Codificada por: Lua ☾
Última Atualização: 26/03/25
Aquela havia sido a casa de minha avó.
Senti algo esquisito no peito, mas não parei para pensar muito sobre. Peguei a chave e encaixei na fechadura. A porta rangeu quando eu me inclinei para abrir.
Por fora, a casa parecia muito estreita, mas seu saguão era espaçoso. Levava a uma sala com uma pequena televisão, uma estante que exibia um presépio e vários retratos de pessoas que eu conhecia e não conhecia.
Me aproximei, olhando uma foto em preto e branco. Eu conhecia aquela foto, vovó tinha uma igual em sua casa. Era meu biso Francesco, minha bisa Maria, minha avó Pina e sua irmã, nonna Gema, como a chamávamos.
Algumas outras fotos eram ainda mais familiares: o casamento dos meus avós, minha mãe e seus três irmãos quando crianças, o casamento dos meus pais, o nascimento dos meus primos. Tinha até mesmo uma foto da minha formatura. Cada pequeno momento vivido no Brasil pela nossa família que nonna Gema não pôde acompanhar.
Olhei a escada com desânimo. Deixaria as malas serem levadas pela de amanhã. A de hoje só queria subir as escadas, se jogar na cama e dormir até não aguentar mais. O relógio me dizia que eram 9h da manhã, mas meu corpo, fora do fuso horário, tinha certeza que eram 4h.
Quase me arrastei escada acima, encontrando um banheiro e dois quartos. Não pareceu certo dormir no quarto de nonna com todas as suas coisas ainda lá, então fui para o quartinho de visitas. Era um quarto pequeno, mas reformado, com paredes amarelas, uma cama de madeira de solteiro, um guarda roupa, uma bancada e algumas pinturas. Além da grande janela.
Eu não sabia se iria me acostumar à vista daquele mar tão azul, sem nenhuma montanha, tão diferente do Rio de Janeiro. Não, era um azul infinito que chamava diversas pessoas para a praia naquele verão. Eu havia trazido minhas roupas de banho para aproveitar também. Afinal, os verões italianos eram ditos como os melhores.
Sentei-me na cama e tirei a pesada mochila dos meus ombros, tirando meu computador de lá e apoiando na bancada, assim como algumas mudas de roupa. Alcancei meu celular e digitei uma mensagem no grupo da família.
: Já cheguei na casa da nonna.
Me joguei na cama, encarando o teto e o candelabro antigo que pendia ali. Abri um sorriso discreto. Estava um pouco apavorada, mas muito, muito empolgada. Nem poderia acreditar que estava ali.
Nem poderia acreditar que San Lucido era meu novo lar.
Depois de me arrumar no banheiro (que era enorme: tinha até uma banheira!), colocar um vestido leve e passar uma maquiagem para disfarçar a cara de “acabei de enfrentar 12 horas de voo”, peguei uma bolsa onde coloquei a chave da casa, meu celular, minha carteira e meu passaporte. Tirei minha identidade da bolsa, sabendo que ela iria ser inútil em outro país, e deixei-a bem guardada em uma gaveta qualquer.
Saí de casa e precisei tapar meu rosto para a luz inesperadamente forte do sol. As casas tinham no máximo três andares e não faziam sombra o suficiente, o que, apesar do calor, era um cenário surpreendentemente agradável depois de me acostumar a tantos prédios altos e cinzas.
As ruas eram estreitas e nem ao menos tinham calçadas. Várias subidas e descidas se desenhavam ao meu redor e, para minha surpresa, algumas vespas estavam estacionadas, como a típica foto de verão italiano. Não me contive e tirei uma foto.
Tinham várias mensagens no grupo da família, mas eu daria atenção àquilo depois, estava com fome demais. Desci algumas ruas e logo estava de frente para o mar novamente. Apesar de ser terça-feira, como as escolas estavam em recesso por ser julho, a praia estava tomada de gente.
Caminhei um pouco pela beirada, observando mais uma vez aquela imensidão azul. Seria difícil me acostumar com a vista. Parei em frente a uma trattoria simples, mas arrumadinha que, como em todo lugar, vendia massas e pizza.
Em geral, almoçar pizza não era a opção mais saudável, mas, caramba, eu estava na Itália! Por isso, acabei acrescentando um copo de vinho da casa. Mais uma foto acabou ilustrando minha galeria antes que eu comesse.
— Meu Deus… — murmurei, encantada.
Eu sabia que pizza era uma delícia em qualquer lugar, mas aquela pizza no estilo napolitana, bem típica do sul, com a massa grossa e cheia de molho… me fez sentir gosto de casa. Me fez pensar nos jantares de sábado à noite na casa da vovó Pina.
Não deixei um único pedaço de pizza para trás, assim como dei fim a cada gota do vinho branco da trattoria. Com a barriga cheia e o bolso até que não tão menos pesado (apesar do euro mais caro, a comida na Itália não estava tão cara assim), decidi dar uma última volta antes de retornar à casa e ter que lidar com o motivo de ter vindo a San Lucido.
E claro que, assim que avistei a gelateria, não resisti.
— Bom dia — falei educadamente em italiano para a moça no caixa.
Ela parecia uma mulher legal, de idade próxima à minha. Tinha um cabelo loiro pintado nas pontas de azul que combinava aquela cidade litorânea. Senti algo bom vindo dela que se confirmou quando ela abriu um sorriso gentil.
— Bom dia! Como posso te ajudar?
— Quantos sabores posso escolher no pote pequeno? — Ok, a comida era mais barata na Itália, mas ainda era em euro.
— Até três sabores. E com adicional de um euro, ainda pode colocar panna montata.
Meu estômago estava cheio da pizza, mas ainda sim roncou quando vi o chantilly que ela se referenciava.
— Certo… vou querer um pote pequeno com adicional de chantilly, por favor.
— Prego.
Eu adorava aquela palavra em italiano. Poderia significar “próximo”, “sim”, “de nada”, “por favor”, “tudo bem”, “o que precisa?”, e mais o que fosse que os italianos inventassem.
A menina de cabelo azul pegou o pote e me guiou para o mostrador de gelatos. Vovó e nonna me ensinaram a nunca ir em uma gelateria onde os gelatos à mostra fossem muito espalhafatosos, com sabores de cores muito artificiais. Os melhores não ficavam em pilhas tão altas, tinham aparência mais natural e cremosa, e os sabores já estariam mais ou menos pela metade, como estava ali.
— Hm… vou querer pistacchio, nocciola e… — Travei, já tendo falado os meus dois favoritos. Eram tantos sabores ali que não percebi que estava me demorando, encarando um por um ali.
— Se quer minha opinião — a menina de cabelos azuis começou —, esse aqui é o meu favorito.
Encarei o sabor. Fior di latte all'arancia. Hm, não poderia ser ruim.
— Então vou ter que confiar em você, senhorita… Bem, qual o seu nome?
A garota de cabelo azul sorriu, olhando por cima do ombro para mim enquanto pegava um pote pequeno.
— Bianca. Ou Bia se preferir.
— Sou — respondi, sorrindo. — .
— Nunca te vi por aqui. Está conhecendo a cidade? Férias? Geralmente o pessoal vai para Nápoles.
— Ah, é, vim resolver umas… questões familiares. Obrigada. — Peguei o sorvete que ela me estendia.
— Ah, então sua família é daqui? Que bacana!
— Sim, sim, a família da minha vó. — Me distraí enquanto me aproximava do caixa, do qual ela mesma estava cuidando também. — É você?
Apontei para um retrato próximo do computador de uma adolescente loira junto com uma mulher, supostamente sua mãe, na frente de uma linda ruína. Meu coração deu um salto.
— O quê? — ela perguntou, confusa, antes de ver a foto. — Ah, sim! É uma bobeira aqui — ela comentou, rindo —, mas é uma ruína famosa da cidade. O Castello Ruffo.
— Nossa, é maravilhoso…
— É aqui perto, sabia? Se caminhar mais para a praia na direção das pedras altas, vai ver o castelo.
— Obrigada pela dica, Bia! — Terminei de pagar o gelato e aproveitei para provar o sabor sugerido. — Hmm… na verdade, obrigada pelas dicas. Que delícia!
— Eu te disse! Tchau, , espero te ver aqui mais vezes.
— Eu também — respondi, sorrindo, antes de sair do estabelecimento.
Talvez eu estivesse um pouco mais contente do que a situação exigia. Ainda havia muita burocracia para lidar com, e não estava livre do trabalho on-line. Eu não estava ali para passear, mas eu não conseguia evitar. A vida adulta não permitia facilmente que eu juntasse dinheiro para conhecer outro país, eu só estava ali porque minha família havia pagado, e pela sorte de ser a única que conseguia trabalhar à distância. Eu não deveria me sentir culpada de transformar uma viagem burocrática em um passeio, certo? E isso com certeza não tinha nada a ver com o fato de que eu estava ignorando a todos no grupo da família.
Minhas dúvidas foram embora na hora que eu avistei a ruína ao longe. Meu queixo caiu e meu coração acelerou. Era… era… perfeita.
Meus pés se mexeram para mais perto sem eu nem perceber. O local estava movimentado de turistas e, assim como várias partes da cidade, não tinha calçada. Fiquei mais próxima da construção de pedras, bem perto do mar e no meio da mata. Não consegui impedir minha mente de viajar para longe.
“Penelope respirou fundo ao perceber que os passos dos guardas se afastavam. Tinha os despistado. Percebeu que o corredor estava liberado e correu para a varanda externa.
Seu pai podia ter prometido sua mão ao príncipe do reino vizinho, mas ele não podia decidir o que seu coração queria. Observando o sol se por no meio daquele azul infinito do oceano, Penelope suspirou, se apoiando na murada de pedra.
Ele ia voltar. Claro que ia. E quando voltasse, ia levá-la com ele. Ela tinha separado algumas joias da família e separado alguns disfarces. Eles navegariam para longe, para um lugar em que seriam felizes, assim que ele vencesse aquela guerra.
Penelope suspirou, pensar na guerra fazia com que seu estômago se revirasse. Mas ele precisava que ela se mantivesse firme. Pelo amor dos dois. Para que ninguém suspeitasse do plano. Para que…”
— Sai da frente!
O grito me assustou, mas minhas pernas agiram contrárias ao meu reflexo, se fixando no chão. Só pude ver o sol refletido no metal azul da vespa.
O coração batia forte nos meus ouvidos e o tempo pareceu se mover mais devagar. Juntei o que sobrou de forças em mim para forçar meu corpo a se mover. No último segundo, consegui andar para trás, mas as pernas se embolaram e eu caí vergonhosamente para trás, apoiando a mão esquerda em uma posição não muito natural no asfalto.
— Ai! Puta que pariu!
Pontos pretos começaram a aparecer e dançar na minha visão, enquanto minhas forças se esvaíam. Não, desmaiar em outro país sem conhecer ninguém não parecia seguro. Eu precisava ficar acordada, mas os sinais tão conhecidos só continuavam a crescer.
Só pude ver um vulto descendo da vespa e se aproximando de mim, se destacando no meio da multidão que começava a tentar me ajudar. Com um último fio de consciência e visão quase zerada, eu consegui sussurrar o que a raiva em meu coração pedia:
— Filho da puta…
— Nenhuma concussão. O desmaio veio do susto mesmo. Já o punho… Sem fraturas, duas semanas imobilizado devem resolver.
Bufei, irritada.
— Não posso ficar duas semanas imobilizada. Meu trabalho depende exclusivamente que eu mexa no computador.
— Por isso irei te arrumar um atestado.
Ah, sim. Uma empresa brasileira iria ficar felicíssima com um atestado médico escrito em italiano.
Não tinha muitas opções. Não era culpa do médico que a cidade fosse mal planejada e algumas pessoas fossem mal educadas demais. Me vi forçada a sorrir enquanto ele colocava o gesso em mim.
— Obrigada.
— Por nada. Aqui o atestado e a receita. Compre esse remédio caso continue sentindo muita dor.
— Pode deixar — menti. Eu não tinha trazido uma cartela inteira de dipirona à toa.
— Pode fazer o pagamento na recepção. Seu acompanhante está esperando por lá.
Bufei de novo. Grande acompanhante, um homem que me atropelava na rua. Juntei minha bolsa e saí de cima da maca coberta pelo pano descartável branco, desejando uma boa tarde.
Olhei pela janela e ainda estava claro, mesmo que um relógio no corredor anunciasse que já 18h na Itália. Todo meu desejo de passear tinha se evaporado, eu ia comprar uma lasanha de microondas e tomar coragem de responder as mensagens de todo mundo.
Quando cheguei na recepção, o local estava vazio, exceto por dois idosos e um homem moreno esparramado em uma das cadeiras, com um capacete de moto apoiado na coxa direita, olhando para o celular. Mesmo que eu mal tivesse registrado meu agressor enquanto era levada inconsciente para o hospital, não havia como confundi-lo.
Em qualquer outra ocasião, teria achado seu corpo musculoso atraente, que seu cabelo moreno curto e cacheado combinava com rosto bem esculpido coberto por uma barba curta, e que suas roupas no estilo despojado o deixavam charmoso e, bom, sexy.
Mas tudo que ele despertava em mim era ódio.
Sentindo as ondas de raiva que eu emanava, o homem levantou o rosto, e abriu um sorriso irônico ao me ver.
— Que milagre, está viva!
Nem minha irmã adolescente de TPM poderia testar tanto a minha paciência.
— É, mas não graças a você.
— Eu diria que bem graças a mim — ele falou, se levantando e se espreguiçando. — Afinal, eu que te trouxe para o pronto socorro.
— Que eu não precisaria ser trazida se você não tivesse me atropelado — o acusei.
— E você não teria sido atropelada se não estivesse no meio da rua. — O sorriso irônico dele ficou mais amargo.
— Não tem onde mais ficar, aqui não tem calçada!
— Shh! — A moça da recepção pediu silêncio, embora seu rosto demonstrasse diversão e curiosidade.
— Agora, graças a você, ainda tenho que pagar uma consulta que não estava nos meus planos. E não sei nem mesmo como vou trabalhar com o punho assim — reclamei, tentando abrir a bolsa com uma mão só.
Resmunguei, mas não recusei a ajuda quando ele colocou a mão na minha bolsa e abriu o zíper. Porém, seu rosto continuava confuso.
— Pagar? Você não tem SSN?
— SSN? — eu questionei, enquanto falava com a moça da recepção: — Crédito, por favor.
Olhei a maquininha. 22 euros. Eram tantos gelatos perdidos…
— Servizio Sanitario Nazionale. O atendimento público de saúde para moradores italianos.
— Aí está a questão! — Eu me virei para ele, prestes a explodir. — Eu não sou uma moradora! É meu primeiro dia nessa merda de lugar e eu fui atropelada! Sabe o quanto eu já estou louca para ir embora?
— Não mais do que eu — ele resmungou.
Eu tive que segurar tudo de mim para não bater nele ali mesmo. O homem já estaria no hospital, pelo menos.
— Então por que não vai embora? Vai! Nem sei porque você está aqui.
— Estou prestando socorro a você, mesmo que não mereça — ele respondeu de maneira irônica.
— Já prestou. Você já fez mais do que suficiente. Pode ir!
Ele ergueu uma sobrancelha, então deu de ombros.
— Se é assim… presta atenção na rua de agora em diante, senhorita .
Praguejei enquanto ele ia embora. Aquele homem tinha lido meus documentos para dar entrada na consulta. Inferno. E eu nem sabia o nome dele para pedir pra minha prima colocar o nome dele com vinagre no congelador. As simpatias dela sempre funcionavam, e eu não queria de jeito nenhum que aquele homem se aproximasse de mim mais alguma vez que fosse.
Sentei-me numa cadeira e apoiei a bolsa entre minhas pernas, foi a única forma que achei para guardar minhas coisas, tirar meu celular da bolsa e fechar o zíper depois. Imediatamente, joguei o endereço da casa da nonna no google maps. Praguejei baixinho ao ver que teria que andar por meia hora, mas não tinha opções. Pelo menos, mostrava que eu passaria por um mercado em cinco minutos.
Não demorou para eu avistar um Carrefour, um nome que eu já conhecia. Entrei no mercado e foquei em dirigir o carrinho com apenas uma mão, descobrindo que era uma tarefa mais árdua do que aparentava. Fui para os fundos, onde estavam os congelados, e peguei a lasanha de queijo mais barata que encontrei. Coloquei um miojo no carrinho também, por via das dúvidas. Aproveitei e coloquei alguns lanches para o café da manhã no dia seguinte.
Estava avaliando se levava umas laranjas para fazer suco quando esbarrei em alguém.
— Me desculpa — falei, constrangida, antes de levantar o rosto e encontrar um cabelo azul.
Bianca sorriu para mim, tirando o fone da orelha direita.
— Desculpa eu, estava distraída! Sempre que coloco o fone, parece que minha visão também fica pior. — Então seus olhos se arregalaram quando viram minha mão esquerda engessada. — Meu Deus! Você já estava com isso mais cedo e eu não vi?
— Não, consegui arrumar nem uma hora depois — falei, abrindo um sorriso meio irritado ao lembrar daquele homem.
— O que aconteceu?!
— Eu fui visitar a ruína que você me recomendou, mas um doido andando de vespa veio correndo entre as pessoas e quase me atropelou. — Senti a raiva ferver minha cabeça já quente. — No que fui desviar, tropecei e machuquei minha mão. O mal educado ainda disse que foi minha culpa, acredita?
— Caramba, bem que meu irmão sempre reclama que o pessoal da cidade anda muito mal humorado no trânsito. — Bia sacudiu a cabeça, chocada. — Mas quebrou?
— Só torceu, pelo menos. Mas vou ter que imobilizar por duas semanas, o que vai me atrapalhar bastante — disse, desanimada. Andamos até o caixa e cumprimentei o atendente. — Agora, ainda vou andar até em casa porque não tenho coragem de chamar um Uber depois de gastar 22 euros na consulta.
— Você não tem o SSN? — O olhar dela ficou mais arregalado.
— O mal educado disse a mesma coisa. — Comecei a empacotar minhas compras enquanto Bianca passava as dela. — Pois lá no Brasil, não importa se você não é cidadão, todo mundo pode ser atendido. Bem que o SUS poderia ser universal…
— Você é brasileira?! Caramba, seu italiano é tão bom que eu nunca saberia.
— Obrigada. — Eu sorri, genuinamente. — Minha vó é italiana, então eu aprendi desde pequena. Amava escutar os telefonemas que ela tinha com minha tia avó, ela falava tão bonito…
— Isso é muito legal! Tem muitos brasileiros que descendem de moradores de San Lucido e Paola, a cidade vizinha, frequentemente tem um turista brasileiro conhecendo as raízes familiares passando pela loja.
— Que interessante! — falei, sorrindo, mas fechando a cara quando não consegui segurar todas as sacolas com a mão direita.
— Vem, eu te dou uma carona.
— Não, que isso! Você não precisa. Não precisa voltar para a loja?
— Tenho até às sete para voltar, tá tudo certo — Bianca disse, dispensando com a mão qualquer dispensa. — Por favor, eu insisto.
Um pouco sem graça, mas muito agradecida, eu aceitei a carona. Bia tinha uma caminhonete, e na parte traseira ela colocou todas as sacolas de compras, inclusive as minhas.
— Viu? Espaço de sobra — ela falou, sorrindo, e eu acabei sorrindo de volta. — Onde você está ficando?
— Perto da sorveteria. Pera, deixa eu ver o endereço exato. — Peguei o celular e mostrei o local que ainda estava aberto no meu google maps.
Os olhos dela se arregalaram.
— Você está do ladinho da minha vó, bem na casa da Gema!
— Gema é minha tia avó — eu falei, sorrindo. Então, fechei a expressão. — Bom, era. Ela faleceu semana passada.
Bia arregalou os olhos e pareceu um pouco abalada pela notícia.
— Santo Cristo! Eu sabia que ela estava doente e por isso ia ficar com a família, mas eu não sabia… Sinto tanto, Bella, ela era uma pessoa muito querida aqui na cidade!
— É bom saber disso — eu falei, voltando a sorrir. — Minha vó é quem está sofrendo mais. Mesmo morando longe, nunca passou um dia sem falar com a irmã.
— Deve ser difícil mesmo. Ah, minha avó vai ficar destruída. — Bianca sacudiu a cabeça, dando partida no carro. — As duas se conheciam desde a infância.
— Talvez sua avó tenha conhecido a minha avó também.
— Talvez. Você deveria passar um dia lá em casa, ela ficará feliz em te ver. É a casa amarela bem ao lado.
— Seria legal, se não for incomodá-la.
— Tenho certeza que não, mas vou perguntar.
De carro, o trajeto de meia hora durou nem dez minutos. Bianca foi contando mais sobre seus pais, que moravam em Roma, e como ela e seu irmão haviam ficado com a avó, gerenciando a gelateria até, no caso dela, decidir que faculdade fazer, e, no caso do seu irmão, conseguir uma oportunidade de emprego mais sólida na sua área.
Bianca puxou o freio de mão quando estávamos em frente à casa de pedra.
— Chegamos — ela anunciou, enquanto descia para pegar as compras.
— Pode deixar que eu pego — falando, constrangida de tanta ajuda que estava recebendo.
— Deixe eu colocar as compras na porta, não custa nada!
E assim, acabei não tendo outra escolha. Acenei para Bia, sem parar de falar gracias enquanto ela acelerava em direção à gelateria. Tive que apoiar a bolsa no chão para conseguir abrir o zíper novamente e tirar a chave dali.
Depois de entrar com uma sacola de cada vez na cozinha, tranquei a porta e me joguei no sofá. O dia definitivamente tinha sido intenso demais. Talvez fosse o destino me alertando que era para eu ficar menos alegre, e mais focada em resolver as questões burocráticas. No dia seguinte, eu começaria a arrumar o quarto da nonna, por mais dolorido que pudesse ser. Ainda assim, era melhor do que a possibilidade de ser atropelada novamente.