Revisada por: Saturno 🪐
Última Atualização: Outubro/2024.— Ela veio mesmo — o bruxo de cabelos brancos murmurou, sem levantar os olhos da espada que polia.
Junto a ele, havia mais cinco pessoas. Dois outros bruxos, que identifiquei pelos olhos dourados como os de um gato. Um deles eu já havia conhecido, Eskel, cabelos castanhos e uma grande cicatriz no rosto, sempre um cavalheiro. O outro eu nunca havia visto, parecia mais jovem, cabelos ruivos ondulados cortados recentemente, nenhuma cicatriz no rosto, mas pude perceber uma fina linha branca despontando no pescoço.
Havia também duas mulheres, uma de cabelos brancos e olhos azuis, Siri, e a outra de cabelos escuros e olhos violeta, Yennefer de Vengerberg, a famosa grã-mestre na magia. E, além delas, havia mais um homem, vestindo roupas exageradamente coloridas, mangas bufantes e um chapéu com uma pena de faisão, provavelmente um bardo.
— Vim por isso. — Retirei um pedaço de papel do bolso da capa e mostrei a eles. — Um texto um tanto… diferente, se me permitem dizer.
— O que você escreveu, Dandelion? — Eskel perguntou ao bardo.
— Deixe-me ler — falei. — “Cara , te chamam como uma flor e isso não poderia ser mais digno, pois sua beleza faz jus ao nome. Gostaria de poder me estender eternamente em elogios à sua beleza, entretanto temo que não seja possível”. — Fiz uma pausa e pude ver Yennefer rolando os olhos e Siri tampando o rosto com as mãos. — “Venho por meio deste bilhete dizer-lhe que Regis a recomendou para ajudar o grande e famoso Lobo Branco, Geralt de Rívia”. — Lendo essa passagem, pude ouvir Geralt murmurando em desagrado. — “Acreditamos que seus conhecimentos serão de extrema ajuda em nossa missão. Caso se interesse, se encontre conosco no Bosque ao norte de Vizíma, em quatro noites. Atenciosamente, Dandelion”.
— Que coisa ridícula — Geralt falou.
— É poesia, meu caro amigo. Ela é poesia! — Dandelion falou pomposamente, apontando para mim, me fazendo revirar os olhos. — E funcionou! Vejam, ela veio!
— Apesar deste texto extremamente ridículo, eu vim. Apareci, porque mencionou Regis, e sabes que tenho grande respeito por ele.
— Por que não se senta? — Eskel falou, gentil como sempre. Me sentei então, entre ele e o bruxo ruivo. — Regis nos disse que você era a… pessoa ideal para nos ajudar, e também a que estava mais perto.
— É, não há muitos de nós nesta região… — falei. — Como são amigos de Regis, resolvi vir ver como posso ajudar.
— Obrigado — Geralt falou. — Como andam as noites?
— Por aqui, tranquilas. Como eu disse, não há muitos de nós nesta região — respondi. — Ouvi sobre o que houve em Toussaint, Lobo. Muito me impressiona que queira trabalhar conosco outra vez.
Cerca de um ano atrás, houve um massacre em um ducado do sul, Toussaint. Centenas de humanos foram mortos por uma leva de vampiros, convocados por Detlaff depois de ter descoberto uma traição da irmã da Duquesa. Ekimmus, Lamias, Alpores… fizeram um banho de sangue. Geralt estava lá, cumprindo um contrato para a Duquesa. No fim das contas, Detlaff foi morto, a duquesa foi morta, a irmã da duquesa foi morta… um verdadeiro caos.
— Você conheceu Detlaff? — o bruxo grisalho perguntou.
— Era amante dele? — Yennefer falou ácida, antes que eu pudesse responder. Ela não era minha maior fã. Muitos anos atrás, matei uma de suas amigas e me envolvi com Geralt. Achava que ela já havia esquecido isso, mas aparentemente estava errada.
— Não, Yennefer, não era amante de Detlaff. O conheci a eras. Foi ele, inclusive, quem me apresentou a Regis. Ele era um tanto… emotivo, admito, mas era um bom homem, digamos assim. Tenho muito respeito e carinho por ele, assim como por Regis. Só posso imaginar como pode ter sido duro para Regis matá-lo.
— Então agora fazemos parcerias com assassinos? — a maga disse irritada.
— E não somos todos assassinos aqui? Exceto pelo bardo, todos aqui eu sei que já mataram pelo menos uma pessoa, e não vamos incluir monstros na conta — falei, cruzando as pernas. — Seus motivos não a fazem menos assassina, Yennefer. — Dei uma piscadela, ela apenas revirou os olhos e se calou. Querendo ou não, eu estava correta. — Bom, aqui entre nós assassinos, qual é o assunto para qual necessitam de uma vampira superiora?
— Peguei um contrato — Geralt começou. — Parecia simples, animais desaparecendo numa vila aqui perto. Fui até lá investigar, achei que pudesse ser um lobisomem qualquer etc e tal. Mas quando cheguei lá, vi que não era coisa de licantropos. Animais estavam desaparecendo quando encontrei o contrato, mas quando cheguei à vila, crianças estavam desaparecendo dos berços durante a noite, sem que os pais pudessem ver, andarilhos também sumindo… tudo pela noite.
— E o que você acha que pode ser?
— Pela descrição de uma mãe que teve o bebê levado, o que o pegou era quase que como uma sombra.
— Acha que é um superior? — falei e ri. — Geralt, por favor, porque acha que iríamos roubar bebês, porcos e mendigos? Você sabe que vampiros não fazem as vítimas desaparecerem, fazem o sangue desaparecer.
— Detlaff não sugava o sangue das vítimas — Siri falou.
— Realmente, mas Detlaff, como eu disse, era um homem bom, só estava sendo manipulado — ponderei. — Mas não há muitos superiores por aqui. Na realidade, além de mim, há só mais um, e ele não se alimenta de humanos.
— Ekimmus, talvez? — ela perguntou.
— Creio que um ekimmu não seria motivo para me chamarem.
— E não é — Eskel falou.
— E, me digam, como três bruxos, uma maga e uma… bem, uma Siri, não podem resolver juntos um caso desses?
— E também tem um Dandelion — o bardo falou, mas apenas ignorei.
— Eu e Kieran estávamos aqui por perto, encontramos Geralt e resolvemos ajudar. Dandelion estava se apresentando na cidade, Siri e Yennefer estão de passagem.
— Kieran, então… — ponderei sobre o bruxo ruivo. — Muito prazer, me chamo . Desculpe a falta de educação de não ter me apresentado antes, não costumo ter essa falta de etiqueta.
— Não esquenta — ele disse, sorrindo, o que era peculiar para um bruxo. — Prazer te conhecer.
— Bom, não é de vampiros que estamos falando. — Retomei o assunto. — Que tal me levarem até lá quando amanhecer?
— Pode ser uma boa ideia — Geralt falou.
— Certo, podem me encontrar na pousada ao lado do banco — disse, me levantando. — Os vejo pela manhã. — Coloquei minha capa e saí andando pela floresta.
Eu já tinha ouvido alguns rumores sobre acontecimentos estranhos nos arredores de Vizíma, mas achei que eram lobos ou, no máximo, um monstrinho qualquer da floresta. Entretanto, se Geralt e Eskel estavam pedindo ajuda, isso se tratava de algo um pouquinho mais perigoso.
Uma das vantagens de ser uma superiora é poder se transmutar em fumaça. Isso faz com que o transporte seja muito mais eficiente, além de não precisar ficar sentindo fedor de cavalo o tempo todo. Rapidinho, cheguei ao meu quarto na pousada. Era um quartinho qualquer, uma cama confortável com um baú aos pés, um pequeno armário ao lado da porta, e uma banheira escondida por um biombo de madeira. Havia um vaso com flores de fibra de han ao lado da mesa de cabeceira, e, sob o peitoril da janela, do lado de fora, dentes-de-leão.
Pedi ao senhorio que trouxesse bastante água quente para que eu pudesse me banhar. Depois que ele encheu a banheira, peguei algumas pétalas de rosas brancas, joguei na água e logo me afundei na infusão. Dizem por aí que rosas brancas fazem bem para a pele, e realmente fazem.
Bem, vamos às contextualizações. Vampiros superiores são uma espécie raríssima no Continente. Existem cerca de mil e duzentos de nós. Mas, diferente do imaginário geral, temos resistência ao sol, habilidades de transformação, e outras muitas coisas. Nos misturamos perfeitamente com a sociedade humana, porque nos parecemos com eles, pensamos como eles e agimos como eles.
Muitos de nós, eu inclusa, vivem em abstinência de sangue humano, mas, ainda assim, os restantes podem fazer um grande estrago. Nos rituais de lua cheia, mi-lha-res de humanos são sacrificados pelos que não vivem como eu. Sinceramente, acredito que é uma forma de conter a proliferação deles, mas não é muito legal dizer isto, então vamos fingir que eu não falei nada.
Na “hierarquia” dos vampiros, acima de nós, apenas os anciões. Estes são ainda mais raros, não conheço nenhum, mas sei que existem poucos. Quando eles dão uma ordem, todos os vampiros da área têm que obedecer. TODOS. Dos menores aos maiores.
Os bruxos tenho sentimentos conflitantes quanto a eles. Mercenários de primeira linha. Matam de tudo por dinheiro. Geralt matou muitas lâmias que eu conheci, o que me chateava um pouco. As mutações que eles passaram fazem com que “não tenham sentimentos”, mas na realidade só os fazem ficar bem amortecidos. Eskel, por exemplo, é muito mais gentil que o Lobo Branco. Eu o conheci numa taverna em Novigrad, jogamos umas partidas de gwent, bebemos algumas cervejas e ficamos amigos. Geralt conheci de uma forma um tanto quanto chata. Ele, Yennefer e uma outra maga, se não me engano chamava-se Fringilla, estavam cumprindo um contrato e procurando por Siri, porém seguiram os passos errados e acharam que eu era quem eles procuravam, e queriam minha cabeça numa bandeja. Acontece que quem perdeu a cabeça foi Fringilla, eles perceberam que estavam errados antes que eu acabasse com os dois também e me deixaram em paz. Depois disso, esbarrei com ele em alguns locais por aí, sem hostilidade, conversamos e acabamos numa cama. Agora íamos trabalhar juntos, que loucura.
Terminei o meu banho, me enrolei num robe de seda, me sentei na cama e comecei a trançar o cabelo com uma fita vermelha. Peguei um livro de alquimia do baú e fiquei lendo até o dia clarear.
Quando o sol apareceu, coloquei uma calça de couro, botas, uma blusa branca de botões e um corset azul. Passei um pouco de suco de beterraba nas bochechas e nos lábios para esconder a palidez e dar um charminho, peguei minha capa e desci para a taverna da pousada.
Assim que pisei no local, vi Eskel e Kieran aparecendo na porta. Sorri para eles, deixei umas moedas para o senhorio e segui na direção dos bruxos.
— Bom dia, — Eskel cumprimentou.
— Bom dia, senhores! Onde estão os outros?
— Yennefer e Siri foram embora — Kieran disse.
— Que bom — comentei. — E Geralt e o bardo?
— Dandelion está apagado, dormindo num prostíbulo — Eskel falou, desaprovando. — Geralt já está na vila nos esperando.
— Olha, tenho uma escolta, então! — brinquei. — Vamos a cavalo?
— Vamos, sim — Kieran disse, e eu fiz cara feia.
— Você pode ir na garupa, aí não precisa voltar a cavalo — Eskel sugeriu.
— Não é a pior das ideias, mas não gosto do cheiro de cavalos — falei. — Vou com quem?
— Pode ir com Kieran, ele tomou banho ontem — ele disse, debochando.
Os cavalos estavam num estábulo próximo dali. A intenção era alugar um para mim, mas, como havia sido combinado, eu iria na garupa de um deles. Eskel estava carregando uma cabeça de largaz no seu cavalo. Impossível ir farejando um bruxo fedorento, um cavalo e um cadáver de draconídeo ao mesmo tempo, então fui com Kieran.
Cavalgamos por cerca de 30 minutos até chegar à vila. Era um lugar bem pacato, algumas poucas casas brotavam do chão por lá, todas pequenas e de madeira. A maioria delas contava com algum tipo de plantação e um curral para animais. As ruas eram irregulares, enlameadas e cheias de buracos. Mas o mais intrigante era que não havia pessoas andando pela vila, só ouvi várias pessoas murmurando de dentro das casas quando passamos.
Um pequeno cemitério se assomava no topo de uma pequena colina depois das casas, e era lá que Geralt nos aguardava.
— Aqui estou — falei, depois que desci da garupa.
— Hmm, achei que você soubesse andar a cavalo — o lobo branco provocou.
— E eu que você pudesse resolver seus contratos sozinho — rebati, e os outros bruxos deram uma risadinha de lado. — Mas, como não pôde, eu vim ajudar. Pode me mostrar as pistas?
— Claro — ele falou e saiu andando em direção a um curral ao lado do cemitério. — Foi aqui que os animais começaram a sumir.
Me aproximei e me atentei às marcas na lama. Patas de porcos e bodes, do lado de fora uma pegada grande de algum draconídeo.
— Eu também vi isso. Largaz. Passou por aqui durante a noite e levou dois porcos — Geralt disse. — Eskel já o pegou. — Então já sabia de onde o cadáver do cavalo veio. — Mas, mesmo depois de abater o bicho, os desaparecimentos não pararam, e começaram a sumir bebês.
— Aqui não deve ter muitos bebês. O que quer que seja logo, vai começar a caçar na cidade — comentei. — Não sinto nenhum cheiro de fera nem de necrófago, mas logo menos eles aparecem. O fedor desse cemitério deve estar chegando a Skellige. — Rolei os olhos. — Se fosse uma lâmia ou uma alpor, teriam várias pegadas. Elas não voam.
— Eu acho que não tem pegadas por causa da quantidade de pessoas e animais que andam por aqui todos os dias — Kieran disse. — E os cheiros também são camuflados por esse tanto de estrume — completou, com uma cara feia.
— Depois que sumiram vários bebês, a maioria das mães fugiu para Vizíma com as suas crias — Eskel disse.
— Ontem sumiu uma criança de cerca de 5 anos — Geralt falou, aparentemente os outros dois não sabiam disso.
— Está mudando suas vítimas por falta de opção — Kieran falou sério. — Se continuar desse jeito, em menos de um mês essa vila vai desaparecer.
— Verdade, vão sobrar só os homens velhos, e aí as feras dão conta — eu disse. — Criatura de hábitos noturnos. Essa vila perto da floresta… vamos lá — falei e rumei para as árvores.
Se tratava de um fragmento de floresta bem antigo e aparentemente fazia parte do mesmo bosque em que havia me encontrado com os bruxos na noite anterior. Comecei a andar por entre as árvores, observando tudo com cuidado. Não havia muitos pássaros cantando por lá. Algumas lebres passaram por nós e logo se esconderam. Senti cheiro de lobo e os ouvi uivando, mas longe.
— Tem uma caverna mais ali à frente — Kieran disse. — Parece um lugar que teria um ninho de monstro.
— Então vamos lá — Eskel disse, e todos seguimos até a caverna. Parecia uma gruta, porque era uma entrada pequena, e, passando por ela, seguíamos por uma passagem igualmente apertada. Andamos por alguns minutos, acompanhados pelas pedras, até que chegamos a uma grande câmara. Estalactites e estalagmites brotavam de todos os lados. Centenas de morcegos dormiam no teto. Cogumelos imensuráveis apareciam em todos os cantos devido à umidade.
— Tem algo aqui — Kieran sussurrou. Então os três bruxos desembainharam as espadas.
Segundos depois, ouvimos um grito. Aparição. E a coisa se materializou bem na minha frente. Saltei para trás, na hora que ela tentou me ferir com as garras. Geralt começou a atacar logo depois. Eskel e Kieran lançaram Yrden — uma armadilha mágica — no chão, o que, além de prender a aparição, me prendeu também. Rolei os olhos, desacreditada.
Transformei-me, alongando as garras e as presas, e corri em direção à coisa. Aparições têm a habilidade de desaparecer e retomar a forma em locais diferentes, mas elas não são como fantasmas, elas têm uma forma física quando querem, ou quando são presas em yrden . Então fui para cima com tudo, mas logo apareceram mais duas. Vi os bruxos retirando pequenos frascos dos bolsos e imaginei que fossem os óleos que costumam usar, então tentei distrair as coisas enquanto eles se preparavam. Como não podia sair dos círculos, pulava de uma à outra, atacando com as garras. Os bruxos aplicaram óleo nas espadas e partiram para o ataque.
As espadas que eles utilizavam eram de prata e eram mais efetivas em alguns seres, inclusive vampiros. Nós temos uma forte alergia a esse material, que causa bastante dor e incômodo quando nos toca. Então eu precisava me concentrar nas aparições e nos bruxos, mas, mesmo com todo cuidado, fui acertada no braço por um deles.
— Filhos da mãe! — gritei, sentindo uma dor excruciante e caindo no chão. Kieran se aproximou e me levantou, mas eu não podia sair dos malditos círculos.
Mesmo com o braço ferido, continuei tentando atingir as aparições. Mas com a prata e os óleos, logo eles conseguiram fazer os monstros desaparecerem.
— Me prendem em yrden e ainda me cortam! Será que preciso lembrar que não sou a caça aqui? — xinguei, assim que tudo acabou. Os círculos sumiram e eu pude me movimentar livremente pela caverna. Saí da forma que estava (imensas garras, o rosto deformado como o de um morcego e presas enormes). — Odeio essa forma — murmurei para mim mesma.
— Não foi a intenção — Eskel disse. — Desculpe.
— Acho que fui eu quem te acertou. Sinto muito — Kieran disse. — Você está bem?
— Estou. Não muitíssimo feliz, porque essa droga dói bastante — falei, passando a mão no corte, que já se fechava.
— Nada que suas habilidades não curem, — Geralt disse calmo, com um toque de deboche. — Sua blusa tomou mais prejuízo que você — completou.
— Vou cobrar uma nova nos meus honorários, pode deixar — respondi, rolando os olhos.
— Essas aparições… — Kieran comentou, enquanto chafurdava os restos. — Que lugar estranho para ficarem. Não comem criancinhas.
— Eu acho que podem ser os andarilhos desaparecidos. Se aqui for realmente o ninho do monstro, eles foram mortos aqui, criando uma ligação com esse lugar — comentei, observando em volta. — Mas essa entrada que passamos é muito pequena para um monstro passar com uma vítima. Nós tivemos que passar em fila.
— Tem razão — Geralt falou. — Aqui eu não vejo nenhum rastro. Vamos seguir o caminho.
A câmara possuía mais uma abertura que se transformava em corredor. Dessa vez, um corredor largo e alto que descia terra adentro. Nós quatro seguimos caminhando lado a lado pela passagem, atentos a todos os detalhes e possíveis pistas. Mas nada era muito relevante.
O corredor era mais longo que o outro, mas também desembocava em uma câmara. Essa tinha algo como um lago de água quente, borbulhante, o que lançava uma umidade densa e com cheiro de enxofre no ar. Havia uma pequena passagem ao lado da água, por onde passamos rápido e com cuidado. Queimaduras de água quente eram a última coisa que eu queria.
— Mais um corredor, isso aqui não acaba! — Kieran falou irritado. Ele parecia ser mais emotivo que Eskel e Geralt, sorria mais e também reclamava mais. Talvez era mais novo e possuía menos mutações… não sei. Mas iria descobrir depois.
Seguimos por esse outro corredor, mas dessa vez ele subia. Cada vez ficava mais inclinado, mas o cheiro de enxofre e a umidade começavam a desaparecer, o que indicava que possivelmente havia uma abertura próxima para o ar livre.
Depois de alguns minutos de caminhada, raízes começaram a aparecer nas paredes, raízes grossas e vivas. Quanto mais andávamos, mais elas apareciam e se avolumavam, chegando ao ponto de precisarmos andar em fila no final.
Quando saímos do corredor, fiquei impressionada. Aparentemente, entramos na caverna pela parte de trás, porque havia uma saída bem maior do que a que entramos do lado oposto da câmara em que saímos. Havia também um grande óculo no teto, onde víamos o céu azul e os raios de sol entrando e iluminando o local. Mas o mais impressionante eram as flores. Enormes arbustos de rosas vermelhas brotavam em todos os cantos. As flores eram maiores que a minha cabeça, de um vermelho vivo que nunca imaginei ver nascer dentro de uma caverna. Flores não brotam em cavernas.
— Um jardim e tanto — Eskel comentou, observando o lugar.
— Acho que é aqui o ninho da nossa criatura — falei, chegando perto de um dos arbustos gigantes. — Isso aqui não é natural.
— Realmente, vejam o que encontrei — Kieran chamou, do outro lado da câmara.
Quando chegamos lá vimos, vários ossos, roupas e sapatos. Havia alguns crânios adultos, mas a maioria era pequena e de moleira ainda aberta. Os bebês. Pelo cheiro, estavam começando a apodrecer ainda, as vítimas eram recentes. Um pouco mais ao lado, estava um pequeno berço de madeira, cheio de sapatos de crianças. Mas CHEIO. Aquilo não podia ser das vítimas da vila. Eram dezenas.
— Hmm, um colecionador de troféus — Geralt falou, inspecionando o berço.
— É um relicto — falei. — Pode ser um liche, talvez um chorabash. Mas é mágico, porque provavelmente é o que fez brotar essas flores gigantes. Demônio da floresta.
— Mas indo caçar na vila? — Eskel questionou. — Esse lugar é antigo, não invadiram a floresta por agora.
— Eu acho que o povo da vila não nos contou tudo — falei, me aproximando de um dos arbustos. Ao lado dele, havia uma marca de queimado e um toco, provavelmente de outro arbusto cortado. — Parece que mexeram no jardim dele.
— Que idiotas — Kieran comentou.
— Vamos voltar e ver o que eles têm a dizer. Temos que esperar até a noite mesmo para que a coisa saia de onde está — Geralt falou, e nós concordamos.
Saímos da caverna e vimos que tínhamos praticamente atravessado metade do fragmento de floresta por baixo da terra. Algumas árvores haviam sido cortadas numa área ali perto. Observando o lugar, percebemos que as plantas ali eram mais verdes e maiores, mais viçosas que o restante da floresta. Provavelmente alguns aldeões se aventuraram até ali para pilhar madeira, despertando o que quer que morava na caverna.
Chegamos à vila, o sol já estava mais alto, eram cerca de 11 da manhã. Nosso passeio pelo subterrâneo tomou mais tempo do que pensamos. Geralt nos guiou até a casa do aldeão que parecia ser um líder da comunidade, bateu à porta e uma senhora nos recebeu.
— Sim, senhor bruxo — ela disse. — Conseguiu encontrar o monstro?
— Seu filho está? Preciso fazer algumas perguntas a ele — Geralt falou, com sua doçura inexistente. A mulher acenou com a cabeça e foi para dentro da casa. Segundos depois, um homem de meia idade apareceu.
— Podemos conversar lá fora? Acho que minha mãe já está apavorada o suficiente — ele pediu, e Geralt concordou com a cabeça. O homem então nos guiou até um banco de madeira perto de sua plantação de milho. — Então, o que sabe?
— Acho que eu é quem devo lhe perguntar isso — o lobo branco falou, ríspido. — Talvez algo sobre criaturas da floresta — completou e cruzou os braços.
O homem empalideceu. Suas pernas vacilaram e ele se sentou no banco deprimente, tirou o chapéu e começou a torcê-lo nas mãos, nervoso.
— Eu não achei que fosse relevante — começou. — Achei que fossem só lendas, rumores desse povo mentiroso — falou com desdém.
— Bom, que tal nos contar agora? — perguntei, tentando ser simpática. — Talvez possa ajudar.
— E quem é você? — ele perguntou rispidamente, me olhando de cima a baixo.
— Alguém com quem você não vai querer problemas — Eskel falou. — Vamos lá, Mildred, fale logo e deixe de ser um babaca.
— Chamaram uma mulher para isso? — o aldeão falou irritado.
— Certo, então vou embora e deixar com que você lide com a culpa de ter arrastado toda a sua vila para a perdição por mesquinharia — falei, me virando e fazendo um gesto de desprezo com as mãos.
— Espere! — ele falou, alguns segundos depois. — Precisam resolver isso.
— Então abra logo esse bico — falei ríspida, retornando para o lugar onde estava.
— Certo. Há muitos anos, muitos mesmo, os pais contam para seus filhos a história de um monstro que vive na floresta para que as crianças não se aventurem por lá. O Gruteiro. Minha mãe me falava que se eu fosse além do cemitério, o Gruteiro iria me devorar. Mas com tantos anos, achei que fosse só uma lenda boba. — Ele engoliu seco. — Vira e mexe, um andarilho ou outro sumia sem deixar rastros, mas quem liga? Ninguém merece esses vagabundos roubando nossas plantações e estoques. Achávamos ótimo — contou. — Mas então sumiu o bebê de Tiana, e depois o de Anne, e depois o de Tiline…
— Gruteiro, certo — Geralt disse. — E o que você acha que fez ele vir até aqui depois de tantos anos? — questionou inquisitivo. Enquanto ouvíamos a história do homem, Kieran se afastou e começou a andar pela propriedade.
— Bom… talvez… é… — Mildred gaguejava — sabe é que… são poucas as mulheres jovens e bonitas aqui na vila. Liana, a irmã de Tiana que teve o bebê levado, era a mais cobiçada por todos. Muito bela, jeitosa e graciosa. Ela disse que se casaria com quem lhe trouxesse o presente mais único e impensável possível. — Ele respirou fundo. Olhei para onde Kieran estava, ele olhava intrigado algo que estava atrás de uma pilastra de madeira que tampava minha visão. Então fechou a cara e começou a voltar para onde estávamos. — Todos os homens a queriam, eu inclusive — Mildred continuou. — Então me embrenhei na floresta para tentar achar algo único para ela. Até que achei a clareira. Lá, a grama era mais verde, as árvores mais bonitas… cortei duas ou três porque precisava da madeira para consertar meu telhado e construir o estábulo. Mas, entrando em uma caverna na clareira, encontrei flores gigantes que nunca havia visto antes. Era algo único e impensável. Então colhi uma delas. Mas pensei que se outro achasse aquelas flores ali, também iria querer levar para ela, e o meu presente deixaria de ser único. — Mildred deu uma pausa nervosa — Então tentei cortar os arbustos, mas demorei horas para cortar um só. Resolvi atear fogo em todos eles.
— Que estupidez — Kieran murmurou.
— Pode ter sido isso que irritou o Gruteiro — Geralt falou. — E você ganhou a mão de Liana? — perguntou.
— Não — Mildred falou por entre os dentes. — Aquele paspalho que cria ovelhas levou para ela um bico de grifo, que ele jura que ele mesmo abateu, e ela o escolheu. Mas isso já aconteceu faz dois anos.
— Compreendo — o bruxo grisalho falou. — Obrigado pelas informações, Mildred. Vamos tentar resolver isto.
Saímos então de volta em direção ao cemitério. Fiquei pensando em como uma idiotice de um homem realmente podia ter condenado uma comunidade inteira. É sempre assim, não é? Mesmo nas grandes civilizações, tudo sempre se põe a perder por conta do ego de uns homens.
Chegamos perto do cemitério e nos sentamos sob uma grande árvore.
— Um relicto com toda a certeza — falei. — Não é chorabash. Provavelmente um liche.
— Eu acho que o que ele contou não é tudo — Kieran disse, tirando uma coisa do bolso e nos mostrando. Um sapatinho azul de bebê, igual a um dos que estava no berço da caverna. — Isso estava atrás do estoque deles. E vi pegadas indo em direção à floresta, mas não são de Mildred.
— A velha — Eskel concluiu.
— Ela está raptando as crianças? Mas vocês não disseram que era algo rápido como uma sombra? — questionei.
— Acho que ela não rapta as crianças, mas indica onde estão para o Gruteiro — Kieran disse.
— Indica como? — perguntei
— Isso que precisamos descobrir — Geralt falou.
— Vamos olhar a casa da última criança desaparecida e ver se tem alguma coisa em comum com as outras casas das vítimas — Eskel falou. — Você poderia conversar com a velhota. Talvez uma cara nova a faça contar algo que ainda não contou.
— Certo. Vou até lá — concordei e rumei para a casa.
Caminhando pela vila, vi algumas janelas com frestas abertas e pessoas espiando. Alguns aldeões estavam para fora, tomando conta dos animais, ou cuidando das plantações, afinal de contas, mesmo com uma besta à solta, as pessoas ainda precisam comer e sobreviver. Cheguei à casa e bati à porta.
— Olá? — A senhora abriu a porta. — Precisa falar com Mildred de novo?
— Não, não. Sabe, é que eu estou com um pouco de fome — menti, como uma atriz de teatro. — Sabe, esses bruxos estão comendo carnes mais velhas que eu. Queria só saber se tem algo para mim.
— Claro, querida, entre — ela disse, e eu entrei. Observando a casa, vi que havia dois quartos pequenos e uma cozinha com um fogão a lenha. — Tenho algumas maçãs que Mildred pegou na floresta alguns dias atrás. O que houve com a sua blusa? — ela perguntou.
— Ah, nada demais! Enquanto andávamos por aí, acabei a prendendo em um galho e o tecido rasgou — respondi, dando de ombros. — Foi uma péssima ideia sair sem comer — falei, pegando uma maçã que ela estendia para mim. — Há quanto tempo mora aqui, senhora?
— A vida toda, querida.
— Interessante — falei, andando pela casa discretamente e olhando dentro dos quartos. Vi que dentro de um dos quartos havia uma lamparina, várias ervas secas na janela, e um baú grande aos pés da cama. Intrigante. — E Mildred é seu único filho?
— Não, não. Tenho um outro filho, mas ele foi embora daqui tem tempo — ela falou, mexendo um cozido no caldeirão. — Mas Mildred ficou comigo.
— Ele nos contou sobre a moça que ele tentou se casar. Conhecia ela?
— Sim — ela falou, com um tom de voz ríspido. — Fizemos de tudo por ela. E ela escolheu o pastor de ovelhas — completou e cuspiu no chão.
— Ela ainda mora aqui?
— Não. Ela se mandou daqui com aquelezinho depois que o bebê sumiu — contou e deu uma risada baixa que eu não teria ouvido se fosse humana. Sentidos aguçados são de extrema utilidade nesses casos. — Mildred era muito melhor do que ele.
— Muitos bebês, pelo que Mildred contou… Mas nós vamos resolver isso e tudo vai voltar ao normal — falei, rumando para a porta. — Muito obrigada pela maçã, senhora! Tenha um bom dia! — completei e saí.
A velhota tinha culpa no cartório. Quem iria rir desse tipo de situação numa vila daquelas? Mas não iria conseguir mais nada com ela sem dar bandeira de que suspeitávamos dela. Precisava de outras fontes de informação. Então caminhei no sentido oposto ao cemitério, observando as casas. Como não me conheciam, e eu não era um bruxo, talvez se abrissem para mim. E, claro, sempre se pode usar os poderes manipulativos. Avistei uma mulher no meio de uma plantação de trigo. Era a primeira que eu via no dia, sem ser a mãe de Mildred. Talvez estivesse disposta a conversar.
— Oi. Com licença. — Cheguei devagarinho, simpática como uma princesinha.
— Quem é você? — ela perguntou desconfiada.
— Sou . Os bruxos me chamaram para ajudar aqui — contei a ela. — Como você se chama? — perguntei, quando ela se aproximou. Era uma mulher de meia idade, cabelos loiros e olhos verdes. Muitas rugas finas marcavam seu rosto, indicando que o sol havia maltratado a pele dela por anos. Ela limpou as mãos na saia.
— Marta — ela disse. — Vocês já descobriram?
— Não.
— Foi o Gruteiro. Tenho certeza — ela falou logo. — Eles mandaram não dizer nada, mas eu tenho certeza de que foi.
— Eles quem?
— Mildred e a velha. Eles disseram que se contássemos, os bruxos não acreditariam e iriam embora — ela disse. — Minha mãe contava que antigamente muitos bebês nasciam mortos, e a parteira os enterrava na floresta. Dizia que assim as fadas chegariam para brincar com eles. Agora os bebês não morrem mais. O Gruteiro deve estar com fome.
— Quem era a parteira?
— A velha. Milane — ela contou. — Mas há anos ela não faz mais partos. Agora é a Tiline. Era, porque ela foi embora depois que o bebê dela sumiu.
— Entendi. Vou contar aos bruxos sobre esse gruteiro, eles devem saber como lidar com ele. E ninguém vai saber que foi você quem disse, certo? — Ela concordou com a cabeça. — Segredo nosso — terminei e saí.
Voltei para o cemitério e fiquei sentada esperando os bruxos retornarem. Esse gruteiro só podia ser um liche. Na verdade, um troncoso pelo que parece. O jardim de rosas gigantes é o jardim dele, e foi violado por Mildred quando colocou fogo nele. Pelo que Marta disse, a velha alimentava o troncoso antes, com os corpos de bebês mortos. O porquê? Não sei, mas vou descobrir. O que importa é que o troncoso está retaliando, porque sabe que quem queimou o seu jardim mora na vila.
Demorou algum tempo para que os três bruxos retornassem. Kieran sentou-se ao meu lado e os outros dois ficaram de pé.
— Achamos isso aqui nas casas — Eskel falou, mostrando um raminho seco de ranog. — Escondido no meio do mato, ao lado das portas.
— É o que indica para o gruteiro — Geralt disse.
— E a prova que precisamos.
— O que você descobriu? — Kieran perguntou.
— Muita coisa, na verdade — comecei. — Encontrei uma mulher na vila e ela me disse que tem plena certeza de que é o gruteiro que está por trás de tudo isso, mas que foi orientada a não falar nada pra vocês pelo Mildred e pela Milane — Geralt resmungou nesse momento. — Ela disse que a mãe dela contava que antigamente a parteira da vila enterrava os bebês natimortos na floresta, dizendo que “as fadas iriam vir brincar com eles”. — Fiz as aspas com as mãos. — E a parteira era a velha.
— Filha da mãe — Kieran soltou.
— Tem mais — falei. — Quando eu fui à casa dela, perguntei sobre a Liana. Ela disse que “fizemos tudo por ela”, no plural, mas que ela foi mal-agradecida e ficou com o pastor de ovelhas. Quando eu perguntei se Liana ainda morava aqui, ela disse que ela foi embora com o marido depois que o bebê da irmã foi levado. E aí ela riu.
— Ela riu? — Eskel perguntou
— Sim, baixinho, só ouvi por conta da audição aprimorada. Mas ela riu — contei. — E isso aqui — falei, pegando o raminho de ranog — tem aos montes na janela dela.
— Reviravolta, não? — Kieran falou, e eu concordei com a cabeça. — E o que você acha que é esse gruteiro?
— Um troncoso. Parente próximo dos liches. Relicto — falei, com muita certeza. — Acho que essa velha tem alimentado o troncoso desde muitos anos atrás, com os bebês natimortos, depois com andarilhos.
— Mas passou a pegar bebês vivos agora?
— Bem, o jardim de um troncoso é seu bem mais precioso e é ligado diretamente a ele, então quando Mildred ateou fogo nas rosas, ele provocou o troncoso da pior forma possível, e agora ele queria vingança — falei. — Acho que a Milane quis proteger o filho e começou a enviar mais oferendas para acalmar a coisa.
— Animais e andarilhos — Eskel concluiu.
— Exatamente. Mas então ela quis se vingar de Liane e ofereceu o sobrinho dela para o gruteiro. Ela sabia que não poderia entrar na casa de Tiane, pegar a criança e ir para a floresta, então, de alguma forma, avisou o troncoso que o ranog marcaria onde estaria seu jantar — falei a minha hipótese. — Só que depois de comer algo tão… diferente, ele quis mais. E ela não teve como negar.
— Nossa — Geralt falou. — Regis estava certo quando nos falou para te chamar. E como matamos esse troncoso?
— É uma criatura mágica, enorme e parece uma árvore. Mas eles podem fazer brotar qualquer coisa do chão, inclusive arquespóras…
— Odeio arquespóras — Eskel reclamou.
— Eu também — concordei. Arquespóras são como plantas carnívoras gigantes que são extremamente tóxicas e trocam de lugar por debaixo da terra numa velocidade alta. — Bem, ele pode ser morto com espadas de prata, que vocês já têm aos montes. É só bater. Só que ele é forte como um Liche.
— Certo. Então vamos botar fogo nas rosas para atraí-lo e acabar com isso logo — Geralt falou. — Já lutei com um liche antes, e em quatro isso vai ser muito mais fácil.
Nós então fomos até a caverna outra vez. Quando chegamos lá, tudo ainda estava da mesma forma que encontramos antes. Os bruxos, então, desembainharam as espadas e lançaram Igni — feitiço de fogo —, queimando todos os arbustos. Assim que tudo se incendiou, sentimos a caverna tremer. Aí vinha o troncoso. Eu imaginei que ele fosse aparecer de dentro dos túneis, mas ele apareceu no óculo no teto.
O troncoso era imenso, alto como uma árvore. Ele se parecia com uma versão humanoide e demoníaca de uma árvore. Braços e pernas extremamente longos, capazes de vencer distâncias com muita facilidade, e dedos compridos ótimos para tirar bebês de seus berços. Ele passou as pernas pelo óculo e caiu em pé dentro da caverna.
Me transmutei em fumaça e subi até o teto, ali me fixei na parede com as garras de fora. Os três bruxos se posicionaram em torno do troncoso e começaram a atacar. Mas então elas apareceram. As arquespóras. Fui em direção de uma, e Kieran foi na direção da outra. A coisa cuspia seu veneno ácido em minha direção, mas eu consegui me desviar e me pendurei no seu caule/pescoço. Desferi diversos golpes e parti a desgraçada ao meio.
Uma raiz brotou do chão e se amarrou no meu pé, me prendendo e me puxando para baixo. Para me libertar, virei fumaça outra vez e fui parar na cabeça do Gruteiro. Geralt, Eskel e Kieran o atacavam fortemente, mas também tinham que lidar com raízes e arquesporas.
— Se livra dessas coisas! — Eskel gritou para mim.
— Eskel, usem fogo contra ele! — gritei, pulando até uma arquespora e a partindo ao meio.
Eskel e Kieran, então, usaram igni contra o monstro, enquanto Geralt desferia diversos golpes nele e eu acabava com as arquesporas, que não paravam de brotar. Toda magia tem seu limite, então logo os outros bruxos começaram a atacar com as espadas também. O troncoso mexia os braços enormes, tentando atingir os bruxos, e fazia raízes se enrolarem nos nossos pés a todo momento.
— Dimerítio! — gritei para eles. Dimerítio é um mineral que impede o uso de magia por um período. Não era a coisa preferida de bruxos, mas com raízes e plantas carnívoras monstruosas em todos os cantos, matar aquela coisa ia ser bem complicado.
Kieran tirou de um dos bolsos uma pequena bomba verde e lançou na direção do Gruteiro. Ela explodiu com um estalo estridente que quase ensurdeceu a todos nós, mas, de repente, ninguém mais podia usar magia. As arquesporas e raízes murcharam e os bruxos foram com tudo para cima do troncoso. Antes que o dimerítio perdesse o efeito, a criatura soltou um grito grave e caiu no chão sem vida.
— Coisa feia — Geralt falou.
— Vamos atrás da velhota agora — Kieran disse, limpando a espada e a embainhando.
Nós seguimos de volta para a vila e, quando chegamos lá, o sol estava começando a descer. Definitivamente, não era um dos meus planos lutar com um troncoso e arquesporas hoje. Estava estressada e descabelada, e meu corset tinha um furo feito pelo ácido. Sem contar o mal cheiro. Não estava nada feliz.
Fomos para a casa de Mildred, e, aparentemente, todos da vila nos viram chegando, pois começaram a sair de suas casas. Em pouco tempo, não estávamos só nós na porta de Mildred, mas a vila toda.
— Vocês conseguiram? — Mildred perguntou, olhando para a pequena multidão na frente de sua casa. Logo Milane também se aproximou.
— Conseguimos, sim — Geralt disse, estendendo a mão decepada do troncoso para ele. — Mas também descobrimos algumas coisas que talvez desagradem a população daqui.
— Que coisas? — um homem gritou, do meio do povo.
— O gruteiro se irritou porque alguém queimou o seu jardim — Eskel falou alto. — O com rosas gigantes.
— Então veio atacar a vila — Kieran completou.
— A rosa que Mildred deu para Liana? Mas isso faz tantos anos — Milane falou, com uma inocência falsa. Ela iria jogar o filho para os lobos para se salvar.
— Mas para evitar que Mildred fosse descoberto, você começou a arrastar andarilhos até ele — falei, olhando nos olhos dela. Ela empalideceu.
— Quem se importa com andarilhos? Eles roubam nossa comida e sujam nossas ruas! — Ela tentou se defender.
— Mas não foi ela quem pegou os bebês! Nós teríamos visto! — Marta falou.
— Realmente, não foi. Mas ela marcou as portas das casas das crianças com ranog seco — Geralt falou secamente. Milane arregalou os olhos ao perceber que descobrimos tudo.
— Peguem a recompensa dos bruxos. — Um homem saiu do meio da multidão. Olheiras escuras e profundas marcavam seu rosto encovado. Todos se calaram. — E vão buscar os guardas em Vizíma. — Dois homens correram até os cavalos e saíram a galope. Ele andou vagarosamente até perto de nós. — Obrigado pelos serviços — falou, assim que uma mulher trouxe um saco de moedas. — Agora nós lidaremos com nossos problemas. Podem ir.
— Tudo bem. Vamos — Geralt disse, e nós nos retiramos.
— Você matou o meu filho… — Ouvi o homem falar, por entre os dentes, para a velha.
Deveria ser o marido de Tiana, a primeira mãe a perder seu bebê. Parei para retornar, mas Kieran passou o braço sobre meus ombros e me puxou. Ele me lançou um olhar de “Não se mete nisso” e eu acenei com a cabeça. Para evitar mais caos, resolvi voltar a cavalo para a cidade. Subi na garupa do cavalo de Kieran e seguimos para a saída da vila. O lugar estava silencioso. Só se ouvia os cascos dos cavalos batendo no chão. Não queria ver o que iria acontecer com aquela velha desgraçada. Quanto sofrimento ela levou para aquele povo. Na metade do caminho, encontramos os dois homens acompanhados de três guardas.
— Preciso de uma cerveja — Geralt disse, quando pararam os cavalos na frente da pousada onde eu estava hospedada.
— Acho que todos precisamos — falei e desci do cavalo. — Mas primeiro preciso de um banho. Encontro vocês em uma hora — completei e entrei na hospedagem.
Uma hora depois, desci do quarto de banho tomado, cabelos penteados e roupas trocadas. O salão estava cheio, havia música tocando, pessoas dançando e bebendo. Fui até o balcão e pedi um vinho ao senhorio, depois virei-me para procurar os bruxos. Não foi difícil encontrá-los, os cabelos brancos de Geralt e os ruivos de Kieran os faziam destacar no meio dos demais, mesmo estando sentados numa mesinha escondida no canto da taverna.
— Boa noite, senhores — falei, me aproximando
— Achei que iria beber uma cerveja — Eskel falou, sorrindo.
— A cerveja aqui não é das melhores, o vinho dá pra disfarçar — falei, me sentando na cadeira vazia que estava entre eles. — Então, já fizeram o balanço dessa situação toda?
— ¼ do total para cada — Geralt disse, colocando um saco de moedas no meu colo, por debaixo da mesa, evitando alardes. — Justo?
— Justo. Mas quero uma blusa nova também. Vocês estragaram, vocês compram outra — respondi. Kieran deu um risinho de lado. — Acho que vocês deveriam retornar ao vilarejo daqui alguns dias, quando a poeira abaixar um pouco.
— Por quê? — o ruivo questionou
— Precisam alertá-los sobre o cemitério. A maldição do troncoso passou, mas logo menos os necrófagos vão surgir com aquelas covas rasas, e o pouco que sobrou da vila vai sucumbir.
— E por que exatamente você se importa com eles? — Geralt questionou cético.
— Porque pessoas como eles não sabem se defender das criaturas desse mundo, Geralt — falei, com um tom sério, olhando no fundo dos olhos felinos dele. — Você sabe disso melhor do que ninguém. Mesmo que seja um mercenário filho da puta, deveria entender que eles gastaram TODO o dinheiro da vila TODA para nos pagar neste último contrato, e se forem assolados por necrófagos, vão sucumbir pelo simples fato de não terem um puto no bolso para pagar um bruxo cético e cheio de chatices como você. Nada te custaria ir até lá e avisá-los de algo tão simples, mas que vai garantir que sobrevivam por mais algum tempo. — Geralt esboçou um sorriso ladino, quase imperceptível, o que me fez perceber que ele obteve exatamente a reação que esperava com o comentário.
— E por que você mesma não vai até lá? Já que se preocupa tanto? — o lobo questionou, com uma implicância pontual. Pude ver o divertimento nos seus olhos.
— Porque vocês tiveram mais contato com eles — dei um gole no vinho — e não quero ter que andar a cavalo outra vez tão cedo.
— Pare de implicar, Geralt! — Eskel falou. — Ela fez apenas uma sugestão e aí está você se delongando em uma coisa tão simples!
— Se não quiserem, eu posso ir tranquilamente — Kieran falou despreocupado, depois de tomar um gole de sua cerveja. — Sou um mercenário filho da puta, mas não tão filho da puta — brincou, erguendo a taça para mim e sorrindo.
— Dos filhos da puta, o melhor! — Eskel brindou, e nós todos rimos.
Passamos a noite conversando sobre o ocorrido do dia, sobre histórias passadas e bobeiras do cotidiano. Por fim, os bruxos estavam bêbados e tontos, caindo pelos cantos, e eu subi para o meu quarto, deixando que se virassem com suas situações deploráveis.
Talvez fosse um pouco de culpa pelo meu passado. MUITOS humanos pereceram nas minhas mãos, tantos incontáveis humanos em tantos incontáveis anos. Anos que estive amargurada com a presença deles no nosso mundo, sua ganância e vontade de extinguir algo que nunca foi deles. Mas, depois de anos, compreendi que muitos deles são bons, não querem conflito e só querem viver em paz. A grande maioria deles.
Deixei de lado meus devaneios e pesquei um livro de alquimia para poder descansar o resto da pouca noite que restava. Enquanto lia sobre Elixir das Sombras, ouvi alguém batendo à minha porta. Achei estranho, mas fui atender.
— Então quer dizer que eu sou um mercenário filho da puta? — Era um Geralt completamente bêbado, apoiado no batente, exalando um cheiro terrível de cerveja.
— O que você está fazendo aqui?
— Vim te ver — falou, com aquele sotaque de bêbado que todos conhecemos. — Muito tempo sem te encontrar — continuou, cada vez mais trôpego.
— Geralt, sinceramente, se recomponha.
— Eu… queria… — Tentou falar alguma coisa, mas simplesmente desabou no chão do quarto.
— Não é possível… — murmurei. Fiquei tentada a chutá-lo para o corredor e deixar que fosse encontrado pelos hóspedes quando amanhecesse, mas acabei o arrastando para dentro.
Deixei o bruxo deitado no tapete e voltei para a minha cama. Peguei novamente o livro e voltei a ler. Mas o cheiro daquele homem estava azedando o quarto todo, sentia que se estivesse ligeiramente mais forte, faria as paredes do quarto descascarem.
Saí dos meus aposentos, descalça, em busca de Eskel ou Kieran para que pudessem dar um jeito no outro bruxo. Andei pelos corredores e desci as escadas. A concentração de bêbados por espaço estava alta para uma taberna fechada, mas não avistei os bruxos no salão. Não iria buscá-los eternamente, muito menos sair sem sapatos fora da hospedagem, então voltei ao quarto.
— Yennefer não vai gostar nada de saber que você dormiu no meu quarto, Geralt — murmurei. — Poderia me poupar dessa chateação.
— Hmmm — ele murmurou de volta, me fazendo saltar de susto. — Ela… nem v.. nem vai s… saber.
— Te manca! — Agarrei-o pelo braço para arrastá-lo para fora. — Se for pra ter dor de cabeça com a sua bruxinha, quero fazer direito. Mas nem morta que eu te dou um mísero beijo com esse seu cheiro de defunto. Vai dormir lá fora. — O joguei do jeito que deu porta a fora, tranquei o quarto, abri as janelas e voltei para a cama.
Pela terceira vez, voltei a ler o livro de alquimia. O sol começou a despontar, e senti um cansaço tomando conta de mim. Havia dias que eu não “dormia”, e depois dos acontecimentos do dia anterior, um descanso seria muito bem-vindo. Fechei então as janelas, puxei as cortinas, me sentei em posição de meditação atrás do biombo, onde ficava mais escuro no aposento, e me deixei entrar em hibernação.
Algumas horas depois, me levantei renovada pelo descanso. Ajeitei os cabelos em uma trança, calcei as botas e saí do quarto. Estava com fome.
Há anos não me alimentava mais de sangue humano. Apesar de ser extremamente revigorante, é também extremamente viciante. Alimentava-me, principalmente, de sangue de animais que às vezes eu comprava em açougues locais e às vezes eu caçava. Dependia do meu humor. Ali na hospedaria, um anão que trabalhava na cozinha costumava guardar o sangue em vidros grandes para descartar, e eu passava por lá para surrupiá-los.
Desci as escadas e reparei que o céu estava alaranjado, indicando o início do pôr do sol. Não esperava encontrar quase ninguém no salão, mas vi meus 3 companheiros de copo da noite anterior sentados na mesma mesa.
— Olá, senhores — cumprimentei de longe. Estava com muita fome, não queria ficar faminta. — Volto num instante — falei e passei sorrateiramente para a parte de trás do balcão. Não havia ninguém lá, então foi fácil, mas possivelmente a cozinha deveria estar cheia.
Abri uma fresta da porta com cuidado e espiei o ambiente. Vi batatas, cenouras, pães… nada de sangue. Nem cheiro, nem visual. Merda.
— Desculpem minha indiscrição, mas preciso sair por alguns momentos — falei, me reaproximando da mesa dos bruxos. — Não devo demorar a voltar.
— O que houve? — Kieran perguntou
— Preciso comer. — Fui franca. Percebi que ele ficou ligeiramente tenso. — Vou até a floresta caçar alguma coisa — completei, falando baixo. Antes que pudessem falar qualquer coisa, rumei para a porta e saí da hospedaria.
Mesmo com o sol se pondo, ainda estava claro, me transmutar em névoa não era uma opção agradável, principalmente pelo fato de a rua estar movimentada. Saí então, andando rapidamente para a saída da cidade.
Entrei num fragmento de bosque que havia próximo à Vizima, e lá me transmutei. Era mais fácil caçar assim, afinal de contas, nada conseguiria me identificar com facilidade. Depois de muito procurar, encontrei um filhote de cervo que seria ideal para minha situação. Empoleirei-me em um galho de árvore e fiquei aguardando o melhor momento, quando a mãe se afastasse o suficiente para que eu pudesse atacar. Eles estavam muito tranquilos, não pareciam ter sentido minha presença. Senti minhas presas ficarem mais evidentes. A mamãe cervo foi, então, tranquilamente, pastar um pouquinho mais distante da prole. Parecia até uma cena de um teatro, com uma luz batendo no filhote, enquanto ele mastigava a grama verde. Infelizmente para eles, o mundo é dos mais fortes. E eu estava com fome.
Saltei, então, sobre o filhote, com as presas já à mostra, caindo exatamente sobre seu pescoço. Não gostava muito de caçar animais por causa da pelagem e pelo mau cheiro, mas sentir os dentes perfurando a carne macia e, logo em seguida, o sangue fluindo para a minha boca… não existe sensação melhor que matar sua fome. O cervinho gania, e a mãe o ouviu. De canto de olho, percebi que ela vinha em minha direção, furiosa, desesperada. A caçada ficava cada vez mais interessante. Larguei o filhote quase sem vida no chão, e me preparei para interceptar a mãe. Ela corria muito velozmente em minha direção, mas quando viu o que eu era, consegui identificar medo em seus olhos. Ela tentou me cabecear, mas, com um golpe rápido e forte, a agarrei pelo pescoço e o quebrei. Agora a família completa estava morta. Terminei de sugar todo o sangue do filhote e fiz o mesmo com a adulta. Estava mais que satisfeita, mas estava toda suja.
— Merda — praguejei. Não poderia voltar para a cidade daquela forma. Precisaria esperar escurecer para poder voltar transmutada.
Aguardei por uma hora e meia ou duas horas até a escuridão cobrir o céu, e então voltei para a hospedagem como um morcego. Tentei entrar pela minha janela, mas tinha esquecido que ela estava trancada, então tive que procurar outra abertura para entrar. Encontrei uma janela entreaberta na lateral oposta da edificação e passei por ela, entrando em um quarto desconhecido. Por sorte, a porta estava aberta também, aparentemente o hóspede dali estava no corredor, conversando com uma mulher, possivelmente uma prostituta, que gritou quando viu um morcego passando. Chegando à porta do meu quarto, retornei à forma humana, destranquei a porta e entrei no aposento.
Havia um jarro de água sobre o baú, muito provavelmente o resto que não usei no banho do dia anterior, e usei o conteúdo para lavar as mãos e o rosto. Troquei completamente de roupas, usando apenas as mesmas botas, e joguei as peças sujas dentro do baú. Rearranjei o cabelo em um coque alto e firme, e saí do quarto como se nada tivesse acontecido. Desci as escadas e vi os três bruxos sentados no balcão.
— Estou de volta.
— Está melhor? — Eskel perguntou
— Sim, estou.
— Trocou de roupa… — Kieran observou — E mudou o cabelo.
— Foi preciso. Não quero dar detalhes.
— E cheira a sangue — Geralt murmurou, próximo ao meu ouvido.
— E você cheira a cerveja ruim — respondi. — Podemos ir conversar lá fora, rapazes? Acho que aqui está muito… barulhento — falei, tentando sair de perto dos atendentes do balcão. Fomos então nos sentar nos bancos do lado de fora da hospedaria. À noite, as ruas ali ficavam mais calmas. — Aqui podemos conversar um pouco mais abertamente.
— O que você matou? — Geralt perguntou.
— Uau, como você é delicado e cavalheiro, Geralt!
— Acordei com torcicolo por sua causa — ele disse, e os outros olharam para mim desconfiados.
— Não é nada disso que vocês estão pensando. Vocês dois amigos de merda largaram esse bêbado por aí e ele apareceu na minha porta e desmaiou no meu tapete. Sujo. Fedido. Tive que jogá-lo no corredor, ou ia vomitar.
— Hahahaha por isso estava jogado no tapete hoje de manhã. — Kieran deu uma gargalhada. — Imagino o que Yennefer iria pensar disso!
— Melhor ainda, o que ela IRÁ pensar disso! Ela sempre descobre tudo, Geralt! — Eskel completou, gargalhando. Geralt revirou os olhos dourados.
— Onde vocês dois estavam? — questionei. Eskel e Kieran demoraram um pouco demais para responder, e eu inferi a resposta. — Não quero saber, só quero que não aconteça outra vez.
— Desculpe, — Kieran disse, se recuperando das gargalhadas que dera logo antes. — Da próxima vez, vamos pelo menos obrigá-lo a se lavar.
— Pode me chamar de , Kieran — falei. — E da próxima o obriguem a beber menos, ou o levem para outra pessoa.
— Faremos isso, — Eskel falou. — Mas, mudando de assunto, tive notícias sobre o vilarejo de ontem.
— Já? Não achei que fosse ser tão rápido — questionei. Kieran se sentou ao meu lado.
— Notícia ruim espalha rápido. Parece que algumas pessoas daqui de Vizíma já estão sabendo o que houve lá, sobre o troncoso e etc — Eskel continuou. — O que já era esperado, mas o que eu ouvi no mercado foi que, segundo boatos, a velha foi queimada viva pelos inquisidores do fogo eterno.
— O Fogo Eterno já chegou lá então — Kieran falou, soturno. — Achei que iriam demorar mais pra chegar nesses cantos.
— Devem ter sido fanáticos. Eles estão por todo canto — Eskel comentou.
— Sim, mas a população possivelmente apoiou essa… loucura — falei. — Eles estavam muito enraivecidos quando saímos de lá. Podem ter sido eles, inclusive, e essa questão de Fogo Eterno pode ser apenas boatos — completei.
— De qualquer maneira, parece que acabaram com a velha — o bruxo ruivo comentou. — Pra mim, ela era mais monstruosa que o troncoso. Muito mais — completou, e todos concordamos com a cabeça.
— Que tal uma bebida pra melhorar esse clima? — perguntei, e os três se animaram. — Vamos lá então.
Entramos no salão e, dessa vez, todos pegamos o vinho. Ainda não havia muitos clientes, então a famigerada mesa do canto estava vazia, e nós nos sentamos nela. Aos poucos, as pessoas foram chegando e enchendo o espaço. Bêbados, dançarinas, prostitutas, andarilhos… tudo que é tipo de gente.
— Sabia que iria encontrar vocês aqui! — uma voz masculina melodiosa falou. — Desculpem meu pequeno atraso.
— Jaskier — Geralt o cumprimentou. — Estava até agora no prostíbulo?
— Geralt, vamos poupar esta bela dama dos detalhes sórdidos da minha…visita.
— Sim, vamos poupar a bela dama — falei sarcástica, mas realmente não queria saber NADA daquele bardo. — Não tenho interesse nenhum em saber o que se passa dentro das suas calças.
— Ai… — Jaskier falou afetado. — Elas costumam dizer que o que tem dentro das minhas calças faz mágica — ele sussurrou, perto demais de mim.
— Faz mesmo — falei e me levantei. — Olha como eu vou desaparecer. — Peguei meu copo de vinho e fui para o outro lado do salão.
Que homenzinho asqueroso! Podia sentir o cheiro de sexo e perfume barato exalando dele. Um banho faria muito bem. Só de imaginar ele sem calças me deu um arrepio na espinha. Sentei-me em outra mesa e fiquei observando o movimento. Pouco tempo depois, avistei Kieran se aproximando.
— Jaskier é demais até pra mim — ele disse. — Se importa se eu lhe fizer companhia?
— Claro que não. Desde que não tenha que ouvir sobre as aventuras sexuais daquele esquisito, pode ficar — falei, Kieran riu e se sentou à mesa comigo. — Tenho uma pergunta para você, Kieran.
— Vá em frente.
— Você é… diferente dos outros.
— Diferente como?
— Você me parece mais … “sentimental” — falei. — Não sei se essa é a palavra correta, mas não encontro outra melhor no momento.
— Entendo o que quer dizer — Kieran respondeu, sorrindo. Ele tinha dentes muito bem alinhados e incrivelmente limpos. — O processo de mutação age diferente em cada pessoa. Vesemir já comentou sobre meu “sentimentalismo” comigo. — Riu sem jeito. — Não é que eu seja sentimental, só não sou tão apático quanto Geralt.
— Compreendo. — Dei um gole na minha bebida. — Achei curioso, apenas.
— Sem problemas — ele disse, sorrindo. — Posso fazer uma pergunta também? Já que estamos em questionários. — Eu ri, assentindo. — Geralt comentou conosco algo sobre você e o Norte. Qual é a história?
— Hum… há alguns anos, muitos anos, eu vivia num vilarejo perto de Velen, mais ou menos da mesma forma que vivo aqui, na calada, sem levantar bandeira. — Levantei a sobrancelha para que ele entendesse o que estava falando. Ele sorriu de lado, o que me fez compreender que ele havia compreendido. — Bom, estava tudo bem, até aparecer uma certa maga de olhos lilás que, por acaso, contou para algumas pessoas sobre mim. Essas pessoas em questão começaram a me perseguir. — Revirei os olhos. — Então apareceu um certo bruxo de cabelos brancos e me ajudou a fugir pra Skellige, onde uns amigos dele me esconderam.
— Skellige? Uau.
— É, Skellige— continuei. — O fato é que o frio intenso e a luz constante me deixaram extremamente irritada. E eu fiquei lá por alguns anos. Geralt passava por lá de vez em sempre, e cada vez que eu o via, ficava mais irritada. E ele acha isso super engraçado.
— Já foi até Kaer Morhen? — o ruivo perguntou
— Não. Vesemir nunca permitiria.
— Realmente. Ele não gosta nem das feiticeiras aparecendo por lá.
— E quem gostaria de uma visita delas? — falei com escarnio. — Tenho mais uma pergunta pra você. Como as mutações não mudaram a cor do seu cabelo? Sei que Geralt é o único “Lobo Branco”, mas levando em consideração o quanto elas mexem na genética do seu corpo, me impressiona que seus genes ruivos tenham sobrevivido.
— A realidade é que elas mudaram, sim, a cor do meu cabelo — ele disse, sorrindo. Sabia que seria um choque. — Quando eu passei pela mutação, meus cabelos tinham a cor parecida com a dos cabelos de Eskel. Talvez até mais escuros. Mas com o processo, ele ficou assim.
— Uau. Não esperava por isso — falei, genuinamente intrigada. — Você é muito interessante, Kieran — comentei. — E o que você pensa de Geralt e Eskel?
— Bom, tenho muita admiração por eles. Geralt é muito habilidoso e aprendi muito com ele durante a vida. Vejo ele quase que como um mentor — o bruxo falou, dando um gole na bebida. — Já Eskel, ele também é muito habilidoso e muito inteligente, mas é um tanto… estourado, menos equilibrado. Gosto de tê-lo como amigo. Ele também viveu muita coisa que os outros não viveram, experiências muito valiosas. — Ele finalizou seu copo. — Acho que todos de Kaer Morhen os têm em alto conceito.
— Admiro muito a irmandade de vocês da Escola do Lobo — comentei. — Já conheci grupos do Gato e do Grifo e nem de longe são tão unidos.
— Não são mesmo. Acho que Vesemir nos criou de uma forma diferente. Ninguém vai interceder por nós além de nós mesmos. Já somos poucos no mundo, se não nos ajudarmos…
— Sei exatamente como é. — Finalizei minha bebida e sorri. — Digamos que estamos na mesma situação.
— Irônico, não? — ele disse, com um sorriso. — E ambos acabando por causa de humanos…
— Não se apegue a isso, Kieran — falei, sincera. — Não é sobre raças. É sobre indivíduos.
— Sei disso, mas às vezes ainda me pego pensando dessa forma. — Ele considerou. — Mas a realidade é que o que está acabando conosco é o nosso ofício. Às vezes a batalha é demais.
— E assim segue o mundo.
— Infelizmente — ele concordou, soturno.
— Muitas coisas aconteceram desde a colisão, e muitas mais vão acontecer — falei. — Se você parar para pensar, nós dois nascemos humanos e deixamos de ser o que éramos. Por alguma parte de nossas vidas, mesmo que pequena, estivemos do lado de lá. — Me levantei para pegar mais vinho. — Não se apegue a raças — completei, sorrindo. Ele sorriu e se levantou junto comigo para encher os copos.
Depois de pegar mais vinho, voltamos para a companhia dos outros bruxos, pois Jaskier estava cantando perto da lareira com os outros músicos. Ficamos um bom tempo conversando, até que os bruxos se cansaram e foram para seus quartos — que acharam de bom tom reservar ali na hospedaria, tendo em vista os acontecimentos da noite anterior.
Aproveitei que as coisas ainda estavam agitadas no salão e pedi ao senhorio água quente para me banhar. Ainda estava sentindo o cheiro de cervo em mim. Definitivamente, precisava de um banho potente. Depois de preparar a banheira, afundei meu corpo nela e deixei o corpo relaxar. O cheiro dos óleos essenciais e do sabão era muito bom, e me deixava muito feliz pensar que o cheiro de bicho peludo ia sair de mim. Afundei a cabeça para higienizar o cabelo, e, quando eu voltei, dei de cara com Geralt do lado do biombo.
— O que você está fazendo aqui? Como entrou?
— Você deixou a porta aberta.
— Não deixei.
— Deixou, e ainda deixou a chave do lado de fora da porta. — Ele sorriu malicioso.
— Ficou com saudades, Lobo? — perguntei, entrando no jogo dele.
— Hoje não estou bêbado — o bruxo disse e se aproximou da banheira. — Pelo menos não tanto. — Nós dois sorrimos.
Ele então se ajoelhou ao meu lado e passou a mão pelo meu pescoço. Senti um arrepio me subir pelas pernas. Geralt aproximou o rosto do meu e juntou nossos lábios. Começou um beijo tranquilo, mas rapidamente a coisa escalonou para um beijo intenso.
— Você não vai entrar nessa banheira de roupa, não é? — falei, afastando nossos rostos. Antes que eu pudesse reagir, ele já estava tirando a camisa. Com os braços desnudos, ele enfiou a mão na água e agarrou minha cintura.
Caçamos novamente os lábios um do outro e retomamos nosso beijo. Geralt apertava minha cintura com a mão áspera, enquanto a outra segurava meu pescoço. A cada segundo, a coisa ficava mais quente, mais intensa. Ele subiu a mão que estava na minha cintura até o meu seio e começou brincar com meu mamilo. Arfei de prazer em seus lábios, e ele sorriu. Estava se divertindo com aquilo.
Então cessou o contato e ficou de pé. Pude ver, mesmo na penumbra, o volume em suas calças. Mordi o lábio só de imaginar o que logo seria revelado para mim. Ele tirou as botas e a calça logo em seguida. Sorri maliciosa ao ver novamente aquele pau que me fez muito feliz um tempo atrás.
Ele entrou na banheira e me puxou para o seu colo, imediatamente me trazendo de volta para o beijo cheio de desejo que havíamos iniciado. Antes que eu pudesse sentar nele, Geralt passou uma das mãos pelo meio das minhas pernas e, vagarosamente, enfiou um dos dedos na minha boceta. Gemi em seus lábios e, mais uma vez, ele sorriu malicioso, aproveitando cada segundo. Ele colocou, então, mais um dedo e começou a brincar comigo. Cada movimento da sua mão me fazia gemer baixinho.
— Geme pra mim — ele disse rouco, separando nossos lábios, enquanto eu arfava de prazer.
— Me fode — pedi, quase suplicante, e ele sorriu.
Tirou então os dedos da minha boceta e logo em seguida senti seu pau entrando. Gemi alto outra vez, mas agora a brincadeira era minha. Sentei com gosto naquele homem, agora eu estava no comando. Com as mãos apoiadas no peitoral dele, eu rebolava naquele pau como se minha vida dependesse disso. Podia ver o desejo e o prazer no rosto do Lobo. Aquilo era delicioso. Geralt me puxou para um beijo quente, enquanto eu rebolava em seu colo. Os dois gemiam entrecortando o beijo, mas fazendo com que tudo ficasse ainda mais gostoso, mais intenso, mais real.
Geralt me segurava pela bunda, tentando guiar meus movimentos, mas ali eu era a rainha. E ele sabia disso. Eu rebolava, gemendo de prazer, e o fazia arfar de luxúria.
— Caralho, — ele falou, fechando os olhos e jogando a cabeça pra trás, se concentrando para não gozar.
— Goza pra mim, Lobo — sussurrei, no seu ouvido, enquanto rebolava devagar. Lambi vagarosamente seu pescoço, até alcançar sua bochecha. — Goza EM mim, Lobo — sussurrei novamente e mordi sua bochecha. Geralt respirava ofegante, totalmente entregue.
Sem que eu estivesse esperando, ele me agarrou e se levantou da banheira, jogando água para todos os lados.
— Vamos terminar isso em outro lugar — falou, me beijando intensamente, enquanto me carregava para fora da banheira, em direção à cama. Ele se sentou na cama e me colocou em seu colo, sem interromper o beijo ardente.
Meu corpo ansiava por ele. Geralt, com um movimento rápido, mudou as posições e, quando percebi, estava deitada com ele em cima de mim. O bruxo segurou seu pau e começou a esfregar na minha boceta, sabendo que eu precisava dele dentro. Ele se divertia com o meu anseio, com meu desejo.
— Enfia logo esse pau em mim! — esbravejei, sentindo o corpo pulsar de necessidade dele dentro de mim. O bruxo obedeceu e colocou com tudo.
Meus olhos chegaram a revirar. Geralt colocou uma de minhas pernas nos ombros e começou a meter num ritmo perfeito. Eu gemia alto, agarrava os lençóis com toda a força que eu ainda tinha.
— Agora EU quero ver você gozar — ele falou, com malícia imensurável. E eu estava pronta para obedecer a sua ordem.
Cada pedaço do meu corpo estava em êxtase. O movimento dele me fazia delirar. Senti então a onda elétrica passar pelo meu corpo, me fazendo gozar, revirando os olhos e cravando minhas unhas em suas costas. E ele não parou. Continuou metendo enquanto me enlouquecia, e logo em seguida gozou. Senti seu corpo tremer sobre o meu, senti ele dentro de mim, senti cada coisa que estava acontecendo naquele momento.
Ele se deitou ao meu lado, ambos suados, descabelados, arfantes. Olhamos um pro outro e imediatamente sentimos a necessidade de nós beijarmos. Dessa vez, o beijo começou intenso e foi se acalmando aos poucos.
— Quanto tempo não fazíamos isso — ele falou, separando nossos lábios.
— Você sabe o porquê.
— Não quero pensar no porquê. Quero você. — E novamente me beijou.
Essa noite seria a causa de muitos aborrecimentos no futuro, mas valeu a pena. Yennefer precisaria entender que, da mesma forma que ela dormia com outros homens, ele dormia com outras mulheres. De vez em quando era eu.
Depois de um tempo de chamego, Geralt acabou adormecendo. Deixei-o dormindo na cama, me enrolei em um robe vermelho que tinha e fui me sentar perto da janela, à luz fraca de uma vela. Penteei os cabelos, os prendi em um rabo de cavalo alto e me coloquei a ler. Ao fundo, ouvia Geralt roncando baixo. Pelo menos dessa vez ele havia tomado banho.
Minha natureza não me compelia a dormir todos os dias, podia passar dias a fio sem repousar, mas era rotineiro que eu o fizesse. Geralmente passava no máximo duas luas sem dormir. Mas, sempre que havia alguém junto comigo, eu preferia ficar acordada. Aconteceu, mais vezes do que o esperado, de eu acordar com alguém tentando enfiar uma estaca de madeira no meu peito, ou uma faca de prata, ou me jogando água benta. Por mais que eu já houvesse dormido com o Lobo Branco antes, ele ainda era um mercenário, ainda era um bruxo, e eu preferia ter cautela. Além do mais, eu não estava cansada. Apesar dos pesares.
— Bom dia — Geralt disse, horas depois, quando foi acordado pela claridade do ambiente.
— Bom dia. Dormiu bem?
— Incrivelmente. — Ele se sentou na cama. — Às vezes esqueço que você não dorme.
— Acontece — falei, indo até ele. — Você dormiu por nós dois.
— Você me cansou — falou, sorrindo malicioso. Sentei-me ao seu lado no colchão. — Você me envolve. Sempre. Todas as vezes. — Continuou colocando a mão na minha coxa.
— É o meu charme — falei maliciosa e lambi de levinho seus lábios. — E mesmo que eu não faça nada, você me procura.
— Não resisto — ele sussurrou ao meu ouvido, e logo em seguida beijou meu pescoço, me fazendo arrepiar. Aproximei meu rosto do dele na intenção de o beijar, mas, do nada, alguém bateu à porta. — Shhh finge que não está — ele falou baixinho, mas bateram à porta outra vez.
— ? Está dormindo? — Era Eskel do lado de fora. — ?
— Estou aqui, Eskel — respondi. Geralt rolou os olhos e se afastou, sabendo que o que quer que fôssemos fazer, acabou ali. — O que você quer? Algum problema?
— Não encontramos Geralt — O lobo riu da ironia quando ouviu o amigo. — E temos uma demanda importante. Talvez você possa ajudar.
— A encontrar Geralt? — perguntei, olhando o bruxo de cabelos brancos bem na minha frente e sorrindo.
— Também, mas mais especificamente com o contrato — Eskel completou. — Nos encontra na praça principal?
— Encontro.
— Certo! Kieran e eu a aguardaremos lá — finalizou e pude ouvir seus passos se afastando.
— Vista-se — falei para Geralt, me levantando da cama. — Seus amigos estão te procurando.
— Eskel sempre aparecendo nas melhores horas — falou emburrado, levantando da cama e pegando as roupas do chão.
— Devia ter acordado mais cedo.
— Ou nem dormido — o bruxo falou, com o velho sorriso safado no rosto, enquanto vestia a calça. — Não vai se trocar?
— Vou, mas preciso fazer algumas coisas antes de ir. Encontro vocês lá. — Abri o baú e retirei as roupas suja de sangue. Joguei-as dentro da banheira ainda com água e sabão. — Não quero perder outra blusa.
— Ossos do ofício, certo? — ele disse, terminando de colocar a blusa. — Nos encontramos daqui a pouco então. — Pegou as botas do chão. — O resto do meu equipamento está no meu quarto.
— Até mais, Geralt — falei, quando ele rumou para a porta.
— Até mais. — E saiu.
Depois de lavar minhas roupas, me vestir e ajeitar o quarto, saí rumo à praça principal. Ainda estava cedo, mas muitas pessoas já andavam pelas ruas. Enquanto caminhava pelas ruas de Vizima, os primeiros raios de sol filtravam-se entre os telhados góticos, e o ar fresco da manhã me envolvia com o perfume de terra molhada e flores silvestres. A brisa suave brincava com minhas vestes, sussurrando segredos antigos à medida que eu passava pelas pedras desgastadas da calçada. O som distante de crianças brincando ressoava, misturado ao canto alegre dos pássaros que começavam a acordar. Ao chegar à praça central, a cena diante de mim era um mosaico vibrante: mercadores arrumavam suas barracas, enquanto o sol se erguia, banhando tudo em uma luz dourada.
Caminhei por entre as barracas coloridas, bisbilhotando alguns produtos por aqui e li, mas não avistei nada que me interessasse. Continuei seguindo até a fonte central , onde avistei os bruxos.
— Bom dia, senhores.
— Bom dia — Geralt respondeu, como se não tivesse me visto minutos antes.
— Bom dia, — Kieran cumprimentou-me. — Quer um pedaço de torta de frutas? — perguntou, me estendendo um pacote.
— Não, obrigada — agradeci. Ainda estava de barriga cheia do banquete da noite anterior. Ele entregou o pacote para Geralt, que devorou sem cerimônias.
— Eskel deve ter comentado sobre o contrato — o ruivo falou, e eu concordei com a cabeça. — Bom, chegaram até mim hoje mais cedo com um recado da Guarda de Novigrad. Querem um bruxo para solucionar uma questão.
— Novigrad? Procurando um bruxo? — perguntei incrédula, e Kieran confirmou com a cabeça. — Uau! As coisas mudam…
— Devem estar desesperados — Eskel comentou.
— Ou é uma armadilha — Geralt disse.
— Pode ser — Kieran concordou. — Estavam procurando por Geralt, mas me encontraram antes. Então pode ser que queiram sua cabeça numa estaca, meu amigo — comentou. — Mas, de qualquer forma, chegou até mim essa demanda. Não tem muitas explicações, apenas o endereço de onde encontrar o chefe da Guarda.
— Algum palpite sobre o que poderia ser? — questionei.
— Nenhum. A única coisa que consigo pensar é que não será um contrato comum. Novigrad é uma cidade muito hostil a qualquer não-humano, o Fogo Eterno queima todos eles. Não consigo ver isto como uma demanda simples de grifos, wyverns, aparições, ou coisas do tipo. Novigrad não é um local que costuma ter que lidar com monstros — Kieran falou, franzindo o cenho. Parecia efetivamente interessado naquilo. Intrigado. — Realmente pode ser uma armadilha, como Geralt disse, mas acredito que não seja o caso.
— Só iremos descobrir indo até lá — Eskel disse. — Por mais que sejam hostis aos bruxos, não conheço histórias de que tenham conseguido capturar e matar algum, seja dos nossos, ou das outras escolas. Acho que não é perigoso.
— Acho que deveríamos pelo menos averiguar. Pode ser que não seja nada demais, mas pode ser algo grande. E se for algo grande, a recompensa também será — Geralt falou. — Aqui em Vizima iremos pegar apenas contratos pequenos e sem relevância. Mas se for algo realmente sério, precisamos ir logo. A viagem daqui a Novigrad leva cerca de dois dias a cavalo. Dependendo da situação, pode ser essencial — considerou. — Sugiro irmos hoje à noite. Usamos o dia para reabastecer os estoques e melhorar os equipamentos. Quando a noite cair, podemos partir.
— E você, ? — Eskel perguntou.
— O que tem eu?
— O que você acha?
— Eu concordo com o que disseram sobre Novigrad e sobre a possibilidade de ser um contrato difícil. Se conseguiram encontrar vocês aqui, vão continuar caçando até que atendam. Deveriam ir.
— Você não vem conosco? — Kieran perguntou. — Tenho plena certeza de que sua ajuda será muito útil.
— Vocês nem sabem o que está acontecendo lá.
— Eu sei que se te perdermos de vista, dificilmente vamos encontrar novamente — Geralt disse — Muito me impressiona termos te encontrado aqui.
— Se for uma questão complexa, você entende mais de alquimia e sobre monstros que todos nós — Eskel disse. — Se for uma questão simples, pelo menos nos fará companhia.
— E eu tenho cara de acompanhante? — perguntei, cerrando os olhos de brincadeira. — Não gosto de Novigrad, é um ambiente muito hostil para mim.
— Poderia ir conosco pelo menos conversar com o chefe da guarda. Então avalia a situação e como vai agir depois — Kieran sugeriu. — Realmente acho que será de grande valia a sua presença.
— Entendo. — Meneei com a cabeça. — Mas e a vila? Lembram que disseram que iriam alertá-los sobre os necrófagos?
— Eu posso fazer isso — Eskel se voluntariou. — Vocês vão na frente e eu os encontro depois.
— , alguma coisa te segura em Vizima? — Geralt questionou.
— Gosto de morar aqui, Geralt, a vida é tranquila pra mim. — Fiquei considerando a proposta internamente por algum tempo. Novigrad era horrível, perigosa. Eu gostava de viver escondida em Vizima. Mas a curiosidade estava me pegando. E o ego também. — Mas gosto da proposta de Kieran. Vou com vocês ao anoitecer.
— Ótimo — Geralt falou. — Agora preciso ir a um ferreiro. — E saiu andando com Eskel ao seu lado.
— Te pago um bom vinho e uma blusa nova quando chegarmos lá — Kieran sussurrou, sorrindo.
— Eu vou cobrar — respondi, sorrindo. — Olha, vou voltar para a hospedaria e organizar minhas coisas. Encontro vocês mais tarde, tudo bem?
— Claro. Nos vemos depois — se despediu com uma piscadinha de olho que me deixou pensativa e correu atrás dos amigos.
Suspirei fundo, pensando em 2 longos dias no lombo de um cavalo viajando até Novigrad. Seria cansativo. Precisava arrumar minhas malas, arranjar um cavalo e hibernar.
Adeus, paz de Vizima. Olá, caótica Novigrad.