Revisada por: Saturno 🪐
Última Atualização: 31/10/2024.Hospital.
Não.
Hospital.
Não.
Enquanto piscava e sentia suas pálpebras pesadas, pensava no que havia acontecido, mas por que era um borrão? Nenhum pensamento ou memória? Moveu os dedos e sentiu certa dor, era como se não os movimentasse há tempos.
Onde estava?
Movimentou o pescoço para o lado, mesmo com o desconforto, e não viu nada. Ok, recapitulando. Acordou em algum lugar. O teto era branco. Não enxergava nada ao seu redor.
Torceu um pouco o nariz ao notar um cheiro estranho, era forte e não conseguia identificar. Levantou o braço, com a sensação de peso, e tocou as suas vestes. Usava isso há quanto tempo? A sujeira predominou em seus dedos.
Aos poucos, foi sentando-se, uma dor dominou seu corpo e fez uma careta, sua lombar doeu assim como seus ombros. Percebeu algo em seu pé, seu coração palpitou e engoliu seco. Nesse momento, soube que não bebia algo há um bom tempo.
— Que merda. — Sua voz saiu rouca.
Levou uma das suas mãos até a testa, pois sentiu-se um pouco tonto. Voltou a olhar para os lados e pigarreou. Respirou fundo, mas o cheiro forte novamente entrou pelas suas narinas e embrulhou seu estômago. Tentou se concentrar no que poderia fazer a seguir, e puxou o pé, algo roçou em sua pele, lhe causando desespero momentâneo. Fez o mesmo gesto novamente e a mesma dor lhe atingiu, distinguiu que estava preso em algum lugar.
O seu coração estava na boca e, apesar da firmeza das suas pernas terem sumido, se colocou em pé e novamente respirou fundo, era como se colocasse seu pulmão pra trabalhar. Deu alguns passos, bem lentos, e tateou o nada, mais uns passos e aquele objeto pesado incomodava. Pegou nele por inteiro e compreendeu que era uma corrente, prosseguiu e chegou até um objeto metálico, frio e sujo.
— Um cano — murmurou baixo e tentou engolir, contudo a secura da sua boca já o incomodava. — Onde eu estou? O que está acontecendo? — Aquelas perguntas começaram a sair da sua boca, tendo em vista que eram seus pensamentos.
Do nada, algo chamou a sua atenção. Direcionou os olhos para o nada, mas era para o local de onde o barulho vinha. Sentiu pontadas no peito e imediatamente sua respiração se tornou ofegante.
— Quem está aí? — Quis gritar e não conseguiu.
— Quem é você?
— Quem é você?
— Por que me colocou aqui?
Contraiu as sobrancelhas com a sensação do coração na boca, passou a língua pelos lábios e levantou as mãos.
— Não fui eu quem te colocou aqui!
— Você está mentindo! Espera!
Segundos de hesitação e expectativa tomaram o corpo do rapaz, parecia que a pessoa se movia, e se estivesse vindo na direção dele para matá-lo? Deu um passo para trás e tentou se manter alerta mesmo no breu.
— Acho que encontrei!
— Encontrou o que? — Sua voz saiu trêmula.
Uma a uma, as luzes foram se acendendo, fazendo com que os olhos dele doessem. Mantendo-os fechados por alguns instantes, voltou a abri-los, notando alguns borrões em sua vista e, aos poucos, distinguiu o que era aquele lugar.
Um banheiro.
Olhou pelo local sujo, imundo e fedorento. Era como se estivesse fechado há tempos. Um espelho quebrado na parede contrária à sua e, no canto, um cano corroído, que chegava ao teto. Colocou os olhos na outra pessoa, era uma mulher, quantos anos ela tinha? Não fazia ideia. Era péssimo nisso.
Sua vista ainda doía, mas continuou olhando para o banheiro. Seu olfato já estava se acostumando com o cheiro ruim. Havia uma patente do outro lado, mais perto da mulher, e ela se encontrava como ele: presa.
— Quem é você? — ela o questionou séria.
Seus cabelos ruivos bagunçados e jogados para frente davam um ar de uma mulher mais velha, mais experiente, não aquelas novinhas com as quais ele se envolvia aos finais de semana.
— Quem é você? Como pode ver, estou na mesma situação. Não posso ter te colocado aqui!
— E se você me colocou e se colocou nessa situação para que eu não desconfiasse de você? — Seu dedo se direcionou ao rapaz.
Uma risada fraca saiu entre os lábios dele.
— Boa, dona.
— Ei! — rosnou, ao cruzar os braços. — Babaca!
Deu uma boa olhada nas roupas que ela usava, uma calça social preta, camisa de manga comprida branca, também social, relógio que parecia caro e um colar com uma aliança.
— Do seu marido?
— Você é babaca mesmo ou tá se fazendo?
A ruiva deu uma olhada ao redor depois de ficar um tempo pensando o que estava fazendo ali com uma pessoa tão babaca. Olhou para os lados, indo até o cano e tentando puxar a corrente com força, nada aconteceu. Novamente. Nada aconteceu. Apenas o barulho da corrente roçando no cano e não demorou para que desistisse quando se encontrou ofegante.
— Droga! — Deu um tapa no local, como se fosse adiantar.
— Qual é seu nome?
Ela se virou, o encarando por longos segundos. Ele parecia ser jovem. Teria o que, vinte e cinco, vinte e oito anos? Chutou mentalmente, enquanto respirava fundo.
— Michelle — respondeu baixo. — E você?
— Adam. — Usou o mesmo tom que ela.
Se encararam por longos segundos, Adam a analisava. Poderia ser, sim, um joguinho dela. E se ela estivesse envolvida nisso? Parecia ser rica, ter dinheiro, por que estaria ali? Michelle fazia o mesmo, notando a camiseta xadrez por cima de uma blusa branca suja e calças jeans no mesmo estado.
— Qual é a última coisa que você se lembra? — Adam se sentou, não ligava para o chão imundo, nem para o fedor. Queria descobrir informações e sair dali o mais rápido possível.
Michelle focou em um ponto como se aquilo fosse ajudá-la a pensar na pergunta dele. Qual havia sido sua última memória? Buscou. Buscou. E buscou. Da mesma forma que fazia pelas manhãs, quando não encontrava os pares certos de meias na gaveta.
Era tarde da noite. O local estava deserto e ela se encontrava na sala dele, colocando seus pertences dentro de uma caixa qualquer. Seus olhos ardiam, queria de todas as formas colocar pra fora a tristeza e saudade que sentia.
— E-eu...
— O quê?
Se quisesse sair dali, precisava confiar em um estranho, certo?
— Eu estava no escritório do meu marido. Pegando algumas coisas na sala dele.
Alcançou o porta-retrato com a mão trêmula e a foto fez com que ela fosse levada no mesmo instante ao momento clicado. Era ela e ele. O amor da sua vida. Aquele por quem ela se apaixonou perdidamente na fila do banheiro, depois da final do Super Bowl.
— Sozinha?
— E você? — Olhou para ele.
Estranhamente, Adam foi levado à sua última memória, fato que não conseguiu quando tentou se lembrar há alguns minutos. Engoliu seco, tocando seus dedos uns nos outros, pois um arrepio percorreu a sua espinha.
Descia as escadas do prédio velozmente, quase tropeçando nos próprios pés. Sua respiração estava ofegante, olhou por cima do ombro e continuou. Segurou com firmeza no seu instrumento de trabalho em uma das mãos, por mais que ela estivesse presa na alça de segurança em volta do seu pescoço.
Assim que chegou à porta de vidro, saiu para a área externa e respirou fundo, rindo e andando de costas. O alívio tomou seu corpo e se virou para andar, a calçada estava deserta, e Adam soltou a câmera fotográfica, sentindo seus dedos formigarem.
Pegou um cigarro de dentro do bolso da calça jeans e um isqueiro no outro. Ao acendê-lo, olhou para o lado, tragando e vendo um beco com apenas uma luz acesa e o caminho até a sua casa seria bem mais rápido. Deu de ombros, indo por esse local.
— Agora me lembro! — sussurrou o rapaz, em transe.
— Alguém te trouxe aqui?
— Alguém com uma máscara! — ambos disseram em uníssono.
O rapaz se colocou em pé de supetão, as suas pernas tremiam e suas mãos suavam. Olhou para Michelle, respirando fundo, e apontou os dedos para a sua cabeça, enquanto os movia em sentido giratório.
— Que merda! Caralho! Então, alguém nos trouxe aqui. Esse alguém quer alguma coisa de nós. Eu não tenho dinheiro! — Seu tom de voz aumentou. — Nem família.
Ele gritou, como se fosse para que a pessoa que estivesse fazendo aquilo o ouvisse. Tapou os olhos com as mãos e fez uma careta.
— Checa seus bolsos. Talvez tenha alguma coisa! — Michelle disparou, após alguns segundos de silêncio.
Sem pensar, o rapaz tateou seus bolsos da frente, nada. Fez o mesmo com os de trás, nada. Passou a mão pela sua camiseta suja e sentiu algo além de poeira. Com o dedo indicador e polegar, tirou algo de dentro.
Era uma fita pequena. Com as palavras escritas:
“ME TOCA”
Os olhos de Adam focavam aquele objeto em suas mãos. Ao fundo, viu Michelle fazer o mesmo, só que, diferente dele, ela não encontrou nada.
— Por que você encontrou isso e eu não?
— Vou saber? — Foi ríspido.
Percorreu todo o ambiente, procurando por algo que pudesse fazer aquilo tocar, no entanto, nada encontrou. Mordeu seu próprio lábio inferior e seus olhos foram a um ponto na parede atrás de Michelle.
— Desliga as luzes.
— Por quê?
— Porque eu estou pedindo, porra! Faz logo!
— Sabia que a palavra por favor existe?
Michelle andou até a parede, não se encontrava tão distante. Puxou o interruptor pra baixo, apagando as luzes e os deixando em um breu. Adam moveu o pescoço e algo dentro de si dizia que estava no caminho certo. No instante em que avistou uma forma em uma das lajotas do banheiro, foi para se aproximar, no entanto, seu tornozelo estava preso.
— Merda!
— Que foi, o que houve? — Michelle indagou receosa, odiava o escuro.
— Nada. Tá tudo bem. Você está vendo aquilo? — Inutilmente apontou, então lembrou-se. — Atrás de você. Em vermelho.
A mulher se virou, instantaneamente vendo o ponto marcado em X na cor vermelha. Engoliu seco e sabia que deveria se aproximar, mas a corrente segurou seu tornozelo e ela esticou as mãos em direção ao local indicado, resmungando umas palavras inaudíveis.
— O que está acontecendo? — Adam olhou para os lados.
— Não consigo alcançar. Estou longe demais. Meu pé está preso, eu...
— Tenta!
— Não consigo!
— Tenta de novo!
Ao mesmo tempo que Michelle queria chegar até o ponto vermelho, ela não queria. Odiava a forma como Adam falava com ela, mas sabia que compartilhavam um momento desesperador em suas vidas, não sabendo se ambos sairiam vivos daquele lugar.
Novamente ela se esticou, fazendo o mesmo com o seu braço e tentando alcançar. Seus dedos tatearam a parede fria e suja, contudo, ela não conseguia chegar. A corrente roçou um pouco mais na sua pele, fazendo com que uma marca vermelha predominasse e a ruiva tentou um pouco mais. Nesse momento, a corrente apertou mais em torno do seu tornozelo e sentiu a sua carne prensar um pouco naquele objeto metálico e pesado.
— Droga, não dá! — choramingou.
— Michelle, se você não fizer essa merda, é capaz de não saímos daqui! — Adam esbravejou.
A ruiva sentiu seus olhos arderem, mas parecia não ter forças para chorar. Olhou na direção em que ele estava e levou uma das mãos até a corrente, tocando em seu tornozelo para checar se estava tudo bem. A dor era latejante.
— Tá bom. Vou tentar. — Ela concordou com a cabeça, mesmo sem ele conseguir vê-la.
E fez o mesmo uma outra vez. Quanto mais se aproximava, mais a corrente comprimia seu tornozelo. Fechou os olhos, fazendo uma careta, e a dor só aumentou. Um fio de suor desceu pela lateral do seu rosto, e, ao alcançar a lajota e abri-la, um trincar ecoou e a mulher deu um grito, colocou a mão pra dentro e apanhou um gravador.
— O que foi? O que foi? — o rapaz inquiriu aflito.
Não via nada, mas sabia que algo de ruim acontecia com ela. Foi pra andar novamente e, mais uma vez, a dor atingiu seu tornozelo. Segundos depois, que, para Adam, pareciam horas, as luzes foram acesas e ele notou Michelle sentada com a mão no tornozelo.
— Tá tudo bem?
— Não, caralho. O que você acha? — Michelle o fuzilou com o olhar e manteve as mãos no tornozelo. — Conforme andamos, essa corrente aperta o nosso tornozelo. Acredito que eu, eu... — Sua voz falhou. — Esse negócio trincou o osso, eu...
De supetão, a ruiva pegou o gravador e jogou na direção de Adam. O rapaz não estava esperando, por isso, o pegou, quase o deixando cair ao segurar com as pontas dos dedos. Ele direcionou um olhar para ela.
— Você é maluca?
A mulher passou o dedo pela região vermelha em sua pele, que estava se tornando roxa. Fez uma careta com isso e o barulho de Adam colocando a fita dentro do gravador ecoou em seus ouvidos. Ela levantou a cabeça para olhá-lo.
“Acorde, Adam. Deve estar se perguntando onde está. E você está no local em que poderá morrer. Na maior parte da sua vida, sempre se manteve atrás dos outros e fazendo coisas por eles, nunca para si mesmo. Foi por isso que escolheu fazer o que faz? Para ficar nas sombras e não ser notado? Hoje poderá mudar isso”.
A mão que segurava o gravador tremeu um pouco, a boca se encontrava mais seca do que nunca, tirou os olhos do chão imundo e direcionou à mulher do outro lado, com as sobrancelhas arqueadas. Adam ouviu mais uma vez. Aquela voz, que não era uma voz real, entrava pelos seus ouvidos e deu uma sacudida tão intensa em seu cérebro que sentiu tontura.
— Quem é você? — A pergunta dela fez com que ele tirasse os olhos do gravador.
— Você sabe quem eu sou.
— Mentira! — Michelle riu debochadamente e se levantou, resmungou de dor e fechou os olhos por alguns segundos, logo os abrindo. — O que quer dizer ficar nas sombras e não ser notado? O que você faz?
Adam abriu a boca pra responder, mas a fechou. Fez o mesmo processo, uma, duas vezes. Passou a língua pelo lábio superior antes de falar.
— Eu sou fotografo, ok? Não faço nada demais. Não sou matador de aluguel, não traio ninguém e com certeza não nos colocaria nessa situação! — gritou no fim da frase.
Michelle respirou fundo e levou uma das mãos até a testa, a coçou.
— Você vende as fotos que tira? É tipo um paparazzi?
O rapaz concordou com a cabeça e ela apenas riu debochadamente, ficando sem saber o que falar.
— Me empresta o gravador. — Esticou um dos braços e moveu os dedos.
— Pra quê?
— Talvez eu possa ouvir algo que você deixou passar.
Mesmo à contragosto, Adam jogou o gravador nas mãos de Michelle. Mordeu o interior do lábio inferior e ficou a fitando, enquanto sentia as mãos levemente suadas.
Quem sabia aquelas coisas sobre ele? Sobre o que ele fazia? Nunca havia contado a ninguém. Ninguém.
A mulher aproximou o gravador da sua orelha, a fim de ouvir melhor, e apertou o play. Escutou uma, duas, três vezes a mesma mensagem. Voltou, pausou. Nada.
“A pia.”
Franziu o cenho com aquela voz de fundo no fim da gravação, tocou novamente e sentiu seu coração disparar. Olhou para o local, a pia era de pedra, oval, antes branca, agora suja, beirando marrom. E uma torneira de metal.
— Será que não tem algo ali? — Apontou para trás do rapaz.
Adam tirou os olhos do chão e direcionou para onde a mulher apontava, franziu o cenho, pois não havia dado atenção merecida àquele lugar desde que acordou.
— Pode ser — respondeu baixo.
Engoliu seco antes de dar o primeiro passo, com a hesitação correndo em suas veias e seu coração palpitando. Quanto mais passos dava, via o interior da pia. Era funda e suja, muito suja. Torceu o nariz pelo cheiro que exalava e olhou dentro.
— Uma chave! — Seu tom de voz subiu, por conta da animação momentânea.
Mas, ao aproximar a sua mão, bateu o pé em algo no chão, em forma de interruptor, e um barulho ecoou no local. A pia começou a se encher e o rapaz acompanhou aquilo com os olhos arregalados e com seu coração batendo forte.
— Não. Não. Não. Não. Não. Não.
— O que é isso? — Michelle indagou confusa, do outro lado.
— Água.
— E você tem medo de água, por acaso?
Notou a quantidade de vapor que saía da água. Não fazia ideia, mas sabia que a temperatura deveria estar alta, muito alta. Focou na chave no fundo e foi para apoiar as mãos, mas afastou-se com a temperatura em que estava a pia.
— Tá muito quente.
O silêncio predominou entre os dois. O rapaz olhou embaixo, havia fios, tentou puxá-los, no entanto, sem sucesso. Tocou a parede, tentando sentir algo, e nada. Voltou à posição que estava e respirou fundo.
— Eu posso... posso tentar.
— Se protege com a camiseta.
Achou a ideia dela excelente. Puxou a manga, protegendo a sua mão, e novamente tomou coragem ao colocar ar dentro dos seus pulmões.
Manteve os olhos abertos e focados, iria de uma vez. Não pensaria muito. Mergulhou um dos braços na água fervente, um grito ecoou da sua garganta e o calor tomou conta do seu pulso e parte do braço. Sentia como se agulhas estivessem entrando em sua pele e o tirou ligeiramente.
— Porra!
Instintivamente, Michelle deu um passo para frente e o fitou por longos segundos.
Adam lacrimejou e fez uma careta com a dor lancinante que predominava no local que havia mergulhado na água, passou a língua pelos lábios e fitou um pouco qualquer no chão, com a vista um pouco turva.
— Você está bem?
— Não, eu não estou bem! Porra!
Com as mãos trêmulas, abaixou o tecido da camiseta e percebeu a pele vermelha. A sensação era que ainda estava queimando. Tocou o local com as pontas dos dedos, a sentindo quente.
— Não consigo. Não consigo. Olha isso. Não consigo! — Levantou o braço e mostrou a ela, seus olhos ardiam e a dor beirava o seu cotovelo.
— O que vamos fazer? — Michelle abriu os braços. — Para pegar a merda do seu gravador, que nos levou a essa pista, eu trinquei o meu tornozelo, Adam! — O tom dela aumentou e notou o rapaz olhar para si com uma expressão fria.
— Quer que eu coloque meu braço lá de novo?
— Se você não fizer isso, o que podemos fazer, então? Tem alguma ideia?
Não. Ele não tinha. Negou com a cabeça enquanto a olhava e direcionou seus olhos à pia novamente, seus batimentos cardíacos estavam rápidos e sabia que seria pior do que a primeira vez. Fechou os olhos e respirou fundo.
Não soube dizer de onde, mas encontrou forças para colocar o braço para dentro da água ardente, manteve os olhos fechados e o que doía, doeu mais. Era como se seu braço estivesse pegando fogo e sentisse sua pele puxar o calor pra dentro. Encontrou a chave no fundo e tateou, de início, ela não saiu e um gemido de dor ecoou dos seus lábios. Tateou novamente e a retirou de dentro da pia.
Uma gota de suor escorreu da sua testa pela lateral do seu rosto. Com a respiração ofegante, se colocou de joelhos no chão, caindo para o lado, e deixou seu braço esticado. Moveu os dedos das mãos e viu como bolhas começavam a aparecer na região vermelha. Aquilo não era nem mais a sua pele.
A chave encontrava-se na palma da sua mão, intacta. Engoliu e não teve forças para se mover.
— Adam? — choramingou Michelle.
Com a outra mão, pegou a chave, mesmo sem forças, e se virou. Jogou na direção dela e, por um instante, se manteve deitado, com os olhos presos no teto.
Michelle viu o metal cair perto do seu pé e a pegou com as mãos trêmulas. Sentia-se aturdida. Direcionou a chave ao cadeado, demorou para que a conectasse e tentasse abri-lo, uma, duas, três vezes. Forçou e nada aconteceu.
— Não é a chave das nossas correntes. — Michelle levantou o rosto ao olhar para Adam e o viu com o cotovelo do braço intacto apoiado no chão. Engoliu seco, sabendo que ele tinha razão.
— Você tá bem? — Ela se interessou.
O rapaz soltou uma risada fraca e negou com a cabeça.
— Quando ele disse que eu não sobreviveria, que era aqui que morreria hoje, era disso que ele estava falando? De uma merda de queimadura? — gritou.
Travou a mandíbula ao encará-la, e Michelle notou uma veia predominar na testa do rapaz.
— Nós precisamos pensar juntos — respondeu, calma.
Ele apenas concordou de um jeito debochado e se deitou novamente, puxando o tecido da camisa para cima e escondendo aquele machucado que fazia com que seu estômago embrulhasse por conta da dor e do visual.
De um jeito espontâneo, a mulher tocou a parte da frente da roupa que usava. Não sentiu nada, mas algo chamou a sua atenção em um bolso na parte de trás da calça. Franziu o cenho, pois havia batido ali antes e não sentido nada.
Olhou para Adam e viu que ele estava concentrado no próprio machucado. Continuou, pegou o que era um papel com o polegar e o dedo indicador, o segurou.
Que merda, pensou.
Abriu com toda delicadeza do mundo, como se pudesse rasgar aquele papel e isso causaria a morte de ambos. Engoliu seco e passou a língua pelo lábio superior. Assim que visualizou o conteúdo, seus batimentos cardíacos aumentaram consideravelmente.
— Que merda... — parafraseou.
Meio borrado, notou Adam se mover e olhar o que ela estava fazendo. Com dificuldade, ele colocou-se em pé e a encarou.
— O que é isso?
— Me diz você!
Com a mão trêmula, Michelle virou o papel. Era uma foto do marido dela, com o jaleco branco. Ele parecia estar em um estacionamento e foi fotografado por alguém que ele não esperava, pois parecia espantado.
Virou a fotografia para si novamente e checou todos os detalhes, eram exatamente os detalhes do dia... no canto inferior da foto, havia uma assinatura, pequena, mas ela passou o dedo sobre o nome: Adam.
— Por que seu nome está aqui? Você tirou essa foto? — Segurou no topo do papel e moveu a mão, irritada.
— Não!
— Como não? Seu nome está aqui. Não é isso que vocês fazem? Vocês marcam as fotos de vocês para serem vendidas depois?
O fotógrafo comia a última colherada em um bowl com seu cereal favorito, quando, ao lado, seu celular apitou, anunciando uma nova mensagem. Era um endereço. E se ele fizesse as fotos, as revelasse, as colocasse em um saco plástico, teria o dinheiro naquela noite.
Seu olhar percorreu a cozinha, com jornais em cima, revistas e louças a lavar. No entanto, fitou a geladeira, a conta estava ali, o aluguel, e ele precisava ser pago. Pegou o aparelho em mãos firmemente e respondeu que faria o serviço pelo preço estabelecido.
— Quem é essa pessoa? — Michelle tentou acalmar o tom de voz para conseguir falar com ele.
— Você não acabou de dizer que é o seu marido? — Franziu o cenho.
— Eu quero que você diga. Você sabe quem é. Foi você quem tirou essa foto! Diz!
— Não!
— Diz!
O silêncio predominou entre os dois e Adam respirou fundo.
— O que aconteceu com ele? Por que você usa uma aliança num colar?
— Não é você quem faz as perguntas aqui, Adam! — Michelle negou com a cabeça. — Você as responde! Agora diz!
— Eutireiafoto.
Um sorriso de canto brotou nos lábios de Michelle.
— Continua. Quem pediu para que você fizesse isso?
— Eu não sei. De verdade — ele falou, e ela riu fraco. — Eu não tenho contato direto com os meus clientes. Quem contrata o meu trabalho não mostra o rosto. Sempre deixo as fotos em um local pré combinado e recebo depois.
— Como você recebe?
— Também tenho um local pré combinado.
— Quanto você recebeu por essa merda?
Adam a mirou por alguns segundos e suspirou.
— 200 dólares. Foi o suficiente pra pagar o aluguel. — Foi sincero.
Michelle gargalhou rapidamente.
— Me diz o que você viu quando tirou essas fotos! — esbravejou.
— Eu...
As suas memórias voltavam aos poucos, era como se a droga que tivessem injetado em seu corpo estivesse se dissipando pela sua corrente sanguínea e não fizesse tanto efeito.
— Eu cheguei ao LA General Medical Center por volta de 10h da noite. Entrei com o meu carro e deixei no estacionamento no primeiro andar, me escondi atrás das pilastras e esperei. A mensagem foi clara. Me mandaram uma foto dele, com o nome e o horário que ele sairia de lá. O local estava deserto, era só eu e ele. Eu...
Os olhos de Michelle arderam e ela mordeu o lábio inferior, tentando ao máximo engolir o choro.
— Como disse, ele estava sozinho. Provavelmente saindo de um plantão de horas, com jaleco, cansado. Ele caminhou até o carro, estranhou os flashes, mas caminhou e foi embora — murmurou.
— Você não faz ideia do que fez.
Adam negou com a cabeça ligeiramente e juntou as sobrancelhas.
— O que eu fiz?
— Que dia foi isso?
Soltou um suspiro pesado e olhou pra cima.
— 5 de março.
Michelle fungou.
— Ele morreu nessa noite.
Direcionou seus olhos para ela e estudou as expressões da mulher. Ela tinha os olhos avermelhados e a bochecha rosada. Imediatamente seu coração pesou.
— Não...
Direcionou sua mão até o colar em seu peito, acariciou a aliança e mostrou a sua, eram iguais. Adam acompanhou e engoliu seco.
— Michelle, eu não... Como?
— Como o quê? — Limpou algumas lágrimas que insistiam em cair. — Como ele morreu? Acidente de carro. Disseram que saiu nervoso do hospital e não viu o sinal fechado na avenida.
O rapaz tombou a cabeça pra trás, sentindo um embrulho gigantesco tomar conta do seu estômago, e fez uma careta com isso.
— Você matou meu marido, Adam — sussurrou chorosa.
— Não. Eu só tirei as fotos. O que aconteceu depois não tem nada a ver comigo. Nada a ver, entendeu? — Ergueu as mãos e as balançou. — Ele ter passado no sinal vermelho não tem nada a ver com as fotos.
— Então fez parte! — Michelle abriu os braços.
— Entendo, ok? Você precisa culpar alguém e eu sou a pessoa disponível nesse momento. Pode me culpar, mas eu não matei o seu marido! — gritou ao olhá-la fervorosamente.
— Você é um idiota! — retrucou.
Respirou fundo e andou um pouco, no que podia, onde estava. Sentia a corrente roçar na sua pele e machucar o que já estava machucado. Levou as mãos, ainda segurando a foto, aos seus cabelos e os puxou pra trás, os deixando ainda mais bagunçados e seus olhos começaram a arder.
As lágrimas pareciam sair dos seus olhos, sem controle algum. Olhou pro chão e pegou um pedaço de vidro, que era parte do espelho da parede, e jogou na direção, o quebrando em partes menores. Pegou outro pedaço e fez o mesmo, vendo estilhaços no chão, e respirou fundo, tentando controlar a sua respiração ofegante.
Uma parte da parede que não estava à mostra, antes atrás do espelho, foi revelada. Era um buraco pequeno, parecia ter sido feito recentemente, pois continha terra.
— O que é isso? O que tem aí? — Adam indagou, do outro lado.
— Não sei. — Michelle se aproximou ao mancar, tendo em vista que seu tornozelo doía.
Fez uma careta com isso, guardando a foto do marido dentro de um dos bolsos e respirou fundo e focou no que via diante dos seus olhos. Levantou o braço para tentar saber o que havia ali, mas recuou.
— O que foi? — o fotógrafo questionou curioso.
— Não sei. E se... — Engoliu seco. Tentou tirar aqueles pensamentos e levou a mão até o local, colocando para dentro. O buraco era fundo. Tateou terra , chegou mais profundamente e sentiu algo. — Achei alguma coisa!
Adam deu um passo na direção dela, observando de longe o que acontecia. A esperança brotou em seu coração, era como se fosse uma felicidade momentânea.
Michelle retirou do buraco um recipiente quadrado, de madeira, com arestas lisas e extremidade unidas por parafusos. O cheiro característico brotou em suas narinas, como se fosse algo feito há pouco. Tocou, com as pontas dos dedos, como se quisesse ter certeza de que o que via era real.
Se aproximou o máximo que conseguiu de Adam, se sentando de frente para ele e o viu fazer o mesmo. Abriu a caixa com delicadeza e seu coração palpitou.
— O que tem aí? — Ouviu a voz de Adam.
Com as mãos trêmulas, Michelle retirou uma fita igual a de Adam, só que, dessa vez, estava escrito: atenção. Deixou a fita de lado e franziu o cenho ao notar algo dentro da caixa. Alcançou uma bala e aquele objeto gélido fez com que seu corpo se arrepiasse. Ignorou. Deixou a bala de lado.
Viu o que pareciam ser fotografias, em formatos pequenos. Suas bordas eram brancas e as tocou com a ponta dos dedos, pegou e notou a quantidade delas. Semicerrou os olhos com o que via.
— Michelle?
Uma delas era Adam com as mãos na cabeça, ele parecia desesperado com algo e olhando fixamente em um ponto. A próxima era ele se aproximando de um carro. Distinguiu que o automóvel se encontrava destruído na parte da frente, e o coração de Michelle errou as batidas. A outra, Adam chegava próximo ao carro e checava o que havia acontecido.
Ela se lembrava bem daquele carro. Daquela cor. Daquela batida.
Desceu do seu carro velozmente, tropeçando nos próprios pés, e se aproximando do automóvel do marido, não sentindo as próprias pernas. Notou a batida na parte da frente, como estava destruído, e chegou ao lado do motorista, onde não encontrou ninguém. O desespero tomou seu coração. Com os olhos cheios de lágrimas, as bochechas vermelhas, olhou para o lado e viu um corpo coberto com algo preto.
Suas mãos tremeram tão fortemente que teve que largar as polaroids dentro da caixa. As lágrimas tomaram conta do seu rosto e fechou os olhos. Logo depois, os abriu e encarou Adam. Algo crescia dentro do seu peito.
— O que tem aí? — O tom de voz dele era calmo.
Tirou seus olhos dele, focou no gravador ao seu lado, o pegou. Colocou a fita que vinha na caixa dentro e, enquanto fazia isso, o olhava. Apertou o play.
“Olá, Michelle. Por toda sua vida, você deu o seu melhor e fez de tudo pelos outros, tendo um casamento patético com um homem que você sabia que a traía e mesmo assim optou por perdoá-lo. Hoje, você terá a chance de perdoar ou não alguém. Está pronta para fazer essa escolha, Michelle?”
Adam juntou as sobrancelhas enquanto a encarava. Os olhos da mulher estavam vermelhos, assim como seu nariz e bochecha. Ela colocou a fita para tocar mais uma vez, e ele queria entender o que ela estava pensando.
— O que você está pensando? — Decidiu perguntar.
De supetão, Michelle se colocou em pé, caminhando com dificuldade até o local onde estavam os interruptores. Decidida, apagou as luzes e ouviu protestos de Adam. Ignorou. Novamente, colocou uma das mãos dentro do buraco e sentiu algo. Ela havia sentido antes, mas optou por ignorar.
Era gélido, pequeno e faria estrago. Retirou a pequena arma, não sabendo a segurar propriamente, e ainda sobre protestos do rapaz do outro lado e no breu, foi até onde a caixa estava e pegou a bala, a colocando no lugar correto.
— Michelle, que merda! O que está acontecendo?
Acendeu as luzes e manteve uma das mãos, que segurava a arma, atrás do corpo, e andou o mais próximo que conseguiu dele. Fechou os olhos por alguns instantes, ela teria que fazer isso.
— Adam... — A sua voz quase não saiu.
Tirou a mão de trás do corpo e o rapaz à sua frente arregalou os olhos, levantando as mãos e a fitando. Michelle grunhiu e apontou para ele, seu coração estava na boca e o corpo inteiro arrepiado. Aquela arma pesando mais do que deveria.
— Você tem que morrer.
— Não. Espera. Eu não tive nada a ver, eu...
Michelle nunca havia segurado uma arma antes. Seu dedo titubeou ao mexer no gatilho. Demorou para o seu coração entender o que faria, algo que mudaria a sua vida para sempre. Teria que viver com aquilo, e, por mais que não saísse dali, teria feito a sua vingança.
Mirou a cabeça dele. Só tinha uma bala, o tiro teria que ser certeiro.
— Michelle... — Adam implorou.
— Não posso.
— Eu não fiz isso, você... está...
O barulho do tiro ecoou no local. Adam fechou os olhos, sabendo que sentiria uma dor exorbitante em alguma parte do seu corpo, ou que morreria em questão de segundos. Ao notar que ainda havia ar em seus pulmões e que seu coração batia, abriu os olhos com medo do que poderia ver.
A ruiva estava deitada pra trás, com uma poça de sangue se misturando com o vermelho dos seus cabelos ao lado da sua cabeça. Trêmulo, o rapaz se aproximou um pouco mais, notando o ferimento no seu olho esquerdo, aberto pelo poder da arma, e aquilo fez com que seu estômago embrulhasse.
— Que merda, Michelle... — sussurrou, sem conseguir parar de olhá-la.
O enjoo tomou conta de si. Levou uma das mãos até a boca, não aguentando segurar. Correu para um canto qualquer e naquele local colocou o que quer que tivesse em sua barriga para fora. Segundos depois, se sentiu um pouco melhor. O calor tomou conta da sua nuca e respirou fundo.
Aos poucos, a sua visão ficou turva. Tentou piscar, mas de nada adiantou. Caiu de lado, tentou se segurar com o braço, mas era seu braço machucado e gemeu de dor. Foi ao chão e seu corpo bateu, no entanto, não sentiu dor.
Seus olhos pesavam e parecia que seu coração batia mais fraco. Ouviu um barulho, virou a cabeça para trás e achou ser algo que sua mente criou, todavia, do outro lado do banheiro, uma porta de correr se abriu. Os trilhos eram barulhentos, e o fotógrafo fez uma careta com isso.
Passos em sua direção. Quis se levantar, se mover, falar alguma coisa. Não conseguiu. Moveu os dedos, focando no teto do banheiro. Repentinamente, algo tomou conta do seu campo de visão. Piscou uma, duas, três vezes.
— Acorde, Adam!
Aquela voz. Piscou novamente, tentou manter o foco. Sua cabeça doía, seu corpo estava todo arrepiado e o estômago ruim, muito ruim. Uma mão lhe tocou no rosto.
Sentia seus olhos pesados, como se pudesse se entregar a um sono pesado em instantes. Passos foram ouvidos, e do nada se encontrou livre da corrente. Focou no rosto da pessoa que se concentrou em seu campo de visão, engoliu seco com o gosto amargo em sua boca e, aos poucos, sua visão foi ficando mais nítida.
— Você... — murmurou baixo.
Seus olhos focaram como uma câmera. Piscou várias vezes, não acreditando no que via.
— Você é o marido da Michelle.