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Codificada por: Electra

Última Atualização: 06/09/2024

Você ficou ao meu lado mesmo que não dissesse nada
Então nunca solte minha mão
Porque eu nunca vou deixar você ir novamente
(First Love — BTS)

POV

— Ai! — meu choro ecoou pela casa seguido da voz do meu irmão.
— Deixa de ser frouxo! Foi sem querer! — ele respondeu, assustado, pressionando o punho contra o peito.
— Eu vou contar pro appa! — disparei e corri até a sala.
— Volta aqui, seu chorão! — ele me seguiu ameaçando me acertar de propósito dessa vez.
Appa estava na sua poltrona cativa e, já habituado ao caos que os dois filhos pequenos causavam na casa, folheava tranquilamente o seu jornal. Levantou os olhos por cima do óculos e deu um gole grande no coldre de uísque:
— Deixa eu adivinhar... — ele disse, estalando a língua e apontando para mim. — Você está com o lábio inchado. Apanhou. De você... — ele apontou para o meu irmão. — Que machucou a mão no processo. Agora, um de cada vez, me expliquem o porquê da briga.
Impossível. Não sabíamos falar "um de cada vez". Meu choro e as alegações do meu irmão se embolaram num nó gigante e ninguém entendia nada daquela confusão de dois meninos nos seus 8 ou 9 anos brigando por um carrinho de brinquedo. Appa se divertia e, por vezes, até deixava escapar uma risadinha tímida. Ele tirou os óculos e se ajoelhou na nossa frente, apoiando as palmas das mãos nos nossos rostos: o meu, banhado de lágrimas, e o do meu irmão, vermelho de tanto tentar contê-las.
— Sabem por quanto tempo vocês serão irmãos? — appa perguntou.
— Para sempre. — respondemos em uníssono pela primeira vez.
— Para sempre. — appa repetiu. — É bom vocês darem um jeito de conviverem em paz porque “para sempre” é muito tempo, não acham?
Assentimos com a cabeça e appa nos apertou num abraço em que cabiam nós dois de uma vez só. Sorri dolorido de saudade e acordei, no meio da madrugada, me sentindo feliz com aquele sonho nostálgico.   
— Você fala dormindo, sabia, Min ? — a voz rouca e doce dela me avisou.
— Essa não. Eu já me entreguei assim na primeira noite que passamos juntos? — rolei na cama para admirar a moça bonita deitada ao meu lado.
Eu costumava demorar mais que dois encontros para dormir com uma garota, mas , meu romance de viagem, concordou em acelerar as coisas quando contei que estava nos Estados Unidos de passagem e voltaria para a Coreia em breve. Aproveitei o fato de ter que resolver umas papeladas pendentes da empresa para visitar meu irmão, que se mudou para os EUA há alguns anos, perseguindo e alcançando o sonho de se tornar um produtor musical de sucesso. Ele me ofereceu a casa dele como hospedagem e concordou em deixá-la só para mim e naquela noite. Antes de me conceder a permissão, no entanto, ele riu da minha cara por uns dois minutos ininterruptos, duvidando do fato de eu ter conseguido alguém sem a ajuda dele.
Meu irmão sempre teve mais desenvoltura que eu quando o assunto era mulheres e eu, mais tímido, contava com ele para fazer o meio de campo: ele escrevia versos para as garotas que eu gostava na escola e eu fazia as lições de matemática dele como pagamento. Felizmente, não precisei desse tipo de ajuda com a . Ela me chamou a atenção no instante em que entrou no cartório no centro da cidade, segurando o alvará de abertura da sua confeitaria e conversando com alguém ao telefone. O verde-escuro dos olhos foi a primeira coisa que eu notei, mas depois eu reparei na boca sinuosa e fiquei por lá mesmo. Ela sentou-se ao meu lado, aguardando que chamassem a senha dela, assumiu que eu só falava coreano e contou em alto e bom som para a pessoa do outro lado da linha só tinha "um ruivo incrivelmente gostoso" na frente dela. Quando eu sorri e agradeci pelo elogio, seu rosto inteiro ficou em brasa, os olhos esverdeados aumentaram e eu soube na hora que, apesar de ter apenas 20 dias na cidade, eu precisava chamá-la para sair.
— Eu acordei você? — perguntei, arrumando os fios da franja dela.
— Não consegui dormir. — ela apertou a boca num sorriso. — Você me deixou muito acesa.
— É porque eu sou um ruivo incrivelmente gostoso? — pisquei.
— Você nunca vai me deixar esquecer isso, hein? — ela afundou no travesseiro e eu coloquei o peso do meu corpo contra o dela, beijando-a.
— Não enquanto eu estiver em solo americano. — respondi, finalizando o beijo com uma mordiscada.
... Eu estou com sede. — ela sussurrou, abraçando o próprio corpo vestido apenas por uma calcinha.
Selei os lábios dela e levantei. O pé direito tocou o chão primeiro, um dos muitos dos meus tiques. Cheio de manias, eu precisava de um lado certo para dormir na cama, pegar os objetos sempre com a mão destra, deixar o carro perfeitamente alinhado nas vagas de estacionamento e fazer tudo metodicamente. Ser o cara certinho era motivo de chacota para o meu dongsaeng, que vivia entrando no meu quarto para me pregar peças e, mesmo depois de velho e de anos sem dividir a mesma casa, eu ainda era refém dos meus reflexos de defesa das travessuras do mais novo.
— Por que você passou a chave? — me perguntou da cama ao me ouvir destrancar a porta.
— Por causa do meu irmão... — respondi, rindo.
! — ela sentou-se rapidamente sobre os joelhos dobrados e esqueceu de segurar o lençol, revelando os seios grandes e bonitos. — Você disse que ele ia virar a noite no estúdio e que só ia chegar amanhã bem tarde!
— E vai. É que ele me infernizava o sono quando éramos pequenos. Acabei ficando com esse costume de trancar a porta sempre que vou dormir.
— Que susto, ! — exasperou. — Achei que seu irmão estava aí no quarto ao lado ouvindo a gente...
— Não se preocupe, você gemeu tão gostoso que ele deve ter ouvido lá do estúdio dele...
— Vai logo buscar meu copo d'água! — ela ordenou, atirando um travesseiro na minha direção.





POV

Procurei na cama e não achei, assumindo pelo barulho do chuveiro que era lá onde ele estava. O relógio de pulso em cima da cômoda marcava pouco mais de sete horas e eu concluí que era seguro sair do quarto como eu estava: de calcinha e com aquela camiseta curta quase toda desabotoada. Caminhei até a cozinha grande e bonita, equipada de inox e mármore, pensando que logo mais eu estaria comandando a cozinha da minha própria doceria. Aquele era o meu sonho desde que eu era pequena, quando assei meu primeiro biscoito num forninho de brinquedo, e eu me dei um sorriso vaidoso, orgulhosa pela minha conquista se materializando. Preparei rapidamente um café, colocando-o em cima do balcão americano, e me virei para ver o que tinha no armário. Tive que ficar nas pontas dos pés para conseguir abri-lo e a camiseta subiu com o movimento, deixando minha bunda e a calcinha de renda à mostra.
— Uau. — ouvi um assobio e alguém sentando-se ao balcão. — O dia começou bem.
Virei de volta e dei de cara com o mexendo na garrafa do café que eu tinha acabado de passar. Precisei esfregar os olhos e calcular rapidamente quantas horas de sono eu tive para me certificar de que aquilo não era uma miragem causada por uma noite maldormida. Eu não estava tão cansada assim, estava? O meu ruivo incrivelmente gostoso estava com o cabelo… preto?!
? — indaguei, estranhando a cor do cabelo.
— Pra você eu posso até ser. — ele respondeu com um sorriso fisgado para o lado. Um sorriso que eu não tinha visto ainda.
— Como assim "pode até ser"? O que houve com o seu cabelo?
— O que houve com o seu cabelo? — ele devolveu a pergunta e eu percebi que ele se referia ao meu rabo de cavalo, que estava despencando.
Soltei as mechas e prendi o elástico no pulso, atônita. A camiseta subiu ainda mais quando eu levantei os braços e ele me olhou com fogo nos olhos e água na boca, um olhar inédito se comparado a todos os que ele tinha me cultivado naquele pouco tempo de convivência. Não sabia exatamente o que eu estava vendo, não era só o cabelo escuro e meio despenteado, caindo pelos olhos rasgados, ou o perfume que parecia outro, mais encorpado e denso, era a postura um tanto mais imponente — e um pouco mais irritante. estava diferente.
Mas era um diferente bom?
— Não nos conhecemos há muito tempo, então se você puder me explicar o que rolou aqui... — desenhei a figura dele no ar. — Eu agradeceria.
— Quem é você mesmo? — ele perguntou com desdém, mas sem tirar os olhos de mim.
— Que brincadeira é essa, hein? — apoiei a mão no quadril e ele manteve a expressão apática no rosto, piscando várias vezes e contraindo os lábios numa linha fina.
Não obtive qualquer reação, só o arder daqueles olhos afiados esperando que eu finalmente respondesse à pergunta. coçou a orelha com o mindinho e cruzou os braços alvos feito mármore sobre o peito, enquanto eu tentava montar aquele quebra-cabeças. Não era tão difícil para o meu cérebro juntar as pecinhas e entender o que estava acontecendo, mas era difícil para o meu ego aceitar que eu tinha caído no golpe intercontinental daquele asiático maldito. "Logo mais eu volto para a Coreia" um cacete. Óbvio que aquela era uma mentira muito bem arquitetada para conseguir transar comigo e fingir amnésia no dia seguinte. Queria xingar até a sétima geração dele, mas o olhar incisivo continuava me desconcertando e o que saiu foi um estúpido:
— Você não se lembra de mim? — puxei a camiseta para baixo instintivamente, completamente aturdida.
— Tô com cara de quem lembra de você? — ele respondeu patético e se servindo uma xícara de café. — Está quentinho?
Sei lá, enfia a fuça aí dentro pra descobrir.
— Olha aqui, se você queria só me levar para a cama antes de voltar para o quinto dos infernos de onde você veio, você podia simplesmente ter me dito! — bradei. — Não precisava ter se dado ao trabalho de fazer uma mudança radical no visual e bancar o debilóide.
Um sorriso ficou pendurado na boca dele, quase escapando. O desgraçado estava querendo rir da minha cara e nem conseguia disfarçar. Atravessei o balcão batendo os pés de tão zangada e quase fiz ele derramar todo o café quando me aproximei bruscamente:
— Você não vai falar nada? Vai ficar aí me olhando com essa cara?
— É que eu não tenho outra, ué. — ele respondeu cínico, exibindo os dentes curtos, e eu quis quebrar todos eles.
— Tô falando desse teu sorriso petulante, seu idiota! — o agarrei pelo colarinho e minha unha arrastou no pescoço dele, fazendo a língua fugir pelo canto da boca.
— Então você é dessas, hein? — minhas mãos ainda estavam na gola dele e um discreto filete vermelho abriu na pele extremamente branca. — Você deve ser incrível na cama…
— O que raios deu em você? — agitei a camiseta abarrotada, incrédula. — Parece outra pessoa!
— Deve ser porque eu sou. — tanto o tom quanto a cara de nada eram constantes.
— O quê? — perguntei.
— Você pode me soltar agora, gracinha. — ele umedeceu os lábios lentamente e me mediu de cima a baixo, sugando o ar entre os dentes antes de falar. — A não ser que você não queira.
Larguei o tecido e dei três passos para trás, assustada. O fio de voz grave fez meu ventre baixo vibrar e eu quase precisei cruzar as pernas quando ele puxou um lábio para cima e piscou para mim. No entanto, meus sentimentos ambíguos não eram a única coisa que eu precisava entender naquele momento, porque uma terceira pessoa surgiu e deixou o ambiente ainda mais confuso.
? — a outra voz indagou.
Eu não tinha bebido, mas o fato era que eu estava vendo o dobrado. E cada qual com o cabelo de uma cor. Maso que surgiu depois parecia bem mais com o que eu conhecia, e enxugava os cabelos vermelhos numa toalha, querendo rir de mim também:
— Você voltou mais cedo, cara. — ele disse para a cópia de cabelo preto. — Hã… , esse é , meu irmão… gêmeo.
Minha alma saiu do meu corpo, deu uma volta completa pelo quarteirão e retornou. Perdi a cor e gelei. havia me dito que tinha um irmão, mas esqueceu de me avisar daquele pequeno detalhe.
— Céus, eu adoro quando isso acontece. Você deveria ver a sua cara. — disse, ainda sustentando a porra do sorriso.
Senti minhas bochechas avermelhando de vergonha e quis esconder a minha cara no microondas. gargalhou mostrando as gengivas e subindo os ombros, o som foi se esvaindo conforme ele reavia o fôlego, numa espécie de soluço, e todas as fibras do meu corpo eriçaram em fúria. Enquanto eu servia como a atração de comédia da manhã, notou que eu estava seminua e se aproximou de mim, me enrolando na toalha úmida:
— Não ligue para o . Ele ladra, mas não morde. — ele me selou os lábios.
— Só se me pedirem com jeitinho. — sorriu ladino e levou a xícara à boca, ainda apertando os olhos úmidos de tanto rir de mim.
— Vai se aprontar, eu vou buscar o carro pra gente comer alguma coisa. Te espero lá embaixo. — me deu outro selinho, mais demorado, depois passou pelo irmão e empurrou a cabeça dele para baixo, bagunçando os fios pretos. — E você, seja legal, ok?
— Você sabe que eu não posso. — respondeu. — Um de nós dois tem que ser o gêmeo mau.
Apenas obedeci e me enfiei no quarto sem conseguir olhar para trás ou dizer qualquer coisa. Tomei um banho rápido, ajeitei uma maquiagem simples e coloquei de volta o vestido em 30 minutos. Quando desci as escadas, ainda estava tomando café no balcão, mexendo no celular. Respirei fundo e fui até ele, sem jeito, para me desculpar. Não que eu estivesse, de fato, arrependida, mas meu temperamento explosivo e o talento natural dele em me aborrecer não eram uma boa combinação. Eu precisava ser diplomática e manter a política da boa vizinhança ou haveria um Min a menos no mundo.
— Olha, me desculpa. — murmurei, impaciente, mirando meus sapatos. — Por ter chamado você de idiota e pelo... — fiz um gesto indicando meu pescoço.
— É seu primeiro dia como pessoa? — ele me fitou por cima do nariz. — Que pedido de desculpas murcho foi esse? Contato visual, por favor. — ele indicou a linha dos olhos. — Preciso sentir que você se importa.
"Pensamentos felizes, . Pensamentos felizes.", repeti para mim mesma, sabendo que minha irritação o divertia, e imediatamente a ideia de acertar a cabeça dele com uma frigideira me ocorreu.
— O não me falou nada sobre um irmão gêmeo. — afastei o desejo e mudei de assunto.
— Não me diga! — ele separou os lábios, que formaram um círculo perfeito. — Ele me falou tudo sobre você.
— Você sabia quem eu era? — meu sangue subiu outra vez.
— O tempo inteiro. — ele recostou-se na cadeira.
Mas que filho da p...
— E você não pensou em me avisar que eu estava falando com o irmão errado?
— E perder você só de calcinha e camiseta passando aquela vergonha? — ele respondeu tranquilamente, com a boca rosada contorcida esboçando mais um sorrisinho, que ele escondeu tomando outro gole.
A voz continuava modulada como se nada no mundo o afetasse. Tédio nos olhos, indiferença nos gestos e o sorriso insistente, não conseguia decidir o que me irritava mais. Eu podia acabar com ele, certo? Tinha outro igualzinho, ninguém daria falta…
— Você é um grosso. — desabafei, enfim, silenciando as vozes da minha cabeça.
— E você não sabe fazer café. — ele retrucou, fazendo uma careta ao ingerir o líquido.
— Como é que é? — perguntei ofendida e voltando a amaldiçoá-lo mentalmente. Um semestre inteiro estudando os grãos e as formas de preparo no curso de gastronomia para ouvir disparate daquele branquelo?
— Está sem açúcar. — ele sentenciou.
— Você adoça o café? Pensei que você fosse o gêmeo mau. — cruzei os braços.
— Eu sou, mas os maus também têm paladar infantil. Agora me passa o açúcar.
— Não. — respondi, incomodada com a ordem.
— Sim.
— Não!
... — meu nome desenrolou diferente na língua dele. — Eu cresci com um irmão gêmeo, eu posso fazer isso o dia todo. — ele rebateu, virando novamente os olhos para o celular.
— Que doce de pessoa. Coloca o dedo na xícara para tirar o amargo do café. — respondi irônica e girei o corpo para sair, pensando em sugerir que ele enfiasse o dedo num lugar menos agradável.
?
— Sim? — virei o corpo de volta.
Não. — ele soltou a segunda gargalhada afônica. — Viu só como eu sou bom? Eu inverti.
Saí sem responder, fumaçando e batendo os pés. Ouvi a risada dele diminuindo com a distância  e uma última provocação enquanto eu me afastava:
— Na próxima, coloca açúcar!
— Na próxima, eu coloco vidro moído. — resmunguei, caminhando para alcançar o carro.
estava lá embaixo, ajustando milimetricamente seus espelhos, quando eu descontei um pouco da raiva batendo a porta do carro ao fechá-la. Ele riu ao me contemplar naquele estado, mas, ao contrário do irmão, a risada dele não me atingia com, por exemplo, o impulso de cozinhá-lo e transformá-lo num picadinho. Eu só conseguia achar fofa. Tão fofa quanto a paciência com que ele me ajudou a afivelar o cinto de segurança e quanto a carícia que ele deixou no meu rosto ao perguntar:
— O que o fez com você, hã?
— Ele é assim com todo mundo? — fiz um bico.
— Acredite em mim, ele já foi bem pior. — deu a partida e começou a dirigir com uma mão no volante e me fazendo um carinho no joelho com a outra. — Desculpa não ter te avisado que temos a mesma cara.
— Eu deveria saber pela sua placa que vocês são dois. “2 Min” é bem autoexplicativo. — ajeitei a corrente que trazia no pescoço, com o pingente gravado em relevo fundo.
— Sabia que também é nossa diferença de tempo? Eu sou 2min mais velho que o .
— Você é bem mais agradável que ele também. — respondi, ainda um pouco estressada.
— Ele é meio implicante, mas é assim que ele se defende. — tentou justificar o irmão.
— De quê? — coloquei a mão entre a nuca dele e o encosto do banco para acariciar o seu cabelo.
— De tudo, eu acho. Ele sempre foi muito reprimido na Coreia, appa nunca quis que ele se mudasse ou vivesse de música. Acho que ele veio pra cá para fugir disso. Fugir da gente. — revelou com tristeza.
— Você sente falta dele, não é? — perguntei quando parou o carro no sinal vermelho e recostou a cabeça, aceitando o carinho que eu fazia nele quase como um gatinho.
— Muito. — ele respondeu de olhos fechados. — Mas não sei se ele sente a minha. Acho que virei uma espécie de espelho irritante. Ele me olha e vê tudo que o appa queria que ele fosse.
— Irmãos são assim mesmo, . — o sinal abriu. — Tenho certeza que ele ama você. Daquele jeito torto e implicante, mas ama.
— Ele te tirou do sério mesmo, hein? — ele riu contido. — Preciso que vocês dois se dêem bem. Seu apartamento ainda está em reforma e eu quero muito dormir com você outra vez.
— Acho que consigo aturar o seu gêmeo do mal por mais algumas noites. Mas só porque você é mesmo um ruivo incrivelmente gostoso. — admiti finalmente.

***

sempre adormecia primeiro, no lado direito da cama, o eleito para dormir. Às vezes eu deitava nele de propósito, só para assistir o nariz franzindo numa carinha fofa de "você está no meu lugar", que eu desamarrava cobrindo de beijos. Empurrei as cobertas cuidadosamente e levantei, vestindo o robe por cima da camisola para matar a estranha sede que me acometia no alto da noite. Andei pelo corredor e uma luz fraca me desviou do caminho da cozinha. Segui a melodia crescente que indicava o cômodo iluminado e identifiquei a silhueta de sentado ao piano de cauda.
Os dedos compridos e vermelhos nas extremidades passeavam pelas teclas do órgão quase como uma carícia. Era hipnotizante demais para não olhar. Ele cerrava e relaxava os punhos repetidamente, desenhava notas no ar, bebericava o destilado forte acompanhado de um "ah" estalado de satisfação a cada gole, completamente absorto em seu processo de criação. Por fim, estralou as juntas e recorreu ao bloco de notas algumas vezes antes de emitir qualquer som. Não tinha a postura soberba ou o sorriso cretino de sempre, estava ali em seu elemento, resignado, abdicado de qualquer influência externa, só ele e sua música, seu objeto de culto e adoração, e eu lhe percebi a essência pela primeira vez.
Aquele era um homem diante do seu primeiro amor.
— Então esse é você, Min ... — deixei fugir baixinho.
— Bisbilhoteira. — ele chamou, sem tirar os olhos do piano, e eu sobressaltei.
— Você me assustou!
— É você quem tá aí parada no escuro me vigiando. — ele apertou o couro do banco estofado. — Anda, senta aqui.
O convite quase me fez esquecer a sede que me arrancou da cama àquela hora da madrugada. Permanecer ali, com os olhos fixos no contorno de um a meia-luz, inalando o aroma  amadeirado do uísque e do piano, me inebriou os sentidos e meu cérebro começou a me mandar comandos embaralhados. Não sabia o que fazer com as mãos e minhas pernas quiseram obedecê-lo e correr para junto dele, mas fui tomada por um relance de lucidez:
— Não quero atrapalhar você, eu só vim beber água. — mexi sem jeito no cabelo.
O pianista me fitou sem pressa, com o rascunho de sorriso no arco da boca, e eu me vi obrigada a desviar os olhos que me ardiam e arrepiavam a nuca. Cruzei os braços, numa tentativa de defender o corpo da invasão, e ensaiei sair do campo de visão dele antes que eu fosse engolida pela íris intensa.
— Eu te deixo nervosa, não é? — ele brincou com a língua dentro da boca, passeando pelos dentes.
Sim.
— Não. — menti. — Você me deixa irritada.
— Nervosa. — ele insistiu.
— De onde você tirou isso?
— Do seu corpo. Você não para de se mexer. Evita me olhar nos olhos. Parece que não confia em si mesma quando está sozinha comigo. O que você tem medo de acabar fazendo, hein? — ele apertou o braço, deixando marcas rosadas das próprias digitais na pele.
Eu tenho medo, Min , de cometer uma loucura aqui mesmo em cima desse piano.




POV

A garota diante de mim era um conjunto de distrações e não era difícil pegar uma via tortuosa ao descansar os olhos nela. Como se a pele bronzeada não fosse tentadora o suficiente, ela trajava um azul cerúleo na camisola e no robe, ressaltando curvas que eu não podia tomar. Ela era uma estrada sem saída e eu lutava para não perambular aquelas ruas como um imprudente. estava interditada para mim.
Tolo.
No meu ombro tinha um diabinho irritante, sussurrando ideias, sugerindo movimentos, obstinado a me convencer que eu poderia simplesmente prendê-la contra o piano e fazê-la minha se ela quisesse.
Soltei uma risada para dentro. Por que eu sempre desejava tanto o impossível? Omma costumava dizer que eu mirava nas estrelas e atirava no escuro, mas sempre que eu me dispunha a lutar por algo, eu conseguia.
Foi o caso da minha carreira de produtor musical.
Não era o caso de .
Eu fui impedido de tomar qualquer ação porque, mesmo que minha relação com estivesse estremecida desde que me mudei, ele ainda era a pessoa mais importante do mundo para mim e eu não podia tirar mais nada dele — nem mesmo um caso que tinha prazo de validade. A verdade é que saber que era um fruto proibido só me enchia de mais vontade de prová-la, e era por isso que eu tentava o meu melhor para tirá-la do sério. Se eu mordesse aquela fruta, eu certamente acabaria viciado.  
— Vai sair alguma coisa daí ou você só vai bater na mesma nota até fazê-la chorar? — ela se debruçou sobre o piano e o diabinho me soprou toda sorte de pensamentos errados.
— Então agora você toca piano? — silenciei o demônio interno.
— Melhor do que você que está aí só esbarrando pelas teclas. — ela disse, quase me desafiando e desistindo de se escorar na parede.
— Fique à vontade para tentar. — abri as mãos indicando o piano e ela passou as pernas pela banqueta, sentando-se ao meu lado.
— Essa é uma composição clássica e muito difícil. Observe e aprenda. — ela tocou ré seguido de sol bemol em lá completamente fora de tempo e começou a cantar. — O seu Lobato tinha um sítio, ia-ia-ô!
Ela continuou tocando notas aleatórias e balançando os pés descalços, que pisaram levemente nos meus algumas vezes. Dei risada e ela me acompanhou, um riso desordenado que lhe relaxou o corpo, soltando a musculatura outrora tensa. Bateu palmas, divertindo-se da própria desafinação, e eu gostei de vê-la assim. Acho que nunca tinha visto rir. Soou mais bonito que qualquer música. Há quanto tempo eu não sentia isso?
Desde a morte do appa.
— O que você tem? — ela reparou que havia me descaído o semblante. — Foi tão ruim assim?
— Você foi muito bem. — respirei tão fundo que as costelas doeram. — É que eu lembrei de uma música.
— Me mostra. — ela pediu, meigo, e retirou as mãos da tábua.
Folheei hesitante entre as cifras e os caracteres coreanos até achar o que procurava. Não consegui rabiscar mais que duas estrofes daquela música inacabada. Eu só tinha uma melodia densa, carregada de acordes pesados, e notas que eu só tocava com a mão esquerda, porque me esmagavam os ossos. Nunca me atrevi a executar aquela peça para ninguém, nem estava certo de que conseguiria chegar ao fim, mas irradiava uma energia quente e reconfortante quando não estávamos na nossa guerra de insultos velados e troca de farpas. Naquele momento, eu me sentia uma partitura escrita só para ela, esperando para ser lida.
A primeira onda de som ecoou pela sala e por mim, vibrando pelos meus dedos nervosos e meus pés incertos nos pedais. Pressionei as pedras do teclado, lendo a grade de símbolos com a vista embaçada. recostou a cabeça no meu ombro e se permitiu fechar os olhos enquanto eu articulava entre as oitavas, procurando forças para terminar o solo. Mal me sustive durante o interlúdio, espremendo os olhos de dor e de saudade, e eu concluí a trilha com as mãos trêmulas.
— É... cinza. — ela disse num silvo ao despertar vagarosamente, compreendendo a sinestesia da composição.
— Eu via tudo cinza quando compus. Tínhamos acabado de perder o appa. — confessei percebendo que, até um passado recente, eu ainda enxergava tudo numa espécie de noir.
... — a voz dela era um sopro de tão baixa. — Seu pai... Ele? Eu sinto muito, eu não sabia! O fala dele como…
— Como se ele ainda estivesse vivo. — encarei o rosto dela, bonito apesar da contrição. — É uma forma de lidar. Eu não consigo.
pousou a mão dela sobre a minha e acariciou as veias saltadas. Aquele afago foi como um bálsamo, minha pele reagiu à dela imediatamente. Por um momento, eu quase esqueci que a última conversa que eu tive com meu appa foi uma briga. Por um momento, eu quase esqueci o quanto aquela memória ainda me açoitava e me esmaecia. Por um momento, eu quase esqueci porque eu não deixava mais ninguém chegar perto de mim.
— Eu sinto muito,
— Já faz muito tempo. — suspirei, tentando me mover o mínimo possível para não perder o toque dela. — Só queria que a última lembrança que eu tenho dele não fosse tão triste…
— Não precisa ser. — ela mostrou os dentes rapidamente. — Escolhe uma lembrança boa e me fala. Será a última para nós dois.
Sorri com o canto da boca, incrédulo e encantado com a simplicidade com que acolhia minhas feridas e sugeria uma cura para elas, como se colocasse uma flor seca num vaso d’água. Arrastei os dedos pelo preto e branco das teclas de marfim, esquecendo completamente de esconder minhas mãos marcadas e instáveis, mas, ao contrário do que eu esperava, não recuou ou sequer mudou o olhar quando expus minhas cicatrizes. Manteve a suavidade dos gestos e tomou minhas mãos entre as suas, levando-as ao encontro da boca, que as marcou com um beijo de consolação demorado e ameno. Fechei os olhos ardendo, entorpecido pelo afeto que eu não estava acostumado a receber, no entanto, agora que eu tinha experimentado, queria mais, muito mais de onde vinha. Puxei da mente os bons momentos que tive com meu pai, antes de eu confrontá-lo com meu desejo de viver de música, antes da nossa relação virar um nó gigante e difícil, e encontrei a lembrança vívida de uma tarde quente em Daegu:
— O susto que ele levou quando eu apareci de cabelo preto… — gargalhei timidamente.
— Sempre quis saber mais dessa história. me disse que vocês nasceram ruivos... — depositou minhas mãos no colo dela, mantendo o entrelace.
— Foi? Esqueceram de me avisar. — balancei a cabeça e as mechas escuras.
— Por que a mudança radical?
— Porque meus pais queriam um de cada cor. Temos outro gêmeo loiro na Coreia. — meu subconsciente agiu para me defender de uma conversa mais profunda usando sarcasmo.
— Por que eu ainda tento falar com você? — quis me soltar, mas eu apertei as mãos dela.
— Identidade. — confessei, para fazê-la ficar.
— O quê? — ela ruborizou um pouco ao perceber que ainda estávamos nos tocando.
— Eu queria ter minha identidade. Não aguentava mais as pessoas confundindo eu e o . Queria ser visto.
— Eu não acredito. — ela semicerrou as sobrancelhas.
— Que as pessoas confundem gêmeos?
— Não. Que você queira ser visto. Você quer?
Os olhos dela me penetraram a carne e a alma feito uma faca. "Retruque tudo o que ela disser, se esforce para não ser agradável", pura defesa, mas de nada tinha adiantado. Ela havia achado meu fio de abertura. Quanto mais eu tentava fugir, mais facilmente me quebrava o exterior sólido e eu senti o muro de segurança que eu subi para afastar as pessoas rachando de cima a baixo. Aquilo me deixava apavorado e, quando ela voltou a fazer o carinho nas minhas juntas venosas, eu fui estúpido o suficiente para fingir uma tosse e liberar as mãos dela das minhas.
— Sei lá. — desconversei. — Seria legal ser notado por alguém pra variar…
— Tipo quem?
Tipo você.
... — chamou.
— É , na verdade. — corrigi com frustração. — Acabamos de falar disso, não tem como errar.
Ganhei um rolar de olhos e  indicou meu irmão sonâmbulo com a cabeça, metido certinho no pijama de terça-feira.
... — bocejou e coçou a barriga. — Vem pra cama...
preparou-se para levantar e fui surpreendido pelo estalo de um beijo na bochecha e um choque gostoso me percorrendo o corpo:
Eu vejo você, . — ela confessou em tom de segredo, me olhando intenso. — Boa sorte com a sua música.
sumiu pelo corredor e eu ri do meu infortúnio. Como o a encontrou e eu não? Era tão ridículo que tinha graça: ele estava há fodidos 10.376 km de distância dela e, ainda assim, chegou primeiro! Como sempre. Desde o nosso nascimento, desde as notas na escola, desde a preferência do meu pai... a minha vida inteira eu fui um mero espectador do chegando primeiro.
— Inferno! — esmurrei as teclas e fechei a tábua harmônica do piano com força, me arrependendo imediatamente. — Foi mal. Não é assim que eu deveria tratar meu primeiro amor, não é? — pressionei a madeira maciça de pinho praticamente pedindo desculpas ao instrumento.
Virei outra dose generosa do uísque, torcendo para que ela me ajudasse a passar dormente por mais uma noite. Com sorte, o álcool me amorteceria e me impediria de sonhar com repetindo aquele carinho pelo resto da minha pele.

***

— Você tem que pegar leve, . Seus olhos estão fundos e você conseguiu ficar mais pálido do que já somos naturalmente. — martelou assim que me viu pela manhã. — O que mais você tem feito além de beber e trabalhar?
Fantasiar com a sua garota?
— Bom dia pra você também, meu espelhinho. — desdenhei, atravessando o balcão americano. — E a ? — varri os olhos pela cozinha, beliscando o que havia para comer.
— Dormindo. Vou levar um café pra ela na cama. — meu irmão pegou o pote de açúcar e eu impedi o movimento quase por reflexo.
— Não adoce. — sorri com a recordação. — Ela prefere puro.
— Vocês têm passado muito tempo juntos, hm? — me olhou furtivo.
— Você queria que a gente se desse bem... — me empenhei em disfarçar a tensão. me sabia mais que qualquer pessoa na face da terra.
— E você quer me dizer alguma coisa. — ele percebeu. Droga de conexão entre gêmeos.
— Hã... estou pensando na festa que vou dar na sexta. Acho que vou contratar a para fazer a comida. — virei de costas e procurei as tangerinas entre as frutas, disfarçando a agitação das mãos ao descascar uma bem grande e suculenta. — O que você acha?
— Acho que não era só isso que você queria me falar. — meu irmão me fitou como nosso pai fazia. — , eu estou preocupad...
— Eu estou bem, hyung. — adiantei. — Estou travado num arranjo, é só isso. Nada que o seu japchae não resolva.
ponderou o que eu havia acabado de dizer e parecia genuinamente animado com a ideia de almoçarmos juntos, não demorando muito a concordar em cozinhar uma refeição para mim, como fazíamos quando éramos mais novos. Mais tarde, o cheiro da carne grelhada e do óleo de gergelim despertou meu paladar e e eu nos fartamos, encerrando o banquete com uma garrafa de soju e uma conversa agradável e descontraída que certamente me elevou o espírito.
Eu sentia falta daquele idiota certinho. Mesmo que ele estivesse sempre engomado e penteado demais, mesmo que ele conjugasse todos os plurais e todos os tempos verbais corretamente, mesmo que ele dirigisse como uma velhinha e mesmo que ele fosse um filho melhor do que eu, que guardou o forte e cumpriu incólume o seu destino de herdeiro dos Min, me fazendo parecer apenas um desertor ingrato… Eu sentia falta daquele idiota certinho.
Repetimos o almoço durante dias seguidos, registrando com fotos e vídeos que omma recebia e comemorava com áudios emocionados em resposta. deixou a minha semana mais leve, a comida dele tinha o gosto da nossa casa e eu estava começando a ficar mal acostumado com a adulação de ter meu gêmeo, um excelente cozinheiro, me alimentando em praticamente todas as refeições, abrindo espaço somente para , chef formada e itinerante na minha cozinha. Me deleitei de ambos os temperos, querendo manter os dois comigo, mas sabendo que um anulava o outro. Para refazer meu vínculo com , eu precisava esquecer que existia, o que era cada vez mais difícil, especialmente quando ela se tornou uma presença tão marcante na casa.
A sexta-feira chegou rápido e faltavam apenas algumas horas para a festa. estava trabalhando desde cedo, finalizando agora o preparo da sobremesa. Gastei quase o dia todo evitando aquele encontro, obedecendo à distância que eu mesmo me impus dela, mas contratá-la soou como uma oferta de paz e, ao contrário do que eu pretendia, começamos a nos dar bem — ou tão bem quanto era possível para nós.
— Eu tenho que confessar, minha cozinha cheira muito melhor desde que você e o chegaram por aqui. — admiti quando avistei mexendo uma mistura cheirosa de chocolate, testando a uniformidade do doce.
— Isso vindo do cara que não suporta o meu café soou como um elogio. — ela disse e eu meti um dedo na calda, recebendo um audível tapa no dorso como resposta.
— Mas que tara em me bater, hein? Porra! — esfreguei a mão ardida do golpe. — Eu até gosto de apanhar, mas em outros context-
— O calor das suas mãos altera a consistência do chocolate. — me interrompeu.   — Toma. — ela me estendeu uma colher de madeira.
— E o que você quer que eu faça com isso, hein? — perguntei sugestivamente e espanquei a palma da mão com a colher. O som fez bater os cílios e errar o ritmo da respiração.
— Por que que você não soca no... — ela sacudiu a cabeça e reformulou a frase. — Quer saber, me dá isso aqui. — ela tomou o utensílio de volta.
Ela vasculhou os recipientes de vidro com os ingredientes picados e selecionou alguma coisa que eu não consegui discernir porque estava preso na figura dela, completamente à vontade, com o cabelo num coque alto e um óculos escorregando pelo nariz afilado. Meus olhos desceram cativos para a cintura marcada pelo avental, delineando o corpo torneado e colocando os seios em evidência, quando os dedos dela encontraram a pele dos meus lábios, prensando-os suavemente num bico, e ela me empurrou um pedaço picante entre os dentes.
Eu precisei pensar em gatinhos fofos quando ela enfiou o dedo na minha boca.
— Mastiga isso. — ordenou.
— Meu Deus... — senti uma leve ardência e os olhos lacrimejarem um pouco. — Você me deu uma folha de veneno?
— Eu poderia. — ela arqueou uma sobrancelha. — Mas é só gengibre. Neutraliza o paladar.
— Fala sério. — limpei a garganta. — Tá me dizendo que precisa desse carnaval todo pra comer um chocolate?
— Como você escreve uma música? — disparou do nada.
— Com bloco de folhas amarelas e caneta? — estranhei o questionamento repentino.
— O processo, . — ela cortou. — Tô falando do processo. Eu já vi você tentar compor. Você senta no piano, sente o cheiro do verniz, faz um carinho nas teclas... Toca a madeira como se tocasse a mulher que ama. Cozinhar é a mesma coisa. Tem que ser uma experiência. Tem que sentir tudo. E para isso funcionar, não pode haver nenhum outro gosto competindo nessa sua boquinha que está sempre afogada em uísque.
mergulhou o cabo da colher na panela, lambuzando a ponta de chocolate. Chegou perto de mim o suficiente para fazer meu coração perder uma ou duas batidas, me segurou pelo queixo e carimbou meu lábio inferior com o doce. A leve pressão que ela aplicava à madeira era tão gostosa quanto o sabor depositado ali, os dedos dela cheiravam a açúcar e cacau. A textura aveludada da ganache se espalhou quando eu suguei meu lábio, enquanto o chocolate começava a derreter e cobrir mais a minha boca.
— Não engula agora. Deixe o sabor se soltar sozinho. — ela ordenou, me observando. — Agora sim.
Experimentei o gosto intenso assentando, espalhando-se pelo céu da boca, e salivei. Um pouco pelo chocolate, um tanto mais por ela. Havia algo de erótico nos movimentos que fazia ao cozinhar e no modo apaixonado como ela descrevia os gostos e os aromas. Era quase como fazer poesia, uma poesia que dava para tragar. Mas de tudo o que eu podia provar naquele momento, minha maior fome era... dela.
— E então? — ela deu pulinhos no lugar. — O que você acha?
Que esse chocolate ia ficar bem melhor direto do teu corpo...
? Como está indo? — surgiu antes que eu respondesse e selou os lábios dela. O doce virou amargo na minha língua.
— Seu irmão está prestes a me dizer. — ela voltou o olhar para mim novamente.
— Está bom. — respondi sem ânimo e fez uma carinha triste, como se esperasse que eu dissesse mais alguma coisa, mas a visão do meu gêmeo pendurado no pescoço dela abraçando-a por trás tornava qualquer comentário impossível  e eu anuviei.
Subi para me aprontar e esperei largado no meu quarto que os convidados chegassem, quase arrependido de ser o anfitrião. Alguns colegas produtores, aspirantes a intérpretes e até umas e outras garotas com quem eu me enrolei algumas vezes começaram a chegar e a casa virou um pulsar de luzes, música alta e gente comendo e bebendo. Me vi entediado na minha própria festa e rumei o jardim em busca de ar, encontrando outra pessoa tão solitária quanto eu.
— A festa é lá dentro, nerd. — avisei meu irmão encostado num batente com meia garrafa de cerveja. — Por que a sua cara tá pior que o de costume?
— A minha cara é igual à sua, palhaço.
— Não vamos entrar nesse mérito. Desembucha. — agachei e sentei ao lado dele.
terminou comigo. — ele despejou.
— Já? Você ainda tem... — puxei o celular do bolso para verificar a data. — Pouco mais de uma semana aqui.
— Foi melhor assim. — ele balançou a cabeça afirmativamente, procurando se convencer. — Sabíamos desde o início que isso aconteceria, ela só se adiantou um pouco. Está tudo bem, terminamos numa boa.
estava conformado, certamente já havia calculado aquela possibilidade e anotado na sua planilha. Era difícil pegá-lo de surpresa, mas, ainda assim, estava chateado pelo fim recente. Tentei animá-lo dando tapinhas nas costas dele:
— Quer que eu consiga alguém para consolar você? Aposto que tem uma garota lá dentro que topa ficar com uma versão menos gostosa de mim.
— Cala a boca, bobão.
— Porra! Você beija a omma com essa boca? "Bobão"... — repeti, imitando-o, e consegui fazê-lo rir um pouco.
— E você? — me encarou nos olhos.
— O que tem eu?
— Você gosta de alguém? — ele perguntou sem rodeios.
Senti meu uísque voltar na garganta de nervoso. Não éramos gêmeos grudados, que se vestiam igual e faziam tudo juntos, de fato, se havia alguém que era totalmente diferente de mim, esse alguém era . No entanto, estávamos conectados por sangue, por mente e por coração, e eu sentia saudade de lhe confessar segredos durante a madrugada, quando nossas vozes atravessavam a parede que separava nosso quarto.
Mas aquele segredo... Aquele eu precisava manter comigo.
— Eu gosto sim. — respondi. — De você. Anda, vamos voltar para a festa.

***

Meu apartamento estava uma zona mesmo depois que eu, e , os remanescentes do evento, demos um jeitinho arrumando algumas coisas. Ao menos a cozinha e todas as preciosas panelas de estavam limpas e embaladas e, felizmente, não havia clima estranho entre ela e meu irmão, que pareciam estar conseguindo manter uma boa amizade.
— Quem vai me ajudar a levar tudo para o carro? — a chef perguntou.
— Eu não estou em condições de fazer mais nada hoje. — me larguei no sofá. — Te vira. — provoquei e empurrou meus pés, sentando-se também.
? — ela apelou com olhos de filhotinho. — Não posso ir embora sem as minhas panelinhas. Eu vou ficar com saudades.
— De jeito nenhum você vai sair daqui assim, . — cortou. — Já tem algumas horas, mas todo mundo aqui bebeu, não vamos dirigir, muito menos te entregar nas mãos de um motorista de aplicativo tão tarde da noite. Você dorme aqui e eu divido a cama com o . — ele sugeriu, analisando o equipamento de empilhado no canto da sala.
— Vai ser ótimo. Ronco de marmanjo a noite toda. — concordei, derrotado.
— Eu não ronco! — indignou-se.
— Ronca sim. — e eu respondemos em uníssono e todos gargalhamos.
— Vira ele de lado. — me aconselhou, fazendo o gesto no ar. — Não para, mas ajuda.
— Eu dormi com ele bem mais vezes que você. O que para o ronco do é um chute ou um travesseiro na cara. — atirei uma almofada no meu irmão.
— O termo certo é ressonar. — corrigiu, pegando o objeto voador.
O termo certo é ressonar. — impliquei, imitando , e ganhei uma careta e a almofada de volta.         
— Já que eu não preciso me preocupar com a trilha sonora, eu aceito a oferta. — pôs-se de pé, levantando os braços e jogando a cabeça para trás, espreguiçando-se. — Conto com vocês para carregarem com muito cuidado a minha linda parafernália amanhã. — ela foi enfática e quase ameaçadora ao se recolher, enquanto eu e batemos continência.
Puxei o ar com dificuldade depois que todos se recolheram. , agora solteira, no quarto ao lado.
Aquela seria uma noite muito, muito difícil.




POV

Conhecia bem o quarto de hóspedes de . A reforma do meu apartamento e meu lance com o irmão dele me fizeram passar várias noites seguidas ali, então não foi difícil me acomodar quando o cansaço do trabalho e da festa também me ajudaram a relaxar mais rápido. As duas latinhas que eu tomei haviam me soltado um pouco, mas depois de um café forte e uma chuveirada, já não havia mais indícios de álcool no meu corpo. Deitei e comecei a afundar no colchão grande e confortável, estava banhada, sóbria e... sem ninguém do lado direito da cama.
e eu tomamos a decisão certa, é claro. O término veio num ponto em que conseguimos salvar nossa amizade e saímos ilesos, sem machucar ninguém. No entanto, eu lamentava que não tivéssemos tido uma última vez.
— Ok, . Isso é o resquício da bebida, só pode ser. — disse a mim mesma, sentindo a parte baixa do meu corpo esquentar e quase me convencendo a me virar sozinha.
Porra. O quarto me inspirava memórias
Me rendi à imaginação e à fisiologia. Tirei a calcinha por baixo da camisola, jogando-a num canto qualquer do escuro total do cômodo, umedeci dois dedos e tracei o caminho do meu umbigo até o meu prazer. Comecei os movimentos circulares, me estimulando e sentindo a recompensa quase chegando alguns minutos depois. Por mais que a reação química estivesse prestes a acontecer e eu conseguisse enganar meu cérebro, meu corpo ardia pedindo por outra coisa. Outro calor, outras mãos, venosas e vermelhas nas juntas. Estava divagando pela imagem mental do meu fetiche quando vi uma pequena fresta de luz da porta entreabrindo e entrando rapidamente, tentando as passadas mais leves que pôde. Me julguei invadida, não por ter tido meu momento íntimo interrompido, mas por sentir que ele tinha lido a minha mente ao aparecer ali justo quando eu estava na iminência de gozar com o simples pensamento daquelas mãos me explorando. Ouvi o som da porta do guarda-roupa correr e assumi que ele deveria estar procurando um cobertor ou coisa parecida.
Eu já estava no meio do caminho. Não pensei duas vezes antes de partir pra cima dele.
Apertei as pernas bambas e levantei, seguindo o barulho da movimentação dele e me esgueirando pelo quarto familiar a ponto de eu saber o lugar de tudo apesar do breu. Lancei a mão no ar e encontrei um ombro que sobressaltou num pulo:
— Que susto, ! Desculpa entrar assim, eu só queria um…
— Não me interessa. — prensei meu corpo contra o dele e ouvi as costas baterem na madeira do móvel. — Eu estava mesmo pensando em você. Esperando por você. — o segurei pelo pescoço e senti as artérias indicarem o pulso latejante do susto, que o deixou desperto. Mas, naquele momento, tudo o que eu queria era que outra parte dele acordasse, então simplesmente suguei a pele do pescoço num chupão que quase fez ele se desmontar na minha frente.
? — me segurou pela cintura. As mãos dele me afastavam, mas o resto do corpo me seguia. — O que é isso? Não podemos! Faz pouquíssimo tempo que…
— Que terminamos, eu sei. Mas eu também sei que você quer. — respondi, inflamando e aplicando o chupão do outro lado.
— Eu quero. — ele apertou meu quadril com um pouco de força. — Eu quero muito. Mas...
— "Mas" nada. — minhas coxas deslizaram da minha própria lubrificação. — Não me deixa assim, tá? — pedi impaciente.
Nos beijamos com pressa, voraz e repentino, como dois fugitivos com medo de serem pegos em flagrante e lábios agitados com gosto de despedida. Éramos vontade, saudade e urgência, e ele me apertava contra si incrédulo, descobrindo meu torso e busto cheio de todas as segundas intenções ao me desbravar com mãos ansiosas, como se quisesse se certificar de que eu era real e que aquilo estava mesmo acontecendo. Ele sussurrava meu nome no meu ouvido entre um beijo e outro, a voz grave me arrepiava os pelos e o ar morno me embriagou mais fácil que a cerveja que eu misturei com soju. Puxei a blusa dele para cima, não encontrando resistência, e empurrei na cama, me atirando em seguida para deitar sobre o corpo alheio. Meus seios arrastaram pelo tronco quente, separados apenas pela fina camada de seda da minha camisola, enquanto ele enfiava a língua ávida na minha boca.
... — ele freou a loucura num fôlego, roçando o rosto no meu e pressionando minha nuca. — Diz que sou eu. — pediu. — Diz que sou eu que você quer.
Conduzi os dedos longos e avermelhados dele pelo meu quadril e pela bunda nua até minha entrada, mais abaixo, e o caminho molhado fez com que ele resvalasse ali, me acendendo e me obrigando a abafar um gemido na garganta. Aquelas mãos… aquelas mãos bem onde elas deveriam estar.
— Isso responde o quanto eu quero você? — perguntei, voltando a beijá-lo e sentindo-o crescer abaixo de mim.
— Eu tenho... — ele emendou o beijo na voz encorpada e começou com dificuldade. — Eu tenho que ouvir da sua boca. Diz que você me quer. — implorou.
— Eu. Preciso. De você. — suspirei sôfrega, lambuzando-o com a minha excitação.
Ele empurrou a calça e a boxer até o começo das pernas e o membro bateu na minha bunda, mostrando que nossa pequena brincadeira surtia resultado. Pediu passagem dedilhando e minha intimidade respondeu na hora quando ele conseguiu entrar, contraindo-se. Gastou uns bons minutos ali, me estimulando com as mãos que eu imaginava há pouco exatamente naquele contexto. Ao sentir que eu viria, ele recolheu os dedos para apertar minha nádega e eu despenquei do êxtase, enquanto tinha o cabelo puxado pela mão livre de e a boca espalhava marcas desesperadas pelo meu decote. Reclamei o orgasmo negado empinando um pouco para me esfregar sobre ele, causando um atrito gostoso entre nossos sexos que o fez soltar o primeiro gemido rouco da noite. Minha carne tremeu quando deslizei facilmente pelo comprimento quente e meu corpo agradeceu se torcendo num arrepio. Era a segunda vez que eu quase chegava lá e aquilo estava me deixando febril e ainda mais sensível  a qualquer toque, especialmente quando ele pressionou a si mesmo, duro,  contra mim, me lendo fácil feito um livro infantil.
Isso. Era isso que eu queria.
Minha satisfação ia além da biologia, alguma coisa sobre o modo como ele repetia meu nome como se recitasse poesia me fez sentir no topo do mundo. Agarrei o cós da calça dele e esqueci de medir a força das unhas ao tentar livrá-lo totalmente das peças que ainda lhe restavam, ganhando uma risada grave como resposta aos arranhões. Não tenho a menor ideia de como ele saiu das roupas, eu estava ocupada demais sugando a língua dele até sentir o gosto do álcool lá no fundo, distraída  pela corrente de prata enroscada entre os nossos corpos amornados e o choque térmico delicioso que o geladinho da placa gerava. Ignorando a tontura causada pelos beijos, sentei sobre o estômago dele, molhada de tesão e de suor, com a intimidade latejando e pedindo por ser preenchida. Minhas pernas lhe fecharam na cintura, escorregando por causa do meu óleo de banho, e eu apoiei as mãos sob o seu peito, que subia e descia violentamente com a respiração ofegante.
levou as mãos à cabeça, suspirando forte. Afastei para trás, saltando o membro, e ocupei as mãos da sua rigidez. Eu tinha pressa. Muita pressa. Mas escolhi massagear o órgão ereto somente pela satisfação de lhe arrancar gemidos cada vez mais afoitos sempre que eu pressionava a veia com o polegar. Salivei de sede de prová-lo, e naturalmente o trouxe até minha boca, onde ele pulsou fervendo, me marcando o céu dela com o gosto salgado. Por mais gostoso que fosse, eu não podia perder nem um segundo sequer com outra preliminar porque outra parte de mim clamava, rogava, urgia por ele.
Estava farta dos começos. Se aquele era o fim, eu queria o desfecho todo de uma vez. Todo dentro de mim.
— Ainda tem camisinha na gaveta? — perguntei, completamente faminta de senti-lo mais uma vez.
Ele tateou pelo móvel ao lado da cama e eu respirei de alívio ao escutar a gaveta abrindo e fechando, seguida pelo barulho da embalagem metálica rasgando. Vestiu o membro e eu ouvi as mãos dele batendo pela madeira mais uma vez, esbarrando na luminária.
— O que você está fazendo?
— Me deixa acender alguma luz, . — ele pediu, apertando minhas coxas. — Eu quero ver você gozar pra mim. 
prolongou aflito a última sílaba quando eu o surpreendi encaixando-me rapidamente para sentar nele, cobrindo-lhe o membro. Fiz ele se calar com um beijo e prendi os pulsos dele contra o travesseiro, enquanto sentia ele se espalhar pelo meu sexo encharcado e sofria gentilmente para acomodar tudo, mais do que satisfeita em abrigá-lo no meu íntimo apertado. Ele arfou, girando o quadril para se acostumar comigo, e investimos algum tempo nos reconhecendo, para cima e para baixo, bem devagar, coreografado e de mãos dadas. Caminhei com a língua até o lóbulo da orelha e o provoquei ali, lambendo joias e pele, provando do aço, do perfume e dele. Só quando ele arqueou a pélvis, sugando o ar entre os dentes, eu entendi o pedido de misericórdia e entreguei a sentença que ele tanto queria:
Me veja com as mãos.
Respirei errado entre uma palavra e outra, mas minha falta de fôlego por estar sentando nele não dificultou em nada a sua compreensão do meu pedido. Guiou as mãos pelas minhas coxas, descobrindo cada pedaço da minha pele eriçada, e os braços ornados de pulseiras finas roçavam pela extensão do meu corpo, me beliscando levemente e me deixando alerta. Subiu pelo meu quadril, por baixo da seda, e minha barriga se torceu com as borboletas ao percebê-lo enganchar os dedos na barra da camisola e me ajudar a puxá-la para cima. Mesmo no escuro total, estávamos numa sincronia perfeita. Não precisávamos de olhos para nos vermos, apenas nos sentíamos, e estar privada de um dos sentidos ao cavalgar em cima dele só tornava tudo ainda mais excitante.
Enchi as mãos dele dos meus seios, apertando-os suavemente e obrigando-o a seguir o ritmo e a intensidade que eu aplicava sobre seus dedos, até que eles negaram meu domínio e rumaram apressados pelo meu colo, pressionando meu pescoço e me jogando num estado doce de agonia, quase delirante. Quando a vista cintilou e eu contei pontinhos brilhantes no ar, a vertigem se dissipou e liberou minha garganta, procurando agora a minha boca, desenhando-a antes de adentrá-la com o polegar enquanto seguia me invadindo num ritmo alucinante.
Eu era uma mistura de arfares e gemidos, e agarrava com força os lençóis e os fios do cabelo dele, deixando seu nome escapar dos meus lábios em um tom cada vez mais sôfrego. Ao mesmo tempo em que aquele sexo urgente nos fazia devorar um ao outro, eu ainda me sentia apreciada e até mesmo amada. Um amor sem disciplina. Calibrado, impaciente. Aquela última vez parecia a primeira: as mãos me viram com mais devoção que os olhos.
Com a língua batendo no dedo alheio, que ele demorou a tirar da minha boca, cravei as unhas no seu abdômen suado e tensionado assim que me desmanchei num orgasmo que me bagunçou os sentidos, deixando minhas pernas vacilantes e as sensações turvas. Tudo era uma confusão gostosa e eu estremeci, diminuindo a velocidade da montaria para permitir meu corpo enfraquecido de tesão saborear a onda de prazer. Ele aproveitou meu estado amolecido para me empurrar cuidadosamente sobre a cama, deitando-se por cima de mim e me beijando com paixão enquanto me esmagava gostosamente com o próprio corpo.
— Se você soubesse... — ele disse e eu soltei um gritinho fino ao sentir a língua quente contornar meu seio, chupando-o lentamente. — Se você soubesse o quanto eu quero ver você agora... — ele partiu para o outro.
Ocupou-se do par como quis, pelo tempo que quis, e quando de repente ele desceu a dita língua pela minha barriga até abaixo do meu umbigo, eu me vi com as mãos agarrando o cabelo dele e as pernas abrindo sozinhas.
Trinquei meu abdômen de nervosismo. nunca tinha feito aquilo.
Mas ele beijou meu sexo como se beijasse a minha boca.
A sensação inicial de estranhamento durou pouco. Pouquíssimo. Quase sem valer a lembrança, porque logo foi substituída por um calor me irradiando o ventre baixo e subindo. Deslizei o calcanhar pelas costas dele, mexendo a perna apoiada no ombro puramente pelo meu corpo reagindo ao estímulo recebido, e ele continuou o trabalho. Lento, suave, provocativo. Fácil. Tudo, absolutamente tudo naquela vez foi fácil.
se encaixou novamente entre as minhas pernas formigando e voltou a se esforçar para dentro de mim, com calma. Apertei os olhos, lacrimejando ao sentir que gozaria pela segunda vez. Os lábios me adoraram a face toda, cada cantinho, e ele ondulava o quadril grunhindo entre uma estocada e outra, me fazendo chegar de novo no meio de um beijo ardente que me deu febre. Ouvi o assobio que a respiração dele se transformou ao me penetrar mais algumas vezes, e ele cantarolou os gemidos que foram aumentando até sentir minhas paredes o apertarem e o convidarem a encher meu interior úmido.
... — ele suplicou e escorreu morno dentro de mim.
***

Acordei sozinha e com a parte interna das coxas um pouco dolorida. Minhas roupas estavam espalhadas pelo quarto, agora cheirando a sexo e meu óleo de baunilha. Me faltava um dos brincos, que eu não perderia tempo procurando. Simbólico. Deixar um pouquinho de mim para trás, talvez?
A água quente golpeava minhas costas e eu demorei no banho tentando assimilar a noite anterior e alguns detalhes que me passaram despercebidos quando eu deixei meu desejo falar mais alto que minha razão. Era estranho, por exemplo, que não tivesse passado o resto da noite ao meu lado, já que ele era sempre carinhoso e afetuoso mesmo depois do sexo. Provavelmente aquela tinha sido a maneira que ele encontrou de consumar o nosso término. Dei de ombros para mim mesma e me arrumei, decidindo não vestir maquiagem alguma. Juntei as minhas coisas e meu olfato levou meu corpo até a cozinha, atraído pelo cheiro do café do .
— Você podia ter dormido lá comigo, sabia? — sussurrei quando ele me viu.
— Eu também queria uma última vez com você, mas isso teria dificultado ainda mais as coisas. — sorriu timidamente.
— E o que fizemos ontem não valeu como a última vez? — fui tomada por um calafrio e minhas palmas suaram.
— Do que você está falando? — uniu as sobrancelhas.
— Você vai mesmo me fazer dizer o que fizemos naquele quarto? — perguntei, assustada. Meus encontros com os Min na cozinha continuavam me deixando perplexa.
— Eu não estive naquele quarto. — o semblante de rapidamente mudou de confuso para irado, numa transição intimidadora.
— Como não esteve? Você me... procurou lá ontem!
… — sua expressão era séria como eu nunca tinha visto. — Não fui eu.
— Qual é, ! Se não era você, então era alguém igualzinh-
A voz sumiu antes que eu conseguisse completar a frase e meu estômago revirou querendo devolver uma comida que eu não tinha comido ainda. Parecia que tinham arrancado todas as minhas vísceras e colocado vidro no lugar, eu me sentia prestes a quebrar ali mesmo. Ainda estava tentando processar o que eu tinha feito quando levantou o olhar fulminante que passou direto por mim e atravessou , que surgiu na cozinha encarando o irmão. A tensão entre os dois era tangível e eu me odiei profundamente por ter sido, de alguma forma, o motivo daquilo.
O relógio parou ali, naquela guerra fria e silenciosa, e meu coração ficava cada vez menor ao ver espremendo os lábios, unindo-os raivosamente, e meneando a cabeça para . Mesmo que eu tivesse causado aquela confusão, era como se eu não estivesse presente, porque concentrou toda a sua decepção no irmão e sequer olhava para mim — o que me era muito mais cortante e me maltratava muito mais. Eu preferia que ele me mandasse embora, que gritasse, que fizesse qualquer coisa que não fitar com tamanha mágoa. Qualquer coisa que não me transformasse numa mancha irremovível na relação dos dois.
… — começou, firme.
— Não. — cortou, seco como o deserto, e recuou, baixando a cabeça. — Não, ok, ? Agora não adianta mais porra nenhuma você falar alguma coisa.
manteve a boca entreaberta, articulando pensamentos, medindo palavras e desistindo de todas. agoniou-se, andando nervosamente no perímetro do porcelanato, passando a mão pelos cabelos e rosto até decidir anunciar:
— Eu vou arrumar as minhas coisas. Eu saio daqui hoje.
… — apelou.
— Eu já disse que não. E não me impeça. — disse através dos dentes trincados.
abandonou o cômodo e eu senti um calafrio na espinha causado só pela ideia de ser deixada sozinha com . Aquele silêncio me obrigaria a enfrentar uma verdade adormecida e eu tremi de medo ao descobrir que eu não me conhecia tão bem quanto eu achava. estava certo, afinal: eu não confiava em mim quando estava com ele porque ele sabia me ler como o irmão nunca soube. Porque o jeito como ele me viu com aquelas malditas mãos ecoaria indelével nas profundezas da minha derme e não deixaria meu corpo esquecer a sensação do toque.
Nem do beijo.
Nem do sexo.
Nem de como ele me fez poesia e música quando eu achava que era só linha reta.
— Por que você foi contar para ele desse jeito, ? — livrou o rosto do cabelo preto, puxando os fios úmidos para trás. 
— Eu não sabia o que eu estava contando! — cambaleei para trás, procurando no que me sustentar. — Eu não sabia que era você!
... — ele sibilou. E que inferno, na língua dele, meu nome soava feito uma melodia. — Eu nunca faria nada com você se você não estivesse plenamente ciente. Você sabia sim.
— Não era você! Não era você! — repeti de olhos fechados, como um encantamento de proteção, enquanto ele chegava mais perto.
Continuei retrocedendo, dando um passo para trás em resposta a cada um que dava na minha direção, avançando pacientemente sobre mim e meu desespero, quando minhas costas atingiram uma pilastra. Eu estava encurralada, mas nenhum bloco de cimento armado e concreto seria capaz de me prender tanto quanto o simples fato de ter espalmado as mãos cor de mármore na parede, me tragando com aqueles olhos rasgados.
me fez cativa e ele sequer estava me tocando.
— O meu corpo ainda está quente de você. — ele deslizou a mão pela própria nuca, apoiando-a no pescoço branco. — Era eu e você sabia.
— Não… — implorei quase inaudível, intimidada pelo cerco e pelo hálito quente da voz grave. — Por que você está fazendo isso comigo?
— Porque quando você estava quicando gostoso em cima de mim, … — ele colou a boca no meu ouvido, sorrindo. — …você gemeu meu nome e não o dele.
Maldição, Min !
A memória muscular despertou e eu senti meu abdômen vibrar de novo. Apenas a presença de mandava sinais que meu corpo obedecia sem hesitação, regido feito uma orquestra pelo timbre rouco. Desabei em queda livre, assistindo àquela mentira que eu inventei para mim mesma ruindo. Era impossível continuar me  enganando. Uma parte anestesiada de mim queria mesmo ter contado, sugerido, colocado as cartas na mesa, e minha abordagem desastrosa ao era puramente a manifestação da minha consciência me cobrando. Eu sempre soube: desde o momento em que a porta entreabriu até tê-lo enterrando-se nas minhas entranhas. Sempre foi o .        
— Eu sabia desde ontem. — confessei finalmente. — Tua língua de uísque te denunciou.
— E por que você não me parou? — ele fez a pergunta soar como um desafio quando roçou o nariz pelo meu e raspou os lábios perigosamente perto da minha boca.
— Porque… — comecei, percebendo que não tinha resposta alguma e que a minha mão já tinha trilhado sozinha o caminho do peito dele.
— Por que você não me para agora?
Uma das mãos encontrou a minha cintura, espalhando-se na base das minhas costas e me puxando impetuosamente. A boca dele me prensou num beijo que começou lento e terminou desesperado. Começou doce e terminou queimando. me devorava, me quebrava e me refazia ao seu gosto e querença, sem deixar de venerar e saudar o que já existia de mim. Reescrevia o céu da minha boca, tirava palavras e suspiros dela, e me arrancava o beijo mais sincero e mais intenso da minha vida, tudo isso enquanto afundava os dedos no meu cabelo calmamente, como se fosse a coisa mais normal do mundo se apoderar de mim com aquela boca macia.
Ele me tinha. Inteira.
Mas ambos sabíamos que não podíamos desfrutar um do outro.
… — toquei meus próprios lábios ainda latentes dele.
— Foi por isso que você não me deixou acender a luz, não foi? — ele beijou meus dedos. — Por isso eu tive que ver você com as mãos…
— Foi. Porque nós… — acordei do transe. — Nós não podemos. Eu não quero ficar entre você e seu irmão.
— Eu sei. — ele me acariciou a face, me decorando. — Só queria te beijar uma última vez.
— Eu sinto muito que vocês tenham brigado. — lamentei, ainda amparando as mãos no peito dele.
— Aquilo não foi por sua causa, acredite. Não foi a primeira vez que nos desentendemos, nem vai ser a última. Eu me acerto com o . — sorriu pequeno, me confortando.
— Eu devo ir embora, não é? — perguntei, esperando que ele dissesse que não.
— Sim.
Aquela não era a resposta que eu queria. Eu queria ter ficado.



Continua...


Nota da autora: Que bom que você chegou até aqui! Escrever com meu utt foi um verdadeiro desafio, mas eu engoli as borboletinhas que ele me causa e cá estou. A gente se vê!

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