Revisada por Aurora Boreal 💫
Atualizada em: 24/05/2025
O som suave do alarme ecoou pelo quarto e eu me virei, sentindo o corpo mais pesado do que o habitual. já estava de pé, como sempre, se espreguiçando ao lado da cama. Ele se virou e sorriu ao me ver abrir os olhos, e eu retribuí o sorriso.
— Bom dia, amor! — disse, dando um rápido selinho.
— Bom dia! — choraminguei, me cobrindo mais com o edredom pesado.
O mês estava terminando e a temperatura fria lá fora só aumentava conforme o inverno se aproximava.
— Não quero ir para a aula hoje — comentei, ao vê-lo pegando uma camiseta no armário.
— Você tem que ir, amor. É o nosso último ano e falta pouco para o recesso.
— Eu sei, mas ultimamente me sinto tão… cansada — disse, finalmente me levantando, pois sabia que tinha razão. Não poderia faltar com frequência nesse último ano.
— Faz assim: vamos para a aula e voltamos para casa na hora do almoço, certo? — ele disse, sentando-se ao meu lado na cama.
— Certo! — concordei com a cabeça, antes de lhe dar mais um rápido selinho.
— Eu vou tomar banho agora, você pode fazer o nosso café.
— Posso — respondi, lançando-lhe um pequeno sorriso.
seguiu para o banheiro e eu fui para a cozinha.
Escutei o registro do chuveiro sendo ligado assim que coloquei a água para ferver.
Em questão de minutos, já estava passando o café, mas o cheiro que antes tanto me agradava agora estava revirando meu estômago. Senti a ânsia subir pela garganta enquanto corria para o banheiro.
Empurrei a porta do banheiro de uma só vez, me ajoelhei de frente ao vaso e coloquei tudo para fora. , que ainda estava distraído no banho, percebeu minha situação e correu até mim, enrolando a toalha em torno de seu quadril.
— Amor, você está bem? — perguntou, passando a mão em minhas costas e segurando meu cabelo.
Não consegui responder com palavras, só neguei com um aceno de cabeça antes de vomitar novamente.
se ajoelhou ao meu lado e ajudou a me recompor.
— Você comeu algo que não te fez bem? — ele perguntou, me olhando.
Limpei a boca com a parte de trás da mão enquanto me encostava na parede gelada do banheiro.
— Eu não sei… talvez, mas estou me sentindo estranha há alguns dias.
— Por que não me disse nada? Poderíamos ter ido ao médico.
— Não precisa, é só um mal-estar, já passa.
colocou uma mão em cada lado do meu rosto, fazendo-me olhar para ele.
— Você tem certeza? Podemos ir ao hospital agora.
— Tenho certeza, sim. Vai ficar tudo bem. Eu só preciso descansar.
— Posso ficar aqui com você, caso precise de algo.
— Não, amor, pode ir para a aula. Eu vou ficar bem. — Sorri.
— Certo, mas eu volto o mais rápido possível, tá?!
— Tá bom.
se levantou e estendeu a mão para que eu pudesse fazer o mesmo. Ele seguiu para o quarto enquanto eu escovava os dentes para tirar o amargo do vômito da boca.
Estava deitada no sofá da sala assistindo "Today", mas sem prestar muita atenção na entrevista.
— Amor, eu já vou indo. Qualquer coisa você me liga, tá?
— Tá bom, amor. Boa aula — disse, antes que se abaixasse para me beijar.
Ele saiu, me deixando ali sozinha com meus pensamentos… Eu sabia que algo não estava certo, sabia que algo estava errado com meu corpo.
O restante da manhã seguiu sem enjoos fortes, mas a sensação de cansaço ainda estava presente; o sono era persistente. Me pegava cochilando várias vezes.
Olhei no relógio e já estava quase na hora de chegar para o almoço. Na situação em que me encontrava, não daria conta de fazer nada para comermos.
Estava prestes a levantar para ir comprar algo, quando meu celular tocou. Olhei no visor e era .
— Oi, amor — disse, ao atender.
— Oi, meu amor. Como você está?
— Melhor… só que ainda cansada.
— Hum, entendo. Bom, estou saindo agora e pensei em passar em algum lugar para comprar algo para o almoço. Queria saber o que você quer.
— Amor, você leu meus pensamentos. Eu estava indo atrás de algo agora mesmo. — Sorri. — Eu vou querer só uma salada com frango grelhado e um suquinho de laranja.
— Okay, daqui a pouco chego aí.
— Obrigada — agradeci, antes de desligar.
Me forcei a levantar para me trocar e dar uma pequena ajeitada na bagunça do apartamento, já que algumas coisas estavam fora do lugar devido ao meu mal-estar de mais cedo.
Comecei ajeitando a bagunça que tinha feito com o café, depois arrumei a cama que estava desfeita, joguei fora alguns lixos e organizei o banheiro, que estava em pura desordem. Depois tomei um banho rápido, que me ajudou a me livrar um pouco da sensação de cansaço.
Estava no quarto penteando o cabelo, quando ouvi a porta da sala ser aberta.
— Amor, cheguei.
— Oi — disse, indo até ele, que agora estava colocando as sacolas em cima da bancada da cozinha.
— Como você se sente? Tá melhor? — ele perguntou, fazendo um leve carinho no meu rosto.
— Digamos que sim… Acabei de tomar um banho que parece ter ajudado.
— Vamos!
Ajudei ele a colocar a mesa para almoçarmos, mas algo chamou minha atenção assim que vi o calendário preso na geladeira.
Nele estavam marcadas várias datas importantes, como as provas que teríamos antes do recesso de Ação de Graças, as datas importantes dos nossos estágios e a data prevista para a minha menstruação… Dia 7 de outubro… Hoje é dia 25 de outubro.
A manhã parecia mais clara do que o normal, como se o mundo estivesse se esforçando para parecer mais otimista do que eu me sentia. As folhas amarelas e laranjas espalhadas pela calçada eram o único sinal de que o outono estava em pleno vigor, mas tudo ao meu redor parecia abafado, como se uma tempestade se aproximasse.
Caminhava a passos mais lentos do que o habitual. O sono da noite mal dormida, o enjoo que envolvia meu estômago e a preocupação estavam me tirando do ritmo frenético em que eu sempre vivi.
— Amor, você consegue caminhar só um pouquinho mais rápido? Nós vamos nos atrasar — disse , olhando para mim enquanto segurava minha mão.
— Amor, eu estou me sentindo mal. Pode ir na frente que eu já chego.
— Você ainda não se sente bem, né? — ele perguntou, com a expressão de preocupação no rosto.
— É… ainda não. Acho que não coloquei para fora tudo o que me fez mal. — Tentei disfarçar.
Estava tentando disfarçar o mal-estar contínuo desde a hora em que acordei. Não queria preocupar , muito menos deixar transparecer minhas dúvidas.
Tanto quanto eu estávamos atordoados com problemas envolvendo a faculdade e os estágios. Não precisaríamos de mais uma preocupação no momento.
— Eu vou na frente, então. Não posso me atrasar para a primeira aula — disse ele, antes de me dar um selinho rápido e seguir em passos acelerados.
Fiquei observando se afastar, seus passos rápidos me lembrando da pressa e das responsabilidades que pareciam nos consumir. Suspirei e continuei caminhando, a sensação de cansaço tornando cada passo um pouco mais pesado. Cada vez que tentava ignorar o enjoo, ele parecia intensificar, como se meu corpo estivesse tentando me dizer algo que eu não queria ouvir.
Enquanto caminhava, observava as lojas tão conhecidas por mim, já que fazia aquele caminho todos os dias há quatro anos. Voltei minha atenção para as pessoas que estavam caminhando e, ao não conseguir mais alcançar com os olhos, atravessei a rua, entrando na farmácia.
O corredor estava vazio e o som dos meus próprios passos ecoava no ambiente. Me peguei olhando involuntariamente para a prateleira de testes de gravidez, e o simples ato de observá-los fez meu estômago revirar. Estava com uma garrafa d'água em uma das mãos e a outra suava enquanto eu a enxugava no jeans. Havia vários tipos e marcas, mas eu só precisava de um. O mais simples e direto possível.
Puxei duas caixas do mais barato e coloquei-as na pequena cesta. Senti um nó na garganta ao olhar para o item, um lembrete cruel do que estava prestes a enfrentar. Estava parada na seção de absorventes, a fim de pegar uma caixa deles para tentar disfarçar ao passar no caixa.
— Bom dia, .
Ouvi alguém falando comigo e, ao me virar, pude ver , uma colega de turma de , me olhando curiosa.
— Bom dia, — disse, jogando uma caixa de absorventes qualquer sobre os testes.
— Tudo bem? Ontem, durante a aula, o estava preocupado com você… e hoje eu te encontro aqui.
— Eu estou bem, . Obrigada por perguntar, mas ontem eu só estava meio abatida por conta da cólica. — Tentei sorrir, disfarçando.
— Ah, sim, entendo como é… — Ela parecia querer continuar a conversa, mas eu só queria sair dali naquele momento.
— , agora eu preciso mesmo ir, já estou atrasada — disse, olhando para o meu relógio de pulso.
— Certo, também preciso correr. Melhoras, tá?
— Obrigada! — agradeci, me virando e revirando os olhos.
Nunca gostei de , desde quando comecei a namorar com . Ela sempre quis se fazer presente para ele, dava leves investidas até mesmo na minha frente, sem tentar disfarçar, e eu sei que ela também não gosta de mim.
Quando cheguei ao caixa, a caixa de testes estava escondida sob uma pilha de produtos. A caixa era uma mulher com um sorriso amigável, mas eu mal consegui retribuir o gesto.
— Está tudo bem? — ela perguntou, notando meu comportamento tenso.
— Sim, só… só uma manhã cansativa — menti, tentando parecer o mais normal possível enquanto pagava pelas compras.
Com a sacola nas mãos, saí apressada. Enquanto caminhava, dessa vez mais rápido, joguei a sacola com as compras dentro da bolsa e segui pelo caminho tão conhecido.
Cheguei à faculdade e havia poucas pessoas entrando em suas salas; as aulas provavelmente já tinham começado há uns 10 minutos. Eu me dirigi para o banheiro mais próximo, buscando um pouco de alívio e privacidade. As paredes brancas e o piso cerâmico refletiam a luz fluorescente, intensificando a sensação de frieza e distanciamento. Respirei fundo e me encostei na pia, tentando me acalmar antes de seguir para a aula. Joguei água no rosto e encarei meu reflexo no espelho. Eu havia envelhecido um mês de ontem para hoje.
Saí do banheiro de cabeça baixa e acabei esbarrando em alguém.
— Descul... — Não terminei de dizer, pois a pessoa levantou meu queixo.
— Amor, você só chegou agora? — A pessoa era .
— Só… — Procurei uma desculpa plausível e lembrei que havia me visto comprando absorventes. — Eu precisei passar na farmácia para comprar absorventes. — Forcei um sorriso que não chegava aos olhos.
— Humm… — ele murmurou, parecia convencido.
— Agora eu vou indo, já perdi uns 15 minutos — disse, já saindo, sem dar tempo dele responder qualquer coisa.
As aulas passaram em um borrão. Eu lutava para me concentrar, meu estômago revirando e minha mente ocupada com o mesmo pensamento inquietante: algo não estava certo. A ideia de adiar o teste de gravidez para mais tarde parecia impossível de ignorar, e cada minuto que passava só aumentava a ansiedade.
O sinal estridente tocou quando o relógio marcava 11 horas. Dei graças a Deus mentalmente; já não aguentava mais ter que fingir que estava prestando atenção no que o professor explicava.
Ainda com os enjoos e a ansiedade me dominando, me forcei a seguir até o jardim, onde eu normalmente me encontrava com alguns amigos e minha irmã durante o intervalo. Encontrei o pequeno grupo de quatro pessoas sentadas em um banco um pouco afastado. Todos estavam felizes, rindo e conversando sobre um assunto que eu não fazia ideia do que era. Todos estavam leves, sem uma preocupação imediata.
— ! — Marcella, minha irmã, veio me abraçar assim que me aproximei o suficiente para que ela me visse.
— Mar. — Retribuí o abraço.
— Como você está? Você não veio ontem… comentou que você não estava se sentindo bem.
— Agora eu estou melhor… Acho que comi algo que não me caiu bem. — Sorri de canto.
— Hum, comeu algo que não te fez bem ou te comeram? — Doug, o namorado de Marcella, disse rindo.
Eu apenas revirei os olhos e mostrei o dedo do meio enquanto sorria em tom de deboche.
— Bom dia pra você também. — Ele se levantou e me beijou no rosto.
— Bom dia, coisa — respondi. — Bom dia, gente — disse, cumprimentando Alissa e Tose, o outro casal que fazia parte do nosso grupo.
— Bom dia, ! — Os dois responderam juntos.
Sentei na grama, na direção oposta aos pequenos raios de sol que estavam no céu, e tentei prestar atenção na conversa que eles retomaram. A conversa estava animada e eu realmente tentava me manter a par dos assuntos, mas com o pensamento a milhão.
De repente, apareceu no jardim, com um sorriso no rosto ao me ver.
— Ah, olha quem chegou — disse Marcella, acenando para ele.
— Oi, amor!
— Oi, amor. Como foi o dia? — ele perguntou, vindo em minha direção e me dando um beijo suave.
— Mais ou menos — respondi, tentando esconder o nervosismo. — Só estou um pouco cansada.
— Só um pouco? — ele perguntou, olhando para mim com uma expressão curiosa. — Parecia estar mais cansada quando a vi pela manhã.
— Foi uma manhã complicada. — Eu forcei um sorriso. — Mas nada que eu não possa lidar.
se sentou ao meu lado enquanto cumprimentava os outros e logo começou a participar da conversa, que agora eu já nem sabia mais do que se tratava.
— Gente, eu estava pensando… Que tal irmos almoçar naquele restaurante novo? — Doug sugeriu.
— Qual deles? — Tose perguntou, já que tinham sido abertos dois novos restaurantes aqui perto.
— Aquele que fica na esquina do prédio das meninas. — Doug apontou para Alissa e Marcella.
— Aquele restaurante parece ser maravilhoso! — Alissa disse.
— Sim! Todos os dias eu sinto um cheiro maravilhoso quando passo por ele — Marcella completou.
— Então vamos?! Eu super animo de ir! — Tose parecia entusiasmado.
— O que você não anima, não é, Tose?! — tirou sarro do irmão, um ano mais novo.
— Não é bem assim, .
— Aham, tá bom. — Alissa entrou na onda.
— Mas enfim, eu gostei da ideia, mas não vou poder ir com vocês — disse, se levantando.
— Por que, amor?
— Hoje eu tenho uma reunião no estágio e tenho que acompanhar aquela audiência importante.
— Ah, sim. Tinha me esquecido dela.
— Pois é… Já estou até atrasado, não vou conseguir assistir às duas últimas aulas — disse, olhando para o relógio.
— Então vai logo! — disse, encorajando-o.
— Vou mesmo. Tchau, gente, tchau, amor. — Ele me beijou novamente antes de sair.
— Acho que nós também deveríamos ir, né? O sinal já vai tocar — Marcella disse.
Nós cinco caminhamos juntos até a entrada do prédio principal, onde cada um seguiu para suas respectivas salas.
As duas últimas aulas se passaram arrastadas, como as aulas anteriores. A vontade de ir pra casa já estava estampada em minha cara. O sinal tocou e eu recolhi minhas coisas com pressa para sair da sala.
Caminhei com pressa e acabei esbarrando em Doug no corredor.
— Vai com tanta pressa assim pra onde, ?
— Pra casa, Doug. Preciso descansar antes do estágio.
— E o nosso almoço? Você não vai?
— Não… Avisa pro pessoal que eu realmente precisei ir pra casa, tá?!
— Tá, eu aviso sim.
— Obrigada.
Segui o caminho de casa com passos rápidos e, em questão de 15 minutos, já estava com as chaves em mãos para abrir a porta.
— ? — O chamei ao entrar e não obtive resposta.
Sabia que ele não estava em casa, mas queria ter certeza. Coloquei minha bolsa no cabideiro ao lado da porta, mas antes, tirei a sacola da farmácia de dentro dela. Segui para o quarto e guardei os testes dentro de uma gaveta da cômoda, deixando-os enrolados em algumas meias. Fui para o banheiro e guardei os absorventes para disfarçar antes de tentar comer algo.
Estava sentada no banco da janela, olhando as gotas de chuva que escorriam por ela. O tempo realmente tinha fechado, conforme eu tinha previsto mais cedo. O relógio da sala fazia um tic—tac incessante, o barulho me lembrava que o tempo estava passando e eu tinha coisas a serem feitas. Não tinha ido para o estágio hoje; liguei avisando que estava me sentindo mal e eles recomendaram que eu ficasse em casa pelos próximos dias, o que acabei aceitando.
Passei boa parte da tarde tentando ocupar a cabeça com outras coisas, outros pensamentos, mas nada conseguia tirar da mente os objetos que estavam guardados. Olhei no relógio; ainda estava cedo, só voltaria à noite, depois das 20h.
Havia uns 10 minutos que eu estava ali, encarando aquela bendita gaveta fechada e com medo de abri-la. Mas algo dentro de mim me dizia que eu não podia mais esperar, então suspirei fundo e fui até ela.
— Eu preciso fazer isso — murmurei para mim mesma, como se dizendo as palavras em voz alta pudesse me dar a coragem que me faltava. Respirei fundo e, com as mãos trêmulas, finalmente abri a gaveta. O pequeno objeto branco parecia inofensivo, mas pesava toneladas em minhas mãos.
Com o coração pesado, fui até o banheiro, cada passo ecoando como um martelo na minha mente. Fechei a porta e me apoiei na pia por um momento, olhando meu reflexo no espelho. O rosto que me encarava parecia cansado, os olhos mais fundos do que o normal, a pele pálida.
— Será que você está preparada para qualquer que seja o resultado que venha a seguir? — perguntei ao meu reflexo, na esperança de que ele pudesse me ajudar.
Tirei o teste da embalagem com cuidado, seguindo as instruções sem pensar muito, como se estivesse em piloto automático. Os segundos se arrastaram enquanto esperava, cada tic-tac do relógio me lembrando da gravidade do que estava prestes a descobrir.
Fiz os dois testes de uma só vez; precisava da confirmação dupla.
Três minutos haviam se passado e finalmente o pequeno visor começou a mudar, fazendo meu coração bater mais rápido. Coloquei os testes na pia, fechei os olhos e respirei fundo. Não queria olhar, mas sabia que não podia fugir para sempre.
Abri os olhos lentamente e olhei para o resultado. Duas linhas. Nos dois testes.
Meu corpo congelou. O ar parecia ser sugado do banheiro, e o silêncio era ensurdecedor.
"Estou grávida."
Era apenas isso que soava dentro da minha cabeça. As palavras ecoaram na minha mente, e antes que eu pudesse processá-las completamente, senti as lágrimas escorrendo pelo meu rosto. Não sabia se era de medo, alívio, ou simplesmente pelo impacto da notícia que mudaria tudo.
Ainda paralisada, ouvi a porta da frente se abrir e os passos de se aproximando. Ele entrou no apartamento, chamando meu nome.
— ! — A voz dele soou do outro lado da porta do banheiro, carregada de preocupação.
— Amor, estou aqui. Vou entrar no banho agora. — Inventei uma desculpa; não queria que ele me visse assim e nem queria contar isso agora.
— Tudo bem, eu só vim em casa buscar uns documentos e já estou indo para o escritório — ele disse, do outro lado da porta.
— Tá bom. Bom trabalho.
— Obrigado. Eu compro algo pra gente comer quando estiver voltando.
— Ah, sim, obrigada.
— Por nada, tchau.
— Tchau.
Escutei a porta sendo fechada e pude respirar mais aliviada, deixando as lágrimas voltarem a escorrer.
Antes de sair do banheiro, juntei as embalagens e os testes, limpei a bagunça e escondi qualquer vestígio. Senti um peso no peito, sabendo que, apesar de precisar contar a verdade para , precisava de tempo para processar toda essa informação e encontrar o momento certo para revelar a notícia.
Com o coração ainda acelerado e a mente turva, saí do banheiro e me sentei no sofá. Olhei para o vazio, tentando organizar meus pensamentos e encontrar uma maneira de lidar com a situação. A noite seria longa, mas estava decidida a enfrentar essa nova fase da minha vida com coragem, mesmo que isso significasse enfrentar desafios inesperados, principalmente, essa gravidez.
O alarme do celular tocou às sete em ponto, rompendo o suave silêncio da manhã. Abri os olhos lentamente, tentando ajustar minha mente à realidade. Ao meu lado, ainda dormia, o rosto sereno, alheio ao turbilhão que girava dentro de mim. Já fazia três dias que eu me programava para acordar antes dele, tentando disfarçar toda a minha inquietude. Três dias desde que havia recebido o positivo.
Desliguei o alarme e, antes de me levantar, olhei mais uma vez para . Seu rosto permanecia relaxado em um sono tranquilo. Seus cabelos estavam desarrumados e o leve ronco que emitia era quase reconfortante. Um sorriso discreto brotou em meus lábios ao vê-lo assim. Tentei me levantar sem fazer barulho, movendo-me com delicadeza para não acordá-lo.
Caminhei em direção ao banheiro, sentindo o frio do piso matinal contrastar com o calor dos lençóis ainda quentes. O vapor começou a subir assim que liguei o chuveiro, envolvendo o ambiente em uma névoa acolhedora. Passei a mão no espelho para enxergar meu reflexo. Meu cabelo estava despenteado, e as olheiras, mais marcadas do que o habitual, entregavam as noites mal dormidas. Suspirei enquanto prendia o cabelo em um coque, evitando molhá-lo ao entrar debaixo do chuveiro, buscando aliviar a tensão.
O som da água quente caindo sobre meu corpo e o aroma do sabonete me proporcionavam um ambiente tranquilo, quase meditativo — tão relaxante que me fazia esquecer tudo o que estava por vir naquele dia. Mas como nem tudo se resolve tão facilmente, precisei sair do transe após quinze minutos.
Saí do banheiro enrolada na toalha, já com uma leve maquiagem no rosto, tentando disfarçar o cansaço acumulado que o banho não conseguiu levar embora.
Cheguei no quarto e já estava acordado, mas ainda deitado.
— Bom dia, amor — ele disse, com a voz ainda rouca de sono, estendendo os braços para que eu me juntasse a ele.
— Bom dia! — Forcei um sorriso enquanto me aconchegava em seus braços.
— Acordou cedo de novo — ele disse, beijando meu pescoço.
— Estava me atrasando demais esses últimos dias. — Inventei uma desculpa que não deixava de ser verdade.
— É... Você tem razão. — Ele sorriu. — Mas eu queria ficar mais um pouquinho aqui com você.
Era tudo o que eu mais queria naquele momento. Queria me aconchegar ainda mais nos braços dele e esquecer, nem que fosse por um instante, todo o peso que eu estava carregando.
— Eu também, amor... Mas já está ficando tarde — disse, me levantando, mas me puxou pelo braço e selou nossos lábios.
— Pronto, agora posso começar o dia! — Ele sorriu antes de jogar a coberta para o lado e se levantar.
— Vou me trocar e fazer nosso café enquanto você se arruma, tá?
— Tudo bem, amor.
foi para o banheiro enquanto eu pegava algumas peças de roupa. Olhei para a última gaveta do armário, rezando para que ele não a abrisse para pegar nada. Não queria correr o risco de ele descobrir antes do que eu esperava.
Assim que entrou no banheiro, senti meu corpo relaxar um pouco. Aquela troca de carinho entre nós me trouxe uma sensação agridoce. Era conforto, mas também um lembrete do quanto eu ainda estava adiando essa conversa. Três dias. Três dias em que, a cada vez que ele me abraçava, eu me sentia dividida entre o medo e a alegria. Entre a certeza de que estávamos prestes a dar um salto gigantesco em nossas vidas e o receio de que ele não estivesse pronto para recebe-lo.
Vesti-me rapidamente, escolhendo um suéter confortável e jeans. Mas minha mente estava longe da simplicidade da roupa. A cada movimento, a cada pequeno gesto, sentia um peso invisível crescer sobre meus ombros. Como seria quando eu finalmente dissesse a ele? Como ele reagiria?
Peguei a caixa de chá que estava na prateleira da cozinha, tentando focar em qualquer coisa prática. Minhas mãos ainda estavam trêmulas quando coloquei a chaleira no fogão.
"Respira, ,"pensei.
"Só mais um dia. Ou talvez dois." Queria esperar o momento certo, mas ele parecia nunca chegar.
O som da porta do banheiro se abrindo me tirou dos pensamentos. apareceu na cozinha, ainda com o cabelo úmido e uma expressão tranquila. Ele veio até mim, beijou minha testa e sorriu daquele jeito despreocupado. Tão fácil para ele, enquanto eu me sentia um caos por dentro.
— O cheiro está ótimo! — ele disse, pegando uma caneca no armário e se servindo.
Eu não disse nada, apenas lancei um pequeno sorriso.
— Amor, está tudo bem? — largou a caneca no balcão e segurou minhas mãos.
— Está sim, amor... Só estou cansada. Sobrecarregada com tudo. — Tentei disfarçar as lágrimas que começavam a se formar nos cantos dos meus olhos.
— Oh, meu amor, vem cá. — Ele me puxou para um abraço e beijou minha cabeça.
Eu me sentia tão segura ali. A vontade que eu tinha naquele momento era de soltar tudo o que estava guardado nesses últimos dias. Aquele peso estava me matando.
— ... — Me afastei do seu abraço para olhar em seus olhos. Não queria mais esperar. — Eu...
Estava prestes a falar, mas o barulho do celular dele tocando quebrou toda a minha coragem.
— Preciso atender — ele disse, olhando para o número no visor.
se afastou, me deixando sozinha na cozinha. Enxuguei as lágrimas teimosas e respirei fundo.
"Melhor assim, você ainda não está pronta!", pensei enquanto me servia com chá de hortelã.
Tentei me concentrar no aroma do chá enquanto falava ao telefone no corredor. A conversa parecia breve, mas a interrupção foi suficiente para me tirar do momento. Mexi lentamente a xícara, observando as pequenas ondas formadas pelo movimento da colher, como se isso fosse capaz de organizar o caos dentro de mim.
Quando voltou à cozinha, ele parecia tranquilo, mas seus olhos analisavam cada detalhe do meu rosto. Eu sabia que ele sentia que algo estava fora do lugar, mas eu ainda não tinha forças para falar sobre isso.
— Desculpa, era algo rápido do estágio — disse ele, pegando a caneca que havia deixado no balcão. — Você estava dizendo algo antes de o telefone tocar...?
Balancei a cabeça, tentando parecer despreocupada.
— Nem lembro... Provavelmente algo sem importância. — Forcei um sorriso de lado enquanto dava um pequeno gole no líquido quente.
— Bom, quando lembrar, me fala. — Ele se serviu de algumas torradas.
Tomamos o café rapidamente, porque, mesmo acordando cedo, conseguíamos nos atrasar.
— Acho melhor irmos de carro hoje — falei, olhando para o céu enquanto fechava a porta do apartamento.
Nosso apartamento ficava em um prédio aberto, com vários apartamentos universitários ao redor.
— Será que vai chover?
— Provavelmente.
— Vou pegar as chaves e um outro casaco. Você quer?
— Só mais uma jaqueta.
— Tá.
entrou novamente enquanto eu o esperava do lado de fora. Olhei para o céu nublado, a típica cor acinzentada de Oregon prometendo chuva a qualquer momento. Apertei a alça da minha mochila, pensando na quantidade de coisas que ainda precisávamos resolver naquela semana. As aulas, o estágio de , o meu estágio, as leituras que eu ainda não tinha começado... Tudo se acumulava de maneira sufocante, mas a rotina não deixava espaço para pensar em outra coisa, ou pelo menos, era isso que deveria acontecer.
voltou em poucos minutos, com as chaves na mão e um casaco extra pendurado no braço.
— Aqui está sua jaqueta — ele disse, me entregando enquanto fechava a porta. — Vamos nessa?
Vesti a jaqueta rapidamente e seguimos até o carro. O vento estava ficando mais forte, o que confirmava minha suspeita de que a chuva viria logo. Assim que entramos, ligou o carro e o CD que estava no som começou a tocar.
Aquele CD era o nosso CD. Tínhamos gravado anos antes, antes mesmo de darmos o primeiro beijo. A música que tocava naquele momento era "Wherever You Will Go". Olhei para , que já estava cantando animado, o que me arrancou uma risada anasalada. Vê—lo feliz e distante de tudo o que estava acontecendo era um alívio. Um alívio que eu também queria sentir.
Estávamos quase chegando quando percebi que estava pegando um caminho diferente do habitual.
— Ainda temos que passar na biblioteca, né? — perguntei, ajeitando o cinto que incomodava meu abdome.
— Sim, e preciso devolver um livro antes que a multa fique maior — ele respondeu, sorrindo de lado.
— Você e suas multas por atraso. — Balancei a cabeça, rindo.
Aquele caminho era o mais movimentado nesse horário, com vários alunos a caminho de suas primeiras aulas do dia. Eu observava os rostos apressados, as mochilas pesadas, e sentia que fazíamos parte de uma rotina incessante, onde os dias se misturavam.
estacionou o carro no pequeno espaço que encontramos e saímos rapidamente, apressados para chegar antes que a aula começasse. O campus já estava cheio, com grupos de alunos caminhando de um lado para o outro, a maioria com os olhos fixos em celulares ou livros.
— A gente se encontra depois da aula? — perguntei, tentando organizar mentalmente o resto do dia.
— Sim, te vejo no intervalo — ele respondeu, dando-me um beijo rápido antes de se afastar em direção ao prédio onde teria aula.
— Tchau — sussurrei enquanto ele corria para não se atrasar.
sempre foi perfeccionista em tudo. Nunca se atrasava para nada e jamais perdia uma aula. Seu foco nos estudos e na carreira era algo de se admirar. Ele era o filho que toda mãe teria orgulho de ter.
Enquanto se afastava, eu fiquei ali por um momento, deixando o vento frio, que anunciava a chegada da chuva, me envolver. O som de vozes ao redor me trouxe de volta à realidade, e eu segui em direção ao meu prédio.
A sala já estava cheia quando entrei. Encontrei um lugar perto da janela, sentei e organizei meus livros sobre a mesa. O professor chegou logo em seguida, iniciando a aula com sua voz firme, discutindo os temas da leitura obrigatória. Abri o caderno e comecei a tomar notas, focando no conteúdo.
Depois de falar sobre a extensa lista de leituras, o professor iniciou outro tópico. No entanto, era difícil me concentrar. Ele falava sobre um estudo de caso importante, e enquanto eu tentava anotar suas palavras, minha mente divagava para o momento em que teria que contar a verdade a . O “quando” e o “como” pareciam impossíveis de decidir. A aula passou como um borrão.
Quando o sinal tocou, indicando o fim da aula, olhei para o relógio e percebi que estava na hora do intervalo. Peguei minhas coisas e fui para o refeitório, onde já deveria estar com os outros.
Ao entrar, meus olhos o encontraram imediatamente. Ele estava sentado numa mesa perto da janela, sorrindo e gesticulando animadamente. Era reconfortante, como se tudo estivesse normal, mesmo que eu soubesse que minha vida estava prestes a mudar de uma forma que ninguém imaginava.
— Ei, amor! — ele disse, antes de selar nossos lábios rapidamente assim que me aproximei. Seus braços envolveram minha cintura de maneira protetora, e por um momento me senti mais leve.
— Olha quem apareceu! — Marcela disse, sorrindo divertida enquanto ajeitava a jaqueta no colo e segurava um sanduíche. — Achei que ia se perder em algum livro por aí.
— Não hoje, pelo menos — respondi, rindo. — Estava na sala de seminários. E você? Como está indo o seu dia?
Marcela suspirou dramaticamente, rolando os olhos.
— Ah, você sabe... só mais leituras. Estou correndo contra o relógio para entregar um trabalho.
— Nem me fala — resmungou Tose, que estava ao lado de , jogando o resto do sanduíche na bandeja. — Estou quase desistindo de engenharia, mas, pelo menos, o fim de semana está chegando.
— Nem pensa em desistir, Tose. Você sabe o que a mamãe faria com você! — disse , rindo e dando um leve tapa na nuca do irmão.
— É o que está me mantendo na faculdade. — Tose fingiu chorar.
— E você, Doug? Tá tão quieto. Deve estar doente. — Olhei para o namorado da minha irmã. Ele estava distante, fixo em algum ponto.
— Estou com medo! — ele disse, sem nem me olhar.
— Medo de quê? — Marcela o encarou, franzindo a testa.
— Dos seminários antes do recesso. — Ele fingiu chorar de novo.
— Talvez se você não deixasse tudo para a última hora... — Aly se pronunciou. Doug e Aly faziam o mesmo curso e sempre formavam dupla para trabalhos e provas. Todos sabiam que Aly era quem mantinha as datas em dia.
— Não é bem assim! — Ele tentou se defender.
— Amor, nem adianta... Nós te conhecemos — Marcela brincou, fazendo carinho no rosto dele.
— Droga! — Doug murmurou, arrancando risadas de todos.
Continuamos a conversar sobre assuntos aleatórios, fazendo piadas, especialmente às custas de Doug. Estava tudo tranquilo até que Marcela parou e me encarou por um instante.
— , você não vai comer nada? — perguntou ela, com uma expressão preocupada, enquanto pegava um pedaço de fruta de sua bandeja.
A pergunta me pegou de surpresa. Estava tão focada em tentar parecer normal que nem percebi que não havia tocado na comida.
— Ah, não — respondi rapidamente, tentando sorrir de forma convincente. — Não estou com fome.
— Não parece, — disse Aly, com um olhar atento. — Você está pálida e mal tocou na comida. Está tudo bem?
— Sim, está tudo bem! — Forcei mais um sorriso, mas me olhou com suspeita.
— Ela não vem se alimentando direito há dias — ele comentou.
— Não é isso! — comecei a me defender, mas Marcela me olhou ainda mais preocupada.
— ... — Sabia o que ela estava pensando, então tratei logo de despreocupar todos.
— Só não estou me sentindo bem, mas em alguns dias, eu vou estar melhor.
— Tem certeza de que é só isso? Você sabe... — Não deixei que ela continuasse.
— Sim, Mar, é só isso!
Eu entendia a preocupação genuína de Marcela, mas não queria tocar naquele assunto. Minha falta de apetite não tinha nada a ver com os problemas alimentares que tive no passado.
Dei graças a Deus quando o sinal tocou novamente, indicando que as próximas aulas começariam em breve. Eu não estava nem um pouco a fim de assistir a mais uma aula de fisioterapia esportiva, mas a vontade de enfrentar aquela conversa era ainda menor.
— Bom, eu vou indo. Preciso passar na biblioteca antes de ir para a sala de aula — disse, ao me levantar.
— Quer que eu vá com você? — se ofereceu.
— Não precisa, obrigada — respondi, dando-lhe um beijo rápido. — Tchau, gente. — Me despedi antes de sair apressadamente.
Com passos rápidos, fui direto para a biblioteca, onde precisava pegar alguns livros que estavam reservados para meu próximo trabalho. O ambiente tranquilo ali dentro era um contraste bem-vindo com a correria lá fora, e eu me permiti alguns segundos para respirar fundo enquanto caminhava até a seção de que precisava.
Peguei os livros com cuidado, conferindo as anotações que tinha feito no celular sobre os capítulos que precisava revisar. Carregando três volumes pesados nos braços, fui até uma das mesas próximas e sentei-me. Meu tempo estava curto, então não podia perder um minuto. Abri o primeiro livro e comecei a anotar os pontos principais, com o som suave de folhas sendo viradas e o ocasional clique de teclados ao meu redor.
O segundo sinal tocou, indicando que os professores já iriam começar as explicações. Minha vontade era de ficar ali na biblioteca, debruçada sobre os livros de neuro, mas todas as horas de aula eram indispensáveis naquele último ano. Peguei os livros novamente, segui para o balcão a fim de oficializar o empréstimo e depois fui para a sala de aula.
No caminho, senti meu celular vibrando no bolso de trás do meu jeans. Peguei-o com dificuldade, mas consegui ler a mensagem de :
"Está tudo bem mesmo? Não queria te pressionar, só estou preocupado. Te amo.
Suspirei ao ler as palavras. Eu sabia que ele estava certo, mas lidar com a preocupação de todos só aumentava minha própria ansiedade. Digitei uma resposta breve, prometendo que falaria com ele mais tarde. Talvez fosse melhor contar logo, acabar com esse peso. Mas não agora. Não naquele corredor lotado de estudantes.
Continuei meu caminho, mas acabei esbarrando em Marcela, que estava saindo da sala da coordenação de seu curso.
— — ela disse, se aproximando de mim.
— Oi, Mar.
— Você sabe que não precisa fingir e nem esconder nada da gente, né?
Olhei para ela, surpresa pelo tom direto, mas ao mesmo tempo, agradecida.
— Eu sei, Mar. Só preciso de um tempo para organizar as coisas... Na minha cabeça — respondi baixinho, sem muita convicção, com algumas lágrimas se formando em meus olhos. Malditos hormônios.
— Se precisar de ajuda, eu e todos estamos aqui.
Algo dentro de mim gritava para eu me abrir com alguém, dividir aquela notícia, pedir ajuda para lidar com a situação, mas eu não podia fazer isso ali.
— Obrigada, mana. — Forcei um sorriso. — Agora preciso ir, já perdi uns 20 minutos de aula.
— Vai lá, então.
— Tchau.
— Tchau.
Segui para minha sala e, como já era esperado, o professor estava bem adiantado com a matéria, e os únicos lugares disponíveis eram ao fundo. Sentei—me em um dos lugares vagos e tentei prestar atenção no conteúdo que estava sendo explicado, mas meus pensamentos continuavam a mil, como nos últimos dias.
Depois da última aula, encontrei me esperando do lado de fora da sala. Ele estava lá para irmos embora juntos.
— Vamos? — ele disse, estendendo a mão.
— Vamos — respondi, entrelaçando nossos dedos. — Amor, você tem planos para mais tarde? — perguntei, antes de entrarmos no carro.
— Bom, hoje não tem estágio, então só vou estudar as matérias acumuladas. Por quê?
— Por nada, só queria... sei lá, fazer algo diferente depois que eu chegar.
— Podemos, sim — ele disse, me dando um pequeno beijo antes de começar a dirigir.
O caminho até em casa foi rápido e tranquilo. Naquele horário, muitos alunos já tinham ido embora e outros ainda almoçavam no refeitório.
— Eu vou preparar algo para o nosso almoço, tá? — disse, assim que entramos em casa. — Assim você descansa um pouco antes de ir.
— Muito obrigada, amor — agradeci com um beijo.
— De nada. — Ele sorriu antes de eu seguir para o quarto.
Deitei-me e, antes de fechar os olhos, programei o despertador para tocar em uma hora. Tempo suficiente para um cochilo reparador.
A casa estava silenciosa quando acordei. O som vindo da cozinha havia cessado, indicando que já tinha terminado de preparar o almoço. Fui ao banheiro, sentindo uma onda de enjoo novamente.
— Meu Deus, quando isso vai passar? — murmurei, encarando meu reflexo, quase idêntico ao que havia visto mais cedo.
Lutei contra a ânsia de vômito e, dessa vez, consegui vencer. Tomei um banho mais frio do que o normal; meu corpo estava implorando por algo diferente e essa era a única coisa ao meu alcance no momento.
Depois do banho, prendi o cabelo em um rabo de cavalo alto e passei um pouco de maquiagem no rosto. Enrolada na toalha, saí do banheiro. Estava apenas de calcinha e sutiã quando entrou no quarto, então rapidamente vesti a parte de cima do meu scrub. Minha barriga ainda não mostrava sinais visíveis, mas só o fato de saber que havia uma vida crescendo ali me assustava. Eu temia que alguém notasse algo.
— Amor, esqueci de te avisar — disse, levantando os olhos do celular. Agradeci mentalmente por ele não ter reparado minha pressa em me vestir.
— Avisar o quê? — perguntei enquanto colocava a calça.
— Mais tarde vou fazer um trabalho em grupo com a . A gente combinou de se encontrar na biblioteca por volta das seis.
— Às seis? Não dava pra ser mais cedo?
— Não, ela tem uma audiência importante no estágio hoje.
— Ah, tudo bem então — respondi, com a tristeza evidente na minha voz.
A conversa que eu tanto estava evitando e para a qual finalmente tinha tomado coragem, teria que esperar.
— Você ficou chateada? — Ele segurou meu rosto pelo queixo.
— Não! — Balancei a cabeça.
— Certeza?
— Sim! — respondi novamente, me afastando para terminar de me arrumar. , percebendo meu incômodo, saiu do quarto sem dizer mais nada. No fundo, ele sabia que eu estava chateada.
Passei um perfume suave, peguei minha bolsa e meu celular antes de sair do quarto. Fui até a cozinha para pegar minha garrafa de água e calcei meus tênis que estavam próximos à porta.
— Você não vai almoçar? — perguntou, ao me ver calçando o primeiro tênis.
— Não, estou atrasada — respondi, sem olhá-lo.
— Mas ainda são 13h40. Você só entra às 14h45!
— Preciso resolver umas pendências antes. — O que não deixava de ser verdade, já que eu precisava fazer o exame de sangue.
— Certo! — Agora era ele quem parecia chateado. — Tchau, meu amor.
— Tchau, — disse, antes de pegar as chaves do carro no aparador ao lado da porta.
Assim que entrei no carro, uma onda de ansiedade tomou conta de mim. A ideia de que a conversa que eu tanto temia estava se aproximando me deixava inquieta. A gravidez era uma verdade inegável, e quanto mais tempo eu demorasse para contar a , mais complicada a situação ficaria.
Dirigi até o laboratório, tentando focar na estrada. Cada sinal vermelho parecia durar uma eternidade, enquanto meus pensamentos giravam em torno de e . O que aconteceria se ele se interessasse mais por ela? A ideia me perturbava e eu sacudi a cabeça, tentando afastar esses pensamentos negativos. Eu estava sendo ridícula; os hormônios já estavam afetando minha cabeça!
Ao chegar ao laboratório, a tensão aumentou. Entrei na sala de espera e observei as pessoas ao meu redor, tentando me distrair no celular. Quando meu nome foi chamado, senti um frio na barriga. O exame foi rápido, mas minha mente estava a mil. Cada movimento da enfermeira parecia prolongar a espera pelo resultado e a confirmação do que eu já sabia pesava sobre mim.
Saí do laboratório com uma mistura de alívio e apreensão. Precisava me distrair, então fui até uma cafeteria. O aroma de café fresco preenchia o ar, mas eu não tinha apetite. Pedi um chá gelado e me sentei, observando o movimento lá fora, tentando encontrar alguma normalidade em meio ao caos que sentia por dentro.
Depois de mais alguns minutos perdida em pensamentos, percebi que já estava me atrasando. Levantei e apressei o passo, aproveitando os minutos que ainda me restavam.
Quando cheguei ao hospital e estacionei, respirei fundo, tentando afastar a ansiedade. O cheiro de desinfetante e a agitação dos corredores eram familiares, mas hoje tudo parecia mais intenso. Assim que entrei na recepção, cumprimentei meus colegas, mas a conversa leve ao redor não aliviava o peso no meu peito.
Comecei minhas atividades e, assim, consegui me sentir um pouco mais leve. Eu amava o que fazia e isso era capaz de tirar, mesmo que momentaneamente, o peso que estava me sobrecarregando. O dia estava tranquilo, mesmo que o estágio de hoje não fosse em uma área que eu realmente pretendia seguir.
Durante um dos atendimentos, uma paciente mais velha começou a compartilhar histórias sobre seus netos. Enquanto ela falava sobre as alegrias da maternidade, eu sentia uma mistura de emoção e medo. Era como se suas palavras refletissem meus próprios anseios, mas eu ainda estava presa na dúvida sobre o que realmente queria.
Depois de um dia exaustivo, finalmente cheguei ao final do meu turno. A sensação de alívio misturava-se com a ansiedade que ainda me acompanhava. Antes de sair, passei pela sala de descanso e vi alguns dos meus colegas conversando animadamente. O ambiente, normalmente reconfortante, agora parecia sufocante. Era como se eu estivesse presa em um lugar onde ninguém entendia a luta interna que eu enfrentava.
Quando finalmente saí do hospital e entrei no carro, a realidade do que estava por vir começou a me atingir. Dirigi devagar, pensando em como faria aquela conversa acontecer. A cada quarteirão que passava, a urgência aumentava. Era hora de enfrentar a verdade, não apenas para mim, mas também para . Com esse pensamento, as emoções começaram a transbordar.
Ao entrar em casa, fui recebida pelo silêncio absoluto. As luzes estavam apagadas e a única iluminação vinha da luz fraca da rua, que atravessava as cortinas da sala. Soltei um suspiro, como se o peso do dia finalmente estivesse me alcançando. Fechei a porta atrás de mim e chamei pelo nome de , já sabendo que ele não estava ali.
— ? — o chamei, mesmo sabendo que não obteria respostas.
Coloquei minha bolsa no sofá e olhei ao redor, tentando me reconectar com a ideia de que em breve ele estaria de volta. A cozinha estava arrumada, provavelmente ele havia limpado antes de sair para a biblioteca. Olhei para o relógio: 18h15. Ainda faltava algum tempo até que ele voltasse.
Deixei meu corpo cair no sofá, sentindo o cansaço finalmente pesar sobre mim. Minha cabeça rodava com todos os pensamentos que eu tinha evitado ao longo do dia. A gravidez, a conversa que eu precisava ter, o medo do desconhecido. O sofá, normalmente tão confortável, parecia sufocante agora, como se me puxasse para a realidade que eu estava lutando para evitar.
Fechei os olhos por um momento, ouvindo apenas minha própria respiração. “Eu preciso contar a ele.” A frase ecoava na minha cabeça como uma batida constante. Meu coração acelerava só de pensar em como ele reagiria. era carinhoso e compreensivo, mas isso era diferente. Era algo que mudaria tudo.
Abri os olhos e me forcei a levantar. Caminhei até a cozinha, tentando me distrair. Peguei um copo d'água e bebi devagar, deixando o líquido frio acalmar minha garganta. Talvez eu pudesse organizar meus pensamentos antes de chegar. Talvez, se eu ensaiasse a conversa, ela não pareceria tão assustadora. Mas, por mais que eu tentasse, a ansiedade não cedia.
Fui até o quarto e comecei a trocar de roupa, tirando o uniforme do hospital e colocando algo mais confortável. Enquanto me olhava no espelho, não pude deixar de observar minha barriga. Ainda parecia a mesma de sempre, mas o que ela escondia era enorme, maior do que qualquer outra coisa que já vivi.
Eu precisava estar pronta para o que viria a seguir.
Sentei-me na beira da cama, sentindo o nervosismo tomar conta de mim mais uma vez. Peguei meu celular e, sem pensar muito, enviei uma mensagem para :
"A gente precisa conversar quando você chegar. É importante."
Eu havia esperado por horas. O relógio já havia marcado 20, 21, 22, 23:00 horas e nada dele aparecer em casa ou sequer responder minha mensagem.
O cansaço do dia e os hormônios que meu corpo estava produzindo em alta escala me fizeram pegar no sono enquanto esperava para ter a temida conversa, mas acabei adormecendo ali mesmo, no sofá desconfortável da sala e com a televisão ligada em algum programa aleatório da MTV.
A manhã seguinte chegou, as luzes da cidade invadiam o quarto enquanto ele ainda dormia e eu havia acordado deitada em nossa cama, ao seu lado. havia me levado para o quarto quando chegou tarde da noite.
Acordar e ver o rosto sereno e a respiração tranquila dele sempre me trouxe uma calmaria, mas nesses últimos dias tudo dentro de mim parecia um turbilhão. Eu queria dizer, precisava dizer, mas não sabia se estava pronta para ouvir sua reação. E, acima de tudo, o que eu realmente queria? O que eu esperava dele? Só sabia que de hoje não poderia passar, já havia guardado para mim por muito tempo.
Olhei para , observando seu rosto tranquilo enquanto dormia. Não sabia o que ele pensava, o que ele sentia e isso me consumia mais do que eu queria admitir. Ele parecia tão distante ultimamente, como se estivéssemos apenas dividindo o espaço, mas não mais a intimidade que uma vez tivemos.
Eu me levantei com cuidado, tentando não acordá-lo. A sensação de estar à beira de uma conversa que poderia mudar tudo me apertava no peito. O café da manhã, que normalmente seria um momento tranquilo, parecia mais uma oportunidade para adiar o que eu sabia que precisava fazer.
Sentei à mesa, mexendo na xícara de café enquanto meu olhar passeava pela cozinha, mas minha mente não conseguia se afastar de uma única pergunta: Será que ele ainda me amaria?
O som suave de se movendo na cama me fez olhar para trás. Ele estava acordando. Eu sabia que não teria mais como esperar, mas, ao mesmo tempo, uma parte de mim queria fugir, queria deixar o assunto para depois. Mas, por mais que eu tentasse, a pressão do que estava por vir me fazia sentir como se estivesse sufocando.
Quando ele apareceu na porta da cozinha, seu olhar encontrando o meu, algo dentro de mim se mexeu. Eu sabia que ele percebia que algo estava errado, mas ele não dizia nada. E talvez isso fosse o pior: o silêncio.
se aproximou, e antes que ele pudesse dizer qualquer coisa, eu já havia me levantado, o coração batendo acelerado, a respiração mais pesada do que eu gostaria
— Precisamos conversar. — As palavras saíram mais rápido do que eu esperava, e ali, naquele instante, eu sabia que nada mais seria igual.
— Bom dia, meu amor. — deu um beijo em minha cabeça. — Eu recebi sua mensagem ontem, mas meu celular descarregou antes mesmo que eu pudesse te responder, desculpa.
— Isso não importa agora, — disse me sentando novamente na cadeira em que estava segundos atrás. — Eu precisava… Na verdade, ainda preciso conversar com você!
— Então diga — ele disse, se servindo com uma caneca de café.
— Meu Deus…— disse, suspirando baixinho enquanto passava as mãos pelos cabelos, a fim de tomar coragem. — Eu… — comecei, a voz falhando, mas continuei. — Eu não sei por onde começar. Só sei que... não dá mais para continuar assim.
Ele franziu a testa, a caneca de café ainda em suas mãos. Havia algo na forma como ele me olhava que me fez questionar se ele já sabia o que eu estava prestes a dizer.
— O que você quer dizer com "não dá mais"? — A preocupação na voz dele não disfarçava a incerteza. — Se há algo que eu não entendi, Victoria, é melhor você me contar logo. Eu não gosto de ficar no escuro.
Eu sabia o que ele queria dizer com aquilo: ele não queria mais ser o último a saber. O último a entender. E, de algum modo, isso me machucava. Mas era o que eu tinha que fazer, não importava o quão difícil fosse.
— Eu… — Respirei fundo. — Eu estou grávida, — soltei de uma vez, eu não conseguiria pensar em uma forma melhor, então foi assim, rápido, achando que também seria indolor.
As palavras saíram da minha boca como um sussurro, quase como se não quisesse ouvir minha própria declaração. Mas, ao mesmo tempo, eu sentia um peso sendo retirado dos meus ombros. Eu não estava mais sozinha com esse segredo.
O silêncio seguinte foi ensurdecedor. me olhou fixamente, como se estivesse tentando processar o que acabara de ouvir. Sua expressão mudou de algo próximo à surpresa para uma incerteza inquietante. Ele colocou a caneca sobre a mesa com mais força do que o necessário, mas não disse nada.
— O quê? — finalmente ele falou, a voz quase inaudível, como se estivesse tentando encontrar um ponto de equilíbrio.
— Por favor, não me faça repetir isso de novo em voz alta… — Mordi meu lábio interno, a fim de segurar o nó que se formava em minha garganta.
Ele me olhou com uma expressão vazia, como se minhas palavras tivessem tirado a cor de sua face. Eu sabia que ele estava processando a notícia, mas, ao invés de surpresa ou emoção, o que transparecia era algo mais difícil de lidar: uma frustração crescente. Ele levantou—se da mesa abruptamente, começando a andar de um lado para o outro na cozinha, como se a notícia fosse um peso que ele não soubesse como carregar.
— Não... — ele murmurou para si mesmo, mais como uma afirmação do que uma dúvida. — Não, isso não pode estar acontecendo, Victoria.
Eu olhei para ele, esperando alguma reação, algo que me fizesse sentir que a decisão que eu havia tomado de contar a verdade fosse, de alguma forma, a certa. Mas não vinha nada. Apenas o som de seus passos acelerados e a tensão no ar.
— , eu sei que isso não é fácil... — comecei a dizer, a voz trêmula.
— Fácil? — ele interrompeu, se virando para mim com os olhos duros. — Fácil, Victoria? Como você acha que isso é fácil para mim? Eu tenho tudo planejado, tudo, e agora você me aparece com essa... essa bomba! — passava as mãos nos cabelos de uma forma desesperada.
As palavras dele me atingiram como uma lâmina afiada. Eu sabia que ele estava preocupado com sua carreira, mas não imaginava que fosse reagir dessa forma. O silêncio que pairou entre nós parecia pesado demais para ser suportado.
— Eu... — Eu tentei, mas a garganta estava apertada, as palavras se tornando difíceis de formar. — , você acha que eu planejei isso? Você acha que eu queria que fosse assim? Eu não sei o que fazer, eu também estou desesperada! Eu só sei que não temos como fugir disso!
Ele riu de forma amarga, uma risada sem humor algum. O olhar dele estava cheio de acusações, como se eu fosse a única responsável pela situação.
— De quanto tempo? — Foi a primeira vez que ele me olhou nos olhos?
— Que? — perguntei, com medo de quais seriam as próximas palavras dele.
— Você está de quanto tempo de… gestação? — Parecia que não queria falar a palavra "gestação" em voz alta.
— Eu ainda não sei… ainda não fui ao médico. Descobri há menos de uma semana.
Ele assentiu devagar, como se estivesse tentando entender, mas, em vez de aceitar, pareceu se perder ainda mais. Andava pela cozinha como um animal preso, passando as mãos pelos cabelos e bufando entre um passo e outro.
— Isso não podia estar acontecendo… — ele disse mais para si mesmo do que para mim, os olhos fixos no chão. — Justo agora, Victoria. Justo agora!
— Justo agora o quê, ? — Minha voz saiu mais alta do que eu esperava. — Quando seria o momento perfeito pra você, hein? Quando eu estivesse fora da sua equação perfeita de futuro?
— Você sabe que eu tô tentando construir algo! — Ele virou-se para mim, os olhos arregalados, o tom começando a se exaltar. — A gente tem planos, Victoria. Planos! E isso… isso muda tudo!
— Isso quem muda tudo, ? — Levantei da cadeira, sentindo a raiva subir com frustração. — Isso "coisa"? Isso é uma vida! É o nosso filho!
— Nosso filho? — ele repetiu, como se as palavras tivessem um gosto amargo na boca. — Eu nem consegui digerir isso ainda e você já tá me cobrando uma reação de pai?
— Eu tô te cobrando presença, ! Porque desde que você chegou nessa casa ontem — aliás, mal chegou — você não olhou na minha cara como alguém que se importa!
— Porque eu não sei o que sentir! — Ele explodiu. — Eu não sei se eu consigo, se eu quero isso agora, se... se você quer isso mesmo!
Aquilo doeu. Como uma facada. As palavras pairaram no ar como um veneno e eu senti meus olhos se encherem de lágrimas.
— Você acha que eu escolhi isso sozinha? Acha que eu quis carregar esse peso sozinha por dias? — falei, com a voz embargada. — Eu tô tentando te contar porque ainda acreditava que a gente podia enfrentar isso junto.
Ele ficou em silêncio por um momento, os olhos marejados, o peito subindo e descendo rápido. Mas então, sem dizer mais nada, ele pegou a jaqueta pendurada na cadeira, passou por mim e foi até a porta.
— Onde você vai? — perguntei, tentando conter o choro.
— Eu não sei — ele respondeu, sem me olhar. — Eu só preciso sair daqui.
E então ele se foi.
A porta bateu com força e o som ecoou pela sala como um ponto final que eu não esperava.
Por alguns segundos, eu só fiquei ali parada, no meio da cozinha, com o coração pulsando alto nos ouvidos e a respiração presa no peito. A casa, que até minutos atrás parecia cheia demais de palavras ditas e não ditas, agora estava silenciosa demais. Dolorosamente silenciosa.
Eu me encostei na bancada, como se minhas pernas não fossem mais confiáveis. Olhei para a cadeira onde ele estava sentado e depois para a porta, esperando — torcendo — para que ele voltasse correndo, dizendo que não era bem assim. Mas ele não voltou.
Meus olhos ardiam, mas eu me recusava a chorar. Não depois da forma como ele saiu. Não depois de tudo que eu precisei reunir de coragem para contar. Eu me sentia ridícula. Sozinha. E, mais do que tudo, culpada.
Será que eu deveria ter esperado mais? Será que devia ter contado de outro jeito? Será que alguma parte de mim já esperava por essa reação e, ainda assim, alimentou a esperança de que ele fosse diferente?
Eu passei as mãos pelo rosto, tentando me recompor. Fui até a sala em passos lentos, como se qualquer movimento brusco fosse me quebrar por dentro, e me joguei no sofá. Abracei uma almofada, apertando contra o peito, como se isso pudesse conter tudo o que ameaçava transbordar.
Ali, sozinha, o tempo parecia parar. Cada minuto sem notícias dele era um peso a mais no meu peito. Ele não levou o celular. Não disse pra onde ia. Não prometeu que voltava.
E isso doía mais do que qualquer discussão.
Me perguntei se ele ia dormir fora. Se ia procurar conselhos em alguém. Se ia pensar em nós — ou só nele mesmo. Eu não fazia ideia.
Mas, pela primeira vez, eu comecei a me perguntar: se ele não voltar… eu dou conta?
Foi com todos esses pensamentos que eu passei o resto da manhã e tarde. Tentava pensar em qualquer outra coisa, mas minha cabeça só conseguia pensar nisso enquanto meus olhos só conseguiam derramar lágrimas.
Rolei no sofá mais uma vez naquele dia, ficando de barriga pra cima e olhando para o teto por um tempo que não sei medir. Só me dei conta de que o dia estava indo embora quando a luz da sala ficou amarelada com o fim da tarde. E ainda assim… nada dele. Nenhuma mensagem. Nenhuma ligação. Nada.
O barulho do meu celular me arrancou do torpor.
— Oi, irmãzinha! — A voz animada da Marcela contrastava demais com o meu estado. — Tá pronta pra se arrumar? A festa vai ser incrível! Todo mundo vai!
Demorei um segundo pra entender do que ela falava. Festa? Ah, Halloween.
— Eu não vou, Má — respondi, cansada. — Não tô com cabeça pra isso hoje.
— Ah, qual é, Victoria… — ela começou, em tom de bronca disfarçado de carinho. — Você vive dizendo que tá cansada, sem tempo, com mil coisas. Justamente por isso você precisa sair um pouco! Se distrair!
— Hoje não dá, de verdade.
— Dá, sim. Eu passo aí em meia hora. Você só precisa colocar uma fantasia qualquer. Vai ser rapidinho, juro. Só pra você sair de casa. Eu tô implorando, tá bom?
Fechei os olhos por um instante. A ideia de ficar sozinha ali o resto da noite me parecia ainda pior.
— Tá… — soltei, num fio de voz. — Mas só um pouco, Marcela. E eu não quero bebida, nem nada.
— Fechado! Eu tô indo!
Antes que eu pudesse mudar de ideia, ela já tinha desligado.
Suspirei fundo. Levantei do sofá com esforço. No espelho, vi o reflexo de uma garota que claramente não queria estar onde estava. Mas talvez, só talvez, fingir por algumas horas me ajudasse a lembrar de como era me sentir viva.
Peguei uma fantasia qualquer do fundo do armário — um vestido preto curto, uma meia arrastão, uma capa e dentes de vampiro. Coisa simples, quase invisível. Do jeito que eu queria estar.
Com a fantasia escolhida, fui até o banheiro para tomar um banho rápido, lavar os cabelos na esperança que aquele peso todos saísse das minhas costas… Nem que fosse por umas três horas.
Com banho tomado, devidamente vestida e com o cabelo arrumado, agora eu passava um pouco de maquiagem, na tentativa de disfarçar pelo menos um terço da cara de choro. Estava quase pronta, quando a campainha tocou. Meu estômago gelou por um momento, mas no fundo eu sabia que não se tratava de … Ele não tocaria a campainha.
— Ponta? — Mar disse, assim que eu abri a porta.
— Só mais cinco minutos — disse, me dirigindo para o banheiro novamente.
— Te espero — disse ela, se sentando no sofá que havia sido meu abrigo horas atrás.
Estava quase pronta quando escutei a pergunta de Marcela vindo da sala.
— Vicky, cadê o ?
Engoli a seco. Como eu responderia uma pergunta que nem eu mesma saberia a resposta?
— Eu não sei, cheguei do estágio e ele já não estava aqui… Provavelmente deve estar na biblioteca.
— Hum…
Ficamos em silêncio por mais alguns minutos até que eu finalmente terminei de me arrumar
— Vamos? — a chamei, pegando uma pequena bolsa perto da porta.
— Vamos!
Fomos no carro de Mar até o famoso bar do Joy, conhecido por quase todos os estudantes da universidade. O bar sempre estava cheio, mas hoje estava quase que insuportável, devido a festa de halloween.
Com gente fantasiada por todos os cantos, luzes coloridas piscando e música alta preenchendo cada centímetro do ambiente. Eu me sentia deslocada, como se meu corpo estivesse ali, mas minha cabeça ainda estivesse em casa, esperando abrir a porta e me dizer qualquer coisa — mesmo que fosse pra brigar de novo.
— Vamos pegar uma bebida? — Marcela perguntou animada, tentando me arrastar para o balcão.
— Pode ir, eu vou ali pegar um ar — falei, apontando para a lateral do bar, onde havia uma espécie de varanda aberta.
— Tá bom, mas me espera, hein?
Assenti e me afastei, tentando respirar fundo e não surtar. Foi quando meus olhos pararam numa mesa perto do balcão.
Meu coração congelou.
.
Sentado, com uma garrafa de cerveja na mão e a cabeça levemente jogada pra trás, como quem ria de alguma coisa. E bem ao lado dele… Emily. Fantasiada de alguma coisa que eu não consegui identificar, porque meus olhos estavam fixos demais na forma como ela o olhava. Como se fosse íntima. Como se estivesse confortável demais.
Eles estavam apenas conversando, eu sabia disso. Mas o "apenas" não fazia diferença nenhuma quando você já estava em pedaços.
Dei um passo pra trás, sentindo a garganta arder e os olhos começarem a pesar. Virei para sair dali antes que ele me visse.
— Victoria? — Marcela apareceu ao meu lado, com duas bebidas na mão. — O que houve?
— Eu vou embora.
— O quê? Mas a gente mal chegou!
— Ele tá aqui. Com a Emily.
Marcela seguiu meu olhar e viu a cena. Arqueou uma sobrancelha, mas não disse nada.
— Tá bom… então vamos — disse por fim, colocando os copos em cima de uma mesinha vazia.
— Você não precisa ir, Mar…
— Preciso, sim. Vai que você resolve sumir de novo — tentou brincar, mas o olhar dela era sério. De cuidado.
Saímos dali sem olhar pra trás.
— Acho melhor nós irmos para o meu dormitório, o que você acha? — Marcela perguntou, me olhando nos olhos enquanto se ajeitava no banco do motorista.
— Sim, só quero ficar longe dele… longe de tudo isso.
Durante todo o trajeto, eu tentei ser forte, mas assim que cruzamos a porta do dormitório dela e ela trancou a entrada, eu me joguei na cama e deixei o choro vir.
— Quer conversar?
— Amanhã, por favor.
Marcela não falou mais nada. Apenas se sentou ao meu lado e ficou em silêncio, como se soubesse que, às vezes, tudo que a gente precisa é de alguém que fique. Sem perguntas. Sem pressa.
E naquela noite, foi exatamente isso que ela fez.
Continua...
Nota da autora: Sem nota.
💫
nota galática da beth: Beleza, eu sou suspeita para falar, mas amo fic de gravidez assim. Já tava super agoniada que a coitada não contava logo para ele e ficava escondendo. E a reação dele? Fiquei indignada. Como que ele recebe uma notícia dessa, reage que nem um merda, deixa ela >>sozinha<< e vai ficar bebendo com outra??? Tô respingando de ódio, juro. Devo considerar traição? Não sei. Mas tô super curiosa para saber o desenrolar da história 💖
nota galática da beth: Beleza, eu sou suspeita para falar, mas amo fic de gravidez assim. Já tava super agoniada que a coitada não contava logo para ele e ficava escondendo. E a reação dele? Fiquei indignada. Como que ele recebe uma notícia dessa, reage que nem um merda, deixa ela >>sozinha<< e vai ficar bebendo com outra??? Tô respingando de ódio, juro. Devo considerar traição? Não sei. Mas tô super curiosa para saber o desenrolar da história 💖
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