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Revisada por: Sagitário

Última Atualização: 6/1/25
Diante de toda correria da cidade de Nova York, com flashes, coleções novas, Fashion Weeks e sonhos — que antes pareciam tão distantes, sendo realizados depois de muito esforço — nunca se imaginou aceitando participar de um dos vários reencontros escolares da Watauga High School, em Boone.
Na verdade, não aceitara. Ela jamais cogitaria aquela possibilidade diante de tantas pessoas que não suportava, mas sua assistente tinha achado de bom tom. Poppy recitou uma desculpa perfeita para que pudesse fazer as malas e passar quatro dias em sua cidade natal, no Memorial Day, para celebrar dez anos de sua formatura. E ela se lembrava de cada palavra enquanto observava a cidade entardecer diante da janela do carro que a levava até a pequena pousada dos Wilcox, onde ficaria hospedada para aquele compromisso tão inadiável.
, você está prestes a lançar sua coleção da linha básica, imagina o quão promissor não serão seus stories quando começar a publicar em Boone sobre como a vida na cidade pequena é maravilhosa e que esses pequenos laços te fazem mais feliz? — Foi como Poppy começou seu convencimento ensaiado. — Você precisa atrair o tipo de público que Boone oferece, e nada melhor do que reencontrar seus antigos amigos para uma publicidade gratuita. Vamos vender horrores!
Era impossível discordar de Poppy sobre aquele assunto. Ela só tinha o cargo de assistente para poder trabalhar o tempo inteiro ao lado de , mas seu salário e seu cérebro genial de marketing faziam a empresa garantir bom sucesso na cidade que nunca dormia.
Então, bastou acreditar que aquilo daria certo, preencher duas malas com toda sua linha nova de roupas para entrar em um avião e voar até a Carolina do Norte. O lugar carregava tantas memórias que era como mergulhar em um sonho cheio de lembranças e pesadelos, que a faziam pensar por dias e se martirizar por tudo aquilo que já tinha vivido. Mesmo que ainda reforçasse o quanto tinha servido para o seu aprendizado e seu amadurecimento.
Existiam assuntos inacabados em Boone que ela não queria ter que enfrentar. Por isso, junto com sua coleção, levou todo seu trabalho para que não passasse a maior parte do tempo olhando para o coreto no meio da praça e mergulhasse em saudades que não a faziam bem. Tinha seus dias planejados e orquestrados, para que não precisasse exercitar a mente de maneira forçada, apenas continuasse na rotina comum que já estava acostumada e bem adaptada.
Quando o taxista parou em frente a pousada, ignorou a quantidade de pessoas que caminhavam pela rua central e os rostos conhecidos que começavam a aparecer em sua frente, evitando assim, que seu coração iniciasse o ardiloso trabalho de bater descompensado quando algo saía de seu controle. O motorista ajudou a mulher a retirar as bagagens do porta malas e as levou até a pequena recepção, onde o casal Wilcox já a aguardava.
, Boone sentiu sua falta! — A mulher saiu atrás do balcão para cumprimenta-lá com um abraço maternal.
Lola Wilcox não tinha mudado absolutamente nada — ainda era a mesma mulher rechonchuda e com cheiro de biscoito de manteiga de quem se lembrava, com seus cabelos presos em um coque perfeito e seus olhos enrugados por trás de uma armação transparente. Ela era a personificação perfeita de uma tia querida que vivia distante e só se encontrava no Natal, mas na verdade, para , só se encontravam depois de 10 anos.
— Senhora Wilcox, é bom vê-la novamente. — devolveu o abraço, respirando fundo antes que despencasse em lágrimas e ansiedade.
— Estamos sempre te acompanhando pela internet! — Josh Wilcox anunciou, também se aproximando de de forma pacífica e memorável. — Você virou um sucesso na cidade grande, pequena . Seus pais devem estar orgulhosos.
— Espero que sim. — sorriu de forma triste e cumprimentou o senhor Wilcox. — Fico feliz que tenham conseguido um espaço para mim de última hora. O movimento deve estar enorme com os ex-alunos.
— Você nem imagina, querida. Mas conseguimos te alocar no quarto ao lado de Victoria!
— Ela vem? Vic tinha me dito que não viria!
— Ops, acho que posso ter estragado uma surpresa. — Josh riu, se voltando para o caderno de hóspedes que ficava sobre o balcão, que era mais moderno, mas jamais substituído por um computador. — Assine aqui, querida, e vou chamar Ken para subir suas malas.
assim o fez, ainda pensando em como Victoria tinha sido clara na semana anterior de que não conseguiria deixar a agência de viagens sem sua presença para comparecer ao encontro anual de ex-alunos em Boone. Além do mais, Oliver, seu marido, estaria na Austrália por todo o mês e eles eram o tipo de casal que só viajava sem a presença um do outro se fosse pelo trabalho. O que muito provavelmente era o que acontecia com Oliver.
Seria bom ter uma companhia como Vic naqueles dias. Ela era a única pessoa com quem mantinha contato depois da escola e a fazia não se sentir uma intrusa no meio de tanta gente conhecida, mas que ela não fazia mais ideia de como era.
Ken, o sobrinho dos Wilcox, carregou as duas malas de por dois lances de escada e a deixou na porta do quarto em que a mulher ficaria. Lola pediu para que tomasse um chá com ela mais tarde, para que pudessem conversar e colocar o papo em dia, mas primeiro mandou a mulher tomar um banho e descansar, afinal sabia que seria um feriado prolongado e cansativo.
A pousada era tão acolhedora que fazia a mulher se recordar de toda sua adolescência ali, do tempo em que trabalhava na época do festival de cidra, no outono, quando as folhas das árvores mudavam de cor e faziam turistas curiosos visitarem a cidade. Era um emprego temporário, mas que a ajudou a guardar dinheiro para a faculdade, já que seus avós estavam em uma idade avançada e seus pais se foram cedo demais para deixá-la uma poupança.
— Quem diria que retornaria a Boone! — a voz de Victoria tirou do transe enquanto a mesma analisava o quarto que ficaria.
O cheiro de pinus invadindo o ambiente, a roupa de cama florida que era marca registrada dos Wilcox, o chão de madeira lustrado e reluzente, o armário restaurado e as flores frescas sobre a mesinha de cabeceira. Nada elaborado de forma atual, mas tão aconchegante que a fazia se sentir em casa.
— Por que não me contou que viria? — perguntou a amiga, se aproximando para abraçá-la.
— Porque acabei resolvendo tudo ontem em cima da hora, então aproveitei para fazer uma surpresa e aliviar seu estresse. — Vic riu, ajudando a mulher a colocar as duas malas para dentro do quarto.
— Agradeço por isso, estava quase entrando em pânico ao me imaginar sozinha no meio de toda aquela gente. — Os braços de se arrepiaram apenas de deixar sua mente vagar por aquela possibilidade, trazendo-a a sensação de que deveria ter investido em outra forma de publicidade.
— Você vai tirar isso de letra, olha como está agora! Gata, rica e famosa.
— Vic, isso não apaga o passado.
— Eu sei que não, mas ajuda a relevar. — Vic deu de ombros, se sentando sobre a cama.
— Como está o Oliver?
— Bem, trabalhando mais que o necessário. — A revirada de olhos de Vic acendeu um alerta na mente de .
— Isso começou a ser um problema? — perguntou, largando a vontade de organizar as roupas nos cabides para se sentar ao lado da amiga.
— Mais ou menos. Ele precisa fazer contatos para o novo projeto, mas não me comunicou que custaria três semanas por mês, o que acaba nos dando apenas uma semana para ficarmos juntos e a agência está bombando, mal consigo ter um tempo para tirar férias. Os planos de engravidar, então… ficaram para trás.
— Sinto muito, Vic. Sei que é chato, mas Oliver está correndo atrás do sonho dele, às vezes precisamos abdicar de algumas coisas por isso.
— Eu sei, mas ainda sinto falta dele.
— Um feriado de garotas depois de três meses sem nos vermos vai te ajudar a esquecer isso por uns dias. — piscou um dos olhos, arrancando um sorriso de Vic. — Você chegou cedo?
— Logo depois do almoço. Já encontrei Rich, Valerie e Jack por aí. Estão marcando de ir até o Paul`s para uma cerveja hoje à noite.
— Legal. — se ergueu da cama e voltou até sua mala para enfim organizar suas roupas. Precisava de um banho e talvez um cochilo para tentar renovar suas energias.
— O que acha de irmos? Podemos nos divertir, beber e recordar os velhos tempos com petiscos de queijo.
— Eu preciso dormir cedo, trabalhei no lançamento da nova coleção antes de vir e mal dormi na noite passada. Mas acho que você deveria ir!
— Não vai conseguir fugir das pessoas em Boone, .
— Mas não estou fugindo. Só preciso mesmo descansar.
— Passo mais tarde aqui para ver como estará seu humor, então. Preciso da sua companhia para me sentir em casa novamente. — Vic piscou os olhos de forma pidona e se afastou até a porta para deixar a sós. — Pelo que andei sabendo, Cole não está na cidade.
Um misto de sensações ultrapassou o peito de e ela se sentiu na escola novamente. Vic saiu do quarto sem ver a expressão da amiga, o que foi ótimo, já que seus olhos tinham se arregalado e sua respiração falhou por míseros segundos. Não queria admitir em voz alta que estava fugindo da presença de , mas era bom que Vic soubesse disso sem nenhuma comunicação.
Sabia que no dia seguinte seria impossível não o ver. Ele tinha confirmado presença e ela sabia. Ela viu na lista. Ele foi a quinta pessoa a confirmar. Isso martelava em sua cabeça desde o momento em que saiu de Nova York e embarcou para Boone. Torceu para não o encontrar nas ruas, rezou para que ele não estivesse na pousada e agradeceu ao saber que não estava na cidade.
Era um problema a menos para um dia. No dia seguinte pensaria nas outras possibilidades. Precisava viver um dia de cada vez. E naquele estava na hora de tomar um banho, trocar de roupa e tomar um chá com Lola Wilcox, já que Vic tinha feito questão de fazer com que a vontade de dormir de fosse para o espaço.
Os banheiros da pousada eram coletivos e ficavam um por andar, totalizando três chuveiros. Não era o mais confortável se levado em consideração que, por conta do feriado e do reencontro, a cidade estava lotada, mas o fato de Lola sempre manter ramos de eucalipto dentro do box a fazia esquecer todos os perrengues que precisaria passar para estar ali. Isso era algo que tinha levado de herança em todas as suas casas desde que fora para Nova York.
Sua última arquiteta aderiu o eucalipto para a própria casa depois de decorar o apartamento de . Não tinha nada igual ao cheiro fresco de quando o vapor se misturava com as folhas e limpava toda a via respiratória, além de potencializar o sabonete líquido do mesmo cheiro. Era renovador.
Com os cabelos ainda molhados, apenas colocou seu vestido da nova coleção, fresco e leve, junto com um cardigã da mesma cor e calçou as sapatilhas antes de descer para a recepção novamente. O sol já tinha se posto completamente e todas as luzes da pousada já estavam acesas, deixando todos os ambientes iluminados e confortáveis. A mulher seguiu até a sala que ficava ao lado da recepção, com alguns sofás e mesinhas dispostos para que pudessem sentar-se juntos ou afastados.
Lola já estava ali, servindo chá em duas xícaras enquanto biscoitos de manteiga vaporizavam sobre a mesa mais alta no meio de duas poltronas. Era como se ela tivesse certeza que viria e na verdade, ela estava certa. Com um pequeno sorriso no rosto, Mae se aproximou da senhora, sentando-se em uma das poltronas.
— Biscoitos e chá, é como se nada tivesse mudado — ela comentou, observando a senhora Wilcox se sentar na outra poltrona.
— A verdade é que muita coisa mudou, querida — Lola falou, pegando sua xícara para bebericar o chá de maçã, especialidade da casa.
— Sem dúvida. Como estão as coisas aqui na pousada? — fez o mesmo.
— Estão como sempre. Meses muito movimentados, meses muito parados. Mas já estamos acostumados com isso há muito tempo. Depois que Ken veio trabalhar conosco, ele tem movimentado um pouco as redes sociais, mas ainda assim, Boone não é muito atrativo para os turistas.
— E os festivais da cidra?
— Ah, esses são sempre uma maravilha. No ano passado lotamos!
— Isso é ótimo.
— E como está sua vida, ? Faz tanto tempo desde a última vez que nos vimos.
— Já fazem seis anos, nos vimos no enterro da vovó. — A mulher sorriu de forma triste. — Mas as coisas estão indo muito bem, minha marca decolou em Nova York e agora tenho clientes do mundo inteiro. Mal tenho tempo de respirar entre uma coleção e outra.
— Que maravilha, . Realizar nossos sonhos são as melhores coisas da vida. Fico muito feliz de te ver conquistando o que sempre quis. Me lembro de quando era só uma menina e implorou para Josh consertar a máquina de costura da sua avó, desde então estava sempre com uma roupa nova que tinha criado com os panos que encontrava.
— Dona Ruth sempre me dava os retalhos que sobravam na confecção. — riu, se recordando de como era um dia feliz cada vez que passava na confecção de Ruth Mallorca e ela aparecia com sacolas lotadas de tecidos. — A filha dela vendeu a fábrica? Lembro de ela ter entrado em contato com minha assistente para ver se eu não tinha interesse.
— Ela conseguiu vender, mas fecharam. Construíram um mercado de rede no lugar. Foi bom para os moradores, mas péssimo para os negócios locais.
— Que pena.
— Voltar para Boone nunca foi uma opção para você, não é?
A pergunta de Lola fez suspirar. Sabia que a senhora não a estava julgando por isso, mas tinha uma pontada de remorso sobre o assunto.
— As únicas coisas que me prendiam aqui já não estão mais entre nós. Comprar a fábrica significava abdicar das coisas que estava construindo na metrópole e… bem, a senhora sabe, Boone não foi um bom lugar para mim.
— Pessoas ruins não moldam toda uma cidade, .
— Eu sei que não, mas modificam todo um conceito de pensamentos que te assombram só de imaginar.
— Entendo. Sua história já estava escrita em Nova York, de qualquer forma. — Lola deu uma risadinha tentando descontrair o assunto. — Todos achavam que você voltaria um dia, mas se passaram dez anos e sua vida mudou completamente.
— Um dia, pensei que voltaria também, mas não existem mais motivos.
— Ainda me impressiono com como as coisas mudam tão rápido. Em um dia, você planejava ir para a universidade, voltar para Boone e se casar no topo da colina, mas no outro, você se formou e se consolidou em uma cidade distante.
engoliu em seco e finalizou o chá, ficando em silêncio por alguns segundos. Seus planos da época do ensino médio não eram segredo para ninguém. Ela sempre quis estudar moda e criar sua própria marca, mas antes de Nova York lhe enviar uma carta, ela queria fazer aquilo tudo na Carolina do Norte. Ela tinha motivos, pessoas e justificativas para tal.
Mas, realmente, as coisas mudavam em um piscar de olhos e todos os seus sonhos foram por água abaixo depois de um simples SMS. Uma única mensagem de texto que fez seu coração se quebrar em vários pedaços e reafirmar que nunca mais seria a mesma garota que havia deixado para trás em sua cidade natal.
— Infelizmente, a vida coloca empecilhos no nosso caminho.
— Eu acredito que precisava ser assim, mesmo que torcesse muito para vocês dois darem certo. Quem sabe vocês não conversem amanhã? É sempre bom para o coração resolver todas as pendências, mesmo que elas tenham sido há anos.
— Lola, não acho que tenha alguma pendência no caminho. — tentou rir, para demonstrar que não estava incomodada com o assunto. — Estou bem onde estou, minha vida está como eu sempre quis.
— Eu sei que sim. Mas existem assuntos que nosso coração precisa acalmar.
sabia que poderia ser verdade, mas não via necessidade alguma de conversarem sobre aquilo. Algo do passado deveria continuar no mesmo lugar, para que não causassem mais cicatrizes e sofrimentos. E ela não seria a pessoa responsável por mexer naquilo, não depois de todo choro, depois de toda vergonha e de toda saudade que sentiu e que ainda sentia.
Ela era melhor que qualquer sentimento que passasse por seu peito em relação àquela única pessoa, e era isso que afirmava para si desde que saiu de Boone. Culpava-o por muitas coisas, principalmente por nunca ter conseguido consolidar um relacionamento de verdade, desconfiando e sendo grosseira sem a menor necessidade, mas jamais admitiria em voz alta. Suas respostas eram sempre sobre o trabalho e como não tinha tempo para nada além de desenhar e criar.
— Ei, aí está você. — Vic surgiu em frente as mulheres, usando uma roupa da última coleção de , produzida dos pés à cabeça para o que seria apenas uma noite bebendo cervejas.
— Você está linda, Victoria — Lola elogiou.
— Obrigada, senhora Wilcox, achei que era apropriado, para causar uma boa impressão. — Vic riu, mas seu sorriso logo se transformou em uma careta quando recebeu uma ligação em seu celular. — É o Oliver, espero que você esteja pronta quando eu terminar aqui — ela deu um aviso para , se retirando para atender o marido.
— Paul deve estar ansioso para receber vocês novamente lá.
— Ah, eu não vou. Preciso terminar alguns esboços e dormir.
, faz quanto tempo que não sai com seus amigos?
— Bom, a última vez foi na semana passada. Passamos a noite em um bar de hotel na Times Square e, juro, não me divertia daquela forma há muito tempo.
— Não falo sobre seus novos amigos. Falo sobre aqueles que ficaram para trás, com quem você cresceu junto e que estão aqui só por um final de semana, para celebrarem os anos que passaram em Boone e a forma como se divertiam na escola.
— Ninguém é mais aquelas pessoas, Lola.
— E isso é ótimo. Todos crescem, evoluem e mudam de opinião. Dê mais uma chance para Boone, querida, tenho certeza que ainda pode se surpreender. Você é jovem, se afundar somente no trabalho não vai te dar memórias. — Lola piscou um dos olhos antes de se levantar da poltrona. — Preciso verificar a sopa de legumes, mas estou feliz por estar aqui, .
— Obrigada. — A mais nova sorriu, deixando a fala da mulher atravessar sua mente e a perturbar por alguns minutos.
Talvez fosse óbvia a mudança de todas aquelas pessoas que ficaram para trás. Todo mundo evoluía e se transformava no que um dia fora apenas especulação. Mas era uma pessoa descrente de mudanças bruscas, por mais que sua vida fosse um exemplo perfeito de como seus sonhos podem te trazer para uma realidade diferente.
Ela sabia que todos estariam com novos assuntos, trabalhos legais e até mesmo famílias presentes. Dez anos era muita coisa, e mesmo que a cidade continuasse igual, tudo o que a rodeava tinha mudado. A mente de era uma dessas coisas: depois de passar tanto tempo pensando no ‘e se’, ela aceitara que nem tudo era como o planejado. Mesmo que doesse.
Com uma determinação desconhecida, ela voltou até o próprio quarto e se espelhou na amiga para colocar uma roupa bonita. Daria uma chance para aproveitar aquele final de semana, mesmo que da sua forma pacífica e solitária. Salto alto daria a ela confiança o suficiente para encarar qualquer desafio, misturado com a calça jeans da nova coleção, um corset realçando o colo e um blazer solto para complementar o look.
Era o combo perfeito para que ela conseguisse se sentir bem consigo mesma para ir em qualquer lugar. Tudo assinado por & CO, garantindo ainda mais sua autoestima.
Uma foto para as redes sociais antes de sair e o celular bloqueado para não bombardear de notificações, tudo organizado tão rapidamente em sua mente que parecia ter sido milimetricamente calculado por dias. Mas o planejamento era diferente e se resumia em ficar na pousada todo o tempo que pudesse.
— Juro, eu preciso de uma calça dessa! — Vic adentrou o quarto, com o humor modificado rapidamente depois da ligação.
— Eu mando uma para você na semana que vem. Está tudo bem?
— Mais ou menos. — A mulher suspirou, saindo do quarto quando a seguiu. — Estamos brigando muito.
— Motivos plausíveis?
— Nem sei mais. Está tudo confuso. É como se encontrássemos motivos para brigar todos os dias.
— Vocês estão desgastados.
— Extremamente. Nunca me imaginei assim aos 28 anos.
— Relacionamentos são complicados, Vic. — concordou, saindo da pousada ao lado da amiga e ignorando o coração acelerado por voltar a andar naquelas ruas. — Nem sempre vão estar alinhados em suas decisões.
— Ele quer que eu venda a agência.
— E por que isso agora é um problema para você? Nunca quis assumir…
— Eu sei, mas é como se somente eu estivesse o apoiando, enquanto ele me coloca para baixo nas minhas decisões.
precisou pensar por um momento. Não era especialista em relacionamentos, o único que tivera durou tempo demais e teve confiança de menos. Fazia muito tempo que não precisava dividir suas frustrações ou compartilhar seus sonhos, então não tinha certeza se era uma boa pessoa para aconselhar sua amiga. O único casamento que acompanhou de perto foi o dos seus avós, e foi através deles que conheceu o verdadeiro amor.
A noite estrelada de Boone dava uma sensação angustiante no peito de , enquanto as calçadas pareciam iguais e não reformadas, a levando diretamente para o tempo que caminhava entre elas todos os dias. Era como um flashback realista, ambas de braços dados se aventurando através dos buracos e árvores antigas, a única coisa diferença eram suas idades e vestimentas. Antes elas costumavam usar vestidos leves e tênis, como duas adolescentes do interior.
— Você precisa pensar no quanto isso te afeta de verdade ou não — comentou, notando a porta de entrada do Paul`s enquanto alguns adultos não tão desconhecidos passavam por ali. — Assumiu a agência da sua família porque sua mãe ficou doente, mas sempre quis advogar em Boston. Como ficou esse sonho? Será que Oliver não quer que você fique realizada também?
— Eu precisei abdicar desse sonho, , você sabe.
— Eu sei, mas você tem pessoas competentes te ajudando na agência, por que não pode viver os dois?
— Acho que não faz mais sentido.
— Por quê? — insistiu.
— Não sei te responder.
— Certo, então vamos tomar uma cerveja e quando você souber, você me fala.
Victoria apenas concordou, um pequeno sorriso inundando seus lábios finos. O barulho de conversas aleatórias e abafadas as fez encararem o bar de forma diferente. Victoria criou uma expectativa em suas írises, com ânimo rondando e ansiedade em viver aquele momento claramente exalando por seus poros.
, por sua vez, precisou respirar fundo para tentar controlar as batidas descompassadas do seu coração. Queria ter a certeza de que daria tudo certo como sempre fora, mas encontrar pessoas antigas que viveram uma parte de sua vida que não gostava de se recordar era como esfregar em sua cara o quanto seu passado a magoara e em como tinha razão em seguir sua carreira em Nova York sem olhar para trás.
Mas precisava relaxar. Era para isso que estava ali, tentar descansar sem estresse de cidade grande.
— Eu acho que estou vendo uma miragem! — Rich brincou assim que viu as duas mulheres adentrarem o bar.
, meu Deus! — Valerie saiu da cadeira em que estava e se aproximou rapidamente dela, lhe abraçando apertado como se estivesse há anos sem vê-la.
O que realmente era verdade, mas não imaginava que seria recebida assim.
— Como você está? Faz muito tempo!
— Dez anos. — Mae riu, sentindo um alívio imenso no peito com aquela recepção. — Mas estou bem, e você? Como estão as coisas?
— Ah, você sabe. Trabalho e mais trabalho. — Valerie a guiou até a mesa onde Rich e Jack já estavam sentados, conversando com Victoria.
— Olá. — cumprimentou os dois homens e se sentou na cadeira vaga ao lado de Jack.
— Quem diria que nos daria a honra da sua presença — Jack falou, chamando Paul para servir mais duas cervejas para as recém chegadas.
— Estou me sentindo uma celebridade, parem com isso — ela pediu, rindo.
— Você é uma! — Valerie comentou.
— Não aqui — respondeu como um pedido. Por mais que amasse ser a dona da & CO em Nova York, em Boone ela queria ser apenas a , neta de Frederico e Kiara.
— É bom te ter aqui. — Rich sorriu para ela do outro lado da mesa.
— Me contem sobre a vida de vocês, o que estão fazendo?
Foi ótimo ter feito aquela pergunta. Jack começou contando sobre seu trabalho como bombeiro em Charlotte e como aquilo tinha expandido sua lista de pretendentes toda semana, fazendo Valerie se intrometer no assunto e discutir em como estava cansada de atender ligações emergenciais que nem eram emergências de verdade na mesma corporação.
Mas Valerie fazia aquilo no tempo livre, porque era enfermeira em Charlotte também e tinha uma escala bem apertada no hospital. Salvar vidas sempre foi o desejo dela e era incrível como fazia com maestria, ainda participando de ouvidorias de suporte psicológico nos fins de semana. Era um exemplo a ser seguido, sempre fora.
Ambos estavam no emprego dos sonhos e moravam perto de Boone, participando ativamente da cidade e auxiliando sempre nos festivais da cidra. Na época do colégio eles tentaram ficar juntos, porque tinham muito em comum, mas nunca passou de apenas beijos depois de uma festa regada a cerveja. Por mais que fossem muito parecidos, ainda eram muito diferentes e tinham objetivos distintos.
Victoria ficou em silêncio enquanto deixava a amiga se atualizar da vida dos outros, mas tinha certeza de que era porque ela estava pensando naquilo que conversaram antes de chegar. Vic não era uma mulher que costumava ficar quieta por muito tempo, somente quando algo a incomodava profundamente.
Rich era o único deles que morava na cidade. Tinha ido para a faculdade jogar hóquei, mas seu irmão precisou de ajuda na mecânica e ele se viu obrigado a voltar quando teve uma sobrinha. Por mais que não estivesse realizando um sonho, era nítido o quanto ele estava feliz ali e fazia valer a pena aquela rotina exaustiva e repetitiva.
Eles continuavam as mesmas pessoas, só que mais velhos e com mais experiência e assuntos para conversarem. Era como voltar no tempo realmente. agradecia por eles não terem a tratado com indiferença depois de tantos anos e sentiu como se as coisas entre eles nunca tivessem mudado.
Lembrava-se da época da escola, quando eram um pequeno grupo com diversas classes. Valerie era a nerd do jornal da escola, Rich o jogador popular, Victoria a líder de torcida, Jack o esquisito que ouvia rock e a presidente do gremio estudantil. Até hoje era uma incógnita de como eles se davam bem e mantinham uma amizade, mas com toda a diferença que carregaram, nunca tiveram problemas.
estava sentindo tanto que voltava no tempo com aquela noite que seu coração sentiu o mesmo quando olhou para a porta e três homens adentraram o espaço do bar, conversando e rindo como nos velhos tempos. Seu sorriso sumiu do rosto depois de uma piada de Rich e era possível ouvir o ritmo frequente do seu coração, tamanha força que ele fazia contra sua parede torácica.
Tudo ao redor pareceu sumir e sua respiração fracassou ao notar como ele parecia igual. Existiam diferenças palpáveis, como seus braços estarem apertados dentro da blusa de frio, evidenciando o quanto seus músculos cresceram naqueles anos, a calça social escura que ele nunca cogitaria usar se não fosse um casamento e seus cabelos, que antes viviam bagunçados, agora estavam com fios curtos e penteados para trás, mas nada daquilo foi capaz de fazer o enxergar de outra forma.
Era um homem de negócios, mas sua aura parecia a mesma daquele garoto de dezoito anos que queria ser piloto de avião. Nico e Greg o acompanhavam na direção do balcão e eles também não tinham mudado muita coisa, apenas pareciam mais homens, mas não era como se estivesse reparando corretamente.
Ainda não conseguia desviar os olhos dele.
estava ali, em carne e osso. Não estava fora da cidade como Victoria havia falado mais cedo, pelo contrário, estava no Paul’s, com seus amigos da escola e o estava vendo depois de 10 longos anos.
— Victoria a chamou, notando como ela ainda não havia parado de seguir com os olhos.
— Eu… — ela respirou fundo, tentando, inutilmente, controlar seu coração idiota. — Eu preciso ir.
— Não, . Fica — Valerie pediu, mesmo sabendo que seria em vão.
— Não dá, desculpa gente. Eu vejo vocês amanhã, tudo bem? Foi ótimo revê-los. — Ela deixou uma nota em cima da mesa para pagar sua única cerveja e se apressou em sair dali.
Pouco se importava com o que iriam pensar dela. Ainda era difícil respirar no mesmo ambiente que , ainda era insuportável pro seu coração estar na presença dele. Ela revivia tudo em sua mente com frequência, e tê-lo tão próximo parecia com ignorar os últimos dez anos e só relembrar o tempo que tinha aos dezoito anos. E isso não era bom para sua saúde mental.
Ela só precisava caminhar com calma e chegar à pousada sem ser vista. Tudo o que queria era se jogar na cama e assistir uma série aleatória até pegar no sono para que sua mente parasse por alguns segundos e não ficasse criando mil e uma situações que jamais aconteceriam. O ‘e se’ sempre fora um problema para sua mente conturbada.
? — Aquela voz soou atrás de si.
Aquela maldita voz.
Foi um teste para o seu coração ouvi-lo. Se antes já batia rápido, naquele momento corria uma maratona e deixava sem ar. Ela estagnou os pés no chão, descrente que ele tinha a visto e ainda tinha vindo atrás dela. Não era possível.
Era apenas um sonho. Um dos mais variados que tinha.
Com muita relutância ela girou o corpo, engolindo em seco ao perceber que estava mesmo ali a encarando. Ele tinha uma ruga na testa, em perfeito sinal de confusão e seus olhos revelaram a surpresa ao confirmar que ela estava ali em Boone.
— Oi — ela falou, forçando sua voz.
Como poderia reagir assim perto dele? Não tinha mais 18 anos e estavam terminados há muito tempo. Não era possível que seu corpo não conseguisse deixar de sentir o toque da mão dele e a respiração quente sobre o seu rosto, exatamente como no passado quando, na realidade, ele estava há uns bons metros de distância.
Como poderia ainda ser sua fraqueza depois de tudo?
— Você… Caramba, quanto tempo. — Ele pareceu se atrapalhar com as palavras e, negando com a cabeça, se aproximou um pouco mais.
— Pois é — concordou, firmando seus pés sobre os saltos ignorando a dor que o alastrava por fazer tanta força. — Me falaram que não estava na cidade. — As palavras saíram no automático, relembrando-a de como não queria vê-lo.
— Foi por isso que veio? — riu, achando graça do rosto espantado da mulher.
— Não. Claro que não — ela tratou de negar. — Eu só não esperava encontrar você aqui. Vim para o reencontro anual de Watauga.
— Eu vi seu nome na lista. Jamais imaginei que viria de verdade agora que…
— Que…? — insistiu.
— Que é tão renomada em Nova York. — coçou a nuca e, mais uma vez, deu alguns passos para se aproximar.
— Aproveitei a viagem para fazer publicidade da minha nova coleção. — foi sincera, querendo deixar claro todas as suas intenções na cidade, mesmo que seu coração estivesse enlouquecendo dentro do peito.
— Trabalho, claro.
— Não existiria outro motivo para voltar.
— Entendo. Não quer entrar e tomar uma cerveja comigo? Podemos conversar sobre como está sua vida.
— Não dá. Obrigada. Fica para uma próxima — Ela não explicou como gostaria, mas sabia que controlar a língua era uma ótima opção por estar tão perto de novamente, ou então falaria pelos cotovelos e talvez até o que não devesse. — Preciso voltar para a pousada, foi bom te ver. Até amanhã. — se apressou em se despedir, dando pequenos passos para trás para se afastar daquele perfume amadeirado que não era costumeiro do que conhecia.
Tantas coisas estavam diferentes.
O modo dele agir, se vestir e falar. era um homem à sua frente e realmente tinha cara de empresário, mas também estava tenso e talvez até confuso, mas não a fazia se recordar do antigo.
Imaginou aquele encontro tantas vezes, de diversas formas com variados diálogos. Nenhum deles tinha sido como estava acontecendo. Na grande maioria ela dava de dedo na cara dele e falava tudo o que tinha aguentado e engolido durante anos. Mas, além da vida ser uma caixinha de surpresa, também não via mais motivos para tal.
Dez anos era muita coisa. Nem todo mundo guardava mágoa por tanto tempo, às vezes, nem lembrava mais do porque tinham terminado. Não existiam motivos para que ela vasculhasse suas lembranças, era melhor continuar daquela forma, cada um seguindo sua vida como ditava o plano.
— Certo, tudo bem. Nos vemos amanhã — ele concordou, acenando enquanto se afastava.
Seus passos foram apressados na direção da pousada. Sua respiração e seu coração já tinham sido ignorados há muito tempo, porque nenhum deles descansou desde que vira adentrando o Paul’s. Naquele momento, então, não existiam nem comparações plausíveis para que ela pudesse explicar o que estava sentindo.
Eram tantos mistos dentro da sua mente. Algo a fazia acreditar que estava conhecendo um novo , que era um homem diferente em sua frente e que não havia um passado distante em sua relação. Mas também a fazia recordar de tudo o que viveu em Boone ao lado daquele garoto. As caminhadas noturnas, os piqueniques no coreto, os passeios no lago e todas as atrações que Boone oferecia para jovens apaixonados.
Quando se aproximou da pousada, olhou para trás como de costume e seu peito se afundou ao se dar conta de que ainda estava lá, parado em frente ao bar, com as duas mãos no bolso, aguardando ela ficar em segurança para então fazer o que estivesse planejando. Um soco na boca do estômago doeria muito menos, ainda mais quando aquela cena a fez se recordar da primeira vez que interagiram.

— Vic, por favor, não me deixe cair — pediu, subindo os degraus da escada bamba para pendurar a última lua de isopor que os alunos do último ano fizeram.
— O diretor deveria comprar materiais seguros para esse tipo de coisa. Fala sério, você decora a escola em cima de uma escada precária!
— Ele disse que para o próximo evento já vai ter providenciado. — revirou os olhos, amarrando o nylon da lua no pequeno gancho preso ao teto. — Mas tudo bem, o próximo é só daqui há dois meses.
— Pouco me surpreende você ter sido eleita presidente no primeiro ano, olha a dedicação que você tem com uma coisa tão boba. — Victoria ajudou a amiga a descer, forçando a escada para fechá-la quando já estava segura no chão.
— Primeiro, eu não acho isso bobo. Participamos da noite das estrelas desde que tínhamos oito anos. Segundo, fui eleita presidente do grêmio porque tive ótimas propostas e muitos eleitores irritados com a gestão passada. — Mae deu de ombros, ajudando a amiga a tentar fechar aquela escada de madeira que mais parecia feita de pedra naquele momento.
— Não sei como minha reputação não fica lá embaixo com você sendo minha melhor amiga.
— É porque eu sou ótima e todo mundo me adora — brincou, sabendo que na verdade aquilo não era ao todo uma mentira. — Mas que droga de escada!
— Ei, precisam de ajuda? — Uma voz masculina se fez presente no corredor e ambas as garotas tomaram um susto, soltando gritinhos agudos ao mesmo momento.
— Caramba, garoto! — Mae reclamou, a mão no peito.
— Desculpa! — ele ergueu as mãos, rindo ao se aproximar. — Vi vocês machucando a pobre escada.
— A pobre escada não quer fechar. — Vic revirou os olhos, deixando-o segurar o objeto. — O que faz esse horário na escola, ?
— O professor de física me pediu para ajudar um garoto no reforço — ele explicou, forçando os pés da escada e a fechando como se não estivesse emperrada há alguns segundos. — E vocês? Decorando?
— É, para a noite das estrelas — respondeu, notando que reconhecia aquele rosto dos jogos da escola.
— Agora que está te ajudando com o mais pesado, será que posso ir? — Victoria olhou para a amiga, batendo os cílios como uma boa chantagista. — Estou atrasada para o jantar em família.
— Tudo bem, eu já acabei. — Mae deu de ombros, abrindo a porta da despensa para que pudesse guardar a escada. — Te vejo amanhã.
— Até amanhã! — Vic acenou, saindo depressa pelo corredor na direção do estacionamento.
— Obrigada pela ajuda — falou, voltando a trancar a pequena sala depois que já estava ao seu lado novamente.
— Não tem de quê. — lhe deu um sorriso de tirar o fôlego.
Ela sabia que o conhecia da escola e de todas as vezes que o mesmo fora até a pousada dos Wilcox para jantar, mas nunca tinha parado para observar o garoto tão de perto. A jaqueta do time de hóquei sobre o corpo lhe dava um ar de mais velho, junto com o cabelo bagunçado e os olhos escuros tão firmes.
— Eu vou indo então. — A garota se afastou alguns passos, engolindo em seco e desviando o olhar antes que ele percebesse que estava o admirando por mais tempo que o necessário.
— Quer uma carona? — ele perguntou, indicando o lado de fora com a cabeça. — Não tenho carro, mas posso te fazer companhia até sua casa.
— Não precisa, eu moro perto, tudo sob controle.
— Está de noite, melhor não arriscar. E aposto que sua casa é o caminho da minha. — Ele deu de ombros caminhando para ficar ao lado de .
— Tudo bem. — Ela riu, sentindo as bochechas corarem com o gesto tão pequeno, mas tão notável.
Agradeceu por estar escuro do lado de fora e não reparar. Ela trancou a porta principal e a enfiou a chave no bolso do moletom, andando ao lado do garoto para a direção de onde ficava a casa dos seus avós.
— E então, você dá aulas de reforço? — perguntou, curiosa.
— De vez em quando. Tenho facilidade com a matéria e o centro de tutoria está sem um tutor principal, então o professor Knight me pediu ajuda com alguns alunos em específico.
— Mas você não está no primeiro ano?
— Sim, qual o problema?
— Nenhum, só achei que alunos do primeiro ano não pudessem tutorar.
— Pela lógica, não podem. Mas eu sou bom em física.
— Devo admitir que estou impressionada.
— Por quê? — uma ruga de confusão se formou na testa de e achou uma graça.
— Atletas serem bons em física é quase como nerds serem bons em esportes — ela foi sincera, rindo baixinho com a cara de surpresa que ele fez.
— Você mal me conhece e está me rotulando, não achei que presidentes do grêmio estudantil julgavam as pessoas — ele brincou, olhando para os dois lados antes de atravessarem a rua principal da cidade.
— Presidentes do grêmio fazem muitas coisas. — riu, virando a esquina na pousada dos Wilcox.
— Meu pai é construtor civil, mexo com física e matemática desde que me conheço por gente — explicou, acenando para o senhor Hector que ficava sempre parado em frente à padaria quando anoitecia.
— Faz sentido.
— E você?
— Eu o quê?
— No que é boa?
— Se eu te disser que não sou boa em nada que envolva nossas aulas, você acredita? — mordeu o lábio inferior, incerta com aquela revelação.
— Depende. Existe essa possibilidade?
— Não sou ruim nas matérias, mas o que eu gosto de fazer não tem nada a ver com física ou com literatura.
— E o que você gosta de fazer?
— Costurar, criar…
— Devo admitir que já reparei em como você está sempre com uma roupa diferente de todos da cidade.
A sinceridade de atingiu um ponto que ainda não conhecia do seu corpo, algo como uma pequena cócega em sua barriga. Só não sabia explicar se era pelo comentário sobre a roupa ou por ele notar ela na escola, enquanto ela não dava muita bola para a presença dele.
— Dona Ruth me dá vários retalhos da fábrica e eu sempre tenho roupa nova. — Ela sorriu, lembrando que no dia seguinte precisava ir até a confecção para pegar a nova sacola de tecidos.
— Isso significa que você é sim boa em algo.
— Mas não como imaginam que eu sou.
— A opinião das pessoas pouco importa.
concordou com a cabeça, sem saber como responder à . Estavam tendo uma conversa bem pessoal para uma primeira vez de trocas, mas ela se sentia à vontade o suficiente para aquilo, assim como se sentiu confortável em ficar em silêncio, o que era uma grande novidade para quando estava perto de alguém.
Ela avistou a casa dos avós se aproximando e naquele momento desejou que eles morassem um pouco mais longe, só para que pudessem ter mais um tempo de conversa, para que a conhecesse melhor e para que ela soubesse quem ele era além do jogador de hóquei bom em física.
— Meus avós moram aqui. — Ela apontou para a casa de tijolos a vista, que tinha uma enorme varanda com duas cadeiras de balanço de onde seus avós estavam observando o movimento da rua, enquanto o cachorro do vizinho corria pela grama do jardim.
— Está entregue, então. — sorriu, guardando as duas mãos no bolso.
— Obrigada, .
— Nos vemos amanhã.
sorriu de volta e acenou, dando passos na direção do caminho de cimento que levava até a pequena escada de acesso à varanda. Queria poder falar mais alguma coisa, trocar mais algumas palavras com para que ele pudesse puxar assunto e então eles entrarem em uma espiral de conversa que não acabasse mais.
Mas precisava entrar, antes que seus avós começassem a especular sobre a companhia.
…? — chamou, incerto, fazendo com que ela virasse a cabeça para trás rapidamente.
— Sim?
— Quer ir comigo amanhã à noite das estrelas?
— Quero — ela respondeu sem delongas, aumentando seu sorriso e finalmente andando na direção da casa, com o coração acelerado e a mente mais tranquila pela conversa ter acabado daquela forma.
depositou um beijo em seus avós antes de adentrar a casa, largando a mochila no sofá e acenando uma última vez para antes de fechar a porta. E ele ficou ali, esperando ela estar completamente em casa, em segurança, para em seguida, retornar o caminho que fizeram.





O dia seguinte chegou de mansinho, se demorando em iluminar o céu, mas com a calmaria que somente Boone poderia oferecer, com os sons dos pássaros cantando e o cheiro fresco de café inundando toda a cidade. não dormiu como imaginara — mesmo na cama confortável com a roupa de cama cheirosa e a janela aberta para que o vento pudesse entrar, ela se remexeu a noite inteira.
Sentia-se como no colegial novamente, quando chegou da noite das estrelas e reviveu cada segundo ao lado de no parque. Sua barriga doía e seu corpo ansiava pelo momento em que o veria de novo. Mas também se repudiou por aquilo, já tinha dez anos desde a última vez, era tempo demais para que ela revivesse aqueles sentimentos. Tinha passado por tantas coisas, amadurecido em tantas ideias, não poderia apenas olhá-lo e acreditar que eles existiam naquele plano.
Não sabia explicar se era porque nunca mais tinha se sentido daquela forma por alguém ou se porque haviam terminado sem nunca conversar de verdade para saber o que tinha acontecido. Sempre sentira como se estivesse faltando algo, então vê-lo foi como martelar seu coração como da última vez, para que ela lembrasse o quanto tinha sofrido e em como ainda mantinha sentimentos obscuros guardados lá dentro.
Para se livrar daquele tipo de pensamento, tomou um banho e foi conferir seus recados no celular. A mensagem de Poppy lhe implorava por vídeos de arrume-se comigo com a nova coleção, para que as redes sociais ficassem mais comunicativas, sem todas aquelas fotos ensaiadas em estúdio. O restante foi ignorado com sucesso.
A palavra de Poppy era uma ordem. ajustou o tripé próximo a janela para que a iluminação natural favorecesse sua filmagem, secou o cabelo e fez sua maquiagem do dia a dia para poder aparecer de forma apresentável no TikTok e no Instagram. Seu corpo continuou enrolado pela toalha para o charme clássico de todas as blogueiras.
— Bom dia, dreamers! Depois de um tempo sumida, estou de volta — anunciou na direção da câmera, sorrindo abertamente. — Vocês sabem que vim passar o feriado na minha cidade natal, e nada mais justo que eu fazer um arrume-se comigo com a nova coleção para o compromisso que tenho hoje. Para aqueles que não me acompanham diariamente, estou em Boone para um reencontro anual com os alunos da escola em que estudei. É um evento que vai do café da manhã até o jantar, então precisamos de algo confortável e prático.
se virou para os cabides logo atrás de si e fingiu pensar por um momento no que usaria, mas já tinha plena certeza de qual vestido da nova coleção seria. Ela e Poppy passaram um dia inteiro escolhendo cada roupa que usaria e para qual situação, tudo estrategicamente calculado.
— Eu acredito que esse vestido é uma excelente escolha, o que me dizem? — ela perguntou, pegando um vestido verde-musgo do cabide, que batia exatamente nas suas canelas e tinha um formato de corset na parte de cima, com alças finas e uma saia um pouco mais volumosa. — E temos o sapato perfeito da nova coleção da Nina! Os mules mais confortáveis que já usei. — sorriu, pegando os saltos da prateleira e os mostrando para o celular. — Vou me arrumar e volto em um instante.
Ela desligou a câmera para poder se vestir e ouviu uma batida na porta. deixou o vestido e o sapato em cima da cama já arrumada e seguiu para abrir a porta, visualizando Victoria belíssima do outro lado, com um conjunto de linho que tinha sido lançado na última coleção de verão da & CO.
— Você está deslumbrante — elogiou a amiga, dando espaço para ela passar, voltando a fechar a porta em seguida.
— Obrigada. — Vic riu, se sentando sobre a cama, tomando cuidado para não amassar o vestido de . — Não é porque você é minha amiga, mas as roupas que criou são incríveis e confortáveis demais.
— Eu adoro me gabar sobre isso. — riu, deixando a toalha de lado para poder se vestir. — Voltou tarde ontem?
— Não, bebemos mais uma rodada e logo voltei. Como você está? — Vic se ergueu apenas para ajudar com o zíper e retornou para a cama enquanto a amiga fazia um laço com as pequenas alças que ficavam dispersas na frente do vestido.
— Estou bem, e você?

— Qual é, Vic. Está tudo bem. Não somos mais adolescentes, já faz muito tempo. Eu só fiquei surpresa em vê-lo. Normal. — deu de ombros, colocando os saltos no chão para calça-lo.
— Mas também não é um problema você ficar chateada ou não querer estar perto dele, depois de tudo…
— Dez anos, Vic! Ninguém guarda mágoa por tanto tempo. Quer dizer, não faz mais sentido. — A estilista sabia que estava mentindo descaradamente, mas era preciso, para que sua mente também acreditasse naquilo. — Vou só me gravar pronta e já podemos ir. Consegue ficar mais para trás?
Victoria concordou e se afastou do perímetro que a tela do celular de mostrava. A estilista voltou a gravar e ficou na mesma posição de antes, adorando o resultado do look, mesmo já o tendo provado antes de viajar.
— E então? — deu uma rodadinha e apoiou as duas mãos na cintura. — Eu sou suspeita, porque me apaixonei por esse vestido desde que imaginei ele! E para vocês que gostaram também, corram no site, ele vai estar com 10% de desconto somente hoje, enquanto durarem os estoques. Beijos!
— Já vou garantir o meu! — Vic anunciou, depois que a amiga desligou o vídeo.
— Você não me respondeu, como está? — quis mudar o foco da conversa, tendo certeza de que Vic teria algo para a atualizar sobre o próprio casamento.
— Não conversamos mais depois da ligação de ontem, se é o que quer saber. — Ela foi sincera, saindo da cama para aguardar a amiga próximo a porta. — Não sei o que falar e nem quero. Vou aproveitar esse final de semana e quando voltar para casa, decido o que é melhor.
— Tudo bem, é um direito seu. Mas estou aqui para o que precisar. — sorriu reconfortante, seguindo a amiga em direção a saída do quarto.
Não levaria bolsa, apenas seu celular para maiores precauções. Era um dia para ela viver outras memórias e depois de ter visto que seus amigos continuavam ali, as mesmas pessoas que ela conhecia, conseguia se sentir mais à vontade para aproveitar o dia e as lembranças.
Por mais que a escola Watauga fosse próxima, ainda assim, era um longo caminho para percorrerem naquela manhã, de salto alto. Josh disponibilizou seu carro para que Ken levasse aqueles que estavam hospedados na pousada para aquele evento. e Victoria foram uma das primeiras a chegar do lado de fora, então conseguiram fazer parte da primeira remessa de carona.
As movimentações na rua para aquele dia eram grandes e o tempo estava favorável para passeios, ajudando na questão do trânsito. Para um sábado, muitos carros seguiam na rua principal e vários deles estacionavam em frente à Watauga para deixar algumas pessoas ou no amplo estacionamento em frente à escola. Ken os deixou diante da porta e eles desceram da mini van, cumprimentando aqueles que passavam por eles e tinham o rosto conhecido.
Uma nostalgia aflorou no peito de enquanto ela caminhava ao lado de Victoria em direção ao ginásio. Os corredores estavam reformados, pintados de vermelho, assim como os armários agora podiam ser personalizados do lado de fora por cada aluno, trazendo um aconchego gostoso e uma sensação infinita de saudades.
— Parece que foi ontem que caminhamos pela última vez por aqui — Vic falou, observando os cartazes que estavam expostos no mural.
— Não é? — concordou, reparando nas caligrafias dos alunos e como ela gostava de fazer aquela parte de decoração.
Elas voltaram a seguir a multidão que caminhava na direção do ginásio e se surpreenderam quando o visualizaram por completo. Estava inteiramente decorado, com mesas espalhadas por toda a quadra, cada uma delas com uma toalha xadrez e um pequeno vaso de flor em cima. Ex-alunos se acomodavam e se serviam na enorme mesa que estava recheada de comidas dos mais variados tipos e sabores.
As duas mulheres logo avistaram os amigos e caminharam até eles, notando que eles tinham exatamente duas cadeiras vagas. Certas coisas nunca mudavam.
— A escola parece a mesma, mesmo com as reformas — Vic comentou, aceitando o café que o garçom veio servir.
— Sim, e as pessoas também — Valerie comentou maldosa, rindo antes de bebericar sua xícara.
— Hellen continua igual — Rich contou, roubando um pedaço do cheesecake de Valerie.
— Sério? — perguntou, curiosa.
— Ela leva o carro na oficina quase toda semana, sempre com um novo problema e nenhum tempo para esperar eu ver e resolver.
— Eu acho que as intenções dela são outras — Jack falou despretensiosamente, arrancando risadas do grupo.
— Quem dera fossem.
— Não sabia que ela continuava na cidade — disse, tendo plena certeza de que Hellen sempre dissera que iria fazer direito em Harvard. Ela era competente, só não era legal.
— Ela foi para Yale e voltou logo após a formatura, abriu um pequeno escritório no centro. Vocês foram as únicas que criaram raízes longe daqui — Rich explicou, dando uma indireta logo em seguida.
— Eu só estou a uma hora e meia de carro, não onze horas! — Victoria protestou, fazendo abrir a boca com a audácia.
— Vocês são hilários. — Ela revirou os olhos.
— Só estamos felizes por você ter conseguido aquilo que sempre quis. — Valerie sorriu para . — Mate nossa curiosidade sobre Nova York, como é sua rotina?
— Uma loucura. — riu, feliz por perceber que eles queriam saber sobre sua vida. — Além de criar as coleções agora preciso ser frequente nas redes sociais, porque as pessoas querem saber sobre a minha vida, como é o meu dia a dia e todas essas coisas que os influenciadores fazem. Então, eu passo o dia na empresa, visito as fábricas de tecidos, os desfiles, lojas de grifes e tudo que envolve o mundo da moda. E falando a verdade? Eu amo. Nunca estive tão feliz.
— É o que você sempre dizia que faria — Jack falou, feliz pela amiga.
— Agradeço todos os dias por ter realizado meu sonho. E fico feliz que vocês estejam seguindo aquilo que gostam também. — sorriu, sabendo que ainda estava acreditando que Rich precisava de uma atenção única que ela faria questão de perguntar quando ficassem a sós, além de Victoria, claro.
Jack iniciou uma fala em que tentou prestar atenção, mas seus olhos foram atraídos como imã, traindo seu coração, fazendo-a perceber adentrando o ginásio. Novamente, tudo ao seu redor sumiu, seus amigos viraram borrões e as falas desapareceram, notando cada passo que ele dava.
Lá estava ela novamente, sentindo saudade e notando o quão bonito ele estava, mesmo que sempre tivesse sido, na sua opinião. Mas tinha uma presença que era indiscutível como um homem adulto. Era diferente das fotos que já tinha visto dele nas redes sociais, de como o imaginava por todos esses anos, mas olhando nos olhos dele na noite anterior, teve uma pequena chama de esperança, porque ele ainda parecia ter a mesma essência.
Ele deve ter sentido que estava sendo observado, afinal, a encontrou rápido demais e seus olhares puderam se cruzar novamente. não saberia dizer o que os dele diziam, mas apostava que ele tinha percebido o quando o dela emitia a falta que sentia dele, mas o quão magoada ela tinha ficado e como tentou seguir em frente.
aproveitou a oportunidade e caminhou na direção da mesa deles, puxando uma cadeira vaga da mesa ao lado e sentando-se ao lado de Rich, cumprimentando a todos silenciosamente. A mulher se viu na obrigação de sorrir amigavelmente e virar o rosto para onde todos estavam olhando fixamente, notando só então que o antigo diretor discursava em cima do tablado improvisado.
— E é com imensa felicidade que recebemos vocês aqui neste dia. Vamos iniciar um pequeno tour pelas dependências novas da escola, que muitos daqui colaboraram durante os anos para que a melhoria fosse possível. Em seguida, teremos apresentações em algumas salas dos nossos alunos, para que vocês relembrem alguns momentos especiais do Dia do Memorial. O almoço será servido no campo de futebol ao meio dia — o senhor avisou, sorrindo de forma branda e acenando para que a nova diretora assumisse seu lugar.
— Como Norton já falou, estamos muito contentes que conseguimos reunir a grande maioria de ex-alunos. São muitos anos diferentes, mas cada um que está aqui foi muito importante para a evolução da Watauga. Por favor, terminem seus cafés e em dez minutos vamos com os professores na direção das salas.
— Vou pegar algo para comer, você quer? — Victoria perguntou ao se levantar, parando ao lado da amiga.
— Não estou com fome, mas obrigada, Vic. — sorriu, tirando sua atenção da mulher quando seu celular anunciou uma notificação.
Agradeceu por Poppy sempre ter o timing perfeito, dessa forma ela não precisaria prestar atenção no quanto conversava animadamente com os garotos e Valerie. Eles com certeza ainda eram próximos, era óbvio, só estava distante dali, sem saber como andava a vida dos amigos ou o que eles faziam no tempo livre.
Ela piscou algumas vezes para afastar aqueles pensamentos sádicos de culpa quando viu Poppy a ligar ao não obter resposta. pediu licença para os que estavam na mesa e foi para o corredor para poder atender a assistente.
— Bom dia, Poppy. É sábado de manhã, você sabe, não é? — falou ao aceitar a chamada, fazendo questão de lembrá-la que ela odiava trabalhar aos finais de semana.
— Eu sei, eu sei, desculpa! — Poppy se adiantou, parecendo claramente esbaforida. — Os vestidos esgotaram em todas as cores e tamanhos e preciso da sua autorização para fabricar mais.
— Como assim? Achei que estávamos todos de acordo que seria uma coleção única.
— Seria, estava tudo certo para que fosse, mas então eu abri as redes sociais e está todo mundo pirando por esse modelo, . O site está congestionado e não conseguimos fazê-lo voltar ao ar ainda, mas já recebemos cerca de trezentos e-mails perguntando quando vamos abrir uma nova venda. Vamos ter que abrir exceção, acredito que não só dessa peça, ok?
— Olha, não sei… A intenção era que, realmente, fosse algo exclusivo. O que o time está falando?
— Queria sua autorização primeiro, para depois repassar.
— E os acionistas?
— Somente um me mandou mensagem por enquanto. Disse que precisamos dar aquilo que querem, afinal é mais rentável.
— Tá… Faz assim, liga para cada um da equipe, questione prazos, valores e materiais. Se todos estiverem de acordo, você tem minha autorização. Você sabe fazer minha assinatura de qualquer forma.
— Jamais faria sem você me autorizar, .
— Eu sei, por isso você nunca será mandada embora. Mas não faça trezentos modelos, no máximo cento e cinquenta. Essa é uma coleção exclusiva e vamos manter ela por muito tempo, mas a cada momento vamos lançar novas peças. Vou desenhar novos vestidos hoje, envio para você até segunda-feira. Quando eu voltar podemos ver todos os detalhes juntas.
— Pode deixar, chefinha, você quem manda! Não esqueça de fazer fotos e amanhã lançar os shorts jeans!
— Não vou esquecer. Me avise sobre o prazo depois.
— Aviso, até mais.
desligou a chamada e olhou para o horário que seu telefone marcava. Uma hora. Só tinham se passado sessenta minutos desde que Poppy postou seu vídeo editado e todos os vestidos daquele modelo esgotaram. Não saberia jamais descrever a sensação que passava por cada poro do seu corpo ao perceber que estava realizando muito mais do que um dia sonhou.
Dentro daquele corredor, percebeu que nunca conseguiria medir o quanto feliz estava com sua carreira. De como saiu de uma garota sonhadora, que costurava com restos de tecidos picotados para uma estilista renomada, que esgotava coleções em minutos e fazia as mulheres pedirem por mais.
— Não queria interromper seus pensamentos, mas aposto que está imaginando como tudo deu certo para sua carreira. — A voz de chamou sua atenção e a fez engolir em seco ao se virar para ele.
Ele se aproximava em passos lentos, as mãos no bolso, como se estivesse medindo o quão próximo poderia ficar. Sua boca estava repuxada em um pequeno sorriso e naquela claridade tão cortante, conseguiu notar a barba por fazer sombreando seu rosto e demarcando toda sua mandíbula.
Céus…
— É inevitável — ela respondeu, baixando o olhar. — Mas não consigo ser tão aberta perto das outras pessoas.
— Parece que todos estagnaram no passado enquanto você voou para um futuro brilhante?
— Eu não diria nessas palavras, mas sim.
— Nem todos tinham como objetivo sair de Boone.
— Rich tinha. Você tinha — ela respondeu firme, tentando deixar sua mente não sobrevoar o passado novamente.
— Algumas coisas acabaram mudando no meio do caminho…
— É, eu sei bem.
— Olha, será que… — foi interrompido por algumas pessoas começando a se aproximar do corredor, provavelmente prontos para dar início ao tour guiado e olhou para trás, respirando fundo. — Podemos conversar em um lugar mais tranquilo?
, eu…
— Por favor.
encarou os olhos dele, não sabendo como lidar com o emaranhado de informações que atravessavam seu cérebro e em como seu coração estava acelerado. O que eles conversariam, afinal? Tinham roupa suja para lavar, óbvio, mas não iriam resolver. Não tinha como, não mais.
— Tudo bem. — Sua língua contrariou sua mente e ela se viu obrigada a caminhar ao lado do homem pela escola.
Os detalhes poderiam ter mudado, mas a essência daquele lugar ainda era a mesma. Era como sentir o cheiro do Natal ou ver a neve pela primeira vez. As recordações surgiam sem pedir licença em cada passo que davam pelos corredores, ora massacrando o coração, ora o curando com lembranças alegres.
— Acredito que não vá ter um tour pelo auditório. — deu de ombros ao abrir a porta dupla do local, indicando para que pudesse entrar primeiro.
assim o fez, adentrando o auditório e sentindo seu braço arrepiar ao passar tão perto do corpo de . Por que seu corpo não o repudiava? Seria tão mais fácil.
Ela subiu os degraus de carpete até a última fileira, onde as pequenas janelas davam diretamente para o jardim que ficava próximo ao laboratório inaugurado no último ano. sempre gostou de se perder em seus pensamentos olhando para aquele local, estudando as possibilidades enquanto ouviam palestras sobre AIDS, armamentos e todas aquelas coisas motivacionais que faziam com adolescentes.
— Além do trabalho estar sendo bem sucedido, como está sua vida? — perguntou, sentando-se em uma das cadeiras estofadas, bem ao lado da mulher.
— Minha vida se baseia no trabalho. — deu de ombros, cruzando as pernas para tentar parecer mais confortável, porque por dentro seus órgãos estavam gritando.
— Você não se casou?
— Não. Mal tenho tempo para arranjar um namorado. — Ela riu, notando em como sua testa aliviou as linhas de expressão ao ouvir aquilo. — E você?
— Nada sério depois da formatura.
— E você conseguiu fazer a faculdade?
— Não. Meu pai… Bom, ele nunca foi um exemplo, mas foi embora depois que você se mudou. Deixou tudo, casa, carro, a empresa. Precisei me reinventar e assumir a construtora.
— Sério? — fingiu surpresa, mas já sabia daquela história no momento em que ela aconteceu, sua avó fizera questão de contar.
— Sim. Então meus sonhos ficaram para trás, afinal com que dinheiro eu iria para a faculdade? — a risada de foi um pouco amarga, mas seus olhos não transmitiam raiva como costumava ser quando as coisas saiam do controle dele.
— Você parece feliz com a sua vida agora.
— Tive bastante tempo para me reinventar e descobrir coisas novas para gostar.
— Como turistas nas festas da cidra? — ela cutucou, sabendo que aquilo não doía mais como antigamente.
… — negou com a cabeça, a chamando pelo apelido que apenas ele usava.
Aquilo ainda a arrepiava.
— Tudo bem, isso ficou para trás. — mentiu.
— Não. Você sabe que não ficou.
— Dez anos é tempo o suficiente para superarmos. — As mentiras estavam saindo facilmente pela boca da mulher.
— Para mim não. — O coração de acelerou conforme virou o corpo para continuar falando e olhando em seus olhos. — Eu nunca me perdoei pelo que fiz e quando te vi pessoalmente depois de tanto tempo, isso fez eu me odiar ainda mais.
— Você não precisa… — negou com a cabeça, mordendo seu lábio inferior com a angústia que começava a subir pela sua garganta.
— Preciso. Você me bloqueou de tudo. Essa é a oportunidade que tenho em anos. Se não quiser me ouvir, tudo bem, mas eu preciso falar.
— Eu quero ouvir — ela admitiu em voz baixa, sabendo que maltrataria seu coração, mas estava em sua skin sádica naquele dia.
— Eu jamais vou ter justificativas para o que aconteceu, para o que eu fiz. Me remoí a cada dia que passou, a cada hora que tentei dirigir até Nova York para falar com você, mas sempre desistia com certeza de que nunca te acharia e que, talvez você não quisesse ser achada. Eu continuo me culpando, todo santo dia, , por ter ferido sua confiança e ter destruído a única coisa boa da minha vida.
pressionou ainda mais seu lábio, tentando controlar sua respiração com cada palavra que saia da boca de . Sua barriga se contorcia e seu coração não tinha descansado desde que o vira adentrar o ginásio.
— Você me traiu, . E terminou comigo por SMS. — Os olhos dela já estavam lotados de lágrimas quando conseguiu pronunciar aquelas duas frases e se viu obrigado a fechar os seus.
— Eu sei. Eu fui um moleque. Fiquei cego de raiva com aquela foto, em como você estava próxima daquele cara enquanto tínhamos dificuldade em conversar estando tão longe um do outro. Não pensei nas consequências, foi a primeira vez em que fiz tudo errado, tudo o que eu sempre te prometi que não faria. E eu ainda me arrependo, , porque eu sei o quanto te magoei. Quando eu te vi novamente, senti como se aquela mensagem tivesse sido digitada naquele instante, e meu mundo inteiro caiu mais uma vez.
— Eu… eu prometi que nunca mais pisaria aqui novamente — confessou, puxando o ar com força para não deixar as lágrimas caírem. — Porque seria difícil demais olhar para você. Ontem eu comprovei isso, é realmente difícil. Tudo o que tínhamos… eu senti como se você não valorizasse nenhuma das nossas conversas e nenhum dos nossos planos, só porque não fui para a faculdade que combinamos.
— Eu não fiz pensando em todas essas coisas. Eu estava feliz por você, mesmo que isso custasse vários dias sem nos vermos, era onde você deveria estar. Mas antes de conversar, agi de cabeça quente. Talvez seja tarde demais para pedir o seu perdão, mas eu tenho que fazer isso, . Eu preciso que você saiba que eu me arrependo e que reconheço meu erro, não existem justificativas para ele.
— Eu acho que tem muito tempo que já te perdoei. — Ela foi sincera. — Eu sempre levei em consideração os momentos bons que vivemos, mesmo que isso tenha me custado todos os relacionamentos que tentei ter. — um riso nasalado escapou. — E já se passaram anos, estamos em momentos diferentes das nossas vidas e voltar para Boone não é mais uma opção, então não vou ficar guardando rancor. Tudo vai ficar para trás, como tem que ser.
— Você gosta de viver em Nova York? — não queria mudar de assunto, mas a fala de foi como um balde de água fria na sua cabeça.
— Muito. Boone foi meu pontapé inicial, agradeço muito por essa cidade, mas não faz mais sentido.
— É ótimo ver você alcançar aquilo que sempre quis.
— Obrigada.
— Você sempre vai ser especial demais para mim, . — pegou a mão da mulher e depositou um beijo sobre o dorso.
E mais uma vez a mente dela foi pega de surpresa por uma volta ao passado.

— Shhh — pediu, puxando-a pela mão e empurrando a porta do auditório em silêncio, enquanto olhava o corredor para garantir que não seriam pegos.
— O que você está fazendo? — perguntou em um sussurro, não conseguindo segurar o riso.
— Senti saudades — ele respondeu, fechando a porta dupla e encostando as costas da garota ali, para fixá-la entre seus braços e a olhá-la nos olhos. — Você anda muito ocupada.
— Eu diria que são os desafios de ser a presidente do grêmio. — deu de ombros, segurando o rosto de com as duas mãos. — Mas gosto de saber que está sentindo minha falta.
— Não tenho quem admirar nas aulas de matemática.
— Você pode admirar o professor e o assunto que ele está passando — ela sugeriu, rindo da careta óbvia que ele fez.
— Ou eu posso aproveitar que você está aqui e te beijar.
— Eu acho uma excelente ideia — concordou rapidamente, sentindo o corpo responder a cada toque que lhe dava, principalmente quando se aproximou o suficiente.
não demorou em juntar seus lábios, aprofundando o beijo sem delongas e saboreando o gosto que tinha sentido falta nos últimos dois dias. suspirou ao ceder aquela sensação deliciosa que era quando podia bagunçar os cabelos rebeldes do namorado e receber cada carícia que ele lhe proporcionava.
Só estavam juntos, oficialmente, há duas semanas. Mas não tinha nada melhor do que fugir dos seus compromissos com a escola para poder vê-lo ou sair da escola de mãos dadas com ele e levar o tempo necessário para chegar em casa enquanto conversavam sobre as mais variadas coisas. tinha descoberto uma companhia incrível ao lado de e até mesmo Victoria já tinha reclamado sobre, mas ela não ligava muito, ainda estavam em lua de mel.
Sua avó costumava dizer que era um sentimento comum para um primeiro namorado. Que só sentiria aquelas coisas com , porque se existisse a possibilidade de um próximo, o frio na barriga nunca mais seria o mesmo. E ela acreditava naquilo, afinal eles se viam todos os dias na escola e aos finais de semana, mas mesmo assim, torciam para que chegasse a hora de estarem juntos novamente.
— O que vai fazer hoje à noite? — perguntou ao desgrudar suas bocas, mas ainda mantendo seus corpos bem próximos.
— Acho que nada. Meus avós vão ao bingo da igreja e eu pretendo terminar os últimos detalhes da festa da cidra antes do anoitecer.
— Então eu venho te buscar depois do treino, vamos até sua casa para você tomar um banho e depois vamos jantar lá em casa.
— E o seu pai?
— Vai estar em alguma cidade vizinha no show da namorada. — se esforçou para não revirar os olhos e mordeu o lábio, segurando o riso.
Sabia que não tinha ciúmes do pai, longe disso. Mas achava graça em como ele pensava ser uma bobagem sem tamanho um homem daquela idade ficar acompanhando uma cantora country pelas cidades vizinhas enquanto tinham mulheres mais estáveis e charmosas — palavras dele — em Boone que o desejavam.
— E você vai cozinhar? — ela mudou de assunto, querendo manter o clima gostoso que estavam criando, sem o deixar chateado com o pai.
— Você prefere macarrão com queijo ou queijo quente?
— Macarrão com queijo.
— Então, sim, vou cozinhar.
— Me parece uma noite perfeita. — rodeou o pescoço de , forçando-o a aproximar mais seus rostos. — Desde que você saiba fazer macarrão com queijo, ou então, será nosso último encontro.
— Você faria isso com um pobre rapaz que não sabe cozinhar? — Ele fingiu estar ofendido, se afastando da garota para adentrar mais no auditório.
— É macarrão com queijo! Se você não sabe fazer, eles vendem pronto no mercado. — riu, deixando vagar pelo ambiente e indo se sentar na primeira fileira de cadeiras.
— Prometo que vou me esforçar, mas terei dois potes instantâneos por garantia!
— Combinado.
— Mas você não vai se arrepender! — ele falou alto, subindo no tablado de madeira como uma criança curiosa. — E não vai ser nosso último encontro. Ainda vou te levar para ver as nuvens de pertinho.
— Desde que eu esteja viva para isso, vou achar incrível. Qualquer coisa com você é incrível — ela falou a última frase baixinho, torcendo para que o garoto não tivesse escutado, mas explanando o que seu coração gritava.
— Nós somos incríveis — a respondeu, pulando o tablado para chegar ao chão e alcançar com passos largos, apoiando as mãos nos encostos das cadeiras e deixando seus rostos rentes. — Você é tão especial, .
? — ela franziu o cenho, mesmo que seu coração se agitasse dentro do peito com a confissão de .
— Sim. Todo mundo te chama de ou de . Eu vou te chamar de , vai ser algo nosso. — Ele piscou um dos olhos, juntando seus lábios em um selinho demorado. — Você achou ruim?
— Não — ela respondeu baixinho, torcendo para que não conseguisse ouvir seu coração e o quão maluco ele ficara com aquilo. — Achei perfeito.


— Você lembra quando estivemos aqui pela primeira vez? — perguntou, suspirando ao recolher sua mão e perder aquele contato quente e firme de .
— No primeiro ano? Lembro. — Um sorriso fraco tomou o rosto do homem.
— Foi a noite em que comi o pior macarrão com queijo da minha vida. — A mulher riu, recordando-se de como perdeu feio contra um fogão e uma panela.
— Isso é maldade sua! Eu me esforcei em cada segundo. — Ele também riu.
— Ainda bem que me ouviu e comprou os instantâneos.
— Fazer o que, no fim você estava sempre certa. — deu de ombros, sabendo o quanto sempre foi rendido por e como ela conseguia sempre o que queria, sem precisar de muito esforço.
— Não era atoa que eu fui presidente do grêmio por quatro anos consecutivos. — sabia que não falava sobre aquilo, que cada frase dele estava tendo segundas intenções e muita recarga emocional, mas ela precisava tomar a frente de fazer o assunto virar antes que ambos retornassem aquele limbo carregado de culpa.
— Você quer muito ficar até o final do dia? — perguntou parecendo se animar de repente.
— Aqui? — o homem concordou. — Por quê? O que está pensando?
— Porque queria te mostrar um lugar. Uma coisa que fiz.
observou como parecia ansioso com aquilo e algo se revirou em seu peito. Não saberia nunca explicar o que estava sentindo novamente com a proximidade e a forma como eles conversavam naquele momento, mistos de emoções passavam diante dos seus olhos e já estava ficando clichê ficar voltando no tempo com tantas recordações.
— Voltamos para o almoço, prometo.
— Tudo bem, vamos lá — ela topou, mesmo receosa.
abriu um sorriso lindo e se levantou, estendendo a mão para ajudá-la a se erguer. Ele lhe ofereceu o braço e eles desceram juntos pelos degraus macios, abrindo a porta dupla do auditório e não encontrando mais nenhum rosto conhecido por perto. A escola tinha novas instalações que eram de conhecimento de todos, mas que o antigo diretor adorava expor como obras de arte, então eles já imaginavam que os colegas estariam ocupados ouvindo discursos.
Eles caminharam na direção do estacionamento, em silêncio, absorvendo a proximidade, o toque e a familiaridade que aquilo causava. não poderia negar que também estava ansiosa para saber o que ele queria lhe mostrar, afinal parecia tão importante para ele pela forma que agia que seria impossível não ficar curiosa.
— Você reformou a velha picape? — perguntou impressionada quando avistou o carro vermelho parado em uma vaga do vasto estacionamento.
— Sim. Não estava mais aguentando o tranco.
— Ficou linda.
se recordava dos diversos finais de semana em que o pai de foi ficando cada vez mais ausente e eles utilizavam a picape para quase tudo. Iam em cidades vizinhas fazer piquenique, trilha, acampar, tudo o que podiam e tinham vontade. Aquela velha caçamba já tinha sido palco para muitas de suas aventuras e a preferida de foi logo após a primeira festa da cidra, onde eles espalharam alguns travesseiros e colchas e ficaram observando as estrelas cintilarem no céu.
sempre foi tão respeitoso com ela e cedia às suas vontades que acabava se metendo em mais furada do que gostaria, mas que no final valia a pena cada segundo.
O homem abriu a porta do carona para e a segurou pela mão para ajudá-la a subir, fechando a porta quando ela estava confortável sobre o banco de couro e dando a volta para ocupar o lugar do motorista. O sol brilhava lindamente no céu e o clima estava gostoso na cidade, deixando-os curtirem as janelas abertas e o vento fresco que rodeava as ruas.
Para era como se nada tivesse mudado em Boone. Mesmo que algumas construções agora não existissem mais e outros prédios novos tivessem surgido no lugar, mas a essência da cidade sempre seria a mesma. Pacífica e amigável. Todos se conheciam e se adoravam, sem intrigas profundas e nenhuma crise de corrupção ativa.
Totalmente diferente do lugar em que estava inserida atualmente. Sem todo aquele alvoroço nas calçadas, com pessoas correndo e a pressa estampada em cada rosto. Desconhecidos passando pelo seu lado o tempo inteiro, enquanto murmuravam com alguém ao telefone. O cheiro de cigarro misturado a fumaça e muito café preto.
Boone era… o oposto. Em todos os aspectos.
Droga, sentia muita falta daquele lugar.
Mesmo que amasse o fervo de Nova York, a calmaria de Boone a atraía de forma inexplicável.
— Está me levando para casa? — questionou, reconhecendo o caminho quando adentraram na rua ao lado da pousada.
— Estou. — virou o rosto para olhá-la e sorriu.
— Mas por quê? — Ela esticou um pouco as costas, tentando avistar a casa dos avós antes de estacionarem.
— Bom, eu tentei diversas vezes falar com você desde que… desde que seus avós se foram. Mas você não estava muito afim de contato. — desacelerou quando se aproximou o suficiente da casa, parando rente a calçada bem em frente ao amplo jardim. — Sua avó me pediu para fazer umas melhorias na casa, com uma pequena esperança de que você voltaria.
A mulher mordeu o lábio, o peso irreconhecível retornando ao seu peito. O jardim em frente a varanda estava tão bem cuidado. As flores que sua avó cultivava ainda permaneciam ali, coloridas e exuberantes, trazendo vida para aquele lugar. A grama verdinha e aparada fez sua garganta coçar, assim como o caminho que levava à varanda, que agora tinham pedrinhas brancas enfeitando os lados.
Mas não foi só aquilo. Uma árvore exuberante agora fazia uma sombra fresca sobre o teto da antiga varanda, que não tinha mais todo o espaço que os avós costumavam ficar em suas cadeiras de balanço. Ela tinha sido diminuída pela metade e pintada de branco, assim como o restante da casa, e a parte sem porta, agora tinha sido posta um pouco mais para frente e uma vitrine refletida pelo sol exibia três manequins despidos ali dentro.
— O que é isso? — perguntou, saindo do carro depressa e se aproximando da antiga varanda da casa.
— Sua avó só tinha você para herdar essa casa, então no último ano em que esteve viva, me pediu para construir uma vitrine para que você pudesse montar sua loja aqui em Boone.
— Você vem mantendo a casa desde que ela se foi? — a surpresa era nítida no rosto de .
— Sim, foi um pedido especial.
queria poder abraçar e o agradecer até o último dia de sua vida por aquele presente para sua avó, mas a intimidade tinha ido embora junto com ela para Nova York. A dor que sentiu no coração ao saber que a avó queria que ela viesse para Boone com sua marca encheu seus olhos de lágrimas.
percebeu a comoção da mulher e retirou a chave do bolso, destrancando a porta para que pudesse entrar. O interior estava completamente diferente também. A sala, que antes era ocupada por mobílias antigas e não tinha divisória para a sala de jantar, agora era ocupada por um piso de madeira lustrado, tapetes grandes e araras de alumínio pregadas na parede. Um lustre elegante pendia no meio do local e duas poltronas confortáveis estavam próximas à vitrine, com uma mesa de centro carregada de revistas de moda em cima.
— Uau — murmurou, olhando cada detalhe daquele lugar que a remetia à alguma loja de luxo nas cidades vizinhas. — Desculpe, eu… não fazia ideia sobre isso. — Uma lágrima teimosa rolou pela bochecha dela e se apressou em limpar, tentando afastar aquele sentimento de culpa que corroía seu corpo por não ter estado tão presente nos últimos anos de seus avós.
— Ela queria que fosse uma surpresa, mas…
— Eu sei. Não estive mais aqui desde o primeiro ano da faculdade. — A voz dela era carregada de rancor e no momento, mesmo que estivesse grata, também poderia se jogar em frente ao primeiro carro que passasse na rua. — E, mesmo assim, ela planejou tudo isso. Inacreditável.
— Eles tinham muito orgulho de você, . — se aproximou, tentando deixá-la confortável para entender aquele momento, mas também não se contendo de ter guardado aquele segredo por tanto tempo. — Entendiam que sua profissão exigia sua presença em outro lugar.
— Mas ainda sim tinham esperança de me terem de volta aqui. Por que fez isso? Deve ter tomado muito tempo e muito dinheiro para manter esse local assim.
— Porque eu devia isso a eles, mas principalmente a você.
se virou e encarou , seus olhos brilhavam de forma diferente e sua respiração agora parecia mais acelerada, fazendo seu peito subir e descer marcando a camisa que usava. Ela não conseguiu olhar por muito tempo, logo desviou os olhos para seus pés, sentindo-se pequena diante daquele homem e completamente desnuda, mesmo que estivesse vestida.
— Foi por minha causa que você foi embora para nunca mais voltar. Eu te magoei da forma que prometi nunca fazer, e tudo o que pude fazer por eles para me desculpar, eu fiz, mesmo que eu soubesse que seria em vão.
— Tem seis anos que minha avó se foi. Ainda assim, você continuou cuidando daqui. Por quê? — a voz de diminuiu o tom e seu coração acelerou sem nem ao menos ouvir a resposta.
— Porque… — engoliu a saliva com dificuldade, dando alguns passos para trás para se afastar de , coçando a nuca. — Porque eu também tinha esperança.
sentiu a respiração falhar e seus ombros caíram, fazendo toda sua armadura despencar aos seus pés. Dez anos era muito tempo para remexerem tanto naquela ferida e naqueles sentimentos, mas ambos estavam envoltos em uma atmosfera nostálgica e familiar naquele ambiente. Toda a raiva que ela criara sobre e seus amigos, que fizeram sua caveira, dissipava com o olhar sincero que ele lhe entregava.
Como poderia ainda se sentir daquela forma com aquele homem? Como ele ainda era capaz de fazer sua mente se sentir segura e confortável sobre qualquer coisa? Não era possível ter essa marca para o resto da vida e nunca mais conseguir se envolver com outra pessoa por sempre o compará-lo à .
— Seria muito difícil conciliar a rotina em Nova York com uma loja em Boone. — Ela foi sincera, mesmo que agora seu coração estivesse dividido.
— Eu sei, só achei que você quisesse saber sobre isso. A casa ainda é sua, pode fazer o que quiser com ela.
— Mais alguma coisa mudou? — ficou curiosa, apontando para uma porta que não existia ali antes.
— Poucas. Mudei o piso, alguns revestimentos e reformei os móveis. Mas a essência ainda é a mesma.
— Posso ver?
— Claro, fica à vontade.
explorou cada canto da casa, revivendo as memórias de todos os seus dezessete anos morando ali e admirando os cuidados que tivera mesmo que mais ninguém frequentasse aquela casa. A cozinha estava totalmente diferente, já que agora precisou ter seu tamanho diminuído e todos os pisos trocados, além dos móveis que também pareciam novos e modernos.
A escada não rangia mais no último degrau e o corrimão estava seguro novamente, bem firme ao chão. Os quartos não tinham mais camas, mas seus guarda-roupas antigos estavam pintados e sem nenhum sinal de cupim, assim como as cômodas antigas do avô. As paredes do corredor eram cobertas por papel de parede antigamente, mas agora todas tinham quase a mesma cor creme, deixando a casa extremamente aconchegante.
não falou em momento algum, apenas acompanhou e deu alguns pequenos comentários sobre o vaso sanitário que ele tirou porque estava quebrado ou a troca de madeira da porta do sótão, mas apreciou enquanto a mulher ficava encantada com aquela novidade e analisava tudo nos mínimos detalhes, sem deixar de prestar atenção em nada.
— Obrigada, . — falou, descendo a escada novamente em direção a loja na parte da frente.
— Não precisa me agradecer.
— Mas preciso te pagar por isso.
— Também não precisa. Fiz nos intervalos das construções, de coração.
— Eu insisto, deve ter custado caro cada pequena reforma dessas, principalmente essa loja.
, não vou aceitar o seu dinheiro — o homem negou novamente, saindo pela porta para pegar um pouco de ar fresco.
— Me deixe retribuir, por favor. — Ela o seguiu, trancando a porta da frente depois de apreciar o local mais uma vez.
— Jante comigo. — foi rápido, apoiando o ombro no encosto da varanda e cruzando os braços sobre o peito.
— Hoje? — sentiu o cérebro embaralhar as palavras e precisou se concentrar para não tropeçar com aquele sapato.
— Sim.
— Mas temos todo o restante do dia na escola e o jantar vai ser servido lá.
— Podemos voltar para lá agora mesmo. Almoçamos com o pessoal, fazemos as atividades da tarde e depois saímos para jantar — o homem respondeu com uma facilidade absurda, como se já tivesse planejado cada passo daquele convite.
precisou respirar fundo antes de responder. Sua boca faria questão de responder antes mesmo do seu cérebro, mas ela precisava analisar a situação e acalmar sua barriga que se revirava absurdamente. Estava passando mais tempo com do que o planejado e sabia que não era positivo para o seu coração, que tornaria ainda mais doloroso pegar o voo de volta para Nova York em dois dias.
Mas também não tinha nada a perder. Poderia curtir Boone definitivamente e ter a despedida que nunca conseguiu ter daquele lugar e, principalmente, de .
— Tudo bem. Se esse é o seu preço, eu aceito.
— Então vamos voltar para Watauga. — sorriu e lhe ofereceu o braço novamente para poderem retornar a picape.

— É ótimo encontrar você sozinho. — sorriu na direção de Rich, caminhando o pouco espaço de grama que os separava.
O almoço tinha sido servido no campo de futebol, onde uma enorme lona branca fez sombra para a comida caseira deliciosa que serviram junto com uma limonada gelada. Victoria e Valerie tagarelavam sem parar enquanto comiam, contando para as fotografias que tinham visto da época que eles estudaram ali, o curto jogo que os alunos jogaram para eles antes de poderem comer e a dança linda e criativa das líderes de torcida.
— Eu achei que tinha ido embora. — Rich foi um pouco mais para o lado na arquibancada, para que também pudesse se sentar na sombra.
— Fui conferir a casa dos meus avós.
fez um trabalho incrível lá.
— E você fez um trabalho incrível com a picape. — bateu seu ombro levemente no de Rich, vendo-o rir.
— Me custou várias semanas, mas valeu a pena.
— E como estão as coisas, de verdade?
— Boas. Não posso reclamar.
— E o time profissional depois da faculdade, o que aconteceu? — a mulher baixou o tom de voz, recordando-se de como Rich sonhava em jogar hóquei profissionalmente e vê-lo tão distante disso a fez se sentir péssima.
— Eu lesionei o ombro em um jogo da faculdade, depois disso, nunca mais consegui boas tacadas. Não quiseram investir em mim. — O sorriso leve de Rich fazia parecer um assunto banal, mas seus olhos entregavam o quanto aquilo o chateava ainda.
— Sinto muito, Rich.
— Tudo bem. Tive bastante tempo para aceitar isso e lidar com minha nova vida.
— Seu técnico não lhe deu novas alternativas?
— Naquela época não valia a pena, meus colegas de time eram bons também, então eles ficaram satisfeitos com o que tinham.
— E você desistiu?
, nem todo mundo conseguiu conciliar tudo e se tornar uma estrela. — Ele tentou não parecer grosseiro com a colocação e, por sorte, entendia.
— Eu sei, mas como sua amiga próxima na época da escola, era nítido o quanto era feliz jogando. Seus olhos brilhavam mais que o de qualquer um, Rich. Você não tinha só o talento de um jogador, você sabia lidar com o time, com as faltas e com as perdas melhor do que o treinador!
Rich riu, era a mais pura verdade. Sempre se sentira incrivelmente bem dentro do rinque.
— Por que não tenta se escalar como técnico de Watauga? — sugeriu, lembrando-se vagamente de como o diretor tinha mencionado a aposentadoria do antigo técnico. — É a oportunidade perfeita para você voltar a fazer o que ama.
— É impossível, .
— Por quê?
— Os horários precisam ser flexíveis e eu não tenho horário flexível.
— Você não tem ninguém para te substituir enquanto estiver na escola? Impossível.
— Tenho. Tenho um mecânico incrível que resolve todo e qualquer problema.
— Então qual a questão?
— Os clientes não querem ser atendidos por ele. Os moradores de Boone não gostam de mudança, você sabe. Eles só relatam o problema do carro quando estou na oficina, quando posso botar a mão para mexer.
— Isso porque você os deixou mal acostumados. Se seu ajudante é tão bom assim, que você confia cegamente nele para deixá-lo sozinho enquanto está treinando as crianças, então os moradores vão ter que confiar também.
— Cara, você viu que o treinador Stevens vai se aposentar? É sua chance. — se aproximou eufórico dos amigos, sentando ao lado de Rich e contando a novidade animado.
Rich revirou os olhos.
— Vocês ainda continuam com o mesmo timing.
sentiu o rosto corar e agradeceu o sol forte que fazia com a bela desculpa do calor para abanar o pescoço.
— Deixa eu entender, estava te convencendo a virar treinador também? — perguntou rindo, dando uma piscada sem intenções na direção da mulher, mas que fez o coração dela acelerar.
— Sim e eu estava explicando que os moradores de Boone não gostam de mudança, você sabe. Quando botou Peter assumindo a construtora por precisar viajar, eles te deixaram de castigo por semanas.
— Sim, fizeram isso mesmo. Mas depois aceitaram e voltaram a contratar a construtora para todas as coisas, acolhendo Peter e o tornando da família. Vai acontecer o mesmo com Ben na oficina.
— Não posso arriscar a grana.
— Mas pode negociar o salário de treinador — insistiu.
— Vocês são ótimos amigos, mas eu não vou fazer isso.
— Só pensa, por favor. É uma possibilidade, de não deixar seu sonho morrer de vez.
— É, cara. Pensa sobre isso. Esses garotos vão decolar com você sendo treinador. — concordou, dando um aperto leve no ombro de Rich.
— Tudo bem, vou pensar, felizes?
— Vou ficar radiante quando receber sua ligação me contando que aceitou o cargo.
— Vai vir de Nova York para o primeiro jogo? — Rich ergueu uma das sobrancelhas.
— Sem dúvidas! Posso patrocinar o time também.
— Ok, você tem um ótimo poder de convencimento! — O homem ergueu as mãos, como se estivesse se rendendo e arrancou risadas dos amigos.
— Sorte sua que passei dez anos longe — brincou, se levantando. — Vou falar com Victoria agora.
— Fez a faculdade errada, — Rich provocou, vendo a mulher revirar os olhos.
— Quando eu começar a produzir roupas masculinas você vai ter se arrependido de falar isso.
Ela não ficou para ouvir o restante das piadinhas. Deixou os homens para trás na conversa particular deles e caminhou de volta para onde as mesas estavam dispostas, observando Victoria segurar um copo de limonada suado e, muito provavelmente, quente. Sabia que Rich tinha falado aquilo pelo fato de sempre querer resolver a vida dos amigos e vê-los felizes.
Desde nova gostava de saber que estava tudo bem com eles e que conseguiam lidar com as próprias merdas sem nenhuma burocracia. Era mais forte que ela, era um instinto de proteção que lhe guiava e que continuou a percorrendo quando saiu da cidade. Mesmo que não tivesse voltado à cidade por conta de e de seus amigos, sempre perguntava para a avó sobre como eles estavam ou para Victoria, que fez questão de manter o contato e as visitas frequentes.
— Um vestido para cada pensamento seu — propôs, sentando-se de frente para a amiga.
— Vou ter que fingir vários pensamentos só para ganhar vestidos. — Victoria respondeu fingindo estar chateada.
riu.
— O que está fazendo aqui, sozinha?
— Se eu te disser que estou com saudades e louca para voltar para cá, você me chamaria de maluca?
— Não. Mas o que está passando na sua cabeça sobre isso?
— Tudo e ao mesmo tempo, nada. Essa cidade sempre foi tão acolhedora. Ver nossos amigos vivendo felizes aqui me dá vontade de ter o mesmo. — Vic foi sincera, apoiando o queixo em sua mão livre.
— Por que não traz sua agência para cá? Junte o útil ao agradável.
— Uma agência de viagens em Boone não seria rentável. Fora que Oliver não iria gostar.
— Você precisaria conversar com ele e se reinventar profissionalmente, está disposta a isso?
— Não sei.
— Fica difícil então. — sorriu, estendendo a mão sobre a mesa para segurar a da amiga. — Você sempre foi a mais prática de nós duas.
— Eu sei e não me reconheço ultimamente. Vender a agência significa muitas coisas e eu não poderia advogar aqui, não quero criar concorrências. Então, de verdade, não sei o que faria.
construiu uma loja na casa dos meus avós. — mordeu o lábio ao falar, não tendo certeza se era o momento certo, mas tendo uma pontada de criatividade para aquela situação.
— Eu sei, Lola me contou.
— Eu não teria tempo de ficar aqui em Boone para administrar a loja, mas se alguém que eu confio pudesse cuidar para mim, eu poderia abrir uma filial na cidade, sabe? Algo para realizar a vontade da minha avó.
Sabia que parecia loucura, mas era exatamente aquilo que significava juntar o útil ao agradável. O que fez na sua antiga casa era lindo e muito especial, era o sonho de sua avó para que pudesse montar a própria marca na cidade. O único problema daquilo era que não queria retornar para Boone, mas se Victoria queria e não tinha com o que trabalhar caso vendesse a agência de viagens, poderia cuidar da loja para ela e realizar a própria vontade de morar novamente ali.
Isso era perfeito no papel.
Só precisavam verificar a prática.
… Você está me oferecendo um emprego na cidade? — O espanto tomou o rosto de Victoria e por um momento cogitou ser loucura.
— Bom, eu ainda não tenho a loja aqui, precisaria resolver algumas burocracias em Nova York, mas se isso fizesse pessoas que eu amo felizes, mesmo que uma delas não esteja mais aqui, então sim, estou te oferecendo um emprego em Boone.
— Caramba, isso é incrível! Claro, vou ter que conversar com Oliver sobre isso, mas sim, eu quero. Não acredito que faria isso por mim.
— Não seja convencida. — riu, percebendo a amiga se levantar rapidamente e a abraçá-la. — Ainda existem muitos detalhes para serem resolvidos, mas se você quiser mesmo, posso ligar para Poppy e agilizar o básico.
— Me deixe falar com Oliver primeiro, mas saiba que já estou dentro!
— Tudo bem, vou aguardar seu aval.
— E agora deixa eu me acalmar e te dar atenção sobre o seu assunto. O que achou da reforma?
— Achei lindo e muito especial. O que fez foi…
— Único — Victoria concordou, puxando a cadeira ao lado da amiga para voltar a sentar. — Ele priorizou você mesmo depois de tanto tempo.
mexeu a cabeça para dizer que estava concordando, mas seu olhar se perdeu na arquibancada. Não tinha como evitar se sentir estranha com tudo aquilo, afinal, quando pisou na cidade não queria vê-lo nem pintado de ouro e em menos de 24 horas, sentia uma gratidão imensa pelo trabalho que ele teve com a casa e a forma como atendeu as expectativas de sua avó.
A raiva pelo que tinha acontecido há 10 anos parecia ter passado como uma fumaça. Sua mente insistia em tentar justificar o erro dele e, mesmo que seu coração tivesse passado muito tempo magoado, era a mais pura verdade quando disse que já havia o perdoado. Um dia em sua vida ela jurou que nunca perdoaria uma traição, que aquilo era o erro mais absurdo que poderiam cometer com ela, mas voltar para Boone e ver o rosto de , ouvir as palavras dele e encontrar seus amigos foi como apagar com uma borracha o que aconteceu e perceber como aquelas pessoas tinham sido importantes para a sua vida e que o erro maior tinha sido dela de permanecer tanto tempo longe.
— O quão trouxa eu sou por ignorar tudo o que aconteceu e me sentir bem com isso?
— Você não é trouxa. — Vic lhe sorriu. — foi o único amor que você teve, é normal se sentir assim.
— Ele me traiu porque achou que eu tinha o traído!
— E ele se arrependeu disso em cada segundo desses últimos anos. Todo mundo sabe. Nem você, e muito menos ele, deu outra chance para um novo relacionamento, porque ainda sentem algo um pelo outro.
— Isso é tão absurdo colocado em voz alta. — negou com a cabeça, mesmo que soubesse a verdade que aquilo era.
, claro que não. Vocês também merecem ser felizes.
tem a vida dele aqui, Vic, e eu tenho minha vida em Nova York. Jamais daria certo.
— Bom, isso você precisaria resolver com calma, mas para tudo sempre tem um jeito. Quando é para ser, o destino arranja uma forma. Acabei de comprovar isso!
sorriu, sabendo que Victoria falava sobre a mudança de vida que teria se a conversa com Oliver fosse positiva. Talvez fosse isso mesmo, tinha nascido para fazer os outros felizes e aquilo a fazia feliz.
— Nós vamos sair para jantar hoje.
— Mentira!
— Eu quis pagar pelos serviços e ele disse que não aceitaria meu dinheiro, mas me convidou para jantar.
— Meu Deus, já estou criando uma fanfic na minha cabeça!
— Para de besteira. — riu, sentindo as bochechas esquentarem.
— Falando sério agora, fico feliz por você. Sei o quanto saiu machucada dessa situação, porque nunca esperou que fosse acontecer o que aconteceu, mas se dar outra chance não é e nunca vai ser um erro. Tudo o que importa é sua felicidade.
— Obrigada, Vic.
— Estou aqui para isso, Boone faz essas maravilhas com a gente.
não poderia negar que era a mais pura verdade. Boone tinha aquela essência única que os fazia se sentir vivo de verdade, com maiores expectativas e muita vontade de seguir em frente. Por mais que Nova York sempre fizesse aquilo também com sua autoestima, sabia que lá ela tinha obrigação de seguir, o ritmo era obrigatório para não parar.
O restante da tarde se passou daquela forma, eles conversaram com outros colegas que não viam há muito tempo, participaram das gincanas propostas e se divertiram como se estivessem de volta à época da escola. O roteiro programado para aquele dia foi pensado em cada parte que eles poderiam curtir e não ficar de saco cheio — o que foi ótimo, afinal, não sobrou tempo para se aprofundarem demais, mas também puderam voltar a conhecer as pessoas que conviviam diariamente com eles há mais de dez anos.
aproveitou cada segundo e fez muito marketing com as mulheres, o que lhe rendeu novos seguidores e engajamentos, com uma mensagem positiva de Poppy, que estava acompanhando as redes sociais, no final do dia. Pensou até em ligar para a assistente e comentar sobre a loja em Boone, mas quando o sol estava se pondo, se aproximou da mulher enquanto ela conversava com Valerie. anotou mentalmente para não deixar de falar com Poppy no dia seguinte, mesmo que fosse domingo.
— Com licença, Val — pediu para a amiga, deixando-a entretida com os murais para ir até . — Você já quer ir?
— Pensei em te levar até a pousada para tomar um banho, talvez colocar uma roupa mais quente.
— Claro, é uma ótima ideia — ela concordou rapidamente, torcendo para que pudesse mesmo fazer isso e dissipar aquela camada de suor do dia e colocar uma roupa mais apropriada para um jantar.
lhe ofereceu o braço, como estava fazendo o dia inteiro quando ia andar ao lado dela, e a guiou novamente para a picape no estacionamento.

Quando a deixou em frente a pousada, avisou que retornaria em uma hora e agradeceu por não ter nenhum Wilcox à espreita para lhe fazer perguntas. Subiu para o quarto enquanto ouvia conversas paralelas próximas a cozinha e foi até o chuveiro para tomar um bom banho quente, na tentativa de aliviar todo seu corpo que parecia ansioso em ter aquele primeiro encontro novamente.
Fazia tanto tempo que não saía para jantar com um homem, mesmo que de forma despretensiosa, que mal sabia se tinha levado roupa para a ocasião. Em Nova York, mal tinha tempo para aquilo, passava todos os dias no escritório até tarde e aos finais de semana aproveitava para fazer seus exercícios, tomar café com calma e sair com algumas amigas para tomar um bom drink, claro, isso quando não estava viajando sem parar para comprar tecidos, conhecer novas rendas e discutir futuras coleções.
E, bom, era . Jamais entenderia como poderia continuar nutrindo sentimentos por ele depois de tanto tempo mesmo tendo passado meses sofrendo por ter sido corna. Tentou se envolver com outras pessoas depois dele, mas tudo parecia tão raso, superficial e que a qualquer momento alguém iria lhe enganar, que nunca deu uma nova chance de verdade, além de sentir que cada um daqueles homens tinham uma segunda intenção em se envolver com ela, dado o fato de seu nome estar sempre na mídia.
parecia se esforçar mesmo que não tivesse ido atrás dela de verdade, era como se ele enxergasse nela a nova possibilidade depois de ter se encontrado na vida, mesmo que não fosse realizando o próprio sonho. Um sentimento de culpa ainda a corroía por pensar daquela forma, porque sabia que poderia sair magoada novamente e magoá-lo ainda mais quando fosse embora, mas que mal faria curtir e fingir que eles ainda eram aqueles adolescentes apaixonados de Boone que só viam um futuro juntos?
queria poder sonhar. Passava tanto tempo trabalhando e formando um império que nem se lembrava qual foi a última vez que pensou em ser inconsequente.
Com aquilo na cabeça, deu de cara com seu tubinho preto de guerra, que ia até sua canela e abria uma pequena fenda na frente possibilitando uma melhor caminhada e decidiu que o usaria. Talvez se arrependesse mais tarde? Possivelmente, mas ela não sabia quando seria o próximo retorno a Boone e gostava de deixar sua marca. Colocou uma sandália fina da mesma cor e passou uma maquiagem leve, sabendo que não precisaria se incomodar com fotógrafos inconvenientes.
Quando checou o relógio, percebeu que estava alguns minutos adiantada, tamanha pressa que sentia para fazer aquilo. Ela pegou um sobretudo fino que tinha usado no aeroporto e o vestiu, sabendo que as noites na cidade eram um pouco mais geladas que os dias ensolarados, em seguida, trancou o quarto e desceu até a recepção da pousada.
— Não vi você chegar, querida — Lola Wilcox falou ao notar a presença da mulher, saindo de trás do balcão e arrumando o arranjo de flores frescas sobre o mesmo.
— Não faz muito tempo.
— Não iriam servir o jantar em Watauga também?
— Sim, iriam. — As bochechas de se avermelharam rapidamente. — Mas eu decidi ouvir a senhora.
— Isso é muito bom. Tenho certeza que não vai se arrepender.
— Por que a senhora não me contou sobre a casa? — mordeu o lábio, receosa com o assunto.
— Achei que não era algo que eu deveria fazer. fez todo o trabalho sozinho, era direito dele lhe contar. — Lola sorriu daquela forma maternal que aquecia qualquer coração. — E o que você achou?
— Achei maravilhoso, é claro. Talvez eu abra mesmo uma filial ali, para que Victoria possa voltar para Boone.
— E quanto a você?
— Seria difícil fazer isso.
— Mas não é impossível.
— Não, mas ainda assim, complicado.
— Tudo bem, querida. Deixe o tempo dizer. — Lola piscou um dos olhos, como se soubesse muito mais do que e fez a mulher sorrir. — Acho que sua companhia chegou. — Ela apontou para a porta da pousada.
virou o rosto na direção apontada e arregalou levemente os olhos ao observar ali, parado, com uma camiseta preta justa em todo seu peitoral, demarcando cada centímetro do seu braço, uma calça social da mesma cor que deixava suas pernas incrivelmente bonitas e os cabelos penteados para trás. Mas aquilo não era o mais surpreendente, não. Em uma das mãos ele segurava um buquê de rosas vermelhas misturadas com tulipas brancas que fez a boca de se abrir em completo choque.
Aquilo foi o suficiente para desmanchar todo o restante de forças que insistia em manter.
— ela murmurou, forçando seus pés a se moverem até ele.
— Boa noite. — Ele sorriu, estendendo as flores para que ela pudesse pegar. — Achei que deveria fazer isso direito.
— Elas são lindas, obrigada. — sorriu, piscando algumas vezes para tentar entender toda a situação.
— Boa noite, senhora Wilcox. — se dirigiu a mais velha, sorrindo abertamente ao constatar que estava no caminho certo.
— Boa noite, querido. — Lola se aproximou deles e se virou para . — Posso colocá-las em um vaso no seu quarto?
— Claro, pode sim. Obrigada, Lola. — entregou o buquê para a mais velha e mordeu o lábio inferior, sem graça com a forma como aquilo desenrolava.
— Se divirtam.
— Podemos ir? — perguntou para , oferecendo seu braço.
apenas concordou e se apoiou no homem, deixando-o guiá-la. Céus, sabia que desaprenderia a andar sozinha de salto por aí depois de tanto cavalheirismo em apenas um dia. Não poderia ficar tão mal acostumada.
— Esqueci de falar, você está linda — ele elogiou, abrindo a porta do carona para ajudar a subir.
— Obrigada, . Você também está muito bonito — respondeu, se acomodando no banco de couro e tentando, inutilmente, ignorar seu coração acelerado no peito. — Para onde vamos?
— Ao Gamekeeper, pode ser? Ou, se preferir, podemos ir até Charlotte.
— O Gamekeeper está ótimo, . Qualquer comida de Boone me parece perfeito.
— Que bom.
O caminho até o restaurante era curto. Qualquer lugar em Boone era rápido de se chegar e quase sem trânsito, mas isso não os fazia serem os primeiros a chegar ao restaurante. Os moradores gostavam de jantar cedo e aproveitar os ambientes antes da noite mais escura, com os ventos frios e as grandes possibilidades de chuva que sempre aconteciam próximo ao dia do Memorial.
estacionou em frente ao restaurante e deu a volta na picape para ajudar a descer. E quando foram andar para adentrar o local, ao invés de lhe oferecer o braço, ele segurou sua mão, entrelaçando seus dedos como se aquilo fosse a coisa mais normal que poderia acontecer.
respirou fundo, tentando controlar as batidas do seu coração que não se acalmava em nenhum momento, principalmente agora que sentia a palma da mão áspera de contra a sua. Quão monótono seria dizer que já fazia tempo demais que tinha sentido aquilo e que recordar aquele toque parecia não ter passado dez anos longe?
Porque era só o que sua mente conseguia pensar.
O tempo inteiro.
Ao se aproximarem da mesa, puxou a cadeira para que pudesse sentar e se acomodou em sua frente em seguida. O garçom lhes trouxe os cardápios e eles os analisaram em silêncio. , na verdade, nem sentia fome —estava tentando lidar com tudo o que passava em sua mente, ao mesmo tempo em que tentava ficar firme na frente de para que ele não percebesse seus olhares impressionados e ao mesmo tempo assustados.
— Pode ser o número 52. — sorriu para o garçom, devolvendo o cardápio.
— Algo para beber?
— Uma taça de vinho branco, por favor.
— E para o senhor?
— O mesmo.
— Vai comer uma salada com frango? — brincou assim que o garçom se retirou com seus pedidos anotados.
— Engraçadinha.
— Como estão as coisas na construtora? O que mais você anda reformando por aí?
— Muitas coisas. — riu. — Faz uns quatro anos que os trabalhos começaram a aumentar e precisei contratar uma equipe maior para me ajudar a conciliar tudo. Estou expandindo gradativamente, começamos em Boone, fomos para Charlotte e, agora, todo o Estado nos procura.
— Uau, isso é um máximo, . Você parece feliz.
— Eu estou. Passei seis anos tentando entender o meu papel na construtora, o porquê eu deveria assumir ao invés de vender tudo e fazer um curso de aviação. Mas, depois, tudo fez sentido e lidei com isso da melhor forma.
— Fico muito feliz por você.
— Não vai tentar me convencer a virar piloto agora? — o homem brincou, dando espaço para o garçom lhes servir a bebida.
— Bom, eu tinha um discurso pronto, mas você me surpreendeu com sua sinceridade. — Ela entrou na brincadeira, tomando um primeiro gole do vinho. — Como percebeu que era a coisa certa a se fazer?
— Quando eu entendi que não era por causa do meu pai que eu precisava fazer, mas sim por mim.
— Não teve mais contato com ele?
— Pedi para que ele não voltasse mais.
— E ele obedeceu? Não me recordo da última vez que Héctor fez algo que alguém pediu.
— Me chantageou. Pediu dinheiro pela empresa. — Um suspiro pesado escapou dos lábios do homem enquanto ele entornava um gole do líquido claro. — Mas eu já tinha toda a papelada no meu nome, dado o fato de que ele sumiu por três anos ininterruptos e poderia ter sido dado como morto. Então, não tinha mais direito a nada e foi obrigado a aceitar isso.
— Sinto muito que tenha passado por isso.
— Ele não foi um exemplo, não posso dizer que me afetou muito.
— Você sempre soube lidar bem com as coisas sozinho. É bom ver que fez uma limonada e tanto com seus limões.
— Não vamos passar a noite falando sobre mim. Como estão as coisas com sua marca?
— Estão bem. Melhor do que eu poderia imaginar. Eu trabalho 24 horas por dia, mas compensa cada segundo. Levei tantos nãos durante o caminho e agora quando olho para trás agradeço por cada um deles.
— Alguma pretensão de expansão?
— Nós já temos lojas na Austrália e no Canadá e, agora, um dos acionistas está tentando levar a marca para a Itália. Mas, para ser sincera, estou um pouco receosa com a Europa.
— Por quê? Sendo leigo no assunto, achei que a Europa era algo que os estilistas almejavam.
— Eu não estou inserida na alta costura ainda e a Europa é mais focada nesse nicho.
— Entendi. E quanto a uma loja em Boone? — tentou parecer casual em sua pergunta e agradeceu quando o garçom retornou até a mesa com os pratos que pediram e aproveitou para preencher as taças.
— Talvez ela possa acontecer. — deu de ombros, dando uma primeira garfada em seu pedaço de carne.
— Sério?
— Não sei, eu preciso de um tempo para analisar números e também dependo do que Victoria vai resolver da própria vida.
— Como assim? Quando visitamos a casa disse que não conseguiria conciliar. — O homem estava tentando não parecer ansioso, mas a mudança de opinião de o fez criar pequenas gotículas de esperança.
— Ficaria difícil comandar uma empresa em Nova York estando tão longe, mas Victoria disse estar com vontade de voltar para cá. Não sei se você sabe, mas ela assumiu a agência da mãe em Asheville depois que Nora ficou doente — a mulher contou, resumindo todos os detalhes que poderia. — Nunca foi o sonho de Victoria continuar lá, ela queria mesmo advogar em Boston, utilizar a faculdade para alguma coisa.
— E por que ela não advoga aqui?
— Disse que não quer criar concorrência, então eu ofereci para que ela cuidasse de uma loja & CO aqui em Boone. Vic topou na hora, mas precisa primeiro conversar com o marido e ver como vão conduzir tudo isso.
— Isso traria você mais vezes a Boone?
— Sem dúvidas.
— Ótimo, já é um começo. — sorriu, erguendo a taça como se brindasse.
devolveu o sorriso, ignorando as borboletas que sobrevoavam seu estômago e faziam a festa com sua ansiedade. Não sabia o que gostaria de dizer com aquela frase, mas tinha uma pequena ideia e isso já era o suficiente para sua imaginação voar e aflorar com ideias que não faziam o menor sentido.
Ela se concentrou em comer mais um pouco antes que toda sua fome fosse para o espaço e o vinho trabalhasse mais no seu organismo do que o necessário. estava à vontade para falar o que vinha a mente, e ela não sabia se isso era algo bom, pelo menos, não ainda. Era como se precisasse resolver toda sua vida em sua cabeça antes de cogitar qualquer possibilidade remota de voltar a se envolver com ele.
Logísticas, burocracias e a vida adulta. Eram alguns dos empecilhos que conseguia listar rapidamente e que já não deixava sua liberdade agir conforme gostaria. Precisava voltar a focar no objetivo principal: um jantar entre velhos amigos que sairia do seu bolso para poder agradecer toda a obra que ele tinha feito na casa dos seus avós.
Nada mais do que isso.
— Ainda existe aquela loja de cidra aqui perto? — perguntou depois de alguns minutos em silêncio enquanto degustavam da deliciosa comida.
— A adega do senhor Guller? Existe.
— De adega não tinha nada. — riu, largando os talheres quando percebeu que mais nenhum pedaço de carne entraria no seu estômago.
— Não menospreze as cidras saborosas que fizeram nossa adolescência! — acusou, chamando o garçom para lhes servir mais vinho novamente.
— Céus, como conseguíamos beber aquilo? Eram horríveis.
— Você adorava a de maçã verde.
— Era a única que se salvava entre aqueles sabores esquisitos. Lembro de quando experimentamos a de gengibre perto do Natal… sem comentários!
O homem riu, jogando sua cabeça para trás levemente, dando para uma visão mais clara de seu pescoço demarcado por veias saltadas que fizeram a mente da mulher delirar sobre o quão delicioso seria trilhar aquele caminho com beijos.
Ela negou com a cabeça, afastando aquele tipo de pensamento rapidamente.
Era vinho demais.
— Fingíamos que era champanhe e aproveitamos muito. Acho que devemos ir até lá — sugeriu.
— Agora?
— Bom, podemos escolher a de caramelo e fazer como nossa sobremesa.
— De caramelo? Existe isso agora?
— Claro. Você vai ficar em êxtase com todos os sabores que criaram.
— Ok, vou ser obrigada a concordar com isso porque estou curiosíssima. — quem chamou o garçom daquela vez, mesmo que ele tivesse acabado de sair depois de ter servido mais vinho. — Pode trazer a conta, por favor?
— É pra já.
— Você está achando que vai pagar? — ergueu uma das sobrancelhas, tomando mais do vinho antes que fossem embora.
— Óbvio que eu vou pagar. Você não aceitou o pagamento pela obra, então vai ficar quieto e vou pagar nosso jantar em troca. Você paga as cidras!
— Tudo bem, é justo, mas para sanar a dívida, vai ter que me pagar mais jantares. — O homem a encarou com um sorriso brincalhão nos lábios, observando como a tinha afetado conforme ela se embasbacava para aproximar o celular da maquininha de cartão que o garçom segurava.
concentrou-se em levantar da cadeira com classe depois que o garçom se afastou e recolheu seu casaco, que tinha colocado sobre a cadeira ao lado, apoiando-o sobre seus ombros. logo parou ao lado dela e, novamente, ao invés de lhe oferecer o braço para a pequena caminhada, segurou sua mão, entrelaçando seus dedos.
Era um contato tão ínfimo, mas que trazia tantas sensações para ambos. A mão de sempre fora marcada por calos por conta do hóquei, mas naquele momento, só conseguia imaginar o homem trabalhando pesado na construtora, botando a mão na massa, literalmente, e foi impossível evitar um queimor no seu baixo ventre.
A adega ficava apenas um quarteirão à frente do restaurante, e eles decidiram ir caminhando até lá. Era o único lugar que ficava aberto depois do horário comercial, afinal, Guller sempre ganhou dinheiro com adolescentes querendo bebida fácil para suas festas clandestinas e mesmo que fosse contra a lei, em Boone o apoio ao comércio local era o mais importante.
ficou realmente chocada quando adentraram a adega e a primeira coisa que viu foi a mesa da frente abarrotada de cidras com sabor pipoca. não conseguiu segurar o riso com a careta que ela fizera, fazendo questão de ir até a estante ao lado para apontar os outros sabores disponíveis.
Caramelo, moscow mule, cappuccino, abóbora e muitos outros sabores temáticos demarcavam o rótulo de cada uma daquelas cidras. A vontade da mulher era de experimentar cada uma delas para dar seu veredito, mas morria de medo de passar mal no fim da noite. Para a surpresa de , ela escolheu a de maçã verde e deixou com que ele escolhesse outro sabor.
rodou a loja e acabou escolhendo a de pêssego, levando ambas ao caixa e realizando o pagamento antes que desistissem daquela proeza. Quando retornaram para o lado de fora, antes que pudesse sentar no banco em frente a adega, a segurou para impedir.
— Tive uma ideia. — Ele a guiou de volta para a picape, deixando a mulher levemente confusa.
— Para onde vamos? — perguntou, tentando relembrar o caminho que fazia pelas ruas.
— Você já vai descobrir.
Não levaram muito tempo na estrada. Logo chegou em frente a um portão de madeira e saiu do carro para abri-lo, antes de voltar para seguir o caminho de grama que se estendia na frente deles. sorriu ao perceber que ele a levou até o jardim de mirtilos, que era como chamavam o enorme pomar da cidade, e que servia de ponto turístico quando seus pés estavam carregados.
Lá também foi onde estrearam a caçamba da picape, sob a luz do luar e um céu completamente estrelado. jamais se esquecera daquela noite e, pelo visto, também não. Depois daquilo, criaram uma tradição de beber cidra ali, já que ficava muito próximo a adega e poderiam observar o céu enquanto jogavam conversa fora sem que fossem interrompidos por outros adolescentes procurando algo para fazer.
— Vai me dizer que você tem um cobertor escondido no carro e vamos deitar na caçamba? — perguntou quando teve sua porta aberta pelo homem e o sorriso brincalhão que apareceu nos lábios dele fez a mulher abrir a boca em espanto.
— Bom, só porque você foi embora, não significa que eu deixei a tradição morrer. — Ele deu de ombros, empurrando o banco de couro quando já estavam sob o solo e retirou dali uma colcha xadrez.
o observou caminhar até a caçamba e a abrir para em seguida estender o cobertor ali. Aquilo lhe trouxe tantas sensações para dentro do peito que jamais saberia colocar em palavras. Claro que a fez lembrar o tempo que faziam aquilo como rotina, mas algo batia diferente em seu coração naquele momento, era como se estivesse conhecendo um novo .
E o problema?
Era que estava se apaixonando por ele novamente.
Mas torcia que fosse apenas o efeito do álcool em sua mente.
— Vem — a chamou, oferecendo a mão para a ajudar a subir, para fazer o mesmo e se sentar ao lado dela.
— Inacreditável. — sorriu, evitando contato visual e se esforçando para abrir sua cidra de maçã verde.
— Posso tirar seus sapatos para ficar mais confortável? — perguntou, apontando para as sandálias de salto nos pés de .
Ela apenas concordou com a cabeça, deixando-o desafivelar as tiras em seus tornozelos com uma delicadeza que a fez prender a respiração. Não era como se não fosse um poço de romantismo na época em que eram adolescentes, mas o adulto era um homem saído de um filme de comédia romântica, e não conseguia conciliar tudo aquilo.
— Você tem sido um cavalheiro o dia inteiro — ela comentou, dobrando os joelhos e colocando parte da perna para o lado depois de ter seus dedos aliviados.
— Imagino que passar o dia com sapatos de salto machuquem os pés.
— Um pouco.
— E depois de tanto tempo sem te ver, esperava que te tratasse mal?
— Não. Só não esperava isso tudo.
— Eu seria louco se desperdiçasse minha única chance em dez anos.
tentou sorrir, mas sabia que seria impossível. A resposta de foi um baque para seu corpo, e tudo o que ela conseguiu foi entornar a garrafa de cidra na boca e tomar longos goles daquele suco de maçã verde com 3% de álcool.
Céus, fazia quanto tempo que um homem não se declarava abertamente para ela daquela forma? Quer dizer, ela se lembrava perfeitamente da última vez, os perfis de fofoca de Nova York não a deixaram esquecer por meses, mas jamais seria igual a sinceridade explícita nos olhos de .
— Você já trouxe alguém aqui? — A voz de saiu baixa, com medo.
Não era a coisa mais corajosa de se dizer ou de perguntar. Mas algo em seu peito exigia uma resposta para aquilo. Precisava alinhar muitos pensamentos antes de se aprofundar em cada declaração que ele lhe dava.
— Não. Quando venho, um engradado de cerveja é minha única companhia.
— Quem lhe mostrou aquela foto? — Perguntas sobrevoavam a mente de e sua língua a obedecia, implorando por respostas.
— Nico.
— Eu imaginei. — Um suspiro fraco escapou dos lábios da mulher. — E por quê?
— Você estava a 994 quilômetros de mim e eles queriam que eu aproveitasse o que tinha sobrado da minha adolescência. Se isso importa para você, ficamos anos sem nos falar quando caí em mim.
— Você nunca foi atrás de mim.
… — se aproximou um pouco mais, largando a garrafa de cidra que segurava no canto da caçamba para poder segurar a mão livre dela. — Meu pai tinha ido embora, a empresa estava em ruínas, eu estava em ruínas! Queria ter ido, eu juro, mas com que dinheiro faria isso? A poupança que ele tinha guardado para a minha faculdade foi completamente esvaziada quando ele foi embora.
piscou os olhos algumas vezes, tentando evitar que lágrimas brotassem ali. Queria pôr os pingos nos is, mas não queria chorar por isso, mesmo que ainda pressionasse seu coração.
— Eu comecei a ganhar dinheiro de verdade há quatro anos. Já tinha passado muito tempo. E você nunca mais voltou, não achei que queria contato. Respeitei sua vontade.
— Acho que precisava ser assim, não é?
— Talvez. Talvez não estivéssemos aqui agora se acontecesse o contrário.
— Pode ser. Prefiro acreditar nisso.
— Eu também.
— Eu acho que… que nunca fiquei irritada com você de verdade pelo o que aconteceu. Só fiquei com vergonha.
— Como assim?
— Bom, eu teria agido da mesma forma se tivesse visto uma foto sua como a minha. Mas nunca fale isso em outro lugar, ou então nunca mais serei uma feminista de respeito. — Ela riu baixinho.
— Seu segredo está seguro comigo. — também riu. — Eu errei com você, não deveria ter agido de cabeça quente.
— Isso é verdade, mas tantas coisas aconteceram naquele ano. Não estou tentando justificar seu erro, só… eu consigo entender a situação.
— E eu fico imensamente grato por isso.
— Então um brinde! — ergueu sua garrafa de cidra. — Pelo retorno da nossa amizade.
— É ótimo te ter de volta, . — ergueu a própria também, batendo de leve vidro com vidro.




A claridade incomodou os olhos de quando ela conseguiu forçá-los a se abrir, mesmo que sua cabeça implorasse para que não o fizesse. Sabia que aquilo só poderia significar que seu celular tinha descarregado e que seu despertador não funcionara naquele domingo, o que era bem anormal para sua rotina. Mas levando em consideração todo o conteúdo alcoólico que havia ingerido na noite anterior, não poderia questionar muito das suas ações, já que mal se lembrava delas.
Devagar se ergueu da cama, piscando algumas vezes para tentar entender onde estava, já que todo o conjunto do quarto não a lembrava nenhum pouco da pousada dos Wilcox. A enorme porta janela de vidro em frente a cama lhe trouxe uma paz sem igual quando um vento adentrou o espaço, fazendo as cortinas esvoaçarem e fazê-la visualizar um dia lindo do lado de fora.
Ela encarou todo o restante do quarto, percebendo o armário de madeira polida que contrastava com o piso da mesma cor e material, assim como os acabamentos das janelas que ficavam na parede ao lado da sacada, trazendo muito mais iluminação e ventilação para o lugar. Era óbvio que ela sabia a quem pertencia aquele lugar, e uma vergonha súbita subiu por todo seu pescoço, esquentando seu rosto e a fazendo afastar as cobertas de cima do corpo.
Quando deu por si, reparou que seu vestido preto estava colocado em cima da poltrona próximo a porta de entrada e em seu corpo uma camiseta cinza cobria seu tronco, mas pouco suas pernas. Ela implorou baixinho para que um lampejo de memória acendesse em sua mente, torcendo para que não tivesse caído nas graças de enquanto estivesse bêbada. engoliu em seco e, assim que botou os pés descalços no chão, sua cabeça latejou novamente, fazendo-a se amaldiçoar por cada gota de cidra que bebeu na noite anterior.
Ela sorriu quando percebeu uma aspirina e um copo de água na cômoda ao lado da cama e a tomou rapidamente, levantando-se por completo para ir atrás do dono da casa antes que ele pensasse que ela era uma verdadeira preguiçosa. Tentou não se importar com a camisa cheirosa que inebriava seu olfato enquanto caminhava pelo corredor amplo e iluminado seguindo o pequeno barulho que começava a ouvir no andar debaixo.
tentou não reparar em cada detalhe daquela casa, mas foi inevitável. Tudo ao redor fazia se lembrar de — cada tipo de decoração, minimalista e com cara de campo, era exatamente o que ela imaginava que ele faria ou pensaria. O aconchego que sentia era quase palpável e se fez mais presente quando desceu as escadas e se aproximou da cozinha, sentindo o cheiro de café fresco e xarope de bordo.
— Espero que eu não tenha dado muito trabalho — comentou assim que adentrou o cômodo, parando ao notar como virava as panquecas em frente ao fogão, sem camisa e com uns shorts de malha que não cobriam toda a sua coxa torneada.
— Bom dia, . Está se sentindo melhor? — Ele virou para observá-la e sorriu em sua direção, logo voltando a atenção ao fogo.
— Ainda não, mas tomei a aspirina que deixou. Obrigada, aliás, mas como tudo isso aconteceu? — ela perguntou, apontando para a camisa que mal chegava na metade das suas coxas e a casa que não tinha nada a ver com a pousada que estava hospedada.
— Você tomou toda a sua garrafa de cidra sozinha e mais metade da minha enquanto recordávamos alguns momentos do nosso passado, depois disso deitou para ver as estrelas e pegou no sono. Então eu dirigi como uma tartaruga até em casa para que você não acordasse, mas abriu os olhos assim que chegamos — o homem contou, rindo e depositou as panquecas em cima da bancada de madeira. — Elogiou minha casa em cada cômodo que entrou e ficou tão encantada com o banheiro externo que ligou o chuveiro e tomou banho de vestido.
— Céus, . — suspirou, se aproximando da banqueta para sentar. — Me desculpe.
— Não, foi hilário e me diverti muito. Depois do banho vestida pediu para vestir uma blusa minha e se jogou na minha cama, pegando no sono logo em seguida e está dormindo desde então.
— Eu nunca fiz isso, me perdoa, de verdade. Onde estava com a cabeça? — ela negou, apoiando as testas sobre as mãos.
— Você estava se divertindo e isso foi o mais importante. — O homem deu de ombros, retirando a xícara de café do armário e servindo um pouco para . — Eu dormi no chão ao seu lado para garantir que não iria passar mal ou coisa do tipo, depois que acordei coloquei seu vestido para secar e também carreguei seu telefone ali na sala.
— Obrigada. Você tem sido muito cuidadoso.
— Ovos? — ele perguntou, retirando a frigideira do fogão e a depositando na bancada ao lado das panquecas.
— Devo me preocupar com o sabor dessas comidas?
— Experimente e me diga. Tive bastante tempo para testar minhas habilidades. — também se serviu de café e deu a volta para se sentar ao lado de .
Ela assim o fez, pegou um pouco dos ovos mexidos e experimentou em uma pequena garfada. A surpresa veio nos primeiros segundos, e uma explosão de sabores invadiu sua boca, a fazendo arregalar os olhos e repetir mais alguns pedaços sem falar uma palavra, aliviando a dor no estômago que nem reparou que estava sentindo.
— Acho que está gostoso. — riu, também se servindo para poder tomar o café da manhã. — Quais são seus planos para hoje?
— Não sei — respondeu depois de tomar um gole do café preto. — Tenho certeza de que devem ter milhares de mensagens da minha assistente no meu celular me implorando para enviar logo os desenhos dos vestidos que ainda nem fiz. E você?
— Preciso passar na construtora para pegar os pergolados que fiz para o dia do memorial e levar até o centro. Depois disso, estou livre.
— Você é um verdadeiro cidadão de Boone, uh? — a mulher brincou, virando o corpo para ficar de frente para e roubar um pedaço de panqueca que ele havia acabado de cortar.
— Um cidadão exemplar.
— Só falta se casar com uma dona de padaria e procriar seus cinco filhos nessa imensidão de terreno que você vai começar a criar vacas, galinhas e ovelhas.
— Tenho planos diferentes.
— Ah, é? E quais são?
— Reconquistar uma estilista famosa, me casar com ela e decidir se vamos criar nossos filhos em uma cidade calma do interior ou no agito grotesco de Nova York — respondeu aquilo tão naturalmente que fez engasgar com a própria saliva e dar pequenas tossidas enquanto tentava entender o que tinha acabado de ouvir.
Poderia continuar brincando com aquele assunto, mas todas as palavras fugiram da boca de enquanto ela repetia aquela frase sem parar em sua cabeça. estava levando aquilo a sério, mais do que ela gostaria ou planejava. Não era apenas uma reconciliação de velhos amigos, porque passaram mais tempo sendo namorados do que amigos, era uma verdadeira tentativa de de mostrar para que ainda estava disposto.
Mas será que ela estava? Sua vida não era mais ali, pelo menos, não via sentido em ser. Nova York era o polo da moda, onde crescera sua marca e a fizera conhecida em diversos lugares. Como poderia abrir mão daquilo e voltar ao passado para um lugar que a machucara ao mesmo em que a fizera feliz? Sabia que tinha dito para que já tinha o perdoado há muito tempo e que entendia as razões que o levaram a fazer aquilo, mas será mesmo que estava pronta para dar aquele passo a mais em tão pouco tempo?
Eles estavam se dando bem e era visível o quanto ainda gostavam um do outro, mas tinham vidas diferentes, rotinas diferentes e, céus, como se encaixariam naquilo? Era tanto a se pensar, tantas coisas para colocar na balança. Mesmo que jogasse tudo para cima e encarasse aquilo de frente, tantas coisas ficariam para trás que seria como dar um tiro no escuro e esperar que acertasse o alvo na pontuação máxima. Era quase impossível.
, eu…
— Tudo bem, você pode pensar sobre o assunto. Mas sei que sua passagem de volta já está garantida desde que chegou e eu não posso deixar você ir embora novamente sem saber que eu ainda gosto de você. — Ele também se virou, encarando nos olhos. — Eu nunca deixei de gostar, . Sempre foi você e duvido que um dia isso mude. Talvez eu precise me adequar a sua vida e viajar mais vezes do que gostaria, mas eu estaria disposto. Faria qualquer coisa para ter você novamente.
— Você está falando sério? — ela sussurrou, não desviando o olhar em momento algum, mas com o coração tão acelerado que podia senti-lo bater em seus ouvidos.
— Muito sério. Eu me segurei o dia inteiro ontem. Queria te beijar e te abraçar novamente, mas corria o risco de você não se recordar depois de tanta cidra, e eu quero que você se lembre. Eu quero que sinta o mesmo que eu, . — se levantou e se encaixou entre as pernas da mulher, deslizando uma das mãos pelo rosto dela, enquanto a outra acariciava sua nuca. — Você sabe que ainda existe algo aqui, que desde que nos vimos novamente, tudo voltou a girar normalmente. Isso é certo, . Eu e você.
— Você parece estar lendo minha mente, porque está tentando responder todas as perguntas que estão sendo feitas aqui.
— Eu me preocupo também. Construí minha vida aqui e você lá, temos nossos problemas e nossos compromissos. Mas eu faria qualquer coisa para estar com você novamente. Faria tudo para que pudesse acordar todos os dias assim, com você na minha cama, tomando café da manhã comigo e me perguntando quais são os meus planos para o dia.
— Eu sonho com isso há dez anos. — A voz de era quase um suspiro, porque todo o seu cérebro e seu coração pareciam uma verdadeira bagunça. — Tudo o que está falando sempre foi o que eu quis.
— Então me deixe te mostrar que conseguimos. — baixou um pouco a cabeça e trocou as mãos, segurando o rosto de pelos dois lados, roçando suas bocas e tentando manter o autocontrole.
— Eu… eu quero. Quero muito. Mas… , eu preciso analisar tanta coisa antes.
— Tudo bem, eu entendo — ele concordou, se forçando a se afastar um pouco antes que seu corpo gritasse por ela.
— Não, volta aqui — implorou, puxando-o pela cintura e fazendo aquilo que não aguentava mais esperar.
Ela uniu suas bocas em puro desespero e foi como se nada mais importasse. Tudo ao redor sumiu quando lambeu seus lábios e juntou suas línguas em um elo perfeito e único. Era muito melhor do que se lembrava e lhe trazia sensações indescritíveis, arrepiando toda sua pele exposta enquanto se agarrava no pescoço do homem e mandava embora toda a saudade que sentia de cada centímetro dele.
Como poderiam se encaixar tão perfeitamente? Como poderia existir aquele homem que parecia ser feito sob medida para ela? nunca entenderia porque ela e conseguiam soltar faíscas imaginárias pelos poros quando se uniam, transformando o sentimento em toque e ultrapassando todas as barreiras que impunham limites em seus corações.
Era único.
Sempre seria.
— Eu senti sua falta todos os malditos dias — murmurou contra os lábios do homem, tentando controlar sua respiração descompassada.
— Eu também. E não quero nunca mais sentir isso.
— Eu falei sério quando disse que precisava resolver algumas coisas, mas prometo que até final do dia eu te dou uma resposta concreta, tudo bem?
— Vou ficar esperando. — Ele foi sincero, juntando seus lábios novamente em um selinho demorado. — Você quer voltar para a pousada?
— Querer eu não quero, poderia facilmente passar o dia aqui, matando toda a saudade que ainda aperta meu peito. Mas eu preciso. — formou um biquinho triste em seguida para demonstrar sua chateação.
— Se você falar isso mais uma vez vou te manter em cárcere privado dentro dessa casa — ameaçou, arrancando uma risada de .
— É bom saber que sentiu minha falta também. — A mulher deu um beliscão fraco nas costas de e logo ouviu o som característico de uma chamada sendo recebida pelo seu celular, murchando no mesmo momento. — Minha assistente deve estar com saudades também.
riu e deixou com que descesse da banqueta, dando um tapa leve na bunda dela antes de ela partir na direção da sala, onde o celular se estrangulava em uma música alta e irritante. O nome de Poppy aparecia na tela e antes de atender, pegou o aparelho e se jogou no sofá, como se estivesse em sua própria casa.
— Bom dia, Poppy. Hoje é seu dia de folga. — Ela gostou de lembrar, sabendo que a assistente tinha atrapalhado um momento que ela não gostaria de ter saído.
— Bom dia, chefinha. Eu sei, mas são quase onze horas da manhã e você ainda não me mandou o vídeo para lançarmos os shorts jeans e nem respondeu minhas mensagens para dizer como estão os desenhos dos novos vestidos. Fiquei preocupada, não é como se você realmente utilizasse o final de semana para descansar.
— Eu me dei o luxo de dormir até mais tarde hoje, mas mando o vídeo antes das duas da tarde — mentiu, esticando as pernas no colo de quando o mesmo se sentou ao seu lado, com uma xícara de café quentinha e seu celular em mãos, conferindo algo em sua tela.
— Tudo bem, eu te perdoo por isso. Alguma novidade?
— Bom, talvez eu tenha. Quão afim você está de montar uma nova loja? — a mulher mordeu o lábio inferior, prendendo o sorriso alegre quando a olhou.
— Eu adoro fazer isso, você sabe. Está pensando em abrir uma em Boone? Posso ver os locais que estão para alugar.
— Não precisaria. Já temos um local e nem pagaríamos aluguel. Só precisaríamos de alguns móveis a mais para estocar as roupas e de uma coleção inteira para iniciarmos as vendas.
— E quem ficaria na loja? Você?
— Não, não por enquanto. Tem uma amiga que preciso confirmar.
— Certo, o que quer que eu faça?
— Contate Fergson e veja o que ele acha. Depois, verifique a contabilidade e o quão estaríamos disponíveis financeiramente para esse projeto, levando em consideração que Boone é uma cidade pequena e não muito turística.
— Provavelmente vão pedir uma em Charlotte para manter os custos, se necessário.
— Pensei nisso também. Verifique em Charlotte os lugares que estão disponíveis para locação e que seriam bons para uma loja nossa.
— Perfeito, já estou verificando.
— Ótimo, depois me passe todos os detalhes que deixei de fora na ligação. Vou verificar com minha amiga se ela já tem uma resposta para me dar.
— Tudo bem. Envio todas as informações até o início da tarde.
— Obrigada, Poppy.
desligou a chamada sem esperar uma resposta da assistente, afinal os olhares de estavam a matando e tudo o que ela queria era subir no colo dele e continuar a matar aquela saudade arrasadora que deixaram acumulada em anos. Naquele momento, ele estava concentrado em digitar alguma resposta no seu celular e ficava tão lindo que ainda não conseguia acreditar que ele não tinha uma namorada.
— Pode me levar para a pousada? — a mulher perguntou, mexendo o pé para alcançar a barriga dele.
— Posso. Que horas eu te busco novamente? — Ele bloqueou o aparelho, largando-o sobre a mesinha ao lado do sofá e segurou um dos pés de , o levando até seus lábios.
— Preciso conversar com Victoria e desenhar alguns vestidos, talvez no início da noite?
— Que tal você conversar com Victoria enquanto eu levo o pergolado para o centro e quando terminarmos eu te busco? Você pode fazer os desenhos aqui. Não vou achar ruim ficar te observando enquanto trabalha.
— Uma oferta tentadora. — mordeu o lábio novamente, já imaginando o quanto atrasaria aqueles vestidos.
— Combinado então. — piscou um dos olhos e se debruçou sobre a mulher, beijando seus lábios sem delongas.

Depois que eles perceberam que precisavam voltar à realidade, se arrumou para o trabalho e deixou em frente a pousada, fazendo-a desbloquear seu número no celular para que pudessem se falar mais tarde. A caminhada da vergonha nunca foi tão real para a mulher, enquanto andava sobre os saltos finos e ajeitava o vestido sobre o corpo, torcendo para que ninguém estivesse na recepção e começasse a lhe fazer perguntas.
Nunca agradeceu tanto aos céus quando percebeu que a o balcão estava vago e fez o máximo que poderia para subir os degraus depressa, não querendo ser surpreendida no meio do caminho. Mas nem tudo estava ao seu favor, infelizmente. Quando avistou a porta do seu quarto, um muxoxo escapou de seus lábios ao perceber Victoria ali, prestes a bater.
— Bom dia. — vestiu o melhor sorriso que poderia, tentando não transparecer absolutamente nada.
— Bom dia, estava querendo muito falar com você. — Vic pareceu aliviada ao ver a amiga e deu espaço para que ela abrisse a porta e adentrasse o cômodo. — Onde você estava toda arrumada desse jeito em um domingo de manhã? Foi a igreja ou… Ah. Meu. Deus.
fechou os olhos, dando as costas para a amiga e a deixando fechar a porta e se sentar na cama, o rosto em completo choque.
— Você passou a noite com !
— Não é bem assim. Eu passei a noite com ele, mas nada do que sua mente fértil está imaginando aconteceu! — A estilista foi rápida, retirando as sandálias e jogando próximo a sua mala para se sentar na cama, ao lado de Victoria.
— Nadinha? — Vic estreitou os olhos.
— Ontem à noite, não. Bebi cidra demais e dormi na caçamba da picape, então como um bom cavalheiro, ele me levou para casa e me deixou dormir na sua cama.
— Só isso? Vocês não se beijaram, nem conversaram, nada? — A frustração estava explícita no rosto de Victoria e riu.
— Conversamos. E hoje de manhã, nos beijamos.
— AH. MEU. DEUS. — Victoria ficou de joelhos em cima do colchão como uma adolescente e se virou para . — Ok, me conta tudo.
— Não tem muito o que falar, de verdade. Ele é o e eu já o tinha perdoado há muito tempo. Ele falou coisas lindas, coisas que eu sonhava também e foi isso. Acho que me apaixonei por ele novamente e tudo parece diferente.
— E o que vocês vão fazer agora? Quer dizer, vocês voltaram?
— Não sei. Eu preciso verificar muitas coisas, minha vida inteira foi formada em Nova York e eu não sei se conseguiria abrir mão disso. E não quero que ele abra mão da vida dele por mim também. Pedi que ele esperasse até o final do dia para termos uma resposta concreta sobre isso. — A mulher suspirou, puxando o travesseiro para poder deitar sua cabeça e olhar para o teto. — Queria que fosse mais fácil, mas não tem como. Teríamos que estar dispostos a conciliar um namoro a distância.
— E você acha que não daria certo?
— Eu não sei. Acho que estamos maduros agora e que queremos isso com muita convicção, mas eu tenho uma rotina muito corrida. E imagino que ele também tenha.
— Droga, queria poder ter uma solução para vocês. — Victoria fez o mesmo que a amiga, deitando ao seu lado. — Talvez com uma loja & CO por aqui, você consiga vir mais vezes à Boone.
— Sim, acredito que sim. Você falou com Oliver? — se virou para a amiga.
— Sim e não foi uma conversa bem sucedida. Liguei para ele hoje de manhã e talvez tenha custado meu casamento.
— Vic, não. Você não pode fazer isso se vai precisar se divorciar de Oliver.
— Sendo sincera? Eu acho que vai ser melhor assim. Eu preciso de novos ares, novas expectativas e voltar para Boone me parece a coisa certa. Se Oliver não entende isso, então prefiro me divorciar.
— Eu sinto muito, querida. — esticou a mão, acariciando o braço de Victoria. — Não queria ser um problema para você.
— Não, você não foi. Você foi a solução do meu problema. Estávamos desgastados e agora Oliver pode ficar na Austrália em tempo integral e eu posso vender a agência sem me sentir culpada. Não crie minhocas na cabeça, cuidar de uma loja sua vai ser incrível e eu não poderia pedir um emprego melhor na minha cidade natal.
— Obrigada. Conversei com a minha assistente e ela logo vai me mandar todos os detalhes que preciso acertar para podermos abrir a loja, então quando estiver disponível, pode começar a trabalhar.
— Vou para Asheville amanhã cedo para tentar organizar tudo.
— Tudo bem, mas não vai ficar para ver o desfile?
— Não vai ter o desfile, achei que soubesse. — Victoria franziu o cenho, achando que toda a cidade já sabia daquilo.
— Como assim não vai ter o desfile? Eu marquei meu voo para às três da tarde só para poder ver o desfile.
— A senhora Preston machucou o pulso e não conseguiu terminar todos os figurinos em tempo, então eles cancelaram.
— Não! — murchou, se sentando novamente e encarando a parede enquanto sua mente trabalhava sem parar.
— Os carros alegóricos com as mulheres vestidas de época vão fazer falta, mas quem sabe no ano que vem.
— Quantos figurinos faltaram?
— Não sei, precisaria perguntar para Lola. Ela sabe melhor das informações.
— Você ainda consegue mexer em uma máquina de costura, não consegue?
— Consigo, mas por que está me perguntando isso?
se levantou depressa e conferiu o celular. Ainda não era meio-dia, e se corresse, dependendo da quantidade de vestidos que faltavam, poderia terminar tudo em tempo e ajudar a cidade a ter seu desfile anual do Dia do Memorial, em que os locais saudavam os fundadores da cidade e contavam suas histórias de superação. Seria sua missão em Boone antes de ir embora.
— Porque vou terminar os figurinos, com a sua ajuda, é claro. Mas temos pouco tempo e precisamos saber quantos faltam. E também precisamos saber se os carros alegóricos foram feitos.
— Tudo bem, você endoidou. Não vai dar tempo.
— Claro que vai. Se trabalharmos a tarde toda conseguimos fazer isso, nem que o carro fique com menos pessoas que o normal. Não é justo não acontecer o desfile. — A estilista foi até o armário, retirando o vestido que usava e o jogando lá de qualquer jeito, puxando os shorts jeans da nova coleção e a camisa de linho branca que não saia do seu corpo.
Não teria tempo de fazer um vídeo se arrumando para os seus seguidores, mas faria alguma coisa com a roupa no corpo depois que falasse com Lola Wilcox e obtivesse toda a informação necessária para que conseguisse fazer o desfile acontecer sem nenhum problema. Era isso o que Boone precisava e o que faria se desculpar com a cidade, mas principalmente, com seus avós, depois de tanto tempo longe.
— Ok, você vai realmente me fazer trabalhar no domingo, não é? — Victoria tinha metade de um sorriso no rosto, porque ao mesmo tempo que estava chateada por ter seu domingo calmo transformado em algo agitado, também estava feliz de ver sua amiga se envolvendo novamente nos assuntos municipais, como sempre fora.
— Vou. Vamos mexer nossas mãos e costurar! Vai ser ótimo, como nos velhos tempos. — sorriu, se vestindo depressa para poder pegar seus tênis. — Espero que Lola esteja na pousada.
— Com certeza deve estar. Posso ir procurá-la enquanto termina de se arrumar, o que acha?
— Acho ótimo, tente descobrir quem ficou responsável pelos carros alegóricos esse ano e se essa pessoa terminou o trabalho.
— Tudo bem, é pra já. Te encontro lá embaixo.
aproveitou para poder passar algo em seu rosto, tentando espantar aquela preguiça que era claramente vista em suas olheiras e arrumou seu cabelo, prendendo uma parte para não a atrapalhar durante o dia. Básica, confortável e sem estresses, o dia estava perfeito para o trabalho, mesmo que não estivesse de salto alto e roupa social.
Ela arrumou o tripé, em seguida, próximo a janela, aproveitando a luz natural do dia para que estivesse no mesmo ambiente do vídeo anterior. Apertou o botão para iniciar a gravação e foi até a frente da cama, deixando todo seu corpo aparecer na tela do celular.
— Bom dia, dreamers ou boa tarde! — sorriu, acenando. — Hoje eu não consegui fazer um vídeo completo me arrumando, porque me dei ao luxo de dormir até mais tarde e acabei descobrindo que o desfile anual do Dia do Memorial não vai acontecer aqui em Boone, então decidi que vou tentar consertar os figurinos para que possamos realizá-lo. Estou indo agora mesmo colher mais informações e me sinto pronta para passar o dia inteiro trabalhando, por isso optei por nosso novo modelo de shorts jeans. Ele tem o caimento incrível e não aperta em lugar algum, deixando todas as partes confortáveis. — A estilista deu uma voltinha para mostrar a parte de trás e se virou novamente. — Para fazer conjunto com ele, coloquei nossa camisa de linho da coleção passada, que deu o acabamento que eu precisava para que tornasse todo o look em algo mais formal e não tão casual. Um tênis foi a melhor opção para correr para lá e para cá o dia todo, e não esqueçam que temos cupom de desconto no site da Nina! Me despeço de vocês agora para que me reste todo o tempo necessário para os figurinos. Me acompanhem nos stories, vou tentar mostrar como funciona os bastidores. Os shorts já estão disponíveis no site e eu prometo que ninguém vai ficar sem!
desligou o vídeo e o enviou para Poppy logo em seguida, ignorando todo o restante de mensagens que estavam notificando em seu celular. Primeiro, precisava descobrir como fazer o desfile acontecer, depois se preocuparia com todos os outros problemas que precisava resolver.
Boone não poderia ficar sem seu desfile anual.
Ela colocou o celular no bolso e saiu do quarto, descendo as escadas com mais pressa do que o necessário e pedindo desculpas para os hóspedes que acabou esbarrando no caminho. foi direto até a sala de chá, imaginando que Lola e Victoria estariam ali e agradeceu por seu sexto sentido estar sempre certo, sentando-se na poltrona vazia ao lado da mulher mais velha.
Estava eufórica.
— E então? — ela perguntou, ansiosa, sorrindo quando viu que Lola primeiro iria preencher sua xícara para depois então falar alguma coisa.
estava responsável pelos carros alegóricos — Victoria falou naquele tempo. — Enviei uma mensagem para ele perguntando se estão prontos.
— Ótimo. E quanto aos figurinos?
— Na última vez que conversei com Meredith, ela tinha conseguido finalizar 10 vestidos e 5 ternos — Lola contou, erguendo seu pires para tomar um gole do chá quente. — Depois disso, ela acabou machucando o pulso enquanto brincava com a netinha e não sei se deu jeito em mais algum.
— E são quantos ao total?
— São 30 pessoas que ficam divididas em dois carros alegóricos, querida. Quinze homens e quinze mulheres.
— Então faltam 5 vestidos e 10 ternos, isso?
— Possivelmente.
— Acho que conseguimos terminar até amanhã. Será que a senhora pode ir conosco falar com a senhora Preston?
— Não será necessário, posso telefonar para ela. Você vai precisar arranjar máquinas de costura.
— Valerie deve ter uma — Victoria sugeriu, mordendo o lábio, estava ficando tão ansiosa quanto naquele momento.
— Mas ela mora em Charlotte, até buscar e trazer é muito tempo. Vou ligar para e tentar descobrir onde enfiaram a minha máquina antiga.
— Posso tentar ver se Meredith empresta a dela também. Precisaríamos de mais uma.
— Mais uma? — olhou confusa para Lola.
— Você acha que vou ficar parada, querida? Nada disso, vou ajudar vocês. — Lola Wilcox sorriu alegremente, satisfeita com aquele domingo ensolarado que trazia para Boone seus antigos alunos e muita força de vontade. — Ela deve saber mais alguém para emprestar.
— Obrigada, senhora Wilcox. — sorriu, estendendo a mão para a mais velha e respirando fundo para tomar seu primeiro gole de chá e tentar relaxar antes do trabalho de verdade.
— Eu que agradeço. A ajuda de vocês vai ser de grande importância para a cidade, todos estavam chateados que não aconteceria o desfile. Vou pedir para Ken organizar a sala de chá para que possamos trabalhar aqui. Precisam que os figurantes venham para tirar medidas?
— Seria importante. — concordou.
— Ótimo, então se hidratem um pouco enquanto cuido dos detalhes que me cabem. — Lola anunciou, se levantando da poltrona para se retirar dali.
— Vou ligar para Valerie e ver no que ela pode nos ajudar. — Victoria falou, retirando seu celular do bolso para fazer a ligação.
— Isso, toda ajuda vai ser bem vinda.
— É bom te ter de volta, presidente do grêmio. — Vic piscou para a amiga, tomando um último gole de chá e se retirando para o lado de fora da pousada.
sorriu e também pegou seu celular. Estava fazendo algo que há muito não fazia e uma felicidade absurda preenchia seu corpo, mesmo que soubesse que poderia parar de trabalhar somente durante a madrugada, fazer o desfile anual de Boone era importante para ela e não gostaria de deixar aquela memória morrer, mesmo que tenha passado tanto tempo longe.
Ela rolou sua agenda telefônica e mordeu o lábio quando viu o nome de ali novamente. Nem se lembrava mais do número dele, que antes sabia de cor, mas algo remexeu em seu estômago quando ela apertou sobre o nome dele e colocou o celular no ouvido, escutando o barulho da ligação sendo feita.
— Estou quase terminando e poderei ser sua companhia muito em breve — ele anunciou quando aceitou a chamada e conseguiu ouvir algo sendo martelado em seguida.
— Então, quanto a isso, acho que vamos ter que mudar nossos planos.
— O quê? Por quê? — A mudança do tom de voz dele foi brusca e quase se sentiu mal por ter falado aquilo.
— Porque estou prestes a fazer o desfile anual acontecer e vou precisar da sua ajuda.
— Do que está falando, ?
— Eu soube agora que a senhora Preston machucou o pulso e não conseguiu terminar os figurinos para o desfile, por isso ele foi cancelado. Então decidi que vou terminar as roupas e Victoria está me ajudando, juntamente com Lola Wilcox. Talvez passemos o restante do dia costurando e provando.
— Por isso tem uma mensagem de Vic perguntando sobre os carros alegóricos?
— Sim! Eles estão prontos?
— Deixei alguns detalhes de lado quando cancelaram o desfile.
— E você acha que consegue terminar para que eles possam funcionar amanhã?
— Vou ligar para Rich e ver se ele me ajuda. Não é algo tão trabalhoso.
— Isso! Muito obrigada. Vai ser incrível conseguir fazer esse desfile acontecer.
— Você não mudou nadinha, não é?
— Isso é ruim? — ficou receosa.
— Não. Jamais. Estou feliz que esteja fazendo isso. Um pouco triste que não vamos poder ficar juntos durante a tarde, mas vai valer a pena. É bom saber que nunca vai ser um erro insistir em você, .
O ar faltou para a mulher e ela não conseguiu responder de imediato. Um sorriso enorme brilhou em seus lábios e ela sentiu como se estivesse voando no meio das nuvens.
— Eu te amo, — ela assumiu, pouco se importando com o tempo, com a falta dele e também com todas as coisas que precisariam resolver.
Botar para fora foi a melhor decisão dos últimos dias e poderia parecer cedo, mas para já estava tarde e ela não aguentava mais segurar o fato de continuar a amá-lo, mesmo depois de tanto tempo.
— Você não pode fazer isso estando longe de mim, sem que eu possa te beijar.
riu.
— Eu também te amo, . Sempre vou amar.
— Te vejo mais tarde — ela anunciou, não esperando resposta e desligando a chamada antes que o pedisse para buscá-la e eles desistissem completamente do trabalho ardiloso que teriam pelo restante do dia.

Entre ligações de Poppy para acertar detalhes da nova loja, notificações enchendo seu celular sem parar e duas fita métricas presa ao pescoço para ter certeza que as medidas ficariam perfeitas, passou a tarde, juntamente com Lola Wilcox, Victoria, Valerie e, por incrível que pareça, Hellen. Elas se dividiam em costurar as bainhas, cortar os tecidos, medir os figurantes e refazer o processo sempre que fosse necessário e alguma das peças começasse a se mostrar pronta.
Conseguiram fazer sete figurinos de quinze até a hora do sol se pôr. Os dedos imploravam por socorro e as costas gritavam por uma cama confortável, mas nenhuma das mulheres estava a fim de desistir, todas elas estavam determinadas em terminar todas as roupas para que aquele desfile acontecesse da melhor forma possível. Josh Wilcox passou a tarde revezando com Ken para que atendessem os clientes da pousada, pedindo desculpas pela bagunça na sala de chá e levando água, suco ou bolachas caseiras para que nenhuma delas passasse mal no percurso.
— Nunca pensei que estaria trabalhando com vocês em prol de um desfile — Hellen confessou quando deu sua hora de trocar de posto com Victoria para descansar as mãos.
— É a magia de Boone — Lola Wilcox falou, baixando um pouco seus óculos para finalizar um ponto na bainha de uma das calças. — Pronto, temos oito figurinos completos. — A mais velha sorriu, colocando a peça de roupa sobre a mesa que abrigava os trabalhos já feitos e parou um pouco para tomar uma água.
— Faltam sete. — Valerie suspirou, segurando os tecidos que tinha acabado de cortar e os entregando para Victoria que estava em frente a uma das máquinas de costura.
Elas só tinham conseguido duas, mas estavam sendo firmes e fortes e realizando um bom trabalho com elas.
— Se vocês quiserem desistir, essa é a hora. — riu, esticando mais um dos tecidos para poder moldá-lo.
— Não, vamos fazer isso acontecer — Victoria falou, piscando para a amiga e se concentrando em costurar novamente.
— Trouxemos pizza! — A voz animada de Rich preencheu o ambiente e todas olharam aliviadas para ele, como se a fome estivesse destruindo seus órgãos internos.
— E reforço, mãos que podem trabalhar. — Jack veio logo atrás, carregando mais caixas de pizza.
— E eu só trouxe a minha presença mesmo — brincou, entrando logo em seguida e largando alguns refrigerantes na mesa vazia ao lado das pizzas.
— Obrigada, meninos. Vai ser ótimo ter mais gente. — Hellen sorriu amistosa, fazendo todos estranharem, mas não reclamarem, enquanto abria uma das caixas para comer uma fatia quentinha de pizza.
— Você deve estar exausta. — parou ao lado de , observando atentamente enquanto ela cortava o tecido escuro com muita concentração.
— Com um pouco de dor nas costas. — Ela sorriu na direção do homem, finalizando mais um molde de calça. — Mas extasiada demais com tudo para sentir.
— Faltam muitos moldes? O que posso fazer para ajudar?
— Preciso cortar mais duas calças e três blazers. Começamos pelos vestidos que tomaram muito mais tempo. E você pode ajudar colocando os alfinetes para juntar os tecidos aqui nos cantos. — Ela apontou para a caixinha ao lado e também nos pontos que deveria alfinetar. — Enquanto isso, vou comer um pedaço de pizza porque minha barriga está roncando.
— Será que posso roubar um beijo antes disso? — ele murmurou próximo ao ouvido dela, causando arrepios na pele de .
olhou ao redor, levemente insegura em ter tantos olhares sobre eles com aquela novidade. Aproveitou que estavam concentrados em comer e virou o rosto, juntando seus lábios rapidamente. Poderia viver daquela forma e jamais acharia ruim.
— Vamos todos fingir que não vimos porque ainda temos muito trabalho pela frente, mas vai ser o assunto da madrugada! — Valerie falou fingindo estar sussurrando, mas em tons bem elevados e arrancou risos dos amigos.
sentiu a bochecha ficar vermelha e se aproximou da pizza para evitar falar. Lola a olhou sorridente enquanto trocava o olhar para , era como se dissesse que aquilo já estava previsto e era o que esperava de ambos.
Eles continuaram se alimentando enquanto os rapazes faziam perguntas para que pudessem começar a ajudar também. Levaram a tarde toda para finalizar os carros, mas mesmo assim estavam dispostos a botar a mão na massa na hora da costura para que o desfile voltasse a celebrar pelas ruas de Boone. Josh Wilcox já tinha até alertado o prefeito sobre essa mudança e ele não poderia estar mais contente.
Depois que todos estavam satisfeitos e sem nenhum empecilho que os deixassem cansados para trabalhar, cada uma retornou ao seu posto inicial. Rich e ficaram ao lado de aprendendo como usar o molde em cima do tecido e qual a distância segura em que poderiam cortar, para em seguida ocuparem uma mesa próxima e fazerem o mesmo com o restante dos moldes.
Jack, por sua vez, se sentou ao lado de Lola e seguiu cada ensinamento da mulher para finalizar uma boa bainha e cortar todos os fios que ficavam sobrando depois da roupa passar pela máquina de costura. Valerie, Victoria e Hellen se revezavam nas máquinas e sempre conferia as peças para ter certeza que elas ainda tinham jeito com aquilo e que as aulas extras de costura na escola tinham ajudado para alguma coisa.
se certificou de que os rapazes que iriam desfilar teriam camisas sociais brancas para vestir por baixo do blazer, para que elas não precisassem ter trabalho a mais naquela ocasião. Por isso, com a ajuda de seus amigos, eles conseguiram finalizar todos os figurinos quando o relógio anunciou 01h45 da manhã. Já estavam devorando o que sobrou das pizzas quando Lola se despediu para dormir e agradeceu a cada um deles pela ajuda e o trabalho em equipe.
— Estou ansiosa para ver o desfile amanhã — ela falou antes de se retirar para o próprio quarto.
— E eu estou ansiosa por um bom banho e uma cama confortável. — Victoria se esticou no sofá de dois lugares, jogando a cabeça sobre o braço e fechando os olhos.
— Obrigada por me ajudarem com essa ideia maluca. — sorriu para os amigos enquanto se sentava no chão e retirava o próprio sapato para massagear os dedos.
— Obrigada você por nos fazer trabalhar nisso. É importante para Boone e mais ainda para a nossa amizade. — Valerie se sentou ao lado da amiga, suspirando lentamente ao deixar sua coluna descansar corretamente depois de longas horas de costura.
— Se eu quiser acordar para ver o desfile amanhã, preciso ir embora. — Hellen foi quem falou, querendo muito poder descansar, mas torcendo para que chegasse na própria cama logo. — Fico feliz de terem me pedido ajuda e de ter conseguido ajudar. Até amanhã, pessoal.
— Eu te acompanho — Rich se ofereceu, ignorando os olhares sugestivos que os amigos começaram a lhe dar quando ele fez questão de seguir Hellen para a saída, erguendo o dedo do meio nas costas para garantir que eles recebessem o recado.
Todos riram abafado, não querendo chamar a atenção de Hellen ou acordar algum hóspede.
— É minha deixa também — Jack anunciou, jogando o último molde de papel no lixo e dando uma última olhada no ambiente para garantir que tinham organizado tudo. — Valerie, você quer carona?
— Com certeza. — A mulher se ergueu rapidamente, dando um pequeno abraço nas duas amigas que restaram e um aceno para . — Vejo vocês amanhã no desfile.
— Boa noite! — eles desejaram.
suspirou, acolhendo o silêncio enquanto ia até a cozinha jogar as caixas de pizza fora e Victoria cochilava no sofá. Tinha dado certo, depois de uma tarde inteira e mais da metade da noite, eles conseguiram finalizar os figurinos e o desfile foi salvo, não deixando aquela tradição morrer por um único ano.
Ela estava satisfeita. Era como se tivesse cumprido seu papel com a cidade e pudesse respirar normalmente de novo, sentindo-se em casa como há muito não sentia. pegou o celular depois de ter atualizado seus seguidores antes das onze da noite, tirando uma foto da sacola com todos os figurinos prontos para avisá-los que o trabalho estava feito.
Suas metas foram cumpridas, ela só não conseguiu desenhar os novos modelos de vestidos, mas conseguiria resolver isso no dia seguinte. Por hora, precisava deitar e dormir uma boa noite de sono, seu corpo implorava.
— Acho que essa é minha deixa. — voltou para a sala de chá, falando baixo quando percebeu Victoria apagada no sofá.
— Seria pedir demais que levasse Victoria para o quarto dela? — perguntou, aceitando a mão que ele lhe ofereceu para que ela pudesse levantar do chão. — São apenas dois lances de escada.
— Espero que eu consiga. — Ele riu, parando em frente a amiga para pega-lá no colo.
A estilista recolheu as próprias coisas e caminhou na frente de para o mostrar onde era o quarto de Vic. Eles ficaram em silêncio levando em consideração o horário, mas os degraus fizeram questão de ranger em cada passo que davam e xingou baixinho cada um deles.
A porta do quarto estava destrancada e não foi nenhum problema adentrarem para que colocasse a mulher adormecida sobre a cama. fechou as janelas e a cobriu com a manta que estava no armário, garantindo que ela ficaria confortável durante a noite.
— Obrigada por isso. — A mulher sorriu para quando saíram do quarto, fechando a porta lentamente para que não fizesse barulhos.
— Não precisa me agradecer. — Ele a puxou pela cintura, juntando seus lábios sem delongas.
— Tem mesmo que ir embora? Dorme aqui comigo — pediu quando se afastou levemente, apontando para a porta do próprio quarto. — Eu não garanto uma companhia excelente porque estou muito cansada, mas estou te devendo uma conversa.
— Vou aceitar só porque quero ouvir o que você tem a dizer.
— Sei. — Ela riu, se desvencilhando do homem para poder abrir a porta do próprio quarto.
— Você teve tempo de pensar nesse dia maluco? — sorriu, sentando-se na ponta da cama para aguardar organizar o quarto rapidamente.
— Enquanto estou trabalhando são os momentos que mais penso. — A mulher riu, fechando a janela e puxando a cortina. — Mas acho que a última vez que passei tanto tempo seguido costurando foi na faculdade.
— O que você fez hoje foi muito importante para Boone.
— O que nós fizemos. Eu só dei o pequeno empurrãozinho que todo mundo precisava.
— E quanto à loja na cidade, o que ficou resolvido? — A curiosidade dele estava completamente aguçada com aquele assunto.
— A princípio vamos fazer isso, eu só preciso ir para Nova York resolver tudo. Como Boone é uma cidade muito pequena, a lucratividade tem indícios para ser muito baixa, então o que fazemos quando isso acontece é abrir uma filial em uma cidade vizinha com maior rentabilidade, para que possa sustentar ambas as lojas. Poppy verificou alguns lugares em que seria possível abrir uma loja em Charlotte — ela contou, sentando-se na cama de frente para . — Mas ainda não consegui ler as mensagens com calma.
— E o que você tem para me dizer? Além claro de me contar sobre o eu te amo que me disse mais cedo.
As bochechas da mulher avermelharam rapidamente e ela se obrigou a encarar suas próprias mãos. Não sabia o que tinha passado em sua cabeça no momento em que se declarou pelo telefone, sabia que a euforia com o desfile tinha a ajudado e também o fato de sempre dizer as coisas certas, mas talvez tenha sido precipitado devido às consequências.
— Eu sou obrigada a voltar para Nova York amanhã. Tenho muitas coisas para resolver e agora com as duas lojas novas, mais ainda. Com a abertura da loja aqui, com certeza vou vir mais vezes para cá, mas ainda não sei como vai funcionar, não sei como faríamos para nos ver…
— Essa é sua preocupação?
— Você não acha que isso pode atrapalhar? A distância?
— Eu te diria que se fossemos adolescentes novamente, sem muito dinheiro ou uma carreira estável, sim, atrapalharia. Mas as coisas estão diferentes agora, eu tenho mais liberdade com a construtora e consigo viajar mais vezes, você também. Não vejo como não poderia dar certo.
— Você iria para Nova York comigo?
— Eu conseguiria uns dias por semana quando você não conseguisse vir para cá.
— E viveríamos assim?
— No começo, sim. Depois teríamos que conversar novamente sobre possíveis mudanças.
— Você já pensou em tudo? — sorriu, sentindo as mãos firmes dele segurarem as suas.
— Mais ou menos. Mas estou disposto a tentar, se isso for fazer com que fiquemos juntos.
— Então talvez eu precise abrir a mente sobre voltar a morar em Boone?
— Possivelmente. E eu sobre morar em Nova York. — Ele deu de ombros, se ajeitando para que ficassem mais próximos. — Se for para fazer isso dar certo, sem nenhuma desculpa, ambos teremos que nos esforçar.
— Eu sei. E confiar um no outro, sim?
— Sem dúvidas.
— Estou com frio na barriga.
— Do que você tem medo, ?
— De nos machucarmos.
— Não acho que faríamos isso. Não de propósito. Se você realmente sente o que me disse, então não deveríamos deixar isso passar, não quando a oportunidade está bem aqui na nossa frente.
Ela concordou em um menear de cabeça e juntou seus lábios em uma resposta silenciosa. queria muito aquilo, queria que eles dessem certo para o resto da vida, para que pudessem, finalmente, demonstrar todos aqueles sentimentos e se amarem de uma forma ainda melhor do que quando eram apenas crianças.
a deitou sutilmente, não deixando de beijá-la, mas aproveitando para passear por todo seu corpo com suas mãos e reconhecê-la novamente como desejava há anos. Ele foi mais do que sincero quando disse que não iria desperdiçar aquela chance. Nunca conseguiu amar outra pessoa depois de e mesmo com uma distância considerável de dez anos, tê-la novamente foi o que sempre pediu.
— Não quero nunca mais deixar você — ela confessou baixinho, sentindo arrepios quando o homem desceu os beijos pelo seu pescoço e colo.
— Vai enjoar de mim, . — ele soprou contra a pele dela, abrindo os botões da camisa de linho e vislumbrando seus seios protegidos por um sutiã rendado, enquanto sua barriga subia e descia lentamente com a respiração. — Você continua tão linda.
o puxou para mais um beijo, fazendo com que ele se deitasse sobre seu corpo e a arrepiasse completamente com todos aqueles músculos que conseguia sentir por baixo da camiseta, além do volume considerável na calça jeans que arrastava por sua barriga e a deixava ainda mais quente. Tudo o que ela queria era matar a saudade que ainda sentia, era ter dentro de si, a amando como se nada nunca tivesse mudado.
Estava com tantos sentimentos dentro do corpo que poderia explodir de felicidade e dividir com era mais do que um sonho. Era a realização de todos os seus desejos.


Fim.


Nota da autora: -

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