Tamanho da fonte: |


Codificada por vênus. 🛰️
Atualizada em: 18.12.2024

I don't wanna hear you've got a boyfriend
Sometimes you're better off alone
But if you change your mind, you know where I am
But if you change your mind, you know where to find me

— Vai dizer que você, Chevalier, nunca fez isso? — Victoria Evans, a aniversariante e dona da festa, me perguntou num tom irritante e acusatório, balançando o braço cheio de pulseiras de miçanga. — Eu estou fazendo 12 anos hoje e já beijei um garoto. Na boca!
Marie Bee, minha melhor amiga, fez uma careta meio nojo e meio pavor para a confissão da anfitriã e saiu da rodinha para buscar mais refrigerante, batendo com força o solado dos tênis para fazer as luzinhas nele acenderem. Eu deveria simplesmente ter desconversando e ido com ela, mas me sentia encurralada pela abordagem da Victoria e seu grupinho de mocinhas que queriam ser mais velhas do que realmente eram. Eu já era tida como uma espécie de aberração por não ter pai nem mãe, não queria ficar ainda mais fora da curva por ainda não ter dado o meu primeiro beijo.
— Claro que eu já fiz isso. — menti. — Eu já beijei um garoto sim.
— Quem? — Marie retornou com o copo cheio de coca-cola e a cara de pavor ainda mais agravada. — Eu pensei que você gostasse do coreano novato! Eu vi o nome dele no seu diário, você escreveu com glitter e vários coraçõezinhos, está lá bem grande assim: LEE SEOKMIN…— ela desenhou o nome no ar e as luzes no tênis acenderam novamente, dessa vez por causa do pisão que eu dei no pé dela.
Os murmúrios das risadinhas abafadas preencheram o quarto. Vic tinha nos convidado para vê-lo depois da reforma e para provar que não haviam mais bonecas na sua prateleira, já que aquilo era “coisa de criança” e ela não era mais uma. A cama dela também não tinha mais o ursinho de pelúcia em cima ou a roupa da Barbie, agora era coberta por um tecido roxo e várias almofadas coloridas, onde eu pensei seriamente em enfiar a cara, porque minha melhor amiga linguaruda tinha acabado de soletrar o meu maior segredo: eu estava apaixonada por .
E ele estava lá embaixo na festa.
— Nós te desafiamos a subir na minha casa da árvore e dar um beijo nele! — Victoria anunciou depois de cochichar com as outras Bratz, como Marie costumava chamar.
— Eu aceito. — inflei o peito, procurando por confiança. — Como eu disse, não é novidade, eu já fiz isso antes.
Mentira. Mais uma das várias que eu costumava contar para me sentir aceita onde quer que fosse, até mesmo num grupo de aspirantes a Meninas Malvadas na sexta série. Marie apertava minha mão e me perguntava se era isso mesmo que eu queria fazer, se não tinha medo de ficar grávida assim. Eu não tinha tanta certeza quanto aparentava, até porque era bonitinho demais para eu saber qualquer coisa, e só a lembrança do rosto dele deixou minhas pernas feito geleia quando subi para a casinha da árvore no quintal dos Evans. Passei o brilho labial de morango trêmula, quase arrependida de estar ali. Meu estômago fazia borboletinhas e, sem nem precisar olhar no espelho, sabia que estava corada. A madeira da escada rangeu e a pequena porta da casa abriu, revelando a figura do novato que estava causando o maior alvoroço na escola e no meu coração pré-adolescente. Lá estava ele, com o cabelo úmido de gel e um sorriso largo e fácil.
— Você sabe como é? — ele me perguntou, sem jeito.
— Sei. Assim, ó.
Foi o que eu respondi, mas como eu não sabia, só apertei muito os olhos e fiz um bico. encostou na minha boca com força e parecia que tinha um exército de formiguinhas dançando pelo meu corpo inteiro quando ele fez isso.
— Ai! — reclamei quando ele bateu o nariz no meu.
— Eca! Esse negócio escorrega! — limpou o brilho da boca e ficou me olhando com uma tremenda cara assustada. — Você é minha namorada agora?
— Não sei. — as borboletas todas bateram as asas de uma vez só. — O que uma namorada faz?
— A namorada do meu irmão senta perto dele quando vai almoçar na nossa casa. — ele espalmou as mãos para cima. — Acho que é só você sentar perto de mim na escola.
— Tá bom.


Alguns anos se passaram desde que eu aceitei sentar perto de na escola. E foram tantos que ninguém mais sabia quem era , os estudantes do West High, agora, só conheciam o famoso jogador de futebol que ele havia se tornado, o artilheiro DK, apelido que o time cunhou quando o escolheram para ser capitão. DK desfilava pela escola com sua jaqueta dobrada até o antebraço (mania que, por alguma razão que eu não entendia, deixava ele 200% mais charmoso) e o brasão de espadas cruzadas do West Warriors na braçadeira. Era apropriado que o símbolo do time fosse algo que remetesse à realeza de um príncipe, porque era exatamente o que ele era. Já eu, ainda era uma mistura de “a órfã que sobreviveu ao acidente de carro que matou os pais” com “a aluna popular e rica que passava as férias na Europa com o lado italiano da família”. E nenhuma dessas versões da era, de fato, a namorada oficial de DK, porque de tanto sentar perto, ele e eu acabamos desenvolvendo uma sólida amizade no lugar de um romance.
Mas eu estaria mentindo se dissesse que ele não me causava mais as borboletinhas do nosso primeiro beijo. Especialmente porque ele tinha ficado muito mais bonito desde então.
E muito mais alto.
Muito mais encorpado.
Mas muito mais irritante.
Estávamos no período de exames admissionais para a faculdade e o pânico era geral, mas eu me sentia ainda mais perdida que o resto dos alunos por não ter certeza de qual curso escolher. Sabia para que universidade eu queria ir, a Saint Peter, sonho que eu dividia com a Marie Bee desde que conhecemos o campus numa excursão escolar anos atrás, mas ainda tinha dúvidas sobre o que queria estudar lá. Meu avô, Alfred, nutria esperanças de que eu enveredasse pela Administração para cuidar do conglomerado industrial da nossa família, um verdadeiro império de máquinas e fumaça que nunca me despertou muito interesse. Minha melhor amiga, metódica e maníaca por controle, tinha os próximos dez anos da vida dela milimetricamente planejados em post-its com metas espalhadas pelo quarto. E até mesmo , astro do esporte, já tinha sua vaga quase garantida para explorar uma paixão que destoava da figura famosinha e descolada que ele era: Química, especificamente as misturas para fármacos. Todo mundo sabia o que fazer: Marie Bee seria doutora em Psicologia, faria carreira na Pharm Labs e eu… Eu provavelmente morreria asfixiada num escritório cinza da Chevalier Industries.
Era como se eu não coubesse em lugar nenhum.
Por isso eu, com meus 17 anos, tentava estar em todos. Festas, jogos, viagens, qualquer que fosse a social, eu estava lá. Gostava de me cercar de gente e de barulho para me distrair do oco dolorido que pungia no meu peito e não me deixava sequer tomar uma decisão sobre o meu futuro — talvez por eu quase não ter tido um. Talvez por, lá no fundo, eu querer ter interrompido tragicamente a minha existência junto com a dos meus pais.
Henri Chevalier, meu pai, era um cara de gostos simples. Até conhecer minha mãe, o furacão Cassie. Ela era enérgica, solar, uma fagulha que rapidamente se espalhava por onde quer que passasse. Tudo era dela, e ela ocupou brilhantemente todos os espaços, todos os dias e todo o amor da vida do meu pai. “Maré intensa quebrando numa praia calma”, era assim que meu avô sempre me falava dos dois. O pouco que eu me lembrava dos cinco anos que me deixaram viver perto deles era que papai andava sempre com um livro e mamãe tinha uma fivela linda de madrepérola. Linda feito ela. E que eles eram doces e me abraçavam quente.
— Ei! — fui despertada do meu devaneio com uma voz suave. — O sinal já tocou duas vezes. Mais uma e estaremos com problemas. Vamos? — me estendeu o braço exposto.
— Não vou sentar perto de você hoje, . — recusei a gentileza e juntei as folhas no meu fichário, incluindo a redação que a senhora Henderson havia pedido para a aula de Literatura. — Suas gracinhas me desconcentram e eu preciso prestar atenção nessa aula.
— E eu preciso disso aqui. — puxou meu livro de inglês. — Eu esqueci de trazer o meu e se eu levar mais uma advertência, eu tô fora do próximo jogo.
— Inferno, ! — praguejei no meio do corredor quase vazio. — Me devolve!
— Vem pegar. — ele piscou, galante. Lá vinha o exército de formiguinhas outra vez. Maldito zoológico de .
— Sabe que eu posso te dedurar pra professora e você vai acabar fora do jogo do mesmo jeito, não é? — dei de ombros e articulei um blefe.
— Me ajuda aqui, . — um biquinho irresistível. — Eu passo na sua casa mais tarde e te devolvo.
era uma presença constante na minha casa, para desespero do meu avô e, especialmente, da nossa governanta, Dorota. Muitas vezes, viramos as noites assistindo filmes e muitas vezes mais fomos pegos não assistindo. A língua de sempre ia parar dentro da minha boca entre uma cena e outra e Dorota ameaçava nos acertar com um balde de água gelada quando os amassos no sofá ficavam arriscados demais. A vigilância dobrou desde que a notícia sobre a minha primeira vez ter rolado com um belo rapaz italiano nas minhas férias anuais em Florença espalhou-se, mas e eu nunca saímos dos beijos. E se só os beijos já eram gostosos daquele jeito, então
— Meu avô já avisou que da próxima vez vai te receber com a carabina de caça dele. — tentei alcançar o livro outra vez.
— Não é comigo que ele tem que se preocupar, eu não sou o tal italiano com quem você se enrolou na sua última viagem. — levantou o braço mais alto.
O modo como ele juntou o cenho naquela vez (e em todas as vezes em que o assunto “o carinha de Florença” vinha à tona) me fez amolecer um tanto, porque quando eu me colocava no lugar dele e invertia a situação, eu entendia o sentimento. Eu também não ficava muito feliz de saber que o capitão DK já havia iniciado sua vida sexual com as líderes de torcida, mas não pude me ater ao meu desgosto porque o Inspetor Jones começou a caminhar em nossa direção, deixando bem óbvio com suas passadas raivosas que aquele drama juvenil de quem transou primeiro não o agradaria. Troquei um olhar cúmplice com e nós dois arrancamos para a sala de aula antes que o encurvado senhor nos alcançasse.
Era dia de uma das minhas atividades preferidas na aula de Literatura: a senhora Henderson nos separava em duplas e tínhamos que trocar nossas redações, sugerindo melhorias no texto do colega, algo que ela chamava de revisão em pares. Enquanto a maioria dos alunos aproveitava a ocasião para conversar sobre assuntos que não conjugações verbais e gramática, eu vasculhava a redação da minha dupla, estudando-a, entendendo-a, reescrevendo-a para ficar irretocável. A professora já havia notado minha empolgação e mencionado que eu fazia intervenções muito pertinentes, mas, mesmo compenetrada na minha tarefa, eu tirei um tempo para observar perplexo no fundo da sala, revirando o livro de inglês que ele me tomou com um olhar vazio e o queixo apoiado no punho cerrado.
— O que você fez com ele? — Marie Bee apontou por cima do ombro e encostou a carteira dela na minha quando terminou a atividade.
— Eu? Nada. Só disse que meu avô quer a cabeça dele. — confessei.
— Coitado, . — Marie me repreendeu. — Ele já está todo tristonga com ciúmes do seu Florença lá. Como é mesmo o nome dele?
— Pietro. — respondi depressa. — Pietro Bianchi.
— Pietro… — Marie repetiu, estranhando. — Engraçado, eu podia jurar que você tinha me dito outro nom-
— Eu tenho que ir. — dei um beijo na bochecha de Marie quando o sinal disparou, interrompendo-a. — Te ligo mais tarde, ok?
As demais aulas passaram rapidamente e a última do dia aconteceu em um dos laboratórios, sem a presença de DK e seu time, dispensados para um treino extraordinário por causa do final da temporada. Era a época em que os olheiros da faculdade começavam a passear pelas escolas para ver de perto os jogadores que se destacaram e estava na mira de um deles. Ao final do sexto tempo, passei pelo campo e vi que a prática dos West Warriors já tinha acabado, então peguei o túnel entre as arquibancadas e fui decidida até o vestiário.
— Cheiro de macho. — resmunguei ao entrar, vendando os olhos e ouvindo a algazarra causada por uma presença feminina ali. — Eu sei, eu sei, vocês nunca viram uma mulher antes. Agora me levem até o seu líder.
? — reconheci a voz de .
— Ah, você está aí. — tirei as mãos dos olhos e me vi cercada por um time inteiro, peito, perna e hormônio pra tudo quanto era lado. Alguns se escondiam atrás das roupas, outros, só de cueca, me mediam de cima a baixo, mas nenhum sequer chegava perto porque ameaçava todos com um olhar estreito.
— Circulando, moças! — o capitão DK ordenou aos companheiros e bateu palmas.
Os rapazes foram ficando decentes e saindo um a um, trocando gracinhas e soltando piadas idiotas para as quais eu apenas rolava os olhos. Eu sabia que minha reputação havia mudado depois que Victoria Evans — sempre ela — ventilou a história sobre Pietro pelos corredores, mas eu tinha questões mais importantes do que a fofoca envolvendo meu nome e minha virgindade perdida.
— Você percebeu que esse vestiário é só para meninos, não é? — ele girou os dedos, abrangendo o ambiente, e eu me dei conta de que ele estava pingando do banho e com uma toalha enrolada na cintura. E a toalha descia perigosamente cada vez que ele se mexia.
— Você está com o meu livro. Eu preciso dele. — avisei. Precisava ser rápida ou as entradas dele aparecendo bagunçariam todas as palavras na minha cabeça.
— E com qual pretexto eu vou aparecer no seu quarto mais tarde? — ele pôs as mãos nos quadris, evidenciando a cintura fina.
— Não quero que você apareça.
— Mentindo pra mim a essa altura da nossa amizade colorida, Chevalier? Seu nariz vai crescer. — ele apertou a pontinha da cartilagem e se aproximou.
— O que você está fazendo? — perguntei quando ele passou o braço forte e definido ao lado da minha cabeça, apoiando-o no armário.
— Estou tentando pegar o seu livro. — o corpo amornado do banho chegou mais perto do meu e eu senti um cheiro gostoso de xampu e sabonete. — Ou não foi por causa dele que você invadiu o vestiário masculino?
— Que outro motivo eu teria? Não gosto de você tanto assim. — tentei fingir indiferença ao peitoral e abdômen musculoso a centímetros de mim.
— Sempre cheia de mentirinhas para mim. — ele sussurrou, ainda me mantendo contra o metal. — Desde o beijo na casa na árvore. — ele abriu um meio sorriso e eu bati outra vez no armário, sem saída.
— Que beijo? — quis me mover, mas já era tarde. — Aquele beijo nunca aconteceu.
— E esse aqui?
puxou minha cintura e eu senti o gelado da corrente de prata contra o meu colo me enfraquecer as pernas. Nossos lábios se encostaram minimamente e ele me provocou, raspando pela minha boca enquanto sorria. Ele sorria o tempo todo e aquilo me deixava maluca. Tão maluca quanto a língua dele que, sem pedir licença, se enrolou na minha.
— Eu fiquei bem melhor nisso, não foi? — ele murmurou dengoso, partindo o beijo.
— Foi. E eu te odeio. — bufei.
— Você tem que parar de mentir para mim, . — ele me selou. — Um sorriso só e eu quebro você.
O pior de tudo era que ele não estava errado.




Continua...


Nota da autora: Essa história se passa bem antes dos eventos de Shadow, my Shadow e eu espero que ela também conquiste você!


Se você encontrou algum erro de codificação, entre em contato por aqui.


Barra de Progresso de Leitura
0%