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Revisada por vênus. 🛰️
Atualizada em: 07.12.2024

A sensação que tomava seu corpo era diferente a cada vez que recebia aquele ser demoníaco. Sentia como se seu coração pudesse bater — mesmo que isso fosse impossível, de forma mais ilustrativa: ela era tal qual como contavam sobre os vampiros, congelada por dentro. Mas tinha aquela sensação e, de alguma forma, todas as suas extremidades também pareciam pulsar, era algo irreal até mesmo para a sua realidade. Diferente e peculiar para as histórias humanas, claro.
Achava que não poderia se surpreender a cada vez que Kartasi aparecia em sua forma humana sempre impecável, tendo o olhar que a penetrava de forma acusatória, lhe fazendo se sentir como se fosse a poeira mais fina em órbita, no ar, em todos os possíveis planos. O que a deixava sempre questionando todas suas certezas e incertezas, ele era um ser desprezível e, mesmo assim, sentia-se segura em sua presença. Há muito tempo aconteciam esses encontros casuais a cada um século e outro, ele era seu responsável e às vezes lembrava-se de que deveria ir ao meio-fio checar se tudo estava indo conforme o mandamento.
E, dentre todos os encontros que já haviam tido nos últimos séculos, Kartasi havia levado consigo um peso diferente para aquele. Ele podia sentir o que ela queria, não ouvia seus pensamentos há muito tempo, mas a forma frágil como sua afilhada se mantinha sempre em sua presença a deixava vulnerável e isso fazia com que seus pensamentos pudessem ser ouvidos por outros e suas sensações fossem emanadas para uns. Por tanto tempo, havia ensinado a ela o controle e, mesmo que reconhecesse que ainda era apenas uma menina naquele território, havia de concordar que o tempo estava passando e, se não fosse pelo último ocorrido, uma medida mais drástica deveria ser tomada para que aprendesse todas as lições.
Mas havia alguma outra medida mais drástica para que colocasse nos “eixos”? Ela ainda se sentia afetada pela cena que tinha presenciado alguns dias antes. Ver seu irmão de seleção ter sua alma levada para o inferno não era como ver as crianças brincando de cirandinha na aldeia. E ela se questionava arduamente se ainda precisaria ser testada novamente, se teria algo a mais para que se provasse imortal, para que tivessem certeza de que sua humanidade havia se esvaído como pó durante a passagem dos anos que se passaram.
E como ela deveria se sentir menos humana quando havia passado sua vida mortal miserável e a imortal dentre todos eles? Ela sentia, ela via e sabia de tudo. O fator de ser um humano ainda era muito vívido em si, mesmo que passado tanto tempo, e talvez ela nunca o deixasse morrer.
Quando viu seus arredores congelar em uma escuridão, sabia que seria a hora de ouvir a voz cortante de Kartasi. Os olhos negros, que antes eram escondidos por orbes azuis totalmente humanas, agora se mostravam firmes e cortantes em sua direção. O sentimento de submissão a atingiu e ela se ajoelhou como em um gesto de reverência. Mas o toque casto em seu ombro vindo da mão de dedos humanos compridos e finos a fez se levantar.
— Você sabe que não precisa disso, . — a voz dele era suave, apesar de todo o contexto. — Não vou-
— Me derreter em chamas como aconteceu com Kyo por não demonstrar submissão aos desejos das chamas? — sua voz saiu com mais raiva do que estava acostumada. E não se atreveu a pensar que poderia ter repreendido aquele pensamento alto: precisava e queria falar. Kartasi que se virasse com seus modos humanos, afinal ela ainda se considerava e muito uma, com condições diferentes, porém.
O viu reprimir qualquer vontade de repreendê-la. Achava curiosa a forma como aquele demônio tão importante e seguidor assíduo do senhor do inferno podia ter tamanho controle em sua ira e não a machucar como fazia com os outros. Como fez com Kyo.
— Eu não machuquei Kyo. — ele disse e ela praguejou pelo seu momento de fraqueza que o permitiu reconhecer suas sensações. — Ele escolheu pelo livre arbítrio.
— A divindade é dona do livre arbítrio. — ela respondeu enquanto se recompunha, seu tom era acusatório para as palavras do outro. — E ele deveria ter subido...
— Se a alma dele não estivesse tão podre quanto o próprio inferno, com certeza teria subido ao paraíso. — e o tom dele era de obviedade.
— Uma alma apodrecida contra a própria vontade... — cuspiu as palavras enquanto caminhava lentamente pelas pessoas congeladas em meio àquela escuridão. “Leigos”, pensou; enquanto continuavam suas vidas arrumando aquela vila que iriam povoar, ela estava em um momento com o demônio.
— Quanto tempo a mais irá levar para você entender que nada é feito contra a vontade humana? — Kartasi respirou fundo e a encarou, deixando que os orbes azuis retornassem. — A alma de Kyo foi vendida, selada, domada pelo nosso único senhor. — e não pôde evitar revirar os olhos ao ouvi-lo falar sobre o diabo com tanto orgulho.
— Ele não quis. — murmurou em resposta, a sensação do coração batendo forte novamente a tomou. Era incômodo, até, depois de muitos anos, ainda sentir como se tivesse o órgão vivo em seu corpo.
— Você está errada. O livre arbítrio escolheu. A divindade a qual você tanto gostaria de conhecer. — suas palavras para a mulher foram cheias de prepotência, não que ela estivesse desacostumada. — É redundante, querida... Kyo escolheu selar a alma dele com sangue, assim como escolheu a traição com aquele que tanto lhe deu.
— Lhe deu? — , em um passo, como um vulto, estava na frente de Kartasi, furiosa. Mostrando-se tão apavorante quanto o demônio disfarçado em sua frente; a diferença, entretanto, era que ele não a temia e, por sorte alheia, ninguém podia vê-la naquela camada. — Você fala assim porque acredita na revolta.
— E você não?
sentiu as palavras tocarem seu mais íntimo interior. Não se lembrava mais do que acreditava. Aliás, lembrava, acreditava no amor que tinha por seu irmão de alma que lhe foi tirado de forma cruel. Acreditava que nada era tão banal, mas que nada deveria ser levado a ferro e fogo, como se em verdade absoluta. Ela acreditava na indecisão, na dúvida. E acreditava no erro, principalmente depois de ter se deixado dar conta de que havia trocado sua mortalidade miserável pela imortalidade que se fazia ser tão igual.
Mas Kartasi estava certo, afinal, o livre arbítrio fazia com que humanos – principalmente os miseráveis como ela – sentissem a necessidade da grandeza, e era redundante como isso podia os guiar a qualquer decisão. Ela sabia disso, havia vivido esse cenário. sabia como era escolher selar-se no sangue em meio às chamas e depois se arrepender.
— Ele tem uma proposta a você. — Kartasi sentou-se no toco da árvore cortada e ajustou sua roupa.
— A minha alma já não foi vendida o suficiente para ele?
— Vendida, gosto desse termo, soa muito humano. — ele riu e parou no mesmo instante que recebeu o olhar cortante dela. Às vezes se esquecia de que ela estava chegando ao seu nível extremo de poder, dentro do que lhe cabia como imortal, e não daria qualquer fio de terra para entrar em uma briga com . Diferente dos outros demônios, Kartasi odiava conflitos físicos, por isso era bem reconhecido por sua capacidade “intelectual”.
— O que ele tem para mim? — desistiu e cruzou os braços em sua frente, não havia pelo quê chorar, não tinha volta e aquilo tudo era o preço de sua decisão.
— Você precisa trazer um herdeiro da família Min para nós, não importa em que ano ou qual. — Kartasi se levantou e posicionou-se próximo a um garotinho, parado entre a escuridão, pegando uma maçã no chão. — O pecado não será julgado por grau. Apenas leve-o até nosso único senhor e terá sua liberdade em troca para viver sua imortalidade como... — respirou odiando proferir o que viria a seguir — um qualquer.
— Não esconda as entrelinhas. — parou ao seu lado, os dois olhavam para o garoto.
— A última geração vai ser daqui dois mil anos, Min Jongie. Se não conseguir até ele, então terá de descer e sentar-se ao lado dele. — Kartasi a olhou ladino, sabia o quanto era solicitada pelo Diabo, mas era difícil de convencer aquela com quem sua alma estava selada.
pressionou os olhos, pensando friamente em suas opções. Se descesse ao inferno, perderia o restante de si que ainda tinha e viveria no mausoléu envolto por sangue, pecados, chamas e a angústia dos erros. Mas sua liberdade tão ansiada não era algo de tamanha inveja, ela seria apenas liberta daquele selo e poderia vagar pela terra entre os humanos como um deles. Não teria a perda do que havia ganhado com a imortalidade, mas estaria livre do inferno.
Olhou para o garoto; sabia que ele era o primeiro da linhagem dos Min que Kartasi mencionou. Era uma criança angelical, como poderia induzi-lo ao pecado e corromper sua ida ao paraíso? Ela seria egoísta a esse ponto? Estava tão morta por dentro assim?
... — Kartasi a trouxe de volta de seus pensamentos. — Pensa melhor.
Ela sabia que ele não a apoiava sobre a questão de viver por si, sozinha e perambulante pelo mundo. Mas também não queria vê-la sofrer, era sua afilhada, cuidava dela desde que fora selada. E aquele olhar negro que ela possuía quando se decidia por completo em suas escolhas o assustava.
assustava até o mais assustador dos demônios do Diabo.
Sem uma palavra sequer, ela usou de sua força imortal para cortar o pulso direito com a própria unha afiada. Kartasi não se deixou titubear e apenas virou-se em sua direção, assumindo sua forma natural para que aquele acordo fosse selado diante de um mandamento diabólico. não se assustava mais e, tomada pela esperança, estendeu seu braço cortado ouvindo-o rosnar como um cão.
— Não há volta. Seu débito será cobrado.
E dito isso, Kartesi avançou em sua direção com ferocidade, levando seus lábios direto ao sangue. Não doeu, não ardeu, apenas sentiu que mais uma parte de si havia morrido.
Nem mesmo a claridade que retornou e o barulho das pessoas trabalhando naquela vila a fizeram recuperar o calor em si de pouco antes daquele encontro. Exceto por uma presença, por um olhar fixo em sua direção.
Ela não soube o reconhecer, não saberia dizer o que era, mas tinha certeza de que ele sabia o que ela era e havia visto tudo. Da carruagem ao seu lado, não paravam de sair mais homens, devidamente bem-vestidos como ele e pálidos, de peles completamente brilhantes e de aparência saudável. Mas nem mesmo o mais alto deles era tão ou mais bonito que ele, nem possuía o olhar penetrante.
sentiu uma leve tontura e piscou rapidamente diversas vezes. Quando conseguiu manter os olhos bem abertos novamente, pôde ver que ele estava a centímetros de distância e que a segurava no chão. Era a primeira vez que tinha aquela reação ao fazer algum tipo de selo com Kartasi. O sangue era sempre meramente ilustrativo, como se fosse uma parte de sua alma de forma pastosa saindo de si e nenhum humano conseguiria enxergar.
Quando se deu conta e tocou no braço do homem em sua frente, sentiu um choque entre os dois corpos e o viu se esquivar com certa pressa. Ela demorou a raciocinar, mas quando ele abriu os lábios e proferiu “Você está sangrando”, ela entendeu bem o que ele era.
Não era necessário que se apresentasse, a beleza dele dizia tudo, esquivar-se de seu toque foi a resposta final e o olhar penetrante que emanava paz era sua certeza. Ele era o anjo caído que todos os seres não humanos comentavam e, a julgar pela sua necessidade e proposta do Diabo, seria seu concorrente pela liberdade. É claro que seu trabalho não seria fácil.
Um anjo caído iria lutar por seu retorno ao céu e ela seria sua maior inimiga, lutando por sua liberdade. Em teoria: ela seria o mal que o bem deveria vencer.


A música estava muito alta, mas não era como se todos ali não estivessem acostumados. Pelo contrário, adoravam a sensação de liberdade oferecida por aquele ambiente, como se o pecado fosse algo divino apenas ali. Sem julgamentos, sem o ar puro da sobriedade, sem responsabilidades. Mas naquela noite, em específico, não estavam ali para se divertir. Precisavam encontrar Jongie a qualquer custo antes que algo a mais desse errado. Antes que Jimin perdesse a paciência que lhe restava e voasse com pelo mar, jogando-a para ser devorada viva por qualquer demônio que a quisesse e gostasse de carne podre. Somente o pensamento para ele era tentador demais; sabia que ela, sendo farinha do mesmo saco daqueles que habitavam as profundezas escuras do oceano, não poderia ser realmente devorada por eles. Porém, ainda seria incrível vê-la ter que lutar para sobreviver — a tortura já valeria de alguma coisa para alimentar seu ego.
Estava difícil para o grupo de Seokjin controlar a imortal estagiária de Lúcifer. Ela parecia muito bem decidida a complicar o trabalho de proteger a vida e as virtudes de Jongie, o protegido em comum por motivos diferentes. Assim como fez por anos a fio com todas as gerações anteriores do rapaz. E não era só Jimin que tinha pensamentos tortuosos quanto ao que fazer com ela; Namjoon, o anjo mais paciente e cauteloso, também não via a hora de poder se livrar de de qualquer maneira. E ele o faria no momento em que viu o corpo da mulher parado no bar logo à frente de onde estavam, se não fosse por Seokjin, com o apoio de toda a sua sabedoria, segurá-lo pelo pulso.
Mais adiante de onde estavam parados, ainda perto da entrada congestionada, estava apostando com um grupo de desconhecidos quanto conseguia beber de tequila sem ficar bêbada — pobres humanos, ela estava em uma experiência de imortalidade há tanto tempo que não sentia mais efeito de nada em seu corpo. Isso apenas serviria para o divertimento dela e para que eles ficassem depois perambulando por aí, sem consciência nenhuma, fáceis para se tornarem a refeição de qualquer vampiro faminto. O que fazia com que Seokjin revirasse os olhos para a cena; tantos milênios, tantos séculos que se conheciam, e ele ainda a achava humanamente patética. Sempre previsível e tentando demonstrar uma personalidade forte, quando na verdade sabia que ela estava em um ciclo de sofrimento sem fim pela solidão e perturbação. Mas não que ele se importasse — ou pelo menos não acreditava se importar.
O que o deixava intrigado de uma forma que jamais saberia explicar. Desde o primeiro momento em que seus olhos caíram sobre ela.
Não demorou muito para que a dita imortal sentisse a presença de seres celestiais — a sensação de calmaria que eles emanavam por onde passavam era algo que chegava a incomodar sua sensação infernal inseparável. Afinal, era um ser vendido ao inferno próximo a seres criados no céu.
E não foi somente a sensação forte. Quando o loiro bonitinho ao seu lado estava enchendo o próximo copo para outro brinde, um gato preto, de pelagem brilhante, caiu em cima do balcão. Seu miado rasgado assustou os bêbados, e ela fechou os olhos, respirando fundo. Sabia muito bem quem era aquele felino rechonchudo e cheiroso. Esticou o braço para tocá-lo, recebendo suas garras afiadas e o rabo ereto, rígido.
— Olha só se não estou na companhia dos meus anjinhos! — a voz da mulher era alta o suficiente para que ouvissem, e ela nem sequer virou para olhá-los. Continuou entretida com Yoongi à sua frente, transmutado, enquanto suas companhias sumiam, confusos, mas ao mesmo tempo influenciados pela capacidade de Namjoon em influenciar a mente humana.
Com exceção de Seokjin, os demais odiavam o fato de compartilharem da mesma habilidade dela de sentir quando estavam perto ou o que pensavam — com um revés: os anjos conseguiam captar o que tinha em mente apenas pelas sensações causadas pelos pensamentos dela; era algo diferente de ler o que se passava em sua cabeça, era por sensação, e muitas vezes isso poderia ser bem pior. Namjoon sentia como se fosse uma trapaça, porém o que ele poderia reclamar? Não era mais ouvido pelo céu e não teria como pedir ao Diabo que limitasse o que havia dado a ela como presente por selar sua alma a ele.
E, se nem Seokjin podia ler a mente dela, o que mais ele poderia pedir?
Depois de se cansar de Yoongi em um corpo que parecia ser indefeso, mas que era puro engano, aceitou sua derrota momentânea.
— Se soubesse que viriam, teria guardado dinheiro para apostar tequila com o Jungkook. — finalmente se virou e deu alguns passos, parando de frente com Namjoon, que estava no meio dos outros dois. — Cadê o nosso caçula? — perguntou, procurando entre eles.
— Nem em uma vida mortal Jungkook chegaria perto de você novamente. — ele respondeu entre dentes.
— Ah, faça-me o favor, Namjoon! — gargalhou. — Até hoje tenho curiosidade de saber como foi a sessão de lavagem da alma. Coitado... Ele gostou tanto daquela experiência, lembro bem de ter sentido o que estava emanando naquele corpo… Um calor que nem mesmo...
— Posso te mandar pro inferno, sentada diretamente ao lado de seu senhor, assim você sentirá um calor parecido. — Jimin a cortou, impaciente.
O tom debochado sempre presente na voz de dava vontade de arrancar os olhos em Namjoon. Não sabia como um ser poderia ser tão cheio de si e tão irritantemente patético. Ela poderia ser uma imortal de milênios, mas ainda assim era como todos os humanos. Era um ser mínimo.
— Onde está Jongie? — Jimin tomou a frente. Mais um passo após os que haviam dado, e ele iria fundir-se nela. Mas, mesmo com toda a aproximação, estava tomando cuidado para não tocá-la ou poderiam ter queimaduras.
— Não sei se perceberam, mas eu dei folga a vocês. Deveriam me agradecer.
E os centímetros viraram milímetros quando ela disse, aproximando mais seu rosto do dele; seus saltos a deixavam na altura exata de Jimin e pouca coisa mais baixa que os outros dois. sorriu, satisfeita, ao vê-lo bufar e se afastar. O medo de encostar nela pelo mínimo de tempo possível era enorme. E ser temida era o que mais alimentava seu ego.
era uma imortal com a alma pertencente ao inferno. Todos os outros daquele grupo — os três à sua frente, o gato em cima do balcão e mais três, que ela concluiu que deveriam estar procurando por Jongie — eram anjos caídos. Seres celestiais que, assim como ela, tinham um objetivo há milênios; no caso deles, brigavam pelo retorno ao paraíso, enquanto ela queria finalizar com o Diabo o seu “contrato de trabalho”, como acostumou a chamar. Eram literalmente opostos, e ela tinha em seu corpo todo o poder e os trejeitos doados pelas chamas ardentes do inferno. Portanto, tudo o que fosse divino deveria queimar em contato com ela e vice-versa. também sofria a ardência do fogo em sua pele, com queimaduras abertas.
O que às vezes a fazia pensar que poderia ser interessante, principalmente quando anjos como os do grupo de Seokjin eram tão lindos e hipnotizantes daquela forma. Era algo que testaria o poder de controle de qualquer um. Perguntava-se como o Todo-Poderoso Senhor havia tido a ideia de criar seres tão lindos como seus anjos. Aquilo era assustadoramente sem sentido para ela, que os olhava com sede de pecar.
— Eu consigo sentir seus pensamentos daqui... — Jimin retomou sua pose cheio de si e proferiu, buscando a fraqueza dela. — Mas não vou te chamar de suja, isso vai te alimentar mais ainda, e eu não sou bom o suficiente para não querer que você se foda.
hesitou em sua pose por um instante — era outro fato que ela odiava sobre o contexto de sua vida. Conseguia acessar os pensamentos dos humanos mortais, mas os seus serem acessados por anjos e demônios através de suas sensações — mesmo que ela pudesse fazer o mesmo com anjos, ainda odiava sua falta de privacidade. Era um jogo muito baixo em sua concepção. Com o tempo, ela foi aprendendo a controlar a sua própria barreira, como Kartasi a ensinara, mas às vezes a intensidade podia ser tão forte que deixava brechas, e, em momentos iguais àquele, ela era desvendada — como Jimin sentindo que ela estava sexualmente atraída por ele, com o desejo mais carnal possível, que chegaria a apavorá-lo.
O sorrisinho de canto do rapaz bateu de frente com a feição séria dela. Ele queria rir mais, mas antes que tentasse rebater suas palavras com mais provocações, Seokjin tomou controle da situação.
— Novamente, onde está Jongie, ? — sua voz grossa e nervosa causava o mesmo efeito em toda vez que ela o escutava esbravejar. Céus, por que ele tinha que ser um anjo?
— Credo. Ele está se divertindo, diferentemente do que faz quando está com vocês. — ela o respondeu com desdém, ignorando a sensação que havia despontado. — Vocês realmente deveriam me agradecer pela folga de hoje. — disse, levando as mãos à cintura.
— Onde ele está, ? — desta vez, Namjoon a perguntou no mesmo tom grosso de Seokjin, mas isso não causou efeito algum na mulher. Os dois poderiam facilmente se matar que nenhum sentiria pena do outro.
Por um momento, sem abaixar a guarda, passou a se questionar onde estava Jongie. Nem ela conseguia sentir sua presença ou escutar seus pensamentos mais. Checou a hora no relógio em seu pulso e respirou fundo; estaria encrencada se, em dez minutos, não encontrasse o garoto. O ponteiro marcava que estavam a 10 minutos das três da manhã, o horário em que seres sobrenaturais advindos das tramoias do inferno saíam em caça. Se ela estivesse fora de seu ambiente protegido, seria uma presa fácil e teria de passar incansáveis horas se esquivando da luta contra a aleatoriedade dos que saíam àquele horário, mesmo que não fosse um ser elegível para a morte. Aquilo era apenas cansativo e podia ser muito perturbador até mesmo para ela.
Sorriu amarelo para os três homens à sua frente, já buscando como encontrar Jongie sem muitos alardes, tamanho era o seu problema naquele momento. Havia perdido o controle da situação e, mesmo que isso fosse basicamente seu trabalho, existiam entrelinhas. E perder Jongie quase às três da manhã era uma entrelinha da primeira camada.
— Seokjin, pode deixar que eu vou levar o garoto pra casa a salvo. Sem nenhum arranhão. — o olhar dele dizia que ele sabia que havia perdido Jongie. — Folga pra vocês, é isso! Até mais.
, porém, não teve muito tempo para raciocinar. Quando se virou, tocando em Yoongi, ainda em forma de felino ao se preparar para mover-se entre a multidão de humanos naquela pista de dança, sentiu o impacto do próprio corpo contra o chão. Esbravejou, sentindo seu tornozelo queimar, e tinha certeza de que mandaria o anjo que se atreveu a cair em cima de si direto para o inferno. Aquela era a única dor que ela podia sentir, justamente a que “sacramentava” a sua alma vendida, tomada, selada e doada sem qualquer culpa ao inferno. As entrelinhas na vida de eram muitas, e aquela era mais uma. Nenhuma outra dor lhe afetava além de um incômodo; apenas ter sua pele borbulhando como se queimasse em labaredas de fogo era o que lhe restava.
Puxou a perna e sentiu sua cabeça pesar. A dor que aquela queimadura lhe causava fazia com que perdesse todo o sentido, e ela sempre se descontrolava. Descontrolada, ela não conseguia filtrar; ouvia tudo e todos, dos mais quietos aos mais falantes e todos os ruídos. Isso era perturbador — porém, poderia ser pior: ela poderia ter acesso aos pensamentos altos. E estava ouvindo, naquele momento, os gritos de quem corria assustado de um lado para o outro, de quem só estava pensando e todos os movimentos dos seres humanos alheios ao que de fato era tudo aquilo, que queriam sair daquele lugar invadido por milhares de seres não humanos.
Olhou para cima e viu a abertura no teto, logo reconhecendo toda a situação. Eram demônios de guerra buscando problemas e aterrorizando a todos antes do horário permitido para que saíssem da escuridão. Em cima dela teria caído uma lasca do concreto, mas alguém a havia empurrado, e, quando olhou para a direção oposta de seu tornozelo, que estava começando a se curar, observou uma asa preta sutil e pequena. Era um anjo desacordado. Yoongi.
Não que ela fosse morrer naquele acidente, mas se sentiu lisonjeada, e o pouco que havia lhe sobrado de humanidade gritou mais alto, fazendo-a se levantar para tirar a parte da pedra que estava em cima daquelas asas.
— O que está acontecendo?
Ouviu a voz de mais um dos amigos de Seokjin e reconheceu o mais novo do grupo, Jungkook, coberto de poeira e preocupado com a situação. Olhou em sua direção e o viu apertar os olhos, ajudando Jimin a se levantar enquanto se acostumava com o pó no ar.
— Invasão. Demônios que não têm o que fazer da vida inútil deles saindo antes da hora. — Seokjin respondeu, irritado, olhando em seu relógio.
— Mas o que eles querem justo aqui?
Não percebeu quando pensou na pergunta; apenas verbalizou e se deu conta quando todos a olharam por um tempo como se ela fosse um nada e, depois de segundos, a encararam como se tivesse dito algo absurdo.
E até poderia ser, a depender do leitor daquela situação.
— E o que demônios fazem, ? — a pergunta retórica de Jimin demonstrou sua irritação enquanto ele batia na própria roupa para tirar a poeira.
— Eu sei o que eles fazem, imbecil. Mas a questão é que aqui é muito exposto. — disse, varrendo o olhar pelo local. — E, por mais que os humanos não tenham visão de asas, olhos endemoniados e afins, como se explica que esse teto caiu do nada?
Revirou os olhos e novamente tornou a encarar o local, que agora já estava quase vazio. O que era suspeito.
— Não consegue escutá-lo? — Seokjin ignorou toda sua repulsa e a questionou. — Ou sentir?
— Nada. — bufou. — Mas eu estou sentindo esse calor infernal, vocês não?
Os garotos se olharam e, por um momento, quiseram rir.
— De duas, uma: ou você está sentindo esse calor porque não para de ter pensamentos pecadores com Seokjin. — Yoongi, levantando-se lentamente do chão, disse, sarcástico. Ele sentia bem o que emanava dela quando olhava para o amigo.
— Ou é porque você já é um ser do inferno mesmo, e este é um chamado do seu mentor. — Jimin completou. — Kartaz é o nome dele?
Seokjin e rapidamente cruzaram o olhar. Ela, por sua vez, nem um pouco envergonhada, e ele, totalmente indiferente com aquilo. Nada muito fora do padrão deles desde que se conheceram há milênios.
O olhar foi tão rápido quanto o impacto que todos ali sentiram ao serem jogados longe, cada um voando pelo ar e caindo em locais diferentes. O pior ficou para , que teve seu corpo atravessado por uma viga, sendo perfurada na altura do estômago.
Era incômodo ter algo atravessando seu corpo.
Diferente de Namjoon, que rapidamente abriu suas asas por reflexo, mas, sem noção nenhuma, não conseguiu impedir o impacto na parede. Foi lançado e teve sua asa arranhada profundamente na base; aquilo, sim, doía, e, se soubesse qual era a sensação de estar no inferno, diria que era uma dor infernal. Jimin e Jungkook caíram um em cima do outro no fundo do bar, batendo nas prateleiras e caindo ao chão com diversos cacos de vidro das garrafas quebradas colados em seus corpos. E, por fim, Yoongi e Seokjin alcançaram a altura do mezanino, caindo sobre mesas.
Não era algo que veio do céu; parecia mais como uma explosão vinda do chão.
Enquanto tentava sair daquela viga, usando sua força para tentar quebrá-la, viu uma figura esguia, de pernas finas e rosto muito pálido, alta como se fosse impossível, se aproximando dela, ficando mais nítida conforme a fumaça sumia. Sua espinha ferveu quando, em sua memória, encontrou quem era aquela pessoa. Viu que ele não estava sozinho; seu grupo de soldadinhos, também esguios, mantinha a atenção nos anjos que estavam, aos poucos, acordando, como se quisessem proteger a figura maior em hierarquia.
— Eu não sabia que demônios simpatizavam com anjos, . — sua voz era melódica, e quem não conhecesse Carlisle diria que ele poderia ser um anjo.
— E eu não sabia que você ainda era da moda antiga das entradas dramáticas... Já tivemos algumas passagens de séculos, não sei se você sabe. — ela rebateu. — E eu não sou um demônio, Carlisle. — completou, sentindo-se ofendida. Sabia que ele fazia aquele comentário para irritá-la e, na posição em que estava naquele momento, bem inferior, ele havia conseguido.
— Sua alma já está tão condenada e vendida que eu não diria isso se fosse você.
Enquanto proferia suas palavras, Carlisle se aproximou mais e, com uma facilidade absurda, tirou a viga do lugar, puxando-a pelo corpo de . Ela urrou com a sensação forte que aquilo lhe deu, como uma pressão, e, desprevenida, caiu no chão.
— O que você quer fora do inferno? — questionou, se levantando. Seu humor estava chegando ao nível sombrio, numa dualidade irreconhecível. A atmosfera havia mudado, e, de repente, só existiam os dois ali.
— Você. — ele sorriu, cínico. — Lúcifer te deseja tanto lá embaixo, e eu nunca vou entender o porquê de ele querer alguém que teve uma vida tão miserável. Alguém tão fraco.
— Entendi... — riu, assumindo sua pose séria, recuperando o que acreditava ter de dignidade diante dele. — Então quer dizer que você está com inveja? Demorou muito tempo para descobrir que eu sou tão solicitada assim pelo senhor das trevas... As notícias lá embaixo correm mais lentas que as cartas do meio-fio.
— Não, sua tola! — ela o viu perder um pouco da compostura com tal acusação e permaneceu com o sorriso debochado no rosto. — Eu sempre soube que você falharia até a última geração, . — Carlisle deu alguns passos na direção contrária, parando e observando ao redor os anjos se recompondo. Manteve-se ignorando todos eles. — Jongie é o último Min de sangue puro e, a julgar por como ele é… Você falhou. Então decidi vir pessoalmente lhe comunicar que é meu objetivo que você se afogue na sua falha mais uma vez. Quero te ver lá embaixo para poder cuidar de você, diferente do que Kartasi pensa que faz.
— Você realmente acha que eu tenho medo de você, Carl? — se aproximou lentamente dele, já sentindo seu corpo firme novamente e sem feridas.
O tom de deboche vindo de irritou o outro profundamente, o que o fez levantar-se com uma velocidade incomum, segurando-a pelo pescoço e a suspendendo no ar, um pouco mais alta que ele, também flutuando.
— Você é fraca, . É pífia. — riu maléfico, apertando o pescoço dela. — Eu sei que seu coração não bate mais — enfiou a mão livre dentro do peito da mesma, apertando o órgão —, mas ele ainda sente. — sorriu satisfeito ao vê-la se contorcer com a pressão causada. — Você ganhou muito com a imortalidade, mas continua sendo uma humana patética. — puxou-a para mais perto e a colocou no chão. Ainda com a mão firme em seu pescoço, disse em seu ouvido: — Marque bem minhas palavras quando digo que irá conhecer o inferno comigo. Você sabe quem eu sou lá embaixo.

🌑


Seokjin já estava em pé no mezanino e, assim que se recompôs, viu Carlisle sussurrar algo no ouvido de , que se debatia contra ele, até que ele desapareceu como um pó preto junto de seus outros seguidores. caiu de joelhos, com a cabeça baixa. Seokjin sentia o que ela estava pensando, sentia o medo que emanava dela e, de alguma forma, aquilo lhe causou um certo burburinho interno — como se estivesse preocupado.
— Yoongi, veja se ela está bem. — pediu ao amigo, que já se levantava ao seu lado.
— O quê? Eu? Desde quando ajudamos ela? — questionou enquanto batia em sua roupa preta para retirar o pó.
— Somos seres celestiais, não negamos ajuda... — resolveu dar a primeira desculpa que lhe veio à mente e, quando ouviu o pensamento do outro, respondeu antes mesmo das palavras saírem: — E eu vou atrás de Carlisle com os outros, ele é o responsável pelo sumiço de Jongie. ainda não sabe.
Yoongi não teve muito o que dizer. Viu Seokjin abrir suas asas negras e voar para fora dali, seguido por Jimin, Jungkook e Namjoon. Muito a contragosto, desceu e caminhou em direção a , que ainda permanecia na mesma posição. Conforme se aproximava, ele sentia o medo que emanava dela. Pensou consigo mesmo que, realmente, a melhor coisa para si era não poder ler seus pensamentos; ela viveu por milênios, viu muito e passou por muito. Sua mente deveria ser uma vasta rede de perturbação.
O que ele escondia de todos os amigos, inclusive. Yoongi enxergava de forma diferente às vezes. Se conheciam há mais de dois mil anos, passaram muito tempo na cola dos ancestrais diretos de Jongie para guiá-los ao céu ou ao inferno, e ele teve tempo para entender um pouco mais sobre a imortal — chamada por muitos seres de estagiária de Lúcifer. Achava trágico como sua história se desenhou e, muitas vezes, não a via como Namjoon ou Seokjin, que a tinham como um demônio da pior espécie. Para ele, ela era uma pessoa condenada demais por bem pouco.
Aproximou-se por completo e resolveu tirar a própria jaqueta jeans para envolvê-la, criando uma barreira que impossibilitasse qualquer contato direto de pele com pele.
— Por que está fazendo isso?
se assustou com a forma sutil de Yoongi de se aproximar. Era a primeira vez em anos que um anjo a ajudava de alguma forma e, agora, pela segunda vez. Ela nem se deu conta de como estava vulnerável, permitindo que ele sentisse seus pensamentos aterrorizados por conta do medo que emanavam.
— Eu sou um ser celestial, . — Yoongi respondeu, quase como Seokjin.
— Mas eu não sou humana para você ter a obrigação de me ajudar. — ela sentiu a mão dele por cima da jaqueta jeans em seus ombros, dando-lhe forças para se levantar.
— Você é muito mais humana do que pensa, . — Yoongi revirou os olhos com a própria fala. Podia simplesmente ajudá-la e sair dali.
Ela parou por uns instantes, digerindo o que ouviu e como estava sendo tratada. Ergueu a sobrancelha e o olhou, desconfiada, entrando em sua defensiva.
— Tá, o que é isso? Você nunca foi tão ruim comigo, mas também nunca foi legal assim... — questionou. Quando ele ia responder, fez um sinal de silêncio com a mão, ouvindo um barulho de choro e sentindo a presença de alguém. — Ah, merda, Jongie!
Yoongi a viu sumir como um vulto e ficou parado no lugar, olhando para os lados.
Quando ouviu o mesmo que ela, seguiu para a mesma direção, encontrando-a no corredor que levava ao banheiro embaixo do mezanino, sendo ameaçada por Jongie com uma faca. Ele quis rir no primeiro instante ao ver a cena, mas conteve-se ao pensar no desespero do garoto e no que aquilo significava.
Só poderia ter algo muito errado se Jongie estava com medo dela.
— Ele viu tudo. Só não me pergunte como. — foi tudo o que ela disse, olhando rapidamente para trás, com as mãos erguidas à altura do peito em forma de rendição.
— O que Carlisle fez? — Yoongi resmungou, já prevendo todo o caos que aquilo traria.




Continua...


Nota da autora: Olá, espero que tenham gostado! Nos vemos na próxima atualização. Não esqueça de deixar seu comentário.

❯ beth's note: Na boa, Maria, se você um dia quiser largar todas as suas longs (Deus queira que não) e decidir focar só em uma, eu pinto cartaz, organizo passeata, pinto minha cara de preto pra pedir por ESSA AQUI! Que capítulo bom, que diálogos bons, que energia caótica e igualmente BOA, MARAVILHOSA! Esse plot é tudo e eu nunca vou cansar de dizer isso, assim como nunca vou cansar de deixar claro o quanto você é talentosa e super capaz de sustentar uma proposta dessas. Tô quase te nomeando como a Cassandra Clare brasileira, mas é que vocês duas sabem o que tão fazendo quando colocam a artmosfera anjos x demônios na roda. Eu amo a Soleil e o sarcasmo dela, esse tesão reprimido no Seokjin e uma provável ligação dela com o Yoongi (achismos apenas), e tudo isso me faz vibrar tanto como se eu estivesse lendo Instrumentos Mortais da primeira vez (que faz pouco tempo, mas eu surtei igual uma adolescente). Então, eu apelo: MANDA LOGO A ATT porque agora virei oficialmente dependente emocional dessa fic.


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