Codificada por: Ayleen Baümler
Última Atualização: 09/06/2025Um sonoro “ai” escapou dos lábios do príncipe Aemond em resposta ao leve puxão em alguns fios de seu cabelo. As belas e ágeis mãos de Crakehall, por vezes, ainda cometiam esse erro. “Um errinho irritante”, ela diria, mas segurou a boca. Não queria que o senhor seu marido a ouvisse praguejar em um momento daqueles. Eram casados há alguns anos, desde que ambos atingiram a idade para tal; fora obviamente uma forma de consolidar o apoio do pai dela à reivindicação de Aegon ao Trono de Ferro. Mas mesmo com todo esse tempo, não era sempre que Aemond Targaryen a deixava trançar seus cabelos, e isso era algo que ela adorava fazer.
— Ainda não acabou? — Aemond remexeu-se no chão em que estava sentado, bem ao lado da cama que ambos compartilhavam.
Ele planejava tocar em um assunto sensível mais tarde e temia a reação da senhora sua esposa. Fora por isso que pedira para que ela trançasse seus cabelos antes de irem para a cama. Conhecia suficientemente bem para saber que a garota tratava aquele ato como seu instante de paz. Adorava deslizar os dedos desenvoltos pelos cabelos prateados do príncipe com um prezado controle. Amava coisas que podia controlar, e era difícil tirar algo assim de Aemond da Casa Targaryen.
— Acabei de começar, não seja tão impaciente. — Revirou os olhos. — Além do mais, já poderia ter terminado, caso você parasse de ficar de um lado para o outro feito um siri. Dá para ficar parado?
— Não é como se fôssemos passear, Jocelyn. Vamos apenas dormir. — Virou levemente a cabeça e ergueu o olhar para encontrar o dela, um sorrisinho um tanto irônico brilhava em seus lábios. — A trança não precisa ser impecável, só você vai ver.
— Sim, somente eu verei. E essa é a razão fundamental por que deve ser impecável, querido. — deu uma nova puxadinha no cabelo dele, desta vez por querer. — Meus olhos gostam de coisas bonitas, você sabe.
— Ah, é claro — assentiu, o sorriso tornando-se brincalhão. — Quase me esqueci de como não suporta a ideia de algo ser menos do que perfeito, especialmente quando está sob o seu controle. Mas tome cuidado. Posso começar a ficar com ciúmes de sua atenção meticulosa aos detalhes.
— Aos outros, sim, imagino. No entanto, não pode ter ciúmes da minha atenção ao seu lindo cabelo, certo? — provocou ao voltar a deslizar entre os dedos as mechas de seus cabelos beijados pela lua. — E para ser honesta, eu consigo suportar as tais “coisas menos que perfeitas” quando se trata de você.
Aemond não pôde evitar uma pequena e suave risada de divertimento.
— Ah, então eu sou a exceção para o seu perfeccionismo, é? — Mudou de posição e levantou a mão para segurar um dos pulsos dela com delicadeza; um ato que servia apenas para impedi-la de continuar com a trança. — Que gentileza sua.
— Você não era exceção nenhuma, no início. Mas talvez eu tenha me cansado de tentar te transformar em uma imagem perfeita e, assim, passado a tentar te ver como você é, e a enxergar o modo como eu poderia me encaixar em tudo isso. — não moveu nem sequer um músculo para liberar seu pulso. — Mas me diga, querido, você gostou da ideia de ser a minha exceção?
— Ser sua exceção tem seu charme, devo admitir. — Afrouxou o aperto. — É um tipo diferente de satisfação, saber que você passou a me aceitar como realmente sou.
— Isso teve um preço, sabe? Assim como o casamento provavelmente teve um preço para você também — comentou, sem malícia alguma na voz. — A exceção ao meu perfeccionismo. Às vezes me pergunto se você é uma exceção especial ou o meu tormento… ou as duas coisas.
Aemond demonstrou diversão de novo. Sempre se divertia com a sinceridade direta da garota, mesmo quando era dirigida a ele.
— Ambos, talvez. — Seus dedos escorregavam pelo pulso dela em um carinho amistoso. — Ser especial muitas vezes leva a experimentar um tipo de tormento, minha querida. Temo que seja um pacote completo.
— Meu tormento especial… É, acho que tem razão. — Concordou com a cabeça. — Pelo menos posso dizer que também sou um tormento para você.
O sorriso engraçadinho de fez o de Aemond aumentar.
— Ah, você certamente é um tormento. — Ele soltou o pulso dela e agradeceu aos deuses pela garota não ter voltado de imediato para a trança. — Porém acho que me acostumei com isso, assim como você com as minhas “imperfeições”.
— Bem, é certo que seríamos dolorosamente infelizes se nem tivéssemos tentado nos acostumar com os defeitos um do outro. — Ela suspirou. — Eu não teria sobrevivido.
— De fato, teríamos ficado bastante infelizes, não é? — Ele colocou uma mecha revolta dos cabelos dela para trás da orelha. — Mas aqui estamos, surpreendentemente ainda próximos e, talvez, até nos afeiçoando mais um ao outro apesar de nossas falhas e tormentos.
— Suponho que esteja certo de novo — reconheceu com um toque de genuína afeição na voz. — Teimosos ou não, é impossível negar que o afeto entre nós tenha crescido.
— Sim, é verdade. Acho que a teimosia, por vezes, tem seus méritos. — Deslizou a mão pela lateral do rosto dela em um toque carregado de ternura. — E parece que nossa afeição se tornou forte o suficiente para suportar até mesmo nossos momentos mais teimosos.
— E não são poucos — acrescentou ela.
— Não, não são. — Inclinou-se para um pouco mais perto de Jocelyn. — Se bem que, devo admitir, há momentos em que a sua teimosia é mais cativante do que irritante.
— Ah, é? — Ela mordeu o lábio inferior. — Você falou sobre suportarmos os momentos mais teimosos um do outro. Eu não diria assim. Parar de se falar por uma noite inteira, ou então brigar até nos batermos e tremermos e nos beijarmos e fazermos sexo não é a verdadeira definição da palavra “suportar” para mim.
— Pode ter razão, querida. Houve momentos em que nossa teimosia nos levou a encontros bastante… explosivos. — Sua mão escorregou pelo pescoço e ombros dela, arrepiando a pele exposta acima da túnica de dormir vermelho-sangue. — Mas esses momentos ardentes geralmente nos conduzem aos mais memoráveis, não? É a nossa maneira de resolver nossas diferenças, de um jeitinho pouco convencional.
— Seu desgraçado — xingou-o, sorrindo. — É como dizem as palavras dos Crakehall: “Nenhum Mais Selvagem”.
— Ah, as palavras da sua Casa, sim. — Envolveu a cintura dela e puxou-a para mais perto. — Você, de fato, as cumpre, querida. E suponho que seja apropriado para mim, um príncipe, domar uma mulher tão feroz.
— Tenho más notícias para você, Aemond. Casei-me com um dragão, então estou meio que me tornando um. — Abriu um sorrisinho irônico. — Alguém um dia me disse que dragões não podem ser simplesmente domados, eles precisam aceitar você para que se conecte a eles.
— Ah, vejo que tem prestado atenção às minhas aulinhas particulares. — Aumentou o aperto na cintura da garota conforme seu sorriso se alargava. — Você não está errada. Dragões não foram feitos para serem domados, mas sim serem compreendidos, respeitados; são criaturas com as quais se cria um poderoso vínculo. — Aproximou seus rostos. — E, querida, eu te aceitei. Aceitei o seu espírito impetuoso e sua natureza feroz. E não aceitaria de outra forma.
— Posso dizer o mesmo. E você não precisa me domar, Aemond, já estamos conectados. — Ela sorriu. — Agora, pelos sete infernos, vai me deixar trançar esse cabelo brilhante ou não?
— Muito bem, querida, pode trançar o meu cabelo. — Ajeitou-se, resignado, e inclinou-se para trás, dando a ela fácil acesso ao local onde ela havia abandonado a trança incompleta. — Mas lembre-se, sem puxões bruscos ou terei de recorrer ao meu próprio método para fazer você se submeter, meu pequeno dragão feroz.
— Você pode tentar. — Agarrou o cabelo dele e deu um puxão suave, apenas para provocar. Ela trouxe as mechas pelo lado do pescoço para poder terminar a trança deixando-a cair por sobre o ombro dele. — Mas primeiro me deixe terminar, por favor. Já está quase pronto.
— Você consegue ser bem feroz mesmo quando faz algo tão banal quanto trançar o cabelo do seu marido. — Seu tom entregou a diversão que aquela interação o trazia. — Continue puxando, então. Só não se esqueça, minha querida, que eu posso igualar seu espírito selvagem de maneiras que você talvez nem imagine.
— Ah, não. Eu sei muito bem que você é pior do que eu, Aemond — sussurrou e deu dois tapinhas na trança que caía sobre seu peito, magnífica. — Pronto, está perfeito… impecável.
Era assim que ela gostava. adorava a aparência do marido daquele jeito. Era só para dormir, sim, o que significava que a encantadora trança seria arruinada pelos travesseiros, por Aemond ou, o mais provável, por ela mesma. Jocelyn, porém, não se importava. Ele ficava lindo daquele jeito. Valia cada segundo. Sempre valeria.
— Você sabe, né? Claro que sabe. Imagino que me conheça bem demais. — Ele estendeu a mão para sentir a trança e passou os dedos delicadamente por todo o seu longo comprimento. — Tem razão, querida, a deixou impecável. — Sorriu de lado. — E como está tão contente, eu nem vou entrar em detalhes sobre como essa trança estará arruinada pela manhã.
— Ou antes — reconheceu ao sentar-se na cama. — Mas eu não me importo. Fica bonito assim. Você fica bonito.
— Só está tentando me bajular antes que o tormento comece, não é? — Virou-se, ainda no chão, para fitá-la. — O pior é que eu acho que gosto do tormento… às vezes.
— Não estou te bajulando antes do tormento. Por que eu te atormentaria hoje à noite, afinal? — Franziu o cenho, pensando sobre o assunto. — Ei, espera aí, foi por isso que me pediu para trançar o seu cabelo, não foi? Você estava me bajulando! O que quer me dizer, Aemond? E por que isso me faria começar um tormento?
Deuses, como era possível sempre perceber as coisas tão rápido?, perguntou-se Aemond. Parecia que ele havia subestimado a percepção de sua esposa mais uma vez.
— Culpado! Sim, eu queria te… agradar, querida, mas não por maldade — acrescentou rápido, antes que ela o entendesse mal. Ele segurou a mão da garota e deslizou o polegar sobre a palma em um carinho terno. — Eu… eu tenho um favor para lhe pedir.
— E o que seria? — Estreitou seus olhos perspicazes. — E por favor, sente-se na cama comigo. — Ela o puxou para sentar-se ao seu lado. — Não seria justo me pedir um favor quando estava de joelhos na minha frente.
Ele riu daquilo e decidiu não apenas sentar-se ali, mas sim ajeitar-se na cama. De qualquer modo, era para onde iriam uma hora ou outra, como todas as noites. recostou-se nos travesseiros junto dele.
— É um favor um tanto… incomum — baixou a voz. — É algo que venho considerando há algum tempo, e eu… queria saber a sua opinião sobre isso.
— Minha opinião é o favor? — perguntou, enquanto tentava manter sua expressão o mais estóica possível. Estava evitando demonstrar como se sentia por dentro: estava tão feliz de saber que ele, de fato, considerava sua opinião e, ainda mais, que a estava pedindo. Isso era um progresso e tanto na relação dos dois. Um progresso enorme.
— Sim, sua opinião é o favor, de certa forma. Valorizo o seu ponto de vista e quero saber se você acha que isso é uma boa ideia. — Estendeu o braço e segurou a mão dela. — É… é um assunto bastante delicado, e não tenho certeza de como reagirá a isso.
Ele olhou nos olhos dela, buscando por um sinal de compreensão, quase como se quisesse saber se permitia que ele prosseguisse com o assunto.
— Certo, não importa o quanto eu tente esconder, você sabe o quão expansiva posso ser, então… Bem, estou muito feliz que você se importe em saber a minha opinião — confessou. — Não importa sobre o que seja.
— Eu sei bem o quão expansiva você é. — Ele quase sorriu. Apreciava a honestidade da garota e sabia que sua expressividade frequentemente revelava seus verdadeiros sentimentos. Era exatamente disso que ele precisava agora. — Mas não se trata apenas disso, querida. Eu… valorizo sua opinião porque você é importante para mim e eu confio no seu julgamento.
— Aquece meu coração ouvir essas palavras. — Envolveu a mão dele, que segurava sua outra mão.
— Obrigado, querida, significa muito para mim saber disso. — Respirou fundo. — Preciso que você seja honesta comigo, está bem?
O que pediria era algo bem pessoal. Era menos um favor e mais um pedido. Ele também queria a opinião dela sobre algo relacionado à política, mas isso poderia ficar para outro dia. Não permitiria que isso arruinasse o momento.
— Eu sempre sou honesta. — Piscou para ele. — Diga-me, sou toda ouvidos.
— Ótimo. Aqui vai, então. — Ele respirou devagar, temendo a resposta da esposa, mas enfim falou: — Eu quero… quero que você tenha um filho comigo. Um bebê.
— Graças aos deuses! — soltou um enorme suspiro de alívio. — Por um momento, achei que me pediria para pular nas costas da Vhagar e fugir com você. E acho que não seria capaz de fazer isso, porque não tenho certeza se conseguiria sobreviver sem todo esse luxo.
— Ah, eu deveria saber que você tem suas prioridades bem definidas. — Ele riu. — Não, minha querida, nunca pediria para subir nas costas da Vhagar e fugir comigo. Mas você… — hesitou por um breve momento. — Você não se opõe à ideia? De ter um filho, quero dizer, não de fugir.
— Eu… Não. Na verdade, não. Você não viu como as pessoas me olham na corte? Podem estar pensando que sou estéril. Nós nos casamos para procriar, para ter herdeiros… É assim que funciona. E não tivemos nenhum até agora. — Ela quase riu. — Uma hora ou outra, isso teria que acontecer, certo?
— Tem razão. Cedo ou tarde, aconteceria. — Usou sua mão livre para colocar uma mecha do cabelo dela atrás da orelha. — Mas eu não queria fazer isso só porque é algo esperado de nós. Eu… desejo fazer isso porque quero um filho com você.
— Ah, isso… Bem, isso muda toda a perspectiva. — Ela escorregou a mão delicadamente pela trança dele. — Acho que também quero isso, um bebê… com você.
Aemond sorriu, a tensão abandonando seus músculos.
— Ótimo! Porque, para ser sincero, tenho pensado nisso há um bom tempo. — O alívio em sua voz era quase tangível. — E quanto mais pensava a respeito, mais eu desejava. — Abarcou o rosto dela com a mão em um toque terno e amoroso. — Tem certeza que está pronta para isso, querida?
— Definitivamente não estou pronta, mas quando foi que isso me impediu? — Riu, empolgada com a ideia. — Mas agora tenho algo muito sério para lhe dizer, querido.
— Algo sério, você diz? — Arqueou a sobrancelha, intrigado com a mudança de tom. — Certo, querida, pode falar. Estou ouvindo.
— É só que… é melhor você me pedir um favor de verdade, ouviu? — Deu um soquinho leve no ombro dele. — Falar sobre termos um filho não é um favor a ser pedido, mas sim um desejo a ser compartilhado.
— Justo, justo. — Ele soltou uma risadinha suave e esfregou o ombro. — Acho que tem razão.
— Eu sempre tenho. — Piscou para ele, que revirou o olho. — Um favor, então?
— Já que insiste, tenho um de verdade dessa vez… algo pessoal — explicou e ela assentiu, esperando. — Preciso que me prometa que, não importa o que aconteça entre nós e ao nosso redor, sempre será honesta comigo. Sem mentiras, sem segredos.
— Isso também não é um favor, Aemond. — Ela quase riu. — Mas, sim, eu prometo se você me prometer o mesmo.
— Então prometemos um ao outro. Sem mentiras, sem segredos. Só honestidade, sempre. — Um pequeno sorriso brotou nos cantos de seus lábios e ele estendeu a mão para segurar a dela. — E por falar nisso… tem algum segredo para me contar, querida? Alguma coisa que tem guardado para si mesma?
— Apenas o que estou começando a sentir por você, eu acho — insinuou. — E você, querido?
— Suponho que eu também tenha um segredo — admitiu. — Mas o que exatamente está começando a sentir por mim?
— Não sei — demorou-se naquela pequena resposta. — Que tal me contar o seu segredo primeiro? Depois eu elaboro o meu.
— Tudo bem, mas confie em mim, está bem? O que estou prestes a lhe contar… falar sobre isso não é fácil para mim. — Ele parou por um momento, para tentar organizar os pensamentos e emoções. — É sobre o meu passado. Algo que jamais contei a ninguém.
— Pode me contar, querido — sussurrou-lhe. — Seu segredo está seguro comigo… Você está seguro comigo.
O rosto de Aemond quase se iluminou com um sorriso no meio da escuridão confusa e pesada que enevoava sua feição.
— Obrigado, querida. Meu segredo é… é sobre algo que aconteceu comigo quando era mais jovem. Algo que… que deixou uma marca em mim. — Ele fez uma pausa e sua expressão se tornou distante com a lembrança. — É algo que tentei esquecer e tratar como se fosse nada, mas sempre está lá, espreitando no fundo da minha mente.
— Pode confiar em mim. — Ela acariciou seu rosto e deixou a mão escorregar por seu ombro tensionado antes de dá-lo um pouquinho de espaço.
— Eu confio. E quero compartilhar essa parte feia de mim com você, mesmo que seja doloroso, que seja difícil. — Ele respirou fundo. — Talvez me ache fraco, ou até menos homem, quando ouvir a verdade, mas esse segredo não é só um fardo pessoal, é uma parte de mim. E eu quero que me conheça por inteiro.
— Eu quero conhecer tudo de você — murmurou ela —, cada pequena e sombria parte.
— Tem certeza, querida? — Ele a fitou, mas seu olhar parecia perdido, incerto, nada parecido com aquela confiança que costumava expor na frente dos outros. — Porque depois de saber, pode vir a pensar diferente de mim.
— Você é meu tormento especial, se lembra? A minha única exceção — declarou com firmeza. Ele era, de fato, a exceção de seu perfeccionismo, aquele a quem ela agora aceitava com todas as suas muitas imperfeições. — É um lugar seguro aqui, querido, comigo.
— Ah, o seu tormento especial, sua única exceção. Você sabe bem como me fazer sentir especial. — Ele riu e bagunçou os cabelos dela em um gesto terno e suave. — Mas tem razão, como sempre. Com você, querida, eu me sinto seguro. Seguro o suficiente para lhe mostrar minhas fraquezas e defeitos. Seguro o suficiente para compartilhar meus segredos mais obscuros.
— Eu sempre serei o seu porto seguro — prometeu. — Pode me contar.
— É uma… é uma lembrança difícil de revisitar. Quando eu era criança… — Forçou-se a olhar nos olhos dela. — Alguns anos antes de conhecer você, eu sofri uma perda terrível, algo que mudou o curso da minha vida para sempre. Uma perda da qual nunca me curei completamente.
— Perdeu uma parte de si mesmo? — encorajou-o a continuar. compreendera pelo jeito que ele falara que não dizia respeito a perder outra pessoa. Sem contar que todos sabiam da perda do olho, embora ela nunca tenha perguntado a ele os detalhes. Era óbvio que era algo ainda mais profundo.
— Sim, uma parte intangível de mim. Eu… perdi minha inocência, de certa forma. Perdi uma parte da minha alma que jamais voltará. — Soltou um longo suspiro. Não gostava da sensação de estar vulnerável, mas com era diferente. Precisava que ela soubesse. — Esta é uma dor que carreguei comigo todos esses anos. Isso me mudou de maneiras que eu gostaria que não tivesse acontecido.
— O que aconteceu, querido? — perguntou, por fim. Seus músculos se tensionaram em resposta à sua própria imaginação carregada de cenas terríveis sobre o que poderia ter se acontecido ao seu marido no passado. — Quem…? Como…?
Aemond fechou o olho, tentando encontrar as palavras certas para contar à senhora sua esposa o que acontecera e o modo como se sentira por causa disso e de tudo o que veio depois. No décimo terceiro dia de seu nome, seu irmão Aegon havia o levado a um bordel na Rua da Seda porque, segundo ele, era hora de Aemond se tornar um homem. Ele usou palavras mais sujas do que isso, palavras que Aemond não ousaria mencionar à Jocelyn. O jovem mal entendia o que de fato estava acontecendo naquele momento. Aegon, porém, o levou até a Madame, e aquela fora sua primeira mulher… a única mulher até entrar em sua vida com todo o seu brilho e calor aconchegantes.
O pior de tudo, o que mais o trazia incômodo no fundo de seu ser, era o modo como passara a voltar àquele bordel quando ficou um pouco mais velho. O modo como passara a voltar para os braços daquela mulher. Felizmente, havia parado de frequentar a Rua da Seda depois de se casar com a doce e feroz da Casa Crakehall. Mesmo assim, a vergonha ainda o atormentava, como em um círculo vicioso sem fim. Por isso era tão difícil simplificar tudo o que se passava com ele e verbalizar para sua esposa.
— Foi meu irmão, o Aegon — começou do jeito mais fácil, acusando o irmão a quem detestava. — Ele me levou a um bordel quando completei treze dias do nome. Foi… foi a minha primeira vez. Só que, alguns anos depois, eu voltei e continuei voltando àquele bordel, àquela mulher. Eu estava… estava com nojo de mim. Eu sabia que era errado, mas não conseguia me impedir de continuar voltando.
— Errado? Você…? — hesitou e respirou fundo, tentando refletir sobre o assunto e, o mais importante, compreender. — Olha, Aemond, eu sei que vocês, homens, continuam indo a bordéis o tempo todo. Eu não gosto disso, mas sei que acontece. Então deixe-me perguntar: treze anos foi uma idade muito jovem para você… começar? — Ela não sabia bem como falar sobre isso. — Eu não me importo com o idiota do seu irmão mais velho ou com o que qualquer outra pessoa pensa sobre uma idade aceitável. Você é o único que importa aqui. Era muito cedo? Você era jovem demais? Você…?
— Era, sim — sua voz quase não saiu e seu olhar estava distante. — Eu não… não sabia de nada. Eu era jovem, um tanto ingênuo e tolo. Eu só… eu pensei que era o que eu deveria fazer. E fiz, sim. E estive com aquela mulher várias vezes nos últimos anos. Era o único lugar em que eu conseguia ser… vulnerável — pronunciou a palavra como se fosse a pior das maldições. — É algo do qual não me orgulho, algo que me assombra até hoje.
— O maldito do Aegon foi quem te levou lá, não foi? Deixe essa culpa com ele, não com você. — Abarcou o rosto dele com a mão. — Ah, meu querido, não há necessidade de toda essa vergonha. Como você mesmo disse, era um lugar em que conseguia ser um pouco vulnerável. Agora não é mais o único, afinal, você me tem. — Abriu um sorriso reconfortante mas triste. — Talvez tenha começado a voltar lá para dar algum sentido ao que aconteceu com você no passado, para tentar se convencer de que essa foi sua escolha desde o início, quando claramente não foi.
Aemond fechou o olho e deixou-se levar pelo conforto que seu toque e suas palavras o traziam.
— Sim, foi Aegon quem me levou até lá. E talvez… talvez você tenha razão. — Assentiu devagar. As palavras “eu sempre tenho razão” ecoaram em sua cabeça na voz de sua esposa, ainda que ela não tivesse dito nada. — Talvez eu tenha mesmo voltado ao bordel para tentar me convencer de que tudo foi uma escolha minha, de eu era apenas um jovem ingênuo que sucumbiu à pressão e às circunstâncias. — Permaneceu em silêncio por um momento, apenas respirando e respirando. — Mas a vergonha ainda está lá, Jocelyn. Ela sempre está lá.
— Bem, não é como se você tivesse tido uma escolha. Foi uma situação de abuso. Olhe para mim, Aemond. — Ela ergueu o queixo dele. — Você ainda a vê, a puta?
— Não, não a vejo há anos. Desde que nos casamos — murmurou. — Você é a única para mim, querida.
— Não se preocupe, querido, não estou perguntando por ciúmes. — Ela riu um pouco. — Que bom que não a vê mais. Cortar o contato é o primeiro passo. Não podemos simplesmente varrer a vergonha e a dor para longe, mas podemos tentar aliviá-las com o tempo. E você pode contar comigo para isso.
— Obrigado, Jocelyn. Eu nunca falei sobre isso com ninguém antes. É… é difícil se abrir sobre esse tipo de coisa — suspirou. — Mas eu gosto disso. De conversar com você. De compartilhar essas coisas com você. Só com você.
— Eu gosto de ter sido a escolhida para saber disso. E você sempre pode compartilhar qualquer tipo de coisa comigo, está bem? Eu sou sua esposa. E mais do que isso, eu sou… — hesitou por um segundo e fixou seu olhar no dele. — Eu sou a mulher que muito provavelmente está começando a te amar. Esse é o meu segredo um pouco mais elaborado.
A expressão de Aemond mudou da água para o vinho. Aquela revelação era uma lufada de ar fresco carregado de um sinal de esperança e cura.
— Querida… — Tocou o rosto dela com ternura e não pôde evitar o sorrisinho que brincava em seus lábios. — Você… você está começando a me amar, é?
— Não fique tão cheio de si — provocou, suas bochechas corando levemente. — Mas sim… eu nunca amei ninguém antes, então não tenho como ter certeza absoluta, porém posso garantir que as coisas mudaram dentro de mim.
— Não ficarei tão cheio de mim, Jocelyn, não muito. — brincou. — Mas eu entendo o que quer dizer. O amor é… é uma coisa complexa, certo? Não é algo que acontece da noite para o dia. Leva tempo, esforço e compreensão.
— E nós tivemos tempo, não tivemos? — Ela riu. — E muitíssimo esforço, e parece que muita compreensão também.
— Como sempre, você tem razão. Tivemos tempo e nos esforçamos para conviver. E… e acho que nos conhecemos muito bem nesse processo. — Envolveu a mão dela na sua, acariciando suavemente os nós dos dedos. — Eu… espero que saiba, Jocelyn, que eu me importo com você. Profundamente. E eu… eu acho que estou começando a te amar também — confessou em um sussurro quase inaudível, como se estivesse revelando o segredo mais importante do mundo. — É uma sensação nova, um pouco assustadora, mas… mas acho que é real.
— Acredito que seja real também — concordou. — E acho que podemos lidar muito bem com a parte assustadora. Como eu costumo dizer: Nenhum Mais Selvagem. Ninguém mais do que nós, certo?
— De fato, nenhum mais selvagem — repetiu as palavras da Casa Crakehall e recostou a testa na sua. — Então enfrentaremos o susto junto, não é? Como fazemos com todo o resto.
— Do mesmo modo como enfrentamos até a nós mesmos juntos — prometeu. — Agora, olhe para mim, querido. Já que nada que me disse foi um favor de verdade, você ainda tem um favor para pedir a sua doce esposa. — Sorriu para ele. — Pode me pedir qualquer coisa agora.
— Qualquer coisa, você disse? — Ele riu. — Essa é uma promessa e tanto.
— Não haja como se precisasse pedir coisas grandes como um favor. — riu também. Sabiam bem como ele era rápido em conseguir o que queria… ao menos quando dizia respeito a ela.
— Você me conhece tão bem, não é, querida? — Inclinou-se mais para perto. — E se eu te dissesse que tudo o que eu quero… é um beijo seu?
— Eu diria que posso te dar todos os beijos do mundo. — Encerrou a distância entre seus lábios. Aemond envolveu seus braços nela com força, buscando por mais contato enquanto a beijava. Ela interrompeu o beijo para murmurar contra a boca dele: — Pagando favores ou não.
— Você é muito gentil comigo, querida — murmurou. — Mas e se esse não fosse o favor que eu queria?
— Eu diria que temos a noite toda. — Sorriu abertamente. — Eu amo você, Aemond, não sei por que tive dúvidas.
— Eu também amo você, Jocelyn. É a única em quem eu confio. — Segurou o rosto dela com ambas as mãos. — E, sim, temos a noite toda, querida. A noite toda para conversar, beijar, abraçar. A noite toda para ficarmos… juntos. Só nós dois.
— A vida toda — completou ela.
— A vida toda — repetiu a promessa. — Você e eu, querida. Juntos, por toda a vida. — Puxou-a para um abraço ainda mais apertado. Se ela era seu porto seguro, ele também seria o dela. — Para sempre.