto a outra se embrenhou em seus cabelos pela nuca, puxando-a para trás, a fim de ter seu pescoço exposto por completo para mim e meus lábios.
— Eu vou… — não conseguiu finalizar, ofegava e gemia, sem ordem entre os dois. — , eu vou… Eu vou gozar!
Aumentei mais minha força e ela apertou as pernas em mim.
— Ahh… Neném! — ela berrou, amolecendo o corpo ainda com as pernas me apertando, o suficiente para me fazer atingir o mesmo caminho.
Quando fiz menção de me afastar para não gozar dentro dela, não deixou. Então eu gozei em sequência, beijando sua boca, com a mão ainda em seus cabelos e o outro braço abraçando sua cintura, apertando-a contra mim.
Tomamos segundos em silêncio, ofegantes, mas com nossas bocas coladas. Até ela ser a primeira a se afastar. Mudei a forma como a segurava em meus braços, sendo mais leviano com as mãos em sua coluna.
— Às vezes eu custo a acreditar que namoro com um tremendo de um macho gostoso. — Ela riu, beijando meu queixo. — Incrível como você me conhece tão bem, neném.
— Incrível como você me deixa te conhecer tão bem, morena. — Beijei a pontinha de seu nariz e em um rápido desvio do olhar, congelei no lugar. — Ah, não… — Saiu sozinho.
— O que foi? — foi virar para a direção da porta, mas eu não deixei.
Como a casa era em um conceito plano, a porta do escritório dava diretamente para a sala de visita, principal entrada da casa, e lá, no final do corredor (seguindo o meu ponto de vista), o motorista colocava algumas malas. Eu sabia que ele não viu nada, minha preocupação passou de: a porta aberta e Célia escutando tudo (o que não seria novidade não só comigo, mas com meu irmão também; e eu nunca desejei tanto que ela estivesse no jardim que ela tanto gostava de cuidar) e a chegada dos pais de .
Ela mudava quando falava sobre eles. Essa era minha maior preocupação.
— Ah, cacete! — reclamou ao conseguir olhar para trás. Pensei que fosse entrar em pânico pela visão completa que dávamos, mas não. — Eles chegaram.
Me afastei para me vestir, para mim era rápido. Peguei a camisa do chão e, já com a calça no lugar, fui até a porta e a fechei. Ao me virar para trás, procurava por sua calcinha em algum lugar. Ri fraco, achando sexy demais seu jeito desgrenhado depois do que fizemos. Tinha alguma coisa sobre nossas rapidinhas em ocasiões inoportunas que realmente eram marcantes.
Localizei meus óculos no chão, ao lado da peça que ela procurava, e peguei os dois. Vesti um e dei o outro à ela. Abotoando a minha camisa, terminou de tentar se ajeitar, usando a câmera do celular. Ela tinha feito, em suas palavras, a “loucura de comprar um celular caro” com o acerto do antigo trabalho, então fiquei aliviado de ver que o celular, um Z Flip, caríssimo, estava intacto. Não seria chato e difícil para eu dar outro para ela, mas eu validava e respeitava seus esforços.
Assim que terminamos o nosso tempo recorde, dei a volta na mesa, chegando perto dela de novo.
— Estamos cheirando a sexo — disse, preocupada.
— De repente tua rinite te permitiu sentir cheiros, é? — tentei brincar, mas ela permaneceu quieta. — Vem cá. — Beijei sua testa e a trouxe para mais perto. — Eu não vou ficar te questionando mais o que é que tem em seus pais que te faz perder o brilho nos olhos a cada vez que menciona eles. Mas eu quero que tu saiba, , que eu tô logo aqui, do teu lado. — Segurei sua mão, fazendo um carinho.
— Eu sei, neném… — Ela relaxou. — Acho que eu não vou precisar dizer muito, tu vai ver sozinho. — Tentou rir fraco, soltando minha mão.
— Não vejo nada além de você, morena. — Beijei sua testa.
— Quero combinar uma coisa contigo. — O riso diabólico de me causou um formigamento. Ela sempre tinha alguma ideia. — Toda vez que eu colocar a mão no peito, assim — ela demonstrou, espalmando a mão entre os dois seios —, quero dizer que eu amo você e eu preciso que você me diga de volta. Mas não em voz alta. Vai ser uma coisa só nossa.
— Então eu te respondo assim. — Usei o indicador para subir a armação dos óculos pela ponte do nariz, arrancando uma gargalhada gostosa dela.
— Mas tu faz isso o tempo inteiro, ! Tá de caô comigo?
— Não. É porque eu quero dizer o tempo todo que te amo, morena. — Roubei um beijo de , sentindo-a amolecer em meus braços.
Ouvi as batidas na porta tão conhecidas de Célia e a afastei muito a contragosto, selando sua testa com carinho.
— Senhor Kim, eles estão aqui.
Me senti aliviado ao vê-la, pela porta que foi aberta, as vestimentas de Célia: ela estava mexendo com o jardim.
— Está pronto para conhecer seus sogros? — não parecia decidida a isso, mas eu não demorei a confirmar, lhe passando segurança.
— Estou, meu amor. — Lhe ofereci minha mão e ela pegou, entrelaçando nossos dedos. — E só para te afirmar: esse cheiro de sexo que tu falou fica maravilhoso em ti, morena. Principalmente porque eu sei que foi feito comigo. Relaxa.
Ela apenas franziu o nariz, adoravelmente envergonhada.
Ao nos virarmos para a direção da porta, Célia me encarou doce.
— Fiz aquela mesa do café que o senhor pediu, eles estão na sala esperando vocês dois. — Olhou para . — Perdoe eu dizer isso, , mas tua mãe me parece uma mulher muito… Impaciente. Eu tentei ao máximo segurar eles lá fora…
ficou mais vermelha que uma pimenta e apertou minha mão.
— Eu… Desculpa, Célia.
Eu não sabia se estava pedindo desculpa por achar que devia ou se por Célia ter, muito provavelmente, ideia do que estávamos fazendo. Eu também não ficava muito confortável com isso, claro, mas depois de feito não tinha muito o que ficar remoendo.
— Não precisa pedir desculpa por nada, criança. — Célia sorriu afetuosamente. — Sem formalidade, tu mesmo me pediu isso.
Sorri com a interação das duas e Célia fez sinal que podíamos ir na frente. E assim fizemos. Porém, ao chegar no final do corredor, soltou minha mão e parou assim que viu o aparador, pegando dele o difusor de cheiro. Estranhei, mas não falei nada, quando ela virou o palito e pingou gotas em seu pescoço. Troquei olhares com Célia, já sabendo que depois iria me implorar por um antialérgico.
Ela se manteve à minha frente, e assim que adentramos a sala, seus pais nos receberam.
— Minha filha! — A mulher de vestido comprido e mangas disse primeiro, mas foi para o pai antes, abraçando ele bem forte.
— Como você está cheirosa, ! — ele disse.
Evitei o riso, seria deselegante.
se afastou do pai e deu um abraço mais rápido na mãe. Pude notar o quão parecida elas eram, mas ainda assim ela tinha mais trejeitos do pai.
— Pai, mãe. Esse é o , o meu namorado. — Se virou para mim, não muito distante, e eu me aproximei mais. — Esses são meus pais, Elisa e José.
Estendi a mão para o pai dela.
— Muito prazer em conhecê-los. — Sorri cordialmente, sendo medido de cima a baixo pela mãe dela. Ofereci a minha mão também.
— O prazer é todo nosso, querido. Muito obrigada por nos receber em sua casa… Seus pais? — Elisa procurou.
— Estão fora.
— Os pais do viajam bastante, mãe, eu te falei que eles não iam estar aqui. — parecia exausta.
— Ah, verdade. Vocês estavam sozinhos, então?
— Não. Com a Célia.
— E tu dormiu aqui, ?
— Sim. Eu e a Célia. Não é Célia? — Ela olhou para a ahjumma, parecendo lhe pedir socorro com o olhar.
Parecia que eu e José estávamos sobrando.
— Sim, sim. — Célia me encarou desconfortável.
— Pare com isso, Elisa. — José enfim tomou a frente. — Obrigado por tudo o que faz pela nossa filha, . — Se direcionou a mim. — Ela conta. Contou sobre essa madrugada.
— Imagine só, uma mulher adulta, desse tamanho e ainda tem medo de escuro.
— Mãe — a repreendeu. — Estão com fome? — E automaticamente mudou o tom quando foi encarada.
Não precisava de muito mais, eu já estava entendendo tudo.
Havia um motivo muito aparente para ter saído de Varre-Sai.
— Podemos tomar café? Estávamos esperando por vocês — disse, ficando mais do lado dela. Mas a cada passo que eu dava em direção a , ela dava para se distanciar.
— Se não for incômodo.
— Nenhum! — Coloquei as mãos nos bolsos da calça para conter o ímpeto de pegar em , e mantive o sorriso para a mãe dela.
Célia guiou os dois à frente e eu fiquei esperando uma oportunidade para falar com , recebendo suas costas. Ela estava tensa. Chegamos à mesa na sala de jantar e sua mãe parecia maravilhada com a organização de Célia. Caminhei em direção ao meu lugar usual, que seria ao lado de e de frente com o pai dela, mas Elisa se colocou no meio.
— Sente-se ao lado de José, querido, sim?
Não.
Eu odiava sentar naquela cadeira, era longe de e eu não gostava de ficar de costas ao espelho que tinha na parede logo atrás. Entretanto, eu sorri e aceitei, por , claro.
Foi um café da manhã banhado em uma conversa muito restrita entre e Elisa, José pouco disse, era sempre cortado pela esposa.
— Vocês pretendem sair? Podem aproveitar minha carona, vou para o Barra Shopping e deixo vocês em algum lugar. — se apressou, parecendo querer se livrar deles a qualquer custo e eu estranhei porque ela tinha ganhado o dia de folga.
— Acho que não, filha, preciso descansar de toda essa viagem. Foi cansativa.
— Eu disse para esperar o final de semana que buscava vocês em Varre-Sai com o Celta da — reclamou com a mãe.
— Tu conhece tua mãe… Ela queria passar mais tempo contigo. — José tentou amenizar.
— Sim, vindo durante a semana. Eu trabalho. Sabem disso. E também é muito ocupado. Inclusive, ele tem que ir para o hospital. — Encarei e ela me olhou de volta, com a mão no peito. Entendi o nosso combinado e outras coisas a mais. — Não é, ?
. Nunca era só . Era “neném” ou . Vez ou outra “amor”.
— Sim. — Fui simples, usando o indicador para subir o óculos. Ela sorriu, me parecendo aliviada. — Mas eles podem ficar aqui, Célia só vai embora à noite.
— Se não for nenhum incomodo, eu aceito, rapaz. — José riu. — Não sou mais tão jovem para ficar aguentando essas viagens longas.
— Sem problema algum. Fiquem totalmente à vontade. — Limpei a boca com o pano em meu colo e o deixei em cima da mesa, precisava assimilar algumas coisas. — Se me dão licença, estou um pouco atrasado.
— Claro. — José assentiu.
Pensei em oferecer carona para , mas ela não me parecia muito à vontade para dizer sim naquele momento. Então agi naturalmente em minha encenação.
— Vou deixar o Audi SUV pra ti, tá bom? — disse à ela, dando a volta na mesa.
— Tá bom, . Obrigada. — Beijei sua testa e ela respondeu com a mão no peito. Respondi com o gesto combinado.
Justo no meu dia de folga e que eu, surpreendentemente, não tinha recebido nenhuma chamada antes das dez e meia da manhã, eu teria que sair para caçar trabalho.
Quando passei para a sala de visitas, pude ouvir:
— Esse vestido está todo amassado, — Elisa disse, autoritária. — E… Cadê as mangas? Alças não são permitidas.
— É muito calor aqui, mãe. Não dá para tudo ter mangas. Já basta o vestido ser longo.
— Tá tudo bem, filha — José disse, tranquilo.
— Não está tudo bem, José! Não seja complacente. Sua filha é uma serva batizada nas águas, ela desceu a um propósito e deve respeitar as regras desse caminho!
— Impaciente, eu disse. — Célia surgiu de algum canto, dizendo e me assustando.
— Sim. — Suspirei. — Agora entendi por que não me disse nada. Não existem palavras para descrever.
— E foi apenas um café da manhã de menos de cinquenta minutos, . — Ela riu fraco. — Será que vai se sentir melhor se eu ficar aqui esses dias?
— Talvez. Mas não faça isso. Ela vai se sentir culpada e acho que ela não merece mais nenhuma preocupação por esses dias. — Franzi o cenho. — Vou indo, Célia. Garanta que eles não engulam minha .
— Pode deixar. E você, senhorzinho, tente ser mais discreto…
Ruborizei e ri com Célia, seguindo meu rumo. A última coisa que consegui ouvir foi dizendo:
— Tentem não estragar meu relacionamento, por favor. É só isso que peço, tenham a mente um pouco aberta. Pelo menos até irem embora.
Fosse lá o contexto, eu estava acreditando mais nas preocupações dela. Apesar de eu manter minha palavra e sentimentos, conseguia começar a entender o que ela estava me escondendo.

⛪️

Uma das coisas que mais me faziam sentir o estômago vibrar como se estivesse abarrotado de borboletas era ver rir, ela tinha o riso alto e nada discreto. E não importava se era um pouco engraçado, se ela ria, para ela era muito divertido, não tinha um meio termo. Eu podia passar horas vendo ela rir a ponto de colocar as duas mãos na boca do estômago e se contorcer com o corpo curvado para frente.
Estávamos na área externa de casa, sentados no sofá embaixo de uma estrutura de madeira com teto de vidro, adorava ficar ali observando o céu quando ele estava bem estrelado, e ela me contava sobre Lavínia, uma colega que foi contratada no mesmo processo que ela no cinema do Barra Shopping; segundo a história divertida, que ficou mais engraçada ainda com ela contando em meio às lágrimas de riso, Lavínia era tão mimada que a mãe dela vivia lhe mandando coisas estranhas, incluindo uma cadeira com assento melhor para ela ficar no caixa do cinema.
— Eu só sei que o Jorginho nunca mais contratou ninguém com menos de vinte anos depois disso — ela finalizou a história, bebendo o resto do vinho na taça, suspirando e secando os olhos.
— Poxa… E o que eu faço com a poltrona que mandei entregar lá no teu escritório, hein? — Fingi seriedade.
— Tu não é nem louco de meter esse caô pra cima de mim, ! — me apontou o dedo, sendo mandona. — Eu vendo e fico com o dinheiro.
Isso me lembrou algo. Deixei minha taça na mesinha de frente com o sofá em que estávamos e me aproximei um pouco mais dela.
— Por que você me chamou só de hoje cedo na frente dos seus pais?
Ela ficou petrificada.
abriu e fechou os lábios algumas vezes, mas nada disse.
— Depois que eu saí, fiquei tentando rodar minha mente em busca de alguma resposta e não encontrei. Tentei me lembrar de algum momento que tu tenha me dito algo e eu pudesse não estar lembrando. — Respirei fundo, pegando na mão dela. — Tu não me falou nada sobre eles e estamos juntos há mais de um ano…
— Não faz isso ser relevante, por favor — ela disse baixo, olhando para a direção da casa.
— Como não? Estamos falando sobre os teus pais, .
— Eu sei. — Abaixou a cabeça. — Tu não consegue ver por si só? — Voltou a me encarar.
Quando fui responder, ela soltou da minha mão, levantando-se rápido e ajeitando o vestido que usava, outro bem comprido e que, diferente do que usou para trabalhar, tinha mangas. deixou a taça junto com a minha e colocou as mãos na cintura, parecendo um pouco atônita.
— Ei — chamei sua atenção e ela me olhou, os olhos brilhantes. Sorri genuinamente, fazendo o gesto combinado de subir o óculos com o indicador. — É só tu me falar, a gente foge a hora que quiser! — Peguei a mão dela, recebendo um carinho em resposta.
Mas foi só isso, não respondeu com a mão no peito.
— Melhor entrarmos, quero evitar questionamentos. — Revirou os olhos.
Me levantei, concordando, e ela saiu à frente. A acompanhei, vendo mudar a postura quanto mais perto fomos chegando da porta, antes que ela abrisse, eu a puxei pelo cotovelo, chocando-a contra meu corpo. Ergui seu rosto com uma mão e usei o outro braço para apertá-la contra mim.
— Permissão para beijar minha namorada. — Rocei o nariz no dela, indo com os lábios até seu ouvido. tremeu embaixo de mim.
… — Suspirou, espalmando meu peito. — Só mais alguns dias, eu prometo. — E beijou meu queixo apenas, se desvencilhando de mim.
Ela alcançou a porta e eu fiquei no lugar, observando e guardando minhas mãos nos bolsos do moletom. Antes de abrir, se virou para mim e levou a mão ao peito, sorrindo e me mandando um beijo no ar. Meu mundo girou e se aliviou.
Não sabia se conseguiria viver mais um dia nesse mar confuso que a visita dos pais dela havia instalado em nossa rotina.
Quando entramos, pude escutar a voz da mãe dela. Elisa e José haviam descansado e logo após o almoço saíram para fazer algo por aí. Segundo o que Célia me disse, minha sogra não achou nada absurdo o fato de eu não poder ficar em casa para dar atenção para eles, pelo contrário, estava orgulhosa da filha estar namorando com um médico. Meu sogro parecia não ter voz para nada. Ou talvez ele só não tinha a mesma energia.
— Aí está você! — Elisa sorriu assim que nos viu. Ela olhou de cima a baixo e depois para mim, repetindo a mesma análise. — Chegamos agora da rua.
— Se divertiram? — perguntou. — Cadê meu pai?
— Foi direto para o banho, aquele velho reclamão só sabe dizer que está cansado o tempo inteiro. — Ela revirou os olhos. — Mas, enfim, quero saber de você, filha.
— Sim?
Ousei me aproximar um pouco mais de , ficando logo atrás dela, com nossos corpos quase colados. Parecia que a coisa implícita de eu não poder tocar nela perto de seus pais me deixava com o desejo mais aflorado.
— Ia levar isso no teu quarto. — Elisa ofereceu um pacote para ela. — Qual tu está usando?
— O meu — respondi, automaticamente.
As duas me encararam com os olhos arregalados. por nervosismo e sua mãe talvez pelo espanto.
— É. — pigarreou. — está no do irmão dele.
— Entendi. — Elisa cruzou os braços. — Então, sendo assim, podemos ir, filha? Quero fazer a oração contigo antes de dormir. E quero ver se vai gostar do meu presente!
— Deixa eu adivinhar: um véu?
— Sim. Irmã Dirce bordou a mão especialmente para você!
— Ah, legal. — assentiu. — A senhora pode ir indo, é a penúltima porta à direita do corredor dos quartos.
— Hum. — Elisa sorriu ladina. — Mas não demore, temos muito o que conversar.
— Pode deixar. Posso ao menos dar boa noite para o meu namorado?
— Tu sabe os limites de uma serva, não sabe, filha? — Elisa me encarou depois de falar com como se estivesse repreendendo uma adolescente. — Deus não aprova aqueles que desrespeitam os teus servos que desceram nas águas do santo batismo, viu, filho! Tenha muita responsabilidade, minha escolheu esperar.
Precisei ser sério o máximo possível.
Se tinha uma coisa que não escolheu, era esperar. Nem a dela e muito menos a minha. Ela era bem impaciente, na verdade.

⛪️

Meus sogros chegaram na quarta.
Já era sexta-feira à noite e o sobradinho ainda estava sem energia.
Longe de mim querer expulsá-los de casa, principalmente quando eu fiz tanta questão. Porém, começou a ficar insustentável.
Não, eu não conseguia dormir na cama de — que ele já não usava há um bom tempo, pois agora morava com . Não, eu não me sentia culpado de dizer que estava cheio de trabalho, me mantendo preso no escritório e obrigando os dois a irem passear pelo Rio de Janeiro, claro que deixei o motorista à disposição, sem nenhuma restrição; eu bem queria que eles aproveitassem. E sim, eu estava extremamente irritado por estar dividindo a mesma casa com e mal poder trocar olhares com ela.
Na quinta-feira, eu consegui convencer de que pediria algo para a janta, pois eram sete da noite e ela não tinha chegado — ela queria muito cozinhar para os pais, aparentemente precisava provar aos dois que era uma adulta bem resolvida. Na sexta-feira já foi impossível, ela chegou às oito e foi direto para a cozinha, cozinhou e eu tentei ajudar o máximo que pude; foi difícil, ainda mais com as memórias que me cercavam das vezes que ficamos sozinhos em casa, de todas as noites que a gente tentou fazer alguma coisa decente para comer, mas acabamos pedindo um delivery e a bancada da cozinha servindo de cama.
Não era a falta dos toques e do sexo em si, mas eu estava incomodado em como não parecia em nada com a mulher que eu tinha em minha rotina há mais de um ano desde que seus pais chegaram. Nunca a tinha visto usar tanto vestido, nunca a vi com o rosto sem um pingo de maquiagem, nem que fosse só um protetor labial com cor. E mesmo com o calor do Rio de Janeiro, ela não mantinha o cabelo preso.
odiava o cabelo preso.
Depois do jantar, disse que ficaria limpando a cozinha e deixei que eles saíssem sozinhos. Seria a primeira vez que ela ia conseguir dar atenção aos dois desde que chegaram, afinal no dia seguinte, sábado, não precisava levantar tão cedo por causa do trabalho. Ia ser bom para eles e para mim. Assim que terminei, já era quase onze e meia, fiquei preocupado e mandei uma mensagem para ela, recebendo a resposta de que estava tudo bem e que já estavam voltando.
Decidi me fechar no escritório outra vez, precisava refletir.
Eu e uma garrafa de vinho e outra de soju, uma bebida coreana que meu pai ensinou eu e a bebermos quando completamos, respectivamente, dezoito anos.
Escutei quando chegaram, me mandou mensagem avisando e eu não respondi. Estava muito confuso. Existia um turbilhão de coisas dentro de mim, revoltas que, se eu passasse por aquela porta no estado em que estava, iriam me fazer ser um tremendo imbecil egoísta. Era óbvio, muito taxativo: seus pais eram batizados e membros assíduos da Congregação Cristã do Brasil, aquela igreja em que separam homens e mulheres, que não se pode ter coisas como televisão, que mulheres não podem usar calça, etc., em pleno século XXI. A mãe dela, Elisa, era rígida. José, embora fosse cooperador — como é chamado o tal pastor ou sei lá como definir, com todo respeito —, nem tanto, ao menos não o vi chamar a atenção de uma única vez.
Mas o que mais estava me incomodando era o fato de ver minha se afogando em coisas que ela queria nitidamente colocar para fora. Ela estava o tempo todo mordendo as bochechas por dentro, fora da própria paz.
Passei horas me perguntando o que deveria fazer, se seria certo afirmar para sua mãe que estava tudo bem e que ela podia confiar em mim, que eu também iria descer nas águas do que fosse lá o que ela dizia para ser digno de estar com sua filha. Mesmo eu sendo um homem há quase cinco anos de completar quatro décadas e odiasse piscinas ou mar por trauma de infância. Mas seria isso o que queria?
Para mim, só fazia parecer que ela me queria ali ao seu lado, apoiando seus planos de se mostrar aos pais, fingindo ser uma coisa que claramente não era.
Esperar. não esperava nem o semáforo ficar verde.
Em um ato de desespero, meu telefone estava em minha frente, numa chamada de vídeo para .
Não demorou e ele logo atendeu.
Tem certeza que eu não preciso voltar? — disse ao surgir na tela. estava ciente, eu estava lhe deixando a par de tudo com mensagens diárias. Ele era meu irmão e nosso melhor amigo, certamente saberiam sobre tudo.
— Tenho. — Suspirei longo e pesado, esfregando os olhos com a mão livre. — Eu só precisava... Bem... Dos seus ouvidos.
É, deu pra notar. Geralmente você precisa deles, sei lá, em torno das sete da manhã... Depois de longas cirurgias... bocejou e eu pude ouvir o resmungo de de fundo. — Bêbado, às três da manhã de uma sexta-feira? Nunca imaginei.
— Desculpa. — Ri fraco. — Nem eu. Mas é que... Poxa, ela me deixa tão... tão fora de mim. Eu nunca pensei que fosse conhecer alguém que me tirasse tão do eixo assim... Eu cogitei a ir para a igreja, ! — choraminguei.
Realmente. Ela congelou teu cérebro, .
— É, isso mesmo! Igual um milk-shake! A é igual a um milk-shake... Sabe quando a gente dá aquele primeiro longo gole e a cabeça dói, parecendo que foi congelada? É isso o que ela fez comigo. Me congelou para depois me dar aquela sensação adorável do gosto adocicado. E é muito doce a vida ao lado dela.
Você já disse isso para ela?, totalmente sonolenta, apareceu na tela. Ela estava atrás de , pendurada nas costas dele. — Como você mesmo notou, ela não teve muito acesso à palavras tão... doces assim. — Riu fraco, beijando a nuca do meu irmão. — Assim como você, ela também está tentando o melhor que pode.
Olha, está tarde e eu tenho certeza que se você for logo ali no quarto que ela está, ninguém vai perceber. aconselhou. — Vai te fazer bem. Aconteceram coisas muito diferentes do que você está acostumado desde que se conheceram. Ninguém nunca te olhou como ela olha e… Você nunca passou da página 1. É normal que isso tudo te assuste, irmão.
— É. Vou fazer isso. Obrigado por me ouvir e desculpe por acordar vocês.
Só vou desculpar depois que você me deixar voltar a dormir. se fingiu séria.
— Também gosto de você, cunhada.
Acenei e desliguei a chamada, olhando para o céu à minha frente pela enorme janela do escritório. Realmente, milk-shake era uma ótima definição para a . Isso me arrancou um sorriso nada bobo e uma saudade absurda; não era como se estivéssemos dentro de uma rotina de dormir juntos todos os dias, claro, até porque eu quase não dormia em madrugadas longas, frias ou quentes, mas em toda oportunidade estávamos juntos, na maioria delas em Realengo.
Ela estava logo ali, num dos quartos no extenso corredor do andar de cima, parecendo tão distante ao mesmo tempo que perto. Quase totalmente sóbrio outra vez, me permiti fingir que estava fora da minha consciência ainda e caminhei até o quarto dela (meu, na verdade), feliz em saber que a porta não estava trancada como sua mãe disse que ela foi ensinada a fazer. Talvez estivesse me esperando.
Como eu queria que fosse isso.
Assim que entrei, tranquei e caminhei até a cama de casal. Ela estava abraçando forte um travesseiro, esmagando-o contra o peito e sua camisola de cetim estava toda embolada para cima. A janela aberta deixava a claridade de fora entrar, tinha um grave problema com alergia, então ela evitava ar condicionado e ventilador, usava apenas quando não havia como aguentar o calor do Rio de Janeiro mesmo.
— Neném? É você? — Escutei a voz dela e saí do meu longo devaneio com sua imagem. se sentou na cama, coçando os olhos. — Pensei que você não fosse vir. — Sorriu para mim, dando batidinhas no lado vazio da cama.
— Precisei resolver algumas coisas antes. Desculpe a demora. — Tirei a camisa e o moletom, ficando descalço para subir na cama, engatinhando para chegar até ela. — Não queria te acordar. Daqui a pouco tu já precisa se levantar pra ir trabalhar.
— Se é pra passar um tempo contigo, eu não ligo. — Ela sorriu, colocando as duas mãos no meu rosto. — Você trancou a porta? — Assenti e ela mordeu o lábio, me dando um beijo longo em seguida. — me disse que a energia em Realengo voltou.
— Que bom. — Selei seus lábios. — Mas eu acho que vou acabar entrando num duelo com tua mãe se ela quiser te levar de mim. Eu não escolhi esperar.
— Neném… — Ela riu. — Eu também não. Já conversei com os dois, eles vão lá pro sobradinho amanhã. Depois do trabalho, vamos sair para jantar nós quatro… E… Eu volto pra cá, pra ficar do teu ladinho.
— Sem águas?
Ela franziu o nariz.
— Sem águas. Sem véu. Sem nada. Só eu e tu. Tu e eu.
— E se tu vier e não sair mais? Essa casa fica muito grande só pra mim, morena. — Acariciei o rosto dela. — Você poderia fazer moradia aqui, o que acha?
— Eu… Tu tá falando sério? — coçou os olhos. — Tu tá me chamando para vir morar aqui? — Assenti. — Depois desses últimos dias cafonas?
— Sim. Quero viver mais dias cafonas assim. Vem morar comigo.
— Porra, . — Me encheu de beijos. — Tu faz minha cabeça congelar igual quando eu tomo milk-shake do McDonalds, macho!
Não aguentei, gargalhei.
Essa seria a melhor definição para nós dois, afinal. Claro.<


Fim...
(Ou não. Nos vemos no São Lucas?)


Nota da autora: Espero que tenham gostado assim como eu amei criar esse universo. Para você que não sabe: este casal pertence ao “Reverso”, uma criação em parceria com Ilane C.S e Daphne M. Segue a cronologia deste casal:
Rock With You
Da Barra a Realengo
De Varre-sai ao Leblon
De Dois a Quatro
Da Superfície ao Fundo do Oceano

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