Revisada por Aurora Boreal 💫
Atualizada em: 17/03/2025
Mas eu juro que sou o mesmo
Você poderia me mostrar um pouco de paciência
Pelo caminho?"
( Changes – Hayd )
— Vamos lá, gente, VAMOS LÁ! CASA NOVA, VIDA NOVA!
O homem de camisa aberta e óculos escuros gritou a plenos pulmões, batendo uma mão na outra depois de enfiar a última mala pesada nos fundos do caminhão de mudanças.
Os dois adolescentes sentados em cima do capô do carro reviraram os olhos, imunes à animação.
— E carro novo também. Não sei da onde sai tanto dinheiro dessa família. — resmungou a mulher baixinha de manequim 52, cambaleando até o caminhão com duas malas grandes e uma prancha debaixo do braço. — Senhor Song, não acha que é a hora perfeita de me dar um aumento?
— Não seja ridícula, Moyeon. — rosnou a mulher alta com saltos bicudos e calça de alfaiataria, usando o mesmo modelo de óculos de sol e trazendo outra das tantas malas de viagem iguais. — Foi a Jiwon que emprestou o carro pra gente.
— E o carro antigo, senhora Song? De novo na oficina?
— Aquela coisa já era. Vendemos pra dar entrada no apartamento.
Moyeon fez uma pequena careta. Através dos óculos escuros, não conseguia ver a reação exata de sua patroa, mas sabia que ela se segurava para não demonstrar o descontentamento por aquele fato.
— Não liga pra isso, Chayoung. — o senhor Song estava de volta, passando o braço pelos ombros da esposa. — Podemos não ter um carrão novo como esse, mas agora temos uma casa nova e uma vizinhança nova. E ah, uma escola nova para as crianças! — ele apontou para os dois sentados no mesmo lugar em cima do carro.
A garota, de cabelos castanho escorrido e calça preta de tecido, arqueou uma sobrancelha.
— Pai. Qual é. Nós não somos crianças.
O homem exalou um suspiro longo, abrindo um sorriso dócil.
— Pra mim, você sempre vai ser minha pequena . — e apertou as bochechas da filha, que fez uma careta engraçada e não o afastou. — Você também, moleque.
Ele não teve tanta sorte nas bochechas do filho, mas o fez rir. Os três estavam sempre rindo juntos, daquele jeito que fazem as pessoas que acham que a vida nunca vai mudar drasticamente.
amava seu despertador Westclox digital desde que o ganhara de aniversário há 3 anos. Ele realmente era o pico da inovação antes da virada do século. Disseram que, assim que 2000 chegasse, o mundo que ela e todos conheciam iria mudar radicalmente, e isso dividia reações: alguns com medo, outros empolgados. Ela era o que chamam de neutra. Só queria ir à escola e passar longe de uma nota vermelha. E ah, se possível, fazer amigos. Fazer amigos seria ótimo.
O lado ruim de ter um despertador descolado e legal: ele desconhecia a trilha sonora insuportável do “triiiiiim” e vibrava na música que você selecionava. Nesse caso, a batida que acordou naquela manhã do primeiro dia de aula foi nada menos que I Love You do Ozaki Yutaka. O que significava que os primeiros 2 minutos da música soaram livremente, como o plano de fundo de um sonho.
Até ela se lembrar que dia era e arregalar os olhos de susto.
pulou da cama, desviando o dedo mindinho de uma caixa ainda fechada da mudança e saiu do quarto ao mesmo tempo que o irmão aparecia sem camisa no corredor. A garota nem pensou: correu disparado para o banheiro, chegando antes dele e fechando a porta.
— ! Merda! — ele grunhiu, dando alguns socos revoltados na porta fechada. — Abre essa porta! Você vai ficar 1 hora aí dentro!
— Que escândalo é esse? — perguntou o senhor Song, já de gravata e paletó perfeitamente arrumados e passados. — Deixa a sua irmã usar o banheiro e depois você entra, Hyunsoo. Seja cavalheiro, as damas vêm primeiro.
— O senhor diz isso porque já tomou banho e se arrumou. Duvido que ia estar nessa calma se precisasse fazer isso agora. Ô, ! ANDA LOGO, ABRE A PORTA! — e voltou a fechar o punho na porta.
Lá dentro, encarava seu reflexo no espelho novo enquanto escovava os dentes e revirava os olhos para os gritos de fora. Por que será que os garotos pensam que as garotas precisam levar o mesmo tempo que eles pra fazer tudo?, pensou, cuspindo o restante da pasta de dente e lavando o rosto. O espelho da casa nova era bem maior que o da antiga. A luz do sol batia de uma forma melhor também, deixando-a ver cada poro e mancha fora do lugar.
Mas não era hora pra ficar se admirando. Não com Hyunsoo do lado de fora berrando um: ANDA LOGO, CACETE! EU VOU ME ATRASAR!
— Não enche, Hyunsoo! — gritou. — Se estava com tanta pressa, devia ter corrido mais rápido!
A boca suja de Hyunsoo entrou em modo de metralhadora. apenas suspirou e prendeu o cabelo em um coque alto, tirando a roupa em seguida.
— O Hyunsoo tá impossível. — o senhor Song trincou os dentes depois de mais uma sessão interminável de gritos e palavrões do filho mais velho vindas do corredor. — Malcriado, agressivo, respondão…
Ele fez uma careta quando engoliu o café na xícara com pires. Odiava aquela porcaria, mas achava que, por ser um homem de negócios, não tinha muita escolha.
— Até parece que você nunca teve 16 anos. — Chayoung respondeu, ajeitando os talheres sobre a mesa farta de café da manhã exalando cheiro de kimchi e arroz cozido na hora.
— É, já tive sim. E sei que os tempos mudaram, que algumas manias americanas andam se instalando por aqui por causa dessas bandas de rock ou sei lá o quê. Mas ainda temos que ficar de olho nesse garoto, ele tá numa fase terrível.
Chayoung revirou os olhos disfarçadamente.
— Já não deu a sua hora, querido?
Sijin encarou o relógio de pulso e arfou.
— Tem razão, vou chegar atrasado. — resmungou, se levantando da mesa.
— Bom dia! — Sekyun entrou na cozinha, colocando a bolsa-pasta em transversal no ombro. — Senti cheiro de broto de feijão.
Por um momento, ninguém respondeu direito. Mas ela percebeu um brilho intenso nos olhos dos pais.
— Nossa, como você tá linda, . — suspirou o senhor Song, encarando com admiração a garota de com o novo uniforme escolar da Academia Yonsei, com a saia plissada vermelho-escuro e a camisa branca de botões com o nome Song bordado. — Aish. Tem que tomar cuidado com isso, você vai pra uma escola mista e os garotos da sua idade não têm muitos escrúpulos.
— Sijin! — repreendeu Chayoung. — Vai assustar a menina.
— Não é assustar, é só olhar pra ela. Olha como ela caprichou pra esse primeiro dia. — ele pegou uma das mãos da filha e a girou em 360º como uma valsa de 1 segundo.
riu, sentando-se à mesa.
— Na verdade, não sei se é capricho quando a gente usa uniforme obrigatório. Mas obrigada pelo elogio, pai.
— Sei. — um riso de escárnio soou do outro lado da cozinha, onde Moyeon virava um ovo frito na frigideira. — 3 da manhã ela estava aqui na cozinha passando esse terrível uniforme obrigatório sem capricho.
— Moyeon! Sua fofoqueira! — a garota grasnou.
— Quer dizer que você já sabe passar roupa? — o senhor Song arqueou as sobrancelhas, com um sorriso de desdém. bufou.
— É claro que sim, pai. Só um idiota não sabe passar uma roupa.
— Seu pai não sabe. — Chayoung falou enquanto cortava um pão.
— Porque nunca foi necessário. — Sijin levantou um dedo. — Se for necessário, eu passo, sim.
— Se dependesse da sua habilidade de passar roupas pra comer, o senhor morreria de fome. — Moyeon murmurou em sua voz baixa e direta, arrancando risadas de e Chayoung. O senhor Song não viu motivos para rir.
— Bom dia, bom dia. — Hyunsoo entrou apressado, tentando colocar a alça da mochila ao mesmo tempo que colocava uma jaqueta por cima da camisa idêntica à da irmã. Seu estômago roncava quando ele correu até a mesa, passando por trás da cadeira de e esbarrando com os braços abertos na irmã, justo no momento em que ela levava a xícara de café aos lábios.
O desastre aconteceu bem rápido.
— SONG HYUNSOO! — berrou, ficando de pé, a mancha de café se abrindo cada vez mais no peito. — Olha o que você fez, seu nojento!
— Ai, meu Deus. — Chayoung andou até a garota. — Foi sem querer, …
— A merda que foi! Claro que ele fez de propósito! Seu garoto dissimulado..
— Isso foi mesmo de propósito, Hyunsoo? — o senhor Song encarou o filho com os olhos semicerrados. — Porque mesmo que tenha sido uma brincadeira, não teve graça nenhuma.
A casa parou por um instante para ouvir uma resposta do garoto, que mastigava uma enorme porção de peixe frito despreocupadamente.
— Hyunsoo, responde a pergunta. — Chayoung manteve o tom calmo. O garoto revirou os olhos.
— Claro que não foi de propósito, mãe. é uma neurótica. — respondeu, ainda de boca cheia.
— Tira essa blusa, vem. Eu consigo tirar essa mancha com ferro em um instante. — Chayoung puxou a mão de até a pequena área de serviço acoplada com a cozinha média do apartamento.
— Vou pegar o ferro. — Moyeon se prontificou, saindo do cômodo em seguida.
Sijin olhou para as duas, esposa e filha, agora paradas em frente à pequena pia ao lado da máquina de lavar. Quando viu que estavam sendo observadas, Chayoung cruzou os braços.
— Você não tá atrasado?
— Ah! É! — Sijin deu um pulo no próprio lugar, vasculhando as cadeiras da mesa grande em busca da pasta. — Tô mesmo atrasado. Eu vou nessa. Você tá linda, viu, minha filha. Tchauzinho.
Ele lançou um beijo no ar para Chayoung e bagunçou um pouco dos cabelos rebeldes de Hyunsoo antes de finalmente se retirar.
Chayoung continuou de braços cruzados.
— Hyunsoo, sua irmã precisa tirar a blusa dela por um instante, pode dar licença rapidinho?
Hyunsoo, agora com a boca cheia de arroz, respondeu:
— Estou cansado de ver essa garota pelada.
— Só se for pelo buraco da fechadura, porque nunca tiro a roupa na sua frente. — respondeu com dentes trincados.
Hyunsoo fez um som agudo com a garganta e largou os talheres.
— Beleza, tô indo pra escola. Fazer esse caminho deve ser menos chato do que ficar aqui.
O garoto puxou uma maçã em cima da mesa e a mochila do chão, indo embora um segundo depois.
bufou forte depois que ele saiu.
— Mas que droga, eu vou me atrasar. — disse, arrancando a blusa.
— Eu te dou dinheiro pra você ir de táxi. — respondeu a mãe, puxando o tecido arruinado e o esticando em cima do passador.
— Não, não precisa. É muito perto daqui, eu vou de bike.
— Você mal conhece esse bairro.
— Eu me viro. Agora, pode devolver o meu glamour, senhora Song?
sabia bem pouco sobre a Academia Yonsei. Tinha sido a única exigência de sua mãe quando Sijin surgiu com aquela história de mudar do subúrbio de Gwangju para se aventurarem na metrópole de Seul: os filhos matriculados em uma das melhores escolas de renome da região. Se o homem queria uma mudança, que ela fosse completa.
Faltavam 2 minutos para os portões se fecharem quando pedalou até o estacionamento de bikes, se assustando primeiramente pela quantidade. A mureta que servia para prender as correntes estava lotada, e ela tentou enfiar sua Monark no meio da bagunça, mas não estava tendo sucesso.
Alguém riu do seu lado. Ela olhou e viu um garoto com o mesmo uniforme, cabelo castanho escuro e alguns brincos pequenos nas orelhas. Não sabia se a Academia Yonsei era tão liberal àquele ponto ou se ele os tirava escondido no banheiro. Ele tinha passado por ela de relance há umas quadras atrás, montado em uma bicicleta maior e mais larga que a dela, pedalando como um profissional. Ele não teve nenhuma dificuldade em guardá-la naquela confusão de bikes.
— Posso te ajudar com isso? — perguntou ele, já se aproximando.
hesitou por um segundo antes de assentir e se afastar devagar.
— Obrigada.
Ele tomou seu lugar de antes e fez o trabalho muito rápido: afastou a bicicleta, impulsionou o guidão para a frente e achou um espaço até bem vago que veria se tivesse mais tempo. O jeito como ele fez tudo aquilo, com calma e familiaridade, fez o coração dela dar uma pequena comprimida. Oras, ele era bem bonito mesmo.
— O portão vai ser fechado, crianças. — o homem de suéter listrado e óculos de grau resmungou ao ver os dois alunos ainda ali fora. — Vamos lá.
olhou para o inspetor e o garoto simpático ao mesmo tempo. Ele ainda não tinha terminado de guardar a bike, e ela se sentiu um pouco culpada por isso, mas seria péssimo chegar ao primeiro dia de aula atrasada, ou pior: ficando pra fora.
— Vai lá, pode ir. — o garoto disse, notando a hesitação dela. — Eu vou logo atrás de você.
abriu a boca pra contestar, mas ele não a olhou de volta, o que significava que era a decisão final. Ela engoliu um sorrisinho e assentiu, dando as costas e correndo para o portão.
Um segundo depois, outra pessoa corria o equivalente a uma maratona na calçada, alcançando o portão antes mesmo que o inspetor repousasse a mão no metal.
— Posso entrar? Por favor, me deixa entrar! — ela gritou, ofegante, e o funcionário revirou os olhos até as órbitas e fez um sinal descontente para que ela passasse. A garota disparou em um piscar de olhos.
Quando estava prestes a fechar o portão de vez, a mão estendida do garoto das bikes o impediu, reluzindo em um sorriso cafajeste.
O homem abriu o portão por completo, as sobrancelhas franzidas.
— Se manda logo, Lee . Você está mais atrasado que o normal.
— Você não me deixaria aqui fora, não é, senhor Kang? — ele deu de ombros, obrigando o homem a deixá-lo passar com uma careta.
— Eu deveria, garoto. Mas hoje é o primeiro dia, vou me poupar de dor de cabeça.
— Ei, cadê aquela garota da bicicleta? — sorriu sugestivo.
— Foi pra sala dela. E você, direto pra sua.
sufocou mais um sorriso que irritaria o senhor Kang e deu um soquinho amigável em seu ombro, apressando-se para o mesmo prédio de sempre que já vinha frequentando há 3 anos, sem nenhuma novidade.
Mas as coisas pareciam um pouco diferentes agora.
A primeira aula de era Matemática. Ou era o que estava escrito no seu horário em um panfleto dobrado milhares de vezes, com mapas da escola e nomes e formações de professores. Ao chegar na sala indicada, uma barulheira lhe chamou a atenção. Um homem lá na frente, com barba cheia e camisa verde-limão orquestrava uma canção com os demais alunos sobre… Trigonometria. “Acredito ser a hipotenusa, o maior lado do triângulo retângulo, e ao quadrado (e ao quadrado) ela é igual aos outros lados!”
A euforia da turma era tanta que absolutamente ninguém reparou na garota nova chegando e se sentando no primeiro lugar vago no meio da sala. Pouco tempo depois, a música também estava alta o bastante para ninguém se tocar da outra garota entrando, uma que usava calça esportiva com duas listas nas laterais e ofegava vertiginosamente até se sentar na cadeira vaga ao lado de .
Levou um tempo até as duas se olharem e perceberem que eram as únicas que não estavam cantando e gritando junto com a turma.
— Não sei se eu deveria perguntar, mas aqui é mesmo a aula de Matemática? — a colega perguntou, franzindo o cenho pelo lugar inteiro.
deu de ombros.
— Parece que ele tem um estilo diferente de ensinar.
“O quadrado dos catetos somados deu (o quê?) diga o número! O quadrado dos catetos somados deu: HIPOTENUSAA…”
— NÃOO! — o professor gritou, balançando os braços para parar a música. — Hipotenusa ao quadrado, meu povo! Nada de 1 ou 7, ou qualquer outro chute. Mas enfim, pelo menos foi um coro bonito. — ele suspirou e abriu um sorriso tão amigável que jamais vira em outro professor (ainda mais de Matemática). A turma inteira respondeu a isso na forma de mais gritinhos e palminhas. — Hoje nós ganhamos duas colegas novas. Gostaria muito que elas se apresentassem. — ele bateu o olhos direto em e a outra garota, mostrando que sabia o básico de seus alunos de sempre. — Por favor?
A outra garota tomou a iniciativa rápido, se colocando de pé.
— Meu nome é Kim Euntak e eu sou irmã do Kim Eungyeol.
A turma explodiu de gargalhadas instantâneas. As bochechas de Euntak ficaram rosadas, e seu sorrisinho simpático diminuiu muito.
— Olha o respeito, galerinha. — o professor ralhou com voz firme, porém baixa. O volume das vozes logo abaixou. — Seja bem-vinda, Kim Euntak. Eu sou o Gong Shin, professor de Matemática. E você? — apontou com o queixo para .
Ela se colocou de pé, segurando um suspiro.
— Meu nome é Song , e estou bem ansiosa com meu primeiro dia na Academia Yonsei. Mas isso aí… — ela apontou discretamente para o quadro negro, cheio de rabiscos sobre Razões Trigonométricas. — Eu já tinha visto desde o fundamental.
Alguns sons escarnados escaparam de seus colegas, um tipo de vaia que ela ainda não estava acostumada a receber.
O professor Gong reluziu um sorriso quase educado.
— Interessante saber disso, senhorita Song. Eles também aprenderam o assunto no fundamental, mas como é o primeiro dia de aula, eu resolvi fazer uma pequena revisão. Song , seja muito bem-vinda. Espero que você viva grandes coisas na Academia Yonsei.
No almoço, os alunos se espalharam pelo pátio, mantendo-se em seus próprios grupos ou cantos. se surpreendeu como muitos deles pareciam não dar a mínima para as variadas mesas enfileiradas do refeitório, com bandejas carregando porções de arroz ou até mesmo omeletes com molho.
Mas o fato era que havia bastante gente ali, e aproveitou a oportunidade para vasculhar com o olhar os rostos que fariam parte de seu novo cotidiano. Vasculhando em busca de um específico.
— O que você tá procurando tanto, ? — perguntou Euntak, mexendo em uma sopa rala que serviram no balcão. levou um breve susto, quase se esquecendo da nova colega.
Ela apenas deu de ombros.
— Só um garoto que me ajudou lá fora com a minha bicicleta. Mas acho que ele não conseguiu entrar. — fez uma careta, ainda um pouco arrependida.
Euntak revezou o olhar de seu livro de bolso de Moby Dick para a comida.
— Ele pode estar com o pessoal do polo aquático treinando na piscina do clube aqui do lado. Qual é o nome dele?
— Não deu tempo de perguntar. — bufou, um pouco frustrada.
O time de waterpolo era uma das tradições esportivas da Academia Yonsei. A piscina principal do clube adjacente à escola vivia cheia de quem assistia e quem jogava; os brilhantes alunos com suas toucas de poliéster e seus músculos mais avantajados do que todo o resto recebiam atenção plena de passantes, alunos ou olheiros que, vez ou outra, andavam até a margem em busca de seu mais novo talento.
Lee , o atleta de número 7 marcado na touca azul, ouviu o apito final do treinador e nadou até a borda da piscina, emergindo em um jato de água.
— ! Você já vai? — o amigo de touca número 10 gritou, saindo da piscina logo atrás. — Vamos para o campo. Bater uma bolinha, sabe.
— Não, já vou nessa. — respondeu, se livrando da touca encharcada. — Quero ver se eu consigo encontrar uma pessoa.
Ele lhe lançou um sorriso sugestivo e correu para o vestiário, a bermuda de neoprene grudando em todas as partes da coxa. O amigo deu um muxoxo e assentiu, se jogando na piscina logo depois.
Do outro lado, entrava na área aberta da piscina junto com Euntak com o rosto ardido. Mal podia acreditar que estava fazendo aquilo: indo atrás de um garoto que ela nem conhecia, em um lugar que conhecia menos ainda. Mas ela precisava agradecê-lo, não? Minimamente.
Ela olhou para a movimentação da piscina cheia de garotos semi nus e gritaria de atletas.
— Com essas toucas, não dá pra ver direito o rosto de ninguém. — comentou com Euntak enquanto caminhavam para o mais interior do clube. Passavam por várias pessoas diferentes; garotas de biquíni (ainda era primavera), grupinhos isolados de caras ainda mais seminus, e adultos que claramente não tinham nada a ver com a Yonsei. Que lugar era aquele?
“Abriram essa filial da Yonsei em Seul há pouco tempo, o que significa que eles nem tiveram tempo de construir a escola inteira ainda. As atividades esportivas são feitas nesse clube vizinho, assim dá tempo de ficar tudo pronto.”, Euntak explicou no meio do caminho até a enorme estrutura do clube. Aparentemente, ela já estava familiarizada com mais do que demonstrava estar.
Depois de alguns metros percorridos pela lateral, um projétil em forma de borracha, veloz e amarelada, atravessou o ar até as duas, acertando diretamente a cabeça de Euntak.
— Ai! Meu olho! — Euntak parou, agarrando a cabeça. arregalou os olhos.
— Meu Deus, Euntak. Tá tudo bem?
— Eu não sei, olha o meu olho, vê se tá tudo bem…
— Tá legal, tá tudo bem, deixa eu ver… — se aproximou do rosto da nova colega, cerrando os olhos para procurar algum estrago.
— Cacete. — elas ouviram um rosnado masculino e alto, e logo depois a aparição de um brutamontes pingando, usando touca azul com o número 10. — Quem mandou vocês ficarem dando bobeira na borda?
o encarou de cima a baixo.
— Você devia pedir desculpas, não? — disse em tom afiado. A expressão insolente que ele fez depois só reforçou o sentimento dela de antipatia.
— Não sou que tô errado aqui, não, garotinha. Tá rolando treino do time, deu pra perceber?
— Você é um cavalo, isso sim. Qual o material dessa bola? — Euntak trincou os dentes, ajeitando o cabelo onde a bola tinha batido.
O garoto finalmente a olhou direito.
— Cavalo não, garotinha. Sou um touro. — e deu um peteleco no próprio bíceps interno, onde tinha uma tatuagem… de um touro.
franziu o cenho. Ele não era só um adolescente? E estudava na Yonsei? Podiam fazer esse tipo de coisa por aqui?
Euntak não pareceu ter demonstrado nenhuma surpresa com isso.
— Ah, touro, é, desculpa. — ela deu uma risada engasgada e se aproximou. — Eu não tinha reparado nos chifres.
Ela deu de ombros, e de repente um pequeno corinho de risadas veio direto da piscina. Os outros atletas remanescentes estavam acompanhando a discussão, rapazes igualmente bonitos e intimidadores, tanto quanto o cara com a tatuagem de touro.
Começando a ficar vermelho e fechar a cara, ele não parecia disposto a acompanhar a brincadeira.
— Que engraçada você, garotinha. Parece que tá afim de tomar um caldo.
E ele se aproximou dela de supetão, se avolumando de tal forma tão devastadora que Euntak se assustou e deu um pulo para trás, mas caiu na armadilha do garoto; os pés erraram e escorregaram pela borda da piscina, jogando-a direto na água.
— Seu cretino! Covarde! — gritou, horrorizada e raivosa. O garoto soltou uma gargalhada. — Euntak! Euntak!
Euntak moveu os braços rápidos e desesperados, a saia vermelha do uniforme se abrindo em volta como um tutu de balé, e seus movimentos eram imprecisos, agitados, lutando para não afundar.
logo entendeu:
— Ela não sabe nadar. — a palidez tomou conta do seu rosto. — Ela tá se afogando.
jogou a mochila de lado, pronta para pular na piscina, mas foi surpreendida por braços fortes e imensos circulando sua cintura, puxando-a para trás.
— Ela sabe nadar, sim. Acha que ela não tá brincando de novo? — disse o Touro.
— Não, ela não sabe! Me solta!
— Relaxa, bonitinha! Daqui a pouco ela dá uma pirueta ali! Vai lá, espertinha — o Touro gritou para a piscina, onde os braços de Euntak estavam gradativamente perdendo a força enquanto seu corpo afundava. A risada dele era uma das coisas mais geladas e desagradáveis que já tinham chegado aos ouvidos de . A raiva que dominava seu peito era misturada com pânico, e as duas coisas pareciam deixá-la ainda mais fraca dentro da constrição absurda daqueles braços.
— Me larga, seu doente mental! Seu bosta! EUNTAK! — berrou, vasculhando o restante do clube. Os outros garotos na piscina tinham se afastado, apenas assistindo ao show. As garotas de biquini estavam ocupadas demais com suas bebidas e cigarros. Ninguém parecia estar olhando aquilo, ou não se importavam, ninguém…
Que merda de lugar era aquele?
Euntak afundou totalmente. E estava pronta para finalmente começar a chorar.
Até que um tchibum extravagante espirrou gotículas em seu rosto, a água remexendo violentamente quando um corpo se jogou e afundou, imergindo por 1 minuto inteiro até reaparecer na superfície, de cabelo avermelhado, brincos nas orelhas e braços firmes que seguravam sua amiga ofegante e assustada, se debatendo involuntariamente.
— Calma, Euntak! — gritou , arrastando a garota para a borda. — Me ajuda aqui, seu idiota! — disse para Touro, que já tinha tirado as mãos de assim que o amigo pulou.
Touro engoliu em seco, fechando a cara agora de forma diferente: estava envergonhado. Em um segundo, se abaixou junto com e os dois puxaram os braços de Euntak para fora, colocando-a deitada no piso de pedra, deixando-a tossir até se livrar de toda a água dos pulmões.
— Você tá bem, Euntak? — perguntou, ainda com metade do corpo submerso, a camiseta nova agora grudando no peito. Euntak tossiu até conseguir se firmar e se sentar, assentindo com a cabeça.
— Eu estou. Agora sim. Eu não sei nadar.
— Eu tentei pular, Euntak, eu juro. Mas esse animal nojento ficou me segurando. — grunhiu para o indivíduo ao lado, tirando todos os fios de cabelo molhados da testa de Euntak.
olhou para o amigo de cara feia, dando impulso para sair da água.
— Você ficou maluco, porra? Pirou de vez? — disse com raiva, desejando agarrar no colarinho dele caso o amigo estivesse vestido pra isso.
O garoto Touro abriu e fechou a boca algumas vezes.
— Desculpa, , pensei que fosse brincadeira. Como é que pode alguém não saber nadar?
teve vontade de chutar a canela dele. Mas tinha algo mais importante no momento. Ele se virou para a menina ofegando, e cruzou o olhar com . 2 segundos se arrastaram como 2 meses.
— Obrigada. — disse, em voz fraca, ainda segurando Euntak. — Você foi bem legal. De novo. Mas seu amigo é um imbecil.
— Imbecil? — o Touro segurou uma gargalhada de escárnio. — Essas garotinhas vem pra cá ver a galera sem camisa, pega pra elas e a gente que é imbecil?
— Cala a boca e vaza daqui. — disse em voz firme e autoritária, sem desviar os olhos de . A garota nem precisou se mexer para saber com quem ele falava de verdade. O garoto tatuado rangeu os dentes audivelmente e deu as costas, pulando na piscina e nadando até os outros colegas.
Já recuperando o ritmo da respiração, Euntak não deixou de notar o jeito que e estavam se olhando.
Talvez ter ido até ali não tenha sido tão ruim assim, afinal.
— Olha, longe de mim defender aquele idiota. O que ele fez foi uma merda e eu prometo que vou dar uma lição nele. — repetiu o discurso pela 3º vez enquanto saía do clube com Euntak e , agora com a camiseta menos molhada, mas os fios ainda duros de cloro. — Ele é assim mesmo. E sei que não vão acreditar, mas no fundo, ele é um cara legal.
— Só se for no fundo da piscina. — resmungou, apertando os dedos levemente no guidão da bicicleta que arrastava. — Você devia denunciá-lo para o diretor, Euntak.
Euntak arrastou os passos, os braços cruzados no peito para controlar o frio do corpo molhado.
— Ah, deixa pra lá. — ela suspirou, cansada. — Na verdade, eu sempre quis dar um mergulho naquela piscina desde que me mudei. Ele só podia ter esperado eu colocar as boias, pelo menos.
Os dois amigos riram. sentiu um alívio imensurável pela dose de humor de Euntak. Receber uma suspensão ou até uma bronca do diretor logo no início do semestre seria péssimo para o time, e ele seria obrigado a chutar o Touro de verdade.
Ele olhou para o lado quando ouviu a risada de , e gostou muito do que viu.
— Você é nova na escola, né? — perguntou ele, acariciando distraindo o guidão da própria bike. — Que engraçado. Tenho a impressão de que já te conheço há muito tempo.
— Ah… — desviou o rosto por um segundo, dando tempo para as bochechas arderem e voltarem ao normal. — Acho que eu também tive essa impressão.
E soltou aquela risadinha que balançou o coração de .
Os dois tinham saído do clube com Euntak no meio deles, mas, sem perceber, foram se aproximando lado a lado até a amiga notar que estava sobrando e se afastar por conta própria.
— Ér… Gente, eu vejo vocês amanhã. Beleza? — disse ela, parando logo após o portão da propriedade. — Muito obrigada por hoje, . Meu irmão estava certo sobre você.
— Não foi nada, Euntak.
Euntak deu um tchauzinho para e se virou na direção contrária aos dois, desaparecendo por um beco estreito.
ficou sem saber o que fazer de imediato. Tentava controlar a respiração pra que ela não saísse tão espaçada.
— Então, eu vou…
— Você quer ver uma coisa? — perguntou ele um pouco apressado, mas convicto.
levou quase 2 minutos para aceitar.
A Namsan Tower era como o cartão postal de Seul. Até mesmo durante o dia, sem todas aquelas luzes e lanternas, não perdia sua magnitude. ficou impressionada em como foi fácil entrar, e em como a deu a brilhante ideia de levarem as bikes para descerem juntos depois, apostando uma mini corrida. O trajeto foi longo, tão longo que ela precisou usar um telefone público para avisar a mãe que não iria comer em casa, e garantir que não estava sozinha e que voltaria logo. Não ouviu muitas perguntas depois disso, e um ruído incessante no fundo mostrava que sua madrinha Jiwon estava em algum lugar do apartamento novo.
Lá no topo, a chamou para um dos vastos parapeitos de madeira, onde os dois olharam lá pra baixo com a mesma expressão admirada.
— Nossa, que vista linda. — suspirou.
— Não te disse? Palavra de conterrâneo.
— É, você disse. Me sinto oficialmente na capital. — ela sorriu um pouco mais. — O céu visto daqui parece… céu de desenho animado. Igual a gente vê no cinema. É maravilhoso.
riu.
— Quando você disse que era nova aqui, eu já sabia que você ia se amarrar. Todo mundo fica. — ele se virou pra ela, encarando o fundo de suas íris enquanto internalizava o rosto da garota bem perto do seu. desviou um pouco rápido, sentindo uma ponta da camiseta dele agora quase totalmente seca voando com o vento até tocar suas costelas.
— Você já trouxe outras pessoas pra cá? — perguntou ela, um pouco acanhada.
se virou.
— Você quer dizer outras meninas?
— É.
— Não. — ele balançou a cabeça devagar. Nem hesitou na resposta. teve vontade de morder o lábio inferior.
— E… por que me trouxe? — ela se virou. Estavam de frente um para o outro.
Os lábios dele se curvaram para baixo.
— Não sei. Acho que foi porque eu tenho essa sensação que já te conheço há muito tempo. Mesmo sabendo que eu não conheço.
Agora mirava algo além dos olhos novos e profundos da garota: sua boca. percebeu e quase parou de respirar. Das três vezes que beijou, duas foram com seu primo distante (eca) e a terceira foi com um pirralho da escola antiga.
Aquela era como se fosse a primeira vez.
Então, ela ficou parada e deixou o beijo acontecer.
Os lábios dele eram macios e quentes, mesmo que sua pele ainda estivesse fria da piscina. Ele segurou seu rosto entre as mãos e as manteve ali, seguras e firmes, acariciando sua têmpora e abrindo um leve sorrisinho no meio de suas bocas.
Quando acabou, raspou os lábios no seu pescoço e o abraçou, sorvendo o cheiro de cloro e pinho da base do seu pescoço, ainda com os olhos fechados, com medo de ser um sonho.
Ao abri-los, se arrependeu disso.
Porque do outro lado do pátio da torre, escorado no parapeito enquanto tinha os lábios ocupados e os olhos fechados em um beijo doce como ela, estava seu pai.
Seu pai. Com outra mulher.
Músicas para cantar junto
E uma família a qual possa me prender
Mas se eu não posso ter as coisas que quero
Se eu não posso ter as coisas que quero
Apenas me dê o que eu preciso
Apenas me dê o que eu preciso”
( On the Train Ride Home – The Paper Kites )
Passava das 7 da noite quando finalmente entrou em casa, com o rosto contorcido em uma careta e a mente ainda aérea. Mal notou sua mãe e Moyeon a postos na sala, as feições pálidas e inquietas de preocupação.
— ! Mas onde é que você esteve? — Chayoung não controlou o tom de voz, a têmpora já recomeçando a latejar. — Você quer me matar do coração, garota? Onde você…
A mulher parou, agora avaliando a filha de verdade. estava usando uma camiseta de uniforme suja e amarrotada, muito diferente do estado em que tinha saído de casa naquela manhã. Um novo tipo de preocupação tomou conta da voz de Chayoung quando perguntou, um pouco mais calma:
— O que foi que aconteceu, ?
Até aquele momento, não tinha pensado em uma resposta. Depois da cena que viu no alto da torre, só conseguiu se despedir de e voltar literalmente correndo pelo caminho, desnorteada, a cabeça em polvorosa. Foi quando subiu na sua bike e pedalou por alguns metros até perder o equilíbrio e cair numa rua de pedregulhos no final da passagem. Nem quis saber se tinha se machucado ou não; apenas levantou e voltou a pedalar, segurando os soluços, secando lágrimas frustradas da bochecha.
E agora, ali, olhar para a mãe tornava tudo ainda mais difícil.
— Eu vou pro quarto, tá? — ela se virou para entrar no corredor.
— Não, não, não! — Chayoung aumentou a voz de novo, parando a garota. — Você tá toda rasgada, machucada, e aposto que nem almoçou! O que foi que aconteceu, minha filha?
— Eu caí de bicicleta, mãe, não foi nada. — puxou o pulso de volta.
— Como que não foi nada? Deixa eu ver.
— Foi só um arranhão! — se desvencilhou de novo, a voz cansada, louca para se livrar da mãe.
Chayoung respirou fundo.
— Deixa eu ver, . Anda, tira essa blusa.
— Eu não sou criança, senhora Song, eu sei me cuidar. — a filha revirou os olhos.
Chayoung franziu os lábios, puxando a mão da garota pela última vez. não tinha mais forças para lutar contra ela — deixou a mão ser avaliada, deixou que os olhos dela fizessem a averiguação de seu estado, só tentava não chorar.
Depois de dois minutos, Chayoung suspirou.
— Tá bom. Vou fazer um curativo e limpar isso aqui. — disse, com a voz mais branda.
— Vou tomar banho primeiro. — e praticamente correu para o banheiro.
Chayoung encarou Moyeon do outro lado da sala, o rosto tenso e contorcido, tentando se manter sob controle enquanto um milhão de histórias e possibilidades atravessavam sua mente.
— ! — ela gritou depois de um instante, indo até a porta do banheiro já trancada. — Você ainda não me disse o motivo de você só ter chegado a essa hora.
Mas não respondeu.
Algumas horas depois, estava bufando pela terceira vez, as mãos estendidas na mesa da cozinha enquanto sentia a ardência do que quer que fosse aquela coisa que a mãe estava passando nos seus machucados.
— Eu já disse que não foi nada, mãe. Foi só o susto por ter caído da bike. — explicou novamente, torcendo para parecer convincente.
— A hora, . Até agora você não me explicou porque chegou às 7 da noite. E sem almoço. — grunhiu Chayoung.
— Eu comi na rua.
— Você tá vendo isso, Moyeon? — Chayoung olhou para a empregada. — Agora virou moda, todo mundo nessa casa só come na rua!
— Ai! — chiou quando a mãe apertou o machucado com um pouco mais de força.
— Olha só, essa blusa aqui já era. — Moyeon falou do outro lado da cozinha, segurando o uniforme esfarrapado de .
Chayoung puxou mais um pouco de ar.
— Filha, nós sempre fomos amigas. Não é só porque agora que você tá crescendo que vamos parar de conversar.
— Mãe, por favor, me deixa, pode ser? — resmungou, se levantando da cadeira em um impulso, jogando o cabelo molhado de banho para trás e se retirando do cômodo.
Chayoung semicerrou os olhos e trincou os dentes.
— Você tá vendo, Moyeon? Tá vendo como anda essa menina? — bufou, largando os curativos na mesa. — Por que adolescente não vem com manual de instruções?
— Porque filho não é videocassete, senhora Song.
— Mas é um bicho de sete cabeças! — retrucou, passando as duas mãos no cabelo curto. — Eu só queria entender o que aconteceu com essa menina.
Mais tarde, o senhor Song cruzou a porta da frente do apartamento, encontrando a esposa estática no meio do corredor, andando de um lado para o outro.
— Oi, querida. — ele se aproximou e lhe deu um beijo no rosto. — O dia hoje no trabalho foi fogo.
— Sijin, que bom que você chegou. — Chayoung puxou o cotovelo do homem antes que ele fosse para o quarto. — Eu tô tão preocupada com a nossa filha.
— Preocupada com o quê?
— Ela chegou tão tarde, caiu da bicicleta, estava nervosa, chorando, e agora se enfiou no quarto e não quer sair nem pra jantar. — ela apontou para a porta fechada às suas costas.
Sijin ajeitou a gravata e suspirou.
— Deixa, Chayoung. Deixa que eu converso com a nossa filha.
Ele largou a pasta perto do rodapé e deu um soquinho na porta.
— . — chamou. Sem resposta. Bateu de novo. — , é o papai. Abre a porta pra gente conversar.
Mais um tempo sem resposta. Chayoung, completamente estressada, abriu a palma da mão e bateu com força na superfície branca.
— SEKYUNG! Assim não é possível! Quer fazer o favor de abrir essa porta? Eu quero saber o que é que tá acontecendo!
Novamente sem resposta. O grito ajudou Chayoung a, pelo menos, soltar o ar preso da garganta. Se sentiu derrotada e pensou em deixar para depois, mas ela e o senhor Song ouviram o trinco e logo a porta estava sendo aberta.
encarou os pais com os olhos estranhos e murchos. Especialmente quando viu Sijin ali, parado, com o mesmo terno e pasta daquela manhã, como estava todos os dias, sendo um traidor por aí na surdina.
estava com nojo dele.
O homem deu um passo à frente, pronto para entrar, mas falou na frente:
— Entra, mãe. Estou precisando mesmo conversar muito sério com você.
Chayoung entrou, e fechou a porta na cara do pai.
— Fala, . O que aconteceu de tão sério? — perguntou Chayoung, apoiando o quadril na escrivaninha da filha.
Nada. Só meu pai que tem uma amante, a garota pensou, torcendo os dedos das mãos. Tinha voltado a se sentar na cama e gostaria de ficar nela pelo resto do ano.
— O gato comeu sua língua? — Chayoung voltou a chamar sua atenção. — O Hyunsoo disse que você saiu com um garoto da escola. Foi ele quem te deixou assim?
não soube o que responder. Nem tinha lembrado de , mesmo que tivesse passado uma tarde incrível ao lado dele. Mas aquela visão do final quebrou tudo isso.
Chayoung, preocupada, foi até a cama, se sentando na frente da filha.
— , você pode me dizer. Confia em mim. Aconteceu alguma coisa entre você e ele?
— Não, mãe, nada. — a garota conseguiu responder, soando despreocupada.
— Eu não nasci ontem, .
— Rolou um beijo.
Chayoung assentiu devagar.
— E não teve nada mais… íntimo?
— Mãe, que pergunta! — levantou, agora constrangida.
— Como que pergunta? Você chegou em casa chorando, tenho o direito de pensar isso. — a mulher se colocou de pé, se aproximando da filha de novo. — Me fala, aconteceu alguma coisa mais íntima entre você e esse menino?
— Tá achando que eu transei com o garoto?
— Eu não estou achando nada.
— Não aconteceu nada, mãe.
— Então me fala porque você está assim! Chega de me enrolar.
olhou para o chão. Voltou devagar para o seu lugar na cama, sentindo todas as veias queimarem e o coração bater na garganta. Chayoung a seguiu, ficando na sua frente de novo, um carrapato que não a largaria nem tão cedo.
— Mãe… — começou, tentando olhar nos olhos da mulher, tentando reunir coragem, mas não estava dando nada certo. — Mãe, você confia no papai?
— Claro que eu confio. Por que tá me fazendo uma pergunta dessas? — ela franziu o cenho.
engoliu a seco três vezes, vendo a expressão confusa da mãe. Ela nem demorou a responder. Nem piscou. Nunca nem pensou em questionar aquela verdade.
Toda a coragem foi embora de vez.
— Não sei. Não sei, só… me bateu na cabeça. — e tentou dar um sorrisinho de desculpas. — Foi besteira.
ficou envergonhada, e a mãe quis rir disso. Abriu um sorriso meigo, um sorriso de mãe, e balançou a cabeça.
— Ah, minha filha… Nessa idade, a vida é muito confusa mesmo, né? Mas eu quero que você saiba que eu e seu pai nos preocupamos com você, porque nós te queremos muito bem. Entendeu?
olhou bem fundo nos olhos da mãe e ergueu o corpo para abraçá-la.
— Obrigada, mãe.
— Pelo quê? — Chayoung riu.
engoliu a seco novamente. Foi bem mais difícil dessa vez.
— Por tudo. Por você ser essa pessoa.
No dia seguinte, logo de manhã, ouviu a campainha insistente. Ela tinha praticamente acabado de pegar no sono — depois de chorar um pouco no travesseiro, andar pelo quarto, se sentir perdida e frustrada com aquela situação do pai —, não fazia nem 3 horas, e bufou ao se levantar da cama e sair do quarto.
— Já vai! — ela gritou alto para que a pessoa da porta escutasse. Quando girou a maçaneta, viu a silhueta de pernas altas e saltos altos parada ali, com o cabelo escuro e escorrido muito familiar à .
Seu estômago embrulhou.
— Você? O que está fazendo aqui? — o pavor tomou seu rosto. A mulher sorriu de lado e entrou na casa, sem pedir permissão para tal.
Na mesma hora, seus pais entraram no cômodo de mãos dadas. Sijin parou e olhou para a mulher no meio da sala, a expressão denotando surpresa.
— Oi! Nossa, você por aqui. — um sorriso satisfatório saltou de seus lábios. Ele soltou a mão de Chayoung e foi de encontro à mulher, pegando-a em um abraço apertado.
Um abraço. No meio da sala.
O coração de parecia esmurrar o seu peito. Ela olhou para a mãe, mas Chayoung estava com aquela cara de sempre que distribuía às visitas: um grande sorriso e postura elegante.
— Deixa eu te apresentar: essa aqui é a minha filha . — começou Sijin, apontando para a garota ainda na soleira da porta aberta, sem tirar os braços em torno dos ombros da mulher. — E essa aqui é a Chayoung, minha esposa. E essa aqui… — ele apontou para a mulher desconhecida, o sorriso ficando maior. — É a minha amante. Tudo bem por vocês? É a minha amante.
E beijou o rosto dela, e depois a boca, e achou que genuinamente iria vomitar, com todas as terminações nervosas queimando, a cabeça despencando. Ela olhou novamente para a mãe, dessa vez com urgência, esperando encontrá-la aos prantos, com ódio fervendo nos olhos, com a ponta do sapato em guarda para furar o coração do marido com isso.
Mas ela estava sorrindo como antes. Sorrindo. Daquele jeito solene e até um pouco relaxado, como se uma amiga tivesse contado uma fofoca cabeluda no salão de beleza.
ia desmaiar. Lógico que ia. Estava sentindo o corpo pesado, a mente desmoronando, e ela estava caindo, caindo, caindo…
O despertador soou a mesma música de sempre, a uma altura retumbante daquela vez. abriu os olhos, dessa vez de verdade, enrolada no edredom e vendo os primeiros filetes da manhã entrando pela janela.
O pavor e o choque tinham passado. Só tinha ela, a cama e seu despertador moderno.
Foi só um sonho. Um pesadelo.
Na mesa de café da manhã, ainda estava pensando nisso. O arroz dentro do bowl parecia uma massa nojenta e pegajosa, sem gosto nenhum, que não entraria no seu estômago embrulhado. Ela precisou caprichar mais do que o normal na base barata de pele para dar um jeito nas olheiras fundas de uma má noite de sono.
— Bom dia, bom dia! Cadê o café? — Sijin entrou na cozinha, já com seu terno bem passado e seu sorriso matinal. — E aí, filhão? — ele avançou para um abraço em Hyunsoo.
— Ih, qual é. — o garoto desviou na mesma hora, estalando a língua enquanto corria apressado com a mochila ainda aberta e o casaco sobre o ombro. Sijin revirou os olhos.
— Bom dia, minha filha. — sua tentativa agora foi em beijar o topo da cabeça de . A garota se esquivou rápido, levantando-se da mesa e puxando a mochila. — Eu já vou indo.
— Mas você nem terminou. — Chayoung chamou a filha, mas ela já estava fora do cômodo.
— ! , não vai esperar seu irmão? — o senhor Song gritou para o corredor onde a garota tinha corrido, mas não obteve resposta, muito menos uma despedida decente até a porta bater com força na entrada.
Ele se virou para a esposa, com todos os vincos da testa curvados em confusão.
— O que deu nessa menina?
A escola não passava de um espaço insosso e irritante para naquela manhã.
Sua cabeça não parava de pensar no pesadelo que teve, e o motivo que o teve. A todo momento, via o rosto do pai, e depois o rosto da mulher, via o beijo e sentia vontade de chorar. O único minuto em que se viu um pouco distraída disso foi na hora de prender a bicicleta na grade, conseguindo fazer isso rápido e sem muito esforço, exatamente como o garoto no dia anterior.
Ele. Sua mente evocou aquele nome e rosto, deixando-a com um sentimento horrível de culpa por tê-lo largado daquele jeito na torre.
Mas não pensou muito nisso. Risadas altas e ritmadas de um grupinho de garotas chamou sua atenção. Elas estavam reunidas em uma pequena roda na frente da escola, algumas com saias absurdamente curtas, bem mais do que o permitido, e uma delas, em especial, com seu cabelo castanho escorrido e a voz aguda pareceram muito familiares à .
Familiares até demais. Não podia ser…
— Park Miso? — ela chamou. A garota olhou para trás. — Miso, é você?
A garota olhou para em uma dúvida que durou pouco. Logo, seu sorriso cintilou nos lábios e seus olhos arregalaram.
— ? — arfando, ela começou a andar até a grade das bicicletas. — Eu não acredito! SEKYUNG!
As duas correram para se abraçar. se viu tomada por aqueles braços e por aquele perfume doce que já estava quase desaparecido de sua memória.
— Caramba, você também tá estudando aqui na Yonsei? Como?
— A gente acabou de se mudar pra cidade, meu irmão também veio pra cá.
— AH! — Miso gritou animada, e tomou a amiga em mais um abraço desajeitado. — Meu Deus, tanta coisa aconteceu, . Eu senti tanto a sua falta.
— Eu também! Sempre foi mais divertido fazer testes de revistas com você do que com qualquer outra pessoa.
— E eu nunca mais tive alguém pra me ajudar a pintar uma mecha roxa no meu cabelo.
riu alto.
— Lembra quando você me convenceu a usar aquela saia branca e azul? Um mico!
— Era época de Copa, !
— Em dezembro?
— Ah, não! — Miso levou a mão na boca, e gargalhou, levando a fazer o mesmo, as duas se afundando em uma nostalgia disparada.
— Ei, . — de repente, a voz de Euntak surgiu no portão da frente, e virou a cabeça. — O senhor Kang já vai fechar o portão, não vai entrar?
— Ah, eu… — olhou de Euntak para Miso, de repente em uma corda bamba. Quando estava prestes a dar um passo na direção da escola, Miso agarrou seu pulso.
— , não. A gente ainda tem muito o que conversar.
Miso abriu aquele sorriso que era pronto e exclusivo para convencer e o resto da população do que ela quisesse. Automaticamente, a garota sorria de volta, concordando.
— Eu vou ficar com a Miso, Euntak. — disse para a amiga nova, já dentro do portão. Euntak franziu o cenho, encarando Miso rapidamente.
— Vai matar aula no segundo dia? — perguntou, semicerrando os olhos. não respondeu. — Você que sabe. Tomara que não precise de aulas particulares.
Miso abriu um sorriso de canto, os olhos esquadrinhando Euntak.
— Pode deixar que o que ela precisar aprender, eu ensino.
Euntak olhou para a garota com as sobrancelhas arqueadas e mirou uma última vez antes de balançar a cabeça e caminhar para dentro, claramente desgostosa.
Miso bufou.
— Mas que garota mais caipira.
— Ei, ela é legal. — deu um tapinha no ombro de Miso.
— Legal vai ser o que vamos fazer agora. Vem comigo.
E Miso pegou na mão de , fazendo o caminho contrário à entrada da escola.
— Posso saber por que você faltou o treino de ontem à tarde? — o Touro, com seus músculos avantajados e altura exagerada, tocou o ombro de com o seu assim que o encontrou cruzando o portão da escola. — Tá achando que só porque é o artilheiro do time não precisa treinar mais?
— Não começa, não, Touro. Ontem eu tive meus motivos pra faltar. — bufou ao parar na frente do armário azul, abrindo a portinha devagar e cautelosamente; fazia tempo que só jogava papeis e livros ali, e tudo poderia cair no chão de uma vez.
O amigo deu uma risada nasalada.
— Vai dizer que tava estudando? — arqueou as sobrancelhas. — Pô, as aulas acabaram de recomeçar.
— De qualquer forma, eu estudo sempre. Acha que o CSAT pra Medicina é brincadeira? — revirou os olhos. Nada caiu do armário, mas ele precisou jogar uma embalagem de chiclete aberta fora, que devia estar ali há várias vergonhosas semanas.
Um plástico tão simples e bobo evocou o tipo de lembrança que ele já andava tendo desde o dia anterior, pipocando na sua mente da hora em que dormiu até a hora de acordar. Um suspiro fraco escapou da sua boca.
Ele percebeu que Touro ainda estava ali, parado, olhando-o sem se convencer. balançou a cabeça.
— Tá bom, beleza, você tem razão, ontem eu não estava estudando. — ele puxou a portinha de metal até fechá-la com um baque. — Matei o treino por outro motivo.
— Ei, ei, eu ouvi isso! — um outro garoto, tão alto quanto e com um sorriso largo demais para a anatomia humana normal, chegou perto dos outros dois com um encontrão, batendo no seu ombro. — Então você faltou o treino de propósito mesmo? É por causa de mulher?
— Não vou contar. — se desvencilhou do braço do novo cara, exibindo um sorriso brilhante.
— Ihhh, é mulher! — Touro e o outro cantarolaram.
— Você tem que contar, Lee! A gente sempre conta.
— Dessa vez, não interessa. Tchau, tchau, manés. — deu de ombros e começou a se afastar para o corredor que o levaria à sua próxima aula.
— Eu devia ter desconfiado. — Touro murmurou, alto o bastante para chegar aos ouvidos de antes que ele desaparecesse. — Artilheiro de verdade, se não tá na piscina, tá marcando gol em outro lugar. Não é? — e deu um tapa com as costas da mão na barriga do outro integrante do time.
Touro só foi perceber bem depois que o cara não o respondeu porque estava ocupado demais recuperando o ar daquele golpe.
O Gwaka era o restaurante-barra-lanchonete mais frequentado pelos alunos da Yonsei. Ficava bem ao lado da escola, com suas paredes em cor de magenta, teto de vigas entrelaçadas em azul e cadeiras e mesas de material de palha, porque (era o que diziam), o dono (Kim Eungyeol, irmão mais velho de Kim Euntak, um ícone de pessoa) planejava transformá-lo em um restaurante mexicano, mas desistiu no meio do caminho quando descobriu que não sabia fazer comida mexicana.
e Miso estavam sentadas em uma das cadeiras desconfortáveis, ainda sorrindo continuamente uma para a outra.
— Aqui. Um suquinho de aloe vera pra acalmar. — o homem de cabelos pretos repartidos e com uns dez quilos acima do peso colocou as duas garrafas verdes em cima do tampo.
— Obrigada, Eungyeol. — Miso agradeceu, vendo o homem desengonçado se afastar. — E aí, ? Tudo legal no apartamento novo?
— Tá sim… — respondeu com um sorrisinho meigo, abrindo sua garrafa. Miso arqueou uma sobrancelha.
— Esse “tá” foi muito esquisito.
— Não, tá legal lá, sim.
— Aham… sei.
hesitou. Preferiu olhar para algum ponto da decoração estranha do lugar.
— Eu venho pra cá de bicicleta. O apartamento é aqui perto, é grande. Eu tenho meu quarto, meu irmão tem o dele. Minha mãe está feliz…
Miso esperou por mais, mas nem um sorriso conseguiu ver no semblante da amiga.
— Só que…? — Miso tentou, apoiando os dois cotovelos na mesa e se aproximando de .
A garota levou só uns três segundos para bufar e abaixar a cabeça.
— Só que eu não estou.
Miso assentiu, brincando com a ponta do cabelo de .
— O que aconteceu? Pode falar.
— Nada, nada… — sentiu um bolo no estômago. Não podia estar prestes a fazer aquilo, a falar aquilo.
— . — Miso insistiu. — Sou eu, Park Miso, sua amiga. Confia em mim. Me conta, vai.
a encarou. Miso estava diferente fisicamente: tinha crescido, assim como ela, deixado o cabelo no penteado da moda, criado seios, coxas e tudo que já era muito visível de se ver através do uniforme. Parecia que só a tinha acompanhado na altura. Mesmo assim, sentia que Miso, sua Park Miso, continuava a mesma.
E por isso, puxou ar pelo nariz e soltou:
— Eu vi meu pai beijando uma mulher.
Miso estendeu as costas na cadeira, abrindo e fechando a boca em um explícito choque.
— Bom, e pelo jeito que você tá me falando, essa mulher não era a sua mãe. — Miso se sentiu idiota pela constatação óbvia, mas não estava esperando que o assunto fosse realmente tão sério. apenas repuxou os lábios, desgostosa com a lembrança, com a conversa que teve com a mãe, com todo o resto.
Era natural que ela se mantivesse em silêncio, encarando o rótulo da garrafa de suco. Foi Miso quem falou de novo, com uma careta:
— Foi beijo de língua?
— Mas é claro, Miso! — a voz de atingiu algumas oitavas agudas demais. — Acha que eu estaria assim se fosse só um beijinho no rosto?
— Minha nossa. Não fica assim, vai. — Miso passou um braço pelo ombro de , puxando-a para um abraço. — Isso é uma merda. Eu nem sei o que te dizer…
— Posso saber por que as senhoritas estão aqui fora e não no colégio? — A voz retumbante do senhor Kang invadiu o espaço entre as duas. Miso se afastou de , as duas encarando o homem alto de rosto carrancudo usando uniforme social da Yonsei.
sentiu o coração dar uma leve disparada. Estava muito cedo para ter problemas na escola, cedo para discutir com sua mãe ou seu pai, cedo para acumular mais um estresse que todas as mudanças já estavam trazendo.
Ela não sabia o que dizer, mas Miso, como sempre mais desenrolada e experiente, falou na frente:
— Hum… sabe o que é, senhor Kang, é que a tá naqueles dias, entendeu? — ela sussurrou para o homem, sem nem ficar com as bochechas vermelhas como as de ficaram. — Eu tô achando melhor levar ela pra casa.
A face do senhor Kang se transformou, os olhos se esbugalhando e piscando várias vezes.
— É mesmo?
— É, e sabe, essas coisas de mulher incomodam à beça. Coitadinha… — Miso puxou a mão de e a acariciou, enquanto a outra mal sabia onde enfiar a cara.
Sem escolha, o senhor Kang apenas engoliu a seco e assentiu, retornando para o caminho da escola. suspirou aliviada, mas ainda não sabia dizer se estava feliz.
Na verdade, estava bem, bem longe disso.
— Desculpem o atraso. — a mulher de cabelos em permanente cacheado entrou pela sala de aula da turma do 3º ano, colocando seus pertences sobre a mesa enquanto o resto dos adolescentes se deslocava para seus lugares. — A gente tava falando do assoreamento dos rios. É isso que vamos continuar agora…
Ela imediatamente pegou um livro da bolsa pasta e se virou para o quadro negro, começando a puxar linhas em giz para formar seus muitos desenhos e esquemas sobre praticamente qualquer coisa relacionada à natureza.
No meio da sala, um par de olhos estava espichado e concentrado em algo que não era bem no desenho de cursos de rios; o Touro, largado na carteira como se estivesse sentado em um banco de metrô, girava uma caneta entre os dedos enquanto inclinava o pescoço para ver outra coisa. A calça de alfaiataria clara da mulher lá na frente, e o jeito como seu traseiro ficava desenhado nela, atiçando sua imaginação fértil.
Ele inclinou o corpo para o seu vizinho de mesa, Lee .
— É, a Geografia da Seri tá cada dia melhor, hein?
, com o rosto enfiado em um livro qualquer, levantou a cabeça para o quadro e depois voltou a abaixá-la.
— Você acha? — disse, distraído. — Não vejo graça em geografia, cara.
O amigo se virou para ele, com uma careta feia.
— Mas que merda? Tá desligado mesmo, hein, Lee. — ele se aproximou ainda mais, baixando o tom de voz. — Fala aí, conta pro seu amigo, qual foi a mulherzinha que você pegou que te deixou assim?
— Não tem mulherzinha nenhuma, Touro. Só porque eu não fico que nem você sacando o “relevo” da professora…
Touro precisou esconder a boca dentro da mão por causa da risada um pouco alta demais que acabou escapando. Quase foi igual a um porco, o que fez também precisar se esconder para não rir tão alto. Mas o volume não abaixou o suficiente.
— Pessoal, dá pra prestar atenção? — Seri, a professora de Geografia, virou para a sala, logo identificando a fonte do barulho. — Lee , Yoon Youngjoon, quietos e prestem atenção.
Seri abriu um sorrisinho sarcástico e se voltou para o quadro, ao mesmo tempo que Touro perdia o dele. Touro era o seu nome, não Youngjoon. Ele odiava esse nome.
Assim que Seri se viu imersa novamente em seus desenhos e suas explicações difíceis sobre a Terra, ele se inclinou de novo para :
— Qual é, Lee, o que é que tem me contar, cara? — ele deu de ombros, abrindo um sorriso maléfico. — Eu posso saber dos seus casos. Quem não pode saber é a sua namoradinha.
olhou feio para ele, e teria respondido se Seri não tivesse voltado a olhá-los.
— Miso! Não acredito!
Chayoung abriu um enorme sorriso ao ver a amiga mais antiga de sua filha no batente da porta. Abraçou ela apertado, sabendo que Miso não se importava com isso. — Nossa, quanto tempo! Seus pais estão bem? Você está bem?
Miso se afastou, agora com um sorriso de canto.
— Eles estão bem. Separados, mas bem. Cada um pro seu canto. — ela fez um gesto com a mão.
— Ah, que chato. — Chayoung suspirou. — Poxa, eles se davam tão bem.
— É, Chayoung, mas parece que meu pai se dava muito melhor com a secretária dele.
O tom amargo de Miso não passou despercebido por nenhuma das duas na sala, e arregalou os olhos para a amiga, pensando, por um momento, que tivesse algo a ver com a história que lhe contara no Gwaka. Miso não olhou para ela, continuou fitando Chayoung, sem se abalar. Chayoung, por sua vez, piscou e encolheu os ombros, constrangida.
— Bom… dona , posso saber o que a senhora está fazendo em casa a uma hora dessas? — ela olhou para o relógio de pulso fino, tentando não performar uma bronca.
— Então, mãe…
— É que a está com cólica. — Miso falou na frente. — É isso.
— Com cólica? — Chayoung franziu o cenho, olhando para a filha. — Você tá com cólica?
não respondeu. Chayoung entendeu na hora.
— Tudo bem, você reencontrou a Miso e quer colocar a conversa em dia. Dessa vez passa, mas ai de você se matar aula de novo, entendeu, Song ?
Miso deu um suspiro aliviado, agarrando os ombros da amiga.
— Obrigada, Chayoung. Vamos, me mostra o seu quarto.
Entre uma aula e outra, viu seu dia de paz indo pelo ralo. Tudo porque Touro não desistia de sua dúvida sobre os segredos (ou status desequilibrado) da vida amorosa de seu amigo.
Na hora do almoço, a coisa toda não mudou. já estava grunhindo de nervoso.
— Ah, para, cara, eu já te falei, eu não tô namorando com a Park Miso. — reclamou, enquanto sentava em uma das mesas do refeitório com a sua bandeja. — Agora eu não posso nem ficar com uma gata que o povo já acha que eu vou casar?
— É que você ficou várias vezes, né, Lee? — Touro disse, já juntando uma porção enorme de arroz no bowl.
— Tá bom, Touro, mas eu só fiquei. Nada mais. E ontem eu beijei uma gatinha, cara… Maravilhosa. Linda. — o sorriso de foi abrindo automaticamente. Touro franziu o cenho.
— Ih, tá apaixonado? — ele deu um peteleco na testa de . — Qual a gatinha, afinal?
— É a…
parou, percebendo algo que até então não tinha percebido, mesmo com a cabeça lotada do beijo da torre.
Touro bufou.
— Pô, fala aí. Vai ficar de segredinho de novo? Qual o nome dela?
— Cara… eu esqueci de perguntar.
Touro largou os talheres na bandeja de modo audível.
— Ah, Lee, você só pode estar brincando! — disse, com a boca cheia. — Isso porque tá amarradão.
Se sentindo um idiota, bagunçou o cabelo.
— Sabe o que é, cara? Foi tudo tão de repente. Eu dei um beijo nela e o beijo foi ótimo. Só que depois ela saiu correndo. Foi muito estranho, Touro. Tive a sensação de que já conhecia ela de outro lugar, sabe? Outro mundo, outro tempo… — seu olhar se perdeu de novo. A comida ainda nem tinha sido tocada.
— História bem doida, hein? — Touro repuxou os lábios para baixo. — E essa E.T é de onde?
— Do primeiro ano.
— Primeiro ano? — Touro parou antes de pegar mais uma porção. — Pô, Lee, do primeiro ano eu pego qualquer uma. Fala aí, qual você quer? Aquela ali? Ou aquela ali? Pode falar… — ele apontou para várias direções, centrando garotas aleatórias e diferentes. comprimiu os olhos.
— Vem cá, você vai ficar me zoando? Se for assim, não falo mais nada disso com você.
— Não, não. O negócio é que você pegou uma menininha e não sabe por que ela saiu correndo? Porque ela se assustou com o beijo, Lee.
— Não, ela não é tão nova assim. Não foi isso, não. Aconteceu alguma coisa e eu vou descobrir. Até porque… — ele voltou a abrir o sorriso imenso. — Eu tô louco pra dar um beijo nela de novo.
Touro revirou os olhos. Que comece a saga…
Reencontrar Miso estava sendo a única coisa boa do dia cinza e melancólico de . Em pouco tempo que estava no quarto com a amiga, a garota já tinha pegado todos os álbuns antigos, ainda empilhados em caixas de mudança espalhadas, e entornado as fotos reveladas na cama, procurando as que tinham Miso e sorrindo empolgada ao apontar e constatar as mudanças físicas altamente bruscas nela.
— Olha aqui, você depois de deixar o sorvete cair no chão lá no jardim de infância. E essa nossa aqui do Chuseok ficou ótima. — estendeu mais uma foto para Miso. Estava tão distraída na própria nostalgia que não percebeu que a amiga não estava na mesma sintonia. Miso mal olhava para as fotos, mas sim para , fixamente, esperando que ela percebesse.
Como isso não aconteceu, estalou a língua e revirou os olhos.
— Ô, , … você precisa contar pra ela. — disse, desfazendo o sorriso da outra. — Ninguém merece ser traída. Coitada.
foi soltando as fotos, expirando. Ela se deitou no tapete fofo sintético no meio do cômodo, e Miso fez o mesmo ao seu lado.
— Pelo menos, ela não tá sofrendo. — argumentou, olhando o teto. — Se minha mãe souber, ela vai ficar tão infeliz. Por que meu pai tinha que fazer uma coisa dessas, Miso?
— Humpf. Simplesmente porque homem não tem um pingo de originalidade.
— Será que todos os homens são assim?
Miso ergueu os joelhos para cima.
— Não sei. O que eu sei é que eu sou louca pelo meu namorado, e ainda assim, não tenho um pingo de confiança nele.
se sentou na hora, esboçando uma expressão de pura surpresa.
— Você não tinha me dito que tava namorando.
— Eu estou. — Miso sorriu, levantando o tronco para se apoiar nos cotovelos. — E ele é maravilhoso, um gato de morrer. E você? Tá com alguém?
— Não. Quer dizer, no primeiro dia de aula eu conheci um garoto lindo. — ela sorriu, como sempre acontecia quando a lembrança com o cara das bikes achava espaço no caos recente. — A gente se beijou e foi ótimo.
— Ih, tá apaixonada.
— Acho que estou.
— Ai, eu também! — Miso se sentou na frente de , as duas compartilhando um daqueles sorrisos de felicidade compartilhada. — Vem cá, será que o seu gatinho é amigo do meu namorado? Qual é o nome dele?
franziu a testa.
— Sabe que eu esqueci de perguntar?
— Como é que pode, ? — Miso comprimiu os olhos.
— É que aconteceu tudo tão rápido…
— Tudo? — Miso sorriu com malícia. balançou a cabeça.
— Foi só um beijo.
— Só isso? — a garota fez uma careta reprovatória. riu.
— Como é o nome do seu namorado? — perguntou. Miso estufou o peito.
— Lee .
sorriu, achando um nome muito bonito.
— Cacete, liberdadeeee! Ainda que muito tarde! — berrou o jogador de polo aquático assim que pisou para fora do portão da Academia Yonsei às 14h00. Alguns alunos soltaram risadinhas, entre eles, o Touro, que ia se afastando da saída com seu amigo inseparável, Lee , que ainda tinha a cabeça se movendo sem parar para os lados.
— E aí, Lee, vai treinar hoje? — perguntou ele.
— Só se eu não tiver nada melhor pra fazer, Touro. — respondeu, com um levantar de ombros.
Youngjoon rangeu os dentes e deu um tapa na nuca do amigo.
— Olha lá, hein. No meu time, treino é jogo e jogo é guerra.
— Não poderia me importar menos.
riu diante da careta aborrecida do amigo.
— Você vai se ver comigo. Ei, galera, bora! — Touro gritou para o mesmo cara que havia gritado no portão, e que agora estava trocando cumprimentos e risadas altas com Song Hyunsoo, o aluno novo.
Não demorou para que, aos gritos de Touro, ele se despedisse e seguisse o cara tatuado na direção do clube.
Ficando para trás, ainda não tinha desistido de sua busca. Reparava em cada cabeça saindo pelo portão, contava as bikes presas na mureta, com medo, de repente, da garota linda do dia anterior não ter passado de uma alucinação.
Mas um pouco de esperança faiscou na sua mente quando viu Euntak parada na frente do portão.
— Euntak! — chamou, indo até ela. — Cadê aquela sua amiga?
Euntak fez um som rasgado com a garganta.
— Saiu com uma menina que ela encontrou. Uma tal de Park Miso.
Foi como se tirassem o sorriso dele com uma paulada.
ficou extremamente quieto, os olhos ganhando um brilho intenso para cima de Euntak, que juntou as sobrancelhas, confusa.
— Miso… Você disse Miso?
— É, é isso mesmo. Você tá bem?
Ele mal ouviu a pergunta. Só passou a mão agitada no rosto, quase bagunçando a própria cara, e começou a dar as costas para ir embora.
Mas parou no meio do caminho.
— Miso? Você tem certeza?
Euntak balançou os braços.
— É Miso, eu já disse.
assentiu, indo embora, sem prestar atenção no caminho que pegava.
Que merda. Que merda!
Já era noite quando Miso se cansou de ver as novas tendências e fofocas no computador de mesa Compaq de . A amiga nem estava participando — já fazia mais de uma hora que tinha se enrolado na cama, lendo um dos livros clássicos que Miso achava extremamente chato enquanto deixava tocar alguma balada triste de Jo Sungmo no aparelho de CD. Miso olhou aquilo, e, diferente do que dizia sobre ela, Miso tinha certeza de que a amiga não tinha mudado absolutamente nada com o passar dos anos.
— Ei, . Acho que vou embora.
Na mesma hora, as duas ouviram batidas na porta.
— ?
Antes que qualquer uma respondesse, o senhor Song estava entrando.
— Pai? — largou o livro e se sentou na cama imediatamente.
— Oi, filha.
— Oi, senhor Song. — Miso se levantou da cadeira de rodinhas, dando um tchauzinho.
— Ah, Park Miso. Bem que a Moyeon disse que você estava aqui. Tá bonita, hein.
— Obrigada. — Miso agradeceu com um sorriso simpático.
— E tá tudo bem por aqui? — Sijin olhou para as duas, todo sorrisos e simpatia, como sempre era. Automaticamente, e Miso olharam para o chão, duas sombras estacando na face, impossíveis de passar despercebidas. — Algum problema?
não respondeu. Mal conseguia olhar para ele. Foi Miso quem falou:
— Não, não. É que eu já estava de saída. Eu acho que vocês dois tem muito o que conversar, não é, ?
Miso andou até a cama para pegar sua bolsa e o fichário. Encarou com encorajamento e começou a se retirar.
— Miso, fica aqui. — pulou da cama, agarrando o cotovelo da garota antes que ela saísse.
— Não, , eu preciso ir embora. Amanhã a gente se fala. Tchau, senhor Song.
— Tchau, Miso. Bom te ver. — respondeu ele, vendo a cabeleira de Miso desaparecer da frente da porta.
continuou parada no batente, sem se mexer, sendo envolvida por um frio tomando todo o estômago.
— E aí, filha? Podemos conversar? — Sijin começou, se aproximando de . — Por que você tá tão esquisita, tão triste desde ontem?
A mão dele tocou no seu ombro. sentiu um arrepio de aborrecimento, uma vontade de afastá-la com um tapa. Em vez disso, se desvencilhou dela e virou-se para ele, cruzando os braços frouxamente.
— Você quer mesmo saber? — disparou, ríspida. O senhor Song estranhou a postura.
— Claro que eu quero. — ele andou até a cadeira de rodinhas antes ocupada por Miso. — Quero mesmo saber.
escondeu os dedos trêmulos nos cotovelos. O frio tinha se transformado em calor, queimando suas veias do pescoço, espremendo as palavras para fora:
— Eu vi você beijando a sua amante.
Continua...
Nota da autora: Sem nota.
Nota da beth: Que nostalgia betar essa fanfic 😭 Me sinto orfã de histórias colegiais, dramas adolescentes, os conflitos dessa fase, tudo. Depois que me tiraram a malhação, minha vida nunca mais foi a mesma. E essa escrita delicinha da mathilda faz super a gente se transformar para o cenário e relembrar um pouco dessa época, né? Ansiosa para saber o que o pai dela vai dizer, tem TANTA coisa que eu já tô esperando os plots twist e as confusões rs.
Nota da beth: Que nostalgia betar essa fanfic 😭 Me sinto orfã de histórias colegiais, dramas adolescentes, os conflitos dessa fase, tudo. Depois que me tiraram a malhação, minha vida nunca mais foi a mesma. E essa escrita delicinha da mathilda faz super a gente se transformar para o cenário e relembrar um pouco dessa época, né? Ansiosa para saber o que o pai dela vai dizer, tem TANTA coisa que eu já tô esperando os plots twist e as confusões rs.
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