Tamanho da fonte: |


Codificada por vênus. 🛰️
Atualizada em: 24.11.2024

Fazia pouco mais de duas horas desde que a professora começara a explicar como a psicanálise se conectava, de alguma forma, à desconstrução dentro da teoria literária. Para , tudo aquilo soava como um emaranhado de ideias complexas e, em questão de um segundo, toda a linha de raciocínio que a professora estava montando no quadro tornou-se impossível de acompanhar. Já tinha perdido qualquer noção do tempo em que estava sem prestar atenção.
Seus pés batucavam sob a carteira enquanto suas unhas iam ficando levemente arruinadas a cada minuto que se passava. Seus olhos, que outrora se esforçaram para acompanhar todos os esquemas no quadro, estavam fixados no celular sobre a mesa, aberto no aplicativo de mensagens, à espera de uma mensagem definitiva que nunca parecia chegar.
Novamente se encontrou dentro de um ciclo vicioso. Traçou mentalmente seus últimos dez meses e percebeu que todos os seus rolinhos pareciam ter o mesmo começo, meio e fim: ela conhecia um carinha interessante na faculdade, ficava levemente obcecada, seus amigos a empurravam para ele de alguma forma e ela sempre acabava se ferrando no final.
Na verdade, se fosse para ser sincera, eles sempre se ferravam no final.
As paixonites de costumavam acabar em pouco mais de seis semanas, isso quando o cara era alguém legal e minimamente decente, o que a deixava chateada por não conseguir se apegar. Mas antes eles ficando com o ego ferido do que ela com um coração partido, certo?
Errado, porque aquele cara já estava começando a deixar as coisas um pouco estranhas.
Aquele casinho em específico parecia bom demais para ser verdade. Um rolinho de dois meses que tinha feito todas as outras obsessões passageiras de parecerem piada.
Enseou era um cara legal. Na verdade, ele estava perto de ser um cara perfeito. Era o típico rapaz que parecia ter saído direto de um dorama clássico, o cara que carregava livros pesados sem esforço e sorria para todo mundo no corredor. Em apenas três meses, já havia perdido a conta de quantos presentes ele lhe dera, das vezes em que ofereceu carona ou a convidou para encontros – que iam de restaurantes chiquérrimos a caminhadas tranquilas no parque, que sempre terminavam com um sorvetinho de casquinha.
Como a leitora viciada que era, já havia classificado Enseou como aquele personagem maravilhoso, mas destinado a ser o lado ignorado de um triângulo amoroso. Não que ela pudesse se dar o luxo de dizer que estava vivendo um clichê – longe disso. Era apenas… óbvio demais. O fato de Enseou nunca ter conseguido entrar em um relacionamento lhe dava aquela aura de “coração partido”, sempre empurrado ao segundo plano – e, de acordo com as intensas pesquisas de , ele vivia um ciclo vicioso de ser sempre a segunda opção.
De certa forma, ela o entendia.
Encarou a tela do celular outra vez, lendo e relendo a última mensagem do rapaz.
Eunseok: Quero conversar com você
Mil coisas passaram em sua mente. O que cargas d’água ele queria conversar? Ele não iria pedi-la em namoro, né? Não, ensoe não era esse tipo de cara.
desviou o olhar por um instante, e a lembrança de uma das suas primeiras conversas veio à tona.
— Não quero começar um relacionamento sem ter como mantê-lo com o meu dinheiro.
— Engraçado, porque eu me lembro bem de você já ter me levado em lugares bem caros para comer — a garota riu enquanto tomava mais um pequeno gole de seu vinho. Eunseok deu um sorriso sem jeito.
— Isso foi a primeira vez que a gente saiu só, era para te impressionar.
levantou as sobrancelhas, surpresa. Pensou em questionar, mas o rapaz foi mais rápido ao continuar:
— É algo que te incomoda?
— O que?
— Eu não estar visando um relacionamento sério agora.
— Na verdade, não — deixou a taça sobre a mesa, desviando o olhar brevemente dos olhos de Eunseok. — Eu também não quero namorar agora.

— Você pode parar?
escutou uma voz atrás de si e virou-se de uma vez. O rapaz, que ela não tinha ideia de qual seria o nome, estava com uma expressão irritada no rosto. — Esse barulho está me atrapalhando.
Foi então que percebeu que suas unhas tamborilavam a mesa.
— Desculpa… — abaixou a cabeça e virou para frente, fechando as mãos para evitar que voltasse a batucar.
: não quer falar por aqui?
Eunseok: Acho que é uma coisa que precisa ser dita pessoalmente
Eunseok: Faz umas semanas que quero falar sobre isso
suspirou, fazendo com que sua franja se bagunçasse no ar. Os milhares de pensamentos continuavam indo e vindo por sua mente, mas um deles se destacou quando a leve euforia da ansiedade inicial começou a ceder.
Você vai terminar comigo, né?
A frase surgiu quase instintivamente enquanto seus dedos corriam pelo teclado do celular. Mas, na mesma velocidade com que a digitou, apagou-a. Não, dessa vez ela seria paciente. Não adiantava criar mil teorias e ficar jogando suposições no ar, só para Eunseok acabar resolvendo tudo por mensagem mesmo. Ela o conhecia – mesmo que por apenas três meses – e sabia que não era do feitio do rapaz resolver as coisas sem estar olhando nos olhos.
De fato, era a primeira vez que ela não havia enjoado ou que o cara não tinha decidido dar um pé na bunda dela com uma traição aleatória.
Não que ela chegasse a namorar com os caras, mas, em sua concepção, beijar outra enquanto eles estavam juntos também era traição.
: minha aula só acaba daqui uma hora
Eunseok: Tudo bem
Eunseok: Eu espero
: acho que quem não vai aguentar esperar sou eu mesma
Um sorriso singelo apareceu no canto de seus lábios. Era divertido conversar com Eunseok. Ele era gentil, compreensível, e sempre tentava contar alguma piada ruim quando o clima começava a ficar muito para baixo.
Eunseok: Se você quiser, eu estou te esperando do lado de fora da sua sala
levantou em um pulo, com os olhos arregalados encarando a tela do celular. Num reflexo, levantou a cabeça para ver se a professora tinha reparado, mas a mulher seguia em sua explicação, preenchendo o quadro com esquemas complicados enquanto falava sem parar.
Sem perder tempo, a garota começou a recolher todas as suas coisas às pressas, jogando tudo dentro da mochila de qualquer jeito. Sua mente sequer conseguiu se preocupar com a possibilidade de levar falta na matéria, muito menos com a careta desgostosa de alguns colegas da turma que a encaravam com desgosto por causa do som apressado que ecoava de seus sapatos enquanto ela descia correndo a escada.
Toda a sua atenção estava fixada no reflexo rápido captado pela janelinha da porta: um rapaz de cabelos escuros, penteados para trás, esperando do lado de fora.
Enquanto seus passos rápidos a aproximavam da porta, sentiu um vazio irritante dentro de si. Sorriu da forma mais natural que pôde, mesmo que o seu corpo estivesse tremendo por inteiro.
Eunseok abriu um sorriso diferente quando a viu.
– Oi, – sua voz era tão calma que, naquela situação, estava quase deixando nauseada.
A garota levantou uma das mãos antes de responder:
– Oi… – deu um sorriso apertado. Nunca tinha se sentido daquele jeito. – Você queria conversar?
Ele respirou fundo.
– Eu queria ter comprado pelo menos um café para poder dar uma descontraída – coçou a nuca com o típico sorriso envergonhado tomando conta de seu rosto. Automaticamente, os lábios de se curvaram em reflexo. – Mas, pelas circunstâncias, é melhor ir direto ao ponto.
Ela ajeitou a mochila nas costas, sem tirar os olhos do rapaz, que agora caminhava lentamente para um banquinho encostado na parede do corredor. Ele ergueu o olhar para ela e, com um gesto sutil, apontou o espaço ao seu lado.
hesitou por um momento, mas decidiu se aproximar com os passos lentos, tentando adivinhar o que se passava na cabeça do rapaz naquele momento. Ele está pensando em terminar? Ou vai me pedir em namoro? Ou vai me mandar decidir o que eu quero da vida de uma vez?
A última ideia fez todo seu corpo estremecer.
Assim que soltou a mochila entre as pernas, sentando-se no banco, ela virou seu corpo de frente a Eunseok, que parecia escolher as melhores palavras para o que diria em seguida:
– Antes de mais nada, eu gostaria de dizer que você é uma garota incrível, e que eu adoro passar o tempo com você.
Mas…, completou em sua mente, esperando pelo inevitável.
Eunseok fez uma pausa, respirando fundo mais uma vez. sentiu seus dedos do pé se mexerem freneticamente, e precisou puxar as pernas para trás. Apertou as unhas contra a palma, tentando esconder a ansiedade que borbulhava dentro dela. Por Deus, só desembucha de uma vez.
E foi como se ele tivesse lido sua mente:
– Só que… – engoliu em seco, ainda sem conseguir olhá-la nos olhos. – Eu acho que precisamos parar e sermos sinceros sobre o que estamos sentindo.
piscou.
Parecia ainda pior do que ela havia imaginado.
Eunseok a encarou, passeando com os olhos por todo o rosto da garota. Esperava ver alguma reação, a menor que fosse. Ele só precisava de um pequeno sinal para continuar o que estava guardando a tanto tempo.
Mas era óbvio que não diria nada.
Deu um sorriso de lado, sabendo que suas próximas palavras não saíram com facilidade:
– Eu acho que nós conf– Não. Eu confundi as coisas.
abriu a boca para interrompê-lo, mas ele foi mais rápido:
— Eu gosto de você.
quase engasgou.
Certo, ela não estava esperando aquela notícia. Ela nunca tinha chegado naquela parte. Era sempre um “ok, vamos marcar uma próxima sim” e ela nunca mais respondia nenhuma mensagem; ou então era um “fui pra festa ontem, fiquei com outra garota” e ela fazia um draminha ensaiado apenas para encerrar de vez outro rolinho frustrado.
Era sempre o mesmo ciclo vicioso: previsível, simples e, de certa forma, confortável. Mas aquilo? Aquilo estava totalmente fora do esperado.
– Eunseok, eu… – ela travou, como se seus lábios tivessem grudado um no outro, impossibilitando-a de continuar a falar.
Na verdade, não tinha ideia de como reagir. Seus quinze anos de vício em doramas e livros clichês não adiantou de nada para aquele momento, quando ela mais precisava se lembrar do passo a passo de como reagir a uma declaração de amor romântica que traçou em sua mente quando completara 13 anos.
procurou qualquer resquício de sentimento dentro de si, mas não encontrou nada. Zero.
Puro ego ferido.
Seus olhos caíram para o seu colo, sem conseguir mais sustentar a troca de olhares com Eunseok. Estava envergonhada. Não conseguia responder a uma frase simples. Sentia-se uma completa fraude.
– Está tudo bem – escutou a voz um pouco embargada do rapaz. Não conseguiu levantar o olhar para encará-lo. Eunseok abaixou a cabeça, precisando respirar fundo para segurar a chuva de sentimentalismo que ele estava prestes a fazer. – Acho que é melhor então…
Silêncio.
– É… – ele parecia se segurar também. – Acho que está na hora de cada um seguir o seu caminho de forma separada então.
abriu a boca algumas vezes para responder, mas nenhum som saía.
Percebeu que o rapaz ao seu lado se levantou depois de alguns minutos ali, sentado, apenas esperando por alguma coisa. ainda não tinha conseguido nem ao menos encará-lo.
O rapaz se levantou – ela teve certeza quando sentiu o vento frio naquele lugar que outrora estava sendo ocupado por ele. Mesmo que buscasse no fundo do seu coração, sabia que não sentia nada, e isso era minimamente frustrante. Por que ela não conseguia simplesmente escolher quem já gostava dela naturalmente? Era um tanto revoltante perceber aquele mesmo padrão de sempre, com um jogo de sorte viciado: ela conhecida, ficava obcecada, depois enjoava.
E seu casinho com Eunseok nem chegou na parte enjoativa que a fazia superar mais rápido.
Recolheu seu corpo e segurou a cabeça com as mãos, de olhos fechados e cabeça abaixada. Tinha que pensar. Precisava colocar dentro de sua mente que aquele era o fim, e que estava na hora de encontrar outra obsessão.
Mesmo que aquela estivesse longe de ser sua maior vontade.




continua...


Nota da autora: Espero que você tenha amado esse prólogo tanto quanto eu. Para saber mais do meu mundinho de fics, me siga no insta!
.xo


Se você encontrou algum erro de revisão/codificação, entre em contato por aqui.


Barra de Progresso de Leitura
0%