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Revisada por: Calisto

Última Atualização: 27/12/2024

Se espera por uma narrativa cheia de reviravoltas, personagens destemidos e intrigantes, drama e mistério, definitivamente esta não é a história que procura.
Esta é a história de uma garota exatamente como qualquer outra, com sonhos comuns, um nome pretensioso e uma cidade natal a que jurou nunca mais retornar — mas vai, inevitavelmente, fazê-lo.
Esta é a história de como Monroe, uma década após sua formatura, descobriu que ainda se sentia a mesma adolescente que era no colegial.
(...)




Monroe nascera na pequena cidade rural de Connersville, com menos de 15 mil habitantes, no interior do estado de Indiana. Para ela, permanecer ali após a graduação era declarar a sentença de ter o mesmo destino de pelo menos 90% da turma de formandos de 1998: casar com o namorado do colegial, que herdaria os negócios da família (lanchonetes, mecânicas, pequenas mercearias), ter filhos, ver seu marido engordar e ficar calvo enquanto os anos passam. Não. Isso jamais serviria para .

tinha sonhos maiores que Connersville. Fazer faculdade. Morar numa cidade grande cheia de cultura e gente interessante. Ter um bom emprego, fazer algo que lhe garantisse uma vida confortável. Nenhum homem envolvido no quanto ela pode ou não gastar, se pode ou não pintar as paredes de sua casa da cor mais extravagante e única que encontrar, ou colocando seu detestável material genético dentro de seu útero para transformar em mais uma boca para alimentar.

E para alcançar tudo isto, aos 15 anos, Monroe decidiu fazer uma promessa a si mesma: deveria focar nos estudos, em conseguir uma bolsa na NYU e se mudar. Não deixaria absolutamente nada ou ninguém entrar em seu caminho. Enquanto suas amigas ganhavam pulseirinhas douradas com as iniciais dos namorados, se recusava a dar atenção a qualquer romance adolescente que poderia atrasar sua vida.

Aos 18, quando se formou e se mudou para Nova York, fez todo o possível para se distanciar ao máximo de tudo que remetesse ao ensino médio. Tinha um enorme desdém por aqueles 4 anos e pelos colegas de turma… a única exceção sendo sua amiga Robin, que de alguma forma conseguiu passar pelo filtro minucioso de ghosting que aplicara a todos os residentes de Connersville.

Aos olhares despretensiosos que passarem pelas polaroids pelas paredes de sua sala de estar, a vida de Monroe parecia quase perfeita. Aos 29 anos, ela tem tudo: um apartamento no Village, um café favorito a que ia todas as manhãs, fins de semana espetaculares em SoHo, roupas elegantes de novos designers em evidência na cidade, um grupo de amigas igualmente bem vestidas que parecia estar sempre disponível para um brunch ou uma festa de rooftop. E, é claro, um emprego excelente na área de marketing, escalando os degraus do mundo corporativo com tamanha destreza que nenhum teto de vidro parecia capaz de a segurar.

E aos 29 anos e 7 meses, Monroe estava prestes… a perder tudo.

(...)



— E é por isso que teremos que te desligar da empresa. Sinto muito — dizia Harrison, o homem vestido em um terno Valentino de cabelos grisalhos, seu chefe (ou melhor, ex-chefe) que acabara de tomar a decisão executiva de cortar gastos para dar uma promoção e um cargo claramente inventado para Marcus, seu sobrinho, que basicamente fazia a mesma coisa que na empresa, porém de forma 80% ineficiente e porca.

— É claro, eu entendo perfeitamente. — sorriu cordialmente e acenou com a cabeça, apesar de dentro de sua mente escrachar palavrões para o velho. — Foi um enorme prazer trabalhar nesta empresa, agradeço pela oportunidade.

levantou educadamente e se retirou do escritório do senhor Harrison, caminhou por todo o andar e entrou no elevador, descendo até o 13° pavimento, onde havia passado boa parte dos seus 20 anos trabalhando, fazendo hora extra não remunerada, vestindo a camisa da empresa, buscando o prometido crescimento corporativo, sonhando em ser promovida e, quem sabe, transferida para a filial em Londres quando completasse 30 anos. Apodrecendo. Perdendo sua juventude e saúde mental. Xingando aquele infeliz do Marcus. Maldito Marcus!

— Ugh!

grunhia e tentava respirar fundo enquanto juntava seus pertences por aquela sala espalhados. As 5 plantas, as pastas em tom rosa millennial que organizava todos os arquivos das campanhas que trabalhava, as tranqueiras decorativas, o velho chaveiro da estátua da liberdade na chave do escritório.

E aí vinha a pior parte, a pior das caminhadas da vergonha: passar por seus colegas carregando suas tralhas dentro de uma caixa, todos aqueles olhares de pena e satisfação — já que, é claro, muitos almejavam seu posto.

(...)


Três semanas se passaram e não conseguira sequer uma única entrevista. Desempregada, com aluguel para vencer e, ainda por cima havia descoberto, que todas aquelas interesseiras que chamava de “amigas” na verdade eram apenas companhias para festas. Descobriu da pior forma que a conexão era fraca e, aparentemente, no mundo adulto ninguém se importa muito com amizades.

Pela primeira vez em 10 anos, pegou-se pensando que sentia falta da escola. Sentia falta dos amigos da escola. Sentia falta de como todos os problemas pareciam sumir quando ultrapassava os portões de entrada da Connersville High. Sentia falta de como os outros se importavam em saber se ela estava bem… Droga, sentia falta até das fofocas da cidade-ovo em que vivia e de como todos pareciam querer tomar conta da vida alheia. Porque agora, naquele sábado ensolarado de abril de 2008, nem mesmo seu CD dos Backstreet Boys parecia dar sentido à sua vida.

Chorou por uns bons 40 minutos. Deu replay no CD. Chorou ouvindo All I Have to Give. Replay em All I Have To Give.

E aí, de repente, aquele pensamento intrusivo que tentava ignorar finalmente gritou em seus ouvidos com um megafone: “vou ter que voltar pra Connersville.”

— NÃÃÃÃO! — chorava, jogada em seu tapete felpudo, vestida com uma camiseta gigantesca escrita “I ♡ NY” que havia comprado em Coney Island quando era uma caloura na faculdade.

Eventualmente, é claro, o que era um pensamento intrusivo se tornou realidade: não tinha como pagar o aluguel caríssimo de seu apartamento no Village. Não tinha nem como pagar o aluguel de um muquifo na pior parte do Queens.

Então, no mês seguinte, Monroe estava bebendo a água que jurou que nunca mais beberias: dirigindo um caminhão alugado lotado com toda sua vida em caixotes de papelão na traseira, com destino ao grande estado de Indiana!

(...)



À beira dos 30 anos, Zara Monroe não tinha nada. De volta à casa dos pais, numa cidade rural com menos de 15 mil habitantes, um diploma superior de enfeite, nenhum emprego e… nenhum namorado. Merda, por que pensar nisso agora?! Como se as outras coisas não estivessem ruins o suficiente.

É claro, devia ser culpa daquela revista que folheava, deitada na cama de seu quarto de infância. Até a coleção de barbies na estante e os inúmeros pôsteres de boybands nas paredes cor de rosa pareciam lhe olhar com pena.

— Hum. 10 truques para conquistar o garoto que você gosta! — Zara leu em voz alta de forma sarcástica. — Eu preciso de 10 dicas para conquistar um emprego em Nova York de novo, Teen Vogue!

E então arremessou a revista longe — que acabou batendo bem no rosto de Justin Timberlake no poster do NSync.

— Foi mal, Justin… na verdade, não. Estou pouco me lixando pra você! Você saiu da banda porque é um desgraçado egoísta!

E foi naquele exato momento embaraçoso que a mãe de Zara, Clara, abriu a porta — mantendo o costume que tinha de não bater antes como fazia quando Zara era adolescente.

— Filha?

— Mãe! — Zara enrubesceu com vergonha, logo se sentando na cama e fingindo estar ocupada com… a lista telefônica. — Eu, han… tô procurando o número da pizzaria. Que sabor vocês vão querer?

Clara sorriu como se pudesse ler a filha como uma carta. Sabia exatamente o que se passava na cabeça da mulher. Aproximou-se e sentou ao seu lado na cama.

— É sobre isso que vim lhe falar. Eu e seu pai vamos sair hoje para jantar.

— Jantar? Onde vamos?”

— Não, . Só eu e ele.”

Zara franziu o nariz.

— Tá bom. Vou pedir a pizza só pra mim.

— Não, filha. Nós conversamos e chegamos à conclusão que está na hora de você sair de casa — Clara disse com um sorrisinho compassivo aos lábios, mas Zara logo arregalou os olhos, entendendo tudo errado.

— Mas eu acabei de voltar e estou sem emprego e sem dinheiro, pra onde eu vou? Por favor, mãe, eu preciso ficar com vocês por um tempo e-

— Meu Deus, não! — Clara esboçava uma pequena risadinha. — Não estamos te expulsando de casa, filha! Mas achamos que você precisa sair para passear, espairecer, rever seus amigos. Desde que chegou, você está enfurnada aqui, usando esse pijama rasgado. Mal toma banho e agora está conversando com os posters. Considere essa uma intervenção.

A mais jovem franziu o cenho, perplexa e meio ofendida.

— Não é um pijama, é um souvenir da grande maçã! — tentou se defender, mas a mãe apenas riu. Aquela camiseta I♡NY já estava mesmo começando a cheirar a suor de tanto que usava. E estava mesmo descosturando no ombro… mas era uma boa camiseta. Uma ótima camiseta.

Era confortável e grande, quase a engolia inteira. Era como um abraço quentinho… ou um abraço de sucuri que a estava começando a sufocar. Mas não queria desapegar! Qual o sentido de desapegar de uma camiseta perfeitamente boa? Qual o sentido de desapegar da vida que tinha em Nova York?

Chacoalhou a cabeça lado a lado para se livrar daqueles pensamentos indesejados.

— Eu nem tenho amigos aqui, mãe. E não tem nada para se fazer em Connersville. — Soltou um arzinho desdenhoso pelo nariz.

— Ah, que isso, a cidade está bem diferente agora! Temos até um boliche na Main Street. E às terças tem bingo na igreja.

— Mãããe…! — Zara grunhiu.

— O filho da vizinha disse que tem um bar próximo à saída da cidade. Disse que é cheio de gente da sua idade lá. Você devia ir.

Clara se levantou e foi saindo do quarto. Zara rolou na cama, olhando para o teto e para as estrelinhas que brilham no escuro ali coladas. Suspirou.

Costumava olhar para aquelas estrelas toda noite desde que tinha 5 anos.

— Eu sou patética — bufou para si mesma.

Sua mãe — e seu pai, apesar de não ter culhões para a confrontar diretamente e mandar a mãe o fazer sozinha — tinha razão. Precisava sair um pouco dali.

Era uma adulta em plenas capacidades, oras. Apesar de o ambiente não ajudar muito. Ou as músicas que continuava escutando sem parar em seu radiozinho cor de rosa também não ajudarem.

— Caramba, Monroe, tome controle da sua vida! — grunhiu para si mesma, rolando da cama para se levantar.

Talvez a fizesse bem mesmo sair e respirar um ar que não fosse lotado da essência da Zara adolescente. Eca. Chega sentiu um calafrio!

Era isto. Precisava sair para um lugar adulto, beber um cosmopolitan, conversar com gente da sua idade que não estava em um poster e podia respondê-la.

Olhou-se no espelho, com aquela camiseta a lembrando de tudo o que não tinha no momento. Daria tudo por um passeio no SoHo agora. E por seu emprego de volta. E sua vida de volta. Merda.

— Controle o que puder, confronte o que não puder — disse para sua própria imagem ali refletida, logo removendo a camisa e se dirigindo para um bom banho quente.

Tropeçou em duas caixas — ainda não desfeitas e apenas empoleiradas por todo o chão do quarto, porque, claro, isto era apenas um contratempo e seria contraproducente tirar tudo das caixas para em duas semanas encaixotar tudo de volta quando tivesse um novo emprego e novo apartamento em Nova York.

Ao chegar ao banheiro, abriu o chuveiro e se encarou no espelho enquanto a água esquentava. Chegou bem pertinho. E ali, em meio a sua testa cronicamente franzida de tanto chororô por já um mês inteiro, que se deparou com algo que a mudaria para sempre: as temíveis primeiras linhas de expressão.

— Que merda é essa?! — Aproximou-se mais, tentando massagear a pele para ver se aquilo sumia.

Não sumiu.

— Ah, claro, que ótimo momento para isso. Você realmente está me testando, universo?! E isso não foi um trocadilho, inferno!

Apesar dos quase 30 anos habitando este planeta, tendo visto, conhecido e amado diversas pessoas de mais idade que a sua — como sua mãe, avó e algumas amigas de mais de 40 anos que conhecera na aula de cerâmica (composta por 60% de mulheres da faixa etária, obcecadas pelo filme Ghost — o que, diga-se de passagem, também era o caso de Zara. Fala sério, quem faz aula de cerâmica sem ter visto esse filme?) — e tendo presenciado em primeira mão que nenhum, repetindo-se, absolutamente nenhum ser humano conseguia dobrar o envelhecimento e se safar das rugas, se vivesse o suficiente para adquiri-las… apesar de todos estes fatores, Zara, intimamente e por algum motivo, sempre acreditou que rugas eram coisas para as outras pessoas. Não para ela. Isso jamais aconteceria a ela. Não tão cedo. Nunca.

Certo que eram apenas finíssimas linhas que nem sequer eram percebidas por quem a via de fora, mas a imagem no espelho refletia todos os pavores de Zara em duas crateras do tamanho do Grand Canyon que dividiam agora sua testa!

— Eu não tenho nem 30 ainda!

Faltavam 5 meses.

Mas agora, aos 29 anos, já estava velha demais para qualquer coisa. 29 anos e desempregada. 29 anos e morando com os pais em Connersville. 29 anos e enrugada como um maracujá. 29 anos e nem sequer um namoradinho para exibir para as tias nos churrascos de família. Inaceitável.

Com uma imagem distorcida e um errôneo senso de si, em adição ao desmoronar de seus planos e a lembrança de que guardou uma tesoura na segunda gaveta do banheiro, vinda da única caixa que desfez, Zara Monroe se deparou com a mais profunda questão humana:

— E se eu cortar a franja?

(...)




O sol banhava o campo com seus últimos raios alaranjados quando estacionou o carro de seu pai em frente ao famoso bar que, aparentemente, o filho da vizinha recomendou e sua mãe semeou a ideia na mente de Zara.

Importante salientar que levara 45 minutos para fazer um trajeto de 20. Em parte por ter perdido a entrada que leva ao estabelecimento, localizado aos arredores da cidade — entre o meio do nada e a Fazenda Hopkins, onde Judas perdeu as meias. Em parte porque, desde que se mudara para Nova York aos 18 anos, Zara nunca mais tinha dirigido um carro, andava apenas de metrô, o que não existia em Connersville. Talvez em lugar nenhum em Indiana.

Agora o céu já estava escuro, o estacionamento surpreendentemente cheio, o letreiro neon com o nome L.U.R.K na fachada do bar refletindo sobre seu rosto enquanto Zara insistentemente penteava sua nova franja com os dedos, tentando domá-la da melhor forma.

— Merda.

Suspirou, tentando fazer as pazes com o fato de que cortou, sem querer, uma franja cortininha em vez da estilosa franja de lado que todo mundo que é alguém estava usando.

Fechou a pala do motorista, guardou seu gloss labial e seu BlackBerry cravejado em strass na bolsa e se retirou do carro num ímpeto de coragem.

E lá ia ela, em direção ao bar mais badalado… de Connersville. Trajando seu mini vestido Ralph Lauren de paetês dourados, meia calça preta e suas fiéis ankle boots rosa choque, seus olhos pretos esfumados mostravam que Zara Monroe não estava para brincadeira quando o assunto era estilo! Você a podia vencer nos quesitos carreira, sucesso, quantidade de amigos e vida amorosa, mas no estilo? Não tinha para ninguém!

Marchava com seus saltos agulha na grama não asfaltada do exterior da L.U.R.K. como se estivesse indo para mais uma balada no SoHo.

— Ai!

Tudo bem, foi só um tropeço. Acontecia quando se usa salto agulha na terra, ele inevitavelmente afundava. Como era que as mulheres andavam aqui? Caramba, eles precisavam mesmo reformar esse lugar. Mas tudo bem! Se as modelos da Victoria Secret conseguiam seguir após tropeços e problemas com os saltos, Zara Monroe também conseguiria!

Com um mindset renovado, distribuiu o peso do corpo para a ponta dos pés e finalizou o caminho até as portas de entrada, pronta para o que quer que a noite a trouxesse! Podia não ser Nova York, mas a festa não começava até ela chegar, onde quer que Monroe fosse, a diversão seguia, certo?!

— Meu Deus — Zara sussurrou baixinho para si mesma ao se deparar com o ambiente.

Esperava um pub requintado, meio rústico, mas ainda sim moderno. Pensou que a localização se devia ao fato de buscarem uma clientela mais exclusiva e exótica… Encontrou um bar nada glamuroso, pisos de madeira desgastados e uma penca de pessoas vestidas de calça jeans e camiseta.

Não havia ninguém vestido como ela.

Olharam-na com estranhamento.

Zara se sentiu pequena, mesmo com seus saltos enormes.

Não se identificava nem sequer se encaixava em sua própria cidade natal. Sentia que estava regressando todo o progresso que havia conquistado durante os quase doze anos fora de Connersville.

Doze anos. Não era mais a adolescente que nasceu aqui. Sentia-se velha demais para recomeçar. Não sabia o que fazer.

Sentou-se no banco alto em frente ao balcão, o barulho da alça de corrente de sua bolsa soando alto demais, o que chamou a atenção do bartender.

— Um Cosmo, por favor — pediu. Era tudo o que precisava, sua bebida preferida para a distrair um pouco.

O rapaz, que enxugava um copo com um pano de prato, cerrou os olhos com o pedido.

— Tem certeza que está no lugar certo? — perguntou o bartender.

Não. Definitivamente não.

— Pode ser um Blue Hawaii, então.

Ele esboçou um sorrisinho e soltou uma risadinha.

— Moça, nós temos cerveja ou chope. Qual vai querer?

Zara suspirou. É claro. Já devia saber.

— Alguma chance de ter cerveja de cereja…?

O barman sorriu e balançou a cabeça, logo enchendo um copo com cerveja comum e pondo a frente dela.

— Quer um caviar para acompanhar?

Zara rolou os olhos, mas agradeceu pela bebida. O rapaz foi atender outros clientes e a deixou lá para chorar suas pitangas em paz.

E que gosto horrível era esse?! Bleh!

Tendo prometido a si mesma que sairia e aproveitaria a noite, viu-se sem muita opção além de ficar e tomar esse copo inteiro… muito divertido, mesmo. Fisgou seu BlackBerry dentro da bolsa.

Havia poucas coisas em que Zara se achava realmente boa. A velocidade em que conseguia digitar um SMS no teclado do celular era uma delas.


Para: Clara Monroe

Mãe, esse bar é muito mequetrefe. Acho que o bingo da igreja é possivelmente mais divertido.


Para: Robin Bennet

Oi, Robs, alguma chance de você estar livre essa noite? Estou na cidade >-<


Ai! Essas carinhas com símbolos gráficos eram tão ridículas. Nota para a Zara de 30 anos: pare de usar carinhas nas suas mensagens, pensou.

Outro pensamento que teve era se Robin, sua amiga de escola, iria querer a rever… ela era a única com quem mantinha contato, mas “manter contato” é um termo muito forte. Respondia alguns SMSs que chegavam em raras ocasiões, deixou um depoimento no orkut dela uma vez… Robin a mandava algumas bandas que encontrava no MySpace para Zara e elas conversavam no MSN vez ou outra.

Tomou mais um gole daquela cerveja. Odiou o gosto. Fingiu costume.

O bar começou a encher mais.

O celular vibrou com um novo SMS.


Robin Bennet: “você está em Connersville?! aaaaah *-*”

Robin: “meu Deus, não acredito! Quanto tempo vai ficar? E sim, estou livre, totalmente livre lol”

Robin Bennet: “so dizer onde e que horas”


Zara sorriu. Abertamente. Finalmente um sentimento quentinho em seu peito.


Para: Robin Bennet

Conhece o LURK? O bar na saída da cidade? Já estou aqui, quando quiser/puder vir…


Assim que Zara apertou o botão enviar em seu SMS, um barulho estrondoso soou atrás dela, fazendo-a imediatamente se virar para ver o que era.

Tratava-se de… música ao vivo. E não era das melhores.

(...)




Uma banda de quatro integrantes se dispunha no pequeno palco improvisado do bar, que na verdade era apenas um tablado de pallets sobreposto por tapumes como piso e vários tapetes velhos, daqueles com cara de anos 70, cobrindo tudo. Até que o conjunto da obra dava uma vibe underground e, se fosse em Nova York, as pessoas iriam engolir tudo aquilo e dizer “que sabor!”, falando por aí que era algo super exclusivo e rústico, tornando o lugar 3 vezes mais caro.

O problema mesmo era que, pelo trepidar do baixo já na introdução da música, sabia que era metal ou algo do tipo. Algo que não era pop. amava música pop. Até country ela apreciava de vez em quando. Mas rock? Não. Aí já era demais… Mas quando o vocalista finalmente se virou para o público nas mesas, seu coração errou uma batida.

Ele era bonito. Muito bonito. Cabelos escuros e ondulados, um pouco longos, nada daquele descolorido espetado com gel que os caras estão usando. Seus olhos castanhos brilhavam como os de um cervo frente aos faróis do carro. Um corpo esguio adornado por roupas escuras e largas à la Kurt Cobain.

ficou paralisada. Ele era familiar, de alguma forma.

E por um lapso momento, ele a viu também.

E sorriu.

E exibiu as covinhas mais lindas do mundo para a . Ele tinha o sorriso juvenil que ela gostava num homem…

Ai, meu Deus, aquele é o…? — pensou alto e logo desviou o olhar, focando em seu drink. Até deu um gole maior do que o que poderia engolir. Engasgou e tossiu. Ergueu os braços para lidar com o engasgo.

O rapaz sorriu mais abertamente e soltou uma das mãos de sua guitarra por um segundo para acenar de volta, sem que isso sequer comprometesse a música. Impressionante.

Mas, espera, ele pensou que estava acenando? FRUTA QUE PARTIU! Se esconde, ! Vira de volta pro balcão! Finja que nada aconteceu e que você não o conhece! Finja que você não está sentindo uma revoada de borboletas se agitarem em seu estômago!

Ai, baralho, estava agindo como uma adolescente! Se controla!

Mas ele acenou mesmo? Ele lembrava dela? Até que foi fofo…

Não! Se controla, não era como se ele lembrasse. Ele só pensou que você estava amando a música. Pff, era o que faltava! Monroe, de coordenadora de marketing de uma grande empresa na metrópole mais cosmopolita do mundo à groupie de uma banda amadora de… emo? Quem vai saber o gênero disso que estavam tocando. Pop é que não era.

Quando a primeira música terminou, já havia um impressionante público de umas 15 pessoas e 5 bêbados agrupados em frente ao pequeno plateau aplaudindo e curtindo a performance. Parecia que eram populares por aqui. Bom, na medida do possível para uma cidade como Connersville.

O vocalista fez um gesto com as mãos para a banda, que parou o set. Ele então aproximou a boca ao microfone e, com um sorrisinho ao canto dos lábios, começou a falar:

— Temos a casa cheia hoje, rostos familiares. É muito gratificante pra gente ver vocês voltando toda quinta, pessoal, obrigado…

Os olhos do rapaz vagaram pelo estabelecimento e pararam direto na figura de , sentada ao balcão pastoreando o copo de cerveja em suas mãos. Ela enrubesceu.

— E hoje temos a presença ilustre da filha pródiga de Connersville, diretamente de Nova York, Monroe!

Ai, meu Deus… Ai. Meu. Deus!

— Ai, meu Deus — disse num suspiro que escapou de seus lábios.

A multidão de 20 pessoas toda se virou para ela, aplaudindo.

Ela ficou embasbacada, sem saber para quem olhar ou o que fazer com as mãos. Tal qual quando lhe cantavam feliz aniversário ao redor do bolo.

Queria se esconder dele, mas ao mesmo tempo… havia um sentimento quentinho aflorando rápido pelo seu peito, o sentimento de ter encontrado seus olhos de cervo brilhantes no meio da multidão.

— Nós somos o Estrela Decadente, a próxima música se chama Sex On Fire, se conhecerem, sintam-se livres para cantar junto. Esperamos que se divirtam essa noite.

O set seguiu, as pessoas voltaram a olhar para a banda, a cerveja nas mãos de esquentou intocada enquanto ela se aproximava de uma peculiar ruga no tempo que quase nunca acontece fora dos filmes.

(...)



estava nervosa. Suas mãos suavam e o coração palpitava. Só podia estar doente. Uma crise aguda de “adolescentitis au trenta”. Vinte e nove!

A banda se despedia no palco.

— Se vocês curtiram, façam barulho para o senhor Brendon na bateria! — O vocalista apontou para o outro, agia como se estivesse performando para o Madison Square Garden mesmo tendo um público de… aproximadamente 9 pessoas e 11 bêbados.

— Nate na segunda guitarra! E não poderia faltar, é claro, nosso baixista, o animal selvagem, Johnny!

A plateia riu e aplaudiu enquanto Johnny mostrou o dedo do meio para o vocalista barra guitarrista a frente da banda.

— Nós fomos o Estrela Decadente, tenham uma boa noite, pessoal.

Gritos e aplausos. E um gritinho agudo.

Um gritinho agudo vindo de , que não pôde se conter.

“É, isso foi estranho, definitivamente. Vire de costas e finja que nunca aconteceu… isso. Apenas uma mulher madura e independente tomando uma cerveja, cuidando da própria vida”, monologava mentalmente.

Enquanto a banda guardava seus equipamentos, ela decidiu que seria por bem se fazer ocupada. Pegou seu BlackBerry, a fim de checar suas mensagens e evitar parecer muito disponível.

0 mensagens novas na caixa de SMS. Droga.

Monroe! Quem é vivo sempre aparece, não é? — Tomou um susto ao ouvir aquela voz aveludada soar tão perto de seus ouvidos, acompanhada por aquelas covinhas. Aquelas malditas covinhas. Nas covinhas em que ela seria enterrada agora mesmo, pois parecia estar tendo um treco.

Sua mente entrou em curto circuito por um momento e ficou ali apenas encarando o moçoilo, nadando nas profundezas de seus olhos castanhos, abrindo e fechando a boca na esperança de que algum som saísse… nada.

Ele coçou a nuca e fez uma carinha de cachorro caído do caminhão de mudança.

— Ai, caramba, você não lembra de mim, né? Acho que acabei de fazer o maior papel de bobo ali no palco, você não faz a menor ideia de quem eu-

— Eu lembro de você, . — O que era isso? Palavras? Saindo pela boca de ? Que novidade! — O garoto com o nome mais pretensioso do colégio, como esquecer?

sorriu e logo tomou o banco ao lado de no balcão, completamente de frente para ela. sempre teve mesmo esse hábito de tomar espaço aonde quer que fosse, mas de uma maneira que contraditoriamente era o oposto de sufocante.

— Ei, não tenho culpa de ter dois hippies como pais. — fez graça e apenas soltou um arzinho pelo nariz, não queria dar muita moral para ele. Apesar de que, internamente, seu coração palpitava tanto que ela quase o podia escutar.

— Justo. Eu é que estou surpresa por você se lembrar de mim, .

— Como assim? Nós íamos à mesma escola. Lembro até a primeira vez que te vi, se quer saber!

deu uma risadinha sarcástica, seus trinta anos, erm, vinte e nove e alguns meses, deram-lhe muita experiência com papo de truqueiro, homens sempre vão inventar qualquer coisa para ganhar atenção.

— É sério! — contestou, com um sorrisinho meio tímido.

— Foi há mais de uma década, .

— E daí?

semicerrou seus olhos, encarando-o.

— Tá bem, vou fingir que acredito. Me conta aí da primeira vez que você me viu, .

Ele sorriu abertamente, iria gostar muito de provar que ela estava errada.

Então inclinou-se para ainda mais perto de , como se ela já não estivesse se derretendo o suficiente por trás da fachada de inalcançável.

— ...Cadê seus óculos?

arqueou as sobrancelhas e sorriu, surpresa por ele se lembrar desse fato sobre ela.

— O quê…?

— É que você usava aqueles óculos de grau redondos e imensos. — franziu o nariz, pensando logo que ele estava tentando dar uma de engraçado, como se não bastassem os anos de bullying no colégio. — Era a coisa mais fofa do mundo! E, na primeira vez que te vi, você estava cuidando daquele seu bichinho digital… tamagotchi! Você era obcecada por aquele bagulho. Acho que tava alimentando ele ou sei lá quando esbarrou em mim no corredor da escola, enquanto eu estava pegando uns livros no armário. Seus óculos caíram no chão e eu-”

— Se abaixou pra pegar — o interrompeu, falando baixinho. Ela não pensava nisso há eras. Mas de repente a lembrança voltou para sua mente como a cena de um filme. — Eu uso lentes agora. Como você lembra disso?!

sorriu e olhou para baixo, coçando a nuca de novo.

— É que eu tinha a maior quedinha por você no colégio.




… O quê?



— O que está bebendo?

Como ele poderia ter dito isso e seguido a conversa como se não fosse nada? Honestamente, a mente de ficou em branco. Nem sequer um único pensamento atravessava aquela cabeça oca.

— Hum… cerveja.

— Sério? Achei que a grande maçã teria te corrompido para gostar de drinks coloridos e elaborados.

enrubesceu levemente. Acertou, . Ela era mesmo uma garota excêntrica que gostava de drinks coloridos em pubs chiques, que tinham gosto de fruta e não de diesel de caminhão, como parecia ser a preferência local no condado.

— Você me pegou nessa, não vou mentir. Nunca gostei de cerveja, não passei pela fase em que todo mundo se forçava a beber isso até acostumar com o gosto amargo e rançoso e começar a achar bom.

— Ah, isso é porque não éramos tão próximos, não pude te corromper — brincou com um sorrisinho encantador ao canto dos lábios.

E, caramba, como ela queria ter sido corrompida por ele! … De uma forma totalmente legal e inocente, é claro. Não que ela estivesse pensando em como seria ter perdido com a sua…deixa pra lá.

— É, ha ha… — Forçou uma risadinha obviamente falsa enquanto se levantou e cruzou o balcão do bar. — O que está fazendo?

Ele apenas sorriu e pegou um copo, gelo e uma garrafa de whisky.

— Qual é, , está mesmo assaltando o bar? — olhava para o barman, com medo de que os expulsasse dali. Não queria ser cúmplice.

— Bom ver que você ainda é a garota certinha que eu conhecia. — falou sem um pingo de sarcasmo em sua voz. rolou os olhos. — Relaxa, eu sou o dono.

Okay, agora ela estava se sentindo uma boba. E isso estava explícito em seu rosto.

a encarou e deu uma risada. E a risada dele era contagiante. Fez ela rir de leve. Só um pouco.

— É brincadeira. Eu trabalho aqui.

— É um músico profissional? — perguntou com um pouco de surpresa. O gênero da banda dele não era lá muito popular, principalmente numa cidade altamente antiquada e cristã como Connersville.

— Ai! Esse choque na sua voz me machuca, . — Franziu o nariz e pôs a mão sobre o peito como se tivesse sido afetado com um golpe forte.

riu e esticou a mão para tocar o braço dele de forma intuitiva.

— Desculpa! Não foi o que eu quis dizer.

olhou para a mão dela o tocando e esboçou um sorriso de canto, pondo o copo com whisky à frente dela e se encostando no balcão, apoiando seus braços sobre a superfície e a encarando bem de perto.

— Está tudo bem, você está certa, princesa. Eu não sou pago pra tocar aqui. Sou bartender cinco dias na semana e no sexto a proprietária deixa nossa banda performar. Acho que ela tem dó da gente.

revirou os olhos de novo, com um sorrisinho, afastando sua mão. Não pôde deixar de notar que a forma com que proferia a palavra “princesa” soava meio… afetuosa, em vez de ambiciosa.

— E o que é isso? — Olhou para o copo de bebida.

— Bom, nunca é tarde para te corromper. Posso ter perdido a fase de te incentivar a gostar de cerveja, mas acho que estamos em tempo ainda para adquirir gosto para a bebida dos adultos.

— Whisky é definitivamente uma bebida de velhos.

riu.

— Temos trinta anos, já é hora de você começar a apreciar.

— Eu não tenho trinta!

— Oh, entendi. Está na fase de negação, acontece — provocou.

— Não estou nada! Estou pleníssima curtindo meus vinte anos.

— Vinte e muitos anos.

— Ei! Vinte e nove não é trinta!

— Ah, então você ainda não completou. Faz sentido, você era mesmo adiantada na escola, não é? Bom, o resto de nós já passou por essa bobeira e sobreviveu.

— O resto de nós quer dizer você, que era repetente. Duas vezes repetente.

— E isso você não podia ter esquecido, princesa? — riu.

— Claro que não! Os professores sempre me faziam ser sua monitora!

— Sobre isso… — Ele fez o lance de coçar a nuca de novo. A este ponto, já soube reconhecer que significava que estava tímido ou envergonhado. — ... Eu posso ou não ter pedido pros professores para te delegarem como minha monitora. Enfim, beba logo!

arregalou os olhos. Mais uma informação que ele jogava e fazia seu coração parar, só para seguir mudando de assunto como se não fosse nada.

— Como assim você pediu pros professores?

— Eu sou um cara muito persuasivo, não tenho culpa. — Deu de ombros, com uma risadinha.

!

— Te falei que tinha uma quedinha enorme por você. E na minha mente estúpida, essa era uma ótima forma de te fazer passar um tempo comigo e me aproximar… mas você era tão focada nos estudos, sempre a melhor da classe, sempre falando sobre a bolsa que queria na Universidade de Nova York. Até me fez querer me formar também. Só passei em biologia por sua causa, por incrível que pareça, eu prestava muita atenção no que você falava.

— Uau. Por essa eu não esperava. Sempre achei que você não dava a mínima e só se encontrava comigo para estudar por ter sido obrigado pelos professores, tal qual eu fui.

deu uma risadinha sem graça. Não fossem as placas decorativas em neon na parede do bar refletindo em seu rosto, teria notado o leve teor rosado em suas bochechas.

— Vai beber ou não? Se deixar o gelo derreter, vai ficar aguado e estranho. Aproveite, é por conta da casa.

— E você pode dar bebidas por conta da casa pros outros?

— Se você não contar pra ninguém, sim.

riu e tomou o copo em mãos, decidindo experimentar.

Levou à boca e deu um golinho bem pequeno, só para ver de qual é.

E era horrível. Mas fingiu costume porque intimamente queria impressionar .

— É realmente… uma coisa especial.

— Você odiou, ne? — riu, tomando o copo das mãos dela, seus dedos roçando pelos de por um momento antes que ele os afastasse e tomasse um belo gole da bebida.

— Aham. É podre. Eu realmente duvido que alguém goste disso, na minha cabeça, os homens só tomam para se fazer de machões, tipo olha pra mim, eu adoro coisas que queimam meu esôfago, eu sou perigoso!” — Fez uma voz mais grave, tentando personificar a ideia.

— Essa é sua imitação de mim?

— Não, é minha voz genérica para homens.

— Muito verossímil. Nós soamos exatamente assim.

— Eu sei, é um dom que eu tenho.

A troca de implicâncias e ironias brincalhonas fluía tão bem entre eles que fazia se sentir muito confortável, adorava isso. parecia ter o mesmo senso de humor, correspondia de forma natural a exata energia que ela trazia para a conversa.

— Mas, e aí, agora que admitiu que só se formou graças a mim… me conta o que você fez com seu diploma? — ela perguntou. Queria saber mais sobre a vida de na década que se correu.

ergueu a sobrancelha, curioso.

— Como assim ‘o que fiz com o diploma’?

— Ah, você sabe… faculdade, carreira, coisas que sucedem a formatura do ensino médio.

— Bom, eu guardei ele num envelope e botei dentro de uma gaveta.

revirou os olhos e riu. Ele adorava fazer ela rir.

— Mas respondendo a sua pergunta, eu não fiz faculdade.

— Como não? — Ela fez uma careta, confusa. A ideia de não ter um ensino superior lhe parecia tão estranha, na idade deles, já deviam ter um plano para o resto da vida.

— Não sei — deu de ombros, casualmente —, ainda estou tentando descobrir o que quero.

— Então você seguiu o caminho da maioria dos habitantes de Connersville, né? Casamento, filhos, uma vida pacata… — indagou, apesar de que a ideia de ser comprometido a incomodava, por algum motivo.

— Se essa é sua forma sorrateira de perguntar se tenho alguém, a resposta é não, princesa. — Sorriu de forma marota, tomando mais um gole da bebida e então oferecendo o copo à . — Acha mesmo que só existem essas duas opções? Você deve obrigatoriamente ter sucesso nos relacionamentos ou na carreira, ou em ambos, quando chega aos trinta anos?

— Bom… sim — respondeu como se fosse óbvio, tomando o copo em mãos. — É o esperado.

— Posso perguntar por que você tem tanta pressa, se a linha de chegada é literalmente a morte?

bufou e balançou minimamente a cabeça, tomando um gole de whisky. Ele não podia estar falando sério, podia? Aquilo era ridículo.

— Então você não faz nada? Só senta e observa a vida passar? — Não pôde evitar ser um pouco rude, o que só percebeu depois das palavras deixarem sua boca.

— Ei! Não foi o que eu disse. Mas cada um tem seu tempo e nem todos querem as mesmas coisas.

— E o que você quer?

— No momento? Conseguir pagar as contas do mês. Não me entenda mal, eu tenho sonhos e ambições, ainda estou tentando fazer o lance da música dar certo…

— E por que não leva isso a sério? — Novamente, não pôde evitar a forma com que falou. Para sua sorte, não levava para o lado pessoal e até soltou um arzinho pelo nariz, achava a sinceridade de bastante intrigante.

— Não estou levando a sério?

— Qual é, se estivesse, você não tocaria num lugar como esse aqui.

— E onde eu deveria tocar? No MSG?

— Sim!

deu uma gargalhada.

— Obrigado pela confiança, princesa, mas não é tão fácil.

— Eu não quis dizer imediatamente, óbvio! Mas precisa buscar um público maior, sair dessa bolha estéril de Connersville! Já ao menos tentou o MySpace?

— O que é My Space? — Tomou o copo de volta, seus dedos sempre se tocando durante essas trocas. — E não monopolize se não vai beber. — Tomou um bom gole.

— Como você não sabe o que é MySpace, ?!

— É uma dessas coisas de internet?

deu uma risada sarcástica. Sendo da área do marketing, tecnologias da informação eram literalmente seu trabalho.

— Sim, é uma dessas coisas de internet. Qual é, estamos em 2008, se atualiza!

— Eu não estou na internet, .

— Ninguém está na internet, . É um espaço virtual que as pessoas utilizam. Enfim, o MySpace está cheio de bandas que conquistam um grupo de fãs através da rede.

— É mesmo? Que incrível! — fingiu interesse, de forma sarcástica, mas não captou.

— Sim, e você e o Estrela Cadente poderiam fazer sucesso se você ao menos tentasse fazer algo da sua vida.

— Estrela Decadente.

— Tanto faz.

riu e tomou o restante da bebida de uma vez, logo se virando para servir a si mesmo um refil.

— Olha, princesa, como eu te falei antes, cada um tem seu tempo para as coisas e a vida não devia ser uma corrida. Eu ainda estou resolvendo a minha.

— Você tem trinta anos, , pelo amor de Deus.

— Sim. Mas não é porque a sociedade te diz que aos 30 você deve ter feito todas essas coisas que a realidade vai ser essa. Há coisas que fogem do nosso controle.

— Tipo o quê?

A esta altura, já estava julgando o rapaz fortemente. Seria um cara preguiçoso, sem ambições, folgado, que se contentava em trabalhar como bartender para pegar mulheres e festejar toda noite?



— Eu não sei. — Deu de ombros. — Tem o fato de eu ter tido uma infância terrível, por exemplo.

— Todo mundo tem traumas de infância.

— É verdade. Mas você deve concordar que ter tido uma mãe que morreu quando você tinha 4 anos e um pai que te abandonou aos 6 te coloca em certa desvantagem, não?

sentiu o sangue fugir de seu rosto.

— E sim, eu tenho trinta anos e não fiz uma faculdade, mas também tenho um tio idoso que cuidou de mim a vida inteira e agora precisa de cuidados meus. Não tenho um apartamento chique e nunca saí de Indiana, o que eu tenho é um trailer velho que precisa de reparos constantes e um emprego que paga muito mal, mas foi o melhor que consegui até hoje, e eu ainda posso fazer o que eu amo, tocar minhas músicas toda quinta feira naquele palco que os donos do bar me permitiram fazer bem ali. Então, não, princesa, nem todos recebem as mesmas cartas no início desse jogo para que cheguem ao mesmo ponto quando chegam aos trinta. E honestamente, não tem nada de errado com isso, cada um tem seu caminho e essa besteira dos trinta anos só faz sentido na sua cabecinha dura de garota mimada.

ficou branca. Aquele sim era um choque de realidade dos bons. Um que ela precisava ter, nessa crise de meia idade. Ou crise de um terço de idade, visto que a expectativa de vida de um ser humano comum é de uns 80 anos pelo menos.

Ela não sabia mais o que dizer. Estava envergonhada. Não devia ter julgado ou ter proferido tantas alfinetadas… Talvez ela estivesse descontando em coisas que estava, em verdade, julgando em si mesma.

teve cartas muito melhores que as dele. Tinha pais amorosos, cresceu numa boa casa, nunca passou necessidades graves, conseguiu uma bolsa na universidade de seus sonhos, o que possibilitou que seus pais pudessem pagar por seu ensino superior; dentro da faculdade, já lhe foi ofertada uma vaga de estágio na empresa em que trabalhou por todos esses anos… e estava na mesma situação, no fim das contas. Desempregada, sem apartamento chique no Village, de volta ao grande estado de Indiana, sem nenhum sinal de vida amorosa sequer para compensar o resto dos infortúnios.

… E agora, pensando bem, ela se lembrava de usando roupas puídas na época da escola. Se lembrava de ir na casa humilde dele para as monitorias, naquele trailer park.

suspirou. Não sabia o que falar. Devia pedir desculpas?

tomou mais um gole do segundo copo de whisky e tornou a oferecer para ela, com um meio sorriso apaziguador.

— E o que você fez com o seu diploma chique de faculdade? Aposto que pendurou na parede da sala, onde todos possam ver.

riu e enrubesceu, pegando o copo como uma oferta de escape da saia justa que ela mesma havia criado. Tomou um gole, ainda odiando o gosto.

Na verdade, sim, ela havia feito exatamente isso. Orgulhava-se de suas conquistas acadêmicas, afinal, dedicara sua vida para isso em detrimento de outros pontos, como amor.

— Ai, meu Deus! Você totalmente fez isso, não fez?

— Culpada...

gargalhou. riu também, amando o som da risada dele.



— Mas então… quanto tempo vai ficar na cidade? — perguntou despretensiosamente.

— Eu não sei. Umas duas ou três semanas… — disse ela, esperançosa de que conseguiria logo um emprego para retomar a vida que tinha, e sem querer contar de cara todas as pitangas que tinha para chorar. Não queria parecer uma fracassada.

— Nossa, você deve ser muito importante para te darem férias assim, até quando quiser — falou, com um semblante impressionado.

É, gostavam tanto que a demitiram sem pensar duas vezes.

— Ah, é, eu sou a maioral lá. Sério, aquela empresa não duraria dois meses sem mim! — mentiu. Mas por quê?! Por que está mentindo?!

Ah, é. Não queria chorar suas pitangas. Queria que a visse como uma mulher bem sucedida, forte e independente, com tudo absolutamente resolvido.

sorriu, inclinando-se contra o balcão para a encarar bem de perto.

— Você é o máximo, sabia?

— Eu sou…?

Ele acenou com a cabeça.

— Aham. Fez o que quase ninguém nessa cidade esquecida por Deus consegue: sair daqui, seguir seus sonhos… Da nossa turma, foi a única que conseguiu escapar.

— É mesmo? — riu pelo nariz. — Aposto que você sabe como todo mundo está hoje em dia.

— Pode apostar que sei. Numa cidade ovo não há muito entretenimento além da fofoca.

— Ah, é?

— É.

Ela o encarou por um momento, ansiosa por saber mais. Mas simplesmente não prosseguiu, só tomou o copo das mãos dela e bebericou mais um pouco.

— E...?

— E eu aposto que você está doidinha pra saber detalhes suculentos sobre nossos ex colegas.

— Acertou.

sorriu, pretencioso.

— Pede com jeitinho que eu te conto.

revirou os olhos e sorriu de volta.

— Por favor…?

— Hmmm… — Fingiu contemplar.

se lembrava de ter tido essa exata interação com ele durante o ensino médio, quando pedia que ele fizesse algo ou prestasse atenção nos estudos. Era sempre “pede com jeitinho que eu penso no seu caso”. Para o que ele queria que ela prosseguisse com…

— Por favor… gatinho?

Um sorriso se alastrou pelos lábios de , as covinhas se exibindo abertamente.

— Mas é claro, meu brotinho, tudo por você!

riu e revirou os olhos de novo, puxando uma tigelinha de amendoins do balcão do bar e logo comendo alguns.

— Vamos ver… acho que vai gostar de saber que o rei e a rainha do baile de formatura, vulgo Betty e James, se casaram, se divorciaram e casaram de novo.

riu.

— Pelo visto o relacionamento chiclete segue firme e forte.

— Pois é! E a menina que James enganava ao mesmo tempo que namorava a Betty na escola, Augustine, lembra?

— Sim!

— Virou professora de artes no colégio.

— Isso é muito a cara dela! Ela merece ser feliz.

— E você lembra daquele babaca que fazia bullying com a gente? Tommy? Completamente calvo. Acho que todo o cabelo foi pras costas.

— Mentira!

— Juro!”

Ambos riram.

— Enquanto isso, eu sigo com uma cabeça inteirinha de cabelo — se vangloriou, passando a mão pelos fios. quase cuspiu um amendoim mastigado, rindo. — Deixa eu ver quem mais… ah, sua amiga Robin trabalha na vídeo locadora com ninguém menos que Drew, o reizinho da escola. E sim, ele mantém aquele topete patenteado dele até hoje.

— Então você não foi o único a se safar da calvície?

— Parece que não. Mas, se Drew perdesse o cabelo, acho que ele entraria numa crise de identidade real. O cara sempre foi conhecido por aquele topete, as garotas eram obcecadas por aquele cabelo dele.

— É verdade.

arqueou a sobrancelha.

— Como assim ‘é verdade’? — Fez uma voz fina e afetada, tentando implicar com .

— Era bonito, ué. Drew era muito bonito.

— Você também, é? Hm. Não achei que era dessas.

— Dessas o quê? — Riu.

— Que babavam pelos populares.

— Ah, pelo amor, . Drew era objetivamente bonito e também legal. Havia motivos pra todo mundo gostar dele.

— O motivo era o cabelo.

— Não era o cabelo.

— Verdade, ele também é da família mais rica daqui.

— Por que não aceita que as pessoas gostam dele porque ele é genuinamente um cara legal?

— Porque não é justo ele ser bonito, rico E legal. O universo não pode ter preferidos tão abertamente assim.

gargalhou. riu junto, levando um punhado de amendoins à boca.

— De toda forma, os populares todos envelheceram mal e viraram pais, vivem exaustos… enquanto eu e você apenas ficamos mais bonitos com o tempo. — sorriu de lado, estava flertando?

— Ah, é?

— É. — Inclinou-se mais para frente, encarando cada traço no rosto de .

Atreveu-se a esticar a mão e gentilmente tocar a franja dela com a ponta dos dedos.

imediatamente enrubesceu. De repente, tinha dezesseis anos de novo.

E uma franja mal cortada que acabara de fazer em casa.

E linhas de expressão por trás que a franja devia esconder.

Ai, caramba, ele ia ver as rugas e ia desprezá-la!

— Você não tinha franja na escola… está linda.

Surtos internos. Ego, Superego e Id todos exprimindo gritinhos agudos em uníssono dentro da cabeça de . Coração à mil. Estômago gelado. E todos os outros sintomas que ela já não sentia desde os dezessete anos… Todos os sintomas que lembrava de sentir quando estava por perto.

— ... você gostou?

Ele acenou com a cabeça, seus olhos seguindo o movimento de seus dedos, que transpassaram os fios até as pontas do cabelo de .

— O que vai fazer depois daqui? — perguntou, enrolando o indicador por uma mecha do cabelo dela.



— Hum… Minha amiga Robin está vindo pra cá, teria que ver com ela.

— Ah…

Afastou a mão, quebrando o contato e pegando de volta o copo de whisky, com um longo gole.

— E você?

Deu de ombros.

— Nada demais. Geralmente eu e os caras da banda… — Cortou a si mesmo antes de terminar.

— O quê?

— Você vai achar que sou ainda mais imaturo do que já acha.

— Ah, qual é! — forçou.

— Geralmente, nós vamos pra casa do Brendon e jogamos videogame ou vemos um filme. Que 80% das vezes é American Pie, o que eu devo dizer que não endosso, os caras têm um péssimo gosto para cinema.

— Nossa.

— Eu avisei. — soltou uma risadinha pelo nariz.

— Não, é que… achei que vocês faziam outras coisas. Você sabe… encher a cara, substâncias ilícitas, mulheres.

— Quê? — riu. — Acha que sou moleque piranha?

— Bom… talvez? Você é bonito e-

— Obrigado. — Ele a cortou, só para implicar e pontuar o fato que o acha bonito.

— E tem uma banda.

— Você sabe o quão impopular qualquer coisa que não seja country ou gospel é nessa cidade? A banda é um repelente de possíveis namoradas. — riu um pouco mais. — Substâncias ilícitas? Às vezes. Mulheres? Só nas raras ocasiões quando o inferno congela.

fez uma careta.

— Que substâncias ilícitas?

— Nenhuma. Vamos esquecer o que eu disse, eu sou um bocó, não dê atenção.

!

Ele suspirou.

— Você com certeza vê coisas piores nas festas de Nova York.

— Que tipo de festas você acha que eu vou? Pelo amor.

revirou os olhos.

— É só um pouco de alface do diabo uma vez a cada lua azul.

fez uma careta maior ainda, cruzando os braços.

— Está falando como um bruxo, agora.

— Não me olha assim.

— Assim como?

— Com esse narizinho franzido, eu sei que você está desapontada, mas é muito fofo.

Os cantos de seus lábios se ergueram num sorriso. Droga. Maldito e seu poder de a fazer rir!

— Não pense mal de mim, princesa. Foram só algumas vezes, não é um hábito. Prometo.

suspirou e revirou os olhos.

— Tanto faz.

— Tanto faz nada. — Ele deu um sorrisinho sabichão. — Você se importa comigo.

— Nem um pouco.

— Se importa, sim! Se importa o suficiente para se preocupar com as coisas questionáveis que eu faço!

franziu o cenho.

— Você é ridículo.

— Eu sei.

Ele tomou o resto da bebida e comeu mais alguns amendoins.

— Então, você quer ir pra casa do Brendon comigo? Você lembra dos caras, né?

olhou para trás, vendo os amigos de sentados numa das mesas, conversando, rindo e comendo aperitivos juntos, em torno dos cases de suas guitarras e baixo. Um deles batucava na mesa com duas baquetas. E ela não fazia a menor ideia de quem eram. Se os visse na rua, nem os cumprimentaria.

— Lembro, sim — mentiu.

— Então… se você quiser ir comigo… Podemos pedir comida chinesa ou algo assim.

olhava para baixo e alisava o balcão. Ele estava a chamando para sair? Tipo, sair sair? Ou era só uma saída tipo passar um tempo com os amigos? honestamente não sabia dizer.

— Mas e a Robin?

— Leva ela também.

— E se ela não quiser?

exalou o ar de seus pulmões um pouco exaurido. Conteve-se de soltar um “dane-se a Bennet, se ela tentar embaçar, nós damos perdido nela”. Acontece que, agora que reencontrou depois de uma década, findar esta noite tão cedo parece um crime hediondo. Mas entendia que ela já tinha planos com a amiga e não é nada racional desejar que os troque por ele.

— Quando ela chega?

deu de ombros. Fazia tempo que nem olhava o celular, tão entretida estava com . Fisgou-o dentro da bolsa e leu o último SMS recebido de Robin:

Robin Bennet: “Desculpa, , tive que fazer hora extra no trabalho para cobrir um amigo. Estou me arrumando agora :P”

— Não sei ao certo. Logo.

acenou com a cabeça.

— Posso te perguntar uma coisa? — Fitou-a meio receoso.

— Claro.”

— Quanto eu cairia no seu conceito se eu, tipo… precisasse te deixar por uns cinco minutinhos?

franziu o cenho. Certo que ele a esteve fazendo companhia por livre e espontânea vontade, apenas um reencontro totalmente casual e não planejado. Era até bonitinho ele se preocupar em a deixar sozinha. E ele provavelmente precisava interagir com a banda, que largou para ficar com ela.

— Tá tudo bem, . Eu vou sobreviver. — Sorriu.

Ele o fez também, aliviado; tomou uma das mãos de em suas e beijou o dorso.

— Eu já volto, tá? Não sai daqui.



— Eu já volto, tá? Não sai daqui.

Ela sentiu o estômago congelar. Ainda bem que estava sentada, senão teria tropeçado agora que suas pernas pareciam macarrão.

era, para , um rasgo no tempo. Ao chegar muito perto, ele a transformava na adolescente que foi um dia. Seu corpo virava gelatina e derretia completo por ele.

Céus, era ridículo. Patético… mas também…bom. Muito bom. Fazia-a sentir aquela espécie gostosa de ansiedade dentro do peito. Aquela timidez, com as bochechas corando e lutando com todas as forças para conseguir manter contato visual em vez de se esconder. As pernas bambas e as mãos trêmulas. Aquela sensação que a fazia sentir bem consigo mesma. Sua mente vagando em devaneios e sonhos acordados com ele. Ancorava-se em cada palavra que ele dirigia a ela e em como sua voz soava ao proferi-las. Esteve rindo de suas piadas a noite toda e sentia que poderia o fazer pelo resto da vida.

Era tão excitante, tão leve… não sentia mais tais coisas depois de entrar na vida adulta. Havia escutado que não devia esperar muito do amor, depois de certa idade. Que não era nada como é nos filmes. E, em algum momento, acabou internalizando. Acabou esquecendo o quão maravilhoso era sentir seu coração cantar e palpitar por um rapaz. Acabou entrando num mundo cinzento e escuro, pouco a pouco, deixando de enxergar as cores vibrantes da infância e adolescência. Restringindo a si mesma. Domesticando sua alma dentro dos moldes que lhe impuseram como ideais.

Mas com , neste pouco tempo em sua companhia, pôde acordar uma parte de si que percebeu sentir falta. Podia ser ela mesma. O coração selvagem que fervia. Os olhos que viam tudo sob lentes cor-de-rosa. A que costumava gritar e chorar antes de aprender civilidade.

… e todas as coisas que ela poderia ter sido, caso não tivesse propositalmente negligenciado afetos pelo sonho de uma carreira que já nem sabia se tinha mais.

olhou para trás e pôde ver o momento em que pegou algo com um de seus amigos e se dirigiu para a saída do bar, sozinho.

E, se os desejos dela se tornassem realidade, aquela seria exatamente sua oportunidade de concretizar o que a adolescente nunca teve coragem de fazer nos tempos da escola.

Tomou um pouco de oxigênio e encheu-se da bravura que seus 29 anos e 7 meses de história lhe garantiram. Levantou-se de imediato, pegando sua bolsa, antes que pudesse pensar duas vezes e ter a chance de se acovardar.



Seguiu os passos que havia dado, cruzando a porta principal.

A brisa gélida da noite serena encontrou seu corpo, mas os tremores em sua espinha eram causados por algo além da temperatura.

Seus olhos encontraram a silhueta familiar de , com suas costas recostadas à parede de fachada da L.U.R.K., seus dedos próximos aos lábios, de onde um cigarro se dependia de maneira relaxada, a pequena luminescência alaranjada resplandecendo os traços delicados do rosto do rapaz — que sequer notou que estava sendo observado.

sempre teve repulsa por tabaco. Odiava o cheiro, odiava a fumaça, odiava a glamourização de Hollywood com o vício… mas não podia negar que havia algo extremamente atrativo sobre a cena. Algo que fez seus joelhos bambearem.

Andando na ponta dos pés para não afundar os saltos na grama, caminhou de encontro à .

— Então foi pra isso que me largou? — perguntou, sua voz soando logo atrás das orelhas dele.

tomou um susto e cambaleou, virando-se em direção a ela.

— Cara... — conteve-se de usar um linguajar impróprio ao perceber que era — ...mba! ! Quer me matar do coração?!

A mulher riu, e ele acabou soltando uma risada abafada também.

— Está com culpa no cartório, ?

Ele sorriu de lado.

— Meio que sim, né?

— E o que está escondendo para se assustar assim? — implicou com um sorrisinho maroto.

limpou a garganta e sinalizou com os olhos para o cigarro entre seus dedos indicador e médio.

— Ah… — logo entendeu.

suspirou.

— Se você ainda for parecida com o que era no ensino médio, não vai querer nem conversar mais comigo.

franziu o cenho, ofendida.

— Ei! Eu não julgo as pessoas!

— É mesmo? — semicerrou os olhos, como se a conhecesse melhor que ela mesma.

soltou um arzinho pelo nariz e ergueu as mãos em rendição.

— Não tanto quanto você pensa!

Ele revirou os olhos e riu.

— Eu nem posso me defender. É patético pra caral... erm, caramba.

— Você pode xingar na minha frente, , não tenho 5 anos. — sorriu, achando aquilo fofo para carambola.

— É patético pra cacete te deixar sozinha lá dentro para vir aqui fumar um cigarro barato de merda. — tragou uma vez mais.

riu pelo nariz.

— É mesmo.

intimamente adorava a forma como ela implicava com ele. Mas revirou os olhos, virando o rosto para soltar a fumaça sem que atingisse .

— Eu não pude evitar, tá bom?! Você me deixa nervoso.

sorriu feito o gato de Cheshire. Aquela informação fez seu coração saltar e seu ego inflar 40 vezes de tamanho.

Eu te deixo nervoso?!

— É óbvio!

— Por quê? — ria, sentindo-se a rainha da cocada preta.

— Porque é você, ué! Você é tão…! E eu sou tão…

, use suas palavras!

Ele grunhiu e tragou seu cigarro mais uma vez, fechando os olhos e tentando elaborar.

— Você é super inteligente, viajada e bem sucedida, você mora em Nova York e eu nunca saí desse inferno aqui. Isso pra não citar o fato de que eu tinha uma quedinha… não. Um abismo por você na escola. E aí você me aparece aqui de repente, tipo cinquenta vezes mais gostosa do que já era, e eu simplesmente entro em curto circuito e esqueço tudo o que sei sobre flertes e essas merdas!

sentiu o sangue fervilhar em todo seu corpo enquanto despejava tudo de uma vez. Percebeu que não era a única sentindo aquelas coisas.

E esta foi a maior epifania de sua vida.

Menos de um segundo depois, colou suas mãos uma em cada lado do rosto de e uniu seus lábios aos dele, sem qualquer aviso.

Naquele singelo momento, a de 16 anos e a de 30 anos eram uma só. E nenhuma delas estava preparada para a forma que reagiria.

Ele descartou o cigarro no chão e o apagou com a sola de seu coturno, para dedicar sua completa atenção a ela.

Suas mãos logo encontraram a cintura de , girando-a num hábil movimento, suas costas encostando contra a parede enquanto o corpo quente de a pressionava, sua língua gentilmente pedindo passagem para aprofundar o beijo. Um pedido que foi prontamente atendido, enquanto inevitavelmente gemeu contra a boca de .

O beijo corria num ritmo suave e delirante que fazia o corpo de esquentar terrivelmente.

E quando mordiscou o lábio inferior dela, puxando-o minimamente enquanto sua mão esquerda encontrou a nuca de , ela podia sentir o próprio corpo derreter.

era muito habilidoso. Muito melhor do que ela poderia ter fantasiado. A química entre eles era palpável e densa, tanto que até quase esqueciam que estavam num local público — escuro e vazio, mas ainda público.

Os dedos dele se entrelaçaram pelos cabelos de e puxaram a cabeça dela para o lado, conferindo o ângulo ideal para ter acesso ao seu pescoço. Seus lábios logo encontraram a pele sensível dela, deixando uma trilha de beijos quentes e brandas mordidas, estimulando uma sensação extremamente prazerosa no corpo da mulher, que agora gritava por mais.

temia que pudesse se afogar naquele oceano de sensações deliciosas advindas das águas dele por toda a noite. Receava estar embarcando num mar aberto sem salva-vidas. E, mais que tudo, temia aquela voz lá no fundo de sua mente, em seu local mais íntimo, que dizia que nenhum outro beijo em sua vida, passado, presente e futuro, jamais se igualaria a este.

Suas mãos exploravam as costas dele, seus dedos fincando-se como se precisasse se agarrar à própria vida. Sua perna direita se enroscando na dele e se erguendo até a altura dos quadris, o que rapidamente aprovou, aproveitando para alocar uma das mãos ali, que foi viajando e a acariciando desde o joelho até a parte externa da coxa e atravessou a barra de seu vestido pouco mais adentro.

Ela suspirou enquanto apertou sua coxa ao mesmo tempo em que chupava seu pescoço sem nenhum pudor, com ânsia de reivindicar um souvenir deste momento na pele dela.

A mistura de dor e prazer deixaram a respiração de pesada e ofegante, o que foi logo notado por , que sorriu malandro enquanto deixava um beijinho delicado sobre a pele sensibilizada que acabara de machucar.

Ela tremeu.

E ele sentiu.

Podia sentir todo o calor emanando do corpo dela, cada reação que a causava, e aquilo lhe dava mais dopamina que qualquer droga que já tenha experimentado.

Grande foi sua surpresa quando ouviu a voz dela falando:

— Quer ir pro meu carro?

a encarou e mordeu os próprios lábios, como se tivesse acabado de fazer a pergunta mais difícil de sua vida.

— Não me dê ideias, princesa, eu não posso…

Ele falou de forma sussurrada e contida, como se quisesse ele mesmo se dar um chute por recusar uma proposta daquelas.

— Por que não? — questionou, decepcionada, seu coração gelando no mesmo momento por ser rejeitada.

— Não posso.

balançou a cabeça e logo se curvou de volta para o pescoço dela, suas mãos uma na nuca de e outra em sua costela, atrozmente próxima a seu seio.

entrava em uma guerra interna. Seu corpo queria ceder aos beijos e sorvos de . Sua mente não podia seguir adiante sem saber o porquê ele rejeitou sua oferta de irem para um local mais reservado.

As mensagens conflitantes que a enviava neste momento a estavam roendo os neurônios, até que, por fim, perguntou de novo:

— Por quê?

suspirou, findando suas carícias e afastando o rosto para a encarar.

— É que… — Afastou-se completamente agora, o corpo de imediatamente sentindo falta do contato.

deu de costas e deu alguns passos ali em frente, passando a mão pelos cabelos ansiosamente e voltando para frente de .

Ele mordeu o lábio inferior e suavemente encostou o punho contra a parede ao lado dela. Estava ansioso. E enrolando.

— É que o quê? — perguntou, sua paciência chegando ao fim.

— Tá bem… — Ele inspirou e expirou profundamente. — Lembra a quedinha que eu tinha por você na escola?”

— É, você comentou. E daí?

— Bom… é possível que… provável, na realidade… — Suspirou de novo e grunhiu, coçando a nuca e olhando pro chão.

, fala logo!

— Não era uma quedinha. Eu era completamente apaixonado por você.

o encarou com olhos arregalados, embasbacada.

— E acabei de perceber que nunca superei isso — continuou, novamente chegando perigosamente perto dela, seu polegar ousando traçar os lábios de enquanto seus olhos observavam o desenho perfeito daquele arco-do-cupido.

estava estática, num estado quase vegetativo. Poderia facilmente se camuflar à parede agora, tão petrificada se encontrava após a confissão de .

Não sabia o que pensar. Não sabia como processar aquela informação. Mal sabia o próprio nome ou lembrava de ter sido alfabetizada um dia para poder respondê-lo.

Então, beijou a pontinha do nariz dela e prosseguiu:

— Não posso ter um gostinho do que poderia ser, só pra te perder pra Nova York de novo. Eu enlouqueceria. Ou viraria um alcoólatra como meu pai. E você tem seu emprego, apartamento, sua vida toda resolvida em outro estado, logo vai voltar e se esquecer de Connersville por mais dez anos… e eu vou continuar aqui, tentando descobrir o que fazer da minha.

Ele deu um sorriso triste, seu polegar ainda traçando o contorno dos lábios de .

Ela tentou protestar, tentou mesmo! Mas a coisa toda fazia sua alma palpitar bem onde o espírito encontra os ossos.

E antes que encontrasse qualquer palavra ou que sequer um som pudesse ser balbuciado por sua boca, ambos foram surpreendidos por um barulho inesperado.

O familiar ringtone de If You Want It To Be Good Girl dos Backstreet Boys, juntamente com o vibra call ecoando dentro de sua bolsa.

deu um sorrisinho.

— Ainda fã de boybands? Isso é desvio de caráter.

— Cala a boca.

deu uma risadinha e revirou os olhos, fisgando seu BlackBerry e atendendo a ligação enquanto se afastava um passo dela.

— Oi, Robs!



! Estou quase chegando, onde você está? — perguntou a amiga ao outro lado da linha.

Eu vou te esperar bem na frente da entrada.

Tá bem! Ai, tô tão ansiosa pra te ver!

sorriu abertamente com o tom empolgado da amiga.

— Eu também, Robs!

Acho que estou te vendo!

olhou para o carro que acabara de parar na estrada frente a L.U.R.K., donde uma mulher loira de cabelos curtos descia. Robin.

O coração de ficou quentinho. Ela acenou para a amiga.

observou a cena, sentindo-se meio desapontado. Não podia evitar o desgosto de saber que seu momento com Monroe havia acabado tão rápido quanto começara, num suspiro de uma noite de primavera.

! Ah! — Robin abraçou a amiga calorosamente com a força de um urso, ambas deram pulinhos e gritinhos agudos.

Monroe não sabia, até agora, o quanto havia sentido falta de uma amiga. Uma de verdade. E, naquele abraço, parecia que nem um dia havia se passado.

— Senti tantas saudades! — falou no ouvido da amiga, sentindo seus olhos marejarem de repente.

— Eu também! — Robin concordou, soltando a amiga e limpando os próprios olhos enquanto ambas riam.

— Bennet. — acenou com a cabeça, Robin o cumprimentou de volta.

.

riu pelo nariz, enquanto Robin enganchava o braço com o dela.

— Bom, acho que essa é a minha deixa… — disse, com um sorriso contido e secretamente pesaroso.

Ainda podia ver como os lábios de estavam meio inchados após seus beijos desenfreados. Como os cabelos dela estavam bagunçados após seus dedos por ali passearem. Como seu pescoço tinha a marca perfeita de sua mordida. E como tudo aquilo a deixava incrivelmente mais atraente ainda, era quase injusto. Era uma tortura não poder continuar a beijando pelo resto da noite. Da semana. Da vida.

percebeu a forma como o olhar de protelava sobre ela… porque era o mesmo jeito com o qual ela o fitava.

— Robs, pode ir pegando uma mesa pra gente?

Bennet a encarou de rabo de olho, logo notando a química entre e .

— Claro. Te espero lá dentro, mas vê se não demora, favo de mel!

sorriu agradecida e viu Robin entrar no estabelecimento, deixando-a sozinha com de novo.

— Então…

— Então… — sorriu triste. Havia falado sério sobre não poder se permitir levar aquilo adiante. — Estive pensando, ainda podemos ser amigos, não é?

Ela sorriu abertamente.

— Eu gostaria disso.

— Espera aí… — alcançou o próprio celular no bolso traseiro de seus jeans.

E quando sua mão reapareceu, segurando aquele aparelho para lá de ultrapassado, não pôde conter um risinho.

— É sério?! Um Nokia 3310?!

revirou os olhos, entregando o celular a ela.

— Só coloca seu número aí e me deixa em paz, inferno de mulher!

gargalhou, tomando o Nokia em mãos e salvando seu número nos contatos de .

— Você realmente precisa se atualizar. Não me admira que você não use Internet, essa coisa atesta o quão careta você é. Esse troço não pode nem tocar músicas!

— Você é uma patricinha insuportável, sabia? — implicou.

— Sim. — devolveu o tijolo, erm, celular de , juntamente com seu BlackBerry cravejado em strass.

tomou o aparelho em mãos e o virou apenas para observar a decoração, com um sorrisinho.

— Onde conseguiu isso? Com a Paris Hilton, por acaso?

— Exatamente — brincou. — Só coloca seu número aí, inferno de homem!”

riu, tentando disfarçar que não fazia a menor ideia de como mexer naquela monstruosidade de aparelho celular.

— Hm…

— Não sabe nem por onde começar, né, vovô?

revirou os olhos e entregou o aparelho dela de volta.

— Eu vou te ligar. Muito mais prático.

riu, tomando seu celular enquanto usava seu Nokia para dar um toque nela. Rapidamente, ela salvou o contato.

Por um momento, o silêncio recaiu sobre eles. Nem um dos dois queria se despedir, pôr fim no que quer que aquilo fosse.

— Bom…

— Então…

suspirou.

— Te desejo toda sorte e felicidade do mundo na cidade grande… vem cá.

Ele a abraçou, puxando-a pela cintura. Era como se os corpos deles fossem duas peças de um quebra cabeça, um encaixe perfeito.

o abraçou com força, recostando a cabeça na curva do pescoço de , sentindo o cheiro dele e tentando, de todo coração, memorizar aquilo para sempre.

— Vê se volta pra visitar antes dos quarenta — sussurrou, implicante, fazendo-a rir e estapear as costas dele.


Continua...


Nota da autora: OI OI BOLADAS DO BONDE!
O capítulo doze veio aí e com ele muitas emoções. Nossa fanfic girly girl foi indicada para o Constelações de Ouro e eu quero agradecer do fundo do meu coração a todo mundo que votou por So High School na categoria Friends to Lovers. Essa é minha trope preferida e só de estar ali meu coração já ficou quentinho que nem asfalto carioca sob sol de meio dia. E nada disso teria sido possível sem vocês, leitoras. Vocês que acompanham e compraram essa estória de uma mulher de trinta anos que ainda está aprendendo sobre a vida. Vocês que comentam e também os que não comentam (apesar de que cada vez que você lê uma fanfic e não deixa um comentário, uma fada morre...). Vocês que se identificam com a ou não se identificam com ela. Vocês que queriam ter um particular. Vocês que dão tanto amor pra essa minha primeira Original publicada. Juro, não tenho palavras para agradecer! Muito muito muito muito muito obrigada. Mesmo que a gente não ganhe, ter participado disso tudo aqui com vocês, saber que tem alguém aí do outro lado da telinha abrindo esse link e dedicando um pouquinho do seu tempo a algo que eu escrevi já é o maior prêmio que eu poderia ganhar.

Neste fim de ano, mesmo que você tenha perdido o rumo e o carisma e esteja passando por uma transformação como a , saiba que tudo vai ficar bem. Tu és apenas uma crisálida e logo baterás asas.

E caso precisem, estou sempre disponível lá no @zuilalua

Desejo um ótimo fim de ano e início de um novo ciclo a todos. Que no próximo ano os ventos de leste nos soprem para nosso verdadeiro destino.

Ah, e antes que eu me esqueça, faltam só mais dois capítulos para darmos adeus a nossa casinha em Connersville 🥲 não aprendi dizer adeussss mas tenho que aceitarrrrr 🎶

Nos vemos em 2025.

Se você encontrou algum erro de codificação, entre em contato por aqui.



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