Revisada por: Saturno 🪐
Última Atualização: 28/05/2025.Estou em um corredor com, pelo menos, quinze outras garotas iguais a mim. Não totalmente iguais, mas o padrão é quase idêntico e parece que saímos da mesma forma: por volta de 1,75cm, cabelos na altura dos ombros, olhos claros e pele translúcida. Tem garotas que parecem bonecas prestes a quebrar e outras super heroínas cheias de músculos.
O que nem combina com esse papel, para ser sincera.
Porém, não julgando todas essas outras mulheres que parecem terem sido criadas por inteligência artificial, eu sei que nenhuma delas tem o que eu tenho.
Não é o talento, muito menos a beleza ou carisma. É o amor.
E eu tenho isso de sobra por essa personagem.
Quando conheci meu agente há quase dez anos, ele me perguntou qual era o meu papel dos sonhos. George riu da minha cara com a resposta, provavelmente esperando que eu fosse dizer algo idealista como Mama Rose, de Gypsy, ou Christine Daaé de Phantom of the Opera, tendo em vista que meu treino havia sido em teatro musical.
Mas, por mais que eu ame Sondheim com toda a minha alma, meu coração sempre foi dela. E agora, depois de quase vinte e sete anos esperando por isso, eu estou tão perto que quase consigo tocar nela.
Só preciso vencer todas essas ruivas que definitivamente vão mais à academia do que eu.
— Nervosa? — Escuto uma voz masculina direcionada a mim. Nem havia reparado nele, sentado do outro lado do corredor, há poucos passos de distância. Do meu lado do corredor, apenas ruivas e loiras. Do lado dele, apenas homens altos, magros e levemente fortes. Alguns de cabelos loiros, outros mais escuros. Os tons de pele são diferenciados, mas, ao olhar para o homem, eu só sei de uma coisa: é ele. Sempre foi ele.
Parece que meu corpo inteiro entra em ebulição. Eu passei pelo menos vinte anos da minha vida sonhando com alguém exatamente igual a ele: alto, mesmo que sentado dava para ver que ele é bem grande. Cabelos curtos, em um tom de castanho claro e bonito. Olhos azuis, mas não muito claros, em um tom que com toda a certeza do mundo abriria portais para outras dimensões. Seu rosto tem traços delicados, repletos de personalidade, que mostram certa inocência, mas que dizem muito sobre o líder que ele se tornaria.
É ele.
E se os diretores de elenco não contratarem esse homem, eu mesma vou começar uma guerra.
— Deve estar. — Ele sorri e eu percebo que nem respondi, segurando o roteiro com força e com cara de idiota. — Vou te deixar em paz.
— Me desculpe — digo, tentando reaprender a falar. — É que você é exatamente como eu o imagino.
— Jura? — Seu sorriso aumenta e o rapaz fica meio sem jeito. — Pois você é exatamente como eu a imagino.
— Não fala isso que eu começo a chorar — brinco, e ele solta uma risada, estendendo a mão para mim. Na mesma hora, uma mulher de pele escura e cabelos longos aparece.
— Berger? — ela chama, e meu corpo treme. Seus olhos esverdeados encontram os meus. — Estamos prontos para você.
Meu corpo flutua da cadeira e eu apenas aceno com um sorriso para o garoto simpático. Sigo as instruções, e quando estou de frente para as câmeras, o mundo desaparece e as chamas me consomem.
Naquele momento, me torno quem eu realmente sou.
E eu sou amor.
Quando em Los Angeles, me torno o verdadeiro estereótipo da Califórnia: óculos escuros o tempo inteiro, alugo um carro conversível e vivo em busca da próxima bebida horripilante e saudável.
O total oposto da minha vida em New York.
Não tenho o que reclamar da minha vida lá, pelo contrário. Quando me formei na faculdade, eu tinha três opções: Los Angeles, New York ou Georgia. Preferia morrer do que sair da Flórida e ir para um lugar ainda mais quente e com bichos esquisitos, então fiquei entre New York e Los Angeles.
Mas, como morei a vida inteira na Flórida, eu queria algo diferente. Queria ver neve, pegar metrô, morar em um porão caríssimo… Então escolhi NYC.
Uma amiga da minha avó morava lá, e acabei morando no seu porão enquanto trabalhava como bartender e tentava conseguir minha primeira chance. Depois que fiz uma participação em Law & Order, todo o resto começou a acontecer, mesmo que em passos lentos. Tenho vinte e sete anos, fiz quatro filmes de qualidade duvidosa e uma série de TV de sucesso que me trouxe até aqui.
Não acredito que estou nos estúdios da Disney. Não acredito que vou fazer uma audição para a Marvel. Sinto que é o começo da minha vida, mas minha cena foi horrível, eu gaguejei e tive que recomeçar. Parecia um iniciante, sendo que já fiz isso milhares de vezes.
Saio dos estúdios com ódio no coração. A certeza era que eu nunca seria chamado e que jamais faria parte dos X-men, nem como figurante que morre em 3 segundos. Meu agente diz que será quase impossível conseguir o papel, porque sou velho demais e magro demais. Além de branco. Meu agente diz que a Marvel não gosta de brancos… Acho que meu agente tem algum problema, mas ele tem bons contatos, então aturo as teorias de conspiração baratas dele.
Mas ele tem razão. Nunca serei o Scott. Por mais que a garota que nasceu para ser a Jean tenha dito que eu nasci para ser o meu líder favorito, eu saio daqueles estúdios me sentindo pior do que nunca.
Ainda tenho quatro dias em LA e achei que ia me sentir bem o suficiente para fazer contato, ir às festas, aparecer em sites de fofoca, mas apenas fico no quarto de hóspedes de Jason, meu amigo que trabalha no Bank of America e ganha melhor do que todos os atores que eu conheço.
Sou um cara que precisa de poucas coisas, mas eu preciso fazer sucesso. Arrisquei muito em não seguir alguma carreira de “verdade”. Meu pai é filho de sobreviventes do holocausto, refugiados nos Estados Unidos depois de passarem pelo inferno na Polonia. Meu avô era dentista, meu pai contador, minha mãe enfermeira e minha irmã estava estudando direito. Fomos criados para viver em segurança, sem riscos, para passarmos despercebidos pela sociedade que nos acolheu.
Mas eu não posso fazer isso. Não posso esconder minha verdade. E eu quero muito fazer algo que tenha algum impacto, mas, até o momento, não consegui. X-men seria a chance perfeita de fazer isso.
Eu não gosto dos Vingadores e acho Quarteto Fantástico um saco, mas X-Men… Eles são incríveis. Eles são uma lição de amor. Eu sempre adorei o Scott, porque o acho um líder foda. Odeio o que fizeram com ele nos filmes, apesar de curtir muito o trabalho do James Marsden. Na real, os filmes de X-Men são uma piada, mas agora tudo seria reescrito e eu tenho chance de fazer parte.
Quer dizer, não tenho mais.
Então passo um dia inteirinho dormindo, sentindo pena de mim mesmo e me odiando. A última coisa que faço antes de dormir é procurar a Jean Grey dos meus sonhos no instagram, mas apago antes. Acho que sonhei com o sorriso dela.
E acordo com uma ligação do meu agente pedindo para gravar um vídeo. Gravo, envio e vou para o The Grove, porque adoro a cafeteria La La Land. E eu sou turista, então foda-se. Faço alguns stories e aí lembro da Jean Grey de novo.
Eu lembro do rosto dela, de cada detalhe dele. Do tom de seu cabelo e formato de seus olhos. Mas não lembro do sobrenome dela de jeito nenhum.
Ligo para meu agente, um cara de cinquenta anos, nascido no Japão, mas que parece ter 30 e se chama Jay. Depois de uma hora e dois frappuccinos, Jay retorna com o nome dela.
Berger.
Procuro sobre ela e logo descubro que ela tem vinte e seis anos, nascida em Londres, e que está em cartaz em Cabaret. Assisto alguns vídeos dela e… Caralho. A Jean Grey canta muito.
E é assim que tomo coragem e a sigo. Saio da cafeteria e vou até Beverly Hills olhar as lojas de rico.
Juro, assim que eu virar a minha chave, vou comprar todos os óculos do mundo.
À noite, vou a uma festa de atores pouco conhecidos e fico torcendo para alguém que não seja eu faça um vexame. Infelizmente nada. Mas pelo menos me seguiu de volta. E sua mensagem foi: “Pelo amor de Deus, me indica alguma cafeteria boa nesta cidade! Vou embora amanhã e estou sofrendo”.
“Tenho algumas ideias. Te busco que horas?”.
E foi assim que perder o papel da minha vida se tornou menos pior.
Estou arrependida de todas as escolhas que tomei na vida, enquanto estou sentada no saguão do La La Land. O ambiente é muitíssimo bem iluminado, super espaçoso e moderno. Um chandelier digno do Fantasma da Ópera e poltronas pouco convencionais dão um charme especial. Me sinto em uma sala de dentista rico, mas com músicas modernas.
Não sei porque mandei aquela mensagem para ontem. Não sei, muito menos, porque aceitei seu convite. Tenho um voo internacional para pegar em menos de 8 horas e passei o dia anterior inteiro fazendo audições e surtando.
Não queria me apegar ao Scott dos meus sonhos, porque, apesar de ter certeza de que eu seria a Jean Grey da Marvel, não sabia exatamente os planos do estúdio para meu casal preferido.
E se eles decidissem que Jean e Logan eram endgame? Seria ridículo, mas possível. Pior seria se eles cismassem com um romance entre Jean e Warren, ou até alguém nada a ver, como… sei lá, o Homem Aranha?
Meu Deus, e se fosse com o Capitão América? Quero vomitar só de pensar.
A Marvel toma decisões péssimas, e isso me deixa louca. A Fox arruinou algo lindo, achando que estava arrasando por pura burrice, mas espero que o raio não caia duas vezes na mesma franquia.
No caso três, mas enfim.
E o Scott está atrasado. Na verdade, eu estou adiantada. Fiz o check out do hotel mais cedo e peguei um carro para cá. Agora estou usando meu vestido de avião, segurando minha malinha de mão e esperando o cara que saiu diretamente da minha mente para a realidade.
Scott Summers é o maior babaca e ele também é o amor da minha vida. Lembro de quase reprovar na escola quando ele morreu em X-men 3, aquela bomba horrorosa. Sou apaixonada por ele desde que vi uma reprise de X-men evolution, onde ele fazia tudo para salvar seu irmão, Alex. Aí, no final do episódio, ele se enrosca na Jean e eu pensei: Caramba, é isso que eu quero.
Mas eu me conheço. Já me apaixonei por garotos que vagamente lembravam o Scott antes. Às vezes eles só estavam de óculos escuros, e aí, quando tiravam, eu parava de gostar, mas outras vezes…
Teve um rapaz chamado Lester que era o mais próximo ao Scott que vi na vida (até ). Eu tinha treze anos e ficava seguindo-o pela escola. Quando soube que ele namorava com uma garota chamada Hannah, eu quase faleci.
Então tenho que afastar o Scott de , porque sou facilmente impressionável.
Mas, quando ele chega de óculos escuros, calça jeans e blusa polo, meu coração quase explode. Esse é o look mais Scott Summers que eu vi na vida.
— Oi, Jeannie — ele diz, fazendo o que sobrou do meu coração entrar em colapso. Acho que ele repara no meu choque. — Oi, .
Uma vez, um cara de uma loja de quadrinhos em Orlando me chamou de Jeannie. Eu comecei a chorar.
E eu nem tinha 13 anos. Tinha 21.
— Oi, . — Me forço, porque sou adulta. — Achei que tinha desistido.
— O trânsito dessa cidade… — Ele suspirou, sentando ao meu lado. — E eu moro em NY, mas não dirijo, porque tenho amor a mim mesmo. Pelo menos um pouco, eu acho.
— Eu sempre fico meio tonta nesse país — conto e ele sorri. — Ontem peguei uma carona com uma colega e quase entrei no banco de motorista. Foi… constrangedor.
— Porque vocês dirigem do lado errado? Nem faz sentido.
— Ei, nós viemos primeiro! — Ele começa a rir. — Tenha respeito aos seus ancestrais ingleses.
— Pois saiba que eu sou 100% europeu. Só nasci nos Estados Unidos, mas meus pais são a primeira geração de poloneses… Na Flórida.
— Poloneses e Florida são palavras que nunca pensei em ouvir juntas na mesma frase.
— Eu entendo, não faz o menor sentido. Eu perguntei para o vovô por que a Flórida milhares de vezes, ele nunca soube responder. Depois ele me disse que gostava de laranja, e eu fiquei… Tem laranjas em outros lugares, sabe?
— Eu já saí com um cara da Flórida que realmente acreditava que só existia laranjas lá. — Me arrependo de falar isso na mesma hora que as palavras saem da minha boca.
— Pois eu sei que existem laranjas em outros lugares do mundo. — Sinto algo travesso no jeito que ele fala e isso me faz soltar uma risada meio idiota. Decido mudar de assunto antes que eu me enrole.
— Quando você me seguiu, e eu percebi que era você, eu achei que seu nome era artístico. Tipo, não é a combinação mais comum do mundo.
— Minha mãe era uma grande fã do Phoenix. — Quando ele fala isso, acabo sorrindo um pouco mais. Eu chorei por horas quando descobri que o tinha morrido e que Phoenix não era o sobrenome verdadeiro dele. — O que me faz pensar que claramente eu estava destinado a virar fã de X-men.
— E ? — Evito falar de X-men para não assustar o menino. Fico meio alucinada falando deles.
— Não sou primo do autor, nada disso. É apenas um sobrenome comum na Polônia.
— É um bom sobrenome. Bem marcante. Aposto que chama atenção nas audições.
— Até chama, mas aí eles veem que eu sou da Flórida e acham que sou um roceiro que fala estranho. — Ele dá de ombros. — E o seu? Berger é seu nome de verdade?
— Apelido de . Minha mãe é britânica e meu pai é filho de alemães. Judeu, antes que você pergunte. — Ele solta uma risada muito fofa. — Nascida e criada no Norte de Londres, a coisa mais clichê do mundo. Enfim, , estou com fome.
— Pois bem, me siga, milady. — força um sotaque britânico que me faz gargalhar. É péssimo e ele percebe.
Pelos próximos minutos, ele me apresenta o cardápio com o conhecimento de um funcionário. Não sei se ele está inventando ou não, mas ele me explica a diferença entre os tipos de leite e faz comentários sarcásticos sobre os moradores da cidade e sua obsessão por coisas estranhas. Todas as bebidas tem opções verdes e nada realmente faz sentido, mas pede algo chamado Lavender Bloom, e eu escolho um latte gelado de bolo de aniversário.
Não sou a pessoa mais aventureira do mundo e não é antes de um voo para o outro lado do oceano que vou ser.
Para comer, pede uma torrada lotada de abacate, queijo e chilli. Já eu, pego apenas uma torrada amanteigada, porque não quero passar mal.
Eu não sei muito o protocolo dos americanos, mas fico um pouco receosa das intenções de para esse pequeno encontro. Como ele pediu a maior torrada do universo, fico tranquila, porque imagino que ele não queira me beijar.
O que não seria ruim se ele quisesse, claro, mas vamos com calma.
Decidimos sentar do lado de fora da cafeteria, pois o céu está tão azul e bonito que seria um desperdício ficar em um lugar fechado. E eu vou voltar para a Inglaterra, onde o céu cinza faz parte da beleza.
— Então… — olha para mim depois de limpar a boca com um guardanapo. As cadeiras brancas não são confortáveis, então me ajeito e apoio na mesa. — O que você sabe do projeto?
— Provavelmente o mesmo que você. — Dou de ombros, tentando parecer tranquila com o assunto. Não estou nem um pouco tranquila. — “For All Time Productions” estava na call sheet…
— Uma referência à TVA? — Quase vejo um brilho vermelho em seus olhos e afasto o pensamento na mesma hora. Se eu falar isso para meu psiquiatra, ele vai me internar. — Eu não tinha certeza que a audição era para o Scott até receber o roteiro…
— Na hora que meu agente disse que fui selecionada para a audição, eu sabia que era para a Jean. Aí cheguei aqui e vi que eles chamaram todas as atrizes ruivas com menos de trinta anos desse planeta.
— Quantas rodadas online você fez?
— 3. — Ele faz joinha com a mão. — Já estou sendo tratada para gastrite nervosa, obrigada. — Começamos a rir mais uma vez. — Eu sei que a gente não pode colocar todas as fichas em um papel só, então estou tentando arrumar um plano B, mas, … — Penso nas minhas palavras, pois não quero ser doida. — Quando eu estava fazendo a minha cena, foi como se eu estivesse flutuando, sabe? Eu não lembro de absolutamente nada, mas, ao mesmo tempo, sinto todas as coisas que eu falei. Eles me deram uma cena da saga da Phoenix, parecida com a Uncanny #135…
— Porra… — Sinto tensionar na cadeira.
— Eles adaptaram algumas coisas, foi meio que “Não... eu não sou isso. Eu sou Jean Grey. Eu sou humana. Mas... o que é essa voz dentro de mim? Tão quente... tão livre... tão insaciável?” — Sinto o mesmo peso daquelas palavras e minhas mãos tremem.
fica em silêncio por um tempo. Seus olhos grudados nos meus, a boca entreaberta. Ele toma um gole de sua bebida roxa antes de continuar.
— Eles não vão meter a Phoenix logo de cara. Eles não podem — diz, um sorriso singelo em seu rosto. — Mas eu morreria para te ver fazer essa cena.
Pelo resto do tempo, nós conversamos sobre X-Men. Ele entende meu tipo de loucura e, entre as risadas, tenho vontade de chorar de emoção. é muito engraçado e genuíno, além de ter o nariz mais bonito do mundo.
Quando chega a hora de ir para o aeroporto, ele me oferece carona em seu conversível alugado. Não tinha trânsito para o LAX, mas eu quase desejei que tivesse. A gente se despede com um abraço desengonçado, depois de tirarmos uma foto juntos para quando nós dois formos escalados todo mundo ficar “awwwn eles se conheceram nas audições! Jean e Scott, os maiores do mundo!”.
Sinto seus olhos me seguindo até estar dentro do aeroporto, quase como se a força pura e concussiva estivesse me empurrando para casa. Assim como Jean, sinto que um elo foi formado entre nós dois, um pequeno fio que liga sua mente à minha, porque, quando entro no avião, ele me manda uma mensagem sobre o capítulo novo de X-Men 97.
Mando uma foto minha assistindo o episódio em meu tablet e desligo o celular. Não sou de ter sensações boas, mas, pela primeira vez, sinto como se o universo estivesse se expandindo bem à minha frente. Um mundo de possibilidades, onde meu sonho de criança pode se tornar realidade.
E aí, de um jeito engraçado, percebo que Deus realmente existe e que não apenas isso, mas Ele deve me amar muito. Com todos os problemas do universo, Ele me fez em um tempo onde minha heroína favorita vai ser readaptada para o cinema e me deu a chance de participar do processo.
Fecho os olhos e abro um sorriso, pronta para voltar para casa, mas deixando meu coração em Los Angeles.
Mal posso esperar para voltar para ele.
(Meu coração, no caso. Não o ).
Sinto o ar gelado escapar de minhas narinas mesmo estando em pleno junho. A noite londrina parece eletrizante, mas não tanto quanto o meu coração e minha mente. Parece que vou explodir de empolgação a qualquer momento e a peça ainda nem começou.
Quando Jay, meu agente de gosto peculiar, me avisou que os diretores queriam marcar um almoço comigo em Londres, achei que estava sonhando. Quer dizer, minha audição foi uma verdadeira bomba. Achei que não tinha chance nenhuma de passar de fase… Mas aqui estou eu, um dos finalistas para o papel.
A conversa foi empolgante com os irmãos Russo, que pareciam muito empolgados com a chance de refazer o universo X-Men no cinema. Eles não me explicaram muito sobre o que aconteceria na próxima fase, mas me contaram alguns dos planos para o Ciclope. Eles queriam fazer o líder dos mutantes como Stan Lee e Jack Kirby imaginaram: Magrelo, inseguro, cheio de traumas, com um poder que não conseguia controlar totalmente e morrendo de medo de se apegar aos colegas de equipe.
Scott tem uma história incrível. Sobreviveu a um acidente de avião, ficou órfão, apenas para descobrir que seu irmão Alex estava vivo e que seu pai estava no espaço. E que ele teve um outro irmão aleatório. E aí ele se apaixona pela Jean, ela morre cinquenta vezes, ele se casa com um clone dela que também morre, abandona o filho, manda o filho para o futuro, casa com a Jean, tem uma filha de realidade alternativa, a Jean morre de novo, aí ele fica com a Emma, e morre também… Tudo isso, enquanto tem o foco total em sua equipe, em honrar o professor Xavier e proteger quem precisa dele.
Tirando todo o rebuceteio, Scott é uma personagem que me fascina. Vejo tanto de mim nele, o que é estranho, pois sou um homem adulto e não devia me deixar levar por essas coisas.
Mas eu deixo. E eu amo.
Durante todo o almoço, eu só conseguia pensar na minha sorte. Vim para Londres com tudo pago para almoçar com os irmãos diretores mais fodas da atualidade. Eu teria sorte de ser apenas um figurante nessa história toda, mas estou sendo cotado para ser eu mesmo, mas de óculos.
Desde minha última audição desastrosa, tenho me esforçado para manter minha cabeça erguida. Passo muitas horas na academia e estou dando aulas no teatro comunitário. Fiz alguns photoshoots e comerciais, além de trocentas audições e um filme indie de guerra filmado em Utah. Por sorte, tenho um bom número de seguidores no instagram e, graças a isso, consigo manter meu aluguel em dia, enquanto espero por papeis melhores, mas sou grato por estar constantemente trabalhando. Estou numa fase muito boa da minha vida.
E tem a .
Acho que falo mais com ela do que com a minha própria mãe ou com Jay. Acordo com suas mensagens e a coloco para dormir com meus surtos. A gente troca vídeos o dia inteiro nas DMs, e mesmo quando não estou falando com ela, estou pensando em algo para falar.
Tem algo sobre ela que é estranho. Parece que ela sabe o que estou pensando ou sentindo, como se a gente tivesse uma ligação. Não a vi pessoalmente depois do café em Los Angeles, mas ela não esteve longe dos meus pensamentos por um segundo sequer desde a nossa despedida.
E, porra, X-Men ‘97 não facilitou muito as nossas vidas. Fizemos chamadas de vídeo semanais para falar sobre os episódios e ela fica muito bonitinha chorando. Agora que a série acabou, fico procurando motivos para ligar para ela. Só que está no teatro e muito ocupada, além do fuso horário… Mas, quando soube que viria para Londres, fiz apenas um pedido extravagante para Jay: Um ingresso na primeira fileira de Cabaret.
Não podia falar para que viria para Londres almoçar com os diretores, porque assinei um contrato de confidencialidade sobre o projeto. Então apenas não disse nada para ela e resolvi fazer uma surpresa.
Mas agora, sentado na primeira fileira, prestes a ser transportado para Berlin, sinto que foi uma péssima ideia. Vai que ela está de folga hoje? Ou sei lá, vai que ela simplesmente não quer me ver? São muitas coisas que me deixam ansioso, mas quando ela entra no palco, sinto que o mundo inteiro desaparece.
Mesmo de Sally Bowles, ainda é a Jean Grey dos meus sonhos. Tudo bem que a Jean Grey nunca falaria as pérolas da Sally, mas consigo ver a beleza em cada palavra que ela canta. Seus olhos parecem brilhar, iluminando todo o teatro, mas quando as duas esmeraldas caem em mim, sinto algo muito especial.
Algo que já senti um milhão de vezes antes, mas não consigo lembrar quando ou com quem. Sinto meu corpo arder, como se algo estivesse crescendo de dentro do meu cérebro, expandindo para todo o meu corpo. não quebra a personagem, mas eu sei que ela me vê.
Como? Não sei. Mas eu simplesmente sei. E isso não faz o menor sentido.
Quando ela canta “Maybe This Time”, eu sinto cada palavra. “Everybody loves a winner, So nobody loved me“ é a frase mais já escrita.
Me sinto um perdedor a vida inteira, mas, pela primeira vez, sinto que posso ganhar. Espero que minha vida seja melhor que de Sally Bowles, já que ela perde o cara que gosta e decide ficar na Alemanha nazista.
Que peça poderosa e assombrosa.
Em sua música final, me destruiu por completo. Juro que a vi rindo de mim na hora dos aplausos, porque eu estava todo choroso, limpando as lágrimas de um homem adulto emocionado, tentando fazer pose de sério.
Quando já estava pronto para ir embora e a plateia se dissipava, um assistente de palco disse que a senhorita Berger estava me esperando no camarim.
Fui, todo bobo, seguindo o cara. Quando ele me deixou na porta, estava quase infartando. Mas apenas apareceu e me xingou, aí eu relaxei.
— Por que você não me avisou? — Foi sua primeira pergunta, logo após um abraço longo. Ela estava cheirosa, apesar de estar suada. Seus cabelos ondulados estavam presos em um rabo mal feito. Ela usava calça jeans e uma blusa preta com o símbolo da fênix em dourado.
Que visão esplendorosa é.
— Quis fazer uma singela surpresa — brinco, um sorriso tímido escapando de seus lábios. — Vim para um compromisso e não podia ir embora sem te ver. Caralho, , você foi sublime. Não sei palavras suficientes em inglês para falar o que senti na sua performance, mas, caralho… Wspaniały.
— Quê? — me olha em choque, e eu começo a rir.
— É magnífico em polonês — digo, e ela começa a gargalhar.
— Eu achei que você estivesse tendo um derrame. — Sua voz parece mais fina e ela segura meu braço, se apoiando de tanto rir. — , você não existe. Eu nem sabia que você falava polonês.
— Falo um pouquinho. — Dou de ombros, sentindo aquela eletricidade percorrer meu corpo, aquela corrente de fogo me acordando. Quando olho para , vejo tantas vidas, tanta coisa além da beleza esplendorosa dela. — Não o suficiente para ser escalado em algum filme caça oscar sobre nazismo.
— Sua hora vai chegar. — Ela se afasta e senta no sofá, cruzando as pernas de forma despretensiosa. Tudo nela é atraente, e isso não devia ser permitido. — Agora, me diz, quais são os seus planos para a noite?
— Meus planos são com você, senhorita Berger. — Me sento ao seu lado e recolho minhas mãos de forma patética, porque quero tocar nela. Quero sentir aquilo que estava sentindo antes. — Você deve estar exausta.
— Sim, desde 1996. — Seu sorriso aumenta e, sem querer, afasto uma mecha teimosa de seu rosto. Ela parece retrair.
— Meu Deus, que mico. — Quero me matar, mas logo ela começa a rir. — Eu juro que foi involuntário.
— Você tem o nariz mais lindo que eu já vi na história da terra — diz. — E se você me tocou, eu vou tocar no seu nariz, com todo o respeito.
Foi um momento muito aleatório, mas tão engraçado que mal consegui aguentar e segurar o riso. Fiquei fazendo uma pose séria, como se fosse uma escultura, enquanto tocava em meu nariz, passando os dedos levemente pela curvatura. Tenho o nariz menos judeu do mundo e devo isso aos meus avós por parte de mãe, que são puramente poloneses e têm narizes lindos. Minha mãe disse que não tinha certeza se eu era menino pelo ultrassom, mas que tinha certeza de que meu nariz era lindo apenas pelo formato do meu rosto.
toca em meu rosto e aquela sensação boa e quente me arrebata. Quando abro os olhos, ela está bem na minha frente, e sinto que, se eu puxar um pouquinho, ela vai sentar em meu colo.
Eu quero que ela se sente em meu colo.
Mas quando ela me beija, eu vejo uma galáxia em chamas atrás dela. Vejo destruição e fogo, mas… É lindo. Fecho os olhos como um adolescente que nunca havia beijado antes e apenas sinto o calor de seus lábios, como se todos os universos estivessem entre a gente.
E eu só sei que quero mais. Quero não, eu preciso de mais.
E acho que ela precisa tanto quanto eu.
Meu corpo colide com a cama, como se eu estivesse caindo de um planeta distante. Ainda escuto os gritos e sinto minha pele pinicar de calor. Foi só um pesadelo, mas parecia tão real.
Me viro para o lado, meus olhos ainda fechados, mas minhas mãos procuram por . Sinto falta dele e me sinto idiota ao abraçar o travesseiro que ainda tem o seu cheiro de homem gostoso e rico.
Ele foi embora ontem à noite, depois de três dias intensos que pareceram uma vida inteira. É esquisito pensar que só conheço há alguns meses e que nos beijamos pela primeira vez algumas noites atrás, já que ele se tornou uma parte fundamental da minha existência.
Eu nunca fui tão intensa assim com nada na minha vida além de… Bem, X-Men. Quero bater minha cabeça na parede.
Os dias que passamos juntos foram ótimos, tirando nosso último almoço, quando minha agente me enviou uma notícia que me destrambelhou.
Eu sei que não pode me contar nada sobre seu processo de audições, assim como eu não posso contar nada para ele. Eu imaginei que ele estivesse em Londres para conversar com algum diretor, mas não esperava que seu processo estivesse tão à frente do meu.
Quer dizer, o meu processo nem existe mais, já que, aparentemente, a Scarlett Johansson vai ser a nova Jean Grey do multiverso do inferno.
Se fosse a Famke eu ficaria de boa. Até a Sophie Turner eu aceitaria… Mas a ScarJo? Do nada? É muito injusto.
O olhar de quando eu mostrei a notícia para ele foi tão doloroso. Parece que ele sentiu o peso daquilo muito mais do que eu, que estava em choque. Ele segurou minha mão por cima da mesa e, por um segundo, minha mente foi transportada em algo como um déjà vu de algo que eu nunca vivi.
— Não liga para isso, . — Sua voz era calma e seus olhos azuis pareciam duas pedrinhas preciosas. — Você é maior que qualquer filme que a Marvel possa fazer sobre a Jean. Você é a Jean, , e ninguém pode tirar isso de você.
O querido ficou muito chateado, e eu estava destrambelhada. Quando o carro veio buscá-lo, quis muito pedir para ele ficar, mas seria loucura.
Ele tem uma vida em New York. Tem um filme para lançar e está a poucos passos de se tornar o melhor Scott Summers já visto. Eu tenho uma peça onde interpreto uma cantora de cabaret com problemas emocionais e um apartamento em Greenwich com mofo no banheiro.
Preciso focar na realidade, sem X-Men, sem Jean Grey. Bem que minha mãe dizia que os atores de X-Men estavam com a vida ganha, enquanto eu estava chorando que nem uma idiota por eles.
Então depois que voltou para sua vida real, eu foquei em trabalhar. Sentia falta da bolha que dividimos por três dias, repleta de beijos, cafeterias e risadas. Por mais que a gente se falasse toda hora por vídeo, não era a mesma coisa. Eu não podia beijar a tela da televisão, e claramente ele queria me contar algo, mas não podia.
Quando ele estava aqui, fizemos tudo que um casal faz. Tiramos fotos em photobooths e aproveitamos que somos famosos o suficiente para ganharmos cortesias em restaurantes, mas desconhecidos o suficiente para nos beijarmos em público e ninguém tirar foto e mandar para algum jornal de fofoca.
Logo o cheiro do travesseiro virou apenas uma lembrança, enquanto eu focava em trabalhar e perturbava minha agente por mais audições. Meu contrato com Cabaret acabaria na metade de julho, e eu estaria desempregada se nada aparecesse. Por sorte, eu ainda estava recebendo alguns cheques da última série histórica que fiz e tenho uma convenção de teatro marcada para agosto, mas fora isso…
Não quero nem pensar.
Mas Sasha, minha agente, é feroz. Ela conseguiu um contrato fenomenal para mim em Cabaret, e ganhei uma boa grana com isso, só que ela está com muita raiva com o lance da Scarlett Johansson.
Não quero ficar com raiva dela, porque ela já foi casada com o Ryan Reynolds e isso deve ter sido um tanto pesado, mas poxa, ela roubou meu papel.
Agora preciso focar na minha vida sem Jean Grey, o que parece algo errado e injusto de se fazer.
tem se mantido fofo. Tinha medo dele ser um daqueles caras que beija e some, que acham que garotas britânicas só gostam de sexo. Ele é todo bonitinho, um magrelinho que fica dançando de cueca enquanto prepara o café da manhã e conta piadas ruins. Não quero me apegar ainda mais, mas ele está tornando tudo muito difícil.
Sei que nosso relacionamento é inviável, já que moramos em lugares diferentes do mundo e temos carreiras estranhas. Mas poxa, podia dar certo, sabe? Seria tão legal…
Mas evito pensar nisso.
— Precisamos de um plano C — Sasha me diz. — Agora que X-Men está fora da jogada, você precisa focar em algo grande. O que você acha de Velozes e Furiosos?
— Prefiro morrer.
— E Piratas do Caribe? Tem um reboot vindo aí e eles adoram ruivas peitudas…
— Obrigada, mas sem chances. Não tem nenhum filme de princesa, ou…
— Princesas brancas estão fora de moda — Sasha diz e eu ameaço rir, mas ela me corta. — Essa coisa de inclusão é uma merda. Tudo politicamente correto… Meu cu, sabe? Quero filme de princesa branca, sim. Em quem minha filha vai se inspirar? — Sasha é loira, filha de russos com opiniões preocupantes. Ela nem tem filha. — Mas enfim, , acho que seria uma boa você começar a malhar de verdade. Posso tentar te encaixar no novo filme do King Kong, ou talvez em alguma tragédia…
Decidi continuar procurando por musicais, já que só iria para a academia se fosse pela Jean Grey. Todos os exercícios que faço são considerados fracos para filmes de heróis, mas não estou sendo cotada para nada mesmo… E o palco é o único lugar onde me sinto ouvida.
E onde as vozes da minha cabeça sossegam um pouco.
Tento arrancar alguma fofoca da Marvel de , mas ele está de bico fechado. Até porque se ele quebrar o contrato de confidencialidade, a multa é altíssima, e não estou disposta a ter que lidar com a ira da Marvel, então apenas vivo o momento.
Mas, a cada notícia sobre os novos filmes da Marvel, quero bater minha cabeça na parede e chorar. Tenho que ser muito forte para ver meu sonho morrer e continuar vivendo.
No final de junho, semanas depois de ir embora, faço uma performance memorável em Cabaret. Sinto cada palavra de Sally Bowles e a dor dela reflete a minha própria. Sei que estou sendo dramática, que não ser a Jean não é o fim do mundo, mas… parece errado. Não sei explicar.
— O que você está fazendo aqui? — pergunto para Sasha, assim que a vejo parada na porta do meu camarim. Ela está segurando seu celular e tem um sorriso travesso no rosto. Sinto meu estômago dar uma rodopiada. — Quem morreu?
— Ninguém morreu, . — Seu celular está quase na minha cara. — Abre a porra da porta logo.
Acho tudo aquilo muito estranho, mas obedeço.
Por um momento, achei que fosse estar lá, sentado em meu sofá no camarim, segurando um café horrível e falando alguma bobagem. Porém, bem na minha mesa, tem um buquê de flores vermelhas. E eu nunca vi algo tão grande.
Devem ter centenas de flores ali. Todos os tipos de rosas, orquídeas e sei lá mais o que, porque eu não entendo nada de plantas. deve estar louco em me mandar algo tão absurdamente lindo e gigantesco desse jeito.
E caro, também. Deve ter sido uma fortuna.
Por que ele me mandou isso? Ele quer terminar comigo? Mas a gente nem está namorando ainda… Ele quer me pedir em namoro então? Vou até as flores, sendo filmada por Sasha, que tem um sorriso enorme em seu rosto botocado.
Tem uma cartinha dourada e com letras pretas. Sinto minhas pernas tremerem, porque não foi que mandou aquelas flores.
Foi a Marvel.
Em poucas palavras, a carta diz: “Bem vinda ao nosso universo, . Não existe outra Jean Grey além de você”.
Minhas pernas ficam fracas com o peso daquelas palavras. Toda a minha existência parece ter um propósito de novo. Quero chorar, mas não consigo. Quero gritar, mas estou tremendo demais para isso. Apenas fico repetindo para Sasha: isso é verdade?
— É verdade, — minha agente responde. — Você vai ser a Jean Grey.
— Eu já sou a Jean Grey — respondo, sentindo a idiotice de minhas palavras. — Agora todo mundo vai saber.
Me sinto com nove anos ao falar isso, mas é a realidade. Sasha me abraça, dando pulinhos enquanto todas as vozes que sempre tento calar gritam em minha mente.
Eu consegui. Eu finalmente consegui. E dessa vez, eu vou vencer.