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Codificada por: Cleópatra

Finalizada em: 09/08/2024

A pequena cidade de Clevale deitava tranquila nas planícies verdes e isoladas do estado. Com pouco mais de dez mil habitantes, de vida pacata e rural, o lugar não era exatamente um ponto turístico. Aqueles que ali nasciam ou amavam a tranquilidade do lugar, ou odiavam completamente, não esperando muito depois da maioridade para se mudar para o que chamavam de cidade grande.

Uma única avenida cortava o município por inteiro, tendo poucas ruas ramificadas do centro para os bairros, uma rodovia expressa estava sempre no horizonte e no sentido contrário dela as estradas de terra batida que levava para as fazendas. Praticamente 80% dos moradores dali trabalhavam nas grandes plantações, e o restante deles serviam a própria população com estabelecimentos essenciais e de comércio. Havia apenas um pequeno cinema para desfrutarem, envolto numa alameda de lojas pequenas e restaurantes. Quando em nenhum desses lugares, os moradores estavam na igreja, na entrada da cidade ou enfiados nos meios das árvores caçando cervos e outros animais.

A temporada de caça começaria em poucos dias, e era praticamente um evento, por esse motivo a loja de ferramentas do Sr. estava mais agitada do que nunca. Bem, para um local tão pequeno ter três clientes seguidos já era trabalho o suficiente.

— Querida, pegue as reposições no estoque, por favor — disse o homem agachado embaixo do balcão para a jovem filha que o ajudava.

— Já estão aqui — respondeu —, coloquei na bancada.

O rosto magro e envelhecido se levantou, olhando para a garota surpreso após conferir que realmente se encontravam ali.

— Jovem parece pronta para assumir a loja — o cliente comentou, ela o reconheceu como sendo um dos oficiais de polícia da região.

— Disse o mesmo, mas o velho se recusa a descansar um pouco.

— Minha filha é boa demais para ficar em Clevale, xerife Maigto — o dono respondeu —, ainda tem uma vida inteira para viver fora daqui. Estará na melhor faculdade de artistas em breve, guarde o que estou falando.

— Está exagerando de novo — a garota se virou para o loiro do outro lado do balcão —, ainda não recebi a carta. Posso não ter sido aceita ainda.

— Isso não é uma possibilidade — o pai a empurrou para o lado colocando a frente do cliente suas encomendas juntos numa caixa.

A autoridade confirmou se os itens estavam corretos e solicitou para que então fechasse seu pedido. Das bancadas reparou ser muito mais do que ele costumava levar para a temporada de caça.

— Tem algum plano para esse ano xerife?

— Antes fosse para caça — ele apoiou as mãos na madeira do balcão e respirou fundo olhando para os lados e se certificando de estar realmente sozinho com os —, tivemos algumas questões recentemente. Desde o sumiço da filha dos Meilis aconteceu todo tipo de coisa estranha.

O mais velho levantou a mão na boca e se inclinou para frente falando em voz baixa — Que tipo de coisa? Se puder comentar, é claro.

— Roubo de cadáveres — disse por fim —, ou partes deles. Mas estou falando para vocês, não deixem que escape daqui, certo?

— Sim, claro. Entendido — prestou uma continência no momento em que o sino de mais um cliente tocou —, o que acontece na loja fica na loja. Boa caçada xerife.

O homem ajeitou o chapéu em suas direções e saiu, não antes de cumprimentar — com desconfiança —, o jovem Tomura que andava tímido e de cabeça baixa entre as prateleiras.

Não devia ser muito mais velho do que a filha do Sr. , isso o tornava alvo de muitos olhares de pena. Uma história trágica e sombria que começava com a morte repentina do pai a pouco mais de dois anos, em seguida a morte da irmã sob circunstâncias no mínimo duvidosas e por último a mãe que definhou na cama devido um derrame falecendo a poucos meses. Restando apenas o caçula da família para cuidar da fazenda herdada na mais completa solidão.

— Preciso levar isso lá para trás, você atende ele?

— Sim, sem problemas — sussurrou em resposta para o pai ainda vendo o jovem rumar pela loja sem realmente saber o que comprar.

Ele mantinha as mãos nos bolsos do moletom de cor preta e apenas os cabelos claros escapavam de maneira bagunçada pelo capuz. Não foi até ele chegar até ao corredor das ferramentas que o rapaz pegou algo, um arco de serra, de cor amarela e também um martelo.

Tomura andou de cabeça baixa até o balcão onde colocou as ferramentas apoiadas na madeira. o via com certa frequência na loja e apesar de conversar pouco, apenas o necessário, o achava um rapaz bem agradável e também tímido. Ela mesma havia perdido a mãe a pouco tempo, então tinha certa empatia por seus sentimentos, apenas quem perdeu sabe realmente a dor que é, o restante apesar de compreensivos podem apenas imaginar.

— Precisa de mais alguma coisa? — sorriu para o rapaz antes de pegar as duas ferramentas e marcar seus valores para fazer a cobrança.

— Não, apenas isso.

— Certo, como você está Tomura? Faz algum tempo que não aparece por aqui, se preparando para a temporada de caça deste ano?

O rapaz mexeu as mãos mesmo dentro dos bolsos de moletom e girou os ombros — Estou ocupado, mas não por conta da caçada, não gosto muito. Tenho lido, bastante.

— Verdade? Lendo sobre o quê? — questionou colocando os itens recém comprados numa sacola.

— Anatomia.

— Parece interessante — concluiu — ainda é novo, planeja iniciar na carreira médica ou algo do tipo?

— Só curiosidade — respondeu estendendo algumas notas para pagar as ferramentas —, você gosta de ler?

Um resmungo pensativo em resposta — Não muito, prefiro desenhar. Aqui seu troco.

Suas mãos estenderam o dinheiro e nesse momento suas peles se encostaram levemente, sentiu um calafrio percorrer sua coluna. Chegando até mesmo a olhar para trás a fim de garantir que não havia ninguém ali, era uma sensação estranha que se agarrava a sua pele a até mesmo fazia os pelos de seus braços arrepiarem.

— Você tem mãos bonitas — Tomura comentou.

Aquele era um elogio que ela nunca havia escutado, mas era de certa forma agradável.

— Obrigada, foi a primeira vez que alguém me disse isso — disse com um leve riso.

Apesar da compra ser finalizada, o rapaz permanecia na frente do balcão, parecia juntar alguma coragem para manter a conversa com a garota. manteve o rosto tranquilo como um encorajamento para que ele falasse.

A garota nunca foi capaz de falar com muitas pessoas ou ter uma grande quantidade de amigos, então podia se relacionar com a dificuldade de manter uma conversa com mais de cinco frases com alguém.

— A nova lanchonete da cidade, é boa?

A pergunta a pegou de surpresa, não era o que estava esperando — Fui apenas uma vez, mas é boa, os lanches são mais gostosos do que parecem nas fotos. Por incrível que pareça.

— Será… Que você pode me acompanhar? Queria ir, mas não sozinho.

Clevale tinha seus jovens, vez ou outra algum rapaz viria até a loja para a convidar para um encontro ou qualquer saída do tipo. Só que ela nunca aceitou, sabia que seria apenas mais um selo nas listas de ficantes dos outro-proclamados populares. Mas Tomura era diferente, não tinha traços nele que gritavam haver segundas intenções.

— Claro, posso ir com você sem problema. Saio às seis, e preciso voltar às nove. Meu pai não é muito bom com os números da loja, como é véspera da caçada precisamos ver como foi as finanças da loja.

— Falando meus segredos de maneira tão descuidada, vai acabar com a minha credibilidade filha — o mais velho enfim voltou do estoque —, por mais que eu gostaria de dizer que não. É uma verdade. Espero que possa manter isso em segredo Tomura.

Seu tom era divertido, não se orgulhava, mas ouviu parte da conversa dos dois jovens atrás da porta.

— Sim, eu também não sou bom com números.

— Combinado, então — disse por fim. — Te encontro lá.

Um breve aceno de cabeça e então ele deixou a loja com a sacola na mão, o olhar da jovem o acompanhou até que saísse de vista. E quando se virou para o pai o mesmo tinha um sorriso no rosto, imediatamente percebeu que ele sabia mais do que deveria.

Se apoiou de costas para a entrada e cruzou os braços na frente do corpo — Diga de uma vez.

— É um encontro?

Um grunhido de frustração deixou sua boca — Não. Vou apresentar o lugar como uma boa colega, não somos tão próximos nem para sermos chamados de amigos.

— Mas vocês estudaram juntos, não foi?

— Por um tempo, até a mãe dele surtar.

Era de certo conhecimento da população da cidade a história da família Shigaraki, eles moravam na cidade grande. Porém, a mãe, extremamente religiosa e controladora, julgou que o local estava corrompido demais pelos pecados mundanos e escolheu se mudar para Clevale com o restante da família.

Para a velha, mulheres eram a própria encarnação do mal, então depois de certo ano Tomura acabou recebendo educação domiciliar. Quando não tinha aulas, ele trabalhava na fazenda e fazia pequenas tarefas remuneradas pela cidade. Como ajudar com consertos e montagem de móveis.

— De qualquer forma, é bom ver você sair um pouco. Se quiser se arrumar em casa pode ir, eu fico na loja pelo resto do dia.

— Não tem nenhuma necessidade — rebateu —, ou tem algo de errado com as minhas roupas?

O mais velho riu levantando a mão para a cabeça da filha colocando a mão no topo de sua cabeça — Sou seu pai, para mim estaria linda até vestida num saco de batatas.

desviou de sua mãe e envergonhada começou a dar tarefas para que seu pai parasse de fazer brincadeiras e desviasse a atenção para a loja. O restante do dia não foi tão diferente do que na primeira metade, homens — na maioria —, vinham para comprar reposições para a abertura da temporada de caça no dia seguinte, jogavam um pouco de conversa fora e então iam embora.

Quando o relógio enfim marcou seis horas da tarde, pegou sua bolsa e se despediu seguindo a pé para a lanchonete. Não era tão distante da loja, em pouco mais de dez minutos já estaria na porta. O céu tinha um tom pálido de laranja indicando o fim de tarde, uma brisa fraca rumava pelas ruas levantando folhas secas e poeira, e também trazendo o cheiro das delícias recém assadas da padaria no fim da rua.

Ocasionalmente a garota resmungava uma melodia presa em sua cabeça, respondendo com um aceno de cabeça os comprimentos que recebia na rua. Numa cidade pequena como a que viviam, todos conheciam a todos, era comum ver os mais velhos sentados nos bancos conversando no fim de tarde ou jogando cartas nas praças sem preocupação.

Quando chegou ao local combinado, abriu a porta vendo que Tomura já estava do lado de dentro numa mesa discreta no canto. A luz era baixa e suave, as cores no estabelecimento eram terrosas e confortáveis aos olhos. Tinham sons de pratos constantes e também conversas baixas.

— Eu demorei? — perguntou colocando a bolsa no sofá antes de se sentar na frente do garoto.

— Não.

Logo em seguida o garçom veio para tirar seus pedidos, pediu uma soda e com algumas recomendações também escolheram os lanches e seus acompanhamentos.

— Como ainda está cedo, algumas coisas ainda estão sendo preparadas, vai demorar um pouco mais do que o costume.

— Não tem problema — respondeu —, obrigada.

O homem se afastou e sua companhia a questionou — Você não precisa às nove horas?

— Sim, mas não é nada que o tempo extra de comida vai levar. Obrigada pela preocupação — ela colocou as mãos na mesa arrumando os guardanapos e outros condimentos que estavam no canto da mesa para que ficassem alinhados.

— O que você desenha?

A pergunta veio de repente, Tomura então se explicou vendo a confusão em seus olhos.

— De tarde, você disse que desenha. Eu não sabia disso.

levantou a mão até a orelha mexendo no pequeno brinco ali — Não é nada que eu geralmente divulgo, mas geralmente são pessoas. São rascunhos, na verdade, não sou tão boa.

— Tem algum para eu ver?

Um sentimento estranho a percorreu, ninguém além de seus pais realmente viam seus cadernos — ou tinham interesse no que chamavam de rabiscos —, e ali estava alguém querendo ver e mostrando interesse. A mão alcançou a bolsa e tirou de dentro um bloco de folhas brancas.

— Esse é novo, então não tem muitos desenhos — estendeu para que ele visse.

— Parece que tem muitos então.

— Uns vinte blocos — respondeu com certo orgulho —, sempre que posso, estou desenhando. Me deixa mais calma.

Ela esperou que ele folheasse algumas páginas, mordendo o canto do lábio nervosamente esperando uma reação da companhia. O garoto havia retirado o capuz, então era possível ver seus olhos passando pelas folhas com atenção.

— Não entendo porque diz que não é boa — comentou —, não tem nenhuma diferença com os livros.

Imediatamente seus ombros se soltaram — não havia percebido estarem tão tensos —, junto com um suspiro leve e uma animação crescente.

— Não é nada disso, ainda tenho muito que melhorar — pegou o bloco novamente, pensando em algo para passar o tempo enquanto aguardavam pelos lanches.

— Me diga algo para desenhar que faço para você — puxou um estojo cinza da bolsa.

— Qualquer coisa? — perguntou.

— Sim — escolheu seu lápis favorito e se ajeitou na mesa.

Ele pareceu pensar um pouco e então se ajeitou no assento — Um cinto feito de mamilos.

Uma risada imediatamente deixou sua boca — O quê? Jura?

— Você disse qualquer coisa.

Realmente ela havia dito, era estranho, realmente era, mas no momento ela acreditou ser apenas uma pegadinha da companhia. Uma piada sendo feita uma vez que ela estava acostumada com anatomias e era o assunto atual de interesse do rapaz.

— Como você quer a fivela? — perguntou, adicionando um pouco de sombra para dar volume no desenho.

— Dourada com cara de antiga — respondeu prontamente sem pestanejar.

— Deixa comigo — sorriu traçando as linhas para finalizar, era tão engraçado estar fazendo aquilo.

Estava tão centrada que não viu a maneira desejosa que Tomura olhava para o desenho, normalmente crianças se animam quando você desenha algo que elas querem muito. Para ele não era diferente.

— Pronto, aqui está seu cinto — era virou o caderno para mostrar a ele o desenho — O que achou?

Suas mãos se estenderam para pegar o bloco a fim de ver mais perto, as pontas de seus dedos tocaram o desenho com toques leves contornando em círculos as formas das curvas do seio feminino.

— Lindo — disse por fim —, eu usaria.

Mais uma vez riu, rindo de suas supostas piadas — Parece ter saído diretamente de um filme ruim de terror, o tipo de coisa estranha que um vilão iria gostar de ter em seu guarda-roupa.

— O que mais você pode consegue fazer?

— É um desafio? — questionou com animação — Me diga seus sonhos Tomura Shigaraki e eu faço eles virarem realidade.

Os lanches vieram, conversas aconteceram, e enquanto isso o lápis nunca deixou o papel. Sala, quarto, cozinha, havia ilustrado praticamente a casa de um psicopata por inteira. Talheres de prata com cabos de ossos polidos, pratos e tigelas feitos de crânios com a mandíbula servindo de apoio — dentes de ouro como detalhes especiais —, cadeiras de madeira com estofado de peles. Eram apenas ilustrações nascidas de uma conversa inocente. Talvez pudessem usar as ideias para uma peça de Halloween.

— Meus dedos estão doendo — disse assim que saíram da lanchonete. A garota havia guardado seus pertences novamente. Já sua companhia tinha nos braços as folhas de desenho que pediu a ela como um presente, já que pagou pelo lanche dos dois de bom grado.

— Obrigado de novo.

— São apenas desenhos — sorriu —, eu preciso ir embora agora, então vou seguir meu caminho por…

Suas últimas palavras foram interrompidas pelas risadas altas e gritos de um grupo de garotos que se aproximavam. Se lembrava deles, das épocas de escola, eram aqueles que sempre estavam criando alguma confusão. Sem ter inteligência o suficiente para passar numa boa faculdade, apenas ficaram para assumir os trabalhos de seus pais e casar com as namoradas que engravidaram antes do fim do terceiro ano.

— Ei, , Tomura o que estão fazendo juntos? É um encontro de esquisitos?

respirou fundo — Nada que te interesse Clarence.

Os garotos que os acompanhavam fizeram um coro de deboche por sua resposta afiada.

— Nervosinha? Sabe o que iria tirar toda essa sua tensão? Uma comida bem forte — mais uma vez os garotos gritaram uivando como cães —, agora que a mamãe se foi, está tentando comer alguém Tomura?

— Você é um imbecil que só sabe pensar com a cabeça de baixo — a garota respondeu —, é por isso que a sua esposa grávida está te traindo com o enfermeiro do hospital. Faça um teste de paternidade quando o bebê nascer.

— Sua vadia! — ele tentou avançar em sua direção, porém foi segurado pelos colegas pouco mais sensatos. Ele seria louco de agredir a filha do Sr. na frente de todos, falaram para ele que era mentira, que ela era apenas uma invejosa e qualquer outra atrocidade que era uma completa bobagem machista e sem fundamento. Por fim eles entraram na lanchonete não querendo criar maior alarde.

— Tchau, Tomura, vejo você por aí. Obrigada novamente — acenou para o rapaz que já estava em seu carro. Ele insistiu para deixá-la em casa, só que ela negou veementemente ainda estava na região de sua casa, as ruas eram iluminadas e conhecidas, não teria problema nenhum em andar durante a volta.

E assim o fez, voltou em segurança para a casa, encontrando o pai de pijamas e óculos apoiados na ponta do nariz junto de uma pilha de folhas em sua frente. disse que iria tomar um banho e não muito tempo depois acompanhou o pai na conferência das finanças da loja. Eles não tinham dinheiro o suficiente para colocar um sistema automatizado, já que era um negócio familiar, boa parte ainda era feita da maneira que seus avós haviam ensinado.

Já passava da meia-noite quando a cabeça da herdeira encostou no travesseiro, afundando pouco depois num mundo de sombras.



Uma única luz amarela brilhava acima de sua cabeça, seus braços estavam amarrados a uma cadeira de madeira manchada de vermelho. Nua, despida de corpo e também alma. Bonito manequim à mercê das misteriosas mãos.

Sim, tudo que via eram as mãos, pálidas sem acompanhar um corpo, novas, grandes, pequenas, velhas de pele enrugada com agulhas no lugar de unhas, e linhas feitas de veias. A agulha perfurou sua boca, dor afiada, agonia desenfreada. Se mexer não podia, já que as mãos a prendiam, gritar também não era uma opção já que os lábios foram colados um ao outro.

O metálico das feridas vertia para sua boca, sentia na ponta da língua a aspereza da linha costurada e travava em sua garganta os gritos de horror. Uma faca cerrada arrancou-lhe dos seios a pele, mais agulhas fizeram de suas pernas uma colcha de retalhos.

Ela não podia se mover apenas olhar, virando um rascunho dos seus próprios cadernos de desenhos. A mercê do artista, do escultor, do costureiro que vestia sua pele escamada ainda pingando sangue, as mãos enluvadas com as suas ergueu até o rosto colocando em si a mesma face que acostumara olhar no espelho.

— Estou linda, não estou?







Sr. estava na cozinha se preparando para o grande dia da caçada quando ouviu os passos de sua filha descerem o lance de escadas. O mais velho tomou fôlego para desejar-lhe um bom-dia, mas parou antes mesmo de dizer qualquer coisa, havia olheiras escuras embaixo dos olhos já estreitos, o rosto cansado e longe de ser tão iluminado quando geralmente era.

— Minha querida, o que aconteceu? — de adiantou até a geladeira pegando uma garrafa de água, enquanto ela mesma pegava um remédio para dor de cabeça no armário lateral.

— Pesadelo — torceu a tampa antes de dar dois longos goles e fazer escorregar pela garganta o comprimido. Sentiu o gelado passar pela sua garganta até chegar ao seu devido lugar.

— Quer falar sobre? — o pai atencioso se sentou na cadeira ao seu lado.

— Eu não tenho mais cinco anos, sabia? Foi só estranho — respondeu, quando olhava para sua pele, ainda podia ver os retalhos costurados, e sentir a agulha a costurando. Balançando os ombros se livrando da má sensação, deu um meio sorriso para o mais velho.

— Farei nosso café da manhã então — ele disse por fim.

sabia que seu pai não era uma pessoa de caça, mas seus amigos geralmente pediam ajuda para o homem durante a temporada. Na maioria das vezes ele apenas ficava encarregado de levar os suprimentos e ajudar os amigos de tempo de escola.

— Tenha cuidado — avisou —, o Sr. Azawa não tem uma visão boa a muito tempo, é capaz dele atirar em você achando ser um cervo.

A risada ecoou pelo cômodo enquanto embalada pelo estalar de ovos fritos na frigideira.

— Tem razão sobre isso, terei cuidado. Digo o mesmo para você na loja, sem eu por perto têm muitos abutres querendo rondar você.

— Sim senhor.

A pequena família de dois prosseguiu com o dia tranquilamente, compartilharam do desjejum e em seguida separaram seus caminhos. Como tudo na cidade de Clevale, sua casa não era longe da loja, então logo pôs-se a andar na direção do estabelecimento. Ruas vazias com apenas o vento revolvendo as folhas secas num farfalhar, o céu pálido tendo escondido pelas nuvens o sol brilhante. Era um dia sem cor, sem vida, como os próprios rascunhos que adornavam seu bloco de desenho.

Já na porta, girou a chave para abrir a loja virando no vidro a placa para aberto. Deixou a bolsa embaixo do balcão, olhou a parte do estoque rapidamente, garantiu estar tudo bem e esperou. Ficou sentada no banco próximo ao caixa esperando as horas se arrastarem e puxarem a linha do tempo consigo, um silêncio incômodo quebrado apenas pelo som de seu lápis raspando no papel.

Absorta em seus pensamentos, saltou quando o sino preso junto a porta tilintou, um cliente acabara de entrar. Era Tomura.

— Oh, não foi caçar? — acabou por questionar seus pensamentos em voz alta.

— Não, preciso arrumar meu trator. Vocês têm anticongelante?

— Me deixe ver — saltando da banqueta se abaixou atrás do balcão para pegar o catálogo, passou os dedos pelas linhas organizadas por alfabeto… Ali estava! Prateleira S-35.

— Temos, sim, vamos eu pego para você — era um dos últimos corredores escondido longe da porta, andou alegremente. Afinal, era bom poder conversar com alguém naquele dia tão mórbido.

Pobre coitada.

Não viu o sorriso quebrado de cantos distorcidos que nasceu na boca do rapaz, coberto pela sombra de seu capuz. Escondido atrás das costas um pé de cabra, fiel companheiro de noites escuras, ao contrário da garota, seus passos foram lentos e calculados, os dedos se alinharam sobre o metal frio esperando o momento certo.

estava olhando a prateleira com cuidado, e precisou se agachar, pois o galão do fluido estava na prateleira mais baixa. De joelhos, esticou as mãos para ele, mas nunca chegou a pegar.

O pé de cabra acertou a lateral de sua cabeça primeiro, atordoada e caída ao chão com visão embaçada, apenas viu o vulto se dobrar sobre o seu corpo e a voz contorcida soprar uma frase aos seus ouvidos.

— O que acontece na loja fica na loja, fica na loja.

Horas se passaram, a caçada continuou e nem uma única alma na cidade reparou no silêncio que tomava a loja do Sr. . Num balcão, longe do centro, o líquido vermelho pingava do corte feito, uma sangria feita para retirar todo o sangue do corpo.

A pele fora separada por mãos ágeis e armazenada em fluidos para preservação, a barriga aberta e as entranhas postas num balde para descarte depois. O barulho era horrendo, úmido, ecoava sozinho enquanto a lâmina penetrava até os ossos, pelo centro aberto como as asas era possível ver as costelas que protegiam os órgãos e envolto por ela a carne que em breve seria cortada e consumida.

O velho olhou o cervo preso pelas pernas de cabeça para baixo, era momentos como esse que o lembraram o porquê de não gostar da temporada de caça. O galpão ficava na fazenda de Azawa, e três animais estavam pendurados nas grossas vigas de madeira esperando que o processo terminasse. Ervas e unguentos foram passados para evitar o apodrecimento e afastar os insetos, já que não existia mais a pele para proteger. O couro dos animais estavam guardados em outro local e seriam tratados antes de virarem qualquer artigo de uso.

— Você ainda é fraco para essas coisas — comentou o dono do local. — Quantas vezes teve que sair?

— Cinco — respondeu —, estaria lá fora de não estivesse chovendo.

Logo em seguida, um forte trovão iluminou e ecoou pelos céus, rasgando as nuvens escuras de chuva. Era estranho, não havia previsão de tal tempestade para o dia, era triste como se o próprio céu estivesse chorando suas lamentações. Tantas mortes aconteceram naquele dia.

Batidas soaram na porta de madeira, gritando por passagem e chamando o velho . Um olhar trocado com o amigo e o homem de adiantou, do lado de fora encharcado dos pés a cabeça coberta de lama e mato estava o xerife da cidade Maigto. As sobrancelhas juntas de pesar e uma má notícia presa nos dentes.

Os animais que viviam nos arredores de Clevale não foram os únicos a morrer naquela noite.

A caçada não aconteceu apenas nas florestas, mas sim dentro da sua própria loja e a caça foi sua própria filha, sua criança. E o caçador, o assassino, um de seus clientes.

As memórias o atormentavam até hoje, e como naquele dia o céu também chorava desesperadamente.

Ele não ligou para a chuva, ou lama, os pés corriam e as mãos tremiam. Os policiais abriram caminho no velho celeiro de Tomura para que pudesse ver a cena do crime, um açougueiro. A cabeça não estava em nenhum lugar por perto, pendurada pelos tornozelos de pernas abertas suspensa a metros do chão, as costelas abertas com carnes e tripas escapando para fora delas. E as mãos… Suas tão talentosas mãos, foram cortadas dos punhos e guardadas em potes de vidros para exposição, ainda com o anel presenteado por sua mãe antes de morrer brilhando prateado pela transparência.

O homem tentou se manter de pé, mas o corpo se curvou para frente rejeitando o conteúdo em seu estômago. Suas mãos tremiam, apesar da chuva suava frio, a verdade que não queria aceitar era única e absoluta.

foi o fim, mas muitos outros foram o começo, o que encontraram na casa era horrível. Sujeira acumulada, lixo e entre eles restos mortais servindo de mobília. Um lixo revestido de pele humana, assim como assentos de cadeira, caveiras alinhadas à cabeceira de sua cama e até mesmo potes feitos de crânios humanos.

O homem não entendia, e quando num lapso de fúria avançou sobre Tomura questionando sobre as atrocidades cometidas com a sua filha, o rapaz sorriu, a pele seca rachada se esticando ao seu máximo, e os olhos avermelhados brilhando cruéis dentre os fios de cabelos sujos e desgrenhados.

— Ela disse que ia fazer meus sonhos virarem realidade — os policiais o empurraram em direção à viatura, mas ele parou se virando mais uma vez. — Também tinha mãos bonitas.

Com amargor na boca, e lágrimas nos olhos, o pai de se sentou numa cadeira no estoque da loja. Mesmo meses depois ainda tinha bem fresco na mente todos os acontecimentos daquele dia. Estava sentado com cadernos de desenhos abertos em sua volta e no topo deles a carta de aceitação da faculdade que nunca foi aberta. Nada mais era necessário, nem mesmo sua vida.

Um clique, um cano na boca e então escuridão.

A loja se lembraria da dor e dos acontecimentos daquela noite, e de muitas outras antes dela, pela eternidade guardariam esse segredo; deixando para a imaginação dos homens, apenas as manchas vermelhas na parede.






Fim...


Nota da autora: Obrigada por ler até aqui!

Referências de escrita:
Ed Gain, o criminoso inspirador de filmes | Nerdologia Criminosos
Ed Gein: The Killer Tha Inspired Many Horror Films - World's Mos Evil Killers | Real Crime
Ed Gein: The Buther of Plainfield | The Casual Criminalist
Serial Killer - Ed Gein The Real Leatherface Serial Killer Documentary | Serial Killers World Wide
Ed Gein - The Butcher os Plainfield - Anatomy of Murder | Rob Gavagan

Até mais, Xx!

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