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Revisada por: Júpiter

Última Atualização: 15/08/2024

Histórias começam e terminam o tempo inteiro. Todos os dias, horas, minutos, segundos e milésimos de segundo do espaço e tempo em que existimos são permeados por começos e finais que coexistem entre si. Há quem diga que essa é a beleza da vida, há quem diga que essa é, na realidade, uma das grandes tragédias dela: a indiferença dos novos começos enquanto toda a sua vida é profundamente abalada por um final.


“The day our hearts would start that forever aching
When we found out how cruel both life and death could be.
The last day we’d ever feel whole
The anniversary of the day you died
And so many parts of me did too.”

— Sara Rian

observou atentamente a tela do celular enquanto o relógio virava das 23:59 para 00:00, do dia 02 de setembro para o dia 03 de setembro. Havia quatro anos que instalara a tradição mórbida de “comemorar” aquela data se entorpecendo no Goela Bar, um dos bares localizados no coração da Vila Madalena, um dos bairros mais agitados da cidade de São Paulo.
— Sinto sua falta, Vi — murmurou quase que para si mesma, erguendo a dose de tequila para o céu, brindando com um sorriso ladino antes de bebê-la como quem bebe água.
Há algumas mesas de distância, a virada para a meia-noite do dia 03 foi acompanhada por um coro da canção “Parabéns pra você”, o que, para , era no mínimo, irônico. Era aniversário de , um dos melhores amigos de , dono do Goela, que fazia parte daquela comemoração com a atenção dividida entre o grupo de amigos e a me que, religiosamente, aparecia naquela data, completamente sozinha, e consumia quantidades de álcool o suficiente para desmaiar em algum dos banheiros do bar.
Foi assim que e se conheceram há 4 anos: quando uma das funcionárias a encontrou desacordada e chamou para que decidissem o que fazer, já que a garota estava desacompanhada e não havia mais ninguém naquele final da madrugada que pudesse estar com ela. Enquanto a levava até seu escritório nos fundos do estabelecimento, balbuciava com bastante dificuldade o que parecia um pedido desesperado para que não fosse deixada sozinha, e que a levassem para qualquer lugar que não a própria casa. Sem saber o que fazer, mas com a certeza de que não poderia deixar uma mulher sozinha naquele estado, deixou que ela dormisse no sofá de seu escritório e por ali passou a noite em uma poltrona, guardando seu sono. Após aquele dia, e engataram em uma amizade na qual se recusava a mencionar o ocorrido, sempre fugindo do assunto em qualquer oportunidade que encontrava para abordá-lo, pelo menos até que, no ano seguinte, naquele mesmo dia nos primórdios de setembro, o episódio se repetiu, e, antes de perder a consciência, finalmente compartilhou com o significado daquela data. O dia em que toda a vida que conhecia e a que planejava mudou definitivamente.
Ao final do parabéns, rapidamente abraçou , desejando as felicitações, e pediu licença, indo em direção à mesa ocupada por sua amiga.
— Apesar de saber que a resposta vai ser não… alguma chance de você querer companhia?
— Obrigada, mas a resposta ainda é não.
Respeitando a amiga, continuou noite adentro ora com o grupo de amigos, ora orientando os funcionários, mas em todos os momentos de olho em , esperando pelo momento onde seria chamado para ajudá-la enquanto passava mal e levando-a para sua própria casa com o nascer do dia, como fizera nos dois anos anteriores quando já tinham intimidade o suficiente para tal. Sabia bem que, na primeira parte da manhã após acordar, choraria inconsolavelmente até cair no sono novamente e, pelo restante daquele dia, tentaria adormecer todos os sentimentos que aquela data lhe causava com mais álcool, somente para no dia 04 levantar e seguir sua vida de forma inabalavelmente responsável, conforme sabia que ela era em todos os demais dias do ano.
Seguindo o roteiro já esperado, algumas horas à frente dali, um dos barman se aproximou discretamente do grupo de , o alertando de algo e fazendo um movimento com a cabeça em direção aos banheiros. Aquela era a deixa de para encerrar o expediente.
Àquela altura, somente alguns sobreviventes do grupo de seu amigo ainda estavam no Goela, de forma que foi relativamente fácil dispersá-los e orientar seu gerente para que terminasse de fechar a casa. Uma vez que já sabia como aquela noite terminaria, havia optado por ficar sóbrio e, portanto, se ofereceu para deixar em casa. Quando estava seguro o suficiente de que não vomitaria no seu carro durante o trajeto, finalmente a colocou deitada no banco de trás para que pudessem ir embora.
— Qual a história com a , mano? — finalmente tomou coragem de perguntar. Ele e eram amigos desde o que parecia sempre e trombou com esporadicamente o suficiente para notar alguns padrões: a mulher não gostava de falar sobre si mesma e, desde que soube que ela e eram amigos, soube também que, no dia do seu aniversário, tinha, em primeiro lugar, uma missão: garantir que passaria pelo dia 03 de setembro ilesa, pelo menos no que dizia respeito à sua integridade física.
— Hoje é um dia complicado pra ela — respondeu, de forma evasiva.
— Isso não é difícil de notar, mas já entendi, esse não é um assunto sobre o qual você queira falar.
— Não é um assunto sobre o qual me cabe falar.
— Entendi. De qualquer forma, mais tarde os moleques vão colar em casa pra beber algo e fumar um, se achar que pode tornar o dia dela menos complicado, ela será bem-vinda.
— Valeu, mano, acho difícil ela topar, mas vou tentar.

Mais tarde naquele dia, acordou no sofá de se sentindo como se tivesse sido atropelada, não somente pela ressaca, mas porque todo o seu corpo doía até ao simplesmente respirar. A sensação de estar sendo engolida pelo luto como se não tivesse se passado um único dia desde que se despediu de Victor pela última vez sempre a pegava de surpresa em momentos como aquele. Um soluço esganiçado escapou de sua garganta, dando início a um choro doloroso e desesperado que não havia nada que ela ou ninguém pudesse fazer para evitar. Não sabia exatamente em que momento se aproximou, sentando-se no sofá e amparando a sua cabeça em seu colo e ali ficou, completamente em silêncio, acariciando seus cabelos, sem nenhuma pretensão de solucionar alguma coisa, somente para que ela soubesse que ele estava ali. E, lutando contra a vontade de afastá-lo, pela primeira vez ela se permitiu ser acalentada até ser vencida pelo cansaço mais uma vez.
Quando acordou em definitivo, já não estava mais deitada no colo do amigo, mas ele estava sentado em uma das poltronas, atento aos seus movimentos.
— Como está se sentindo?
— Como se fosse 03 de setembro — respondeu, mal-humorada, enquanto se levantava devagar, avaliando se a náusea a faria correr para o banheiro ou se estava bem.
— Eu tenho um discurso — começou, cauteloso, recebendo um olhar ameaçador em retorno, como um aviso. — Eu sei que esse é um tema em que você já desenhou seu limite, mas… até quando você vai continuar fazendo isso? Está ficando pior a cada ano, ao invés de melhor.
— Nós não vamos ter essa conversa, nem hoje, nem nunca — falou, categórica, levantando-se e começando a dobrar as cobertas que estavam espalhadas pelo sofá, de costas para .
, fazem anos… — ele pausou antes de repetir: — Anos… — Se aproximou por trás da amiga, tocando seus ombros com cuidado em um pedido que se virasse para ele, e, quando ela o fez, os olhos dela estavam vermelhos e transparecendo uma mágoa que nunca antes tinha sido direcionada para ele. Antes que pudesse continuar, ela o interrompeu, com uma fúria na voz que não combinava em nada com o tom baixo que utilizava:
— Você não precisa me falar quanto tempo faz, , eu vivi cada dia desses quatro anos, consciente de cada segundo deles, para o meu azar.
— Até quando você vai agir como se quisesse que tivesse sido você a morrer? — continuou, sem se deixar intimidar pela maneira com que o olhava e respirava, claramente se contendo para não explodir em sua cara.
— Talvez até quando eu não queira mais que tivesse sido.
— Você acha que o Victor gostaria de…
Mas ele não conseguiu completar seu raciocínio, porque o acertou no rosto com um dos punhos fechados e gritou:
— Não ouse me dizer o que Victor gostaria ou não, não aja como se o conhecesse, PORQUE VOCÊ NÃO O CONHECIA — ela continuou desferindo golpes em , com os dois punhos, dessa vez no peito, antes de começar a perder as forças nos braços quando mais um episódio de choro a atingiu. a segurou em um abraço forte, sustentando todo o seu peso, até que se acalmasse longos minutos depois.
Quando a soltou, afastou as lágrimas do seu rosto inchado e avermelhado com os polegares e beijou a testa dela.
— Eu sei que eu estou ultrapassando um limite e talvez você me odeie quando esse dia acabar, mas eu não vou mais ficar só te olhando reviver o dia da morte do Victor porque você tem alguma ideia deturpada de que, se não o reviver, vai estar de alguma forma o abandonando. Você tem outros quase 10 anos de dias com ele em que se apegar, dias felizes, dias comuns, mas você precisa pelo menos tentar passar pelo dia de hoje como um dia como qualquer outro, porque, no fim, é isso que ele é.
— Eu não consigo, . O meu corpo inteiro me diz que, a qualquer momento, às 14:37, o meu celular vai tocar me pedindo para ir até o hospital receber a pior notícia da minha vida, pedindo que eu me despeça do amor da minha vida, e siga nesse mundo completamente sozinha. De novo e de novo — soluçou, com todo o corpo tremendo, seu rosto revirando em dor só por reviver o pior dia da sua vida dentro de sua cabeça.
— Isso não vai acontecer, sabe por quê? — ele sorriu, complacente, sabendo o quanto insistir naquele diálogo era cruel da parte dele, mas sabendo que era exatamente o que deveria fazer, porque, depois de anos de amizade com , sabia que alguém precisava fazê-lo. — Porque já aconteceu, . E você sobreviveu, mas está na hora de fazer mais do que apenas sobreviver. Você precisa começar a viver novamente. Sabe de o que mais? Você está certa, eu não conheci o Victor, mas eu conheço você, eu amo você, e é claro que não como ele amou, mas o suficiente para saber que te ver agarrada a esse sofrimento, como se não pudesse soltá-lo, acabaria com ele, da mesma forma que está acabando com você, como acaba comigo todas as vezes em que eu te vejo se escondendo da vida.
O peito de doía pelas palavras do amigo, principalmente porque sabia que tinham um fundo de verdade. pode não ter conhecido Victor, mas estava certo ao dizer que a forma com que levava aquele dia, e como grande parte de sua vida ainda era controlada pela perda, acabaria com ela.
Após alguns minutos de soluços, lágrimas escorrendo silenciosamente pelo rosto e uma reflexão conflituosa dentro de sua cabeça, finalmente respondeu:
— Eu vou tentar. Mas talvez eu realmente te odeie no final do dia.
— É um risco que eu estou disposto a correr. Se você terminar esse dia me odiando, mas descobrir que consegue passar pelo dia de hoje de uma forma diferente, eu posso viver com isso. Hoje é aniversário do , do rolê da música, sabe? Ele convidou a gente pra colar na casa dele mais tarde.
— Me parece uma péssima ideia. — Foi a resposta dela.
Mas abriu o sorriso que sempre abria quando queria convencê-la de algo, o sorriso que quase nunca falhava em melhorar o seu dia, e ela ponderou. Desde que conheceu , ele nunca pensou duas vezes em ir ao seu resgate, fosse naquela situação que se repetia pela quarta vez ou para matar uma barata que apareceu na cozinha certa vez, ainda que eles não morassem tão perto assim. Ainda que fosse aniversário de um de seus amigos mais antigos, ele nunca hesitou em não comparecer às comemorações e ficar ao lado dela, mesmo naquele primeiro ano, quando eles ainda eram dois desconhecidos. Ainda que pela idade nunca tivessem se dado esse título, ele era o que ela poderia chamar de melhor amigo e ele não estava errado: ela estava tão apegada ao sofrimento, que sequer conseguia pensar com clareza no que a ver daquela forma fazia com as pessoas que a amavam.
Ela se forçou a sorrir de volta, sem muita vontade, mas concordando, e seu melhor amigo comemorou, a abraçando e tirando-a do chão.
Durante as horas seguintes, decidiu dar a um pouco de espaço para absorver o grande passo que havia decidido dar, por isso não discutiu quando ela disse que iria para casa descansar para que pudessem sair à noite, ainda que soubesse que pensar demais poderia levar a amiga a desistir. combinou que, daquela vez, seria a motorista da rodada, como uma forma de que ela estivesse comprometida não só a levá-lo, mas a de fato, pela primeira vez, atravessar o dia sóbria.
Quando fechou a porta do apartamento atrás de si, recostou-se sobre o objeto e inspirou profundamente, tentando encher seus pulmões com a maior quantidade de ar possível e focar apenas na sensação de soltar todo o ar pela boca, em uma contagem regressiva do dez ao zero, com medo de que, caso não se ativesse às sensações reais do seu corpo, desmoronaria e não conseguiria sobreviver.
Isso é algo que ninguém te conta sobre o luto: nos primeiros dias, todas as pessoas à sua volta se preocupam com os seus movimentos, até mesmo com o som da sua respiração, como se achassem que a qualquer momento você pudesse se partir em pedaços. Conforme os dias passam, as ligações ficam mais espaçadas, as mensagens não chegam mais todos os dias e a sua melhor amiga desiste de te convidar para jantar quando tudo o que você faz é recusar os convites. No mês seguinte, a vida continuou e ainda que não digam em voz alta, todos esperam que a sua também continue, ainda que você saiba que nada, nunca mais, será como foi um dia.
Anos depois, a ausência te atinge com a mesma força do dia um e você precisa se sustentar em uma superfície plana enquanto controlar a própria respiração parece uma tarefa tão árdua que qualquer deslize poderia levar todo o seu progresso para a estaca zero.
Ao terminar a contagem, foi até seu quarto e se pegou espalhando pela cama as poucas lembranças físicas que ainda guardava de Victor, se surpreendendo ao gargalhar com os olhos marejados, segurando o jogo de pega-varetas barato que Vi havia ganhado para ela na pescaria em uma quermesse, no primeiro ano de namoro deles. Com as lembranças daquele dia ecoando em sua cabeça, adormeceu em meio aos itens.

— Mariiii-naaaa — o homem cantarolou, esticando a mão direita na direção dela, que a aceitou de bom grado, sendo puxada para um abraço desajeitado.
A daquela lembrança era bem mais jovem, seus braços ainda não estavam cobertos por 30% das tatuagens old school que os cobriam atualmente. Ela sorriu ao ver suas versões jovens caminhando pela Quermesse do Calvário, uma das quermesses mais tradicionais do bairro de Pinheiros, em São Paulo, alheias ao que o futuro lhes reservava.
— Eu pensei que você fosse bom na pescaria, foi o que me venderam, pelo menos. — a jovem provocou, estalando a língua no céu da boca, ao que Victor revirou os olhos dramaticamente.
A do presente olhou em volta para o ambiente que se tornaria frequentado por eles pelos quase 10 anos seguintes, a rua Cardeal Arcoverde estava cheia de bandeirinhas de São João típicas da época, e barracas diversas com estruturas de madeira lado a lado se estendiam dos dois lados da rua. Sua própria voz chamou novamente a atenção para o casal.
— Vem, estão anunciando que o bingo vai começar em 10 minutos. Diferente de você, eu realmente sou MUITO boa nisso.
— Não, . O está te esperando, você vai se atrasar.
De repente, Victor estava mais sério e parecia bem mais velho e a menção a a fez notar que aquela não era mais a lembrança original. Uma pontada no peito a trouxe de volta para a realidade em que vivia, da qual Victor não era mais parte. Ela pôde notar a confusão no olhar da jovem para o namorado, sem entender do que exatamente ele estava falando, e começou a correr na direção deles, chamando pelo nome de Victor, mas não importava o quanto corresse, a distância entre ela e o casal à sua frente se mantinha a mesma, como se ela nunca estivesse de fato se aproximando. Correu e gritou por Victor pelo que parecia tanto tempo que suas pernas começaram a queimar e respirar ficou cada vez mais difícil, mas quando finalmente foi vencida pelo cansaço e parou, Victor a olhou. Não para a tantos anos mais jovem bem ao seu lado, mas para ela, a do presente, com o mesmo brilho nos olhos com que sempre a olhava, e sorriu antes de dizer:
— Você precisa ir, ele está te esperando — abriu a boca para contestar, mas Victor não lhe deu a chance, finalizando: — Estou orgulhoso de você.
despertou em um pulo, completamente sem fôlego, com a porta do quarto batendo por conta da corrente de vento que entrava pela janela e, ao olhar para fora, notou que já havia escurecido. Vasculhou rapidamente a superfície da cama em busca de seu celular para ver o horário e respirou aliviada ao ver que, por pouco, não estava atrasada. Passou os olhos mais uma vez por algumas das fotos reveladas dela e de Victor antes de guardar todos os itens de volta na caixa e ir para o banho, após enviar uma mensagem de áudio para , o avisando que se atrasaria em 15 minutos.

Quando sugeriu despretensiosamente que levasse à sua comemoração de aniversário, a última coisa que ele imaginou é que qualquer um dos dois apareceria, mas, contrariando o que ele acreditava, os dois haviam passado as últimas horas interagindo com o pequeno grupo de convidados e o aniversariante.
Desde que aparecera na vida de e consequentemente se tornou uma presença na vida de , o intrigava, mas, naquele dia em especial, sua curiosidade sobre a mulher era praticamente palpável. Ela sorria, ria, conversava e interagia com pessoas que havia acabado de conhecer como se fosse natural, mas quando a atenção finalmente não estava em si, era quase como se uma luz por trás de seus olhos, que os tornava tão atrativos, se apagasse, e ela precisasse de um tempo em silêncio para se recuperar do esforço que aquelas interações estavam exigindo dela. Sua suspeita era confirmada pelo comportamento de , que a observava como um guardião, estudando em seu rosto qualquer sinal de desconforto para que pudesse resgatá-la, mas que relaxava quando ela, sem que ninguém notasse, apenas assentia em um movimento de cabeça que estava tudo sob controle.
pegou uma lata de Coca-Cola e cochichou algo para , que em resposta apenas tirou o maço de cigarros e o isqueiro do bolso e a entregou. Ao vê-la ir para a varanda, pensou ser a oportunidade perfeita para se aproximar e tentar enxergar um pouco por trás da máscara que utilizava quando se notava o centro das atenções de um grupo de pessoas. Precisava conhecê-la.
— Posso? — perguntou por trás da mulher apoiada no parapeito, que puxou mais um trago no cigarro.
— A casa é sua, literalmente. — Soltou o ar pelo nariz em uma risada fraca, sem precisar olhar para trás para saber quem era, e apenas continuou fazendo o que estava fazendo, como se não tivesse sido interrompida. acendeu seu palheiro e a acompanhou, mimetizando a posição de ao lado dela, também se apoiando no parapeito. Após longos minutos em silêncio, incerto sobre o que dizer, ele arriscou:
— Eu não sabia que você fumava. — E imediatamente se xingou mentalmente pela completa incapacidade em puxar assunto de forma adequada.
— Eu não fumo — disse, o olhando — e você não me conhece. — Pegou de surpresa pela hostilidade, completamente oposta ao que ele observou dela nas últimas horas e pelo pouco que sabia dela pela sua amizade com . apagou o cigarro e virou as costas, na intenção de voltar para dentro do apartamento, sem ao menos entender porque havia dito aquilo, se arrependendo instantaneamente, porque aquela não era ela, não de verdade.
não era, de forma alguma, uma pessoa desagradável, mas a aproximação claramente proposital de a deixou na defensiva. Em geral, as pessoas a evitavam quando ela se afastava em silêncio e não abria espaço para bate-papos sem significado, mas ele havia feito o exato oposto, a pegando desprevenida. Ela parou no meio do caminho, fechou os olhos e respirou fundo a contragosto, se odiando por saber exatamente o que faria a seguir. Então, se virou, voltando para o lugar de onde havia saído, ao lado dele, que apenas a analisava, incerto.
— Isso não foi justo. Me desculpa.
— De boa.
— Hoje só é um dia complicado pra mim e eu estou tentando fazer algo diferente dele. — continuou falando, mesmo quando sua racionalidade apenas a pedia para que ficasse em silêncio e não piorasse o climão que havia criado.
— Foi o que eu ouvi. Mas sem ressentimentos — ele disse sem desviar os olhos do rosto dela, que já olhava novamente para a frente como se qualquer coisa fosse mais interessante do que encará-lo de volta. Eles ficaram por alguns minutos em um silêncio estranhamente confortável, então acendeu um segundo cigarro e, por alguma razão, perguntou:
— Você já se pegou pensando que, enquanto você faz aniversário e comemora sua vida, outras muitas vidas podem estar acabando, neste exato momento? — Ela o olhou, buscando por qualquer vestígio de desconforto, mas não encontrou. tragou seu cigarro de maneira inabalável, antes de responder.
— É assim que a vida funciona, não é?
— Parece ser, apesar de tão cruel... parece ser exatamente assim que a vida funciona.
Outro longo silêncio se instalou entre eles, este parecia ainda mais confortável. não sabia por que havia entrado naquele assunto com , quando não entrava com mais ninguém, quando sequer conseguia falar em seus próprios pensamentos sobre ele. Talvez tenha sido o sonho que teve com Victor durante a tarde, a forma como ele disse que estava orgulhoso dela, mas, além disso, a forma como realmente parecia orgulhoso ao dizê-lo. Ela quase nunca sonhava com ele, mas de alguma forma era como se ele quisesse dizê-la que ouvir a era a decisão certa. No fim daquele segundo cigarro, ela deu um gole em sua Coca-Cola e fez menção a entrar e tocou seu pulso ligeiramente para chamar sua atenção.
— Quem foi? — Quando notou que ela não havia entendido, completou. — Quem foi que você perdeu em 03 de setembro?
Apenas um vislumbre de abalo cruzou o olhar de , mas rapidamente ela se recuperou. Ninguém nunca a havia feito aquela pergunta de uma forma tão direta, na realidade, não sabia se, nos últimos quatro anos, ela deu para alguém abertura o suficiente para que lhe fizessem. Então, balançou negativamente a cabeça para o homem, negando aquela resposta.
— Feliz aniversário, .
Foi só o que ela disse antes de voltar para dentro, como se aquela curta — mas significativa — conversa não tivesse acontecido.


Continua...


Nota da autora: Olá, olá! Adivinha quem veio com uma história novinha e original pra vocês? E essa é uma história que tem um lugar especial no meu coração, porque eu comecei a escrever ela quando eu estava vivendo um momento bem assustador na minha vida e de certa forma, ela me ajudou a racionalizar muitos dos meus sentimentos mais obscuros em relação ao luto e ao medo da perda. A é, de certa forma, uma parte de quem eu fui ano passado, e depois… como toda boa personagem ela se transformou nela mesma. Espero que gostem!

Nota da beth: EU CHOREI JÁ NO PRIMEIRO CAPÍTULO DA HISTÓRIA, VOCÊ NÃO TINHA ESSE DIREITO, NINAAAAAAA!!!!!! Brincadeiras à parte, achei linda a forma como os sentimentos da foram descritos, tudo muito envolvente 💜

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