Revisada por: Hydra
Última Atualização: 12.02.2025 🤍Londres de 1847
Calorosa noite de verão, me encontrei indisposta para ir ao baile.
Mal se havia passado um ano desde a morte de Liam, para meu coração se desesperar em absorver a ideia de que estava solteira novamente e vista como a encalhada de Limerick. Confesso que não tinha sentimentos por ele, pois nosso noivado era puramente um arranjo entre família, entretanto, sonhava com a ideia de me apaixonar ao longo de nosso casamento. As informações que tinha sobre ele, eram os repasses de minha criada Lilien, que mantinha corte com o mordomo de sua família.
Sua morte foi um dos motivos para me mudar para Londres, e morar com a tia Charlot e o tio Walter. Segundo meus pais, minha honra estava machucada pelo fato de ter ficado viúva antes do casamento. Tia Charlot não poupou esforços em seu discurso motivacional, dizendo que uma bela dama como eu deveria finalizar o luto e ir à luta. E o baile de hoje, era mais do que oportuno para marcar presença na tradicional e elitista sociedade inglesa.
— Vamos, , não quero me atrasar. — disse titia, ao aparecer na porta do meu quarto, ajeitando seu chapéu.
Assenti com um sorriso singelo e olhei-me pela última vez no espelho.
Aquele coque valorizava meu rosto, assim como a maquiagem em meus olhos alinhada às bochechas coradas. Saí do meu quarto e acompanhei-a pelo corredor até chegarmos na carruagem em frente à casa. Assim como eu, tia Charlot pertencia à nobreza, porém segundo ela, havia nascido com o coração de um burguês, fato esse que a fez se apaixonar pelo maior banqueiro da Inglaterra, o tio Walter. Eu me divertia muito com os dois, apesar dos momentos tristes de seu casamento por não conseguirem ter filhos.
Mantive minha atenção pela janela por todo o caminho, enquanto titia tagarelava sobre os possíveis convidados da noite. Ao chegarmos na residência da família anfitriã, os Sollary, tidos como novos ricos da cidade, Titia não poupou comentários sobre a extravagante entrada em pedra de Mármore Carrara, e foi difícil não me atentar aos detalhes, devido ao que ela dizia. Entrando pelo hall, o mordomo nos guiou ao salão principal e nos apresentou aos donos. O Sr. e Sra. Sollary pareciam pessoas humildes e de bom caráter, certamente por sua origem fora da aristocracia.
— Te aconselho a dar umas voltas e conhecer os jovens da cidade, não estais em Limerick, e não se esqueça de sempre sorrir com graça. — disse titia, pouco antes de algumas senhoras se aproximarem de nós.
Assenti e me afastei segundos depois dela me apresentar.
Passei alguns minutos olhando à minha volta, tentando reconhecer alguns rostos, entretanto, mais atenta à arquitetura da residência do que as pessoas ali. Me aproximando do salão de danças, vi alguns casais se divertindo no centro, enquanto os músicos tocavam. Não me contive em comparar os vestidos das damas de minha idade, alguns pomposos e outros simples, até que notei duas jovens sentadas e não muito felizes ao canto.
— ! — Blair me assustou, ao tocar em meu braço chamando minha atenção para ela.
A olhei curiosa.
O que estaria fazendo ali?
A última notícia que tive, era de suas férias em Paris com os avós.
— Blair?! — dei um sorriso disfarçado — O que faz aqui? Tive notícias suas que estava em Paris.
— Voltei mais cedo desta vez, vovô ficou adoentado e nos antecipamos. — explicou com traços afobados, de quem recuperava o fôlego — Não sabia que viria, este baile está esplêndido.
Ela sempre muito eufórica.
— Sinto que vou sair daqui às portas do altar. — ela soltou um sorriso satisfatório.
— Sério? Não me diga. — mantive a suavidade na voz, não dando lugares a possíveis frustrações — Isso é incrível.
— Sim. — ela segurou de leve em minha mão — Ah amiga, fiquei sabendo sobre seu noivo, lamento muito, eu iria lhe enviar uma carta, mas as viagens de papai para a América foram repentinas e depois Paris.
Eu notava o tom de falsidade em sua voz.
A parte verdadeira de nossa amizade era sempre minha, de qualquer forma.
Ela havia tido longos 365 dias para me escrever.
— Senhorita. — um cavalheiro se aproximou de nós e olhou para ela — Me daria a honra de mais uma dança?
— Sinto-me honrada pelo pedido, senhor Dominos. — ela sorriu para ele e segurando em sua mão, deixou-se ser guiava pelo homem.
Mais uma vez eu estava sozinha e meu olhar vago se voltou para as mesmas duas damas sentadas ao fundo e seus olhares tristes. Relutei por minutos para não me aproximar, tinha a esperança de ser cortejada, afinal era a novidade do baile, um rosto novo na cidade. Entretanto, sem sucesso, me juntei ao grupo das isoladas.
— Boa noite, senhoritas. — disse me aproximando delas e sentando na cadeira vaga.
— Fale por você. — disse uma delas, que trajava um vestido azul marinho, combinado aos cabelos anelados.
— Não seja mal-humorada Cath, ela só nos cumprimentou. — a outra me olhou e sorriu, fazendo uma breve reverência com a face — Boa noite, bem-vinda a nossa casa.
— Vossa casa? — suas palavras me impressionaram — São filhas dos anfitriões?
— Sim. — Catherine bufou um pouco — E nem assim nos convidaram para dançar, nem mesmo uma pequena valsa.
— Os convidados ainda estão nos conhecendo. — explicou a outra, voltando o olhar para a irmã — Você é muito pessimista.
— Emma, e você é tão otimista. — ela cruzou os braços.
— Bem, se serve de consolo para vosso coração, eu sou conhecida na cidade e nenhum cavalheiro teve a decência de me tirar para uma dança. — desabafei ponderadamente.
Catherine soltou uma gargalhada.
— Está pior que nós. — comentou ela.
— Nós percebemos quando o cavalheiro puxou vossa amiga para o centro do salão e deixando-a como um vaso de planta na porta. — a outra deu uma risada mais tímida — Realmente não és nova na cidade? Como dizes que a conhecem.
— Eu não sou nova, somente estava afastada de Londres e retornei recentemente. — expliquei a ela — Sou Fletcher, mas podem me chamar de , vim morar com meus tios.
Apontei para eles, do outro lado da sala.
— Eu sou Emma, e esta minha irmã Catherine. — apresentou ela, com graciosidade.
— Prazer em conhecê-las. — sorri com gentileza.
— Porque retornou à cidade? — perguntou Emma, com um olhar curioso.
— Porque preciso casar-me para curar minha honra diante da minha família. — expliquei.
— Por acaso, não és mais pura? — Catherine me olhou com malícia.
— Não, não é isso, sou pura sim… Extremamente casta. — senti-me ofendida por tal insinuação — Eu sou viúva, apenas isso.
— Viúva? E pura? — uma outra donzela que estava próximo adentrou na conversa, ela tinha uma bandeja em sua mão, certamente um serviçal.
Aparentemente parecia fazer o comentário apenas para si, porém, soando em voz alta.
— Criada, o que está fazendo ouvindo a conversa alheia? — Catherine a repreendeu de imediato.
— Desculpe-me senhorita. — a moça abaixou o olhar envergonhada.
— Ah não, não brigue com ela, certamente sua situação está pior que a nossa, sendo da classe trabalhadora, não deve nem ter um pretendente. — disse Emma.
— Errada a senhorita não está. — confessou a moça, demonstrando maior frustração — Pelo menos, ambas as senhoritas são de famílias importantes, por certo, até o final desta recepção terão olhares dos cavalheiros para vós.
— Não estou muito certa disso. — Catherine bufou novamente — Mas a considerar meus padrões para um bom cavalheiro, prefiro que nenhum deles se aproximem de mim.
Nós demos algumas risadas dela.
— Como se chama, criada? — perguntou Emma.
— Olivia Miller, senhorita Sollary. — respondeu ela.
— Ah, sem muitas formalidades, Olivia, longe da governanta, podes me chamar de Emma. — a garota sorriu de leve para ela — E podes ficar por aqui se quiser, observei que tens trabalhado muito.
— Agradeço senhorita, mas não quero levar uma bronca da senhora Moodle. — disse acanhada.
— Eu direi a ela que está nos servindo particularmente. — a solução de Emma parecia convincente.
Olivia assentiu com o olhar agradecido.
— Bem. — Catherine me olhou — Ainda estou curiosa, como podes ser viúva?
— Estava noiva de um casamento arranjado, contudo, meu noivo faleceu, passei esse tempo em luto. — respondi, explicando sem muitos detalhes.
— E ele morreu a quantos dias? — perguntou Olivia.
— Há um ano. — respondi.
— Estás de luto há um ano? — Emma ficou boquiaberta com minhas palavras.
— Sim, mas agora virei a página. — assegurei em um suspiro — Sinto que não posso esperar por mais tempo, quero viver o amor e com minha idade, estou quase sem esperanças.
— Quantos anos tem? — Emma me olhou atenta.
— 20.
— Com 20 anos você fica um ano de luto? Como podes? — Catherine se mostrou indignada.
— Você também tem 20 anos e está solteira, Catherine. — retrucou sua irmã.
— Estou solteira porque não quero casar-me com qualquer homem, meu dote é valioso demais para um desqualificado, além do mais, em Liverpool nunca tivemos muitos prestígios, por isso viemos para Londres. — explicou ela, retrucando — Pior é você que chora por um homem comprometido.
— Ele é casado? — perguntei curiosa.
— Não, mas está noivo. — explicou ela e continuou em sua defesa — Ele é meu melhor amigo desde a infância, não me culpem por amar meu melhor amigo.
— Ambas parecem tão encalhadas quanto eu. — comentou Olivia, em sussurro.
Nós a olhamos.
— Perdoe-me pelas palavras duras. — Olivia se encolheu.
— Eu deveria te repreender agora, mas suas palavras são honestas. — disse Catherine — Estamos mesmo assim.
— É deprimente. — comentou Emma — Não se preocupe, Olivia, a verdade é cruel para todos.
— Estou cansada disso. — me pronunciei — Eu proponho uma promessa.
— O que? — Emma me olhou intrigada.
— Vamos nos ajudar e encontrar nossos futuros maridos, partiremos em busca do amor e nos casar no próximo ano. — dei a ideia olhando-as empolgadas — O que me dizem?
— Acho que podemos começar avaliando as possibilidades. — Catherine deu um sorriso malicioso — Vós conhecestes muitas pessoas em Londres, ?
— Não, mas sei de uma pessoa que pode nos ajudar. — sorri de volta.
Sim.
A única pessoa que vinha em minha mente era tia Charlot. O baile não tinha nos rendido muita coisa, mas no sábado seguinte, reuni as garotas no jardim da casa dos meus tios para colocarmos nossa promessa em prática.
— Não há muitos jovens atraentes na cidade, mas aqui temos alguns nomes bem promissores. — disse titia, ao se reunir conosco.
Ela ainda não aceitava muito bem a presença de Olivia, por ser de classe inferior. Mas eu não me importava, minha nova amiga se mostrava mais sincera e leal que muita nobre que conhecia.
— Para ser honesta, atualmente ando mais interessada em como terei dinheiro para comer no dia seguinte, do que ter uma corte. — confessou Olivia, ao sentar-se na cadeira ao lado da janela.
— Estás sem trabalho? — perguntei a ela, lançando um olhar sugestivo para titia.
— Sim, fui dispensada pela senhora Moodle. — respondeu num tom baixo e frustrado.
— Nós até poderíamos oferecer-te um emprego em nossa casa, porém, nossos pais não podem empregar mais pessoas. — disse Emma.
— Não se preocupem, eu vou tentar na confeitaria, dizem que estão contratando. — ela se mostrou otimista.
— Eu tenho uma vaga lembrança de estarem precisando de uma tutora para cuidar de uma criança. — titia se pronunciou, finalmente convencendo-se em ajudá-la — Se não me engano, o visconde de Cairnwell, lorde William Bellorum ficou viúvo e não se casou novamente, precisa de uma pessoa para cuidar estritamente da filha doente.
— Viúvo?! — Catherine olhou de forma sugestiva para Olivia — Este é o ponto chave da informação.
— Oh não, Catherine, não me olhe assim. — Olivia se encolheu com vergonha — Se eu conseguir o emprego, já me darei por satisfeita e ficarei muito grata… Ele é um nobre e eu sou apenas a criada.
— Olivia, deixe de bobeira, nossa promessa é para nos casar e não arranjar um emprego. — disse chamando-a ao propósito inicial — Sei que lorde Bellorum estar fora de vosso alcance, mas certamente deve haver algum criado solteiro em sua propriedade.
— tem razão, ainda há esperança. — Emma concordou comigo, entusiasmada.
— Eu não tenho família para me amparar como vós, , preciso ser realista. — disse com firmeza.
— Não se preocupe minha jovem, se este for o caso, eu mesma lhe darei uma carta de recomendações para que consiga o emprego. — titia mostrou-se solidária a ela.
— Então, voltemos ao assunto inicial, a lista de nomes. — disse Catherine — O amor tem pressa para mim também.
Nós rimos dela e continuamos com titia nos apresentando aos cavalheiros solteiros e mais cobiçados de Londres. Enquanto nossa esperança se mantinha acesa com nossos encontros semanais e cartas compartilhadas de motivação, a vida se encarregou de mudar todos os planos para nós quatro, a começar por mim. Viajei novamente para Limerick, meus pais tinham uma notícia para me dar e não podia ser por carta.
Algo que deixou-me apreensiva de início.
No jantar de recepção para a família Tenebrae que o mistério foi se revelando e minha tortura começou. Para honrar com sua palavra, lorde Tenebrae anunciou que seu filho mais velho se casaria comigo. Homem este a quem forçaram se retirar do caminho que trilhava clérigo em que se preparava para tornar-se padre, para honrar o compromisso da família. Meu corpo gelou ao me deparar com seu olhar frustrado para mim.
Como poderia eu casar-me com um padre?
— Espero que não penses que a culpa é minha. — disse ao padre, me aproximando dele no jardim.
— Achas que a morte do meu irmão é vossa culpa? — ele manteve seu olhar no céu, parecia sereno.
— Não digo sobre isso, mas digo que só está aqui por uma promessa feita por nossos avós, talvez se eu não tivesse nascido uma donzela… — comecei a me explicar.
— O mundo não gira em torno de vós. — ele me olhou com seriedade — Confesso que sempre sonhei em seguir minha vocação e dedicar minha vida à igreja do Senhor, mas se essa não é a vontade dEle, aceitarei com humildade.
Sem tom amargurado era notável naquela circunstância.
Contive minhas expressões de chateação, se mostrava um homem grosseiro, eu só estava tentando consolá-lo. Mas oras. Eu é quem deveria ser consolada por meus pais aceitarem este prêmio de consolação. Liam era um gentleman, cavalheiro e muito gentil pelo menos, todos só tinham elogios para ele. Agora este ser em minha frente, a única coisa que Lilien comentava, era de suas horas na biblioteca lendo livros e mais livros.
— Pois saiba que não estou de acordo com a proposta de vosso pai. — retruquei à altura — E não deixarei que minha vida se entrelace a vossa.
— E acha mesmo que vossos pais vão negar a oferta? — ele manteve o olhar atento em mim.
— Bem, se houver uma proposta melhor. — respondi.
— O que quer dizer com isso? — o olhar ficou confuso.
— Tenho uma proposta a vós. — tinha que pensar rápido para me livrar dele.
— Qual seria? — ele arqueou a sobrancelha direita, intrigado por minhas palavras ousadas.
— Me ajude a encontrar o pretendente ideal, e eu convenço meus pais que o acordo não precisa ser honrado, pois o filho prometido era o Liam e não vós. — firme e com segurança nas palavras, estiquei a mão para ele — O que me diz?
— Fechado. — ele apertou minha mão sem nem pensar duas vezes.
— Em breve conhecerá os melhores partidos de Limerick. — assegurou ele.
Meus pais não tinham dado a resposta a pedido meu naquela noite, com a desculpa que precisava de um tempo para absorver a ideia e não haver traumas futuros. Na manhã seguinte, enviei uma carta contando tudo para as irmãs Sollary em Londres e outra para Olívia, que havia se mudado para Derbyshire a trabalho.
Uma semana depois, as respostas delas chegaram.
Cada uma com sua novidade e contratempo do destino, com a distância, não conseguiríamos nos ajudar fisicamente e somente as cartas poderiam nos motivar a não perder as esperanças.
Assim, a sorte estava lançada para as quatro amigas.
era um homem de palavra, e a cada oportunidade ele me apresentava a diversos amigos e conhecidos. Mas parecia que nenhum era bom o bastante para ele.
— Tenebrae, poderia, por gentileza, parar o que está fazendo? — chamei sua atenção que me mantinha sentado no banco do jardim.
— O que faz em minha casa? — ele fechou o livro e me olhou curioso — Não deveria estar em um encontro?
— Sim, deveria, até vossa senhoria estragar a distância. — retruquei mostrando-me furiosa — Tem certeza que quer me ajudar a encontrar um pretendente?
— Por que dúvidas? — ele se manteve sério.
— Porque tenho certeza de que não está se empenhando adequadamente. — cuspi a verdade em sua cara — Como ousas apresentar-me um cavalheiro de extrema má educação?
— Eu disse que ele não era o cavalheiro certo, mas a senhorita exigiu conhecê-lo por suas conquistas como atleta do país. — retrucou ele com suavidade na voz — Algo que deixou-me perplexo por imaginar que sejas uma dama interesseira, achei que quisesse casar-se por amor.
— Ambos sabemos que o amor não nasce da noite para o dia, mas se constrói quando há uma vontade mútua. — o confrontei — E o fato de me interessar por um cavalheiro aparentemente famoso, não me torna uma interesseira, mostra que sei apreciar as qualidades de um homem.
— Sério?! — ele se levantou do banco e aproximou com leveza.
De perto era tão charmoso quanto o falecido irmão Liam, apesar de ser dez anos mais velho que eu, algo que me incomodava ainda mais pela proposta de seus pais. Não imaginava-me viver o amor com alguém tão mais velho, menos ainda que havia abandonado o celibato por obrigação familiar. Entretanto, não mudava o fato de ser bonito, elegante e atraente.
— Então diga-me, conseguiu reconhecer alguma qualidade em mim? — seu olhar ficou intenso de repente, uma novidade para mim.
Algo que me assustou um pouco, por fazer meu coração acelerar.
— Primeiras impressões? — perguntei.
— Seja honesta. — pediu ele.
— És um cavalheiro de palavra, o que significa que tem honra. — iniciei sem dificuldade — E a forma cordial e respeitosa como trata os empregados, mostra que também é generoso e de bom coração.
Confesso que era raro fazê-lo, mas sempre que sorria com espontaneidade, me deixava fascinada, pois seu sorriso era tão bonito que me lembrava a beleza das flores do campo na primavera. Assim que voltei a razão, dei um passo para trás para me afastar, neste momento, pisei em falso e meu corpo tombou para cair. me amparou, segurando firme em minha cintura.
Uma pontada de dor surgiu na altura do tornozelo fazendo-me reclamar.
— Acho que será difícil a caminhada de volta para casa. — expliquei sentindo o desconforto das dores.
— Está sentindo alguma dor? — ele me olhou preocupado — Permita-me que a carregue para dentro.
— Sim. — consenti.
me pegou no colo e levou-me para dentro. Não demorou muito até que meus pais chegassem acompanhados do doutor Han. O diagnóstico fora somente uma leve torção no tornozelo que me deixaria em repouso na casa dos Tenebrae como hóspede. Muito proposital os meus pais concordarem com a ideia da Sra. Tenebrae.
Fria madrugada de outono…
A insônia tomou conta de mim. Peguei o livro que deixei na mesa de apoio ao lado e comecei a ler. De repente, ouvi algumas batidas na porta, a maçaneta girou e entrou em meu quarto.
— . — disse ele, num tom baixo — Estava passando pelo corredor e vi um feixe de luz saindo por debaixo da vossa porta.
— O que fazes acordado? — perguntei, olhando-o curiosa.
— Perdi o sono, vejo que aconteceu o mesmo a vós. — respondeu ele — Permita-me entrar?
— Sim. — assenti, ajeitando um pouco o casaco em meu corpo, para que minhas pernas cobrissem com eficácia.
— Está melhor? — perguntou ao adentrar, mantendo a porta encostada.
— Sim, graças aos remédios, a dor passou, mas ainda sinto latejar um pouco. — respondi observando sua aproximação.
Seu olhar, mantinha-se preocupado e direcionado ao meu tornozelo.
— Deves ter mais cuidado ao andar. — disse ele, ao parar ao lado da cama.
— A culpa foi sua por ter se aproximado demais. — retruquei erguendo um pouco mais meu corpo entre as almofadas — Não sabes que deve manter certa distância de uma dama, mesmo sendo um padre.
— Não sou mais um padre. — ele olhar ficou diferente, um pouco mais intenso — Ou melhor, nunca cheguei a ser um, estava em processo de estudos.
— Não?! — me surpreendeu
— Já disse que fui forçado a largar por causa da promessa. — lembrou ele.
— Ah sim, verdade, havia esquecido. — voltei meu olhar para minhas mãos pousadas sobre meu colo — Perdoe-me.
— A culpa não é vossa, já disse isso também. — assegurou ele.
— Não precisa usar este tom impaciente comigo. — o repreendi de forma espontânea — De qualquer forma, a culpa pelo meu estado é vossa.
— Tudo bem, tomarei a culpa para mim sem o menor problema. — ele sorriu de canto.
Chocando-me.
— Bem. — ele respirou fundo, olhando seus movimentos, logo retirou uma caixinha do bolso.
— O que é isso? — perguntei curiosa.
— Uma joia de família, meu irmão daria a vós em seu jantar de noivado oficial, mas não teve tempo. — explicou ele, ao abrir, revelando um cordão de ouro com uma pérola negra de pingente.
— Que linda, pérolas negras são raras e muito caras também. — disse estática — Por qual motivo trouxe-me isso?
— Para dar-lhe. — respondeu.
— Mas, não poderei aceitar, não iremos nos casar. — expliquei.
— É vosso, tenho certeza que meu irmão iria gostar de vê-la usar. — insistiu ele, convicto de que não aceitaria a minha recusa — Por favor, aceite.
Assenti com a face.
se aproximou mais sentando-se na beirada da cama para encaixar o cordão em meu pescoço, após encaixar a trava do cordão, deslizou sua mão de leve até tocar na pérola. Senti uma leve brisa passar por meu corpo em forma de arrepio, que levou meu coração acelerar instantaneamente, sua aproximação permitiu-me sentir o aroma de vosso perfume.
— És tão linda. — ele foi se aproximando mais e mais de mim, até que vossos lábios encostaram aos meus.
Em um beijo suave e doce, que deixou-me desnorteada.
Este foi mais um fato dos muitos que relatei nas cartas para minhas amigas.
Tinha notícias de que Olivia passava por alguns conflitos enquanto trabalhava para lorde Bellorum, contudo, a boa notícia é que tinha se apegado muito a pequena Molly, filha dele. Catherine, devido aos negócios de seu pai, estava prometida a um casamento por contrato com o homem mais libertino de toda a Inglaterra. Para aquela que tanto impunha qualidades em vosso futuro marido, imagino que não esteja nada satisfeita com a novidade. E Emma, continuava a sofrer por seu amigo de infância que em breve retornaria do exército para se casar com outra.
Não estava fácil para nenhuma de nós.
— E este? — disse ao apontar para o nome escrito na lista de — Godric Flint. O que acha dele?
Olhei para meu padre casamenteiro temporário e sorri esperançosa.
Ambos estávamos nos comportando como se nada tivesse acontecido e o beijo nunca existido. Aquele beijo do pecado que havia-me feito passar a noite em claro imaginando coisas das quais não devo nem mesmo dizer em voz alta. Todavia, sempre que meus olhos direcionavam para seus lábios, meu corpo estremecia internamente, causando uma estranha onda de calor imediato. Precisava disfarçar o turbilhão de sentimentos que detinha dentro de mim, permanecendo focada na lista de nomes que havia feito, a qual já se encontrava no final e sem aprovações.
— Não, ele é nojento e não gosta de banhar-se. — ele manteve seu olhar no livro que lia — Não podes ser desposada por um homem que passa a vida fedendo.
— Assim não ajuda-me, daqui a pouco vou achar que você quer me tornar uma freira. — reclamei pelas demais vezes que pontuou defeitos nos pretendentes.
Respirei fundo e olhei para uma das estantes da biblioteca de sua casa, reunindo o pouco de paciência que ainda existia dentro de mim.
— Fostes vós que disse que queria uma proposta melhor que eu. — ele fechou o livro e me olhou sério — Estou procurando uma proposta melhor que eu.
— Ao meu ver, está tornando todos piores que vós de propósito. — pousei as mãos na minha cintura com indignação — Confesse.
— Fletcher. — ele se levantou da cadeira e seguiu até mim, parando a milímetros de distância — Não vou permitir que qualquer homem tenha o direito de tocá-la, em memória do meu irmão que sempre se mostrou ser o melhor para vós.
Meu coração se aqueceu com suas palavras.
Pensar que ele provavelmente poderia estar cuidando de mim e me resguardando de fazer um mau casamento. Talvez aquele beijo fora somente um momento de devaneio de ambas as partes, me deveria ser silenciosamente esquecido por ambos e desconsiderado. Contive as lágrimas de pequena emoção no canto dos olhos e voltei minha atenção para a janela.
— Mas e então? Chegamos ao último nome da lista. — comentei mantendo-me firme à vossa aproximação.
— Louis Hilt. — disse ele, o nome do felizardo — Acho que é possível que seja um bom candidato.
— E como ele é? — voltei meu olhar para ele, precisava não demonstrar fraqueza agora.
Contudo, era estranho para mim…
Após sete meses estando próxima de e o conhecendo um pouco mais, havia habituado-me com o vosso jeito direto e não ponderado de falar. Sentimentos de amizade também apareceram ao longo deste tempo, me deixando ainda mais confusa com tudo o que acontecia. Mas naquele momento, uma pequena e significativa parte dentro de mim, parecia torcer para que ele dissesse que talvez o último nome, também não fosse o melhor para mim.
— Diga, como ele é? — insisti.
— Tão gentil, honesto e cavalheiro como meu irmão. — seu olhar ficou estranho — Acredito que tenha chances de gostar dele.
Assenti voltando meu olhar para a janela.
Curiosamente, eu não estava feliz com suas palavras. Deveria pular de alegria, mas apenas me mantive em silêncio, e internamente alheia às boas recomendações do tal cavalheiro. As semanas se passaram e após retornar de uma viagem a Roma, Louis Hilt chegou a Limerick para visitar seu amigo Tenebrae, hospedando-se em vossa casa. Um jantar de boas-vindas fora oferecido ao convidado, uma oportunidade para que eu o conhecesse afinal.
Seus pais me apresentaram como a futura noiva de , mas meu padre tratou de explicar a situação ao amigo em momento propício e particular. O que me rendeu conversas produtivas no jardim após a sobremesa. Eu não queria que fosse tão natural como foi, mas Louis sabia a arte de agradar os ouvidos de uma dama romântica como eu. Se Jane Austen o tivesse conhecido, certamente colocaria traços dele em Willoughby de Razão e Sensibilidade. Notei certo olhar frustrado e triste em , sempre que movia minha atenção para ele.
Algo que perdurou quase toda a noite.
Os dias foram seguindo e mais cartas eram enviadas para minhas amigas, descobri que eu não era a única indecisa em minha vida, e todas as outras tinham uma decisão a tomar relacionada ao seu futuro. Isso mostrava que realmente a vida era movida a escolhas. Tarde de inverno, eu me mantinha acolhida em meio às cobertas, presa em casa devido a neve. Logo, a criada veio aos meus aposentos dizendo que uma audiência comigo havia sido solicitada. Dei um pulo da cama e me troquei rapidamente, talvez fosse Louis para conversar com meus pais a respeito de uma possível corte. Quando desci as escadas e avistei um homem de costas, meu corpo paralisou de imediato. Ao sinal do olhar de meu pai para mim, o homem se virou em minha direção, revelando ser .
Um alvoroço foi causado dentro de mim, tanto que senti meu coração acelerar.
— Lorde Tenebrae. — disse num tom baixo, não demonstrando a surpresa causada, e fazendo uma breve reverência — O que fazes aqui?
— Permita-me alguns minutos de conversa? — pediu ele, cordialmente.
— Se for do consentimento de meus pais. — voltei meu olhar para papai.
— Iremos deixá-los à sós, mas estaremos na sala ao lado. — consentiu meu pai — Ambos precisam ter uma conversa final para que decidamos de uma vez por todas se continuamos ou não com o noivado.
Assenti com o olhar e esperamos até que saíssem.
mantinha o olhar fixo em mim.
— Diga então, a que veio? — pronunciei primeiro, deixando as formalidades de lado.
— Não escolha ele. — disse direto e sincero no olhar, se aproximando de mim.
Essas três palavras não eram as que eu sonhava todos esses anos ouvir, mas naquela altura da nossa proximidade, haviam se tornado mais preciosas que um “eu te amo”. Eu estava com medo do que essa declaração causaria em meus sentimentos e minha mente. Louis era um sonho de pretendente, mas ver ali diante de mim com um olhar triste, porém esperançoso.
Era algo que me deixava ainda mais confusa.
— Por que dizes essas palavras? Acaso quer deixar-me louca? — o olhei indignada, me afastei um pouco — Não podes dizer…
— Eu te amo. — interrompeu-me — Era isso que eu queria dizer.
— O que? — sussurrei, sentia-me estática pela confissão.
— Perdoe-me pela honestidade, mas não mentirei para vós. — ele continuou, vi certa profundidade em vosso olhar — Confesso que não sentia-me digno de casar-me no lugar de meu irmão, e andei amargurado pela morte dele e por meus sentimentos ora impróprios, mas revelo o pecado de sempre desejar-te para mim.
— Não compreendo vossas palavras, como podes amar-me? — perguntei ainda mais confusa.
— A promessa de nossos avós, não se referia a Liam, mas a mim, o primogênito. — esclareceu ele, abaixando o olhar por um momento e após retornando-o para mim — Entretanto, meu irmão também apaixonou-se por vós, desde o primeiro momento em que a viste, eu não poderia competir com ele e nem magoá-lo, por isso, desisti… E quanto mais eu tentava não pensar em sua noiva, mas eu pensava em como seria se ao invés dele, fosse eu desposar-te, muito audacioso de minha parte. Foi então que decidi seguir pelo caminho em que poderia ocupar minha mente para não pensar em vós. Mas quando meu irmão morreu, senti-me ainda mais péssimo ao saber da ideia dos meus pais, não me achava digno.
Um pequeno momento de silêncio de minha parte, para conseguir absorver toda a sua história.
— Eu não sei o que dizer. — sussurrei novamente — Nem como reagir a tal confissão.
— Não digas nada, apenas não escolha o Louis. — seu pedido veio junto com um olhar de ternura e sinceridade.
Curiosamente, eu tinha uma escolha.
Onde no início tinha perdido meu noivo, agora perto do fim, haviam dois corações interessados em mim. Mas eu sabia qual escolher, e depois dessa louca e desesperada declaração de , não podia mais negar que por dentro, eu me aquecia perto dele. Aquele beijo não tinha sido um erro, mas sim, seus sentimentos reprimidos por mim aflorando de forma desesperada.
Nos casamos em uma manhã de primavera do ano seguinte.
Exatamente como a promessa que tinha feito com minhas amigas, que compareceram na cerimônia. Eu estava torcendo por elas, assim como torceram por mim.
— Não acredito que puderam vir. — disse empolgada ao abraçá-las — Sinto-me feliz por vê-las tão bonitas e coradas.
— A primavera trouxe alegrias, assim como o vosso casamento. — disse Emma sorridente.
Os olhos de minha amiga brilhavam deixando-me intrigada. Será que tinha se resolvido com o melhor amigo de infância? Catherine a olhava desconfiada, parecia estar surpresa com a serenidade da irmã.
— Estamos mesmo muito felizes por vossa conquista. — disse Olivia — Vossa realização é como uma chama de esperança para vossas amigas.
— Sinto-me maravilhada por ouvir isso, quem bom que o Sr. Bellorum a deixou vir. — eu sorri para ela.
Após os relatos de sua última carta, estava preocupada se poderia ou não comparecer ao meu casamento.
— Sim, foi um tanto conturbado, mas felizmente permitiu. — o olhar de Olivia estava triste, apesar do sorriso singelo em vosso rosto.
— E vós, Cath? Se casará no início do verão. — a olhei curiosa — Estou surpresa pela data escolhida, mas felizmente já terei voltado de minha lua de Mel em Roma e poderei comparecer.
— De fato, fostes meu pai quem escolheu a data. — confirmou ela, nada empolgada.
— Vais para Roma? — Emma ficou boquiaberta — Meu sonho era conhecer esta cidade.
— Sim, foi um pedido de , ele quer me mostrar o monastério em que vivia. — expliquei o motivo.
— Realmente casou-se com um padre. — Catherine brincou de leve, lançando-me um olhar malicioso — Será que ele é virgem também?
— Catherine? Olha os modos, que pergunta. — Emma repreendeu-a envergonhada pela irmã.
Nós quatro rimos daquilo.
Sendo a primeira das quatro a casar, logo na primavera, mostrava que em cada estação, o amor iniciaria para cada uma de nós. Após o final da festa, me conduziu ao nosso quarto recém reformado para a noite especial. O castelo de vossos pais seria minha nova casa agora após o casamento. O que me deixava meio apreensiva em morar com minha sogra e sogro.
— Eu te amo. — sussurrou ele, em meu ouvido, após entrarmos em nosso quarto.
Envolvendo seus braços em minha cintura.
— Eu também amarei a vós. — brinquei, rindo dele.
— Deverias dizer que me amas? — me virou para ficar de frente a ele.
— Direi todos os dias de nossas vidas, mas hoje, quero apenas ouvir tais palavras de vós. — sorri de leve — O homem que tornou-se padre e deixou de ser, apenas por minha causa.
— Eu te amo. — disse ele, novamente.
me beijou com intensidade, fazendo meu corpo arrepiar.
Neste momento, assegurei a mim mesma que não deixaria nenhum desconforto relacionado à distância de nossas idades nos atrapalhar. Ele me amava e eu estava disposta a me apaixonar por aquele cavalheiro todos os dias de nossas vidas.
E sem reservas me entregaria a ele, para viver o amor verdadeiro e sublime.
Todas as noites eu continuo rindo por alguma razão
Mesmo quando fecho os olhos, não consigo dormir
Eu passo a noite inteira com pensamentos em você
Seu sorriso brilhante me permite respirar
- Heaven / EXO
Mesmo quando fecho os olhos, não consigo dormir
Eu passo a noite inteira com pensamentos em você
Seu sorriso brilhante me permite respirar
- Heaven / EXO