Revisada por aurora boreal 💫
Finalizada em: Fevereiro/2025
bastante popular por possuir uma aparência meiga, ela significa modéstia, simplicidade e simpatia.
— Goteiras, mofos, persiana quebrada, um pedaço do teto que parece querer cair em cima da minha cabeça a qualquer momento! E esse aluguel terrível? Eu juro que o lugar estava perfeito há um mês — disse , indignado. — Foi só eu dar um passo pra dentro e tudo desmoronou!
Sair do dormitório era o objetivo que vinha almejando há um bom tempo. Não que seus amigos fossem desagradáveis, pelo contrário, eram a única razão de permanecer. O ponto era privacidade, um espaço mais calmo para que sua mente pudesse funcionar e seu processo criativo pudesse fluir melhor. O movimento nos corredores e os vizinhos barulhentos não cooperavam muito. Até que certo dia, colocou seu casaco e decidiu fazer visitas aos apartamentos que havia encontrado na internet.
O quinto foi o ideal. Médio, de conceito aberto, dois quartos — em sua cabeça, já planejava qual deles seria o estúdio —, um banheiro e uma pequena área de serviço. Bem ventilado e situado em um bairro tranquilo, não tão longe do dormitório. Nos dias seguintes, enquanto resolvia a burocracia de papéis e mudança, já conseguia se ver cozinhando para os amigos e jogando videogame na sala, conversando até o anoitecer sobre as experiências de morar sozinho.
A ficha foi caindo algumas semanas depois, junto com o papel de parede. E quando tentou abrir a persiana para deixar a luz do sol iluminar a cozinha e a viu cair na pia quando puxou o cordãozinho de uma vez.
— Pelo menos tenho luz natural agora. — Deu de ombros, se agarrando ao otimismo.
girou o corpo e encontrou as duas marcas de mofo que o papel de parede desgastado revelava com a ajuda do sol. Franziu o cenho, mas decidiu relevar só porque estava atrasado para sua corrida matinal.
A inspeção foi adiada por mais alguns dias, como se o rapaz não quisesse acreditar no que provavelmente estava acontecendo e continuava enfiado no estúdio trabalhando em seus projetos. No entanto, foi pego de surpresa por uma chuva de verão. Quando finalmente cedeu aos pedidos de descanso de seu corpo após dias no estúdio, dormiu por horas, sem ter ideia da mancha úmida que se formava atrás de sua cama. O cheiro insuportável de mofo lhe acordou mais cedo do que planejava. Tomou banho e saiu para comer na lanchonete da esquina; não conseguia imaginar seu humor ficando pior.
— Tá falando sério? — perguntou , chocado.
— Não aguento mais a voz dessa robô dizendo que o número não existe! — choramingou , cobrindo o rosto. — Vou meter um processo tão grande nesse cara. Ele vai se arrepender de ter me feito de idiota.
O silêncio prevaleceu por um momento enquanto digitava algo no celular.
— Olha, meu apartamento tá no meio da reforma do nosso escritório, então nem posso te oferecer o sofá — declarou, vendo balançar a cabeça em compreensão. — Mas eu conheço alguém que pode te hospedar por um tempo, só preciso convencê-la.
— Eu conheço?
— Aquele Bang ? — perguntou , indo de um lado para o outro carregando buquês e vasos para dentro da loja.
— O lendário que te fez considerar amor à primeira vista, sim — respondeu , em seu encalço.
parou seus passos de repente e virou de olhos cerrados para o rapaz. quase esbarrou nela.
— Achei que tivesse te proibido de mencionar esse assunto.
— Não precisa ficar sensível. Agora pode sair do caminho? Isso aqui tá pesado.
Com um sorriso travesso, voltou a andar. Deu todas as direções para organizar os vasos na estufa, mas lá no fundo, já estava considerando diversas possibilidades.
— Quem garante que nossa convivência vai ser boa? Ele viveu em dormitório nos últimos anos, sei lá qual a conduta de organização dele — argumentou.
arrancou alguns papéis para enxugar as mãos. Sua voz era serena, a voz de alguém que sabe que está próximo de conseguir.
— Você mal fica em casa, . Segundo, ele sabe cozinhar e o quarto dele era o mais organizado do andar, pra sua informação.
— Parece uma ótima ideia deixar um desconhecido sozinho na minha casa. Ele consegue lavar um banheiro, pelo menos?
suspirou quando o amigo apoiou as mãos sobre seus ombros, massageando.
— Entendo que esteja receosa, mas você já esteve com ele algumas vezes. Você pode ficar em casa por alguns dias pra supervisionar, e se qualquer coisa der errado, eu me responsabilizo. Atravesso aquelas ruas correndo ao seu socorro.
Ela riu, apoiando a cabeça no peito dele.
— Por favor, ele precisa desse espaço. É só o tempo de encontrar outro lugar e dar entrada no processo contra o golpista.
— Eu sou a pessoa mais altruísta que você conhece, né? — disse ela, negando com a cabeça ao assistir um sorriso crescer no rosto do outro.
— Na classe média? Com certeza.
— Cala a boca!
Após fechar a loja, acompanhou o amigo até a lanchonete no outro lado da rua. explicou que falhou em todas as tentativas de contato, como se o dono houvesse se tornado um fantasma de repente.
— Não vai ser por muito tempo mesmo, já entrei em contato com uma amiga advogada que aceitou ajudar. me pediu pra perguntar o valor do aluguel do seu quarto de hóspedes.
balançou a cabeça e deu um gole no suco.
— Não precisa. Eu mal fico em casa, os gastos não vão fazer muita diferença — disse ela, observando o sorriso do outro crescer. — Mas caso ele quebre alguma coisa, vou garantir que pague o dobro com juros.
levantou o punho fechado em comemoração.
— Além disso, espero que ele realmente saiba cuidar da própria bagunça. Não quero ter que ficar chamando a atenção de um homem adulto.
— Ele vai colaborar. Ficou muito empolgado com a ideia de continuar trabalhando nos projetos dele. Você tá sendo incrível, , obrigado.
sorriu compreensiva.
— Vou dar meu melhor pra ser receptiva, espero que ele não me ache esquisita.
— vai amar você. Vou falar com ele ainda hoje. — Batucou com as mãos na mesa, animado. — Em breve começamos a mudança.
— Pelo menos agora vou ter a oportunidade de conhecer ele de pertinho. — Pensou alto, olhando para o movimento do lado de fora. — Foram poucos encontros com nossos amigos em comum, mas ainda lembro do perfume dele ser maravilhoso.
— Beleza, já chega, foco aqui. — Estalou os dedos na frente dela. — Deixa eu te falar sobre nossa reforma. O coitado do já não aguenta tanta poeira.
Dois dias depois, exausto de colocar tudo de volta nas caixas, estava ao lado de , tocando a campainha do apartamento de , cheio de expectativa.
— Por que eu sempre tenho que ficar com o mais pesado? — reclamou , arrumando a mochila no ombro pela milésima vez.
— Um, dois, três — contou as bolsas que ele mesmo carregava. — Um, dois...? — Franziu a testa ao contar as do amigo, falsamente confuso.
— São cinco vezes mais pesadas! — explodiu, empurrando o rapaz como podia.
apenas riu baixinho antes de tocar a campainha mais uma vez. Foram recebidos por uma mulher bagunçada, ofegante e surpresa.
— Por que não avisou a hora que viriam, ? — reclamou sem estar realmente brava, mas envergonhada.
— Esse cara parecia que nunca ia terminar de fazer as malas e desinstalar os equipamentos. Sinto muito por esquecer. — apertou os lábios, olhando para dentro. — Atrapalhamos alguma coisa?
fez um movimento negativo, abrindo espaço para entrarem.
— Eu acabei de chegar em casa e tô correndo pra esvaziar o quarto de hóspedes, mas não acho que vou terminar esta noite. Pedi pro porteiro ajudar o pessoal que trouxe as caixas — interrompeu o discurso para tirar uma das mãos da cintura e a estender para , se recolhendo assim que notou as bolsas. — Oi, quanto tempo.
— Oi, obrigado pela ajuda. — Ele sorriu. — Prometo não ocupar muito espaço. Não tive tempo de comprar mobília ou coisas do tipo.
— Entendo. Espero que goste do quarto, se precisar de ajuda pra adaptar ao seu trabalho, é só me dizer — sugeriu, apontando para onde achava que estavam os equipamentos.
— Enquanto vocês colocam o papo em dia, vou deixar essas coisas no quarto de . — soltou uma respiração pesada. — Não acho que você entenda o tamanho do meu sofrimento aqui.
O rapaz não esperou uma resposta. Simplesmente subiu as escadas e entrou na primeira porta. Os que ficaram não conseguiram evitar uma risada surpresa.
— O que você fez com ele? — perguntou , se oferecendo para levar algumas bolsas.
— Sabe que não precisa de muito pro rei do drama entrar em ação.
Decidiram finalizar a faxina no dia seguinte. Retirar e organizar as caixas no escritório foi exaustivo o suficiente para quem não tinha descansado antes disso. foi o primeiro a tomar banho, pois se ofereceu para cozinhar o jantar como gratidão.
— Não tem condições de ficar aqui na sala de madrugada, sério mesmo — argumentou , se encostando na cadeira. — Por que não resolveu o problema do aquecedor ainda?
— Não era minha prioridade até agora. Faz tempo que você e não passam a noite aqui.
— Calma, vocês dormem na sala quando vêm visitar? — ergueu as sobrancelhas.
— Ficamos mais ocupados vendo filmes e conversando do que dormindo — respondeu . — Sem falar que ninguém queria ter a iniciativa de esvaziar aquele quarto.
sorriu, levantando o copo para brindar com .
— Agradeço pelo esforço.
voltou a se concentrar na comida, fazendo o possível para reprimir um sorriso. Mal podia esperar para contar a que esses dois dividiriam um quarto logo na primeira noite.
— Como têm andado seus projetos?
Já estavam prontos para dormir. iniciou o assunto quando terminou de escovar os dentes.
— No momento, tô tentando focar num tipo específico de portfólio pra impressionar uma produtora específica.
— Muito exigentes?
— Super. Às vezes penso se tô sendo ambicioso demais — confessou, deitando no colchão ao lado da cama dela.
— Ambição não é necessariamente algo negativo. Você deve acreditar que é capaz de cumprir certas coisas.
murmurou em concordância. se deitou de barriga para baixo e apoiou a cabeça sobre os braços. Estava pronta para perguntar se poderia desligar a luz quando ele disse:
— Quer ouvir algumas demos?
Ela não conseguiu evitar um sorriso animado. Tinha se segurado muito para não fazer a sugestão.
— Adoraria.
acordou tarde no dia seguinte. Não viram as horas passando enquanto conversavam sobre o processo criativo das músicas, que se esticou para planejamentos futuros e rascunhos de projetos dos dois.
Começou o dia sorrindo da mesma maneira que pegou no sono. Estava radiante pelo primeiro momento de ligação que tiveram desde que se conheceram há alguns meses. Sentou no chão da sala, abriu o notebook e leu os relatórios das duas floriculturas, aliviada que nenhum imprevisto havia ocorrido. "Aproveite seus dias de folga, chefe. Qualquer coisa entramos em contato" foi o que seus funcionários disseram no fim da ligação. Tamanho era o orgulho e o carinho que sentia pelo time que formou em sua jornada.
Ela se esticou e seguiu até a grande porta de vidro da varanda da cozinha, sentindo arrepios no primeiro contato com o vento fresco assim que a abriu. Encheu o regador com água até a metade e regou as pequenas plantas situadas nos cantos do parapeito, um sorriso carinhoso automaticamente crescendo em seus lábios. Absorvendo a tranquilidade dos sons da manhã, respirou fundo, voltando até a cozinha para preparar a comida, mesmo sem ter ideia de quando acordaria. Certamente, estava tão cansado quanto ela, mas não tinha ideia se ele também era uma pessoa matutina.
Ele desceu meia hora depois, se espreguiçando e murmurando um "bom dia" quase inaudível.
— Bom dia! — respondeu ela. — Meu café da manhã é bem simples, mas pode ficar à vontade pra cozinhar o que quiser. disse que você é bom. — Levou o copo de suco à boca para cobrir o sorriso.
Ele coçou a cabeça, sorrindo sem graça.
— Eu faço o que posso — confessou timidamente, fazendo cerrar os olhos e inclinar a cabeça para o lado. — Não ganharia uma competição profissional, por exemplo.
— Mas seria selecionado pra participar?
— Provavelmente — respondeu, piscando um olho.
gargalhou. Ele começou a pegar ingredientes para fazer um omelete.
— Quer ir comigo no mercado hoje?
— Ah, não posso, preciso instalar meus equipamentos e voltar a trabalhar o quanto antes — disse ele, lavando os legumes. — E eu cuido da faxina do quarto, pode deixar.
fez que sim com a cabeça. Disse a si mesma para controlar a vontade de passar o tempo com ele; não é como se fossem grandes amigos. E ele estava ocupado. O plano de ficar em casa para fazer companhia e supervisionar o novo hóspede parecia estar indo por água abaixo. Ela percebeu que provavelmente era tão focado no trabalho quanto ela.
— Se quiser, pode fazer uma lista do que você gosta e se é alérgico à alguma coisa. Fica por minha conta — sugeriu, indo lavar sua louça suja assim que ele se afastou da pia.
De qualquer forma, a distância era suficiente para sentir o cheiro suave do shampoo de . Não era o perfume — que reconheceu assim que ele chegou no dia anterior —, muito menos o sabonete, que tomou conta do quarto há algumas horas. pressionou a ponta do nariz em busca de foco no presente.
— Não quero te incomodar, ...
— Entenda que eu tô tentando causar uma boa impressão como anfitriã — interrompeu, mantendo o contato visual com ele.
desviou o olhar, sorrindo e negando com a cabeça.
— Tá certo. Só vou terminar esse omelete, tô morrendo de fome.
simbolizam a inocência, mas também podem servir de lembrança àqueles que estão passando por um período mais introspectivo, pois essas flores delicadas estão intimamente associadas, na cultura popular, com a tristeza e o recolhimento.
— Como estão as coisas? — perguntou , quatro dias depois, quando ela atendeu a ligação. Dava para saber que ela estava na varanda graças às variações de ruído que o vento fazia.
— Bem, eu acho. Ele é um pouco introvertido. Você acha que eu falo demais? — disparou, sem tirar a atenção da preparação do vaso para a mudinha nova.
— Ele só precisa se acostumar com o ambiente novo. E não, não se preocupa, você é ótima, ele vai amar você.
— Vou torcer pra que esteja falando a verdade. Acho que o último contato que tive com ele foi quando entreguei as roupas de cama depois da faxina no quarto. — deu um suspiro longo. — Será que ele me achou invasiva? É que a gente tinha conversado tanto antes de dormir na primeira noite. Pensei que...
— Nossa, , é tão importante assim estar próxima dele? — alfinetou, sem conseguir segurar o riso.
rolou os olhos, sorrindo junto. Voltou à sala para pegar os fones de ouvido. Dessa forma poderia trabalhar melhor sem ter risco de sujar o celular de terra. estava no andar de cima, trancado no quarto, assim não poderia ouvir a conversa. Porém, por precaução, ela continuava falando baixo.
— Já falei que só tô tentando causar uma boa impressão.
— Apesar de torcer muito pra que em algum momento vocês dividam a mesma cama — disse ele —, já era esperado que ele se concentrasse totalmente nas produções.
— É, eu notei que somos parecidos nessa parte — confessou. — Mais uma vez, não é como se a minha missão fosse fazer ele se apaixonar por mim, só quero que tenhamos uma boa convivência.
— Seria incrível se daqui mais alguns dias eu pegasse vocês se comportando como recém-casados.
— Até parece, só nos cenários da sua cabeça mesmo. E para com isso de casal, você já disse que ele gosta de outra pessoa. Ou eu desisti naquele dia por nada?
— Gostar não significa que ele esteja comprometido. Acho que você vai ter outra oportunidade daqui a alguns dias.
deu uma pausa nos movimentos e olhou para o céu, inspirando e expirando com força.
— Eu tô com medo de perguntar do que se trata.
— Como eu já sei que você não vai gostar, vou arrancar o curativo de uma vez. Sua prima vai casar na semana que vem e eu deixei escapar pra ela que você tá morando com um cara. A notícia ruim é que a mãe dela ouviu e... bom… — Foi um erro ter apresentado vocês ano passado — reclamou, esfregando a ruga que se formou entre suas sobrancelhas, sem se importar com a textura escura sujando seu rosto. — A notícia já se espalhou? Maddy não fez nada pra abafar?
— Estava no alto-falante. Não funcionaria nem se ela tentasse, mas montamos um plano. — A empolgação de era notável no outro lado da linha.
— Só piora! — Gemeu, achando melhor continuar cuidando da posição das raízes no vaso.
— Confia, , a gente te ajuda! — Outra voz veio de longe.
— ?! Não, já chega.
— Meu amor, você não pode continuar evitando os eventos de família só por causa dessa inconveniência. Se Maddy ligou pra cá, é porque sabia que não iríamos mentir sobre você — argumentou , agora mais perto do celular.
— Vão estar livres durante todo fim de semana?
— Fizemos algumas horas extras já pensando numa viagem como essa. Também estamos precisando de uma folga — respondeu .
ficou alguns segundos em silêncio, finalizando a atividade. Então sentou no chão e se encostou na porta de vidro da cozinha, pedindo para que explicassem o plano.
— A ideia é que vá com a gente, assim seus tios param de ser inconvenientes e você pode aproveitar essa pausa pra enfrentá-los de uma vez — disse . — Mas antes disso, você vai finalmente poder aproveitar um tempo com seus pais. Maddy disse que seria incrível se você supervisionasse a decoração do salão e montasse o buquê dela. Por isso que ela ligou em cima da hora, assim você não poderia recusar. Sabe que pra ela você é…
— A melhor florista do país. Isso é covardia.
— Você merece se divertir. é um cara legal, se precisar, ameaçamos ele pra colaborar direito.
— Como eu vou fingir namorar um cara que eu já gosto e que, ironicamente, não faz muita questão de ficar perto de mim? — estava genuinamente frustrada. Olhou assustada para dentro do apartamento, um medo repentino de ter falado alto demais.
— Ainda dá tempo dele mudar isso. Além do mais, estaremos lá por você. Maddy também. Se vermos que tá começando a dar errado, podemos intervir.
O silêncio tomou a ligação outra vez.
— Tipo... ameaçar ele?
Tudo continuou igual nos dias seguintes, então na segunda-feira, já estava pronta para voltar ao trabalho presencial. A última vez que lembrava de ter se sentido assim foi quando mudou de cidade e passou a viver sozinha. Nesse caso, ver fingindo que não existia dentro de casa era muito mais incômodo. Além dos itens de mercado presentes nos armários e na geladeira, ele nem fazia questão de deixar rastros, saindo do quarto apenas para ir ao banheiro, à cozinha preparar a comida e lavar a louça que sujou. considerou recomendar sites e pessoas para ajudar na busca pela casa nova, mas não queria dar a entender que estava expulsando ele.
No meio da segunda semana, chegou em casa disposta a tomar uma atitude. Deixou a bolsa no sofá e subiu as escadas. Era fim de tarde, o sol estava começando a se pôr, então o efeito planejado aconteceria. Bateu na porta e precisou segurar um suspiro quando ele apareceu de cabelo bagunçado, coçando os olhos.
— Estava dormindo? — perguntou, pronta para se desculpar. fez que não com a cabeça. — Posso entrar? — Ele abriu espaço, ainda quieto.
— Eu trouxe um vaso de frésias pra você, tem um perfume maravilhoso e vai te ajudar a se sentir à vontade. Pode pesquisar o significado depois, se quiser. — Sorriu, colocando o vaso na janela, satisfeita ao ver que as cores se destacaram na iluminação natural.
— Parece ótimo. São realmente lindas, obrigado — disse ele, balançando a cabeça com um sorriso fofo no rosto.
— Você já jantou?
— Não, fiquei ocupado aqui a tarde inteira e perdi a noção do tempo. — Apertou os lábios, apontando para o notebook.
Ela arregalou os olhos.
— Eu te atrapalhei, não foi? Me desculpa.
— Não tem problema, foi só dessa vez. — deu de ombros, desviando do olhar surpreso e cansado de sobre ele.
— Fica difícil adivinhar o momento certo quando você parece um fantasma dentro de casa — disse ela, cruzando os braços e inclinando a cabeça para o lado. — Tenho um convite e uma proposta pra te fazer, quando estiver livre e disposto, é só me chamar. Vou deixar a comida no micro-ondas. Espero que cuide bem das flores.
Deu um sorriso fechado antes de sair, fazendo se sentir mais acordado do que nunca.
A televisão estava ligada passando um filme aleatório, mas era só plano de fundo para não cair no sono organizando o cronograma de encomendas e entregas do mês. Estava sentada no chão, como de costume, encostada no sofá com o notebook sobre a mesinha de centro; tudo para não ficar confortável. Aproveitou para deixar anotações sobre o estado de algumas flores e cuidados especiais para outras. Combinou com Tina, sua gerente, que deixaria a loja nas mãos dela durante a viagem, mas não foi capaz de colocar todo peso em cima da gentileza da amiga.
Pela visão periférica, acompanhou descendo as escadas sem pressa. Ele não sabia que ela estava ciente do seu olhar grudado nela durante todo caminho até a cozinha. Assim que ele deu as costas, respirou profundamente, sentindo um nervosismo repentino. Voltou a focar na planilha, tentando ignorar os sons do outro cômodo. Depois de jantar, voltou, sentou à sua direita no sofá e colocou uma garrafinha de iogurte de banana sobre a mesinha, igual a que ele estava bebendo.
— Eu realmente pareço um fantasma?
não conseguiu segurar o riso nasalado.
— Sim, infelizmente.
— Sinto muito. Apesar de conviver com meus amigos no dormitório, eu passava mais tempo sozinho no meu próprio quarto. Vou tentar melhorar. Isso é pra você, aliás. — Apontou para o iogurte.
— Existe uma oportunidade pra você colocar isso em prática, só não sei se vai gostar muito da ideia. — abriu a garrafinha e deu um gole, se virando para ele.
— É sobre o convite e a proposta? — Ela afirmou com a cabeça. — Pode falar.
começou a explicar que, desde a inauguração de sua primeira floricultura, se dedicou cem por cento ao crescimento dela, e essa dedicação ao trabalho virou assunto na família. A questão é que ela nunca deu muita sorte com os caras que ela gostava, nenhum deles era compatível ou duradouro o suficiente para que ela viajasse até outra cidade para apresentá-los. Com a cabeça cheia de obrigações e buscando evitar inconveniências, passou a faltar a todos os eventos da família nos últimos dois anos — e aproveitou para inaugurar mais uma loja. Só que agora, com o casamento de Maddy, sua prima mais próxima, seria quase uma ofensa não participar.
— Onde exatamente eu entro nisso?
abriu os dentes num sorriso falso, sem graça.
— Semana passada, , e minha prima conversaram sobre o casamento por telefone. Ela pediu pra eles me convencerem a ir, até pediu pra eu montar o buquê dela! — Cobriu o rosto, frustrada. — O problema é que, contando as novidades, falou que eu tava dividindo o apartamento com você, sem saber que o celular de Maddy estava no alto-falante, então minha tia ouviu em alto e bom som que eu estou comprometida.
abriu a boca em surpresa, jogando o corpo para trás lentamente.
— Os três tiveram a ideia de nós dois fingirmos ser um casal só pro assunto morrer logo no primeiro dia, aí eu posso me divertir um pouco e confrontar quando tudo tiver mais calmo.
continuava encarando o chão enquanto ela falava.
— Um casal... com direito a tudo que um casal faz? Em público? — pensou alto, bem devagar.
— Não precisa, se você não quiser.
— Bom, é que...
— É aí que entra a proposta — interrompeu, fechando o punho quando notou o próprio nervosismo. — Caso ache que a viagem não tenha chance de ser divertida e você precise de outro motivo pra estar lá, meu tio trabalha numa produtora, eu posso te apresentar pra ele. É uma boa oportunidade de ser reconhecido e ainda ter um emprego fixo!
Os olhos de finalmente subiram para os dela. sentiu os braços arrepiarem com o brilho que surgiu na expressão dele.
— Eu entendo a gentileza de me deixar ficar aqui sem cobrar aluguel, mas agora está tentando me comprar? — indagou. abriu a boca para argumentar, até que ele concluiu com um sorriso: — Eu aceito. O que for preciso. — Estendeu a mão para firmar o acordo.
— O que for preciso? — repetiu, dando uma risada nervosa.
— Não sou muito bom com atuação, mas vou me esforçar. Só que tem duas coisas que precisa saber.
— Fique à vontade. — balançou a cabeça, pedindo que ele continuasse.
— É que eu valorizo muito meu espaço pessoal... e tenho certa dificuldade em demonstrar afeto, principalmente pra quem conheço há pouco tempo. Tudo bem se for sempre eu a iniciar nosso contato físico? Pelo menos até que eu fique confortável.
— Desde que você prometa que vai me dizer quando não se sentir bem — respondeu ela, recebendo um aceno positivo. — Por mim tá ótimo. Qual é a segunda coisa?
— Eu tenho um compromisso marcado com uma pessoa nesse fim de semana, ela pode vir junto? Também faz parte do meu processo de compreensão de afeto...
— Ah, então você gosta de alguém?
arregalou os olhos antes de desviar para a garrafinha em suas mãos.
— Não! Digo, não sei muito bem. Acho que passar um tempo de qualidade com ela vai me ajudar a descobrir se são sentimentos dignos de florescer.
passou alguns segundos encarando o rapaz envergonhado em sua frente, segurando um sorriso e a vontade de abraçá-lo. Os sentimentos dela voltaram a florescer como se estivessem no auge da primavera.
— Claro, é importante que você se divirta também. Só não esquece que você tá num acordo sério, mais sério que um contrato.
As mãos e os olhares ainda estavam conectados quando sorriu largamente.
— Prometo que não vou ser mais um fantasma, . Você vai ver.
equilíbrio, ponderação.
Às sete da manhã, os únicos sons na rua colaboravam para aumentar o sono dos que estavam no carro. não conseguiu segurar o riso ao ver e saindo do prédio apressados para colocar as mochilas no porta-malas, evitando se atrasar ainda mais para pegar a estrada.
— Fala, meu amor! — entrou e fechou a porta de trás, alongando a última palavra o máximo que pôde. Se enfiou entre os bancos da frente para dar um beijo na bochecha de . Ela tirou a mão direita do volante para acariciar o cabelo dele.
— Tava com saudades! Dormiu bem? Eu sei que você não gosta de dormir em viagens.
— Acho que dessa vez vou ter que me virar pra dormir aqui. Agora é o cheiro de tinta que não me deixa em paz. — Fez um bico, chateado. — Pelo menos dormiu bem, vai poder dirigir por mais tempo.
— Antes disso, vou dormir mais, peço que não me incomodem — se pronunciou, colocando uma máscara azul desenhada nos olhos e cruzando os braços. e trocaram risadinhas.
— E aí, cara, como tem estado? — finalmente estendeu a mão para , como se tivesse acabado de notar sua presença. — Dando muito trabalho pra minha ?
— Bom... — Aceitou o cumprimento, levando os olhos à mulher ao lado. — Acredito que não. Ouviu alguma reclamação por aí?
apertou os lábios, escondendo um sorriso, e deu partida no carro para o próximo endereço. sorriu, erguendo as sobrancelhas, e respondeu que não.
— A pessoa tá esperando na frente de casa? As construções são bem parecidas — perguntou , virando à direita alguns minutos depois.
— Sim, acabei de avisar que estamos a caminho — respondeu , levantando o celular.
emitiu um som interrogativo, levantou a máscara e procurou os olhos da amiga no retrovisor da frente.
— Estamos indo buscar mais alguém?
parou num sinal vermelho, fazendo que sim com a cabeça.
— convidou uma pessoa. — Encontrou o olhar dele no espelho e engoliu em seco, tentando passar uma mensagem.
— Ah... — respondeu. Antes que pudesse cobrir os olhos novamente, lhe deu uma leve cotovelada, confusão flutuando em sua expressão. gesticulou que também não tinha ideia.
Em seguida, parou na frente de uma casa com jardim verdinho e bem cortado. De pé, segurando uma bolsa média na mão e uma mochila nas costas, estava a mulher mais bonita que ela já viu na vida, provavelmente. Quando ela se aproximou e saiu para abrir a mala do carro, não pôde evitar arregalar os olhos levemente. precisou beliscar o braço da amiga para tirá-la do transe. A reação automática de foi dar um tapa na coxa de , que pulou no banco, arrancando a máscara para lhe fuzilar com o olhar.
— É por ela que ele quer ver os sentimentos florescendo?
A porta do lado de abriu, pegando de surpresa. Ele lembrava de já ter visto ela nos encontros em grupo, também lembrava de simpatizado com ela. Sorriu e se afastou para que ela pudesse sentar ao seu lado, se encolhendo um pouco no meio. O sorriso foi diminuindo à medida que virou o rosto para , que parecia ter o mesmo pensamento.
— Oi, eu sou , obrigada por me convidar — disse ela, sorridente.
— Bom dia, . — sorriu, ignorando o sentimento estranho que crescia discretamente dentro dela.
voltou para o carro e revezou o olhar entre as duas mulheres com um sorriso fofo. "Dane-se o sorriso fofo", pensou . No momento, tudo que queria era fazer Maddy, e engolirem todas as flores que reservou para o buquê.
Uma hora havia se passado quando se sentiu desperto o suficiente para assumir o volante. estacionou num posto de gasolina para tirar alguns minutos de descanso e comprar bebidas. e estavam juntos no corredor ao lado, escolhendo o que comprar em meio a risadinhas. não conseguia entender porque ainda estava tão desconfortável. Não é como se ela tivesse chances, em primeiro lugar.
— Vem cá. — puxou para o corredor de petiscos. — Achei que eles tinham melhorado a comunicação nos últimos dias.
— É, eles trocaram algumas palavras — disse ele, tentando ser otimista.
— Que ideia foi essa de deixar ele convidar a garota que gosta pra essa viagem? Você concordou?
— Por acaso não notou minha cara de idiota no carro? Eu também não tava ciente disso! — sussurrou. — Pela reação de , nem ela própria sabia que seria .
esfregou o rosto, apreensivo.
— Eu entendo que ela quer deixá-lo confortável, mas confortável demais pode estragar tudo. E se ele esquecer do plano e achar que tá numa lua de mel?
— Aí é com a gente — afirmou . — Vou conversar com ele sobre contar o plano pra , assim não fica nada estranho.
Todos voltaram para o carro carregando pelo menos uma sacola de lanches e bebidas. pegou a máscara fofa e macia de e se acomodou no banco do carona, torcendo para que o sono viesse o mais rápido possível e levasse a sensação de que tudo daria errado junto com ele. No banco de trás, estava radiante, por mais que tentasse se conter. Seu coração estava calmo, sua cabeça estava a mil. Nada conseguia ser mais importante do que viajar para um lugar promissor com a garota que lhe despertava sentimentos tão eletrizantes.
— Minha linda!
A mãe de , Julie, abriu a porta assim que buzinou na frente da casa. Enquanto os outros tiravam suas coisas do porta-malas, as duas se abraçavam tentando compensar o tempo que não se viam. Apesar do receio sobre acontecimentos futuros, o gesto permitiu que se sentisse feliz por estar em casa.
— A viagem foi muito cansativa?
— Eu e o casal revezamos no volante, mas ainda preciso de uma cama fofinha — respondeu , cansada.
Um assobio levou a atenção das duas até , que observava a rua inocentemente. Assim que localizou os dois rapazes, Julie se apressou em abraçá-los sem se importar com as malas em suas mãos, arrancando uma risada deles. Sendo os melhores amigos de desde que ela se mudou, tiveram a chance de se tornar convidados de honra dos eventos da família ao longo dos anos.
— Temos rostinhos novos! — disse Julie, curiosa.
— Sim, essa é , amiga de . — Apontou para a mulher de cabelo cacheado longo, que estendeu a mão e abriu um sorriso para cumprimentar. — E esse é .
percebeu que o dito cujo estava desatento enquanto mordia o lábio inferior e encarava a grama, voltando a si quando ouviu seu nome ser chamado novamente.
— ? — A mãe arqueou uma sobrancelha, impressionada. Sempre soube que tinha um ótimo gosto em todos os aspectos.
— Sim, ele mesmo. — não conseguiu evitar um sorriso e um suspiro, negando com a cabeça.
— É um prazer conhecê-la — disse ele, oferecendo a mão, se surpreendendo quando a mulher o puxou para um abraço caloroso. Encarou a suposta namorada com os olhos arregalados. simplesmente se desculpou silenciosamente e foi até o carro pegar suas coisas.
— Você é muito bonito, rapaz. Sinto que vamos nos dar muito bem. — Deu dois tapinhas no ombro dele e o convidou para entrar.
, e organizaram suas roupas no primeiro quarto de hóspedes. Havia uma cama de solteiro e dois colchões no chão; o único jeito de resolver a ordem de aproveitamento foi na sorte. Organizaram as roupas nas gavetas e cabides livres, depois sentaram no chão para descansar. fez um sinal com a mão para iniciar o assunto:
— Então, , a gente não sabia que você convidaria a — disse depois de um pigarro para chamar a atenção.
— Achei que seria legal, assim não cancelo um encontro que precisei de muita coragem pra marcar. — Sorriu sem graça, colocando os braços sobre os joelhos dobrados.
— Não sei se você entendeu o que tá acontecendo... — ergueu as sobrancelhas. — vai ter que saber sobre o plano. Vocês não vão poder ter o encontro aqui.
A expressão de se tornou assustada.
— O quê? Não, de jeito nenhum.
— E por que não? — perguntou , tentando ao máximo manter a paciência.
— Por que significaria contar pra que eu talvez goste dela. — Cobriu o rosto. — Tem outros tópicos delicados também.
precisou desviar o olhar para o teto quando soltou um riso nasalado.
— Não é possível. Como acha que vai dar certo se a garota que você talvez gosta te ver "namorando" outra?
passou alguns segundos encarando o guarda-roupa em sua frente. Ele não tinha pensado nessa parte.
— Imaginei que seria legal trazer ela, só isso. Não fui muito longe.
— Sabemos que o plano é esquisito, vamos tentar acabar com ele o quanto antes, só que foi ideia sua trazer pra cá. — apontou na direção dele. — Isso é importante pra , mas você também vai sair ganhando desse acordo. Sinto muito, cara, você vai ter que se virar com esses sentimentos complicados.
as vermelhas representam declarações de um amor duradouro e dedicado, as amarelas representam um amor sem esperança.
Um pouco antes da hora do almoço, os pais de decidiram levá-los a um passeio pela vizinhança. O condomínio, mais parecido com uma vila, pertencia à família, então a chance de encontrar parentes no caminho era gigante. e estavam um pouco afastados, pois ela se distraía fácil com os quintais que lhe traziam memórias.
— Você tá pronto? — perguntou ela. entendeu o recado e confirmou com a cabeça, entrelaçando seus dedos aos dela. — Alguma restrição?
— Vamos seguindo, qualquer coisa eu aviso.
— Você não sabe que tipo de namorada eu sou. — Ela riu do próprio tom de alerta.
— Já fiz minhas análises, mas não tenho problema em continuar descobrindo — rebateu ele, lambendo os lábios antes de sorrir.
Infelizmente perdeu a expressão de "pressão baixa" que fez quando ele se virou para continuar andando.
— Por que decidiram morar juntos? — perguntou George, pai de , quando os viu se aproximar.
teve que sorrir quando sentiu apertar a mão dela. Iniciou um carinho com o polegar para tentar acalmá-lo.
— Ele levou um golpe quando alugou um apartamento, estava cheio de defeitos escondidos e o dono sumiu com a poupança de garantia — explicou. — Eu o convidei pra ficar comigo enquanto tudo era resolvido, o que não foi um problema, já que a gente normalmente se via bastante. Nesse tempo fomos nos acostumando com a rotina... aqui estamos.
— Faz um mês e até então tá tudo certo — ele completou, abrindo um sorriso.
— E o que você faz da vida, ? — indagou Julie.
— Eu sou produtor musical. — A atitude na voz foi totalmente diferente, o orgulho falando mais alto. — Tenho meus projetos pessoais e já colaborei com outros artistas. É um trabalho que exige paciência em vários aspectos, mas a paixão vai me guiando.
— Seu tio vai adorar conhecer ele — comentou George, simplesmente assentiu.
Estava perdida na memória de quando o ouviu cantar no karaokê naquele dia em que saíram juntos com um grupo de amigos. Das vezes que o ouviu conversar no telefone com e o quanto sua empolgação diante das novidades lhe afetava positivamente. Não havia dúvidas de que era completamente apaixonado pelo trabalho, estava explícito.
Percebeu que estava com os olhos grudados no rosto dele, sem ter ideia de onde a conversa tinha ido. Se repreendeu mentalmente e voltou a agir normalmente, implorando que ninguém tenha notado sua pausa dramática. Contudo, assim que olhou para o outro lado da rua, viu e estavam plenamente cientes do pequeno acidente, dada a expressão de quem assistiu tudo de camarote no rosto deles.
— Já existiu algum dia em que vocês quase se arrependeram da ideia? — Seu pai lhe trouxe de volta.
O casal imediatamente procurou memórias reais, ainda sem saber como elaborar mentiras convincentes. Resultado de pouquíssimo planejamento.
— Bom, por onde eu começo? — disse , rindo da expressão surpresa do falso namorado. — Certo, teve um dia que eu desci e encontrei uma cesta lotada de roupa suja bem no meio da cozinha. Eu já tava criando várias ideias na minha cabeça e sentindo o sangue ferver só de pensar que ele tinha jogado aquela tarefa pra mim, que vivo ocupada na loja. Mas aí ele entrou pela porta um minuto depois carregando uma sacola com sabão em pó dentro, porque o nosso tinha acabado. — fez cara de convencido e soltou a mão para apoiar o braço ao redor dos ombros dela. — Então foi um arrependimento de menos de três minutos, isso conta?
— Eu sei bem como se sentiu, filha, eu sei bem. — Julie estreitou os olhos para o marido, rindo em seguida. — Sua vez, querido.
olhou para o céu em busca de um ocorrido que mudasse o rumo da conversa.
— Acho que recentemente... quando ela entrou no quarto no meio da minha gravação para colocar um vaso de flores na janela. — Balançou a cabeça, estalando a língua.
desviou os olhos e apertou os lábios, sem conseguir pensar numa ideia para contornar aquilo. Ela sabia que havia atrapalhado, mas não sabia que ele tinha visto dessa forma, como algo bobo e inconveniente.
— Ah, não é de hoje que ela é assim — comentou o pai, orgulhoso. — Ela ama usar flores para decorar e presentear as pessoas. Ainda mais se tiverem um significado especial.
engoliu em seco.
— Eu já notei isso — mentiu, dando um beijinho na têmpora dela. — Que arranjo era aquele mesmo, amor?
— Eram tulipas vermelhas. — Sorriu, revirando os olhos. — Tentei ser romântica, não quero elaborar nisso. Falando nelas, são as que eu escolhi pro buquê da nossa noivinha. Ela tá por aqui?
— É bem provável que esteja dormindo. Ela e Jordan tiveram aula de dança e outros compromissos o dia inteiro ontem — respondeu Julie. — É muito fofo ver os dois felizes com cada passo dessa nova fase.
— Falo por experiência própria que é maravilhoso quando se está na mesma página — disse , apertando a bochecha de , que desviou o olhar envergonhado. — Se quiserem algumas aulas é só avisar. — Olhou diretamente para , o qual tinha decidido ficar calado pelo resto do passeio.
— Podemos voltar? Quero colocar as flores na estufa o quanto antes — pediu , sentindo que o contato físico em breve queimaria sua pele.
Balançando o chaveiro em seu dedo, carregava os arranjos em seus braços sem dizer uma única palavra. , ao lado dela, não conseguia parar de pensar no vacilo que cometeu mais cedo, mas também não sabia como quebrar a parede que havia crescido entre eles.
— Não eram tulipas, eu conheço tulipas — pronunciou a primeira coisa que fazia sentido.
— Claro que não, eram frésias — rebateu , impaciente. — Eu te dei porque elas ajudam pessoas introvertidas a se sentirem à vontade, mas eu não podia contar isso já que somos namorados, não é? É uma pena que o que te marcou foi o incômodo que causei.
Segurou os dois arranjos com o braço esquerdo para conseguir abrir a porta da estufa com a mão direita, aproveitando para ligar as luzes.
— Não achei que fosse levar a sério, até porque eu nem sabia que flores tinham significado. Achei que fosse só um ato de simpatia — admitiu .
parou de andar, se virou e respirou bem fundo. Ele sentiu que deveria segurar em algo, mas apenas enfiou as mãos nos bolsos da calça.
— Não poderia ter pensado em algo melhor pra dizer na frente dos meus pais? Você compõe coisas, deveria ser bom em improviso ou pelo menos ter uma memória boa. Por que decidiu não planejar comigo justo naquela hora? — disse ela, frustrada.
— Acabei ficando nervoso demais, sinto muito.
balançou a cabeça e desviou os olhos, se dirigindo para onde sacos de terra e vasos estavam organizados em prateleiras, disponíveis para uso. Pegou dois vasos de vidro transparente de tamanhos diferentes e os encheu com água.
— Só peço que seja mais cuidadoso, meus pais são muito bons em pegar mentiras — falou baixinho.
ficou sem palavras, assistindo a mulher andar de um lado para o outro organizando as flores de maneira muito eficiente. Ficou impressionado com o trabalho necessário para cuidar da beleza de elementos tão delicados.
— Olha, desculpa por ter te colocado nessa, eu sei que foi repentino — disse ela, lavando as mãos. — É uma situação particular, mas peço que dê uma chance, só uma. Não precisa se obrigar a nada, não precisamos exagerar em nada.
balançou a cabeça, os olhos firmes nos dela.
— Assim que meus parentes se convencerem, o que não é muito difícil, isso pode parar. Não quero que você fique desconfortável a viagem toda, nem estragar seu encontro com a . — Deu um sorriso fechado e levou as mãos às cintura. — Acho que preciso dormir, passar horas num carro é exaustivo.
chegou a se sentir tonto pela diferença no ambiente quando ela saiu da estufa. Desde a conversa com os rapazes no quarto, seus pensamentos estavam por toda parte. No entanto, um deles chamava mais atenção, como se estivesse destacado por uma luz muito forte: ele precisava priorizar .
sentimento; carinho e harmonia.
acordou no fim da tarde, se sentindo descansada após semanas. Esticou o corpo com força e satisfação, tomando um pequeno susto quando ouviu a risada de no outro lado do quarto. Ela estava colocando as roupas sujas numa sacola, agora usando um vestido florido. também notou o cabelo úmido.
— Essa cama parece muito boa mesmo — comentou .
— É perfeita, eu ajudei a comprar. Por que acha que escolhi esse quarto? — respondeu, fazendo a outra rir. — Vocês foram pra cachoeira?
— disse que era um ótimo jeito de dar as boas vindas.
— Amo aquele lugar. Se divertiram?
— Foi incrível, faz tempo que não me sinto em paz desse jeito. — Sorriu. — Você tá melhor? não tava indo bem, aí acabou virando juiz. disse que você é ótima no vôlei.
— Sou a maior rival dos meus pais — confessou, convencida. Esticou os braços mais uma vez ao sentar. — Tô melhor, sim. Pelo jeito, um descanso em casa era mais urgente do que o esperado.
— Quero agradecer mais uma vez por essa viagem. O convite veio na hora certa.
Amarrou a sacola e deixou na lateral do guarda-roupa.
— Relaxa, fico feliz que esteja se sentindo bem aqui. Com o que você trabalha?
— Me formei em Artes Visuais recentemente, mas ainda tô explorando. Costumo dizer que meus amigos se aproveitam do meu talento, é um deles. Acho que setenta por cento das capas dele tem minha assinatura.
— Não é de graça, é? São maravilhosas. Deveria pegar metade dos lucros dele.
riu alto, jogando a cabeça para trás.
— De artista pra artista, sempre entramos num acordo interessante. Até agora ninguém saiu perdendo.
se esticou para pegar o celular na bolsa.
— Me dá seu número, minhas lojas tão precisando de uma identidade visual nova.
ofegou, cobrindo a boca com a mão.
— Sério?
— Sim! Vou precisar analisar seu portfólio com calma pra pensar em algo. Depois ainda preciso da avaliação dos meus consultores de marketing.
— Parece assustador — disse , esfregando os braços para se livrar dos arrepios. Devolveu o celular depois de salvar o contato.
— Você já lidou com a exigência deles no vôlei, acha que precisa se preocupar? — respondeu, erguendo as sobrancelhas.
arregalou os olhos, então começou a rir. Alguém deu três toques na porta. Um preocupado colocou a cabeça para dentro do quarto.
— Preciso de ajuda. disse que eu sei cozinhar, aí sua mãe sugeriu que eu fizesse um prato pro jantar. Eles estão indo visitar sua tia Jane.
— não tá se aguentando quieto esses dias, né? — alfinetou , mas só ele entendeu o duplo sentido.
— Vou gostar de ver o resultado disso. — foi até a porta, colocando a mão no ombro de antes de sair. — Boa sorte, amigo.
O casal ficou sozinho no quarto, em silêncio. soltou o cabelo para deixá-lo se recuperar das marcas de amassado. fingiu que não viu quando ela perdeu um pouco do equilíbrio assim que levantou da cama, driblando a ideia de achar isso fofo.
— Vou escovar os dentes, pode me esperar na cozinha — avisou ela, procurando os itens na bolsinha de higiene.
Durante o passeio da cachoeira, conseguiu compensar o vacilo de mais cedo e conquistar a simpatia dos pais de , notando que estava mais confortável do que antes. O jogo foi a oportunidade perfeita para deixar de lado toda preocupação dos últimos meses, trazendo a concentração para os esforços de seu corpo e as estratégias que não conseguiu acompanhar. Aguentou as provocações sobre seu péssimo desempenho, por isso cobrou uma revanche assim que possível. "Vou analisar todos os meus erros e voltar preparado. Vocês vão ver", disse ele, de braços cruzados e olhos fechados no banco de trás. O que precisava analisar era sua situação com . Ainda não tinha conversado com , mesmo tendo prometido para os amigos que o faria. A verdade é que os dois tiveram um tempo tão bom na cachoeira que ele não quis pensar em outra coisa, não queria sair daquele momento.
decidiu tomar um banho rápido. Encontrou na cozinha com os ingredientes organizados sobre a mesa. Ele estava encostado no balcão da pia mexendo no celular, o que atraiu sua atenção foi o cheiro do perfume suave que entrou no cômodo.
— Já decidiu o que vai fazer?
— Terminei de ver mais um vídeo dessa receita. Acho que vai dar certo.
— Vai arriscar em algo que nunca cozinhou?
— Não é o que fazemos pra conquistar os outros?
ergueu as sobrancelhas e deu de ombros, aceitando o argumento.
— Sua mãe disse que sua tia vai trazer a sobremesa. Ela que me ajudou a encontrar essas coisas, aliás — comentou, sorrindo pequeno.
— Então minha ajuda não é mais necessária?
Ela deu um passo para trás, se preparando para sair.
— Ainda preciso de você — disse ele, rápido demais. — Suporte emocional. Sem falar que emergências podem acontecer. Todo mundo me largou aqui e tá na outra casa.
Ela deu um riso nasalado e concordou, sentando no balcão perto da geladeira, à esquerda de onde ele estava. Teve a iniciativa de colocar músicas instrumentais para se misturar com os sons de talheres e panelas — e evitar o silêncio constrangedor.
Como ela estava se esforçando para não encarar descaradamente, passou a trocar mensagens com Maddy sobre a festa. O assunto ocupou sua mente de tal forma que não percebeu os olhares de relance daquele que cozinhava. não tinha ideia de que estava a ponto de ter fumaça saindo pelas orelhas de tanto pensar. Esperou o molho ficar pronto e desligou o fogo. Deixou a massa crua descansando na mesa e lavou as mãos.
— Me diverti bastante hoje. Seus pais me deixaram confortável com muita facilidade, lembrei de você na hora.
deu uma risada fraca.
— Não sabia que te deixava confortável. Eles gostaram de você.
A primeira afirmação fez com que unisse as sobrancelhas.
— Falando nisso, estive pensando que há coisas que podem ser resolvidas em particular antes de irem a público — disse ele.
Ela fez que não com a cabeça em um gesto automático.
— Eu disse que não precisa se preocupar com isso.
— Lembro de ter me dito que contato físico é importante pra você. — arregalou os olhos. — Acho que a gente pode testar esse nível de intimidade pra tentar ficar mais à vontade um com o outro.
— A gente não tava de mãos dadas e abraçados mais cedo? — nem ligou para a falha que deixou escapar em sua voz.
fez que sim com a cabeça.
— Mas eu quero beijar você, — disparou, chegando mais perto. — Se não se importar, é claro.
A cabeça de estava um caos. O cheiro dele estava por todo lugar, quebrando cada barreira de autocontrole que ela tinha.
— Então vai fazer o que for preciso? — pronunciou devagar, largando o celular sobre o balcão.
Ele deu dois passos para que ficassem frente a frente e colocou uma mão em cada lado do quadril dela. se arrepiou quando sentiu os dedos dele tocarem a pele exposta de sua cintura, fechando os olhos automaticamente. mordeu o próprio lábio inferior para conter o nervosismo positivo — e inesperado — causado pela proximidade. Deu um beijo na bochecha dela, em seguida falou baixinho:
— Só se não me quiser mais perto que isso.
Viu uma disposição diferente quando encontrou o olhar dela outra vez. Mantendo o contato visual, o puxou pelo quadril, abrindo as pernas para encaixá-lo devidamente. Ele sorriu abertamente e colocou seus lábios sobre os dela, sem pressa.
sentiu uma corrente elétrica cruzando cada canto de sua pele. Só conseguia pensar que se esse era um pedaço do afeto que tinha receio em oferecer, ela estaria pronta para receber cada vez mais. Suspirou quando ele se afastou por um momento, muito distraída pelo movimento delicado das palmas dele, que traçavam um caminho das coxas até a cintura. Percebeu que ele ainda não tinha intenção de se afastar, então apoiou uma mão no pescoço dele, acariciando a nuca. Com a outra, passou o polegar sobre o lábio inferior volumoso dele, satisfeita por ser a responsável por aquele resultado. Ele contemplou na expressão dela o mesmo sentimento nublado que tomava conta do interior dele.
não pôde negar que, quando sua língua tocou a de , seus pensamentos sobre o mundo externo se dissiparam numa rapidez absurda. Não pôde negar que o toque dela o atraía fortemente e ele, naquele momento, se perguntava por que não havia considerado aquilo antes, quando estavam em casa. De todo modo, mergulhado no desejo daquele momento, não se importou com planos, propósitos, verdadeiro ou falso, e muito menos o que aconteceria depois. Essa era apenas uma das coisas que não sabia ter em comum com aquela que estava tão entregue quanto ele.
e ficaram sabendo enquanto organizavam a mesa do jantar. Estavam no mínimo intrigados com o ocorrido. Tinham presenciado a dinâmica entre e durante o passeio, então a notícia os deixou ainda mais confusos.
— Ele deve estar tentando compensar o que disse na frente dos meus pais. Só não consigo entender o que exatamente ele quer — disse , frustrada. — Eles passaram muito tempo juntos na cachoeira?
apertou os lábios.
— Sim, mas acho que seus pais não notaram, não dessa forma. A verdade é que eles gostaram muito da .
— Acharam ela adorável — acrescentou . — O cara tá totalmente perdido nos próprios sentimentos. Se afeto é uma área delicada pra ele, por que te beijaria?
parou no meio da ação e encarou os talheres que segurava. Um riso repentino começou a crescer em seu peito. e trocaram olhares, ambos tinham ruguinhas entre as sobrancelhas.
— Eu já imaginava que ele se esforçaria pra manter a atuação, afinal, ele precisa dessa reunião com meu tio. — Balançou a cabeça, sentindo as palavras acumulando um gosto amargo em sua garganta. — Não quero exagerar na especulação, só espero que ele não esteja usando essa situação pra se adaptar a um contato físico que ele pretende ter com outra pessoa.
voltou a olhar para os amigos e encontrou suas expressões preocupadas. Ninguém sabia o que dizer. Ela deu um sorriso fraco e continuou a distribuir os talheres ao lado dos pratos.
A porta da frente foi aberta, trazendo as vozes de George, Julie e Jane, tia de e mãe da noiva. estava perto da estufa numa ligação com a advogada há quase vinte minutos. desceu as escadas assim que foi chamada; tinha ido tirar um cochilo.
— Quanto tempo, meu amor! — declarou Jane, indo de braços abertos na direção da sobrinha.
— Tá tão linda, tia.
As duas se abraçaram apertado. Ela também cumprimentou e com muita familiaridade. timidamente apertou a mão da mulher, oferecendo um sorriso amigável. A conversa sobre o casamento foi iniciada assim que sentaram à mesa. Ela contou sobre a dificuldade que tiveram de encontrar uma data para o local da cerimônia e da festa, mas o salão dentro de um campo com gramado perfeito surgiu como um milagre.
— Ainda não tive chance de ver Maddy, ela tá segurando bem? — perguntou .
— Eufórica. Você sabe como ela é, não tem obstáculo que perturbe a felicidade de finalmente entrar nessa nova fase com o grande amor dela — respondeu dramaticamente, fazendo os outros rirem.
— Acho que a vi anteontem, estava exausta. Cheguei a ficar com pena, mas sei que os dois estão fazendo de tudo pra cumprir as próprias expectativas — disse George, segurando a mão da esposa sobre a mesa. — Ainda lembro de quando passamos por isso.
Julie o encarou com um brilho especial nos olhos.
— Sim, poucas coisas se comparam a isso.
cantarolou uma música romântica em tom desafinado, quebrando o clima.
— Já que estamos falando de casais perfeitos, onde está seu amado? — Jane balançou as sobrancelhas.
— Onde está o seu amado? — rebateu, sorrindo de lado. — Saudades do tio Peter.
— Reunião de emergência no escritório, mas me pediu pra analisar com cuidado seu escolhido.
riu e revirou os olhos com as palavras usadas. Sabia que Jane era seu menor desconforto em meio ao que estaria por vir no final de semana. entrou pela porta da cozinha alguns segundos depois, congelando ao se sentir o centro das atenções.
— Bom, você pode começar julgando a comida dele — sugeriu , batucando os dedos na mesa. — Deixo esse trabalho pra vocês hoje. No momento só tô com fome.
Durante o tempo que ficou parado, tentou raciocinar o mais rápido possível e se preparar para o que estava por vir. Quando viu apontar para Jane com os olhos, sabia que era a hora de fazer alguma coisa.
— Oi, eu sou , prazer. — Ofereceu a mão em cumprimento para a mulher no lado oposto da mesa. — Espero que minha comida seja agradável. Seria terrível ser eliminado na primeira avaliação.
Jane riu levemente, simpatizando com o rapaz.
— Bom, já me impressionou por ser o chef da noite.
levou a mão à frente da boca, se aproximou dela e cochichou alto suficiente para que todos ouvissem:
— Julie simplesmente jogou a tarefa pra ele hoje à tarde. Não tinha muito o que fazer.
A mãe de ofegou em choque, levando a mão ao peito como uma pessoa ofendida. Olhou para frente e viu o corpo de seu marido vibrando com as risadas.
— Não me arrependo! — declarou. — Foi muito difícil pra você, querido?
— Não, eu gosto de cozinhar — respondeu, sentando na cadeira vazia perto de .
Ela não sabia o que esperava, mas definitivamente não estava pronta para a mão dele apoiada em sua coxa. Deixou um riso nervoso escapar quando sentiu o polegar deslizando sobre sua pele.
— E ela estava comigo, o que ajudou muito — completou, esperando que seu sorriso fosse convincente.
Julie ergueu as sobrancelhas e apontou para o casal com as duas mãos, como se a resposta dele provasse seu argumento.
— Tudo bem, agora que estamos todos na mesma página, podemos comer? Meu querido tá quase passando mal aqui — se referiu a , que mantinha contato visual firme com .
— Vou escrever uma resenha negativa sobre essa hospedagem assim que subir pro quarto — avisou, mantendo absoluto controle sobre suas reações. — Só perdoo se a comida for cinco estrelas.
Enquanto outros comentários e assuntos iam surgindo, aproveitou a distração geral para afastar a mão de , ignorando a pequena expressão de confusão. Pelo resto do jantar, fez o máximo para evitar ficar sob os holofotes e sob o toque dele. Atualizações — geralmente conhecidas como fofocas — sobre a vizinhança e outros membros da família renderam conversas para além da sobremesa. Os mais velhos aproveitaram a presença dos novos convidados para contar certas histórias do início, se divertindo como se estivessem contando pela primeira vez.
virtude despretensiosa
Na sexta de manhã, entraram no salão de festas cheio de pessoas de uniformes carregando coisas de um lado para o outro enquanto conversavam alto. As mesas redondas ainda descobertas estavam organizadas pelo grande espaço. Um lustre largo estava pendurado no meio da pista de dança em frente ao pequeno palco instalado nos fundos. Além do cinza prateado, havia rosa e vermelho nas flores dispostas em jarros nas mesas dos convidados e na mesa do bolo, por exemplo. respirou aliviada por ter escolhido tulipas e cravos.
Quando Maddy apareceu no outro lado do salão e seus olhos encontraram a família na entrada, não pôde controlar um grito animado.
— Eu tô tão feliz de te ver aqui! — exclamou, apertando em seu abraço.
— Não acredito que seu dia dos sonhos tá chegando! — respondeu, um sorriso rasgando o rosto. — Cadê o noivo nessa correria?
— Lá no campo, onde vai ser a cerimônia, acabei de voltar de lá. Estamos fazendo alguns ajustes no ensaio. — Sorriu, seus olhos desviando para os outros.
— Esses dois você já conhece. — apontou para os amigos, que sorriram docemente. Maddy sorriu de volta, feliz em vê-los. — Essa é . Esse é .
O olhar que enviou à prima poderia ser considerado um pedido urgente para evitar comentários inapropriados. O que recebeu foi um aceno e um carinho no braço.
— É um prazer conhecê-los. Foram bem recebidos?
— Tem sido ótimo, obrigado. O lugar é muito bonito — respondeu . concordou.
— Julie e George são ótimos anfitriões, garanto que estão em boas mãos. Minha preocupação é sobre os lindos aqui. — Apontou para e , que abriram a boca em choque.
— Olha só quem acha que tem direito de falar da gente! — tentou se defender, mas Maddy já tinha se afastado na direção do campo, levando uma risonha pela mão.
A primeira hora se passou mantendo todos ocupados. com o pessoal da decoração, acompanhada de para dar opiniões. Maddy, e fofocando sobre o andamento do plano. com Peter, pai da noiva e tio de , conversando sobre as oportunidades da produtora.
— Mentira que eles se beijaram escondido! — disse Maddy, perplexa, colocando um salgado na boca.
fez que sim com a cabeça.
— A gente nem soube o que dizer quando ela contou. Ainda mais com a atitude vindo dele.
— Talvez tenha tentado se redimir por quase ter arruinado tudo, mesmo com essa conversa de ficar mais confortável, etc — ponderou ela.
— Eu tenho uma teoria, pensou a mesma coisa — disse . — Antes de ir conversar com Peter, ele deu um beijo na testa dela e disse "Esse acordo é maravilhoso, obrigado". E ontem à noite, ele tava numa expectativa gigante sobre hoje, até me perguntou se eu conhecia bem o pai da noiva.
— Ah, não, — lamentou Maddy, levando a mão à testa — E também essa confusão de não dizer se realmente gosta da .
— Pra mim, faz todo sentido que ele tenha sido incentivado pela presença da sua mãe lá ontem. Não sei quem ele pensa que é, mas talvez tenha tentado provar com mais "firmeza" que tá nesse plano tanto quanto ela — disse , cabisbaixo.
— Bom, se realmente der errado, sabem muito bem que a culpa é nossa. — Maddy deu de ombros. — É melhor que as cartas sejam colocadas na mesa antes que isso piore. não vai conseguir manter isso como simples negócios. E ainda tem , que só veio se divertir. A gente tem que confessar que esse plano é um lixo desde sempre.
suspirou, cobrindo o rosto. apoiou a bochecha na mão e o cotovelo sobre o joelho, observando a forma como e estavam se dando bem.
— O jantar é hoje à noite. Não quero clima estranho amanhã, é o meu dia e precisa estar bem pra curtir minha festa e montar o buquê mais lindo de todos.
— A gente vai resolver isso.
passou o tempo inteiro ajudando os funcionários pelo salão. Depois de opinar sobre os arranjos e as posições das flores, logo se viu livre para interagir normalmente como convidada. Mas não queria. Desde que apresentou ao seu tio Peter, procurou se ocupar para não precisar agir como a namorada orgulhosa. Se sentia péssima por ter proposto essa ideia horrível. Finalmente tinha concluído que só estava causando desconforto com tantas mentiras, sem mencionar o fato de que estava gostando ainda mais de quem não deveria. Gostando de alguém que só estava cumprindo sua parte do acordo. Como ela pensou que teria controle sobre algo assim?
Enquanto considerava ir sozinha para a cachoeira à procura de calmaria, percebeu que estava lhe observando do outro lado do salão. Provavelmente foi pega em transe com uma expressão esquisita. Ofereceu um sorriso fraco a ele, que respondeu da mesma forma e deu continuidade ao que estava falando para . tirou o celular da bolsa e entrou no e-mail, procurando notícias sobre o desempenho das lojas enquanto estava fora. Nada de novo. Os funcionários realmente estavam dispostos a respeitar o pequeno feriado dela, mas não tinham ideia de que ela daria tudo para correr até sua própria estufa nesse momento.
Maddy se aproximou, trazendo alívio com sua presença.
— Vim me despedir, tenho outro compromisso agora — anunciou, sentando na cadeira ao lado. — Eu sei que a gente não conversou hoje, mas você tem algo a me relatar, então não tente fugir de mim.
— Não tem problema, tenho certeza que os melhores te atualizaram direitinho — disse , sorrindo. — Senti muita falta da sua companhia, quando essa correria passar, eu volto e a gente compensa.
— Volta mesmo? Promete?
— Sim, prometo — afirmou, colocando a mão da prima entre as suas. — Mas sem planos horrorosos que me façam querer voltar pra casa no primeiro dia.
Voltar para casa. quase fez uma careta quando entendeu que o significado havia mudado.
— Eu confio porque sei quem você é. Sei que suas decisões são puramente baseadas no que considera certo e que nunca houve intenção alguma de magoar outras pessoas. Você se importa demais pra sequer chegar perto disso.
Maddy não tinha piedade nos olhos, mas afeto, empatia.
— Só quero que se divirta. Por favor, se divirta! — implorou, apertando os olhos fechados. — Jordan ficaria decepcionado em saber que alguém não curtiu nosso planejamento.
riu, cobrindo o rosto com uma mão.
— Já tenho drama suficiente com , não quero adicionar Jordan nessa conta.
Se despediram com o coração leve. Um abraço apertado ressaltando silenciosamente que sempre seriam o porto seguro uma da outra.
Depois do almoço, as horas passaram muito rápido graças à competitividade que tomou conta, principalmente dos homens. decidiu parar em um fliperama no meio do caminho.
— A gente não deveria descansar pra mais tarde? — perguntou , se referindo ao jantar de ensaio.
— Tenho muitas tensões acumuladas, do tipo que eu só consigo me livrar com outro tipo de estresse — respondeu, apontando para as máquinas de jogo dentro do local.
Funcionou. Investiram em diversas fichas para jogos individuais e em dupla. Com o passar do tempo, já não importava quem era o adversário, mas suas próprias capacidades de competir e, o mais importante, vencer. Em um momento, e trocavam beijos de comemoração; em outro, quem os visse de longe juraria que eram inimigos. se apresentou não somente como uma ótima oponente, mas também uma ótima parceira de jogos. Mesmo que só fosse próxima de , suas habilidades ajudaram a construir uma conexão fascinante com os outros três.
Movida pela atmosfera, se viu envolvida em muitos abraços. Descobriu que gostava muito de envolver sua cintura e lhe tirar do chão em cada um deles. Seu baixo nível de competitividade permitiu que o entretenimento ficasse em primeiro lugar. Estava acostumada com as atitudes dos amigos, por isso agia de certo modo de propósito para provocar reações específicas.
— Vamos jogar vôlei antes de voltar — disse para —, você tem que ver como eles ficam jogando comigo.
Durante o intervalo, fizeram pedidos na lanchonete dos fundos. Sentados no sofá curvo em volta de uma mesa estavam, respectivamente: , , , e .
— Jogar contra você é uma coisa, mas admito que precisamos da sua ajuda contra seus pais — disse, como se a simples menção da lembrança fosse dolorosa.
— Julie disse que convidaria Jane e Peter na próxima, vai ser um pesadelo — comentou , no mesmo tom.
— Eles só gostam de mexer com os nervos de vocês porque sabem que levam tudo muito a sério — argumentou, apoiando os braços sobre a mesa. — Tudo depende de como a noite vai terminar hoje, então amanhã cedinho eu decido se entrego a vitória ou não.
O jantar de ensaio parecia mais uma reunião familiar comum. escolheu suas roupas com cuidado, fez a maquiagem com paciência; ela sabia que precisava apresentar sua melhor máscara para suportar tantos parentes no mesmo lugar. Aqueles parentes. O primeiro elogio foi disparado assim que chegou na recepção.
— Tô muito feliz por você, querida. É um grande passo.
estava por perto e não aguentou o desconforto. Ela não se aprofundou muito sobre o nível de inconveniência dos membros da família, e, sinceramente, ele não procurou saber. Estaria mentindo se negasse estar aqui pela oportunidade de emprego. Foi o que ela disse antes de entrar no carro que lhe deixou preocupado:
— Vai ser uma noite muito difícil pra mim. Não consigo te explicar, então só peço que fique próximo e dê sua melhor expressão de robô satisfeito. Isso acaba hoje.
estava muito linda para ser obrigada a lidar com isso sozinha. O autocontrole da mulher diante de tantas opiniões distorcidas lhe impressionou. Apesar disso, ele conseguiu ver que ela se encontrava no total oposto do que ele viu no fliperama. Estava deixando aquelas pessoas apagarem seu brilho. Assim, finalmente entendeu a decisão de sobre sua família. Não participar era simplesmente mais fácil do que se sentir impotente e desrespeitada.
Uma hora depois, ele atingiu o limite.
— Sabia que ela é dona de duas floriculturas com grandes demandas todo mês? Não é qualquer um que consegue administrar tudo isso — comentou, brindando sem avisar com uma prima que tentou colocar o namoro no pedestal.
— Como assim viciada em trabalho? Me preocupa como sua mente funciona. é apaixonada pelo que faz, isso é o que mais me atraiu nela desde o início — rebateu a opinião de um tio conservador.
— Não há coisa alguma que eu mudaria nela, acho até que você poderia usá-la de inspiração — disse a um primo convencido. Assim que os noivos chamaram a atenção de todos para o brinde, encontrou a oportunidade de se afastar, abraçando de lado. — Tenha uma boa noite.
Ela estava chocada. Toda vontade de chorar e gritar havia sido consideravelmente reduzida pela vontade de rir. A atitude inesperada de foi como um corte afiado no ego daquelas pessoas.
— Até o fim da noite, ele explode de tanta raiva — alertou ela, notando o rosto vermelho do homem que ficou para trás. deu um riso fraco. Seu braço ainda estava em volta da cintura dela.
— Estão nos ajudando a construir uma das melhores memórias de nossas vidas e isso é extremamente importante para nós — declarou Jordan, limpando uma lágrima antes que ela pudesse rolar sobre sua bochecha. Maddy não conseguia falar, muito concentrada em sorrir e controlar as emoções ao mesmo tempo. — Eu tô muito, muito feliz nesse momento e, se isso for possível, desejo de todo meu coração que se sintam assim um dia, seja lá qual for a ocasião. Obrigado!
Barulho de taças cheias de champanhe soaram pela sala reservada depois que todos os discursos foram feitos. Os pais dos noivos e boa parte dos convidados tentavam se recuperar de suas emoções sem tirar o sorriso gigante do rosto. O ambiente estava rodeado de afeto e não lembrava da última vez que tinha se sentido tão bem em família. Por segurança, permaneceu perto dos amigos, sem querer arriscar demais. "Desde que eu não seja o destaque", pensou ela.
estava absolutamente confuso com as sensações crescendo em seu corpo. Achou que seria capaz de executar o plano sabendo separar as coisas; achou que seria o momento ideal de passar um tempo de qualidade com , só não esperava que seus sentimentos românticos se tornassem um grande emaranhado. Ele nem tinha certeza se ela o via dessa forma, o medo de estragar tudo lhe tornava um covarde. Por outro lado, não tinha um pensamento concreto sobre , só a vontade de descobrir mais sobre ela, saber se ela tinha intenções além desse acordo. A partir do momento em que recapitulou as semanas que passaram juntos antes da viagem, fragmentos começaram a se encaixar.
O cais atrás do restaurante foi adaptado com medidas de segurança e várias lâmpadas para se tornar uma pista de dança. Todo sentimento que tinha acumulado no peito se dispersou enquanto ela trocava de par a cada música, sem tempo para julgamentos. Estava tão imersa na própria alegria que não se afetou quando alguém lhe fez girar e parar nos braços de , que soltou um riso surpreso. segurou a mão dele e o girou no mesmo lugar, balançando os quadris e a cabeça, tentando sincronizar os passos com os outros ao redor.
A música terminou tão repentinamente quanto começou, fazendo com que uma cheia de energia perdesse o equilíbrio, mas sabia que estava segura com ele. O casal sustentou o contato visual, absolutamente envolvido pela atmosfera de alegria e intimidade. ainda não tinha se acostumado a vê-la tão à vontade, tão confortável, principalmente com ele. Esfregou as costas dela suavemente, esperando que recuperasse o fôlego. Não tinha ideia de que estava reunindo coragem para arriscar uma última atitude.
O carinho exposto no olhar tomou conta das conexões do cérebro. lhe beijou de forma tão terna, tão delicada, que ele teve certeza de que o álcool não tinha ligação com o que estava sentindo. O jeito que os dedos dela acariciavam sua bochecha o fez pensar que poderia flutuar. Achou que se segurar firme no corpo dela seria uma boa ideia, mas o calor de só fez intensificar as sensações.
— Atenção, junta todo mundo pra tirar foto aqui! — chamou Maddy, batendo palminhas.
O casal se juntou aos outros em frente a barreira de madeira do cais que os protegia do lago. Os noivos e seus devidos pais ficaram de pé no meio, e no canto direito, , e se agacharam na frente junto aos mais altos. Jordan ativou o temporizador da câmera em cima do tripé e voltou correndo desajeitadamente para o lado de Maddy, provocando risadas. Após o primeiro flash, ele pediu para que continuassem no mesmo lugar e foi verificar se a foto tinha saído boa.
— Expressões divertidas agora! — gritou, ativando a contagem outra vez.
viu inflar as bochechas e decidiu apertar com a ponta dos indicadores, rindo quando ela deixou escapar um pouco de ar. O som conhecido chamou a atenção dos que estavam na frente.
— Amor, estamos em público! — cochichou .
— O som veio da minha boca! — lhe empurrou.
Os cinco voltaram a prestar atenção quando alguém avisou que restavam três segundos.
não tinha bebido álcool, sendo automaticamente escolhido como motorista da volta. No banco de trás, , que estava levemente embriagada, tocou seu ombro no de e perguntou em silêncio se poderia descansar ali. Ele concordou imediatamente, dando espaço para que deitasse a cabeça na curva de seu pescoço. A conversa iniciada no carro com a intenção de se manterem acordados não funcionou para os dois, que caíram no sono em alguns minutos.
Chegando em casa, foram os últimos a sair do carro, seguindo o próprio ritmo de caminhada. Passaram direto até a cozinha para beber água.
— Sua coluna tá melhor? — perguntou ele.
— O quê?
— A coluna. Sua postura melhorou desde que passou a dormir no colchão daqui. Talvez devesse levar um desse pra sua sala e jogar aquele sofá fora.
piscou devagar, tentando raciocinar.
— Você, melhor do que ninguém, deveria saber que geralmente não resta energia nem pra se arrastar pra cama, imagina subir uma escada?
— Eu sou obrigado porque minha cadeira é tão ruim quanto seu sofá. A sala é um lugar tão bom assim?
— Sim, demorei um pouco pra descobrir. Vou pensar nisso do colchão, mas trocar a sala pelo escritório: sem chance.
lavou os copos e os enxugou. Quando se virou, encontrou com a parte superior deitada sobre o balcão, quase dormindo.
— Ah, não, , por favor. — Afastou as mechas que tinham caído sobre seu rosto e levantou o corpo dela devagar. — Você vai dormir no colchão perfeito hoje, entendeu?
Ela fez que sim com a cabeça, dando passos lentos. Ele ficou o tempo todo em seu encalço, pronto para interromper uma possível queda.
No corredor vazio, parou na porta do quarto e sussurrou o nome dele. Chegou perto e o abraçou pelas costas antes que ele pudesse se virar.
— Eu sinto muito — disse ela, sentindo pequenas gotas se formarem em seus olhos. franziu o cenho quando ouviu o fungado discreto, mas não conseguiu confirmar porque ela o manteve preso no mesmo lugar. — Obrigada por ter entrado nessa bagunça, sou muito grata por ter me defendido hoje. Finalmente tô pronta pra dar um fim nisso. Prometo que meu tio não vai desistir do acordo quando souber de nós. Espero que você e aproveitem o resto do fim de semana.
Graças à ausência de movimento, as luzes do corredor se apagaram. aproveitou para entrar no quarto às pressas, escondendo sua expressão chorosa. ficou parado no tempo, tentando entender se o que tinha acontecido era uma alucinação de sua mente cansada.
Os rapazes já estavam dormindo quando ele entrou para pegar seus itens de banho. O contato da água morna relaxou seus músculos, mas sua mente só descansou quando a cabeça encontrou o travesseiro. Plenamente ciente de que conhecer essas versões de tinha mudado algo dentro dele, sabia que estava na hora de definir e enfrentar seus próprios conflitos.
representa o amor.
Perto das dez da manhã, Julie se prontificou em acordar os jovens para outro passeio na cachoeira. Enquanto uns procuravam forças para se levantar, outros aproveitavam os banheiros disponíveis. O conflito entre querer curtir a viagem e se render à ressaca foi naturalmente compartilhado. O café da manhã funcionou com sucesso como fonte de energia para os cinco jovens, que aos poucos recuperaram o brilho na expressão.
— Os noivos vão passar o dia num hotel descansando, mas os pais virão com a gente — comentou George, dando um gole no café. — Significa que agora temos reforço no time.
— Fico feliz que estejam tranquilos quanto à organização. Devem ter trabalhado horrores — disse . — E sobre o jogo, lembrem que dessa vez estarei no time adversário.
O primeiro raciocínio de ao acordar foi se arrepender de ter sido tão vulnerável na noite passada. A quantidade média de álcool e o comportamento dele lhe deram uma coragem que não pôde evitar. Considerou aquilo uma despedida, apesar de já ter encerrado o plano bem antes. Algo sobre o contato físico, o calor de e ser o motivo do sorriso dele lhe fez querer expressar seus sentimentos com sinceridade, mesmo que para ele não fosse importante.
— Peter vai estar lá. Acha que deixei uma boa impressão? — perguntou ao entrar no carro de .
— Ele te elogiou bastante — disse ela, apertando os lábios num sorriso pequeno.
e não conseguiram disfarçar as expressões quase cômicas de surpresa quando tocou a mão de sobre a marcha. achou hilário, já que o ato romântico era normal em seu ponto de vista.
— Obrigado. Significa muito pra mim — disse , sincero.
"Eu sei que sim", pensou ela, balançando a cabeça sem tirar os olhos da trilha de terra. Tinha medo de que seu coração pulasse pela janela caso continuasse por mais tempo em contato com a pele dele, então tirou a mão da marcha e ligou o rádio do carro, procurando alguma distração decente.
A renovação que a água oferecia naquele dia quente era tudo que alguém poderia querer. Assim que encontraram um lugar aconchegante, os times de vôlei aquático foram divididos: os pais e tios de contra ela e seus amigos, ficou com o papel de reserva e juiz ao mesmo tempo. Decidiram que teria uma chance de se redimir pelo último fracasso. Também nadaram de um lado para o outro, fizeram competição de maior fôlego e tiraram muitas fotos.
A adrenalina que ajudou a disfarçar o cansaço de seus corpos começou a se dissipar. Após comerem e beberem, os mais velhos sentaram nas pedras para conversar, e voltaram para a beira da água, e os três rapazes saíram para caminhar na floresta, com uma ideia diferente de descanso.
— Eles estão jurando que alguém vai correr pra ajudar caso algum deles grite — comentou , fechando os olhos em direção ao sol que encontrava brecha entre as folhas. — Todo mundo sabe o que acontece quando um reclamão, um engraçadinho e um espertão saem pra caminhar sozinhos na floresta.
— A cachoeira também não nos deixaria ouvir. — riu. — Desde que não se separem, eles vão saber se virar.
Os sons da água, dos pássaros e do vento através das árvores eram o escape perfeito para que levasse a mente para longe. Não queria estar ciente de que perdeu o controle sobre os próximos sentimentos.
— pediu pra conversar comigo mais tarde — anunciou , com cuidado, agora deitada com um braço sobre os olhos. sentiu a espinha gelar. — Acho que tenho uma boa noção do assunto.
— Ele gosta muito de você.
suspirou.
— deixou escapar ontem à noite. O álcool fez ele confessar o arrependimento sobre uma tal péssima ideia. — Descobriu os olhos para notar que a outra continuava na mesma posição, quase imóvel. — Não vou negar que fiquei chocada. Vocês são bem realistas.
soltou um riso nasalado.
— Realistas? Tá bom. Sinto muito que não tenha recebido essa informação diretamente dele. Espero que a conversa vá bem.
— Não vai perguntar se eu também gosto dele?
— Não. Já interferi demais no que rola ou poderia rolar entre vocês. E sinto muito por isso.
— Mas você gosta dele?
riu ao olhar para . Seu coração mais acelerado que nunca.
— Apesar de ter interferido, eu nunca fui um obstáculo real, então não se preocupe com isso — respondeu, desviando da pergunta. — E não precisa se preocupar com minha família também. Essa história já deu o que tinha que dar.
balançou a cabeça em silêncio, sem saber como argumentar naquela situação. Logo os ruídos da natureza voltaram a prevalecer, sendo a trilha sonora de um milhão de sentimentos não ditos.
— Tiveram um bom resultado na análise das nossas estratégias? — provocou George, observando os rapazes voltarem da caminhada.
estava socando o ar como um lutador entrando na arena.
— Você vai se arrepender de bancar o engraçadinho quando ver o próximo placar! Vocês vão pagar o almoço.
Infelizmente, o tom de indignação atraiu risadas até das mulheres do seu próprio time.
— A gente tá incluída nesse plano imbatível também? — perguntou.
— Você é nossa estrela, . É aí que estão todas as minhas apostas. — foi correndo abraçá-la.
— Por que parece que o plano deles é ter o time carregado por você? — indagou , sem conseguir segurar a risada quando tentaram se defender.
O recibo do restaurante foi amassado e jogado na lixeira mais próxima. O time mais jovem perdeu, pagando a conta do almoço como penalidade. Os criadores do plano imbatível estavam estranhamente silenciosos, sequer reagiram às provocações da família de . havia deixado a competitividade de lado para aproveitar a sobremesa com os outros.
— Não era um campeonato, gente, tá tudo bem — consolou ela, se arrumando no banco de trás do carro.
Ao seu lado, estava com um braço em volta dos ombros de , ambos fingindo dormir. concordou com a cabeça, seus olhos na tela do celular.
— Se eu dedicar parte do meu tempo livre, posso colaborar de verdade na próxima — declarou , determinado.
Todos os olhos foram na direção dele como se tivessem ouvido um absurdo.
— Quê? — disse .
— Quê? — disse .
— Quê? — disse .
Agora ciente da situação, também se surpreendeu com a fala de .
— Pensei que já tivéssemos passado pela "próxima".
— É, ué. A família de não faz reuniões ao longo do ano? — Coçou a nuca com uma expressão de quem acabou de ser pego. só entendeu o pedido de socorro silencioso por causa do contato visual intenso.
— Claro, aniversário de alguns primos que eu não faço questão de participar...
— Deveria! Seria legal recuperar o tempo com seus pais. — não tinha ideia do motivo pelo qual estava tão nervoso.
— Mas a gente precisa mesmo vir? — questionou, extremamente curioso para ver até onde ele estava disposto a ir.
ergueu as sobrancelhas e colocou a palma aberta sobre o peito de , sentindo os batimentos acelerados.
— Também acho que seja uma ótima ideia. Vocês tão precisando descansar tanto quanto eu. — Ela olhou para trás, mas voltou assim que sentiu a mão dele sobre a sua.
A buzina do carro de seus tios foi o que arrancou os cinco do transe. respirou fundo enquanto ligava a ignição. não pôde deixar de notar a força com a qual ela agarrou o volante. Ele tinha plena ciência de que o implícito estava sufocando seus corações.
💐 [21:57]: Pode dormir no meu quarto hoje.
[22:03]: Sério?
💐 [22:03]: Sim, não vai atrapalhar em nada. Relaxa.
[22:05]: Tudo bem. Já tô voltando.
À noite, quando Julie e George se despediram e subiram para o quarto, e aproveitaram a oportunidade para conversar na estufa. e juntaram os colchões no chão para oferecer o conforto que a amiga mais estava precisando no momento. Encolhida entre os dois, tentou ao máximo disfarçar as lágrimas, mas o movimento de seu corpo a cada soluço não passou despercebido.
Durante a caminhada, comentou que conversaria com essa noite e que resolveria as coisas. Não elaborou além disso, o que deixou e ainda mais intrigados. Por que estava tão nervoso? Por que hesitou tanto em contar para ? Por que falou com tanta naturalidade sobre voltar à cidade? sempre foi péssimo com improviso nesse tipo de situação, mas eles não conseguiam ler as entrelinhas. E se estavam incertos, como poderiam consolar adequadamente?
Algumas horas após o amanhecer, ela esfregou os olhos e se esticou, sentindo o espaço à sua direita livre. Soltou o cabelo apenas para arrumar as mechas bagunçadas e prendê-las novamente. Pegou o celular, foi em direção à porta e levou um susto quando se virou para verificar se não estava esquecendo de nada.
estava na cama, dormindo como um bebê todo enrolado no cobertor. passou as mãos no rosto outra vez para ter certeza de que não era uma miragem e abriu o aplicativo de mensagens, procurando pela resposta dele. A expressão confusa cresceu quando confirmou que ele tinha aceitado o convite. Por que ele estava ali quando tinha o quarto ao lado disponível? Suas engrenagens trabalharam com mais força, na medida do possível, ao ver dormindo igualmente tranquila na mesma cama do primeiro dia.
Devidamente limpa e com roupas confortáveis, desceu para a cozinha e encontrou o pai lavando a louça que tinha sujado.
— Com pressa? — perguntou ela.
— Preciso encontrar sua tia no salão de festas. Combinamos de ajudar Maddy com as flores que chegaram hoje. e Julie foram no shopping comprar algum equipamento que ele precisa pro trabalho.
balançou a cabeça, lembrando que ele havia comentado na vinda.
— Maddy já tá se arrumando? Quero vê-la antes de montar o buquê.
— Quando me ligou estava no meio do penteado. Ela sabe sobre as tulipas?
— Não, é uma surpresa. — sorriu. George se aproximou para lhe dar um beijo na testa. — Pode me deixar na casa dela? Não pretendo demorar, mas acho que vou fazer um lanche por lá.
— Claro — concordou, pegando o chaveiro no porta-chaves da sala. — Os outros estão dormindo?
— Sim, o campeonato de ontem foi pesado pra eles.
George gargalhou com a lembrança da vitória seguida de um delicioso almoço — que ele não pagou. Seguiram para a casa de Peter e Jane, onde Maddy estava se arrumando. O caminho era curto, mas foi o suficiente para colocar mais assuntos em dia, confortando o coração de , que sentiu tanta falta de momentos assim com o pai.
— Ah, querida — chamou ele, assim que ela saiu do carro. — Vocês estavam uma gracinha ontem à noite na estufa.
— Oi? — Franziu o cenho, genuinamente confusa.
— Você e . Bom, as silhuetas foram suficientes pra me lembrar de quando eu e Julie éramos jovens pombinhos como vocês.
Foi necessário um esforço muito grande para não vacilar no equilíbrio nem no sorriso bobo. sentiu a cabeça girar por alguns segundos, mas não podia deixar sua agonia transparecer.
— Tem que parar de me vigiar, pai. Não tenho mais quinze anos! — Deu dois tapinhas na porta, reforçando o aviso.
— Ei, eu não tava vigiando! Só fui pegar a caixa de ferramentas no quintal — argumentou, mas a filha já tinha dado as costas e mostrado o polegar, fazendo ele cair na risada novamente.
Maddy estava absolutamente brilhante. Os grampos prateados prendiam poucas mechas do cabelo curto, permitindo que a maquiagem delicada ganhasse destaque no rosto radiante da noiva. sentia que poderia chorar a qualquer momento, porém mais pela intensidade da emoção de ver sua prima feliz do que outra coisa.
— Quando vai me mostrar o buquê? — Se agarrou ao braço de com um biquinho nos lábios. — Pode pelo menos me dizer o que escolheu?
— Pra você, são tulipas vermelhas, rosas e roxas. Pra ele, eu trouxe um cravo vermelho. — sorriu, sabendo que Maddy conhecia os significados e por isso estava tão tocada.
— Prima... — Maddy a envolveu num abraço apertado. — Foi um erro ter perguntado, vai acabar com minha maquiagem!
A estilista, a maquiadora e a cabeleireira também se sentiram afetadas pelo momento sensível. Cada uma procurou se distrair com seus instrumentos de trabalho para driblar as lágrimas.
— Eu amo você — falou baixinho.
— Obrigada por ter vindo.
Apesar de querer muito ficar para ver o resultado final, combinou com Maddy que as duas teriam a surpresa antes da cerimônia, por isso saiu de lá para finalmente montar o buquê. Olhou as horas no celular, ignorou as notificações de mensagem e decidiu fazer o caminho de volta andando. Tinha muito para pensar, muita coragem para reunir. O local do casamento seria um verdadeiro desafio, mas precisava ser maior do que isso. Pelo bem dela e do novo casal.
Não esperava encontrar todos devidamente prontos e reunidos na sala de estar assim que chegou. Tirou o celular do bolso e checou as horas mais uma vez. não demorou a notar a expressão de estranhamento no rosto dela.
— Você não tá atrasada, a gente decidiu se arrumar mais cedo pra tirar umas fotos e evitar fila nos banheiros. Eu te mandei mensagem avisando que você já poderia vir — explicou ele, chegando mais perto.
Todos estavam impecáveis vestidos formalmente. usava um smoking cinza, estava de preto grafite e parecia um príncipe usando azul marinho. usava um longo vestido creme que tinha o decote discretamente cavado e uma abertura na parte inferior que deixava sua perna esquerda visível.
O que lhe desequilibrou foi observar que e estavam conversando sobre a rosa vermelha posicionada entre a orelha e o cabelo dela.
— Você tá bem? — perguntou , tocando o braço dela.
retornou o olhar para ele e depois verificou a própria roupa.
— Eu... — Respirou fundo, sentindo a garganta fechar de repente. — Maddy tá muito linda, preciso montar o buquê agora ou não vamos chegar a tempo. — Tentou andar, mas foi impedida.
— Não tem problema, não é normal as noivas se atrasarem? — Ao entender que tentativa de usar o bom humor não funcionou, foi direto ao ponto: — Te ver desse jeito tá me matando. O que aconteceu?
— Meu pai disse que me viu com na estufa ontem, e que nossas silhuetas o lembraram de quando ele e minha mãe eram jovens pombinhos.
A dor através do sorriso dela fez o coração de embrulhar como o recibo do dia anterior. , que tinha ido na cozinha, se aproximou com um pressentimento ruim.
— Tá tudo bem? Seus pais ligaram avisando pra gente esperar por eles.
— Vou ajudar com o buquê na estufa. Pode ficar aqui e garantir que esses dois não se exponham pra mais ninguém? — O tom sério na voz dele fez entender do que se tratava a situação.
O nervosismo de estava aumentando porque sabia que quanto mais demorasse ali, mais atenção chamaria.
— Você sabe que é só pedir e meus punhos estarão prontos pra atacar, né? — afirmou, dando um beijo no topo da cabeça dela.
— Agradeço pelo apoio. Agora só preciso ficar sozinha e fazer meu trabalho. Prometo que não vou demorar.
Com a chave da estufa na mão, se afastou dos amigos e passou pelo casal distraído, praticamente correndo até a porta dos fundos, mas não antes de pegar uma garrafa de água na geladeira. não deixou de perceber o comportamento incomum da mulher.
— Aconteceu alguma coisa?
— Você só pode estar de brincadeira comigo — disse , massageando as têmporas.
Fez questão de trancar a porta, seguindo para onde tinha guardado as flores. Lágrimas grossas deixaram sua vista turva, o medo a fez buscar um assento com pressa. Vergonha, frustração e paixão descontrolada faziam seu peito doer intensamente, como se todas as verdades que tentou driblar estivessem batendo com força, implorando para sair. chorou até não aguentar mais, chorou para libertar tudo que vinha negando e mascarando desde o dia da mudança. Chorou porque se conformar com seu lugar naquele teatro era pior do que esperava.
Quando sentiu seu corpo se acalmar o suficiente, começou a cortar, organizar as cores das tulipas e ajustar o tamanho do cravo para a lapela de Jordan. Procurou pela pasta com o papel do buquê e o broche e não achou, passando a questionar se havia trazido para a estufa quando chegou.
— Não posso voltar pra lá com essa cara inchada... — murmurou enquanto olhava prateleira por prateleira, suspirando aliviada quando encontrou dentro do pequeno armário no corredor das margaridas, onde sua mãe tinha guardado.
fez o possível para mentalizar coisas boas: colocou música e focou completamente na montagem. Precisava se recompor sem vacilar ou a estufa deixaria de ser seu lugar favorito. Isso ela não poderia admitir.
estava no celular enquanto bebia água quando desceu as escadas. O resultado foi uma crise de tosse terrível. O vestido longo vermelho, o cabelo solto, a maquiagem marcante, o buquê na mão direita. Era a primeira vez que ele a via produzida dessa forma; ela estava esplêndida. sentiu que poderia se ajoelhar ali mesmo.
— Minhas expectativas eram altas, mas você superou todas elas. — aplaudiu.
— Sensacional — completou .
— O buquê ficou maravilhoso também — apontou, sorridente.
Uma carga de confiança caiu sobre ao ouvir os elogios. Satisfeita por ter feito boas escolhas ao menos uma vez.
— Agradeço a gentileza. — Fez uma pequena reverência. — Meus pais estão lá fora?
— Sim, foram esperar no carro.
— Ótimo, você dirige. Eu vou com eles, assim posso ver Maddy antes da cerimônia. — Jogou a chave para e saiu pela porta da frente, deixando os outros desnorteados por alguns segundos.
No banco de trás, reuniu coragem para contar toda a história. Foi difícil levantar os olhos, mantendo a atenção no buquê em seu colo, procurando erros distraidamente. Julie e George se mantiveram em silêncio até que ela terminasse.
— Obrigada por contar — disse Julie, se virando para tocar a mão da filha. — Se houvesse uma aposta, eu teria ganhado no primeiro dia.
franziu o cenho, confusa.
— O quê?
— Você nunca namoraria alguém que não conhece seu zelo pelos significados das flores — explicou George. — Mas uma coisa é certa: você gosta dele. Não teria entrado nessa se não gostasse.
Ela estava sem palavras, completamente exposta. Não tentaria levantar a guarda contra seus pais, nem se quisesse.
— Jane e Peter?
— Eles acreditaram e ficaram felizes até demais. Só não consigo compreender porque você chegaria a esse ponto, filha — disse Julie.
— Pra tentar sair do holofote, eu acho. Não funcionou, de qualquer forma. Foi horrível ver rebatendo os comentários maldosos no jantar de ensaio. Não sei o que vamos enfrentar no salão.
— Não acho que deveria ver dessa forma. Ele parecia bem disposto a não dar palco pra esse tipo de gente. Sem mencionar que ele parece sentir tanto quanto você.
— Mãe, a paixão dele é por . Ele a convidou pra não cancelar o compromisso que tinham marcado no fim de semana. E ontem à noite, eu fui dormir logo depois do filme, pai. Não pisei naquela estufa.
— Ah, querida... — lamentou, buscando os olhos dela no retrovisor. Ela gesticulou que estava tudo bem. — Eu realmente não tinha ideia, não foi minha intenção. O que pretende fazer na festa? Vai enfrentar todo mundo antes de ir?
— Não vou ficar fazendo showzinho de casal, inclusive, espero que ele curta bastante a festa. Vou conversar com meus tios assim que possível e pedir a ajuda deles pra cortar os comentários dos outros. Também quero me aproveitar do bar e do bufê.
— Admiro a força da sua decisão, querida, mas não vá muito além. Não quero que se machuque.
— Queria ter alguma garantia desse controle — concluiu , um sorriso fraco estampando o rosto magoado.
— Você tá linda, não consegui dizer isso antes. — sorriu assim que encontrou novamente, no campo onde seria a cerimônia. — Tá tudo bem? Alto nível de emoção nos bastidores?
— É, ela tá muito linda. Ninguém se segurou — respondeu, usando um lenço e um espelho de bolso para limpar os rastros de lágrimas sob seus olhos.
— Os meninos deixaram um espaço pra você lá no banco. Mas antes, queria contar que me retornaram sobre um apartamento fora do centro, marquei a visita pra segunda-feira.
Ela desviou os olhos do espelho em sua mão por dois segundos, porém não conseguiu encarar a expectativa no rosto dele.
— Isso é bom, é ótimo. Sei que mal pode esperar pra ter seu espaço de novo.
— Não é bem assim. — Riu, envergonhado. — O seu quarto é quase perfeito pras minhas gravações e aquele colchão é um dos melhores que já deitei.
— Falando nisso, desculpa cortar o assunto desse jeito, mas por que não dormiu no meu quarto ontem? — disparou.
— Eu até fui, mas não te vi lá. Não achei que seria apropriado dividir o espaço com . — coçou a nuca, sem jeito. — Não quis arriscar que alguém nos visse e interpretasse errado.
ergueu as sobrancelhas.
— Entendo. Acho que não teria problema, já que meu pai disse que nós dois estávamos adoráveis na estufa ontem. E a flor... acredito que você tenha dado a ela?
Ele fez que sim, levando a mão à nuca. A garganta seca de repente. passou a observar os convidados se organizando para a chegada da noiva. Sentia o olhar dele na lateral de seu rosto, mas não ousou encará-lo.
— Sei que não se importa com isso, mas rosa vermelha significa amor verdadeiro. Assim fica muito fácil ligar os pontos — declarou, mostrando um sorriso pequeno. — Tô feliz por vocês, feliz por ter compreendido seus sentimentos.
Implorava mentalmente para que sua voz continuasse normal. Estava tão concentrada que não prestou muita atenção nas expressões de . Ele estava completamente perdido nas próprias emoções.
— Não sei se ficou muito óbvio nos últimos dias, mas já tem um tempo que eu gosto de você. Genuinamente. Justamente por isso não posso continuar te prendendo nesse plano estranho. Acho que não me levou a sério naquela noite no corredor, mas não precisa mais fingir ou se obrigar a me tocar, essa confusão já acabou. Só assim posso voltar a frequentar os próximos eventos sozinha.
estava sem palavras, até mesmo um pouco tonto. Todas as coisas que gostaria de ter dito há duas semanas surgiram como um maremoto em sua mente. A honestidade de lhe deixou exposto de forma inesperada, e não saber controlar isso era sufocante. Se sentia ainda pior por não saber responder, por não conseguir ser honesto consigo mesmo.
— Queridos, a noiva chegou. Corram para os seus lugares. — Julie apareceu os empurrando levemente pela cintura até a fileira em que os amigos estavam.
simboliza a partida; agradecimento por um tempo adorável e único.
Após o beijo dos recém-casados, a delicadeza do momento e a intensidade das emoções que flutuavam no ambiente não poderiam ser capturadas pelas câmeras. Os votos pessoais causaram impacto desde os solteiros até os casais de longa data. Algumas pessoas estavam se divertindo com as reações, como , que filmou se derramando em lágrimas desde a primeira linha.
Taças cheias, bandejas de petiscos de um lado para o outro, música boa, família alegre. já não tinha ideia de quantos coquetéis havia ingerido. Não estava fora de controle, mas ganhou combustível necessário para as situações que seguiram.
— Namorado? Não, que isso! Peguei vocês, não foi? Ele é um colega, pedi que fingisse ter um relacionamento comigo pra vocês me deixarem em paz por alguns dias. Não é genial?
"Minha terceira floricultura tá quase sendo inaugurada. E seu noivo fracassado, o que tem feito da vida? Amor não enche barriga, né?"
"Não sei por que é tão importante saber da minha vida amorosa. É algum critério pra subir na hierarquia familiar, por acaso?"
"Meus pais me amam, eu dou orgulho a eles. Já parou pra pensar se tem dado orgulho aos seus pais? Assim, como pessoa mesmo. Vou te deixar refletindo nisso."
— Pois é, não somos um casal. Pra ser sincera, a futura namorada dele tá bem ali... — Antes que pudesse apontar, a envolveu em um abraço, rindo para as tias confusas na frente deles.
— E se a gente for ali no bufê rapidinho? Acabaram de servir um prato que você vai amar — falou, empolgado, sacudindo a amiga no processo. — Foi ótimo ver vocês, até depois!
Cruzaram o salão de mãos dadas. queria dizer que ele estava andando muito rápido, mas deixou de se importar quando reconheceu a música.
— Eu já disse a ele que acabou, qual o problema? — reclamou, fazendo careta enquanto sentava numa mesa perto do palco.
— Acho que sua família já sabe o suficiente. Se eles são tão interessados em você, a fofoca já correu faz tempo — explicou. — Por que acabou com o plano antes da hora?
— Não tava mais aguentando prender todo mundo nessa situação. E gostar mais dele só tava... só tá me machucando. Talvez fosse melhor quando ele parecia um fantasma dentro de casa.
Alguns minutos depois, Maddy anunciou no microfone que jogaria o buquê. Várias mulheres se reuniram numa distância razoável do palco cheias de expectativas sobre ser a grande sortuda. estava no lado oposto do bufê, estava claramente tentando convencê-la a fazer parte da competição.
observou a cena com um aperto familiar no coração. estava ocupado conversando com Julie e George para lhe confortar outra vez sobre a mesma sensação ruim.
— Olha lá, hein? É um! É um! — Maddy parou para gargalhar das reclamações que chegaram aos seus ouvidos.
Perdida em pensamentos, encarava a taça vazia quando sentiu algo cair no espaço entre a mesa e seu corpo. Gritos de comemoração se tornaram mais altos que a música, assim ela entendeu que o motivo de tanto barulho era o buquê de tulipas em seus braços.
— Que lindo! — Maddy comemorou com palminhas, segurando o microfone na mão direita. — Onde está o pretendente pra completar a cena romântica? Ali! Oi, ! Vai lá!
tirou as mãos dos bolsos da calça e praticamente correu até onde estava, retribuindo alguns sorrisos e cumprimentos no caminho. Um alarme foi ativado em sua mente. "Não posso tornar essa situação constrangedora", pensou ele.
Assim que ficaram frente a frente, um coral de "beija!" se iniciou, o baterista decidiu que era um bom momento para encaixar um ritmo. estava absolutamente chocado, com uma mão sobre a boca para controlar o fluxo de sentimentos. estendeu a mão para ajudar a levantar, aproveitando para aproximar seu corpo do dela.
— Sinto muito que isso tenha se tornado maior do que o esperado, mas eu vou fazer isso porque sempre respeito o prazo real dos meus acordos — declarou, mordendo o lábio inferior para segurar um sorriso.
Um braço ao redor da cintura, a outra mão acariciando o pescoço e a bochecha, sentindo os arrepios que pareciam correntes elétricas na pele dela. Segurando o buquê com mais força do que deveria, fechou os olhos e suspirou, rendida, agarrando a barra do terno dele quando o beijo finalmente aconteceu.
Foram pegos de surpresa pela intensidade do contato, ambos não esperavam que as sensações fossem ainda mais fortes do que na primeira vez. Era certo que algo tinha mudado drasticamente. Os aplausos estavam abafados aos ouvidos do casal, que tentava ao máximo segurar as vontades reais que um tinha sobre o outro.
se sentou na mesa com Julie, George e , dando um gole em seu coquetel. Os três conversavam sobre a cena como se fosse uma novela.
— Sinceramente, esperava mais da . — suspirou quando viu os dois, agora abraçados, conversando com as pessoas ao redor.
— Queria esse tipo de exposição pra minha filha, ? — Julie ergueu as sobrancelhas, apontando o garfo para ele. — Eles podem muito bem continuar depois. E já chega de falar das intimidades dela.
— Não fui eu que fiquei de agarração no meio do salão, senhora. — Levou uma mão ao peito, falsamente ofendido.
— Será que assim ela acorda? — ponderou , bem-humorada.
— Ouvi dizer que poderia ter sido você ali — disse George, analisando a expressão dela.
sorriu, balançando a cabeça negativamente.
— Não seria. Até aconteceu uma conversa, mas ficou muito claro que a gente funciona mil vezes melhor como amigos.
— Esse plano tinha tudo pra dar errado, realmente, nem eu esperava por isso. — riu. — me contou que vocês tinham uma química muito boa nos encontros em grupo.
— Com certeza, só não romanticamente. É diferente, e fico feliz que ele também tenha notado isso. — Levantou sua taça e brindou com ele.
se aproximou, pediu a taça que segurava e deu um único gole no que restava. afastou sua cadeira para a esquerda e lhe deu espaço para sentar.
— Isso é um absurdo. Eu tenho um relacionamento maravilhoso, e mesmo assim, aquele casal de palhaços conseguiu me deixar sem graça — disparou, indignado, fazendo todos na mesa gargalharem. o envolveu num abraço lateral.
— Quer dançar pra esquecer do evento que acabou de presenciar? Vamos. Vejo vocês depois.
arregalou os olhos quando percebeu que ficaria sozinha com os pais de , mas o casal não demorou a lhe deixar confortável quando assuntos em comum começaram a surgir.
— Confesso que estou chocada. Em momento algum pensei que fosse atuação — disse Jane, com uma mão no peito. — Prometo que vou me policiar.
— Me sinto péssimo por ter sido parte de algo que te deixou tão desconfortável. Peço desculpas, sinceramente, querida. — Peter tocou o ombro de .
Antes de ir embora, chamou os tios para conversar no canto. Sentiu um peso sair de seus ombros, pois sabia que poderia confiar na sinceridade de ambos.
— Eu pretendo voltar nos próximos eventos. Mas como eu fiz uma pequena bagunça hoje na festa, vou precisar da ajuda de vocês... — pediu, dando um sorriso amarelo.
— Ah, eu ouvi alguns comentários, achei engraçadíssimo o modo como agiu. E foi muito bem merecido — declarou Jane. — Nem se preocupe. Vamos cuidar desse pessoal. Sinto muito mais uma vez, querida. Amamos você.
Se despediram com um abraço apertado cheio de afetos.
No dia seguinte, bem cedo, encontrou os amigos tomando café da manhã na cozinha. Interrompeu a conversa. Braços cruzados e olhos cerrados, tentando parecer intimidante.
— Vocês pensam que eu não percebi, né?
— Percebeu o quê? — perguntou , dando uma mordida no sanduíche.
— Maddy jogou o buquê pra mim de propósito. E aquele beijo? Vocês que armaram tudo isso — acusou, apontando o indicador.
— Foi uma boa cena, vai negar? Sua família adorou — argumentou.
— Não tivemos nada a ver com isso, mas por que não está agradecendo, mesmo assim?
— Por que eu agradeceria? — arqueou uma sobrancelha.
apoiou os cotovelos na mesa e cobriu as bochechas com as mãos.
— Eu não lembro de agir desse jeito quando estava apaixonado por você — murmurou.
— Você sabe que a gente não é muito adepto ao drama romântico — respondeu , despreocupado.
suspirou. Pegou uma fatia de pão e se distraiu passando manteiga. O casal trocou olhares cautelosos. Compartilhavam a expectativa de que algo havia mudado na noite anterior.
— Vocês conversaram depois do beijo?
deu de ombros, sem levantar o olhar.
— Ele disse que preferia esperar a volta pra casa. Não estava se sentindo muito confortável com tanta gente ao redor. Por isso ficamos um bom tempo na área dos sofás, aliás.
INÍCIO DO FLASHBACK
Quando os convidados voltaram a curtir a festa e a atenção do casal foi dispersada, se colocou na frente de e a envolveu com os dois braços. Ainda desorientada, ela o abraçou pela cintura e apoiou a testa no ombro dele, fazendo o perfume suave tomar conta de seus sentidos.
— Se quiser que eu me afaste, é só dizer, posso correr até o outro lado do salão em um segundo.
Ele sorriu quando sentiu os ombros dela balançando pelo riso.
— Não, fica aqui — pediu, cruzando as mãos nas costas dele. — Só mais um pouquinho.
murmurou positivamente, deixando um beijinho no cabelo dela.
FIM DO FLASHBACK
— Foi imensa a tortura dos comentaristas quando vocês voltaram pra mesa agindo como se nada tivesse acontecido — confessou.
— Comentaristas? É esse o nome agora? — Ela riu.
Terminaram de comer em um silêncio confortável.
— Não acredito que vamos voltar hoje. Vou ter que resistir até o período de férias de verdade — disse , suspirando.
— Vocês vão voltar hoje — corrigiu , levando os pratos até a pia.
O casal trocou um olhar de confusão.
— Como assim? Você não vem?
— Não, decidi ficar mais um tempo aqui. Pedi que fechassem as lojas nesse período, avisei que os salários não seriam afetados.
Com grande esforço, e disfarçaram a frustração causada pelo mistério de . Queriam simplesmente expor todos os fatos ali mesmo, mas precisavam respeitar os sentimentos dos amigos.
— Aproveite o tempo sendo a única queridinha dos seus pais — disse , buscando a mão dela sobre a mesa, sorrindo carinhosamente. — Vou trabalhar muito pra estar de volta em breve.
Horas mais tarde, Julie terminava de embrulhar a comida que ela e George fizeram para agradecer pela visita, sem falar dos lanches e bebidas que tinham comprado para os jovens aproveitarem durante a viagem de volta.
entrou pela porta da frente, cantarolando.
— Que cheiro bom! Não acredito que fez tudo isso só pra eles.
— Algum problema que queira resolver agora? — desafiou , erguendo as sobrancelhas.
— Já guardei sua parte, querida. Não quero briga de criança na minha cozinha — avisou Julie, sorrindo.
se afastou do balcão e foi até , tocando a mão dela com cuidado. Perguntou se poderiam conversar lá na frente, ela concordou. Os outros fingiram muito bem a falta de interesse naqueles sussurros.
— Foi bom o passeio? — perguntou ele, enfiando as mãos nos bolsos da calça.
Ela se sentou na cadeira da varanda, murmurando em contentamento.
— Sim, fui ver se uma lanchonete que eu adorava ainda estava aberta. A comida deles continua incrível.
sorriu, balançando a cabeça.
— Imagino que não tenha uma franquia lá perto de casa.
— Até tem, só é um pouco longe. Mesmo assim, o sabor daqui é único.
— É uma pena. Eu adoraria conhecer a original.
franziu o cenho por um segundo. Não sabia o que responder, não tinha ideia do que ele estava pensando.
— Fiquei sabendo que vai ficar aqui por mais um tempo. Significa que não vai me dar apoio moral durante a mudança?
— Já vai ser esquisito o suficiente voltar a ser a única naquele apartamento. Não quero ter que te ver indo — confessou. — Muito menos quero carregar peso, já trabalhei demais na sua recepção.
Os dois riram genuinamente. Quando o silêncio foi voltando, se pegaram observando um ao outro. esfregou os braços como se um vento frio tivesse lhe tocado de repente, mas só estava tentando controlar os arrepios que vieram com a retrospectiva dos momentos que passou muito perto de recentemente. Óbvio que não seria fácil se livrar do sentimento dessa vez. Não quando dividiu seus dois lares com ele. Não quando permitiu que ele soubesse o quão vulnerável ela era. Estaria sozinha com os próprios pensamentos novamente. Seria terrivelmente difícil.
O barulho de algo batendo na porta tirou do devaneio. Ela franziu o cenho. apontou para a porta e fez o número cinco com a mão. Sorria como se soubesse o que tinha acontecido. Alcançou a maçaneta para fingir que abriria, ouvindo murmurinhos no outro lado.
revirou os olhos, negando com a cabeça. Antes de entrar, sorriu mais uma vez e disse:
— Então a gente se vê daqui a alguns dias.
amor puro e latente, entrega e liberdade.
Três dias depois, alongou o corpo antes de sair da estação à procura de um táxi. Estava satisfeita por ter conseguido dormir durante boa parte da viagem, tendo que acordar apenas nas horas das refeições. Sentia falta da sua cama, mas não era esse o motivo de sua volta. A reunião com a distribuidora havia sido antecipada, então Tina ligou pedindo que ela voltasse, pois tinham exigido a presença de .
Se despediu da taxista simpática com quem havia criado uma conversa leve para se manter acordada durante o caminho e se arrastou até a entrada do prédio. Cruzou a porta de casa cantarolando uma música aleatória para fingir que não estava preocupada com o silêncio ensurdecedor que ocupava o ambiente. Empurrou a mala de rodinhas em direção ao sofá enquanto caminhava direto para a cozinha.
Abriu a geladeira e afastou o pacote de iogurte de banana para pegar a caixa de leite atrás deste. suspirou aliviada quando deu o primeiro gole no achocolatado e uma mordida no biscoito que comprou para experimentar, curtindo a sensação de finalmente estar em casa. Arregalou os olhos ao lembrar das plantas na varanda e deixou o copo em cima do balcão, praticamente correndo para regar as coitadas.
Quando as viu firmes e verdinhas, levou uma mão ao peito, prometendo que agradeceria aos amigos que cuidaram de seu pequeno jardim durante seu tempo fora. Voltou à cozinha, terminou o lanche e se dirigiu ao andar de cima sem a menor pressa. A mulher sentiu seu corpo inteiro arrepiar quando, antes de entrar no próprio quarto, lembrou-se da porta ao lado, e um conflito se instalou em sua mente para decidir se deveria ir lá ou não.
— Certo... — sussurrou para a própria insegurança. — Não tem necessidade de ficar desse jeito, é só um quarto.
Respirou fundo mais uma vez e ficou frente a frente com o cômodo, tremendo levemente ao sentir a maçaneta gelada. Abriu a porta, lembrando a péssima experiência de virar uma dose de tequila.
O quarto estava do mesmo jeito que eles haviam deixado após a primeira faxina: as paredes estavam tão vazias quanto as gavetas do guarda-roupa, a escrivaninha no canto parecia desnecessária sem os equipamentos de trabalho, a cama estava arrumada como se funcionários de hotel tivessem passado por ali mais cedo. O cheiro que tomava conta do espaço era de limpeza. Era como se ele nunca tivesse chegado perto daquele quarto.
Sentou no colchão macio e observou a janela fechada.
— Pelo menos ele levou as frésias.
O banho que tomou relaxou seu corpo completamente, aumentando a vontade de reencontrar sua cama. Se cobriu com a toalha e levou a roupa suja para a área de serviços. Caminhou com paciência até seu quarto, sendo pega de surpresa quando acendeu a luz. Tentou tampar a boca para amenizar o grito, mas o som abafado ainda fez o rapaz deitado pular e quase cair da cama.
— Por Deus, , o que você tá fazendo aqui?! — perguntou ela, pressionando dois dedos na lateral do pescoço para garantir que sua pulsação ainda existia.
Estava de frente para usando apenas uma calça de algodão, deitado no meio de sua cama com um travesseiro no meio das pernas e outro entre seus braços. não teve tempo de considerar a cena angelical, ela mal conseguia assimilar a ideia de que ele realmente estava ali.
— Isso lá é jeito de acordar alguém? — perguntou ele, desorientado, esfregando os olhos.
— Você tá no meu quarto!
— Eu já dormi aqui antes!
— Esse não é o ponto!
As órbitas dela tremiam sem saber o que encarar, mas quando percebeu que a única coisa que usava era uma toalha, revirou os olhos e bufou, indo apressada até o guarda-roupa. Enquanto isso, apenas continuou calado, a observando. Só desviou o olhar quando percebeu que ela não se importou em avisar que se livraria do tecido verde felpudo para vestir o pijama.
, por sua vez, teve a atenção capturada pela bolsa preta aberta em cima de outras de diferentes tamanhos — que ela reconheceu como as que ele trouxe no primeiro dia de hospedagem — no canto do quarto. As engrenagens de sua mente trabalhavam sem parar e ela mal conseguia formar um raciocínio para enfrentar a conversa que estava por vir.
— Eu pedi alguns dias de reserva ao corretor. Pensei que você não voltaria a tempo, então me ajudou com sua gerente — ele se pronunciou.
Ela colocou a toalha estendida na janela, dando um riso incrédulo.
— Ele é muito bom no que faz. Alguma novidade sobre o processo?
— Conseguiram encontrar o dono, felizmente tá indo tudo bem — respondeu, brincando com os próprios dedos. — , olha pra mim, por favor.
Ela fechou os olhos e abaixou a cabeça, respirando fundo. Dirigiu lentamente os passos para sentar ao lado dele, notando que até mesmo sua postura era cautelosa.
— Eu pensei em usar o dinheiro da indenização pra te recompensar...
— .
— Mas! Eu sei que você não aceitaria. Então pensei em usar para pagar as contas do mês que vem.
Ele a viu congelar todos os movimentos, chegou a questionar se ela ainda estava respirando. Buscou a mão dela em cima da cama e deu um leve aperto, a trazendo de volta num susto. arregalou os olhos, recuando.
— Desculpa. Sinto muito — pediu, incerto.
— Só preciso de um tempo pra entender o que exatamente tá acontecendo aqui.
Ele balançou a cabeça.
— Minhas roupas e meus equipamentos ainda estão ali, minha comida ainda está nos armários...
ofegou.
— Você não colocou muita água nas minhas plantas, né? Poderia ter matado elas...
— Recebi ajuda nisso também, se acalma. — Ele riu. — Tomei todo cuidado do mundo, além de já ter visto como você faz.
O coração de estava batendo tão forte que seu medo não era nem que ele fosse ouvido, mas que pulasse para fora a qualquer momento. Mudou a posição para se encostar na cabeceira da cama, ficando frente a frente, a lateral de sua coxa tocando a dele.
— Passei esses dias pensando no que você queria me falar, não vou mentir — admitiu, mordendo o lábio inferior. Buscou a mão dele e apoiou em seu colo.
— Eu admiro muito a , a gente tem uma amizade muito boa — começou, mantendo o contato visual. — Houve um momento em que eu pensei estar sentindo algo romântico, só que eu não sou muito bom em diferenciar essas coisas, por isso marquei aquele encontro com ela. Mas nesse meio tempo convivendo você, passei a me interessar muito pela personalidade que eu conhecia tão pouco.
Deu uma pausa para respirar, iniciando um carinho nos dedos dela.
— Eu gosto muito como você dá atenção pra cada coisinha que se importa. Lembro do que me falou sobre ambição no primeiro dia e entendi o que quis dizer na prática. É muito óbvio como você conquistou tudo isso com sua própria essência, sendo esse ser humano cativante, prestativo e tão atraente. Não pense que eu não notava a forma como cuidava de mim. É culpa minha estar tão imerso nos meus processos que não pude retribuir da maneira como você merecia.
— Eu nem pensei nisso, sério. Nunca esperei que você agisse da mesma forma que eu.
— Exatamente, mas eu não tava fazendo nem o mínimo. Eu não moro sozinho nessa casa, deveria ao menos ser um pouco mais atencioso. Pensei que tinha aprendido a lição quando tivemos aquela conversa na sala, já que outras vieram depois, mas não. A ficha só caiu quando eu vacilei na frente dos seus pais. Então se minha maior prioridade era conseguir o contato do seu tio, a vontade de te ajudar subiu pro mesmo nível.
Ela assentiu, cobrindo a bochecha dele com sua palma. se inclinou ao toque.
— Quanto mais tempo eu passava com você, mais ciente eu ficava da diferença. Foi assim que eu entendi que não era nada parecido com o que eu sentia por . Eu olhava pra ela e sentia conforto, já que a gente se conhece há um tempo, mas eu olhava pra você e parecia que eu ia explodir. Isso me deixou muito perdido. Fiquei preocupado se você se sentiria confusa no meio daquilo tudo, por isso eu quis esperar a volta... principalmente quando entendi que você me correspondia. Eu sabia que devia recomeçar aqui, no lugar que você me abrigou, e torcer pra que me aceitasse de vez no seu espaço.
pediu que ele se aproximasse até que os dois deitassem abraçados. Deu um beijo na testa e iniciou um cafuné no cabelo bagunçado dele.
— Quer dizer que a gente se gosta igualmente? — perguntou ela, baixinho. Ele sorriu, fazendo que sim. — Então essas contas têm que ser divididas rápido, tão quase vencendo.
Os dois riram.
— Deixa a burocracia pra depois, quero ficar assim com você desde que te vi que nem um coala dormindo com — disse ele, colocando a perna dela sobre seu quadril.
— Naquela noite que você e pareciam pombinhos apaixonados na estufa?
— Seu pai viu demais. A gente concluiu o assunto rapidinho e depois ficamos relembrando uns momentos vergonhosos de um pessoal que a gente conhece. Sabe que eu sou um cara engraçado.
— Nem adianta se aproveitar dos meus sentimentos, eu não sei mentir.
ergueu as sobrancelhas, em seguida a atacou com cócegas, satisfeito com as gargalhadas dela, finalmente curtindo a sensação de estar apaixonado por alguém que sentia o mesmo. estava radiante e não sentia a necessidade de se conter. Quando pararam para recuperar a respiração, as bochechas doendo de tanto rir, passou a distribuir beijos suaves pela extensão do pescoço e da clavícula de .
— Já que a tal reunião foi inventada, eu acredito que a gente vai ter bastante tempo hoje, né?
— Isso, ótimas notícias — respondeu ele, distraído pela boca dela.
— O que significa que eu posso dar um cochilo de oito horas e depois a gente se vê? — perguntou ela, prendendo o riso.
aparentou surpresa, mas sua resposta pegou desprevenida:
— Não era bem o que eu queria, mas acho ótimo, já que você interrompeu meu cochilo de oito horas. — Deu de ombros, saindo de cima dela, que estava incrédula.
— Talvez você deva voltar pro quarto de hóspedes — provocou, observando enquanto ele arrumava o cobertor e os travesseiros.
Ele balançou a cabeça, trazendo para perto e se aconchegando novamente.
— Tá certo, querida, mais tarde a gente conversa. Agora vem cá.
[dias depois]
— Bom dia, flor do dia!
Um recém-acordado estava parado na entrada da cozinha quando o cumprimentou.
— Bom dia. O que aconteceu com nosso combinado?
— Podemos ir ao mercado agora — disse ela, terminando de lavar a louça. — Achei melhor te deixar dormir mais um pouco, sua semana foi cheia.
Ele assentiu e se aproximou, abraçando a namorada por trás. sorriu.
— Obrigado, estava precisando disso.
Ela se virou e retribuiu o abraço, aproveitando para encher seu olfato com o cheiro de sabonete líquido ainda fresco na curva do pescoço dele. Combinaram de lanchar no mercado, pois já estava perto do almoço. No caminho, conversaram sobre a lista de compras, especialmente as exigências de para o jantar no dia seguinte.
— Ele foi promovido, por que é nossa obrigação oferecer o luxo? — reclamou.
— Você tá mesmo surpresa de estar gastando mais do que os outros? — perguntou com ar de riso. — É o , amor.
— Meu apoio moral e todo meu amor de todos esses anos deviam ser suficientes. Mas vou lembrar disso, pode apostar.
deu uma risada, procurando uma vaga no estacionamento.
— Vocês são puro entretenimento. Já disse ao que levaria uma bebida especial para acompanhar isso de plateia.
sorriu e fez um carinho na bochecha dele. Desceu do carro assim que pararam e esperou por para seguirem de mãos dadas.
— Sabe quando vou preparar minha bebida especial? — disse ela, falsamente concentrada na lista de compras. — Semana que vem, quando eu estiver de plateia com seus pais.
parou seus passos de repente, sem reagir quando ela lhe deu um beijo na bochecha e se dirigiu à seção de frutas e legumes.
Fim.
Nota da autora: oi, gente! espero que tenham gostado da experiência de ler a história desses queridos. "o acordo" é meu bebê mais precioso, foi a primeira longfic de comédia romântica que escrevi depois de muito tempo. obrigada a quem chegou até aqui, beijo no coração e muitas flores lindas pro caminho de vocês.
💫
Nota galática da beth: Acompanhei a criação de O Acordo de perto e todo o seu processo, e fiquei muito feliz de ter convencido a namu a trazer essa obra para o Ficverse. Sou apaixonada em todas suas criações e nesses personagens e foi um prazer betá-la e reviver toda a leitura novamente. ❤️🥹
Nota galática da beth: Acompanhei a criação de O Acordo de perto e todo o seu processo, e fiquei muito feliz de ter convencido a namu a trazer essa obra para o Ficverse. Sou apaixonada em todas suas criações e nesses personagens e foi um prazer betá-la e reviver toda a leitura novamente. ❤️🥹
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