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Revisada por: Saturno 🪐

Última Atualização: Agosto/2024.

Estava atrasada, para variar. Levantei-me da cama do hotel um pouco tonta, efeito das bebidas as quais tomei no dia anterior. Escovei meus dentes e segurei a vontade de vomitar. Tomei um remédio para que a sensação aliviasse, enquanto me vestia às pressas com uma das roupas que era da minha mãe. A peça é linda e simples, um vestido preto com brilhos “suaves” que, embora simples, demonstram elegância. Peguei um salto que combinava e me transformei em uma verdadeira mulher de negócios.
Não é muita coisa, já que nunca levávamos tanta bagagem no carro enquanto viajávamos. Saí do local e fui em direção ao meu veículo, um Chevrolet Camaro, 1969, conversível, onde passei muitos momentos da minha infância. Meu pai costumava viajar muito a trabalho, ele não parava em nenhum lugar. Íamos sempre com ele, nunca tivemos uma casa de verdade, muito menos dinheiro para comprar uma. Éramos fracassados, em outras palavras.
Comecei a dirigir enquanto pensava na importância daquele compromisso. Meus pais sempre colocaram muita fé em mim, diziam sempre que não queriam a vida que levávamos para mim. Me esforcei muito, principalmente depois que minha mãe morreu e meu pai partiu com outra mulher para uma cidade qualquer, a qual eu não faço questão de saber.
Ele me mandava dinheiro para que pudesse dar conta das hospedagens dos hotéis e gasolina, mas não o suficiente, também fazia alguns bicos para me sustentar. Eu era bartender no período da noite no bar dos irmãos John & Jenna, mais conhecido como JJ. Fiz faculdade em uma universidade pública, The City College of New York e aqui estou eu, em uma cidade enorme, onde ninguém liga para ninguém, prestes a ser entrevistada para conseguir o meu primeiro cargo como advogada no novo escritório da cidade, depois de quase um ano formada.
As pessoas não falam o quão difícil é conseguir um emprego depois da faculdade, ou a própria jornada na faculdade em si. Afastei esses pensamentos e pensei na minha vida depois de conseguir esse emprego. Eu poderia conquistar tantas coisas… poderia ter uma casa, uma de verdade, poderia ter dinheiro para comprar tudo o que quisesse sem ficar pensando que no próximo mês poderia não ter nada. As possibilidades eram infinitas e agora sentia elas tão próximas…
Cheguei ao novo escritório e fiquei impressionada com a beleza do novo prédio na cidade. Eu poderia ir ali todos os dias apreciar aquilo. Estava um pouco perdida, avistei a recepcionista e a interroguei:
— Com licença, vim para a entrevista de emprego de advogada, onde que fica?
— Veio um pouco atrasada e com roupas… bem horrendas — ela disse de maneira rude baixinho, mas com a intenção de que eu escutasse. Ela abriu um sorriso falso e continuou. — No décimo oitavo andar, querida, você pode pegar o elevador.
Abri um sorriso fraco e agradeci com a cabeça. Fui um pouco sem jeito para o elevador. Quando entrei, estava sozinha e notei um espelho, no qual eu fiquei me olhando e tentando me ajeitar. Encarei meu vestido e pensei no que a recepcionista disse, até que a porta do elevador se abriu, me dando um susto quando um homem entrou. Ele percebeu que me assustei com sua entrada e imediatamente minhas bochechas ficaram da cor vermelha. Ele me olhou por um tempo, abriu um sorriso e disse:
— Vejo que você ainda não se acostumou com os elevadores.
— Pois é — respondi, rindo um pouco da situação. — É a minha primeira vez aqui.
— Bom, ainda é o seu primeiro dia, depois você se acostuma com isso — o rapaz loiro me falou, como se tivesse acostumado com isso e com uma postura rígida, que logo estranhei.
— Espero mesmo, vim para a entrevista… Há quanto tempo trabalha aqui? — Puxei assunto, reparando no rapaz, que continuava a me olhar.
— Também farei uma entrevista. Qual será o seu andar? — ele me respondeu e percebi que não tinha apertado nenhum.
— Décimo oitavo — disse, sem jeito.
— Eu também — ele falou, com um sorriso. — Sabe, acho que temos muitas coisas em comum. — Ele começou a dizer e soltei uma risada sincera.
— Nós nos conhecemos há uns dois minutos — respondi.
— Já é o suficiente — ele continuou. — Estava pensando em, depois da nossa entrevista, sairmos daqui para tomar algo, o que acha? — ele perguntou, em um tom interessado, aguardando minha resposta.
— Não sei o seu nome, não posso sair com estranhos — disse, no mesmo tom, enquanto ele dava um sorriso.
— Meu nome é Dean. E agora não posso sair com uma garota que não sei o nome. — Ele estendeu a mão.
— falei, fazendo o mesmo gesto, por fim apertando as nossas mãos, exatamente no momento que o elevador se abriu para o nosso destino.
Estávamos atrasados, a última pessoa que estava na sala tinha saído da entrevista, quando uma voz feminina gritou:
— Próximo!
Segurei firme na mão de Dean e ele me perguntou:
— Está pronta? Pode ir na frente se quiser — ele falou, enquanto eu balançava a cabeça positivamente, tentando criar coragem.
— Obrigada — respondi e apertei um pouco mais a mão dele, até finalmente soltar e entrar na sala.

A entrevista foi um sucesso, finalmente encontrei um emprego e começaria no dia seguinte! Eles precisavam de advogados com urgência, duas vagas foram disponibilizadas e agora eu ocupava uma delas. Saí da sala e encontrei o homem bonito sentado, nos olhamos e eu disse:
— Boa sorte, Dean. — Minhas bochechas ficaram vermelhas novamente enquanto ia em direção ao elevador.
— Espera, me passa o seu número! — ele disse, se levantando em minha direção.
A porta se abriu e a mulher gritou novamente.
— Próximo!
— Você precisa ir. Se quiser beber algo à noite, basta me procurar em algum dos bares da cidade. Espero por você — disse, despertando o interesse do loiro e sua preocupação. Um impasse: me seguir ou ir à entrevista. — Te vejo por aí, Dean — falei, enquanto a porta do elevador se fechava. Tive tempo de ver sua expressão antes, ele estava boquiaberto.


Cheguei ao bar, pronta para o meu turno. Comecei a pensar se Dean iria me encontrar em um dos muitos bares de New York. Quais seriam as possibilidades de ele vir parar no JJ?
— Pronta para seu turno, querida? Como foi a entrevista? — Jenna disse, abrindo o sorriso assim que me viu na porta.
Somos tipo melhores amigas, embora tenhamos alguns anos de diferença, a vejo como uma irmã mais velha. Ela é a única amiga que tive durante todos esses anos que estive aqui e que permaneceu ao meu lado. Durante a faculdade, conheci algumas pessoas, mas nunca fui tão próxima. Acho que ser imprevisível fez eu me afastar do mundo.
— Estou mais que pronta. A entrevista foi… — Tentei fazer um suspense, com uma expressão triste. Vi que ela assumiu a mesma, então gritei: — Você está falando com a mais nova advogada do prédio! — disse, compartilhando finalmente com alguém esse feito tão importante para mim. Nos abraçamos e demos vários pulinhos, gritando de alegria.
— É isso aí, ! Eu te disse que ia dar tudo certo! — ela disse, enquanto nos desfazíamos do abraço.
— Eu tô tão feliz. Finalmente algo bom aconteceu! — disse, pensando sobre hoje.
— O que mais aconteceu? Você parece… distraída. Não me diga que se apaixonou pelo chefe — ela disse rindo e eu a olhei indignada. — Ai meu Deus, foi por ele? Sabe, acontece, né?
— Meu Deus, não foi nada disso. A gente não vive em uma fanfic, Jenna, por favor. — Tentei colocar um pouco de juízo em sua cabeça.
— Não tá mais aqui quem falou! — Ela levantou os braços como se estivesse sendo enquadrada e caímos na gargalhada. — Mas e aí, quer me contar quem foi o cara misterioso? Ou vai ficar fazendo suspense?
— Jen, ele é… diferente — disse, me lembrando dele. — Mas não foi nada demais, só que…
— Ai meu Deus, você tá apaixonada! — ela falou, sorrindo maliciosamente.
— Não! — rebati instantaneamente.
— Você deu seu número para ele? Ele te deu o número dele? Vocês vão sair? Me conta alguma coisa! — ela implorou.
— Não, ele não sabe meu número de telefone, nem eu o dele, mas marcamos de nos encontrar, mais ou menos.
— Onde? Quando? — A curiosidade estava matando a mulher.
— Hoje. Eu não disse que era aqui, mas pedi para ele me procurar em um dos bares da cidade — respondi, pensando no que disse.
— Você tá maluca? Nós estamos em New York, ele pode passar horas só pra te achar nesse fim de mundo que é o meu bar! — ela disse, quase me batendo por ter feito tal coisa.
— Segura a onda, talvez ele me ache… — falei, com pouca esperança, depois de perceber que ele poderia nem dar importância ao que aconteceu hoje.
— Por que diabos você não foi mais específica? — ela me perguntou, como se eu fosse insana. Talvez eu seja mesmo.
— Não tínhamos tempo para isso. — Dei de ombros.
, se ele te encontrar hoje, me promete uma coisa? — Ela me puxou pelo ombro para que nós pudéssemos nos olhar nos olhos.
— Sim? — disse, com medo do que sairia da boca de Jen.
— Você tem que se casar com esse cara. Sério — ela disse, me chacoalhando enquanto ríamos disso. — Eu tô falando sério — ela disse, estendendo o dedo miudinho. — Me promete?
— Tá bom, eu prometo. — Fiz o mesmo e apertamos nossos dedinhos, selando uma promessa.

Algumas horas habituais de cantadas baratas e bebidas servidas. Sempre olhava em direção à entrada, na esperança de que visse o homem novamente, mas estava praticamente sem nenhum tipo de esperança, até que, de repente, eu o vi entrar às pressas, acompanhado de um homem bem alto. Ele me avistou e um sorriso enorme se abriu automaticamente em meu rosto. Imediatamente me lembrei da promessa que fiz para Jenna e o quanto seria fácil para mim cumpri-la.
— Finalmente te encontrei! — ele falou, se juntando a mim junto ao mais alto.
— Pensei que não viria mais — disse, em um tom que forcei para que parecesse despreocupado.
— Você tem noção de quantos bares existem nessa cidade? — ele me perguntou cansado, eu sorri e olhei confusa para o moreno, que me encarou.
— Esse é o meu irmão, Sam. Sam, essa é a — ele falou, depois de perceber o que estava acontecendo. Estendemos nossas mãos e demos um aperto.
— Eu já estava achando que você não existia — ele disse rindo, me fazendo cair na gargalhada.
— Foi tão difícil assim me achar? — perguntei curiosa.
— Nas primeiras horas, eu já estava começando a me perder por aqui, até que Sammy, depois de achar que eu já tinha morrido por não ter dado sinal de vida, veio até mim, e aqui estamos, depois de mais algumas horas. — Ele pareceu cansado só de falar.
— Uau, vocês tiveram um trabalho e tanto. Que tal alguns drinks como recompensa? — disse rindo.
— Por favor, se puder, é claro — Sam disse, de forma gentil.
— Eu te imploro! — o loiro falou.
Coloquei uma das minhas bebidas favoritas para que eles tomassem e depois atendi rapidamente dois caras que estavam no balcão.
— Então, mais uma dose? — perguntei curiosa para saber o que os rapazes tinham achado da bebida.
— Com certeza — eles falaram em um uníssono.
— Sabe, uma das minhas partes favoritas no trabalho é poder descobrir essas maravilhas aqui — disse, pegando outro copo e colocando a bebida, brindamos e então percebi que ambos estavam vestidos formalmente. — Ao que se deve o traje especial?
— Isso aqui… — Dean disse, olhando para o bar.
— Me poupe, estamos em um bar — falei rindo e bebendo outra dose. — Vocês dois vieram de qual planeta? — perguntei interessada em saber mais sobre eles.
Notei que, logo atrás dos irmãos, algo estava acontecendo.
— Droga, de novo, não. — Pensei alto depois de ver a briga entre dois homens. Um deles acabou de quebrar uma garrafa de cerveja na cabeça de outro.
Corri para aparar tal coisa, mas fiquei um pouco receosa de me meter no meio. Os meninos vieram logo atrás, os separando e mostrando um distintivo aos homens que queriam se matar.
— FBI. Saiam do estabelecimento, os dois, agora — o loiro disse para ambos, que saíram assustados.
Eu fiquei boquiaberta com toda a situação. Como assim o cara com que foi fazer entrevista para o novo escritório de advocacia comigo era do FBI?
Tentei não pensar nisso e limpar a bagunça que a briga causou.
— Precisa de ajuda? — o moreno disse.
— Que isso, não precisa se incomodar. Já é a terceira briga hoje, durante o meu turno — falei, juntando os cacos de vidro.
— Você trabalha aqui há quanto tempo? — Ele pareceu curioso em me conhecer mais, mas, ao mesmo tempo, me senti em um tipo de interrogatório.
— Já faz alguns anos, então meio que já estou acostumada… Mas é você e o Dean, FBI? — perguntei, tentando saber mais.
Parecia que o que estava prestes a sair da boca de Sam era uma mentira, ou uma verdade, mas Dean o impediu que dissesse qualquer coisa.
— Sim, estamos disfarçados investigando o escritório. — Ele assumiu um tom sério. Logo engoli seco, com medo do que podia estar acontecendo no meu futuro ambiente de trabalho.
— O que houve? Eu… começo lá amanhã — falei preocupada.
— Eu sei, eu também — ele disse, o que me tranquilizou.
— Por que você está investigando lá? — perguntei, abaixando o tom.
— Você sabe o que aconteceu para saírem duas vagas lá? — ele me perguntou e balancei a cabeça negativamente.
— Dois funcionários do andar morreram no escritório — ele disse, por fim.
— Eu não acredito. — Comecei a rir de desespero, enquanto os irmãos me olhavam. — Eu tinha que entrar justamente neste trabalho de merda — falei tristonha.
— Calma, eu vou dar um jeito nisso, nós vamos — ele disse, apontando para o irmão. — Eu prometo.
— E se formos mortos antes disso, Dean? — perguntei com medo.
— Nós não vamos morrer. Eu posso ajudar, vamos ficar bem. — Ele pegou em meu ombro, tentando me confortar.
— Preciso de uma bebida. — Voltei para o balcão e coloquei mais bebida nos três copos. Estava tão agitada que não espero que os meninos bebam, faço isso por eles.
— Uau, vai com calma — Sam disse.
— Sabe, como eu vou acreditar em vocês? Eu pensava até hoje de manhã que você era um advogado — falei, rindo do que achava.
— Eu não queria mentir pra você, e não quero, de verdade, mas foi preciso. Eu vou proteger você — ele falou, me olhando, e seu irmão pareceu se surpreender com as palavras do loiro.
— E se não der certo? — perguntei insegura com sua promessa.
— Vai dar tudo certo — Sam me assegurou.
— Um brinde a isso, então — disse, servindo mais uma dose a mim e aos garotos.

— Sabe, acho que já está na hora de trocarmos os telefones — Dean me disse, chegando mais perto, jogando todo seu charme.
— Ok, acho que você merece isso depois de me procurar por horas — falei pegando um guardanapo e uma caneta que tinha deixado em meu avental.
— Sabe, eu acho que nós podemos… — Ele começou a dizer, chegando mais perto e logo o interrompi.
— Dean, você acha que as coisas são fáceis assim? — falei, o encarando como se estivesse o desafiando, mas sendo sincera em minhas palavras. Ele coçou a cabeça e sorriu timidamente.
— Sim? — ele disse sem graça e eu dei risada de seu jeito.
— Se quisesse algo fácil, por que percorreu tantos bares para me encontrar se você pode ter todas as mulheres que deseja? — perguntei, saindo da dispensa em que estávamos, pois algumas bebidas tinham acabado no balcão.
— Espera! — disse, como se tivesse acabado de vacilar com ele mesmo.
— Clientes me esperam, e o seu irmão faz o mesmo por você — falei, o deixando sozinho.
Cheguei ao balcão de volta e foi um milagre o bar não ter virado um mar de sangue nesse meio tempo. Dean saiu da dispensa e se juntou à parte onde Sam e eu estávamos. Enchi novamente meu copo e tomei mais uma dose.
— Você quer falir o seu próprio emprego? — o moreno perguntou, parecendo preocupado.
Precisava admitir que naquele exato momento não era a pessoa mais sóbria do mundo, mas estávamos em um bar, então eu não precisava necessariamente estar.
— Não quero falir meu emprego, mas acho que, depois da minha descoberta sobre meu outro emprego, mereço uma dose — falei, colocando mais um pouco de bebida para mim.
— Mais uma? Você já tomou mais do que o suficiente, nem parece estar bem — Dean falou, tentando fazer com que eu parasse de beber de alguma forma.
— Eu… tô bem — falei, tentando enganar nós três.
— Não, , você não está. Vai para casa, eu fecho o bar hoje. — Jenna chegou e tirou o copo de minhas mãos, me obrigando a sair do balcão.
— Você precisa de ajuda? — o loiro perguntou, indo atrás de mim.
— Não — falei, o afastando e me sentindo um pouco nauseada, mas a sensação durou apenas alguns segundos. — Eu vou para casa, é melhor vocês fazerem o mesmo. Foi um prazer conhecer vocês.
— Eu posso te levar, caso você precise — ele me disse, o que me deixou surpresa e envergonhada com o que ele pensaria de mim se eu morasse em um hotel. Cocei a cabeça, sem jeito.
— Eu… acho melhor não. Nós nos vemos amanhã — disse, querendo parecer firme em minhas palavras.
, você tem certeza de que não quer ajuda? — Sam se juntou ao irmão.
— Eu tenho, eu tô bem — disse, indo em direção à porta para sair do bar. Não sei o motivo, mas talvez eu não esteja tão bem assim. Acabei errando a porta pela qual eu tinha que sair, batendo meu corpo na parede. Tentei fingir normalidade e fui embora.
O caminho não era longo até o hotel, fui andando para clarear as ideias, quem sabe até ficar mais sóbria. Senti a brisa suave da noite em meu rosto e tive um momento de felicidade ali, mesmo parecendo estranho. O “encontro” que tive com Dean foi… chocante. Não esperava saber aquilo sobre o trabalho, mas aparentemente tinha uma maldição sobre tudo dar errado em minha vida.
Estava me aproximando do estacionamento, o qual ficava em frente à entrada do hotel, quando ouvi meu telefone tocar.
— Alô?
— Filha, preciso falar com você — ele disse apressadamente.
— Oi… — Pensei em intitulá-lo de pai, mas lembrei que ele não merecia. — Robert. Oi, Robert. O que aconteceu? — falei, já imaginando que o que ele estava prestes a me dizer não era coisa boa. E bônus: estava bêbada, ouvindo meu pai, ou seja, as coisas não iam acabar bem.
— Estou com alguns problemas financeiros e preciso do meu carro — ele disse, como se já estivesse farto por ter falado comigo.
— SEU carro? Você não tem esse direito. O carro é meu, e você sabe disso.
— Eu te pago para cuidar dele — ele disse irritado.
— Não sei se você está ciente da vida que tem, mas você é RICO. Enquanto eu moro na porra de um hotel e trabalho em um bar. — Meu tom de voz foi às alturas, mas não me importei com isso.
— Quero que você o traga amanhã para mim — ele falou como se tivesse concluído.
— Venha pegar o que restou dele se quiser — falei, jogando o celular com força no chão, a raiva fez com que lágrimas brotassem de meu rosto.
Não pensei no que estava fazendo com clareza, mas comecei a bater e chutar meu carro, destruí-lo. Não queria que Robert ficasse com as lembranças boas as quais já vivemos ali, ele não as merecia. Minhas mãos estavam ensanguentadas pelos socos que dei em meu carro. Quebrei as janelas e o vidro fez alguns cortes em minha pele. Quando me dei conta do que tinha feito, o choro e desespero tomaram conta de mim. Só conseguia ficar mais irritada ainda com ele e gritei, tentando fazer com que aquele momento doesse menos.
Um carro chegou e o motorista saiu em minha direção. Ele me segurou, como se estivéssemos em um abraço, me conteve e me confortou.
, você… mora aqui? — ele perguntou e me dei conta de que o homem que estava me ajudando era Dean. Estava devastada demais para ter vergonha ou qualquer tipo de orgulho, então apenas admiti.
— Sam, estaciona o carro! — ele disse para o irmão, enquanto me ajudava a entrar no hotel.
— Ehh, oi, vim aqui mais cedo e reservamos o quarto 23. Deixei as chaves no carro, você poderia me entregar agora? — ele perguntou com um pouco de pressa, enquanto o recepcionista olhava horrorizado a minha situação. Estava em choque, mas entregou as chaves. — Aguenta aí — o loiro me disse, mas minhas pernas tremiam. Ele, ainda me “abraçando”, resolveu me pegar em seus braços.

— Você está bem? — disse o moreno, quando chegou ao quarto.
— Acho que preciso de um banho — falei, me dando conta do meu estado deplorável.
— Claro, me avise caso precise de algo — Dean disse prestativo.
Fui até o banheiro e liguei o chuveiro. Os cacos de vidro perfuraram minha pele numa profundidade considerável. Estava sangrando, com as mãos trêmulas e deixei que as lágrimas caíssem por tudo. Por ser um fracasso, morar num hotel, por ter um pai que não se importava comigo, por minha mãe estar morta, por ter ido à procura daquele emprego, por poder ser assassinada no meu novo trabalho, por trabalhar em um bar, por não ter amigos, por Dean e Sam terem me encontrado assim, por ter ficado bêbada, pela ligação de Robert, por tudo.
Ouvi uma batida na porta e me assustei um pouco. Talvez meu choro não tenha sido tão silencioso assim.
— Tá tudo bem? — o loiro perguntou, através da porta.
— Tá sim — falei, tentando disfarçar a voz de choro, mas sem sucesso.
— Como suas roupas estão, sabe, sujas, eu separei uma roupa limpa para você. Está aqui na porta.
— Obrigada — falei, tentando demonstrar a tamanha gratidão a qual estava sentindo.

Estava com uma camisa do Metallica (sorri ao ver que ele tinha bom gosto) e uma calça moletom. Após sair do banheiro, eles ficaram me encarando. Parei no batente da porta, sem jeito de dizer nada para os rapazes.
— Tem um kit médico no carro, eu vou buscar para darmos um jeito nisso — Sam disse, me deixando sozinha com Dean no quarto.
— Eu acho que você nunca mais vai querer sair comigo, né? — perguntei, rindo, com vergonha de tudo.
— Muito pelo contrário — ele disse sorrindo. — Mas tem uma condição…
— Qual? — perguntei, com uma dúvida real.
— Que você não destrua o meu carro — ele disse e caímos na risada.
— Eu acho que posso pensar nisso — falei, olhando para baixo.
— Posso te perguntar uma coisa? — ele disse, chegando mais perto.
— O quê? — Levantei o olhar.
— Por que destruiu o carro? — A curiosidade estava em seu olhar.
— Passei a vida toda andando nele. Nós nunca tínhamos um lugar fixo por conta do trabalho do meu pai, mas quando minha mãe morreu, as coisas mudaram. Ele arranjou outra esposa e me deixou. Éramos só eu e o carro, e as memórias — falei, sorrindo um pouco ao lembrar. — Ele me manda um pouco de dinheiro para cuidar do hotel e do carro, mas nem com o que eu ganho do bar e o dinheiro dele tenho a mínima dignidade para comprar roupas, ou levar uma vida decente. — Suspirei. — Bom, quase agora ele me ligou pedindo para que eu levasse o carro para ele, pois ele estava muito apertado financeiramente. Então, já sabe o fim da história.
— Uau. Que cuzão — ele disse, tentando absorver tudo o que eu falei, parando na minha frente.
— Eu só quero ficar longe disso, dele, dessa vida — falei, desviando o olhar, olhando para o banheiro.
Agora estávamos um de frente para o outro. Dean se aproximou depois de ficarmos nos encarando pelo que pareceu uma eternidade. Senti borboletas no meu estômago e quando ficamos a um centímetro de distância um do outro, a porta se abriu e Sam chegou, me assustando. A minha surpresa foi tão grande que bati a cabeça no batente da porta na qual estava apoiada.
— Interrompi alguma coisa? — ele perguntou.
Dean o olhou com uma cara de com certeza, mas depois o ajudou a colocar os curativos em mim.

— Acho que deu minha hora — falei cansada e um pouco zonza por conta da bebida. — Obrigada, meninos.
— Você precisa de ajuda? — o moreno perguntou e o loiro logo atropelou suas palavras.
— Vamos até o seu quarto — Dean disse.

Estávamos caminhando até o respectivo quarto. Confesso que estava ziguezagueando, o loiro percebeu e segurou firme em minha cintura. Quando chegamos à porta, mal conseguia achar a fechadura, ri da minha embriaguez. Dean segurou minha mão com firmeza e me ajudou a abri-la.
— Acho que nunca mais vou beber desse jeito — disse para ele de repente. — Não. Vou, sim. — Dei de ombros.
— Toma mais cuidado da próxima — ele falou. Estávamos próximos de novo, eu conseguia sentir o calor de seu corpo.
Tomei iniciativa e fiz o que estávamos quase fazendo no quarto dele antes de seu irmão chegar. Nós nos beijamos e, quando me dei conta, já estávamos dentro do quarto. Lembro-me de ele ter tirado sua jaqueta e depois sua camisa. Depois disso, tudo pareceu extremamente vago em minha memória.



Pude enxergar o clarão do amanhecer pelas cortinas. Estava deitada com a cabeça sobre algo que eu não sabia identificar, não sabia onde estava e nem como cheguei. Comecei a associar um pouco as coisas. Estava no meu quarto de hotel. Ri mentalmente da minha confusão e me levantei lentamente. Não pude evitar o susto, o loiro o qual conheci na noite anterior estava na mesma cama que eu. O que eu estava com a cabeça sobre e não sabia identificar era ninguém mais, ninguém menos, que Dean sem camisa.
Olhei o relógio e me desesperei ainda mais. Estava atrasada, estávamos. Antes de acordar o homem, me olhei no espelho. Estava com uma blusa de banda e fiquei automaticamente confusa. Deduzi que teria sido de Dean e me surpreendi com a ideia de ter feito algo ontem à noite com ele. Também reparei em uma quantidade considerável de curativos em mim.
— Dean, Dean… — Tentei acordá-lo. Ele me olhou um pouco confuso, mas eu também estava, então nos adaptamos rapidamente ao cenário. — Estamos atrasados.
Ele pulou da cama e saiu do quarto às pressas. Estranhei, mas optei por não o seguir e cuidar de me arrumar a tempo. Coloquei uma blusa branca de mangas longas para que cobrisse os curativos dos braços e disfarçasse um pouco os de minhas mãos, acompanhados de uma calça que comprei com meu próprio dinheiro, depois de ter juntado por meses para isso.
Ouvi algumas batidas na porta e lá estava o loiro à minha espera.
— Vamos? — ele me perguntou e não soube o que deveria responder.
— Por que iria para algum lugar com você? — falei, tentando não parecer que estava surtando.
— Por causa do seu carro? — ele me falou em tom de pergunta, mas como se fosse algo óbvio.
Minha confusão passou a se tornar medo do que possa ter acontecido com meu carro.
— O quê? Meu bebê? — Saí correndo até a frente do hotel e lá estava ele, completamente destruído. — Não, não, não, não, não.
— Ei, fica calma. — O loiro me alcançou e se encontrava ao meu lado.
— Meu Deus… Dean, eu matei alguém.
— Quê? Como assim?
— Eu matei o desgraçado, ou desgraçada, que fez essa merda no meu carro. Por isso os machucados, né? Meu Deus. — O desespero começou a tomar conta de mim. — Dean, eu sou uma assassina!
— Ei. Você não lembra de nada sobre ontem mesmo, né?
— Por que você está me perguntando isso? — falei, com medo do que poderia estar por vir.
— Porque você fez isso. O seu pai queria o carro e… você vai entregar para ele o que sobrou — ele disse, tentando me explicar e confortar ao mesmo tempo.
Isso foi informação demais para mim. Não acreditava que a eu do passado foi capaz de fazer algo assim com o carro que carregava uma bagagem de valor sentimental ligada ao que restou de quando a vida era simples. Abracei Dean e ficamos assim por um tempo. Tentei não chorar, pois não queria que ele me visse naquele estado e pensasse que era fraca.
— Precisamos trabalhar… — ele falou carinhosamente, depois de dar um beijo no topo da minha cabeça. Fiz um sinal positivo com a cabeça e fomos para o carro, e que carro, por sinal.

— Você se incomoda se eu te fizer uma pergunta? — disse, quebrando o silêncio que estava entre nós durante o caminho e baixando o som, que tocava uma das minhas músicas favoritas da banda AC/DC.
— Não gostou da música? — ele perguntou. — Tenho outras fitas no porta luvas.
— Não, não é isso. Eu definitivamente amo AC/DC, mas é que… Você sabe…
— Na verdade, não tenho certeza. — Ele parecia um pouco perdido tentando me entender, mas continuava focado no trajeto.
— Eu queria saber se… ontem à noite… — Tentei tomar coragem para matar a curiosidade que existia dentro de mim.
— Se rolou algo entre nós? — ele completou, gesticulando com o indicador, apontando para nós, e eu suspirei aliviada por não ter que falar as palavras.
— Isso.
— Bom, não. Mas quase — ele concluiu.
— Como assim, quase? Me fala mais! — insisti, curiosa para saber o que eu tinha feito.
— Então, nós estávamos quase indo, como você reparou pela falta de roupas hoje de manhã, mas você bebeu muito e quis colocar para fora. — Ai meu Deus! Coloquei as mãos no rosto de tanta vergonha. Como não vi nenhum vestígio de vômito na cama, achei que deixei a situação um pouco melhor. — Eu te ajudei, depois voltamos por um tempo ao que estávamos fazendo e fomos para a cama. Você ainda estava bem agitada, caiu e apagou por lá mesmo. Te coloquei na cama de volta e você pediu para que ficasse com você. Conversamos um pouco e depois acordamos pela manhã. Foi isso.
— Uau. — Foi tudo o que eu consegui dizer. — Desculpa? Eu acho? — falei, em dúvida. Minhas bochechas pareciam pimentões e ele sorria.
— Uma hora você me compensa.
— Só se eu ficar muito bêbada de novo.
— Tomara que não espanque meu carro. — Dei um leve empurrão em seu braço ao ouvir a preocupação, não conseguindo identificar se achava triste ou engraçado.
— Chegamos — ele disse, assumindo uma expressão séria.
— Dean, vai dar tudo certo, né? — perguntei, engolindo seco após ver o meu antigo sonho virar algo perigoso.
— Se der tudo certo, nós saímos de novo. O que acha?
— Eu posso pensar no seu caso.
— Talvez o final seja diferente… — disse ele, sorrindo maliciosamente, saindo do carro e me deixando em estado de choque, pensando em sua frase. Eu saí do carro apressadamente, pois não queria que ele pensasse que estava esperando por ele abrir minha porta.
— Não esteja tão confiante nessa ideia.
— Você não vai me deixar sonhar com isso? — ele brincou, enquanto ia na direção de seu porta-malas.
— O que está fazendo? — perguntei curiosa.
— Selecionando. Essa não…— ele disse, enquanto colocava várias coisas, as quais não consegui identificação, dentro de uma espécie de bolsa.
— O que é… — disse, me aproximando e vendo o que ele estava selecionando. O loiro tinha um arsenal em seu porta-malas, o que me deixou completamente boquiaberta. — Uau.
— Todo agente precisa de… Suas ferramentas de trabalho. — Ele abriu um sorriso sem graça.
— Não me matando com uma delas, eu tô adorando — disse, admirando a vista das armas, facas, estrelas ninja.
— Só se você quiser fazer o que fez com o seu carro no meu — ele falou brincalhão e não pude evitar revirar os olhos e mostrar a língua como uma criança.
— Sabe, precisamos trabalhar — falei finalmente. Não estávamos atrasados, mas também não estávamos na hora a qual eu planejava estar ali. Eu queria chegar uma hora antes para conhecer o ambiente, mas ainda bem que não fiz isso, pois poderia ser mais uma hora para um assassino maluco me matar.

Estávamos no elevador, o mesmo no qual nos conhecemos anteriormente, mais precisamente quase vinte e quatro horas atrás. Estávamos em silêncio, mas parecia que já estávamos confortáveis na presença um do outro, pois não parecíamos nos importar com a falta de som, embora eu estivesse um pouco tensa por me sentir levemente atraída por um agente do FBI e por poder morrer no trabalho.
— Por que você está sendo tão legal comigo? — Soltei a pergunta que estava entalada em minha garganta desde o bar.
— Eu… estou sendo? — ele me questionou, mas pareceu uma pergunta que ele fez dentro de sua cabeça e acabou saindo em voz alta.
— Eu já saquei que você não é do tipo romântico e essas coisas, mas por que está agindo desse jeito? Você sabe que para conseguir o que quer não é tão simples assim, né? — perguntei para reforçar se ele realmente estava me entendendo.
— Eu não sou do tipo romântico mesmo, inclusive prefiro morrer do que ser assim.
— Então…? — Tentei instigá-lo a me dizer algo.
— Não sei o que te responder — ele falou um pouco confuso. — Só sei que precisamos resolver isso logo — concluiu, enquanto saía do elevador.
Eu nunca conheci alguém assim como Dean. Na verdade, ao mesmo tempo que sinto que já me deparei com muitos caras convencidos e do tipo desapegado, acho que ele tem algo diferente dos demais, mas não sei o quê, e provavelmente não terei tempo para descobrir.
— Bom dia, , não é? — Uma mulher, que logo associei como secretária, sorriu enquanto fiz o mesmo e concordei com a cabeça. — Sua sala é a segunda à esquerda.
— Obrigada.
Quando cheguei à minha nova sala, contemplei a vista. Uma grande estante repleta de livros, uma mesa linda, uma samambaia no canto, mas meus próprios pensamentos me impediram de aproveitar o momento quando lembrei que a pessoa que antes fazia uso daquela sala estava morta. Ouvi minha porta bater e a abri.
— Não era para você estar supostamente trabalhando? — perguntei, enquanto Dean entrava na sala.
— Eu não trabalho aqui — ele respondeu, dando de ombros. — E aí, aproveitando a vista?
— Mas é claro. Nada melhor do que usar a sala de gente MORTA — sussurrei as palavras. — Esse lugar me dá arrepios, embora seja bem bonito.
— Nem tudo são flores — concluiu ele, adicionando um comentário sarcástico ao meu ponto extremamente válido.
— Você descobriu alguma coisa?
— Não. Você tem alguma ideia do que era aqui antes de virar… esse escritório chique?
— O prédio era um hospital psiquiátrico, se não me engano — falei, puxando na memória quando Jenna comentou sobre a vaga.
— Você tá me dizendo que aqui era um hospício? — ele disse pensativo e um pouco irritado.
— Sim? — respondi, com um pouco de dúvida, pois parecia que ele não fazia a pergunta direcionada a mim. — Mas o que isso tem a ver com o caso?
— Tudo — ele respondeu, me deixando com dúvidas.
— Como assim? — falei, tentando decifrar o que ele queria dizer. — Você acha que a família de algum paciente ou algum paciente quer… sei lá, vingança?
— Quase isso — respondeu, pensativo. — Preciso voltar e pesquisar sobre o lugar — ele disse, praticamente saindo da sala.
— Espera, para onde você tá indo? — Impedi que ele saísse e me deixasse sozinha ali.
— Para a minha “sala”. Esqueceu que eu estou “trabalhando”? — ele respondeu, fazendo sinal de aspas com as mãos.
— Você vai me deixar aqui? — O pavor tomou conta de mim por instantes, enquanto aguardava sua resposta.
— Eu posso vir aqui de vez em quando, relaxa. — Ele pareceu tentar me acalmar com suas palavras e saiu da sala apenas quando acenei positivamente com a cabeça, tentando nos convencer de que tudo estava sob controle.
A porta se fechou e eu não sabia nem por onde começar a fazer meu trabalho, apenas pensava em maneiras de escapar caso um assassino invadisse minha sala. O que eu supostamente deveria fazer? Pular da janela?
Avistei uma pilha enorme de papéis com um post-it rosa choque em cima com meu nome escrito.

.
Solucionar com URGÊNCIA.

Também tinha um caderno marrom, um pouco desgastado com o tempo, o qual não conferi, já que, aparentemente, foi um “presente” por entrar no escritório, eu acho. Ele até tem seu charme. O coloquei na gaveta com um sorrisinho, já que, mesmo podendo ser assassinada, estava sendo bem recebida.
Resolvi ir lendo os casos que ali estavam sendo apresentados, já que não iriam se solucionar sozinhos. Fiquei a tarde inteira vendo a papelada e foi difícil controlar meu medo a cada barulho. Dean não veio à minha sala novamente, acredito que ocupado procurando sobre o que me disse de manhã. O clima do ambiente intercalou entre frio e quente por um bom tempo, o que poderia provavelmente ser um problema no termostato que me causava arrepios, mas resolvi não incomodar ninguém com isso, vai que eu levasse uma facada. A tarde foi passando até o enfim anoitecer, o que para mim passou em um piscar de olhos. Notei que o silêncio agora se instalou no andar e resolvi checar o que estava acontecendo. Todos se foram. Bati na porta de Dean algumas vezes, mas não tive respostas. Voltei para minha mesa para dar continuidade ao que fiquei fazendo o dia inteiro.
Até que, na última folha, uma coisa útil para o caso apareceu. Lá estava escrito que uma família, os Benson, gostariam de processar o antigo hospital por conta da morte do filho. Foi a informação que mais poderia ajudar no real trabalho de Dean ali, então resolvi procurá-lo.
Fui em direção à porta, mas ela parecia estar com algum tipo de problema, pois não conseguia abri-la, por mais que tentasse. Automaticamente, pensei que seria algo relacionado à minha falta da academia, que tive que cancelar por conta da falta de dinheiro. Insisti até a maçaneta quebrar, me fazendo cambalear para trás e com que um dos meus machucados que estava na minha mão começasse a sangrar através do curativo. Senti o ambiente esfriar, um arrepio tomou conta de mim. Fui até o telefone que ficava na mesa, mas sem sucesso, aparentemente não conseguia realizar ou receber nenhuma ligação.
— Merda! — Pensei alto, tentando achar algum tipo de solução para a situação na qual eu estava metida.
Até que a coisa mais estranha que já aconteceu durante toda a minha vida, e olha que foram muitas, apareceu em um piscar de olhos. Vi que um homem com aspecto pálido, olheiras fundas e um olhar matador me encarava. Não sabia como assimilar aquilo. Ele se aproximou, como se estivesse prestes a se sentar na cadeira que supostamente seria de algum cliente meu. Juntei todas as minhas forças e virei a mesa, na intenção de afastá-lo, o que deu certo e me deixou aliviada por um instante, até que a figura apareceu atrás de mim e tentou me enforcar. Gritei o mais alto que pude, mas tive a sensação de não ser ouvida.
Ouvi a porta batendo repetidas e desesperadas vezes, gritei mais ainda, na esperança de que algo acontecesse e de que talvez aquela possível loucura fosse embora da minha mente. Todas as luzes se apagaram, só podia ver as luzes fracas e vermelhas que se acenderam aos poucos. Comecei a perder essa luz de vista também. Dean arrombou a porta enquanto eu debatia meus pés, lutando para respirar. Nesse meio tempo, tentei arremessar na criatura tudo o que estava ao meu alcance, fazendo uma grande bagunça que só me deixou com mais dificuldade de manter uma respiração estável.
O loiro carregou algo de ferro, que arremessou em seguida naquela coisa que inicialmente pensei ser fruto da minha imaginação. Ele tinha outras coisas na mão, mas não consegui prestar atenção nelas o suficiente.
— Você está bem? — ele gritou, me chacoalhando e tentando me ajudar a me recompor.
— O que foi isso? — perguntei extremamente assustada.
— Isso foi um fantasma, que pode voltar a qualquer hora — ele me respondeu, olhando em volta. — Vocês tiveram uma briga feia aqui, né?
— Eu acho que sei quem ele é, Dean! — Tentei explicar para ele, baseada no que tinha lido.
— Eu sei que pode parecer demais, mas não é uma pessoa.
— Eu sei, mas…
— Toma. — Ele me entregou sal.
— Você quer que eu cozinhe enquanto um fantasma tenta nos matar? — perguntei, sem entender o que ele queria.
— Faz um círculo e fica dentro. Isso vai impedir ele de chegar até você.
— Mas e você? — perguntei, enquanto vi a figura aparecer novamente.
Dean parecia distraído falando comigo e olhando para alguns de meus papéis. Agi rápido e corri para envolvê-lo no círculo. O que realmente impossibilitou o fantasma. Sorri um pouco ao conseguir fazer isso e Dean pareceu sair de seu “estado de transe”.
— Você tem mais disso? — perguntei, apontando para o pedaço de ferro.
— Fica com esse. — Ele me entregou o que estava em suas mãos.
— Mas e você?
— Preciso acabar com isso.
— E como você mata alguém que já está morto? — perguntei o observando sair do círculo e vasculhar a sala.
— Algo está prendendo o espírito dele aqui — ele disse, o que continuou me fazendo pensar.
— Tá, e como você manda isso embora?
— Queimando.
— Por que não queimamos o prédio inteiro, então?
— Você não acha que seria um pouco demais?
— E você não acha que seria mais seguro? Caso tivesse outro desses fantasmas por aqui?
— Justo — ele admitiu. — Mas não podemos fazer isso, precisamos ser discretos.
— Você não é mesmo do FBI, né? — perguntei, já sabendo da resposta.
— Não, mas agora não é o momento exato para falarmos sobre isso — ele disse, enquanto as gavetas abriam e fechavam freneticamente, me deixando aterrorizada.
— Dean, eu acho que sei quem o fantasma era… — Tentei falar de novo.
— De novo isso? — Ele pareceu meio irritado, como se eu não pudesse ajudar.
— Calma, eu tenho que procurar, está na mesa — falei, saindo do círculo.
— Volte para o círculo — ele disse, quase ordenando.
— Não! Eu quero te ajudar — protestei.
A figura reapareceu atrás de mim, na tentativa de finalizar o serviço que antes foi incompleto, fui mais rápida e o acertei.
— Acho que ele gostou de você — Dean observou, um pouco orgulhoso depois de ter visto como tinha “abatido” o fantasma.
— O primeiro. Acha que devemos namorar? — perguntei em tom de brincadeira e ele riu, até parecia que não estávamos em um cenário de quase morte. — Pega. — Joguei o que até então estava nos servindo de espada. — Preciso achar o papel o qual eu te falei. Acha que consegue tirar essa coisa da sala?
— Deixa comigo — disse ele todo convencido saindo da sala.
— Droga, eu deixei o papel por aqui. — Pensei alto, enquanto procurava em meio à papelada que está no chão, agora toda bagunçada. — Espera, eles devem ter o registro de todos esses casos na central, né? — perguntei comigo mesma aos sussurros, tendo praticamente um debate interno.
Pode ser que o documento do caso esteja onde trabalha a secretária, já que ela encaminha tudo para nós. Fui correndo até a entrada, mas tomo todo cuidado do mundo para não fazer barulho. A mesa onde ficava a mulher a qual vi hoje de manhã tem uma espécie de entrada fechada e que também impossibilitava de ver o que tinha dentro. Pulei para dentro de sua bancada, caindo desajeitada em algo. Através da luz vermelha, vi que estava coberta de sangue, mas que não era meu, a doce moça que vi hoje era a dona de tal. Minha respiração acelerou e meu coração disparou. Coloquei as mãos sobre a boca, com medo de produzir algum ruído. Tentei tomar coragem para fazer o que iria anteriormente e me motivei para acabar não fazendo Dean ou eu termos o mesmo destino que ela.
Abri o seu notebook e agradeci aos céus e a todas as coisas boas por ele estar funcionando. Pesquisei o sobrenome da família e encontrei no primeiro arquivo da lista, suspirei aliviada e cliquei para ler novamente. Ao fim do relatório, dizia que a família trouxe o diário que pertencia ao filho, ele continha os maus tratos que sofria na clínica.
No mesmo instante, uma lâmpada se iluminou em minha mente, como nos desenhos animados. Lembrei do caderninho de boas-vindas, fazia mais sentido agora.
Saí do compartimento da mesa, desta vez de forma correta, tentando não me abalar pela cena que vi anteriormente. Escutei muito barulho, indicando que o caos era grande onde Dean estava. O avistei no fim do corredor e sinalizei para que continuasse enrolando. Pude notar que ele já estava bem machucado, e fiquei num impasse por alguns instantes. Ele continuava lutando, mas não parecia que poderia durar muito tempo para contar história. Ele arremessou seu pedaço de ferro assim que me viu em sua direção, acertei o fantasma e ele desapareceu.
Tentei segurar Dean, colocando um de seus braços por volta de meu pescoço e segurava fortemente sua cintura. Tivemos um pouco de dificuldade para andar, mas fomos rápidos.
— Você está bem? — perguntei, um pouco desesperada, depois que praticamente o joguei para o círculo que fiz de sal anteriormente. Voltamos para minha sala.
— Eu pareço bem? — ele respondeu, como se fosse óbvio.
— Está com as coisas para queimar aí, né? — perguntei, para ter certeza enquanto procurava o diário apressadamente.
— Eu sou um profissional. Ando sempre preparado. — Ele mostrou o isqueiro.
— Ótimo. Acho que sei o que vai nos salvar! — falei finalmente, pegando o diário.
Em algum ponto do caminho, fui interrompida, a força maior me derrubou no chão e me puxou pelos pés. Jogo o diário para o loiro, torcendo para que as peças do quebra-cabeças o qual selecionei estivessem certas.

Fiquei feliz ao pensar que pelo menos um de nós sairia vivo dessa situação. Me encontrava completamente ensanguentada, agora com meu sangue e o da secretária. O fantasma estava prestes a dar o seu golpe final após segundos torturante até que ele desaparece como se estivesse sendo queimado diante dos meus olhos.
Agora o jovem Benson realmente se foi.

Dean vem se arrastando até mim, que me encontro em uma das salas escuras que recuperaram a energia. Estou tentando absorver tudo, o sangue que saiu de mim e o das outras vítimas que estão na sala, dois homens os quais não tive tempo de conhecer estavam impedidos de vivenciar tantas coisas que a vida poderia oferecer. Do que adianta a lei, se para essas criaturas não há julgamento?
O loiro se encolhe junto a mim no canto da sala.
— Todos eles… estão mortos — falei, com algumas lágrimas nos olhos. Ele me confortou em um abraço o qual não esperava.
— Você conseguiu, você nos salvou — ele falou, tentando enxergar o lado positivo nisso tudo.
— Mas não pude salvá-los. E isso é injusto para cacete — falei, desabafando os meus pensamentos.
Ele me ajudou a levantar e ligar para a polícia. Ele não vai poder estar aqui no momento, mas prometeu entrar em contato o mais rápido que pudesse.
— Eu sei que você não conseguiu salvar todo mundo. Aos poucos você lida com isso.
— Você lida bem com esse tipo de coisa? — Espero uma resposta reconfortante, mas recebo um olhar de tristeza, já me indicando que não.
— Nada disso foi sua culpa. Não importa o que você pense, para mim, você vai ser uma heroína. Você foi uma gênia do cacete, . — Ele se despediu, saindo pelo elevador e me deixando esperar até que os policiais chegassem.
Naquele momento senti que nossa história acabou naquele exato momento, o que deixou o meu lado de criança e adulta interior tristes, já que o príncipe-não-tão-convencional partiu, me deixando com algumas lágrimas nos olhos, mas principalmente com um aprendizado sobre perigos dos quais sem ele seria incapaz de sobreviver. Mas quem ainda acredita nessa merda toda de contos de fada, não é mesmo?



Perdi a noção de quantas horas falei com a polícia, tentando contar uma versão na qual eles acreditariam em mim sem precisar me levar ao psiquiatra. Avisei a Jenna que não iria trabalhar por conta de tudo o que aconteceu. Inclusive, não sabia nem se queria de fato trabalhar mais… Parecia que as coisas não faziam mais… sentido.
Dois policiais me levaram ao que eu me contentei a chamar de “casa”. Chegando ao meu suposto lar, vi, ou melhor, não vi nada na vaga onde estaria o meu carro. Outro choque para mim em um só dia.
Fui para o quarto e fui desesperada tomar um banho. Enquanto me limpava, desesperada para limpar todo o sangue, senti minhas lágrimas escorrerem. Eu descobri que fantasmas e sei lá mais que outras coisas poderiam existir no mesmo mundo no qual eu vivia e… eu nunca soube, eu nunca… sequer ouvi falar de tais criaturas. Pensei na ironia de um fantasma estragar a única chance que eu tinha de conseguir levar uma vida com o mínimo de decência e ri da minha bobagem sozinha. Saí do banheiro com os cabelos molhados e, na busca de algo para vestir, decidi optar pela blusa que Dean me entregou na noite anterior.
Me deitei na cama e fiquei observando o teto. Não sei por quanto tempo fiz isso, mas acabei adormecendo e só me dando conta disso quando ouvi batidas na porta. Vesti um short rapidamente e a abri. Era o loiro quem me esperava, com uma garrafa da bebida a qual eu os servi ontem à noite em uma das mãos e uma de vinho na outra. Olhei para baixo e vi um engradado de cervejas.
— Você quer me embriagar ou algo do tipo? — perguntei, olhando para as bebidas.
— Vamos beber. Passei lá no pub da sua amiga e ela meio que me deu isso de presente se eu prometesse bebermos isso juntos. — Ele balançou, um pouco brincalhão, minha bebida favorita. — Vamos? — ele perguntou, parecendo sugestivo demais.
— Olha, não quero te passar a impressão erra...
— Me segue e para de drama, vai — disse ele, enquanto andava pelo hotel caindo aos pedaços. Ele me deu as duas garrafas para segurar, enquanto segurava as cervejas. — Então… Eu gostei da camisa.
— Se você quiser, eu posso te devolver — falei um pouco envergonhada por estar usando. — Considere como um presente. Se bem que você ficaria bem mais bonita sem estar vestida nela, se é que me entende.
— Ha-ha — falei irônica.
Ele parou e abriu uma porta que dava ao quarto que os meninos estavam hospedados. — Sam! — disse, quando eu entrei.
— Você lembra de mim? — ele perguntou, brincando.
— Sabe, é muito difícil me fazer esquecer das coisas. Inclusive, muito difícil ficar bêbada. — Ontem à noite você fez as duas coisas — Dean falou, me deixando vermelha.
— Sabe, eu disse que era muito difícil, mas não impossível — falei, tentando me justificar e fazendo os rapazes sorrirem.
— Então, fiquei sabendo que você salvou a pele do meu irmão hoje — o moreno falou, pegando uma cerveja para ele e me entregando outra. Eu agradeci silenciosamente. — Sabe, não foi bem assim… — disse, lembrando de como foram desesperadores os momentos de algumas horas atrás.
— Se você não estivesse lá, eu provavelmente não estaria aqui tomando essa obra de arte — o loiro disse, apontando para cerveja, me fazendo gargalhar.
— Vocês… sabem disso tudo desde quando? — perguntei curiosa.
— Bom, meio que crescemos com isso — Sam respondeu, com um pouco de remorso na voz.
— É o negócio da família — Dean completou, me fazendo entender que a infância deles deveria ter sido mais difícil do que a de qualquer outro ser humano.
— Eu… sinto muito — disse com honestidade e de forma inesperada. Os irmãos se entreolharam e ficaram em silêncio, me fazendo corar e me culpar pela minha indelicadeza. — Ninguém nunca disse isso — o loiro disse, abrindo um sorriso fraco, que se contagiou aos meus lábios também.
Ficamos em silêncio por um tempo até que resolvi quebrá-lo, dizendo: — Então… Como vocês não são do FBI, o que exatamente são?
— Caçadores — eles responderam em uníssono.
— Não recebemos nada por esse trabalho, mas nós temos vários. Dedetizadores, FBI, seguro de vida, guardas florestais, entre outros — Dean disse.
— Vocês ajudam pessoas a, sabe, se manterem vivas. Acho que esse é o melhor salário que alguém poderia receber — falei, pensando alto sobre a bela "profissão” dos dois. — Acho que é — Dean me respondeu reflexivo.
— Concordo com você — Sam disse otimista.
— Então, essa foi uma das coisas mais loucas que vocês já enfrentaram? Porque, pra mim, foi — falei, pensando em todas as coisas bizarras que eles já deviam ter presenciado.

Ficamos horas conversando que simplesmente não percebemos o tempo passar. O dia estava ficando claro e resolvi voltar ao meu quarto.
— Acho que os caçadores precisam dormir antes de derrotar mais coisas estranhas… então, acho que deu minha hora — disse, me levantando. Não exagerei na bebida, o que significava que iria lembrar para sempre daquela noite engraçada e esquisita.
— Eu te acompanho. — Dean se levantou para abrir minha porta.
— Sabe, eu não bebi tanto assim hoje — brinquei.
— Vai saber. Da última vez, você destruiu um carro — ele me provocou.
— Engraçadinho — respondi, me lembrando do meu querido carro. — Nós não nos veremos mais, né? — perguntei um pouco preocupada com a resposta, mas confusa por estar tão ansiosa por isso.
— Espero que não.
— Nossa! — disse, batendo em seu ombro. — Não sabia que nosso tempo juntos tinha sido tão ruim assim — falei sem graça.
— Não é isso. É que… Se nós nos encontrarmos de novo, provavelmente teria algo ruim acontecendo e não queria que nada disso acontecesse com você — ele falou baixinho. — Mas, mesmo assim, permitiria que isso acontecesse com você? Dean, nós quase morremos hoje!
— Eu quase morro toda semana. Pra mim, isso não é grande coisa.
— Entendi… — respondi, parando em frente à minha porta. — Então, isso é um adeus? — disse um pouco decepcionada.
— Provavelmente — ele declarou.
— Então acho que… tchau? — disse, tentando achar palavras para aquele momento inevitável.
— Tchau… — ele respondeu, voltando ao seu quarto. Eu não imaginava que ele poderia mudar a visão de mundo que sempre tive apenas em dois dias. Não sei o que aconteceu comigo, e acredito ser a primeira vez que, o vendo dar alguns passos para longe, senti uma parte do meu coração ir junto dele.
— Dean? — o chamei, fazendo com que ele ficasse parado e virasse para me olhar. — Se um dia voltar para New York… — falei, enquanto ele se aproximava cada vez mais rápido, até me interromper com um beijo que me causou arrepios.
— Eu sei. Se cuida — ele falou, após terminar o beijo, encostando nossas testas e seguindo novamente seu caminho.
Entrei no quarto e tranquei a porta para não lidar com essa cena de novo. — O que foi isso? — perguntei para mim mesma.
Não estava com sono, então resolvi pegar meu computador e comecei a pesquisar freneticamente sobre coisas paranormais, enquanto pensava nos lábios de Dean juntamente aos meus.
Acordei sobre o computador, com o rosto marcado do teclado e suada. Não tinha noção de que horas eram, mas ainda tinha esperanças de talvez Sam e Dean ainda estarem no hotel. Me levantei apressada, sem me preocupar em ao menos conferir minha aparência no espelho.
Quando finalmente cheguei ao quarto, um pouco ofegante graças à minha corrida, não encontrei absolutamente nada. Fiquei estática, me sentindo agoniada e frustrada por não ter conseguido vê-los novamente, mas ao mesmo tempo grata por não ter que lidar com uma segunda despedida.
Quando voltei para o meu quarto, percebi que não tinha aonde ir, a quem ligar (embora possuísse alguns contatos) e como sobreviver, praticamente. Pensei no estilo de vida dos meninos e como seria viver como eles. Talvez minha vida fosse mais completa se eu fosse uma caçadora que realmente ajudasse as pessoas. Não ganhar dinheiro seria algo normal,
pois não faria diferença, já que naquele momento me sentia incompleta e pobre. Talvez se começasse a fazer aquilo, achasse algum tipo de felicidade.



Estava caçando sozinha há três meses. Minha jornada sempre era longa e complicada. Basicamente, me locomovia aos lugares “suspeitos”, baseados nas experiências que os meninos já tiveram. Eu vendi boa parte das coisas que mantinha comigo para conseguir me alimentar, deixando apenas o essencial, o que estava dando certo até o momento.
Estava indo em direção à Sioux Falls, na Dakota Sul. Aparentemente, coisas estranhas aconteceram por lá e agora era atraída por tais. Peguei carona com um caminhoneiro um tanto quanto… estranho. A viagem era longa e simplesmente não consegui tirar sequer um leve cochilo, o que vinha virando cada vez mais frequente, já que geralmente pegava caronas com homens que gostavam de se aproveitar de tais situações.
Meu desconforto era evidente durante toda a viagem, mas o homem não parava de tentar puxar assunto por um segundo sequer. Horas se passaram e o tédio tomou conta do meu ser, dando espaço para que o sono se aproveitasse dessa situação, mas tinha medo de dormir e ir parar, sei lá, numa cova. Imagina só, ninguém iria no meu funeral, seria um desastre. Encostei minha cabeça no vidro e deixei que minha mente me deixasse acordada, o que não durou muito tempo.
Sonhei com uma bela mesa de jantar em uma casa a qual não fazia a menor ideia de como minha mente conseguiu criar. Minha mãe estava sentada ao lado do meu pai, com sua cabeça apoiada sobre o ombro do homem que eu conhecia como a versão do meu pai que um dia já foi amada por mim. Ela dizia que estava feliz por eu ter seguido o meu coração, mas foi bruscamente interrompida por dores, sua boca começou a se encher de sangue e o resto de seu corpo também. Eu tentei abraçá-la e, de repente, fui transportada ao espelho do hotel, no dia em que presenciei minha primeira aparição sobrenatural. Escutei batidas na porta e Dean apareceu, me abraçando e ouvindo gritar aos prantos, repetidas vezes, a mesma pergunta: Onde está minha mãe?
— Ei, ei, ei — o homem disse, tentando me acordar, chacoalhando meu braço levemente, o que me assustou e me fez dar um sobressalto, que foi contagiante para ele. — Chegamos — ele disse, com um sorriso gentil.
— Obrigada…, Tobias? — falei, tentando me lembrar de seu nome.
— Toby.
— Muito obrigada, Toby. Foi muito legal da sua parte não ter tentado me comer — falei, com um sorriso sem graça. — Sabe, dos dois sentidos, porque canibalismo é uma coisa séria e beeem sinistra, e do outro jeito também soaria da mesma forma, então… — Ele fez uma cara de confuso. — Sabe, foi um elogio.
— Eu sou gay — ele respondeu.
— É isso aí! Isso é maravilhoso. Os homossexuais irão conquistar o mundo! — comemorei alto demais, estava feliz de ter me preocupado à toa. Ele continuou me olhando confuso. — Tô passando vergonha, né? — falei, começando a corar.
— Tá, mas tudo bem — ele falou, sorrindo, o que me fez dar uma gargalhada sincera. — Obrigada, Toby — disse, descendo do caminhão e acenando para ele amigavelmente.
Respirei fundo e agora estava por minha conta, era hora de focar na missão. Escutei minha barriga roncar no mesmo instante em que aquele pensamento me veio à mente. Imediatamente o foco mudou, era hora de comer.
Estava lendo o jornal e tentando entender o que estava acontecendo por ali. O café era uma porcaria, mas foi a única coisa que consegui ingerir durante dois dias, então, para mim, ele meio que se tornou maravilhoso.
Não tinha certeza do que estava prestes a enfrentar, então decidi ir até a biblioteca da cidade, achava que devia ter alguma por ali. No jornal, dizia que algumas vítimas foram encontradas sem sangue e com marcas de mordidas, nunca tinha visto nada parecido durante esses meses, e olha que eu já vi bastante coisa.
Chegando à biblioteca, pude perceber que ninguém ligava tanto assim pro ambiente. Não havia ninguém responsável pelos livros inicialmente, então não consegui perguntar nada. Os livros não pareciam seguir uma ordem, embora houvesse classificação para eles, estavam empoeirados e gastos. Fui até a seção de livros mais antigos e encontrei obras clássicas, ou seja, nada do que estava procurando. Buscando mais a fundo, achei um livro antigo, sua capa era vermelha e continha um título enorme “Criaturas”. Peguei o objeto e me sentei em uma das mesas próximas às prateleiras.
Comecei a folhear as páginas freneticamente, tentando achar algo que se encaixasse com o que li no jornal. Ali falava sobre demônios, lobisomens, fantasmas, e então percebi que estava no caminho certo para descobrir a verdade. Minha atenção foi captada quando li um parágrafo que destacava exatamente as mesmas coisas que tinha no caso. Eram vampiros.
Eu me arrepiei ao ler sobre eles e todas as habilidades que tinham. Ali não falava exatamente como matar um, então teria que pesquisar mais. Li e reli a mesma página diversas vezes, até sentir uma mão sobre meu ombro. Quase caí da cadeira de tanto susto.
Após me virar, a fim de reconhecer o rosto, não tive sucesso. Era um senhor, digamos que conservado. Ele usava um boné, calças jeans, uma camiseta verde musgo com alguma estampa que não pude identificar, talvez por conta do tempo, e, como sobreposição, uma camisa xadrez. Ele não esboçou nenhum tipo de reação com o meu susto, ficou esperando que eu dissesse algo.
— Precisa de algo? — Me segurei para não completar a frase com “senhor”, já que algumas pessoas velhas não gostavam de parecer, sabe, velhas.
— Você poderia me entregar este livro, caso já tenha lido? — ele me perguntou, encarando a página.
— Claro! Eu… estava só dando uma olhada — eu respondi, um pouco nervosa, enquanto ele olhava desconfiado para minha bolsa, com basicamente toda minha vida dentro. Entreguei o livro a ele e peguei minhas coisas de forma apressada.
Saí da biblioteca o mais rápido que consegui. Parecia que o homem tinha mais coisas para falar, mas desliguei na sua cara, só que pessoalmente. Respirei fundo, não sabia o que fazer no momento, não tinha para onde ir.
Olhei para o céu e o vi com uma explosão de cores, me indicando que já estava anoitecendo. Resolvi, então, ir em direção aonde as vítimas foram encontradas para ver se conseguia descobrir algo.
Estava próxima de uma floresta, onde aparentemente os corpos foram encontrados, ou próxima disso, já que não conhecia a cidade. Minhas costas e braços doíam por carregar a bolsa, que coloquei no chão em busca de algo que matasse aquilo. Tinha um livro de exorcismo em latim, do qual não precisaria, obviamente, um terço, um isqueiro (o qual
coloquei no bolso de minha calça) e uma faca que deixava sempre dentro da bota. Não sabia o que levar para ocasião, então peguei minha faca e deixei o isqueiro comigo. Me aproximei com cuidado, até conseguir ver, depois de alguns minutos caminhando, uma espécie de celeiro no meio do nada.
— Só pode ser isso — falei para mim mesma, enquanto estava agachada observando. Resolvi me levantar e caminhar em direção ao que provavelmente seria o lar da criatura, até que fui interrompida por algo que colocou as mãos sobre minha boca e me puxou para trás. O desespero tomou conta de mim e comecei a me remexer para tentar me livrar. Observei bem e percebi que quem estava fazendo aquilo era um homem, e era o mesmo da biblioteca. Ele fez chiados com a voz, a fim de fazer com que ficasse calma e não falasse nada. — Você não pode ficar aqui — ele disse, aos sussurros.
— Por que diz isso? — perguntei, no mesmo tom, confusa.
— Porque você não veio preparada — ele me falou, olhando para minhas “armas”, me deixando envergonhada. — Venha, me acompanhe.
Meu instinto dizia que ele dizia a verdade, mas tinha medo de confiar demais em um estranho. Olhei para trás, desistindo da caçada, e indo atrás do homem, que já carregava minhas bolsas mais à frente, tomando cuidado para fazer silêncio.



— Fica à vontade, mas nem tanto — disse ele, colocando minhas coisas no chão de sua sala.
Estávamos em uma casa antiga. Ele tinha móveis bonitos, mas um pouco empoeirados. Também havia livros por toda parte, o que me fez admirá-los por um tempo, impressionada.
— Então, você queria caçar vampiros com… isso? — ele perguntou. Enquanto eu estava colocando os objetos de volta na bolsa, o homem me entregou uma cerveja.
— Obrigada. E… sim? — perguntei confusa. — Eu não sei como caçar essas coisas. Eu nunca tinha ouvido falar sobre vampiros! — falei, na defensiva.
— Você caça com o quê? — ele perguntou curioso e com olhar de julgamento.
Abri a bolsa e revelei as poucas coisas que lá tinha para caçar.
— Você não tem uma arma? — disse, olhando com um olhar de reprovação ao observar minhas coisas no chão.
— Ei, eu não sou uma psicopata — protestei.
— E muito menos uma caçadora — ele completou. Lembrei da espécie de arsenal que ficava no carro de Dean e considerei seu argumento válido.
— Justo. — Pensei em voz alta e adicionei isso a uma lista mental de coisas para adquirir para minhas caçadas. — Espera, vampiros morrem com tiros? — perguntei curiosa, já que ele fez essa observação.
— Óbvio que não. De qual planeta você veio? — ele respondeu, não de forma rude, mas como se fosse uma pergunta genuína, como se isso fosse algo básico, o que me fez ficar vermelha de vergonha.
— Eu vim do planeta que achava que vampiros queimam sob a luz do sol — respondi, e ele me olhou confuso, me deixando mais corada.
— Você precisa arrancar a cabeça deles com isso para que eles morram — ele disse, andando pela sala e pegando um facão, o qual não tinha reparado, pois estava camuflado pelos livros.
— E por que não fizemos isso naquela hora? — perguntei.
— Você não parece ser do tipo que arranca cabeças. E não estávamos na melhor hora para atacar — ele disse, como se fosse óbvio.
— Por que não seria uma boa hora? Acabaríamos com o problema. E eu posso ser do tipo que arranca… uma cabeça, talvez — respondi, tentando convencer a ambos.
— Não acabaríamos com o problema, porque são vários problemas. Você não conseguiria cortar a cabeça de um e seria morta pelos outros antes mesmo de tentar — ele disse, parecendo cansado de me explicar. — E não sobreviveria com o que trouxe.
— Tá, talvez você esteja certo…
— Eu estou certo — ele disse, querendo colocar um ponto final na conversa de maneira autoritária, do tipo: eu sou sempre o dono da razão, o que me fez revirar brevemente os olhos.
— Mas por que você diz isso. É sempre mais que um vampiro? — perguntei curiosa, não querendo que a conversa finalizasse.
— Sim, eles andam em bando. Eles fazem seu ninho, como nós, caçadores, chamamos — ele disse, e eu fingi não me impressionar. — Mas então, por que está caçando? Tentando, no caso.
— Eu venho fazendo isso há alguns meses. Me sinto bem ajudando pessoas — respondi, me lembrando das vidas que pude verdadeiramente salvar fazendo isso.
— Isso é muito bonito da sua parte, mas você deve parar de fazer isso.
— Eu não posso — falei com intensidade e desespero por pensar em deixar de fazer aquilo, sentir a adrenalina, ajudar pessoas, me sentir viva. Dei goles desesperados na cerveja. — Eu tenho que continuar. Eu preciso deixar as pessoas a salvo…
— Mas e você? — ele perguntou, de forma gentil.
— Eu não me importo comigo. Meu Deus, estou falando essas bobagens com um homem que sequer sei o nome. — Ri de mim mesma, da situação em que me meti. Bebi mais um gole da cerveja.
— Meu nome é Bobby. Bobby Singer — ele se apresentou e tomou um gole de sua bebida.
— respondi, fazendo o mesmo.
— O que aconteceu para você começar a caçar? — Ele se sentou, curioso em saber mais.
— Um fantasma quase me matou no meu primeiro dia de trabalho. Na verdade, matou todo mundo de lá — falei, me lembrando.
— Como saiu dessa? — ele perguntou, sem se impressionar com minhas palavras, como se elas fizessem parte de um dia da semana normal para ele.
— Conheci uns caras — simplesmente respondi, me recordando dos irmãos.
— Para sobreviver nesse meio, você precisa fazer mais do que só conhecer uns caras — ele concluiu, se levantando.
— O que quer dizer? — perguntei, em busca de respostas, coisa que estava fazendo muito essa noite.
— Que é o seu dia de sorte. — Ele sorriu. — Você virará uma caçadora de verdade.
— Mas... Eu já sou… — falei baixinho, para que só eu mesma ouvisse minha frustração. Estava animada para poder aprender mais, mas esses meses foram… apesar de muito difíceis, eu consegui me sair bem, às vezes.
— Para você ser uma caçadora de verdade, precisa de uma arma — ele respondeu, de forma gentil, mas só fiquei pensando em: Como esse cara conseguiu me ouvir?
— Eu nem tenho porte legal, isso é… — Ia dizer loucura, mas tudo que já vi nos últimos meses foi isso. Loucura.
— Ninguém liga para porte legal — ele disse isso e a minha versão advogada ficou um pouco chocada. — Qual é? Você se tornará a lei. E outra, todo mundo tem uma arma hoje em dia.
— Eu não…
— Mas agora vai ter — ele respondeu, colocando uma em minhas mãos. — Sabe como usar?
— É claro que eu não sei como fazer isso — disse um pouco agoniada por ver aquele treco na minha mão. — Isso tá carregado? — falei com medo, tentando fazer com que aquilo não ficasse junto comigo por muito tempo. — Tira, tira, tira — falei desesperada para que ele pegasse o objeto.
Ele tirou a arma das minhas mãos, e eu suspirei aliviada.
— Você tem muito o que aprender — ele concluiu, com um cruzar de braços. Como resposta, algo incontrolável aconteceu, minha barriga roncou o mais alto que conseguiu, como se tivesse vida própria, nos fazendo olhá-la com um pouco de medo. — Acho que você… precisa comer algo.
— Por favor — implorei para Bobby.
Seu telefone tocou e então ele fez um sinal para que eu esperasse e foi em direção a um lugar onde havia vários telefones, o que me deixou boquiaberta. Ele começou a falar sobre uma criatura que alguém tinha dificuldade sobre com muita propriedade no assunto, como fez comigo alguns minutos atrás. Talvez esse seja o homem que me levará às respostas. Bobby Singer parece ser a solução dos meus problemas.


Acordei com batidas brutas na porta. Ainda estava na casa de Bobby, em um quarto o qual ele não precisou insistir muito para que eu ficasse.

Ontem conversamos um pouco mais sobre tudo isso de monstros, e ele falou muito ao telefone. Ele me explicou que eram outros caçadores pedindo ajuda e que ele era uma espécie de sabe tudo que os auxiliava, o que me deixou impressionada. Mais tarde, percebi que não tinha mais dinheiro para continuar fazendo aquilo, continuar vivendo e caçando, o que me incentivou a ter uma crise interna, que Bobby solucionou depois de pressionar um pouco para que eu ficasse em casa com ele. Quando entrei no quarto, chorei até pegar no sono. Não tinha mais como sobreviver.

Me levantei e tomei um banho, no qual ontem confesso ter exagerado um pouco, já que fazia alguns dias que não conseguia ter esse luxo. Vesti algo simples e fui encontrar Bobby.
— E aí, o que temos hoje? — perguntei, tentando fingir costume.
— Bom, como você vai ficar aqui por um tempo e está sem dinheiro, irá procurar um trabalho por aqui, mas pense em algo com um período de horas não muito longo. Se não me engano, acho que precisam de alguém no pub. — Sempre precisam de alguém em algum pub no mundo, essa é a minha teoria que foi confirmada novamente hoje, e eu posso fazer isso muito bem.
— Ok, sem problemas! — falei animada.
— Antes da sua busca, você vai ter que aprender a pelo menos segurar uma arma — ele falou, e isso soou como se fosse um desafio para mim, o que seria bem difícil.
— Posso tentar — falei, tentando parecer otimista.
— Venha. — Ele pegou a arma e andou até os fundos de sua casa, que era um ferro velho, o que me deixou boquiaberta. — Segure e atire — ele simplesmente disse.
— Mas… — comecei a dizer.
— Sem “mas”. Não tem segredo, qualquer idiota consegue fazer isso — ele falou, como se estivesse me encorajando, eu acho.
— Ok… — falei, tentando manter a calma e pegando a arma. Já vi isso em diversos filmes, eu posso fazer isso na vida real.
À minha frente, estavam várias latinhas as quais Bobby posicionou para fazermos aquilo. Respirei fundo e carreguei a arma. Fiquei impressionada com a rapidez que fiz aquilo, atirei e, para nossa surpresa, atirei em uma das latas.
— Como fez isso? — Bobby perguntou, era ele quem estava boquiaberto.
— Ah, sabe como é, qualquer idiota consegue fazer isso — falei, sorrindo e orgulhosa do meu trabalho.



— Eu acho que já estou pronta para caçar aqueles vampiros — falei para Bobby, ao fim do dia.
— Eu acho que você está pronta para arrumar um emprego — ele disse, querendo encerrar a conversa.
— Mas eu posso dar conta disso! — falei, parecendo uma criança fazendo birra.
— Não, não pode. Já chamei pessoas que vão dar conta. — Ele continuou com o seu tom de “acabamos aqui”.
— Eu dou conta. — Cruzei os braços e disse baixinho.
— Você só deu uns tiros. Antes de hoje, não conseguia nem segurar uma arma — ele disse, entrando na casa, me deixando no ferro velho, olhando o sol ir embora para dar espaço à escuridão noturna.
O acompanhei e o encontrei no telefone. Resolvi preparar algo para comermos, enquanto ele estava ocupado. Ele parecia falar algo importante e bem pessoal, então me concentrei em não prestar atenção. Fiz dois lanches com as poucas coisas que tinha na geladeira de Bobby, mas como tenho excelentes dotes culinários, estava incrível.
Entreguei o prato dele com uma cerveja como acompanhamento e iria sair para comer com o meu olhar à vista. Ele tinha acabado a ligação.
— O que vai fazer? — ele perguntou, me vendo sair.
— Comer lá fora. Quer me acompanhar? — perguntei gentilmente.

— Obrigado por ter feito o sanduíche, não precisava se incomodar — ele falou, quebrando o silêncio.
— Você literalmente está me dando uma cama para dormir, um chuveiro… Sabe, a falta de tomar um banho que eu tinha… Você não tem noção. Isso é o mínimo que eu poderia fazer — falei, oferecendo um sorriso e olhando a vista. — É lindo, não é? — Suspirei, enquanto apreciava o momento. Estava sentindo uma felicidade genuína por estar compartilhando aquele momento com Bobby.
— É… Muito bonito — ele respondeu calmamente.
— Sabe, eu amava ver o céu com minha mãe, ficávamos horas admirando. Até que ela se foi e eu não tive mais forças de ficar observando. Mas agora sinto que as coisas estão diferentes — desabafei.
— Lógico que estão. Você está se tornando uma caçadora de verdade — Bobby disse, sorrindo gentilmente.
— Obrigada, Bobby — falei, tentando transmitir toda gratidão que estava sentindo ao tê-lo encontrado há aproximadamente 24 horas e ele já ter feito coisas que ninguém mais fez por mim.



*1 semana depois*

— Bobby, o que houve? — falei, quando cheguei do pub e o vi sentado, com as mãos sobre a cabeça baixa.
— Uns amigos caçadores sofreram um acidente, eles estão no hospital. Um deles está muito mal — ele me disse, triste com a notícia.
— Quando isso aconteceu?
— Ontem à noite. Eles só conseguiram me avisar hoje.
— Ei, vai ficar tudo bem. Como você diz, caçadores sempre ficam bem, né? — Tentei animá-lo, mas ele não me respondeu. — Está tarde, você precisa descansar um pouco.
— Eu não posso, preciso ajudá-los — ele me disse, um pouco desesperado.
— É para isso que servem os médicos — falei, tentando fazer com que ele esquecesse aquele assunto e pensasse um pouco em si mesmo. — Olha, agora não há nada que possa ser feito. Eles precisam ser cuidados por profissionais, tudo vai ficar bem.
— Talvez você tenha razão. — Ele tentou disfarçar um pouco de sua tristeza.
— Mulheres sempre têm razão — respondi, sorrindo, o que o animou um pouco. — Comprou as coisas que te pedi do mercado? — falei, com o intuito de distraí-lo.
Parecia que já nos conhecíamos bem o suficiente para estabelecermos uma relação de pai e filha, o que era estranho, já que nunca tive essa conexão com o meu próprio pai.
— Sim, deixei as sacolas em cima da mesa.
— Quer que eu prepare algo? — Queria ajudá-lo, mostrar que estava ali.
— Não precisa, vá descansar um pouco, você trabalhou a noite inteira no pub, merece dormir um pouco. Amanhã seu treinamento começa cedo.
— Você vai ficar bem? — falei preocupada, enquanto guardava as coisas.
— Eu estou bem, mãe — ele respondeu irônico. — Agora vá dormir, idiota — ele falou carinhosamente.

Na manhã seguinte, ainda sonolenta, vi o horário no relógio indicando o horário. Estava um pouco mais tarde do que geralmente Bobby me acordava, mas lembrei do estado dele ontem e pensei que ele estivesse cansado demais para levantar cedo, embora ele nunca se atrasasse. Droga, algo poderia ter acontecido.
Me levantei apressada, estava com a minha blusa de dormir, que-tecnicamente-não-era-minha, vesti um short e fui conferir. Ele estava na sala. Nunca o vi chorar, e acredito que não o verei, mas ele estava perto disso.
— Bobby, está tudo bem? — perguntei cuidadosamente.
— Um dos meus amigos morreu — ele disse, com um pesar na voz.
— O do acidente de ontem? — perguntei, com um aperto no coração, embora não tivesse a menor ideia de quem era.
— Sim — ele respondeu entristecido. — Os filhos dele passarão um tempo aqui com a gente até se ajustarem.
— Talvez isso seja bom pra você. Ver gente que não seja eu, sabe. — Tentei animá-lo com a ideia de outras pessoas na casa trazendo luto para Bobby.
— Eles são ótimos, você irá gostar deles — ele respondeu, com um sorriso fraco.
— Pode apostar que sim — falei, contribuindo com sua expressão.
— Eles chegarão em breve — ele declarou. — Nada de treinamento hoje para você. Vá descansar mais um pouco, você fica muito tempo acordada — ele falou de forma gentil.
— Não irei protestar com medo de que mude de ideia, mas se precisar de algo, que eu prepare alguma coisa talvez, é só me chamar — disse prestativa, ele acenou com a cabeça e fiquei insegura em deixá-lo, embora o sono e eu tivéssemos travado uma batalha bem intensa recentemente, já que estava tentando recuperar os meses sem dormir com medo de minhas caronas.
— O que está esperando? Vai dormir, idiota. Já estou mudando de ideia — ele disse, sorrindo, fiz com as mãos um sinal de que estava me rendendo e fui em direção ao meu quarto.


Acordei novamente mais tarde e bem descansada. Tomei um banho e me troquei, já pensando em como iria trabalhar. Fui até a cozinha preparar café e encontrei Bobby em uma ligação. Ele a encerrou e me observou fazendo café.
— É assim que se prepara café? — ele perguntou curioso.
— Sim? — falei como se fosse óbvio. — Por que diz isso? Nunca fez?
— Pra que fazer quando se pode comprar? — Ele deu de ombros, me deixando um pouco chocada com aquilo, mas resolvi deixar pra lá.
— Os rapazes chegaram? — perguntei. Agora quem estava curiosa era eu.
— Sim, um deles foi ao mercado e o outro está por aí — ele respondeu, parecendo um pouco preocupado.
— Quer? — Ofereci o café e ele aceitou com a cabeça. Lhe entreguei a xícara. — Já terminei os livros que você pediu.
— Ótimo, vou separar mais alguns para que você leia. Foi rápida — ele disse impressionado.
— Tinha que ler muita coisa na faculdade. — Dei de ombros. — Vou tomar lá fora — disse, levantando a xícara, e ele assentiu.
— Deixarei alguns livros no seu quarto — ele falou enquanto eu saía, e fiz um sinal de “joia” com a mão que eu não segurava o café.
Estava aproveitando a vista enquanto tomava alguns goles do líquido quente, que queimava um pouco minha boca, até que ouvi alguns barulhos estranhos vindos mais à frente no ferro velho. Deixei a xícara em algum canto e peguei um pedaço de madeira, pronta para atacar quem quer que fosse adiante. Respirei fundo e fui andando, fazendo com que a madeira ficasse posicionada em minhas mãos como um taco de baseball.
Ouvi alguns gritos e corri na direção deles. Estava prestes a quebrar a minha arma na cabeça do homem irritado, quando fui assimilando as coisas aos poucos, me familiarizando com elas. O carro, o qual já tinha visto em algum lugar, e o dono se virou para mim. Esse com certeza já tinha visto.
— Dean? — falei surpresa, largando o pedaço de madeira.
? O que está fazendo aqui? — ele perguntou confuso.
— O que você está fazendo? — disse, olhando para o carro e a suas mãos, que seguravam a prova de que ele mesmo tinha destruído o carro, pelo menos uma parte.
Surpreendentemente, ele me abraçou, e eu não consegui fazer nada além de reprimir minha confusão e tentar ajudá-lo de alguma forma.
— O que houve? Está tudo bem? — perguntei preocupada.
Nossos corpos estavam juntos por conta do abraço e agora estávamos com nossas testas juntas, um pouco desproporcionais, já que ele era mais alto, mas não parecia estranho para nós. Era como se já estivéssemos acostumados com isso, embora nosso contato tenha acontecido poucas vezes. Meu coração estava acelerado pela emoção de tê-lo encontrado novamente e inquieto por saber que não estava bem. Acariciei seu rosto para tentar acalmá-lo e o abracei novamente quando vi o que a raiva o fez fazer com seu amado carro. Eu entendia aquela sensação.


Continua...


Nota da autora: Oie! Espero que gostem de navegar pelo mundo incrível de Supernatural com minha fanfic e que possam se maravilhar com essa história escrita com todo carinho por mim. ❤️

🪐

Nota da Beth Saturno: Aaaaaaa eles se reencontraram! O SURTO QUE TÔ TENDO NÃO TÁ ESCRITO HAHAHAHA.
O Bobby é tudo, né? Muito paizão e eu amo esse personagem.
Ansiosa por mais! ♥

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Para saber quando essa fanfic vai atualizar, acompanhe aqui.