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Revisada por: Saturno 🪐

Última Atualização: 14/03/2025.

1300 d.C.
Bevurin, Irlanda.


Mais um dia de outono havia chegado. A lua cheia brilhava para comemorar o dia das bruxas, um dia comum para outros em outras linhas do tempo, mas, para eles em Bevurin, era um dia muito importante.
Eram tempos de renovar suas magias, restaurar as energias e agradecer por ela todos os anos por serem As Bruxas de Bevurin. Por seus conhecimentos, os moradores do vilarejo em volta da floresta sempre iam até elas, pediam ajuda, conversavam — até algumas mulheres tinham uma boa amizade com elas. Poucas pessoas se atreviam a enfrentá-las, e aquelas que faziam isso tinham seus devidos destinos traçados amargamente.
Com os antigos moradores de O'Reilly não foi diferente. O'Reilly ficava a uns bons quilômetros de Bevurin — especificamente na Islândia. Foi um vilarejo onde as moiras tomaram conta. Os rumores que voaram até Bevurin não foram os melhores, o que deixou as bruxas confusas. Com isso, a provação que poderia ser real foi com a família de O’Reilly ter se abrigado em um dos vilarejos perto da floresta.

Finnur morava com seus pais e sua irmã. O senhor era artesão, então onde ele ficasse com sua família conseguiria uma boa renda para manter o alimento. Já a mãe, ela ajudava como podia, consertava roupa, amparava uma família com familiar doente, fazia a colheita da época; um doce de mulher e espetáculo de mãe.
Freyja era a caçula da família, tinha seus cabelos longos sempre bem cuidados e trançados, pele macia, o olhar mais doce e preto a ponto de ser hipnotizante. Todos que a viam perguntavam quando iria se casar, quanto seus pais aceitavam para entregar a jovem Freyja para o casório, mas a resposta era sempre um não ou quando ela se apaixonasse.
A verdade era que todas as noites antes de dormir ele a olhava e desejava que nenhum homem pudesse tê-la como ele desejava. Seu amor por ela nasceu de longos anos admirando. Passava horas e horas desejando que estivesse em sua cama.

Naquela noite de lua cheia, Finnur estava sentado do lado de fora, observando seu pai cortar lenha. Estava cansado de ajudá-lo no trabalho e apenas esperava o jantar ficar pronto. Mais ao longe, olhava sua irmã conversar com algumas garotas do vilarejo, e também um homem alto e bonito se aproximando. Através do olhar dela, percebeu que havia paixão entre os dois.
— Finnur, sua irmã está por perto? — A senhora apareceu na porta. — Ah, ali está ela. Hmm, é o príncipe.
O príncipe sempre ia ao vilarejo, jogava cartas e saía para caçar com os moradores. Nunca se mostrou interessado nas mulheres e muito menos naquele momento de sua vida procurava uma futura princesa. Entretanto, com a chegada da família do outro vilarejo, Freyja despertou o amor nele.
— Isso é muito bom.
— Ela fica se mostrando para esse babaca?
Olhava em direção da família algumas vezes.
— Não fale assim de sua irmã, muito menos do príncipe. Avise-a que o jantar ficará pronto logo e convide o príncipe.
Fez um movimento com a cabeça, concordando com a matriarca, e esperou ela entrar. Não iria convidar o príncipe e também tinha um bom conhecimento que era uma estratégia para causar ciúmes.
— Frey, a mãe pediu para ajudarmos — mentiu descaradamente.
— Até mais, vossa majestade. — Correu até o irmão, ele já estava mais à frente. — O que ela quer?
— Nada.
— Finn.
— Vamos até a floresta, o jantar vai demorar e sei que você gosta de passar o anoitecer comigo.
Negar aquela afirmação lhe tornaria uma mentirosa.
O caminho estava levemente coberto por folhas secas e bem iluminado pela lua, que não havia chegado ao centro do céu. Segurava a mão com todo seu amor e paixão, seu corpo se excitava com o seu pequeno desejo daquela noite.
— Chegamos.
— Você acha isso seguro? Nós nunca entramos sem a permissão delas.
— Por isso mesmo, Frey, será mais legal, e elas já se conhecem a nós dois.
Suspirou e olhou para seu irmão. Estava certo, eles sempre estavam pela floresta e passavam pelas cabanas, não haveria nenhum erro que eles cometeriam. Mesmo com receio do que poderia acontecer, confiou em Finn. Entraram nas cabanas, olharam todos os pertences, mexeram em livros mágicos, pedras mágicas, ingredientes. Tudo estava acontecendo como planejou. Tudo que ali tinha foi revirado, principalmente a cabana de Brice. Lá foi onde o plano passou a ser realizado.
A leitura minuciosa era feita discretamente, até achar um que tivesse a certeza de que sua vontade aconteceria. Entregou o copo com o líquido vermelho cintilante, o outro que também beberia tinha o mesmo líquido, porém apenas omitiu que tomara.
— Estou meio zonza.
— Se deite ali. — Apontou para a cama de Brice.
— Não sei se vou melhorar.
Estava no começo de um delírio.
— Talvez morrer.
— Não diga uma coisa dessas, tolinha. — Riu. — Eu nunca deixaria algo acontecer contigo, eu te amo. — Suavemente, passou a mão no rosto dela.
— Eu também te amo.
As palavras que mais desejou ouvir em todos aqueles anos. Se era correspondido, então não precisaria ter entregue o líquido alguns minutos atrás.
Aos vinte e cinco anos, com seu coração ardendo por amor a ela, uma garota de apenas dezoito anos.
Deitaram sobre o lençol verde. A despiu do vestido preto que usava e admirou o corpo dela. Era lindo de longe e de perto era a perfeição.
Os beijos nada calmos, ferozes com seus desejos. A pressa de poder saber que estaria nela tomava conta de si incansavelmente.
A cabeça girava, a deixando pior. Os movimentos bruscos em cima de seu corpo desnudo a embrulhavam o estômago e a deixavam desesperada. Aos poucos compreendeu que Funnir só a levou ali para transar com ela. O repúdio tomou conta dela por confiar tanto em seu irmão.
O cheiro da terra seca apareceu com os passos vindo na direção da casa. Tentou avisar, falar que elas estavam voltando, mas só conseguia ouvir seu nome sendo falando em frases que nunca imaginou ouvir.
— Brice — falou tão assustada quanto a própria bruxa.
— Havia confiança, havia esperança.
— Brice, por favor. Podemos conversar. — Vestiu a calça.
— Não.
Ela realmente criou um afeto às crianças, modo carinhoso de se referir aos irmãos. Não ouviu o que umas de suas irmãs tinha visto na bola de cristal.
— A lua de sangue cairá sobre vocês! As gotas escorrerão por cada um de seus descendentes, amaldiçoando todos aqueles que tiverem seus filhos gêmeos, matando um por um! Concebido por amores diferentes! Não terá um que poderá salvar vocês.
— Brice, você não pode. — Mahle queria impedi-la.
Tarde demais. A lua estava vermelha, sua luz aterrorizava todos que viviam no vilarejo. Os irmãos se encolheram por medo. Brice estava com sua aparência irreconhecível.
— Aquele que nascer cujo haverá um amor real envolvido e com seu sangue ancestral evoluído tirará a lua de sangue dos O’Reilly!
Um estrondo mais forte que um raio foi escutado pelos quatro cantos do mundo. Todos largaram seus afazeres e se abrigaram, os irmãos estavam agora correndo desesperadamente para sua casa. A cabana, que ficava a milhares de distância deles, foi envolta por uma magia, assim ninguém mais entraria em contato com elas sem a permissão.

Ofegantes, pararam do lado de dentro, o vestido folgado no corpo dela, a roupa desorganizada nele. Por sorte, o susto era tão grande com o tempo que os pais não perceberam de imediato.



Passaram-se semanas e Freyja já apresentava sinais de que sua menstruação não aparecia. A matriarca estranhou saber o que isso significava, já que passou duas vezes pela mesma situação. Foi questionada inúmeras vezes, mas se recusou a falar o que havia acontecido naquela noite. Por fim, a única solução seria pedir ajuda às bruxas.
O lugar exato onde tinha o conhecimento que elas ficavam parecia um deserto. Apenas folhas estavam no lugar daquele grande espaço. Com mais alguns passos, ficou no centro e chamou por elas, principalmente por Brice, já que era com quem sempre conversava.
Apareceu com uma fumaça vermelha em volta de si e com um sorriso cínico para a família.
— Oi.
— Precisamos da sua ajuda. — O olhar desesperado percorria pelo o rosto de Brice. — Minha filha, Freyja.
— Sim, eu sei.
— Você sabe?
— Claro que ela vai saber, ela é uma bruxa.
Ignorou a fala do homem.
— Porém vejo que vocês não sabem. Quase há um mês, eu, Mahle e as outras irmãs vimos seu querido filho transando com a sua filha.
— Não, não, você está mentindo! FREYJA! — gritou o nome da filha. — Fale a verdade.
— Ela não precisa dizer a verdade. Nós nos amamos, é... fruto do nosso amor.
— Isso é errado! Não existe esse tipo de amor.
— Finnur, mas eu nunca amei você! Meu coração sempre pertenceu ao príncipe.
— Sua vadia. — Cuspiu as palavras. — Frey, você falou pra mim naquela noite, quando bebeu aquela poção.
— Era bebida alcoólica misturada com outras, ela apenas ficou bêbada.
Isso explicou todas as sensações que ela teve após terminar a bebida, mas, por fim, compreendeu mais ainda que ele não havia bebido igual ela. Explicou tudo o que aconteceu na noite da lua vermelha. O silêncio tomou conta de todos. Não tinha uma palavra apenas para justificar, nem mesmo Finnur disse algo negando.
— Vá para casa, Finnur. — A voz do homem estava neutra. — Não desvie o caminho, ficarei sabendo.
Passou por eles, apenas olhando para Freyja.
— Brice, você sabe como... matar? — falou friamente.
— Sei, mas apenas se ela quiser.
— O quê? Não mesmo. Já tenho sentimentos por ele ou ela. — Tocou em sua barriga.
— Então arrume um pretendente. Aquele príncipe, ele queria casar com você, ofereceu bastante coisa. Você casará com ele.
— Mas...
Enganá-lo seria a última escolha, mas se entregar a ele como sua esposa era seu maior desejo.
— Não tem escolha, querida. — A voz da matriarca apareceu depois de um curto prazo. — Ou você deixa a Brice fazer o que seu pai pediu, ou apenas case mentindo a ele.
Aceitou o casamento com todo desânimo de um enterro e a felicidade de uma nova vida.
Sentimentos distintos e mistos.
Brice havia ficado com pena de Freyja, tanto que apenas para ela fazia companhia. Desde aquele dia, Brice a perdoou. Sabia que a fúria que tinha colocado em cima da garota era grande demais e o único responsável era Funnir.



Passou a ser uma das pessoas que mais visitava Frey no castelo.
— Brice.
— Oi, minha querida.
— Como vocês estão?
— Minha pequena está bem, junto de seu irmãozinho. — Ela teve gêmeos, e, por sorte eles, puxaram sua mãe. — O rei — seu marido — está neste momento voltando de um acordo. Ficou a mãe dele apenas e eu com os filhos dele. — Pousou a mão em sua barriga.
— Frey.
Sua felicidade brilhava em seus olhos.
— Você é a única até o momento que sabe.
— Não contarei e pelo menos não ficará sozinha.
Andavam pelos jardins do castelo. Freyja no momento estava apenas sendo ela e não a rainha. A sua sogra estava com os netos, dando um ar de tranquilidade para a rainha. Era bom ter aquela pequena rede de apoio, já que seus pais esqueceram da existência dela depois do casamento. Chegando à frente da fonte que ali tinha, se sentaram para se refrescar daquele calor.
— Vossa alteza — um dos mensageiros falou e esperou a permissão. — Uma carta para vossa alteza. — Entregou.
— Obrigada.
Abriu sem muitos alarmes. Raramente recebia cartas, e quando recebia era de métodos diferentes. Brice que enviava. O que estava escrito em letras borradas com água foi a maior dor que sentiu.

“Minha querida Freyja,

Não queria falar por carta, muito menos pessoalmente, pois não tenho a cor...ge. Nesta man...a seu pai saiu junto de Funnir, foram ao outro lado da ...sta. Lá, seu pai disse que faria o que devia ter feito dois anos atrás, mas n… conseguiu.
Frey, seu ...ai matou Funnir.
Desculpe sua mãe, ela não soube explicar e ajudar você quando você mais precisou.

Com amor, mamãe.”


— Brice.
Estava pálida.
— O quê? O que foi?
Pegou a carta que lhe foi entregue e leu. Nem ela acreditou. Mahle não tinha comentado nada quando elas decidiram ajudar Frey com a gravidez e não levantar tantas suspeitas.
— Ah, Frey.
— Tudo bem. Eu vou me recolher, te vejo outro dia?
— Claro, você sabe.
— Sim, qualquer coisa chamo você.
Brice não voltou ao castelo por longos oito meses. Foi difícil para Freyja, não aceitava nada que aconteceu com ela, mas também não desejava a morte dele, principalmente um ato vindo de seu pai. Além disso, durante esses oito meses, a filha da rainha e do rei havia nascido. Em um ano e meio, teve o prazer de realizar o quadro da família, tendo todos eles reunidos.
Infelizmente, em outra viagem que tanto fazia com anseio para voltar à casa, o rei morreu ao contrair uma doença. Sua mãe também, já por não aguentar a tristeza em seu peito.
Freyja se viu diante de um grande reino sozinha, com seu filho sendo nomeado rei e as duas pequenas aos cuidados dela. Evitaria que a mesma história se repetisse.

Anos se passaram, e seu filho, agora com idade para governar, mudou algumas coisas, dentre elas o nome do reino, o deixando conhecido como O’Reilly. O fardo da maldição começou com ele. Sua mãe contou sobre a lua de sangue, quando ele se casou — sem ser por amor —, e estava para ter um filho.
As princesas nasceram infelizmente inférteis, não evitando essa tamanha dor.
Tempo depois, o vilarejo compreendeu a maldição. Mesmo tendo os melhores reis e rainhas, eles odiavam que eles permanecessem em O’Reilly, e principalmente que o nome deveria ser aquele. Com inúmeras tentativas de evitar a lua de sangue e o banho dela, recorreram a Brice.
O sentimento de piedade envolveu seu coração, e, com o grimório em mãos, conseguiu manter a maldição com alguns requisitos: apenas na primeira semana de nascimento a lua sangraria; aos dezoito anos, seria mais que necessário com casamento e um filho até os vinte e cinco.
— Caso ao contrário, só haverá duas formas de conseguir mudar tudo. — Olhou para Frey.
— Qual seria?
Escreveu em um pedaço de pergaminho e mostrou a ela.
A maldição não seria desfeita, esse foi seu único sentimento ao ler as palavras.



2020.

Regé estava sentado no parapeito do prédio, duas garrafas de cerveja ao seu lado, e uma decisão que queria tomar, mas no momento estava sem coragem. Estava com sua vida estagnada, as escolhas que teve ao decorrer de sua carreira trouxeram um momento de arrependimento.
Não que atuar numa série baseada em livros fosse a pior coisa, mas, sim, toda a verdade por trás das lentes. Contar exatamente como foi quando seus pais ligaram foi mais complicado do que tinha em mente. No final, omitiu e falou que conseguiria dar conta sozinho. Entretanto, sua preocupação era outra, era se reger depois de ter ficado um tempo fora dos holofotes e criar uma pequena coragem para aceitar novos papéis.
O ataque que teve ao terminar sua série e ir ao ar só lhe deu um leve desânimo. Ou melhor, desânimo por completo. Tentou de todas as formas evitar que seu psicológico fosse afetado, entretanto não foi o suficiente.
Ele deixou todas as suas redes sociais privadas de comentários, evitando mais ainda ser afetado. Também passou um tempo sem aparecer em nenhuma entrevista ou algo relacionado à sua figura pública, tudo isso no período que estava fazendo as sessões com o psicólogo.
Olhando para o horizonte, segurando uma garrafa perto do gargalo e balançando os pés, sentiu seu celular vibrar e tocar ao mesmo tempo. Pelo tempo de duração, pôde ter a certeza de que era uma ligação. Inclinou-se para pegar o celular no bolso e quando estava prestes a pegar, ele caiu para dentro do prédio, derrubando toda a cerveja em sua roupa amarrotada.
— Alô.
Atendeu, com a voz um pouco arrastada.
— Regé-Jean?
— Sim.
— Estou ligando há dias para seu assessor, e ele diz que você está ocupado e não está recebendo nada. Tento diretamente para você e também não atende.
— Hm, o que seria?
— Temos um papel que queremos que você faça o teste.
— Pode ser. Mande para o meu assessor, ele cuidará de tudo.
— Você vai comparecer?
— No dia que você passar para ele.

Nitidamente, o homem percebeu que Regé estava sem muita vontade de comparecer na data.
— Passarei para ele. Espero que você compareça mesmo.
— Claro, como quiser.

Deixou o celular cair do lado dele e se levantou. Escutou o homem falar algumas coisas ainda na ligação e chamar por ele. Regé batia na calça para tirar as pequenas poças de cerveja que acabou criando no tecido, depois se levantou, amaldiçoando até a décima geração do diretor.
Subiu um ódio indescritível dentro de si que podia jurar que conseguiria cometer alguma loucura.
— Era a última. — Levantou-se com um pouco de dificuldade. — Pelo menos a sacola está aqui ainda.
Colocou todas as quatro garrafas de cervejas dentro e voltou para o seu apartamento. Pós banho, pediu um jantar e voltou novamente para o terraço — depois que a comida chegou, outra vez. Era uma tentação aquela vista.
Não tinha pensamentos suicidas, a vista era convidativa e havia uma área de proteção após o parapeito.



O e-mail estava aberto no celular e lia todo o informativo para o teste. O filme contava com inúmeros atores maravilhosos, além de sair na Netflix. Decorava as falas durante o almoço e se preparava para trazer um pouco do personagem para si. Por um breve momento, pensou que sua imagem poderia levar um novo rumo.
Seu foco passou a ser aquele papel e avisou seu assessor para tentar deixar tudo como estava sem ir para as redes sociais, que ele estava prestes a fazer o teste e com isso o seu provável comeback.



O dia do teste começou com um bonito sol. Antes de sair, ele passou novamente no terraço para admirar a paisagem antes de sair. Percebeu que o céu estava estranho, coçou os olhos mais de uma vez. Estava ficando louco?
— Só posso estar vendo coisas. Lua vermelha? — Olhou no seu relógio de pulso. — É quase dez horas da manhã, não. — Forçou os olhos. — Eu vou passar no oftalmologista.
Ele não estava vendo coisas, era uma lua vermelha atrás do sol, mas foi sumindo quando o ponteiro chegou a onze horas e um minuto. Ninguém chegou a perceber, nem mesmo os meteorologistas. A verdade é que apenas ele viu a lua vermelha, e isso poderia atrapalhar futuramente.

Regé Jean tinha esquecido aquele fato e estava dirigindo para o escritório. Esperou a recepção avisar que ele já estava lá para fazer o teste. Não era necessário falar que ele se saiu muito bem. Após o teste, o diretor o chamou para ir até a sala dele. Podia se imaginar o assunto, já que Regé Jean ainda era alvo da polêmica toda, e com isso resolveu tomar a decisão.
— Quando a Netflix falou de você, eu achei que seria mais fácil entrar em contato.
— Depois do ocorrido, fiquei um pouco sem paciência. Com isso, eu larguei umas coisas e quis ficar na minha sem estresse.
— Consigo imaginar. Não chamei você aqui apenas para saber sua atitude, mas para saber se toda essa falação pode atrapalhar seu desempenho para o papel.
Por poucos segundos, Regé pensou. Bebeu um pouco da água que estava ao seu lado e inclinou seu corpo para frente, apoiando seu braço na perna.
— Não vai.
Disse convicto. Se as coisas tivessem que mudar, seria naquele momento, e não ia deixar de agarrar a oportunidade.
— Era o que eu precisava ouvir. As gravações começam daqui três meses. Enquanto isso, irei passar todas as informações do personagem para você.
— Vou pedir para passar direto para mim, mas as outras informações podem passar pro meu assessor. Uma caneta e papel, por favor — pediu e brevemente recebeu. Anotou e já entregou. — Esse é o meu e-mail, pode mandar por aqui.
— Combinado.
Sendo assim, Regé voltaria para os estúdios com o filme que até então não tinha o nome. A volta para sua casa foi agradável. Enquanto estava, no semáforo se recordou de olhar o sol novamente e não tinha visto a lua ali, entretanto realmente marcou uma consulta com o oftalmologista, mas não contaria que viu uma lua vermelha em plenas onze horas da manhã.

O decorrer dos dias foi bom. Voltou com as agendas cheias, publicidades feitas, entrevistas, photoshoot, e claro que todos o questionaram sobre a relação após término com Phoebe. Claro que perguntariam isso. Agora se sentia melhor, a sensação de voltar ao que amava fazer supriu muita coisa, entretanto o que o deixava intrigado todas as noites era aquela lua vermelha atrás do sol aparecer em todos os seus sonhos.



Sabia-se que a família O'Reilly tinha uma maldição ligada a ela. Vinda de geração a geração, todas as mulheres donas do trono apenas deram à luz a gêmeos. Nunca houve casos onde a rainha tivesse dado à luz apenas a um filho. Da mesma forma que todo o futuro cônjuge deveria ser bem escolhido para evitar mais interrupções junto a maldição.
A família real tentou de todas as formas evitar que a maldição progredisse até as próximas gerações, mesmo sempre percebendo que nada funcionaria.



1998.

O vento soprava através das árvores. O ranger dos galhos arrepiava a rainha, que em seus braços carregava a única que sempre amou. Seu marido, por outro lado, carregava a outra filha do casal. Fazia apenas nove meses depois do nascimento, e a maldição já brilhava sobre o anoitecer.
A lua vermelha derramava seu sangue em cima de todo o reino Bevurin. Para acabar com toda aquela maldição, era necessário sempre sacrificar seu filho primogênito, entretanto, o rei estava certo em um certo ponto — que apenas guardou isso para ele. Como chegaram a esta conclusão, sendo que todos os herdeiros do trono só tiveram filhos gêmeos?
Por tentativa de não seguir o que todos fizeram, o rei optou por achar mil e uma formas para manter as duas filhas vivas. Desde a igreja, até mesmo a bruxa que ficava aos redores do reino, e naquele momento era o lugar onde eles estavam indo.
— Acho que é ali.
O rei falou, vendo uma cabana toda destruída. A vegetação morta ao redor, sem uma luz para iluminar, apenas com o vermelho da lua e o som aquoso ao andar por conta do sangue que ela derramava.
— Parece que não tem ninguém em casa.
Ciara olhava pra dentro da casa, tentando ver se encontrava a bruxa.
— Vamos embora.
A rainha virou com um alívio de saber que não teria como ajudar a filha e teria que matá-la, e isso lhe fez dar um sutil sorriso de felicidade.
— Podemos esperar um pouco, não tem problema. — O rei segurava mais perto de si sua filha.
— Não há interesse nenhum em tentar.
Uma voz suave, doce e melodicamente agradável saía entre as árvores. Os olhares passavam por cada lugar, procurando a mulher dona da voz, mas não a achavam.
— Declan, você é tão bobo.
— Como sabe o seu nome? Você já esteve com essa mulher antes?
— Não.
A gargalhada ecoou e a figura da mulher apareceu na sua frente. Dona da silhueta mais linda, seus fios vermelhos como fogo, os olhos púrpuras e um sorriso tão doce escondia todos os males que ela já causou. O sangue escorria sobre seu corpo como as gotas da chuva de verão, sem incomodar.
— Você é ela? Niamh?
Ciara perguntou receosa, tinha a total certeza de que poderia ficar só com Anne.
— Sim, minha querida rainha. — Soou ironicamente. — Vocês estão aqui por sua pequena e linda filha, que Ciara se recusa a nomear.
— Sem nomear? Ciara, você me falou que havia batizado ela também.
— Ela foi batizada.
— Sua rainha mentiu. — Se aproximou do casal. As vestes pretas não se mexiam ao andar de Niamh, era como se estivesse voando até eles. — Anne foi a única que levou nome, já esta — passou seus dedos pela cabeça da criancinha — não tem nome e apenas um amor.
— Ciara!
— Pra que nomeá-la?! Ela deve morrer, é a que nasceu primeiro! Não sei porque você se apegou tanto a ela. Anne ela será a única que irá tirar a maldição da minha família.
Se apegar a alguém que seu destino é morrer era a pior decisão que poderia se tomar.
— Niamh, você tem algum conhecimento?
O pai perguntou, com seus olhos transbordando desespero, a capa que lhe cobria do banho de sangue havia caído. Seu rosto estava regado com o sangue da lua.
— Apenas uma coisa pode ser feita, mesmo matando sua filha. Amor.
— Amor? Eu não vim aqui para escutar uma coisa dessa de uma mulher que se diz bruxa.
A rainha Ciara virou as costas e caminhou com sua filha amada em seus braços, entretanto, a risada fria e amargurada de Niamh a estremeceu dos pés à cabeça. Parou de caminhar e sentiu o vento arrastar sua capa para longe. Agora a bruxa estava atrás de si, a poucos centímetros.
— Você é a última geração que veio conversar comigo, procurar uma forma de matar sua filha. Entrou no meu território, zombou dos meus conhecimentos. Vossa majestade, aquele que mantém o sangue ancestral no trono deve permanecer em proteção e quebra da maldição. — A lua cessava seu sangramento depois de uma semana inteira. — Aquele que teve o destino selado em seu nascimento carregará consigo até o fim da eternidade a maldição da lua de sangue, não haverá amor ou morte que poderá salvá-la.
As palavras arderam em chamas junto ao fogo, que começou se alastrar por toda a floresta. Eles começaram a correr com tentativas fúteis de não escorregar nas poças de sangue e folhas secas. A guarda real estava para adentrar a floresta, quando viu apenas o rei e a rainha carregando Anne.
— Vamos, andem, nos tirem daqui depressa.
A rainha ordenou.
— Você a matou? Você a deixou para morrer no fogo? Olhe para mim, Declan!
— Ela caiu dos meus braços. — Estava em choque, seu olhar estava perdido. — Eu caí. — Suas roupas estavam todas sujas de terra e sangue. — Os guardas me ajudaram, mas ela não estava mais comigo.
— Graças a Deus!
Disse, em um suspiro, abraçando mais sua filha.
— Os guardas ao menos fizeram o que ordenei.
Incrédulo, ele a olhou. Sentiu repúdio de sua esposa e nunca a perdoaria por não tentar manter as duas salvas.
Nunca mais foi visto o rei Declan caminhar ao lado de sua rainha, não dividiam o mesmo quarto e apenas em momentos que a princesa Anne estava presente os dois podiam ser vistos juntos.
Declan lamentou a morte de sua filha por longos anos. Mesmo não sendo o assassino, ele se culpava por não ter conseguido salvar a pequena bebe, que carinhosamente batizou de Sun.



2016.

Bevurin sempre pertenceu aos O'Reilly — família da rainha Ciara, ela foi a última nascida mulher dos O’Reilly. Com isso, sabia que sua querida Anne teria um pretendente digno para ser o rei e lhe daria bons filhos. A rainha estava mais do que certa que a maldição havia sido desfeita.
Por longos dezoito anos, a lua não apareceu depois da morte da filha dos reis. E com esse desaparecimento da lua de sangue, a rainha abriu as portas do castelo para festejar mais um aniversário da princesa de Bevurin.
Flores, orquestra, luzes para o anoitecer, cantores favoritos de Anne estariam presentes também. Conseguiu fazer o aniversário de sua filha chamar a atenção de todos, até mesmo da mídia. Naquela noite, Anne iria conhecer seu futuro pretendente, o primeiro que sua mãe escolheu sem o apoio de seu pai. Ele se recusou a fazer parte de um casamento arranjado tanto por status, quanto por cuidado dela não trazer novamente a maldição.

Ciara teve as portas abertas para ela entrar no quarto de sua filha. Anne estava se olhando na frente do espelho, verificando se as criadas fizeram exatamente o que ela pediu.
— Filha.
— Mamãe.
Abriu um sorriso ao ver a matriarca.
— Está tudo pronto para a festa?
— Sim, não há com o que se preocupar. Hoje é seu grande dia.
— Mal posso esperar.
— Venha, você vai entrar comigo. Depois o rei irá dançar com você.
Ao lado de sua mãe, ela caminhou até a entrada principal do salão, agradeceu os convidados e o cantor da noite — The Weeknd —, e dançou com seu pai.
— Filha. — Anne olhou para trás. — Por favor.
— Eu já volto, com licença.
Distanciou-se dos amigos da universidade, entregou a taça de champanhe para o garçom que passava e se aproximou de sua mãe.
— Sim, mãe.
— Quero apresentar a você Liam.
Liam era lindo, de tirar o fôlego. Alto, forte e uma tatuagem aparecia no pescoço do homem. Seu sotaque americano era explícito, não tão explícito quanto os pensamentos que a princesa teve com Liam.
— Prazer em conhecê-lo.
— O prazer é todo meu. A rainha falou muito bem de você.
— Amorosa como sempre.
Estava acanhada.
— Deixarei vocês a sós para conversarem.
— Obrigada.
— Tem um jardim aqui perto, vamos até lá.
Anne o chamou para o jardim. Era lindo, com todas as espécies de flores que poderia ver na sua frente. Liam estava admirando Anne, mas havia algo que o deixava desconfortável. Podia ser coisa da sua imaginação, não quis acreditar e permaneceu ali ao lado dela.
— Está em alguma universidade? — Anne encostou na sacadinha. Entregou uma taça de champanhe.
— Finalizei ano passado, contabilidade.
— Estou estudando relações internacionais. Estava cansada de ficar viajando por um tempo.
— Hm, eu já cheguei a fazer isso muito. — Sorriu, se recordando dos países. — Já a chegou ir à Grécia?
— Um lugar deslumbrante. Pensei em comprar uma casa por lá, mas desisti.
— Falta de tempo? — ela o questionou, curiosa.
— Também, mas minha mãe começou a falar de casamento, que preciso casar logo.
— Acho então que não tenho chance.
— Como assim? Ah, não acredito. — Revirou os olhos. — Você é meu pretendente.
— Sim. — Liam a olhou, respirou fundo e, por um grande impulso, tomou uma decisão. — Eu preciso voltar, vossa alteza. Te vejo em breve.
— Obrigada — agradeceu, por estar no automático.
Liam sumiu. Ele não voltou mais para Bevurin. Na verdade, nenhum outro homem voltava para ver Anne. Desde o aniversário de Anne, todos os planos dela, e principalmente da rainha, para casar a princesa, passaram a desandar.

2022.

Seis anos se passaram desde o aniversário de dezoito anos.
Aos vinte e quatro anos, Anne precisaria estar casada. Com inúmeras brigas para evitar isso, Ciara deixou bem claro que ela só tocaria numa parte da herança dela caso ela casasse, e não poderia se separar sob nenhuma circunstância, ou em outro país, nada iria anular o casório dela. Por vontade de ter uma parte do seu dinheiro, ela apenas aceitou.

O desespero tomava conta do castelo todo. Os pais de Anne estavam devastados, procurando um príncipe a altura de sua filha, mas todas as vezes que apresentavam a princesa, algo desmanchava o casamento. Na verdade, o maior problema estava a surgir no céu, era a lua cheia e ela permanecia ali desde o primeiro dia de janeiro.
A maldição não tinha sido desfeita.


Continua...


Nota da autora: Oie!
Fazia um tempinho que queria fazer uma FF meio diferente com Regé-Jean, então vi essa pequena oportunidade.
É isso, espero que gostem!

🪐



Se você encontrou algum erro de revisão ou codificação, entre em contato por aqui.
Para saber quando essa fanfic vai atualizar, acompanhe aqui.



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