Revisada/Codificada por: Calisto
última Atualização em: 17/03/2025Levantei a cabeça da carteira, acordando de um sono digno de nota, alisei o rosto para tirar as marcas. Enquanto os grupinhos saíam rápido da sala, eu guardava as coisas que foram tiradas da mochila por motivo nenhum, já que a aula foi usada apenas para botar o sono em dia. Olhei pela janela e o sol estava alto e forte, franzi o cenho. Me levantei, coloquei uns óculos de sol, puxei um maço de paiol da mochila, escolhi um e acendi assim que saí da sala. Desci a rampa fumando e sentindo o sol queimar minha pele. Minas não tem mar, mas tem sol de litoral, pensei.
Estava na porta do departamento quando ouvi alguém me chamar:
— Oh, maluca. — Olhei e era . — Você já tem grupo pro trabalho de 431?
— Você tá ficando abusado, hein, moço — falei. — Mas eu vou fazer sozinha esse trampo aí.
— Por quê? — perguntou o intercambista.
— Porque geral juntou grupo e me largaram de fora, e como eu não tô a fim de me humilhar pra entrar em grupo nenhum, vou fazer sozinha.
— Eu tô sem grupo também — ele disse, dando um sorrisinho. — Bora fazer juntos?
— Por mim, beleza, cara — respondi, dando de ombros. — Você já tem ideia de tema?
— Ainda não, mas posso pensar sobre.
— Tranquilo então — falei.
— Vai pra onde agora? — ele perguntou, tirando os óculos de sol da mochila e colocando no rosto.
— Vou na lanchonete da piscina, tô com muita fome — respondi, apontando na direção do lugar.
— Opa! Então vou com você, tô indo pra lá também — ele disse, e eu concordei.
Saímos do departamento e fomos andando em direção à piscina. Eu havia estranhado muito o fato de ter ficado sem grupo. Ele era um dos poucos intercambistas do nosso curso, e o único que não era latino, então chamava mais atenção que os demais. Tirando isso, adiciona-se o fato de ele ser um cara muito bonito: alto, corpo atlético, olhos e cabelos levemente ondulados. Com todos esses fatores ele, rapidamente, se tornou alvo de cobiça de todes do curso, até aquelas pessoas que não se interessam por homens queriam se aproximar dele, nem que fosse só para saber como era ser um intercambista no Brasil.
Eu era o extremo contrário. Primeiro que não era intercambista, então zero fator extra pra mim. Além disso, eu, quando entrei na faculdade, era muito na minha, bem antissocial mesmo, tinha muita dificuldade de fazer amizades e puxar papo com pessoas desconhecidas. Então, por um tempo, conversava apenas com uma menina que havia feito ensino médio comigo. Porém, por ironia do destino, ela trocou de curso e de faculdade, e eu acabei ficando meio isolada. Havia, sim, pessoas com quem eu conversava na nossa sala, mas não eram meu amigos de verdade, apenas “amigos de convivência", digamos assim. Nesse contexto, eu já conhecia , já havíamos conversado algumas vezes, mas nada de muito memorável, mas ele era bem legal comigo.
e eu trocamos algumas dúzias de palavras no trajeto até a piscina, mas nada de relevante. Chegamos lá e, obviamente, a piscina estava lotada, nada mais justo devido ao calor que estava fazendo, porém, minha preocupação naquele momento não era o calor, e sim a minha fome.
Quando entramos na lanchonete, apaguei o cigarro e joguei a bituca fora, parei diante do expositor de salgados e fiquei analisando as opções, queria algo gostoso e pesado! Fiquei em dúvida entre um quibe e uma coxinha, mas por fim, a segunda opção foi a vencedora. Pedi ao atendente o salgado, fui pagar e aproveitei para reabastecer meu estoque de pirulitos.
— Você é um cara bem saudável, hein? — comentei jogando os pirulitos na mochila. havia feito uma escolha bem oposta à minha: um sanduíche natural e um suco de laranja.
— Ah, eu tento. Quero ficar em boa forma pra continuar jogando basquete — respondeu enquanto nos sentávamos em uma das mesas externas do pátio da piscina.
— Basqueteiro — comentei mais pra mim que pra ele. — Os meninos da física que gostam de jogar basquete, nunca vi.
— Verdade — ele respondeu rindo —, eu jogo com eles direto. Muito fominhas. — Eu murmurei algo em concordância, estava com a boca cheia.
— Queria jogar, mas tenho muita pouca prática — falei, limpando a oleosidade da boca. — Capaz de me machucar toda rapidão.
— Uai, se você quiser, eu posso te ajudar.
— Nhe — resmunguei. — Sei lá, a gente vê isso aí — falei dando outra mordida no meu salgado.
— Às vezes, eu esqueço desse seu ânimo todo — ele disse, rolando os olhos e bebendo o suco.
— Ah, cara, esportes não são o meu rolê, sabe? — falei. — Talvez um dia eu anime jogar com você.
— !! — Um cara, Paulo, se aproximou de nós. — Cara, não te achei no final da aula, tem uma vaga no nosso grupo, bora? — O recém chegado apenas me ignorou.
Eu havia sido ignorada propositalmente, e eu sabia disso. Paulo e eu tínhamos um péssimo histórico. Ele, quando éramos calouros, era um dos caras mais desejados do nosso ano, assim como . Paulo era um cara alto, forte, um belo sorriso e uma voz sedutora, mas não fazia nem um pouco o meu tipo — não que eu tivesse um, mas se tivesse, ele não seria parte do grupo —, eu o achava um pouco arrogante.
Então, em um belo dia, estávamos em uma festa da turma e ele pediu para ficar comigo, e eu disse não. Porém, como um belo machista que era, ele achou isso um insulto, pois como a menina mais isolada da sala não ia querer beijar aquele deus grego que ele julgava ser? Impossível! Com isso, ele me xingou de algumas coisas e depois disso passou a me difamar sempre que a situação era propícia para tal. E era esse babaca que era um dos melhores amigos de .
— Ah, cara, eu fui ao banheiro um pouquinho antes da aula acabar, voltei, já tinha todo mundo saído — explicou. — Mas eu tô de dupla com a . — Paulo fez uma caretinha suave, quase imperceptível. — Cabe dois no seu grupo?
— Ih, cara, a gente já tá em 3, faltava só tu pra fechar 4…
— Então nem rola, já tô com ela. — deu de ombros. — No próximo a gente faz, suave?
— Suave! — Paulo sentou junto com a gente e os dois começaram a trocar ideia sobre algum assunto que não era relevante.
Fiquei quietinha na minha, comendo minha coxinha. Quando acabei, pesquei um pirulito de dentro da mochila e coloquei na boca. Virei de costas pra mesa, apoiei os cotovelos no tampo da mesa e joguei a cabeça pra trás, sentindo o sol na pele. A presença de Paulo me incomodava. Peguei meu celular e comecei a mexer no instagram, para passar o tempo. Poucos minutos depois, recebi uma mensagem de uma das meninas que morava comigo:
“, tamo pensando em fazer um rock aqui hj, que cê acha?”
“Sextou, , bora que bora” respondi, animada
“Passa na distribuidora e compra umas bebidas então, depois a gente divide. Laurinha falou que vai arranjar uns paiero com aquela mina da sociais. Aí tá no esquema já”
“Suave, , vou agora. Daqui a pouco chego em casa”
— Oh, , vou ter que ir embora, depois a gente troca ideia do trabalho, tá? — falei, me levantando, agradecida por ter um pretexto para sair dali.
— Uai, mas já? Nem falamos nada ainda!
— É, mas tem tempo ainda pra isso. Preciso resolver umas paradas com as meninas lá de casa, entende? — falei, jogando um pirulito pra ele. — Depois eu te mando mensagem pra combinar tudo, pode ser?
— E eu tenho escolha?
—- Nossa, que coisa hein? Drama…
- Tá de boa, . Vai tranquila — ele disse, sorrindo. — Depois a gente se fala.
Peguei minha mochila e fui embora da lanchonete. Coloquei meus fones de ouvido e fui andando rumo à distribuidora, sem pressa nenhuma. Chegando lá, troquei uma ideia com os meninos que trabalhavam lá, que já eram conhecidos nossos, porque sempre salvavam a gente quando resolvíamos fazer uma festa assim de última hora. Comprei algumas bebidas, uns galões de água, pedi para entregarem e fui pra casa.
Quando cheguei em casa, as meninas estavam sentadas na sala, animadíssimas com a festa.
— ! — me puxou pra sentar com elas. — A deu ideia de chamar o Pedro pra ser DJ, o que você acha?
— Uai, por mim beleza! — respondi, tirando os sapatos e o óculos de sol. — Pedrão manda bem na música — comentei. — Eu comprei lá as bebidas, aproveitei e comprei água porque a nossa já tá no fim. Daí mês que vem vocês compram, pode ser?
— Pode! — disse. — Era minha vez, aí a gente troca. — Concordei com a cabeça.
— Quem vocês vão chamar? — perguntei, deitando no colo da . — Porque eu não tenho nem ideia. Ainda mais em cima da hora assim.
— Vou chamar as meninas do futsal e umas amigas do meu curso — disse.
— Vai chamar seu namorado não? — perguntei, levantando a sobrancelha. Os dois tinham uma relação... complicada.
— Ah, tô pensando sobre — disse ela, debochada.
— Ó, isso vai dar ruim, amiga, presta atenção… — alertou. — Eu vou chamar meus amigos também.
— Em resumo, vamos todas chamar os amigues — disse, levantando pra pegar um pacote de biscoito. — Cobrar 5 reais só pra cobrir os custos e bora.
— Eu vou chamar ninguém não — falei. — Tô bolada com a galera, me largaram sem grupo outra vez. — Emburrei a cara.
— Esse povo só vacila com você, hein?! — disse, passando a mão no meu cabelo. — Coisa mais chata!
— Eu nem ligo mais, eles que se lasquem — falei, dando de ombros. — Bem que vocês podiam trocar de curso… — Pensei alto.
Nós morávamos juntas desde o nosso ano de calouras. e faziam bioquímica e a fazia educação física, eu fazia arquitetura. era aquele tipo de pessoa que era impossível não amar, super alto astral, sempre tinha algum conselho bom pra dar, e sempre tava on pra beber depois da aula! , para os íntimos, era uma pessoa controversa, com ela era 8 ou 80, ame-a ou deixe-a, mas eu amava. era a mais distraída de todas nós, sempre esquecia de algo, perdia aula porque dormia demais, esquecia dia de prova e tudo mais, mas ela era uma amiga de ouro, sempre ali pra dar um carinho. Nós quatro fizemos amizade muito rápido e, sempre que dava, estávamos juntas. Elas eram meu refúgio.
— , me empresta aquele seu vestido de renda hoje? — perguntou. — Tô querendo dar uma causada.
— Empresto, amiga — disse, rindo. — Pode pegar lá no meu armário, mas devolve ele inteiro, viu? Sem selvageria!
— Até parece! — Ela fez uma cara afetada. — Sou uma anja! — completou, se levantou e foi pro meu quarto.
— Mas, hein, cê precisa se afastar dessa galera aí, . Povo mais tóxico — disse. — Eles sempre te largam de fora das coisas.
— Se eu me afastar, vou ficar isolada! — falei. — Não que eu vá me humilhar por eles, mas são os únicos que conversam comigo todo dia, acho que seria pior se ficasse sozinha sempre.
— Mas de que adianta eles ficarem com você só quando é conveniente pra eles, e quando você precisa, eles somem? — ela completou.
— Ah, , eu já sei como eles são, tô acostumada.
— Não devia! A gente não pode se acostumar a ser mal tratada! Toma rumo! — E deu um tapinha na minha testa me fazendo rir.
— Pode deixar — respondi. — Agora eu vou tomar um banho e me arrumar, tem muita coisa pra fazer hoje ainda! — Levantei do colo dela e fui me banhar.
Entrei debaixo do chuveiro e deixei a água quente me relaxar um pouco. Fiquei pensando sobre o que a tinha dito e sobre como ela estava certa, mas eu também tinha minha parcela de razão. Fiquei mórbida pensando na rejeição e afastei os pensamentos da minha mente, foquei na festa que iríamos dar e comecei a me animar. Depois de lavar meu corpo e meu cabelo, saí revigorada do chuveiro. Me sequei, coloquei uma roupa velhinha, penteei o cabelo e saí do banheiro.
As meninas já tinham começado a faxina. Ajudei a a tirar o “sofá” -- leia-se colchão e pallets — da sala e colocar no meu quarto. Depois começamos a fazer o gummy com aqueles ingredientes de qualidade duvidosa, mas ficou do jeito que a gente gostava, docinho e mortal. Lá pelas tantas, a moça do cigarro passou em casa e deixou a encomenda. Pedrão chegou logo depois e começou a preparar os seus apetrechos sonoros na mesa de jantar. e eu fizemos uma espécie de caipirinha de larga escala e posicionamos junto com os outros galões de gummy. Tudo pronto pra festa, fomos nos arrumar.
Fiquei conversando com Pedrão um tempo, para fazer sala e não largar ele sozinho lá, até as meninas terminarem de arrumar. Então fui para o quarto dar um jeito na aparência. Coloquei um short jeans, um top faixa branco, um kimono colorido e um chinelo. Sentei na escrivaninha pra fazer uma maquiagem básica quando vi que tinha uma ligação perdida no meu celular. Era do . Liguei de volta:
— Alô?
— Oi, é a — falei. — Por que me ligou? Aconteceu alguma coisa? — perguntei.
— Não, eu só queria discutir sobre o trabalho — falou do outro lado da linha.
— Você precisa perder essa mania de ligar pras pessoas — falei, colocando a ligação no viva-voz pra poder me maquiar. — Não é muito comum fazer isso aqui no Brasil.
— Eu sei. Uma hora eu acostumo. — Deu uma risadinha. — Mas, e aí, aproveitando que já estamos conversando, o que você tá pensando?
— Sei lá, pensei em fazer daquele capítulo de Habitações sociais nos anos pós monarquia — respondi enquanto passava a base no rosto. — Mas não sei se dá pano pra manga.
— Manga? O que tem a ver manga? — perguntou, confuso, e eu ri.
— É uma expressão, cara.
— Ah, entendi! Mas eu gostei do tema — animou-se. — Quer vir aqui amanhã de manhã começar?
— Sem condições — cortei. — Inclusive, vamos dar uma festinha aqui em casa hoje, se quiser, pode vir. 5 dinheirinhos só — convidei.
— Gostei da ideia, hein! Que horas começa? — perguntou.
— Ah, umas 21h, por aí — falei, terminando meu contorno. — Você sabe onde eu moro?
— Sei não.
— Te mando a localização por Whatsapp então, qualquer coisa me manda mensagem.
— Prometo que não vou ligar — brincou e eu ri. — Mais tarde eu apareço aí então! Até!
— Até. — Desliguei a ligação.
Terminei minha maquiagem, passei um perfuminho e fui para a sala encontrar o pessoal. me xingou por estar de chinelo, mas eu argumentei que eu estava dentro da minha própria casa e não ia calçar tênis (vocês não concordam comigo?), por fim ela se deu por vencida e parou de encher a paciência. Pedrão colocou um pancadão para tocar e dar uma animada nas anfitriãs. Ficamos ali dançando e conversando por um tempo até a galera começar a chegar.
A sala foi enchendo aos poucos. Estava dançando do lado do Pedrão quando meu celular vibrou.
“Tô na porta”, era
“Fala pra que eu que te chamei”, respondi.
“Okay”
Continuei dançando e bebendo até ele aparecer. Podia ter sido de boa, até que eu vejo o Paulo chegando junto com ele. Revirei os olhos. Revistei o local com os olhos até achar a .
Estava indo na direção dela quando segurou meu braço:
— Oi! Casa legal, hein? — falou, sorrindo.
— Obrigada — falei, meio seca. — As bebidas estão ao lado da porta. Sinta-se a vontade. — Apontei e saí pra falar com a .
— Chamou o intercambista, foi? — Ela já lançou a pergunta antes de eu falar qualquer coisa.
— Chamei, mas aquela bosta do Paulo veio junto. Não quero ele aqui — reclamei.
— Pede pro Pedrão pra tirar ele, uai — ela falou como se não fosse nada. — Fala que vai reembolsar todos os 5 reais dele, mas que ele não foi convidado, portanto, não vai poder ficar. — E continuou dançando tranquilamente. Não era só comigo que Paulo tinha problemas, era com a casa toda.
E como ela sugeriu, eu fiz. Fui e cochichei no ouvido do DJ o que estava rolando e pedi para que ele tirasse o cara do rolê. Ele concordou sem nem pestanejar, porque também não gostava do Paulo, e foi para perto do cara. Fiquei lá na mesa olhando a situação, com medo de dar escândalo, mas ele tinha colocado a música bem alta pra evitar isso. Era um DJ preparado, digamos. Consegui ver tentando argumentar, mas Pedrão foi incisivo e não voltou atrás. Por fim, ele escoltou o Paulo até a porta, explicou pra a situação, ela devolveu o dinheiro dele e fechou ele pra fora.
estava meio em choque, parado no meio da sala com uma cara de taxo. Pedrão voltou para onde eu estava e falou “Tudo certo, babaca expulso com sucesso”, eu ri e agradeci. Fiquei ali, dançando com ele por um tempinho, depois fui pegar uma bebida, pois meu copo havia esvaziado. Estava enchendo a caneca quando veio falar comigo.
— Por que expulsaram o cara assim? — questionou, meio bravo.
— Ninguém aqui de casa gosta dele, não era pra você ter chamado ele — falei, colocando gelo na bebida. — Convidado não tem convidado.
— Eu não sabia, qual é o problema com ele? Digo, o que rolou pra vocês não gostarem dele? — perguntou, enchendo o próprio copo.
— Tirando o fato de ele ser um completo babaca com todas as meninas que ele conhece, ele adora falar mal de mim pelas minhas costas. — Dei um gole no álcool. — Já brigou com o Pedro por conta de nada, e coisas do gênero.
— Não sabia disso — ele disse, espantado. — Ele nunca falou mal de você pra mim…
— Pra você né, anjo — falei, rolando os olhos. — Mas é basicamente isto a história.
— Desculpa pelo problema, eu não sabia — falou.
— Tá tranquilo, não foi 100% sua culpa. Só 90% — brinquei, e ele riu. — Vou te apresentar pras meninas, vem comigo. — Peguei ele pelo braço e fui apresentá-lo pras minhas amigas.
Apresentei ele pra elas, e pouco tempo depois, ele se enturmou com todo mundo e se soltou. Conversamos bastante na festa, dançamos e bebemos bastante. No final das contas, ele não deu conta de acompanhar o nosso pique e passou mal, colocamos ele no “sofá” no meu quarto, e continuamos na festa.
Quando todo mundo tinha ido embora, juntamos o lixo bem mais ou menos, trancamos tudo e fomos para nossos respectivos quartos. Quando entrei no meu, estava completamente desacordado, perda total. Coloquei um lençol por cima dele pra proteger dos pernilongos, catei meu pijama, fui ao banheiro me trocar e lavar o reboco da cara, voltei pro quarto, deitei na minha cama e apaguei.
As meninas estavam sentadas na mesa, já que o sofá estava ocupado, com cara de morte assim como eu.
— Bom dia, anjas — falei com a voz toda estranha. — Ou boa tarde, sei lá.
— Quer um café, amiga? — perguntou, e eu assenti. — Ressaca braba, bicho.
— Nem fala — respondi, pegando a xícara que ela estendia pra mim. — Lembro de pouca coisa, gente. — começou a rir loucamente. — Ih, qual foi? Me conta.
— Você não lembra que a beijou o Pedrão?! — ela revelou, e eu engasguei com o café.
— Sério?! — Olhei embasbacada pra , que estava toda vermelha. — Como que eu esqueci disso?!
— E não só beijou né, princess?! — completou a zoação. — Ele tá dormindo lá no quarto dela!
— Choque de monstro! — exclamei. — Nunca imaginaria. — E comecei a rir.
— Acontece, gente! — falou, tentando limpar a barra dela. — Deu vontade, peguei mesmo!
— Tá certa, amiga, é só gastação! — falei, me sentando. — Pedrão é tudo para todas.
Peguei um pão de queijo e fiquei ouvindo elas contarem as fofocas da noite anterior. Depois de tomarmos café, levantamos e fomos limpar a sala. Como todo lugar depois de uma boa festa, a sala estava um nojo, o chão grudento de bebida derramada, alguns lixos perdidos que não foram recolhidos antes, a mesa das bebidas toda emporcalhada... um caos. Então pegamos nosso arsenal de limpeza e começamos a batalha. Ajudei a limpar o chão enquanto as outras lavavam os galões e limpavam os móveis sujos. Por fim, depois de muito esforço, tudo estava limpo. Faltava só voltar com o sofá para o lugar, mas ele estava ocupado.
Fui ao meu quarto ver se tinha acordado e o encontrei no exato momento que abriu os olhos. Com os cabelos totalmente desgrenhados e a cara amassada, ele olhou para os lados, confuso, passou a mão na cabeça, aparentemente sentindo os efeitos do álcool da noite anterior. Demorou pra ligar o cérebro, mas, quando o fez, me achou parada na porta.
— Nossa, mas o que rolou? — ele perguntou.
— O senhor bebeu demais e deu teto preto — falei, rindo da cara dele. — Aí colocamos você aí pra dormir.
— Jesus, eu não lembro de quase nada. — ele falou, balançando a cabeça. — Eu fiz alguma merda?
— Merda não, mas aprendeu a fazer o quadradinho — falei, rindo, e ele riu de volta.
— Que cena, posso até imaginar…
— Levanta aí, preciso do sofá — falei.
— Isso é seu sofá? — ele disse, rindo. — Criativo.
— Econômico, eu diria — respondi. — Vem, tem café e pão de queijo lá na cozinha.
Ele se levantou, ajeitou a roupa como pôde, calçou o tênis e foi até a cozinha comigo. O deixei lá comendo e fui pegar o sofá. Colocamos tudo no lugar e fui arrumar o meu quarto, que tava uma bagunça também. Dobrei as cobertas, que de nada serviam num calor daqueles, ajeitei a cama, guardei as maquiagens que estavam espalhadas pela escrivaninha, completamente misturadas com meus materiais de aula. Por fim, resolvi trocar de roupa. Fechei a porta, peguei um short de moletom e uma regatinha simples e comecei a me vestir. Quando já estava terminando de vestir a blusa, ouvi:
— NOSSA, DESCULPA! — E a porta fechando rapidamente.
Não tinha entendido nada, terminei de colocar a blusa e saí. Achei parado na frente da porta parecendo uma acerola de tão vermelho.
— Eu devia ter batido! Desculpa! — ele disse, apavorado.
— Fica tranquilo, cara, eu tava de costas e quase toda vestida já. Você viu o quê? A parte de trás do meu sutiã? — falei, acalmando-o. — Né possível, que viu mais?
— Não, nada mais! — ele disse. — Nossa, segunda bola fora em menos de 24 horas.
— Mais uma e pode pedir música no fantástico — brinquei, e ele riu sem jeito. — Comeu? — perguntei, e ele assentiu
— Acho que vou pra casa, preciso de um banho — disse, torcendo o nariz. — Depois a gente se fala, beleza?
— Beleza — falei. — Te levo lá fora.
Levei ele até a porta, trocamos mais meia dúzia de palavras, ele me abraçou e foi embora.
Passei o resto do dia morta na ressaca e gastando o mais novo casal da casa: e Pedrão.
Preciso explicar para vocês o que era o Pedro. Era um cara sensacional! Ele já estava na faculdade quando nós entramos, e provavelmente sairia depois de todas nós, mas desde que nos conhecemos, ele virou quase um agregado da nossa república. Ele era um cara alto — bem alto —, magro, cabelos cacheados na altura dos ombros, pele sempre queimada de sol, e uma barbichinha sem muita imponência adornava seu rosto fino. Era aquele tipo de pessoa que matava aula para ir fumar na beirada da piscina, enquanto tocava um violãozinho, que sempre tinha um questionamento aleatório na cabeça, e sempre rendia um bom papo. Ele e eram um casal um tanto... impensável.
Naquele dia, nenhum de nós prestou para absolutamente nada. O jantar foi delivery e cigarro. Não tínhamos condições de fazer qualquer coisa além disso.
No dia seguinte, acordei melhor das pernas. Levantei, fui ao banheiro, lavei meu rosto, e fui lanchar. As meninas, e o Pedro, ainda estavam dormindo, então comi sozinha. Fiz aquele cafézinho coado bem forte para dar um ânimo, um pãozinho com manteiga e uma bananinha, para arrematar. Depois de me alimentar, senti um pouco de saudades de casa, da minha mãe e da comida dela, resolvi então fazer uma das suas receitas mais icônicas para o almoço: Lasanha de carne moída! Dei uma olhada nos armários, mas não tínhamos nada para fazer o prato, então resolvi ir ao supermercado comprar.
Voltei ao meu quarto, arrumei a cama, vesti um short jeans, uma camisa larga, calcei um chinelo, prendi o cabelo num rabo de cavalo alto, peguei minhas coisas e saí de casa. Cheguei no mercado, peguei um carrinho e fui andando sem rumo. Adorava fazer mercado. Já tinha pegado algumas coisas quando encontrei o Paulo. Ele me olhou de cima a baixo e torceu o nariz. — Por que me expulsou? — Por que não expulsaria? — retruquei, sem paciência. — Sei nem pra que você foi, não gosta de ninguém que mora lá e sabe que a gente não gosta de você. — E tenho razão de não gostar, não é? — falou, desgostoso, e foi embora. Em pleno domingo de manhã e eu tinha que encontrar com aquele mau agouro. Balancei a cabeça e continuei minhas compras. Resolvi fazer uma musse de maracujá de sobremesa, aproveitei e comprei algumas coisas que eu precisava também.
Terminei minha tarefa, paguei e rumei para a minha casa. O sol ainda estava quente, muito quente, apesar de ser de manhã, e, a cada passo, aumentava a minha preguiça. Por fim, venci o meu caminho. Cheguei em casa, coloquei as compras em seus devidos lugares e voltei pro meu quarto.
Abri a janela, arrumei a cama, acendi um cigarro, me sentei na cama e resolvi mandar mensagem para .
Bom dia, princesa da Disney
Mandei e esperei a resposta, até que senti o celular vibrar.
Bom dia, senhorita
Bom saber que está vivo hahaha
Depende do ponto de vista, sabe? Hahaha
Quer vir aqui mexer no trabalho hoje?
Nós precisávamos começar esse troço.
Pode ser depois do almoço? Acordei quase agora
Uai, pode. Quando se tiver a fim de vir, me avisa
Tranquilo então
Encontrei seu amigo hoje
Que amigo?
Paulo
Ih, e aí? O que rolou?
Nada demais, ele só foi o babaca que ele sempre foi. Tudo dentro do normal
Depois eu vou querer saber dessa história de vocês melhor“História de vocês” parece até que a gente namorava. Credo
Realmente hahahaha imagino que seja a última coisa na sua to do list”
Não é como se eu tivesse uma
Vamos fazer uma hoje então.O que fazer antes de se formarIh, maluco, sai fora.
Hahaha, consigo te ouvir falando isso. Vou tomar banho, depois a gente se fala”
OK
Ainda era relativamente cedo, então sentei na escrivaninha e comecei a estudar sobre o trabalho, fiz algumas marcações e anotações que achei que seriam relevantes pra discussão, depois fui fazer o almoço. A essa altura, as meninas já tinham acordado, então fizemos tudo juntas. Quando ficou pronto, sentamo-nos à mesa como uma boa família tradicional brasileira que éramos, e atacamos a comida.— Nossa, , isso aqui tá muito bom! — falou.
— Tá mesmo! — concordou.
— Receita da minha mãe — falei. — Deu uma saudade da comida dela hoje, aí resolvi fazer.
— Nossa, que você se sinta tão inspirada assim mais vezes! — comentou. — Brilhou, princesa!
— A chef aqui agradece! — falei, brincando.
Terminamos de comer, limpamos tudo e deitamos na sala pra conversar. Conversa vai, conversa vem, eis que a solta:
— Você não sabe o que o Paulo falou de você, ! — Já revirei os olhos só de imaginar
— O quê? — perguntei
— Eu tô só repassando a fofoca, porque obviamente ele não veio falar comigo — ela explicou. — Mas, me disseram que ele andou espalhando por aí que você é uma escrota, que não sabe aceitar brincadeira e que expulsou ele da festa a troco de nada, mandou o segurança agredir ele e tudo mais.
— Ele adora me chamar de escrota — falei. — Acho que um escroto reconhece o outro…
— E parece pescador aumentando a história, credo — comentou.
— Imagina nossa festa com segurança e tudo, achei chique — debochei.
— Vou colocar essa atribuição no meu currículo — Pedrão brincou.
— Que cara mais chato, meu Deus — falou. — Ele deve te amar muito pra gastar tanto tempo da vida dele tentando te difamar.
— Não é como se isso fosse afetar a minha vida de alguma forma — falei —, afinal de contas, ninguém naquele departamento gosta de mim.
— Só o intercambista.
— Ah, tem ele, mas eu nem me iludo — falei, dando de ombros. — Ele é gente boa e tals, mas logo, logo ele volta pra bolha dele, onde o Paulo tá bem instalado.
— Que péssimas amizades esse cara tem, nossa — disse, e eu assenti. — Mas mudando de assunto, porque não quero gastar meu tempo com esse babaca do Paulo, e você e o Pedro, ? -- E aí o assunto rendeu pra outros lados.
ia sair com o namorado e as outras ficaram com sono, portanto nos separamos e fomos para os nossos quartos. Liguei para a minha mãe, ficamos fofocando por algum tempo para matar a saudade e depois desliguei. Acabei cochilando depois disso, e acordei com a campainha tocando.
Levantei no susto e fui atender, toda amassada e desgrenhada. Abri a porta e dei de cara com .
— Isso é hora de dormir, madame? — debochou
— Não enche, cara — resmunguei. — Entra — falei e dei espaço para que ele passasse. — Bora lá pro meu quarto. — E fomos.
Ele se sentou na cama, abriu o notebook, pegou a xerox e suas anotações e ficou olhando pra minha cara, eu estava parada no batente da porta, esperando ele terminar tudo.
— Que foi? — perguntou
— Tô sem saco pra trabalho hoje — reclamei. — Vou pegar um café e já volto. — Peguei minha xerox com as anotações e dei pra ele. — Dá uma olhada aí por enquanto. — Saí e fui pra cozinha.
Peguei a garrafa de café, duas xícaras, um pacote de biscoito e voltei pro quarto.
— Eita, banquete — brincou.
— A gente vai demorar pra acabar, vim prevenida — falei, colocando as coisas na mesa. — Esse assunto vai render, eu acho. — Servi café para nós dois, entreguei uma xícara pra ele e me sentei na cadeira. — E aí, o que achou das minhas ideias?
— Ai, cansei, . — Me desmontei na cadeira.
— Pode me chamar de — ele disse, e eu assenti. — E eu cansei também. Acho que já desenvolvemos bastante coisa por hoje.
— Verdade, até bebemos o resto do café! — falei, balançando a garrafa vazia. — Se a gente não for bem nesse trabalho, vou ficar bem brava — comentei, me levantando e alongando a coluna.
Minha lombar ardia de ter ficado tanto tempo sentada naquela cadeira, minha má postura cobrava seus preços nesses momentos. Alonguei os braços e meus ossos estalaram. também se levantou, alongou o pescoço e esticou as pernas. Ele desligou seu computador e começou a guardar suas coisas, enquanto isso eu peguei um cigarro e fui pra janela fumar. Eu sabia que faz mal pra saúde, mas não ligava muito.
— Sabe, o Paulo falou umas paradas bem chatas de você ontem — disse, terminando de guardar tudo.
— Nenhuma novidade até aqui — falei, olhando pra fora.
— Você tinha razão, ele é um babaca — ele disse, balançando a cabeça. — Eu gosto dele, mas depois que você comentou da briga, eu me atentei mais.
— Muita mentirada — pontuei. — Tem gente que tem duas caras, e você só conhecia uma das dele.
Ele concordou com a cabeça, andou até a janela, se apoiou no peitoril e deu uma respirada funda. Depois olhou pra mim e, com um gesto, pediu um trago do cigarro. Me assustei, pois não sabia que ele fumava, mas entreguei o paiero para ele. tragou e pouco depois expeliu a fumaça branca.
— Não sabia que você fumava —comentei, levantando a sobrancelha.
— Só de vez em quando — respondeu, me devolvendo o cigarro. — Deu vontade.
— Normal — falei. — É assim que começa… — debochei e ele riu.
Um dos pontos destacáveis de se morar em Minas Gerais eram os morros. Apesar de cansar muito pra subir os dito cujos, do topo se tem uma boa vista algumas vezes. Nossa casa ficava em uma colina relativamente alta da cidade, bem no final, então, da minha janela, dava pra ver o horizonte longe e todo o Skyline da cidade praticamente. Nesse dia em específico, o pôr do sol tomou um tom alaranjado maravilhoso. Por isso, ficamos durante um tempo observando o sol descer o seu caminho e fumando, apenas, em silêncio.
— , eu tô com fome — disse subitamente e eu ri. — Tá rindo de quê?
— De como esse comentário foi aleatório! — Apaguei o cigarro no cinzeiro. — Olha, tem um resto de almoço na geladeira, se você quiser.
— Ah, nem. — Torceu o nariz. — Queria outra coisa.
— Tipo…?
— Pizza!
— Tem uma pizzaria no final da rua, não é das melhores pizzas do mundo, mas é boa — falei.
— Vamos lá?! — perguntou, animado.
— Vamos, uai — respondi. — Só preciso arrumar essa bagunça antes — completei e ele assentiu.
Peguei as xícaras, a garrafa de café e o pote onde estavam os biscoitos, levei tudo pra cozinha. Estava meio bagunçada, mas eu não estava com pique, nem tempo, pra arrumar, então só lavei o que a gente tinha sujado e voltei pro quarto. estava empoleirado na janela mexendo no celular.
Tirei os chinelos, catei uma sapatilha de dentro do guarda-roupa, peguei minha carteira e uma bolsa. Dei uma arrumada bem porca na minha mesa, apenas empilhei os papéis, tirei alguns lixinhos e fechei o notebook.
— Tô pronta — avisei.
— Então vamos! — falou, se desencostando da parede e pegando sua mochila.
Saímos da minha casa e fomos descendo a ladeira. Apesar de não estar de dia, o calor ainda maltratava, mas, por sorte, uma brisa fresca passava por nós. Acabamos por voltar a falar do trabalho enquanto caminhávamos, pontuando algumas coisas que haviam passado despercebidas, e reclamando do prazo que a professora havia nos dado — esse segundo tópico tomou o maior tempo. Por fim, chegamos à pizzaria.
Era um restaurante pequeno, mas charmosinho. As paredes eram revestidas até a metade de pedras, e o restante pintadas de um bege reconfortante. As mesinhas eram de madeira roliça e todas tinham um forrinho xadrez no topo. O cheiro de pizza era apenas perfeito. Principalmente pra quem estava com fome, como nós estávamos.
Por causa do calor, escolhemos uma mesa que ficava na parte de fora do lugar, aproveitando a brisa que ainda corria. Sentamo-nos e logo o garçom veio colher nossos pedidos. Pedimos dois chopps e uma pizza pequena.
— Tudo o que eu precisava depois de horas sentado era um chopp bem geladinho — ele disse.
— Falou e disse! — concordei, sorrindo para o garçom que vinha com as duas canecas. — Saúde!
— Saúde! — completou e brindamos antes de darmos uma boa golada em nossos copos.
— Trincando! Assim que é bom — falei, lambendo a espuma dos lábios. — Mas, hein, me fala, todos os seus amigos são babacas igual ao Paulo ou não? — brinquei, e ele riu.
— Poxa, cara, eu nem tinha percebido o quanto ele era babaca. Vou falar com ele sobre isso.
— Ih, nem estressa! Falei brincando, aquele lá não tem solução.
— Não, cara! Ele não pode continuar falando essas merdas de você e de outras pessoas por aí.
— Cão que ladra não morde, . Não precisa se preocupar — falei e dei um gole na minha bebida. — Além do mais, não é como se eu tivesse uma reputação pra zelar.
— Todos têm uma reputação.
— A minha é de esquisita. — Dei uma risada amarela. — Paciência.
— Eu não te acho esquisita, você é meio quieta, mas não é esquisita. — Dessa vez, foi ele quem bebeu. — Mas, de qualquer forma, ele não pode falar essas coisas assim. — Deu uma coçadinha no queixo. — Mudando completamente de assunto, tenho uma pergunta que quero te fazer tem um bom tempo.
— Ah, tem? — Levantei a sobrancelha, indagando-o.
— Tenho. — Deu um risinho debochado. — Eu te conheço desde sempre como . Qual é o seu nome real? ? — ele perguntou, e eu comecei a rir. — Por que tá rindo?
— Você nunca parou pra ler a folha de chamada, ? — Ele negou com a cabeça. — Ai, ai, mas meu nome não é ! É .
— é tipo a capa do seu nome! — Eu olhei pra ele sem entender a referência. — Capa, ! Que cobre.
— Tipo a do Drácula? — perguntei, rindo.
— Isso! — exclamou e riu. — de Bram Stocker. — E fez sinal de presas com os dedos na frente da boca, me fazendo gargalhar.
— Ai, cara, você não existe! — falei, ainda rindo.
Ficamos bastante tempo ali, comendo, bebendo e jogando conversa fora. ficou em choque quando descobriu que meu sobrenome era , segundo ele, era algo inimaginável. Ele me contou sobre como foi o choque cultural dele quando chegou no Brasil e sobre como, até hoje, se embolava com as expressões e gírias. Depois que comemos e bebemos bastante, me acompanhou até a porta de casa, apesar de eu insistir que não precisava, afinal eu já estava na minha rua, mas ele argumentou que não era seguro deixar andando sozinhas durante a noite, pois elas poderiam atacar um humano com seus poderes de vampiro. Não consegui contra-argumentar.
Depois de chegar em casa, tomei um banho gostoso, escovei meus dentinhos e fui me deitar.
Coloquei um pagodinho pra tocar nos meus fones e segui meu rumo até o prédio onde teria aulas no dia. Cheguei e cumprimentei com a cabeça o pessoal que já tinha chegado lá, me sentei no fundo e comecei a mexer no celular até o professor chegar.
Após longas horas de aula, deu o horário do almoço. Não queria comer a comida do restaurante universitário, então resolvi comer na lanchonete da piscina. Comprei um salgado e um refrigerante e me sentei nas mesinhas de concreto.
O dia estava especialmente quente, mas o pátio da piscina possuía algumas árvores grandes que proviam uma quantidade satisfatória de sombra. Depois de terminar de comer, acendi um cigarro e fiquei lá olhando o movimento. Hora ou outra, passava algum conhecido e me cumprimentava de longe. Até que apareceu a figura radiante de na minha frente.
— E aí, Maria fumaça? — perguntou, se sentando ao meu lado. — Nem te vi ontem mais.
— Tava fazendo trabalho lá no meu quarto, depois saí pra comer — respondi.
— Seria um date? — perguntou, insinuando.
— Não, amiga, foi só uma fome mesmo — respondi, rindo. — Depois de horas de trabalho, a fome bateu.
— Aff, queria que você vivesse um romance — comentou, desiludida.
— , só porque a dona madame se enganchou com o Pedrão, tá querendo desencalhar todas as amigas, é? — falei, rindo, quando ela ficou vermelha. — Amiga, pode ficar tranquila, a gente te apoia.
— Acho que tô curtindo ele real — admitiu ela.
— Nada mais justo, ele é um cara muito gente fina, e já é nosso amigo tem tempo. — Mas isso que me preocupa, ! — ela disse. — E se der errado? E se as coisas ficarem esquisitas?
— Uai, , é um risco a se correr — falei. — Mas não preocupa com isso, senão vai ficar com rugas muito nova — brinquei, e ela riu.
— Tem razão — concordou. — Mas, assim, eu tava pensando com meus botões, e acho que talvez seja uma boa namorar um amigo...
— Não emociona, ! — alertei. — Se não vai quebrar a cara outra vez. Vai com calma!
— Ai, mas eu não consigo! — Colocou as mãos no rosto.
— Consegue sim, amiga. — Abracei ela de lado. — Até porque o único amor da sua vida sou eu, e não aceito dividir o posto com mais ninguém! — brinquei, e ela riu.
Passamos o horário de almoço todo juntas, conversando sobre as emoções de e sobre alguns outros assuntos. Ela estava completamente na do Pedro, eu teria que verificar se ele estava na mesma vibe, não ia deixá-la ficar de coração partido outra vez.
Quando faltavam 5 minutos para a volta das minhas aulas, eu e nos separamos, ela foi pra casa porque não tinha mais aulas no dia, e eu fui para o meu departamento. Quando cheguei, encontrei com uma das minhas “amigas”, a Giovana. Ela, assim que me viu, veio andando em minha direção.
— Oi, ! — ela disse.
— Oi, Gi — respondi, estranhando todo aquele interesse dela em mim. — Tudo bem com você? — perguntei, e ela apenas assentiu com a cabeça.
— Você tá fazendo dupla de trabalho com o , né? — ela perguntou, e eu afirmei. — Então, você não quer trocar comigo? Você faz com a Patrícia e eu faço com ele!
— Nossa, Giovana … — soltei, entendendo o que ela queria. Gi era meio doida no , fazia de tudo pra ficar perto dele, mesmo depois do lance deles ter azedado há uns bons anos. — Nosso trabalho já tá quase pronto. Não vou trocar não, foi mal.
— Nossa, mas você é minha melhor amiga… — ela disse, apelando, eu apenas senti a falsidade. — Não pode fazer um simples favor pra mim? Que tipo de amiga você é? — falou com a voz afetada.
— Foi mal, Giovana, não vai dar não — respondi e saí, deixando ela sozinha, bufando de raiva.
Não tava acreditando que ela tinha dito que eu era a melhor amiga dela. Entrei na sala, cumprimentei todo mundo e me sentei no fundo da sala outra vez. Tirei meus materiais da mochila e comecei a ler um texto que haviam passado pra ler. Peguei um marca-texto da bolsinha, destampei com a boca e comecei a grifar algumas linhas que julgava importantes. Estava na metade do texto quando a professora chegou, uns 15 minutos atrasada. Ela se desculpou pelo atraso, deu uma justificativa rasa e começou a aula. Era uma das minhas disciplinas favoritas do período, então me esforcei para não dormir.
Duas horas depois, terminada a aula, eu continuei sentada na sala lendo o resto do texto. Como estava lá no fundo, não iria atrapalhar a próxima turma, e meu horário estava vago, então tudo se encaixava. Coloquei os fones, e voltei à minha leitura. Vez ou outra, eu anotava algum pensamento nas bordas das folhas. A sala encheu com os alunos da aula que teria, e, por coincidência, estava entre eles. Eu não havia o visto, já que estava concentrada no meu texto, mas ele me viu, entretanto a aula dele já estava para começar.
Senti o celular vibrar no bolso, peguei e tinha uma mensagem dele:
Nem me viu
Levantei o pescoço e dei uma olhada pela sala até achar ele, olhou para mim e deu um sorrisinho, depois se virou novamente, afinal estava em aula.
Agora vi
Tá fazendo o que aí?
Estudando um texto
Tirei uma foto do texto e mandei junto com a mensagem.
Que menina aplicada!
Ainda bem que não faço essa matéria
Eu ri de leve com as mensagens dele.
Ah, eu gosto dela, é interessante
Cada doido com suas loucuras…
Viu como eu sei usar as expressões?”
Meus parabéns hahahaha
Vai prestar atenção na aula, moço
Vai prestar atenção na aula, moço
Tô tentando, mas vc tá me distraindo!
Oxe, não seja por isso! Vou parar de te incomodar!
Mandei e desliguei a tela do celular. Estava pronta para voltar pro texto quando ela acendeu. Mensagem de .
Não para não! Tava só brincando com vc!
Ele respondeu e eu dei uma risadinha.
Tô de boas conversando com vc
Eu sei que minha presença engrandece o seu dia, mesmo sendo à distância
Ó, grande Drácula! Obrigado por abrilhantar meus dias! 🧛♀
Ele mandou e eu ri um pouco alto, pois algumas pessoas viraram para trás, me olhando feio por atrapalhar a aula.
Olha só você atrapalhando a aula, que coisa feia!
Vai se lascar, !
Daqui, pude ver que riu com a mensagem.
— , preste atenção aqui, por favor — o professor chamou a atenção dele, e ele enrubesceu.
Me lasquei mesmo rsrs
Ele mandou e eu ri baixinho.
Depois disso, ele voltou a prestar atenção na aula, e eu no meu texto. Algum tempo depois, eu terminei de ler, então guardei a xerox na pasta e guardei todos os materiais na mochila. Me levantei e saí da sala pela porta do fundo, tentando ao máximo não atrapalhar a aula que estava rolando. Então, a tela do meu celular acendeu de novo.
Me espera, tô vazando dessa aula
Com isso, sentei em um dos banquinhos ali de perto da sala, acendi um paiol e fiquei esperando. Nem dois minutos haviam se passado e ele apareceu, com cara de cansado.
— Nossa, não estava aguentando mais essa aula! — falou.
— Assinou a chamada, pelo menos? — perguntei me levantando. — Não vai reprovar por falta!
— Assinei sim, eu não sou trouxa — ele falou enquanto pegava os óculos de sol na mochila. — Reprovo por nota, mas por falta, nunca. — Colocou os óculos. — Ainda bem que você estava lá.
— Salvadora da pátria! — debochei e fiz uma pose de super-heroína, ele deu uma risada. — Super-.
— Ah, pronto! — ele debochou. — Vampira e super-heroína.
— Oh, Deus, como a gente é bobo — falei, rindo, e ele riu também. Coloquei meus óculos de sol e fomos saindo do departamento.
Como sempre, o sol estava rachando. Mas o dia estava apenas esplêndido! O céu estava lindo, sem nenhuma nuvem pintando a imaculada tela azul. As árvores do campus pareciam muito felizes, bem verdinhas, até algumas poucas flores pontuavam algumas delas. Em resumo, estava maravilhoso.
— Quer mexer no trabalho hoje? — perguntou enquanto andávamos.
— Podemos — respondi.
— Na minha ou na sua casa?
— Pra mim tanto faz, — falei. — Só que, se a gente for pra sua casa, eu vou precisar passar na minha casa antes, porque meu computador e minhas anotações ficaram lá.
— Então vamos fazer na sua mesmo, já que a gente vai ter que ir lá de qualquer forma — falou, dando de ombros.
— Vai virar um agregado da minha república daqui a pouco — comentei, rindo.
— Será uma honra, dona — ele falou, fazendo uma reverência, e eu ri.
Seguimos nosso caminho até a minha casa. Como já disse, eu morava no topo de uma ladeira, mas nós escolhemos aquele imóvel porque a casa era muito boa. Era uma casa, casa mesmo, não um apartamento. Era toda térrea, com 4 quartos, uma cozinha e uma sala de jantar/estar. Mas o ponto alto era o quintal. Era uma área gramada grande e, por incrível que pareça, plana. Havia um espaço para churrasco e uma varandinha de telhado colonial. Era um ótimo lugar para fazer festas durante o dia.
Eu e entramos e fomos para o meu quarto. Eu havia deixado a janela fechada, então estava SUPER abafado. Perguntei se ele não preferiria fazer esse trabalho no quintal e ele concordou. Peguei, então, minhas coisas e fomos pra área externa da casa, onde um ventinho gostoso circulava. Sentamo-nos na mesa que havia no local e começamos a render.
— Somos uma ótima dupla de trabalho, — disse, fechando o computador. — Fizemos um trabalho muito bom. — Ele alongou os braços. O sol já tinha ido embora tinha tempo.
— Fizemos mesmo — falei, fechando o meu computador também. — Dupla dinâmica, o belo e a fera — debochei, e ele riu.
— Vou tomar isso como um elogio a esse rostinho angelical que Deus me deu — falou, fazendo carinho no próprio rosto.
— Pode tomar, o senhor é muito bem apessoado mesmo — falei, acendendo um cigarro. enrubesceu.
— Er...obrigado — falou sem graça.
— Não precisa ficar sem graça, bicho — falei. — É apenas uma constatação dos fatos. Contra fatos não há argumentos — completei, e ele sorriu sem jeito.
— Se você tá dizendo…
— Nossa, eu nem te contei. — Mudei de assunto, ele olhou pra mim curioso. — A Giovana veio falar comigo hoje. — Ofereci o cigarro para ele, que aceitou.
— O que ela queria? — perguntou e deu um trago.
Me levantei e fui até a janela do quarto da , que ficava virada para o quintal, me empoleirei nela para conseguir pegar um cinzeiro, peguei, e depois voltei para a mesa. Coloquei o cinzeiro no meio dela, e me sentei onde estava antes.
— Ela queria trocar de grupo — respondi, pegando o cigarro que me entregava. — Falou para eu fazer com a Patrícia…
— E ela, comigo — completou a minha frase. — Essa mulher não me deixa em paz. — Rolou os olhos.
— Ela disse que eu sou a melhor amiga dela — contei, debochando da fala dela, e riu.
— Tem gente que tem coragem, né? — ele falou. — Cada dia ela faz uma coisa diferente. Da última vez ela mandou mensagem no instagram da minha irmã.
— Você tem irmã? — perguntei. — Nem sabia dessa informação — comentei. — Quer um paiol inteiro? Eu tenho aqui.
— Quero — ele disse, então eu peguei um do maço e estendi para ele, junto com o isqueiro. — Minha irmã é atriz. Mora em Los Angeles — contou, depois acendeu seu próprio cigarro e me devolveu o isqueiro.
— Como ela chama?
— Alexandra.
— Que nome chique — comentei, e ele riu.
— Você tem irmãos? — perguntou e eu neguei com a cabeça. — A fábrica de só fez uma e depois fechou — brincou, me fazendo rir.
— Viram que o produto não deu muito certo, aí faliram — brinquei.
— Eu chamo isso de exclusividade. — Me deu uma piscadela.
— Então você pode se gabar de estar na presença dessa preciosidade aqui, senhor . — Fiz uma pose afetada. — Um privilégio que só os mais ferrados podem ter.
— Um grupo muito seleto… — Ele foi interrompido pela porta abrindo.
— Oi, gente! — Era . — Miga, olha isso. — Me entregou o celular dela e eu peguei.
Olhei a tela e havia um print de uma postagem daquelas páginas de Spotted. Era uma página privada, só algumas pessoas podiam seguir, mas os prints sempre vazavam. Lá era liberado agredir o amiguinho. Na postagem em questão estava escrito “ da arq tem que parar de achar que é gostosa e sair de perto de gente que ela não chega nem aos pés, mal comida.”. Passei o dedo na tela e mudei de imagem, era outro print da mesma página, dizia: “Por que o está andando com aquele estranha da ? Ela deve estar dando bem pra ele”. Terminei de ler e levantei as sobrancelhas, chocada com o que estava ali. Olhei para e ela estava com uma cara de preocupada. Estendi o celular para , ele pegou e leu as duas postagens.
— Nossa… — Ele soltou enquanto devolvia o celular para . — Não sei o que dizer, .
— Nem eu. Meu nome nunca tinha aparecido nessa página, muito menos desse jeito — falei, meio desorientada.
— Já chegou lá na EFI, amiga… — contou com cautela.
— Meu Deus. — Suspirei e coloquei as mãos no rosto — Mais essa agora. — Apaguei o cigarro no cinzeiro e o deixei lá.
— Não tem como saber quem foi? — perguntou, tentando achar uma solução.
— Provavelmente foi o Paulo — falou.
— E a Giovana — completei. olhou pra mim sem entender, já que a Giovana era minha “amiga”. — Ela deu uma surtada hoje — esclareci.
— Nossa, não acredito que eles fizeram isso! — exclamou, estava ligeiramente vermelho de raiva. — Vou resolver isso com o Paulo hoje. Agora. — Se levantou de supetão e começou a guardar suas coisas.
— , não vai arrumar confusão por conta de mim não, cara! — tentei argumentar. — Não vale a pena!
— Não, , ele tem que parar! — Colocou a mochila nas costas. — A gente se fala depois. — E saiu, deixando eu e sozinhas no quintal.
Segundos depois, ouvimos a porta da entrada bater. , e Pedrão se assustaram com o barulho e foram todos para o quintal.
— O que rolou? — perguntou, assustada.
apenas entregou o celular para ela, para que eles pudessem ler os prints. Aos poucos, seus rostos tomaram expressões de assombro e raiva. devolveu o celular para e falou:
— Aposto que foi o Paulo.
— Nós também — falei, me referindo a e eu. — estava aqui, ficou bem puto. Saiu batendo a porta falando que ia resolver isso com o Paulo.
— Não quero saber dele, quero saber de você! — falou, vindo na minha direção — Como você está?
— Não sei, amiga — falei, ainda fora do eixo.
— , eu não tô preocupada… tá, tô um pouco, mas não é isso — falei, me aninhando nela. — Eu tô triste. Eu sei que é tudo mentira, mas me entristece saber que tem pessoas que me odeiam tanto a ponto de publicar essas coisas em uma página no instagram.
— Ele é um babaca, , não gasta seus sentimentos com isso! — falou, tentando me acalmar.
— Eles, né, porque a Giovana tá no meio — salientou.
— Quê? — falou em choque — Mas essa não é a Gi que andava com você? — perguntou e eu assenti. — Te falei que esse pessoal é tóxico…
— Como vocês descobriram quem postou? — Pedro perguntou.
— É só um palpite, não temos certeza absoluta sobre isso — falei.
— Que o Paulo tá no meio é bem claro, é bem o tipo de coisa que ele costuma falar de você por aí, tentar ferir sua moral com coisas sexuais — Pedro pontuou — Mas essa menina aí, qual é a fita?
— Ela teve um lance com o — contei. — Hoje, ela veio me pedir pra trocar de grupo com ela e eu neguei, e aparentemente a senhorita manipulação ficou pistola da vida.
— Nossa, que coisa mais boba — Pedro comentou, se sentando no chão. — Fazer uma coisa dessas por conta de grupo de trabalho.
— Ela é louca, Pedrão — falei. Detestava julgar outras mulheres daquela forma, mas Giovana fazia por onde. — Completamente possessiva.
— Então tudo isso é por conta daquele maluco — ele disse. — Assim, não é culpa dele, obviamente, mas ele tá no meio.
— Vou fazer alguma coisa pra comer e tirar essa zica daqui! — disse e entrou em casa.
Fiquei ali aninhada com a e pensando, calada. Aquilo realmente tinha me ferido. Não pelas palavras, mas pelo motivo. Como havia dito à , doía pensar que havia alguém com tanta raiva de mim para fazer uma maldade dessas, e havia duas pessoas nessa situação. Me senti uma pessoa horrível por inspirar esses sentimentos péssimos nas pessoas, mesmo sabendo que esse sentimento era errado. Eu não havia errado com eles ao resistir aos seus caprichos, eu sabia disso, mas ainda assim aquilo me entristecia. Comecei a pensar sobre como seria voltar para a faculdade no dia seguinte, ver as pessoas cochichando pelos corredores sobre mim, sobre o que havia acontecido. Me arrepiei com a ideia.
Algum tempo depois, voltou com uma travessa de macarrão. Pediu para o Pedro pegar o refrigerante e os copos. Eu recolhi minhas coisas da mesa e coloquei no cantinho no chão. , Pedro e pegaram cadeiras dentro de casa e trouxeram para a mesa do quintal. Minha família tradicional brasileira estava toda junta e me dando suporte. Aquilo aqueceu um tanto o meu coração e eu comecei a me sentir melhor.
Ficamos ali comendo e conversando por um tempo, todos eles tentavam ao máximo não tocar no assunto para não ter uma torta de climão de sobremesa. Ficar ali com eles, comendo, rindo e conversando bobeiras me fez sentir muito melhor.
Quando resolvemos nos recolher, lavamos a louça e fomos para nossos quartos. Peguei minha toalha para poder tomar um banho, escolhi um pijama que me deixasse o mais confortável possível naquela noite, e rumei para o banheiro. Tomei um banho longo e quente, tentando relaxar bem os músculos e a mente. Quando acabei, escovei os dentes, e voltei para o quarto.
Arrumei a cama, apaguei as luzes e deitei. Segundos se passaram desde quando eu havia me deitado para quando meu celular começou a tocar. Era .
— Ei, .
— Oi, .
— Como você tá?
— Tô meio triste, sabe? Sei lá.
— Eu imagino, quer conversar?
— Não sei organizar minhas ideias ainda, .
— Podemos conversar sobre…— Ele fez uma pausa para pensar. — Como aquele trabalho foi chato!
— Estou começando a achar que você tá usando esse trabalho como um pretexto pra falar comigo, hein? — falei brincando e pude ouvir dar uma risadinha do outro lado da linha.
— É que eu sou secretamente um espião americano investigando os vampiros do Brasil, você é meu alvo. Mas é segredo, shhhh — ele brincou e eu dei uma gargalhada.
— Prometo que não conto pra ninguém sobre o seu disfarce. — Entrei na brincadeira. — Mas pode colocar aí na suas anotações que eu não ataco humanos, só pequenos carneirinhos branquinhos e cheios de lã.
— Oh, mas esse é o pior tipo de vampiro! — falou com uma voz de falsa surpresa. — Nós até gostamos dos que atacam humanos, mas CARNEIRINHOS?! É a pura essência do mal.
— Muahahahaha, de Bram Stocker ataca novamente! — falei e ele caiu na risada.
— Ai, ai, como a gente é bobo, cara — ele comentou. — Mas e aí, vamos jogar basquete ou não? — Mudou de assunto.
— Ai, , não sei não…
Ficamos conversando por umas duas horas no telefone, até que o sono venceu sua batalha e precisei dormir. Conversar com ele até minha exaustão foi bom, pois não deixou com que minha ansiedade me deixasse sem sono e remoendo tudo durante a noite. Fui dormir bem mais tranquila.
Acordei com o despertador no dia seguinte, queria ficar em casa dormindo, mas queria muito mais ser uma derrotada formada. Então me levantei, fui ao banheiro, lavei meu rosto e tomei um café mirrado, não estava com muita fome. Estava sentada à mesa quando Pedro apareceu.
— Bom dia, — me cumprimentou. — Dormiu bem? — Se sentou na cadeira de frente pra minha.
— Bom dia, Pedrão — falei, sorrindo fraco. — Dormi sim, na medida do possível.
— Justo — falou, enquanto servia uma xícara de café. — Ouvi você no telefone ontem à noite.
— Ah, era o — contei. — Ele ligou pra conversar um pouco, distrair da situação.
— Uma boa ideia — ele falou, concordando com a cabeça. — Gente boa ele, bem, parece, né?
— Ele é.
— Mas é amigo do coisa ruim. — Torceu o nariz. — Que péssimas escolhas, a mãe dele ficaria bem triste. A minha iria brigar muito comigo se eu andasse com um babaca daqueles — devaneou e eu ri.
— Ah, Pedrão, escolhas, não é? — falei e ele concordou.
Depois dessa breve conversa, fui para o meu quarto me trocar. Coloquei uma calça jeans e dobrei as barras, um cropped verde militar, calcei um tênis preto e prendi o cabelo num rabo de cavalo alto. Arrumei a cama e a mesa, peguei minha mochila e saí de casa.
Enquanto descia o morro, acendi um cigarro e coloquei os fones de ouvido. Estava meio melancólica, então coloquei um funk pra rebater o humor. E até que funcionou. Como previsto, quando cheguei ao departamento, pude flagrar alguns olhares julgadores sobre mim, mas não ia me deixar abater. Fui pra sala de aula e me sentei no fundo como de costume. Coloquei a mochila na mesa, pesquei um pirulito lá de dentro e fiquei prestando atenção na música enquanto a aula não começava.
Estava tão distraída rolando o pirulito de um lado pra outro na boca que nem vi se aproximar. Me assustei quando ele colocou a mão no meu ombro.
— Oua! Calma, sou eu! — ele disse, se sentando na cadeira ao meu lado.
— Você me assustou, peste! — falei, tirando os fones. — Quase me mata.
Quando olhei pro rosto dele, vi uma mancha roxa em volta do seu olho esquerdo, que estava ligeiramente inchado. Arregalei os olhos quando percebi o hematoma e disparei:
— Meu deus, o que rolou? — Coloquei os dedos de leve sobre a mancha, ele torceu o nariz com um pouco de incômodo e eu recolhi minha mão. — Desculpa.
— Tá tudo bem, só dói um pouco quando encosta — ele, disse dando um sorriso.
— Mas onde você arranjou isso?
— Eerr..ontem — disse, receoso.
— ...O que rolou depois que você foi embora? — perguntei.
— Bem, eu fui atrás do Paulo para resolver o problema. — Ele se arrumou na cadeira. — Quando cheguei na casa dele, perguntei se era ele que havia mandado aquela postagem, e ele confirmou. — Pude vê-lo apertar os punhos neste momento — Ele ainda disse que estava me dando uma “moral” de pegador. — ficou vermelho de raiva. — Eu disse a ele que aquilo era errado e cruel de se fazer com alguém, mas ele simplesmente não ligava. — Os nós de seus dedos estavam brancos.
— , calma. — Coloquei a mão em seu braço. Estava tenso. — Ele não vale a pena.
— Não mesmo — falou entre os dentes. — Eu tentei colocar um pouco de razão naquela cabeça de merda dele, um pouco de empatia, mas, como você disse, aquele lá não tem jeito. — Ele respirou fundo. — Aí ele começou a ficar estressado porque eu estava te defendendo, e não defendendo ele. Eu já estava estressado pelo que havia rolado, aí ele disse uma coisa que me fez explodir, e fui pra cima dele. — Apontou para o olho roxo. — Foi assim que eu consegui isso.
— Ai, , eu falei pra você não ir lá! — falei, exasperada. — Agora tá aí com esse troço no meio da fuça!
— Alguém precisava dar uma coça nele, ! — argumentou. — Tinha que colocar ele no lugar dele!
— Meu Deus… — Coloquei o rosto entre as mãos.
— Que foi? — perguntou, preocupado, colocando a mão nas minhas costas.
— Todo esse auê por minha culpa — falei, levantando os olhos. — Você apanhou por minha causa!
— Primeiro que eu não apanhei, tomei um único soco — disse, sorrindo debochado. — E segundo que a culpa não é sua, a culpa é dele! E da Giovana.
— Argh! Tinha esquecido dela!
— É, pois é — ele disse. — Ela veio me mandar mensagem ontem, como quem não quer nada, se fingindo de anjo.
— A cara dela fazer isso — comentei e ele assentiu.
— Depois de alguma persuasão, ela confessou que também mandou uma publicação.
— “Mas você é minha melhor amiga”! — falei imitando o que Giovana tinha me dito no dia anterior. — Falsa do caralho.
— Olha a boca! — me repreendeu, brincando.
— Desculpa, mãe!
Nesse momento o professor entrou na sala e começou a aula. Eu estava incomodada de estar ali. Queria ir embora. Comecei a balançar os pés e tamborilar os dedos na mesa de ansiedade. O palito de pirulito que estava na minha boca, a essa altura, já estava todo mastigado.
A lista de chamada chegou até a minha mesa e eu a assinei rapidamente. Passei a folha para e peguei minha mochila para sair. Ele assinou a folha na mesma velocidade que eu, e, quando eu estava prestes a levantar, segurou o meu braço.
— Onde você vai? — perguntou.
— No mínimo lá fora fumar um cigarro, ou dois, ou dez. Não sei — falei entre os dentes. — Quero sair daqui.
— Eu vou com você — ele disse, soltando o meu braço. — Senão, vai fumar três maços inteiros e vai morrer intoxicada — exagerou.
Me levantei o mais silenciosamente que pude, afinal de contas eu não queria atrapalhar a aula, e fez o mesmo. Saímos cuidadosamente pela porta dos fundos. Fora da sala, o sol brilhava, bem diferente da penumbra que estava dentro do ambiente. Nós descemos a rampa e saímos do departamento. Instintivamente, acabei por nos guiar até a lanchonete da piscina.
Sentamo-nos em uma das mesas externas, puxei um cigarro do maço e o acendi com as mãos trêmulas. me olhava preocupado.
— Cigarro não é ansiolítico, .
— Ai, , bronca agora? — reclamei.
— Não, desculpa, não tá mais aqui quem falou — ele disse, levantando as mãos em rendição. — Essa parada tá te incomodando real, né?
— Tá — falei, dando um trago longo e balançando o pé vigorosamente. — Bastante.
— O seu rolê com o Paulo não é só aquilo que você me contou na festa, é? — questionou e eu neguei. — Pode me contar? — pediu e eu assenti.
Expliquei, então, para ele tudo o que havia rolado na festa de calouros há anos atrás e sobre como essa perseguição tinha começado. Contei também de por que eu era tão quieta na minha e de como eu sentia que não tinha amigos. Desabafei.
— Nossa, mas ele é um grandessíssimo babaca! — falou. — Então isso tudo por que você não quis beijar ele? Meu Deus do céu!
— Pois é, querido, tem homem que tem a masculinidade tão frágil que acha que receber um “não” é o fim do mundo — comentei. — Eu achei que ele fosse me bater naquele dia, sabe? Ele ficou muito nervoso e começou a se crescer pra cima de mim, me xingando.
— Que bom que ele não te agrediu, pelo menos essa consciência ele tem.
— Acho que nem foi a consciência, foi o medo de ter a reputação manchada — falei. — Ele se ama muito pra descer do seu pedestal imaginário — completei e concordou com a cabeça.
se levantou e mudou de lugar, sentando-se no banquinho de concreto ao lado do meu. Passou o braço pelos meus ombros e me abraçou. Achei estranho no início, mas depois me senti confortável. Apoiei a cabeça no ombro dele.
— Bando de fodidos — comentei, ele riu e pegou o cigarro da minha mão.
— Eles ou nós? — perguntou e deu um trago.
— Acho que ambos — falei e ri. — A que ponto chegamos? Matando aula pra fumar na piscina.
— Fundo do poço tá a uns 3 andares pra cima — brincou e eu ri. Peguei o cigarro da mão dele e dei um trago. — Vamos sair daqui! — ele falou, se levantando.
Me levantei, peguei minha mochila e ele pegou a dele.
— Onde a gente vai? — perguntei.
— Vamos lá pra casa! — ele respondeu. — Um ambiente diferente pra você conhecer.
Por fim, o elevador chegou e nós entramos. apertou o botão da cobertura e eu arregalei os olhos.
— Você mora na cobertura?
— Moro!
— Com quantas pessoas você divide o apartamento?
— Nenhuma — respondeu e olhou confuso para mim. — Por quê?
— Não, nada. — Tentei disfarçar meu choque. Ele tinha grana, não é mesmo? — Só queria saber.
Terminamos de subir e ele segurou a porta para mim, eu saí como se fosse uma dondoca, brincando. Ele riu, passou por mim e abriu a porta do apartamento. Entramos numa sala de estar com uma cozinha integrada, todos os móveis eram muito bonitos e modernos. Havia duas portas, uma dava para um quarto e a outra para um banheiro. Havia também uma varanda externa e bem iluminada, com uma escada no canto. passou para dentro do quarto para deixar sua mochila, e eu fiquei parada no meio da sala, sem saber muito o que fazer.
— , pode colocar sua mochila aí na sala, ou aqui no quarto, se preferir.
— Ah, sim! — Fui até o quarto dele e deixei a mochila de cama de casal que lá havia. — Nossa, sua casa é muito legal!
— Obrigado! — falou, se sentando na cadeira e tirando os tênis. — Gosto bem daqui também. — Ele pegou um chinelo no guarda-roupas, colocou o tênis num canto da parede e falou: — Vem, vamos lá em cima.
Ele saiu do quarto e eu o segui até a varanda. Subimos a escada e chegamos no segundo andar. Era bem maior do que eu imaginava! Tinha uma área de churrasco, uma piscina e até uma mesa de ping-pong.
— UAU! — exclamei. — Que demais!
— Maneiro, né? — Mat se animou. — A melhor parte do apê.
— Não acredito que logo hoje, que saí de calça e tênis, você me chama para a sua casa que tem piscina! — reclamei, e ele riu.
— Eu nem sabia que a gente ia vir aqui! Muito menos que sairia de calça e tênis hoje! — se defendeu, rindo.
Ele enrolou o toldo que fazia sombra na parte da piscina, deixando o sol da manhã nos iluminar.
— Se quiser entrar na piscina, eu posso te emprestar um short meu — disse e deu de ombros, e eu abri um sorriso. — Vem, vamos lá pegar — falou, rindo.
Voltamos para dentro do quarto, ele abriu umas gavetas e ficou procurando o short. Enquanto isso, eu me sentei na cama e tirei os tênis, coloquei as meias dentro, e os coloquei no cantinho. Estava animada pra entrar na piscina. por fim encontrou o short e o jogou para mim:
— Olha, é o menor que eu tenho — explicou, dando de ombros.
— Tá ótimo!
— Pode se trocar no banheiro ali. — Ele apontou para a porta que eu não havia percebido antes, e pra lá eu fui.
Entrei no banheiro e tranquei a porta. Tirei minha calça e coloquei o samba-canção que havia me emprestado, ele batia na metade do meu joelho e não combinava nada com o meu cropped. Pode acreditar, verde militar e azul marinho com laranja não combinam. Mas eu pouco ligava para a aparência, queria muito entrar na água. Dobrei a calça, e saí do banheiro.
também havia se trocado. Estava com um samba-canção preto e sem camisa. Levantei as sobrancelhas quando vi, mas disfarcei rapidamente e guardei a calça na mochila. tinha um corpo muito bonito, os músculos eram perfeitamente definidos, haviam pelos escuros espalhados por todo o peitoral. Fiquei vermelha por ter ficado reparando.
— É, ficou meio grande mesmo — comentou.
— Tá ótimo! Só de não precisar ficar só olhando aquela piscina eu já fico feliz! — comentei. — Uma modelo da Gucci bem aqui na sua frente — brinquei, mostrando meu look descombinado.
— Vamos lá que daqui a pouco o sol fica quente demais — disse e me puxou pelo braço para a cobertura.
entrou na piscina e deu um mergulho. Eu entrei, e com a água batendo nos joelhos, me arrepiei inteira com a temperatura. viu e começou a dar risada. Fui andando vagarosamente pela água até ela ficar na altura do meu umbigo, não consegui avançar mais. Estava muito gelada!
— Como pode o dia estar tão quente e essa água tão gelada? — exclamei.
se aproximou devagar, passou os braços nos meus ombros e me puxou pra debaixo d’água. Me debati pra me soltar e voltei à superfície. voltou, dando gargalhadas altas.
— MATTHEW!! FICOU DOIDO? — exclamei, secando o rosto.
— Poxa, seu primeiro mergulho foi majestoso! — disse, ainda rindo.
— Eu vou ser obrigada a te matar! — falei e pulei em cima dele.
Afundei na água até ele se rebelar e inverter as posições. Me debati e consegui me soltar. Quando saí da água, estava gargalhando, eu comecei a jogar água nele, ele então começou a revidar, e logo estávamos os dois rindo e jogando água um no outro. Ficamos brincando até cansarmos.
— Nossa, que saudade eu estava de uma piscina! —falei, me encostando na beirada.
— Muito bom, né? — comentou e começou a sair da piscina. — Vou pegar algo pra gente beber — explicou, e eu assenti.
Ele foi rapidamente até a geladeirinha que havia perto da churrasqueira e voltou com duas long necks de cerveja, colocou-as na beira da piscina. Levantei a sobrancelha inquisidora pra ele, e ele deu uma risada. Depois, ele foi ao andar debaixo e voltou com um pacote de Doritos.
— São 10h da manhã e nosso lanche matinal vai ser cerveja e Doritos! — comentei, enquanto abria as cervejas e o salgadinho. — Não poderia pedir mais!
voltou pra água e se posicionou do meu lado na beira da piscina. Brindamos as cervejas e rimos. Bebi um gole, desamarrei o cabelo e deitei de costas na água, boiando. Estava relaxada, podia esquecer o mundo. O sol batia quente no meu rosto, a água que agora não estava tão gelada, se estendia como um grande colchão d’água sob o meu corpo, balançando suavemente, movendo meus cabelos e me segurando. Fechei os olhos e deixei as sensações tomarem conta de mim. Senti duas mãos me segurarem pelas costas, abri os olhos e olhei para o lado, vi sorrindo, sorri de volta e tornei a fechar meus olhos, deixando que ele me segurasse e me movesse pela piscina. Abri os braços e as pernas, me sentindo livre. Pude ouvir dar uma risadinha. Eu amava estar na água, e estar, literalmente, em braços amigos fazia tudo melhor.
— Nossa, eu precisava muito disso — falei, abrindo os olhos. — Muito obrigada! — agradeci, ficando de pé.
— Que bom que melhorou seu dia — disse com um sorriso genuíno rasgando-lhe o rosto. — Acho que você precisava de um tempo longe de tudo — comentou, e eu concordei.
— Você é 10, — falei, pegando minha cerveja. — Bom saber que minha lista de pessoas que gostam de mim, além da minha mãe, agora subiu pra 5 — brinquei, e ele riu.
— Se as pessoas te conhecessem melhor, certeza que todos estariam aos seus pés — ele comentou, comendo um salgadinho. — Posso te confessar uma coisa?
— Pode.
— Eu sempre quis me aproximar de você, mas tinha receio porque te achava muito “Bad girl”.
— Eu? Bad girl? — Caí na gargalhada.
— Pô, fala sério, sempre andando toda descolada com um cigarro na boca e fones de ouvido, nunca com ninguém do nosso curso, sempre com o pessoal de fora... Era essa a imagem que eu tinha.
— Nossa, nunca pensei que alguém me veria dessa forma — falei, pensando sobre. — Não poderia ser uma definição mais errada.
— Agora eu sei que sim, mas achava que não seria digno de sua ilustríssima atenção — debochou, fazendo uma reverência exagerada.
— Ah, até parece! — Ri e joguei água nele. — Quem sou eu perto do galã do curso?
— O belo e a fera — ele disse, lembrando do que havíamos falado antes.
— Versão tropical, no seu litoral particular — falei, dando um gole na cerveja, e ele sorriu.
Olhei o celular e tinham várias mensagens da , a maioria delas perguntando por que eu não respondia. Resolvi não responder no momento, depois faria isso. Voltei enrolada na toalha para a cobertura e me sentei em uma cadeira no sol. Me sentia de férias. Acendi o paiol e percebi que não tinha cinzeiro, então fui atrás de para pedir um.
O encontrei na área de serviço, que era anexa à varanda, colocando algumas roupas pra lavar. Encostei no balcão e fiquei observando, o olho roxo se destacava em seu rosto.
— Ei, — chamei e ele olhou pra mim. — Você tem algo que eu possa usar de cinzeiro? Pode ser qualquer coisa.
— Deixa eu ver. — Começou a abrir os armários e procurar algo. — Pode ser isto?
Ele me estendeu um porta velas circular de vidro grosso, as bordas eram recortadas como se fosse uma joia. Era lindo. Dava dó de usar aquilo pra colocar cinzas de um cigarro de palha vagabundo.
— Serve, mas tem certeza? É tão bonitinho — falei
— Eu não uso, ganhei de alguém quando mudei pra cá — ele disse, dando de ombros.
Peguei o porta-velas e voltei para minha cadeira no sol. Estava muito quente, com toda a certeza eu ficaria queimada depois, mas não me preocupei muito com isso. Estiquei bem as pernas e relaxei os músculos. Pouco tempo depois, apareceu e se sentou do meu lado. Pediu o cigarro e eu entreguei, ficamos encaixados em um silêncio confortável que nenhum de nós queria quebrar, apenas aproveitar.
— Ei, — chamei, quebrando o silêncio depois de um tempo.
— Diga, senhorita — falou, virando o rosto pra mim.
— Obrigada por não desistir de se aproximar de mim — falei, e ele se surpreendeu.
— Que isso, , não precisa agradecer.
— Sei lá, você fez muito por mim esses últimos dias, queria agradecer.
— É impressionante como a gente se aproximou rápido, né? — ele disse. — Há uma semana, a gente nem se falava direito.
— Verdade, acho que somos parecidos no final das contas — falei. — Só não tivemos a audácia de falar um com o outro.
— Aquele trabalho veio bem a calhar, digamos assim — ele disse, rindo.
O interfone tocou lá embaixo, era o nosso almoço. se levantou e foi buscar. Pouco tempo depois, ele voltou com os pacotes, pratos e talheres. Nós nos sentamos no balcão da área de churrasco e ali comemos. Depois de almoçar, jogamos algumas partidas de tênis de mesa, e eu ACABEI com ! Ganhei absolutamente todas!
— Eu deixei você ganhar! — ele disse
— Todas as 6 vezes?! — perguntei, rindo. — Admite, eu massacrei você!
— Tá, tá! Eu admito! — ele disse, jogando os braços pra cima em rendição. — Mas agora tem que ter sua premiação. — Ele me olhou com um olhar maroto e eu fiquei sem entender.
, então, veio em minha direção, me pegou no colo e saiu correndo comigo nos braços em direção à piscina, e antes que eu pudesse protestar, ele me jogou na água. Senti a água gelada me envolver, soltei todo o ar dos pulmões com o susto e voltei à superfície rapidamente. Assim que emergi, pulou na piscina, espirrando água para todos os lados. Ele saiu da água dando risada da minha cara.
— Nossa, você tinha que ver a sua cara!
— Sua sorte é que a água não tá tão fria, senão eu ia te matar!
— Ah, ia nada! — ele disse e jogou água na minha cara.
— Para com isso, maluco! — falei e me joguei em cima dele, afundando-o na água.
Nós dois ficamos na piscina bebendo e brincando até o sol começar a se pôr. Decidi ir para casa, devia estar surtando. Então nós descemos para o quarto dele para que eu pudesse me trocar. Como eu havia molhado a minha blusa, me emprestou uma das dele. Depois de me trocar, me despedi de e fui pra casa.
Cheguei em casa, e fui direto pro quarto pegar uma toalha para tomar um banho. Fui ao banheiro, lavei meu corpo e meu cabelo, coloquei um pijaminha e voltei para o meu quarto.
Me sentei na cama e comecei a desembaraçar os cabelos, o dia todo na piscina havia feito ele ficar igual a um ninho de ratos.
— Da próxima vez que você sumir assim, eu te expulso da república — disse entrando no quarto fula da vida. — Por que não me respondeu, sua peste?
— Ai, , desculpa, fiquei de responder depois e acabei me esquecendo. Desculpa mesmo, amiga!
— Desculpa o cacete! — ralhou. — Eu toda preocupada com você, e você não se deu ao trabalho de responder minhas mensagens?!
— , desculpa! — pedi. — Não foi por maldade, eu realmente esqueci!
— Onde você estava? — ela disse, abrandando o humor e se sentando na cama. — Fiquei preocupada de verdade!
— Me desculpa, amiga — pedi novamente. — Eu estava na casa do — contei, e ela arregalou os olhos.
— Como assim?
— Eu tava a ponto de ter uma crise de ansiedade, aí ele me levou lá — expliquei. — Não estava aguentando ficar na aula, amiga.
— E vocês fizeram o quê? — perguntou, meio com o pé atrás.
— Nada demais, amiga! — falei, afastando a ideia da mente dela. — Ficamos na piscina o dia todo.
— Ele tem uma piscina? — ela perguntou, em choque.
— Ele tem, amiga — contei, rindo.
Ela desembaraçou o meu cabelo pra mim enquanto eu contava os acontecimentos do dia. me atualizou também sobre o dia dela e nós duas acabamos dormindo juntas no meu quarto, amontoadas em uma cama de solteiro.
Na manhã seguinte, o celular de despertou cedo, acordando nós duas. Eu estava toda dolorida de ter dormido embolada com ela, mas estava feliz porque ela era minha melhor amiga e sempre melhorava minha energia.
Levantamo-nos e fomos para a cozinha arrumar um café. Enquanto passava um cafezinho, eu assava uns pães de queijo. Logo as outras meninas acordaram e foram se encontrar conosco. Pedro não havia dormido lá.
Com tudo pronto, montamos uma mesa linda e nos sentamos para comer. e ficaram curiosas sobre o dia anterior, então eu contei a elas sobre minha estadia na casa de . Elas me atualizaram sobre como os prints estavam rolando nos seus respectivos cursos, nada de impressionante, nada que eu não havia previsto. Por incrível que parecesse, eu não estava mais tão abalada com isso, estava com raiva, mas não estava como antes. Acho que sentir o carinho das meninas e de me fizeram abstrair daquele sentimento horrível.
Terminamos de lanchar e fomos nos arrumar para as nossas aulas. Fui para o meu quarto, prendi o cabelo em um coque alto, coloquei um short e uma blusinha soltinha, calcei um chinelo. Fui ao banheiro escovar meus dentes e fazer minha skin care, depois retornei ao meu quarto. Quando estava pronta pra sair, vi a blusa de jogada em um canto. Peguei-a, dobrei e coloquei na mochila.
Saí de casa e o sol já estava quente, coloquei, então, uns óculos de sol, acendi um cigarro e fui para a faculdade. Quando cheguei ao prédio que teria aulas naquela manhã, os buchichos do pessoal do meu curso continuavam, mas senti que não eram sobre mim, e mesmo que fossem, eu não estava ligando naquele momento. Cheguei na sala, me sentei no fundo.
Estava viajando na maionese quando as conversas da sala cessaram. Olhei curiosa para frente e vi Paulo entrando no recinto. Arregalei os olhos. Ele estava com os dois olhos roxos, um corte no supercílio direito, um no lábio superior e com alguns hematomas pelo corpo. Ele estava péssimo. Naquele momento, eu entendi de quem estavam falando.
Paulo se sentou perto de alguns caras que ele costumava andar, e, aos poucos, as conversas voltaram a rolar. Minutos depois, chegou e veio se sentar perto de mim. O olho roxo começava a clarear.
— Bom dia, — ele disse, se sentando ao meu lado.
— Bom dia — respondi. — Foi você que fez aquilo? — perguntei e apontei discretamente para o Paulo. Ele assentiu, não muito feliz. — Meu Deus…
— Não era isso que eu pretendia fazer, mas no estresse do momento…
— Sua mãe sabe que virou nocauteador? — brinquei, e ele riu.
— Sua mãe sabe que virou piadista? — retrucou, e eu ri.
Pouco depois, a professora chegou e começou a dar sua aula. Aos poucos, o sono foi tomando conta de mim e eu não consegui resistir. Dormi tão bem que até sonhei. Acordei no final da aula, com me chamando.
— Bela Adormecida, acabou a aula — ele disse, enquanto eu acordava.
— Mmmm, tava tão bom meu soninho — falei, me espreguiçando.
— Temos que apresentar o trabalho na próxima, alisa essa sua cara — lembrou-me.
Alisei minha cara do melhor jeito que pude, peguei minhas coisas e saí da sala junto com . Descemos a rampa conversando sobre os detalhes do trabalho e corrigindo nossos erros.
Chegamos à sala da aula e já começamos a montar o datashow. Enquanto eu conectava meu computador ao cabo HDMI do projetor, revisava suas anotações, e os outros alunos iam chegando. Pouco tempo depois, a professora chegou, introduziu a aula e perguntou:
— Estão prontos, pessoal? Podemos começar?
— Sim, professora! Tudo certinho! — falei, e apenas concordou com a cabeça.
Era um trabalho extenso e complexo, portanto tomou as duas horas de aula. ficou muito nervoso na hora da apresentação, não sabia dizer o porquê, mas no final deu tudo certo. A professora nos elogiou até, inflou meu ego.
Acabada a tortura, eu e saímos da sala muito mais relaxados. O sol estava alto e os estômagos roncando. Fomos então para o bandejão almoçar, e o cheiro da comida estava ótimo... ou era minha fome que estava enorme, não sabia dizer.
Depois de nos servirmos, nós nos sentamos em uma das mesas para comer.
— Almoço dos campeões! — falei, brincando
— Nossa, não sei o que me deu que fiquei muito nervoso na apresentação — disse. — Ainda bem que você sabia aquela parte.
— A gente se ajuda, , pra isso que serve a dupla — falei e dei uma garfada no meu almoço. Não estava tão bom assim. — O importante é que conseguimos falar tudo.
— Verdade — disse, começando a comer. — Vamos tomar uma breja hoje? Acho que merecemos, essa semana foi OSSO!
— Osso, cartilagem e ligamentos — brinquei, e ele riu. — Eu topo essa brejinha aí.
Ficamos ali conversando até acabarmos de comer. Então saímos e fomos pra lanchonete da piscina ficar de bobeira por um tempo antes da aula seguinte. Sentamo-nos debaixo de uma paineira nas mesinhas de concreto, eu coloquei um óculos de sol e acendi um paiero.
— Ein, tava pensando, será que a gente não podia formar uma dupla meio que fixa pro resto do período, pelo menos? — perguntou.
— Uai, por mim tudo bem — falei, passando o cigarro pra ele. — Acho que fazemos uma boa dupla.
— Fazemos mesmo — respondeu, dando um trago. — Talvez até mais… — murmurou, e eu não consegui entender.
— O quê? Fala pra fora, menino — exclamei.
— Falei que fazemos mesmo uma boa dupla, boa demais — ele disse e, eu acho, ficou ligeiramente vermelho.
— Tonto — comentei, rindo. — Tem que tirar o ovo da boca pra falar, senão eu não entendo.
— Isso aí é culpa do cigarro, certeza! — falou e me entregou o cigarro como se fosse uma barata morta.
— Ai, ai, agora a culpa é do cigarro que você fala embolado. — Peguei o paiol da mão dele. — Se fosse isso, minha língua já tinha dado nó.
— É, vou ter que te enviar pros fumantes anônimos, seu vício tá me fazendo mal. Quanto mais você fuma, mais embolado eu falo.
— Uai, contaminação cruzada, é? — perguntei, rindo da brincadeira. — Sou lixo, mas nem tanto.
— Palhaça — ele disse, rindo da brincadeira.
Nesse momento, chegou no recinto. Assim que nos avistou, ela veio em nossa direção. Ela estava toda saltitante, com um vestidinho vermelho floridinho e uma sapatilha, parecia que tinha saído de uma página do Pinterest.
— Oi, gente! — ela cumprimentou e me deu um beijo na testa. — Amiga, tenho novidades!
— Boas? — perguntei
— SIM! — ela disse e se sentou em um dos banquinhos restantes. — Vai rolar uma festa do pessoal da Atlética da engenharia! Aí me chamaram pra trabalhar no bar, e tem uma vaga sobrando! Quer?
— Quero! — falei, animada. — Amo festa de graça.
— Ai que ótimo! Pegamos o primeiro turno! — ela disse, batendo palminhas. — , quer ir? Tenho entradas promocionais ainda aqui comigo!
— Uai, quero! — ele disse, sorrindo.
— Oi, gatíssima, chegou cedo! — disse assim que eu entrei.
— Cheguei no horário normal, menina, tá doida?
— Você nunca chega esse horário na sexta, — disse. — Mais fácil te achar na tabacaria a esse horário.
— Verdade — falei e joguei minha mochila no chão. — Hoje eu marquei de dar um pulo no Intervalo.
— E vai com quem? — perguntou quando me sentei ao seu lado.
— Com o — falei, e ela levantou uma sobrancelha. — Vamos comemorar o fim do trabalho. APENAS.
— Apenas… — ela disse, debochando.
— Ai, menina, me erra! — Dei um tapinha na testa dela. — Meu amigo, cara!
— Ahn, ninguém tá falando que não é. — Ela me mostrou a língua.
— Boba — disse, rindo. — Mas eu MEREÇO uma breja gelada depois de tudo que rolou, fala sério.
— Merece — disse. — Inclusive, a senhora vai na festa que a tá divulgando?
— Vou, menina! — disse, animada. — Vou de graça porque peguei bar.
— Arrasou! Só você mesmo pra animar trabalhar em festa — disse.
— Eu gosto, sô! Acho muito massa ficar no bar.
— Haja paciência.
— Ai, gente, de graça, até injeção na testa! — brinquei, e elas riram. — Agora vou tomar um banho — disse e me levantei.
— Vai lá, cheirosinha — ela disse e me deu um tapa na bunda, me fazendo rir.
Fui pro meu quarto, peguei minhas coisinhas e fui pro banheiro. Entrei debaixo do chuveiro e deixei a água quente me relaxar. Lavei meus cabelos, meu corpo e meu rosto. Saí e me enrolei na toalha felpudinha. As meninas tinham colocado música alta pra tocar na sala, e, de dentro do banheiro, eu pude ouvir. Então, fui dançando e fazendo um skin care bem porco, mas melhor que nada, não é?! Eu pensava que sim.
Saí do banheiro e fui pro quarto trocar de roupa. Coloquei um shortinho bem soltinho, uma regatinha branca e um kimono colorido por cima. Penteei os cabelos, passei uma maquiagem bem leve, bem nadinha como dizem as blogueiras, calcei uma rasteirinha e fui pra sala.
— Ah, não, além de linda, é cheirosa — disse brincando assim que me viu.
— Combinação perfeita pra ser o amor da sua vida. — Pisquei um olho pra ela e fiz uma pose.
— Apaixonei — disse e se jogou no “sofá”, nos fazendo rir.
Fui pra cozinha, enchi um copão de água e voltei pro quarto. Resolvi dar uma geral antes de sair, porque o caos estava instaurado. Arrumei a cama, dei uma organizada na minha mesa e guardei algumas coisas no armário. Meu celular vibrou logo que terminei de guardar tudo:
: Estou saindo de casa.
Estou indo também.
Catei minha bolsa, coloquei nela minha carteira, minhas chaves, meus cigarros, o isqueiro, o celular, e saí. Dei um tchauzinho rápido pras meninas e fui pra rua. Comecei a descer o morro e andei cerca de 15 minutos até chegar no Intervalo.
Acho que devo explicar o que é o Intervalo. Nada mais, nada menos que um boteco de esquina, voltado pros estudantes quebrados, como eu. As mesinhas ficavam, em sua grande maioria, do lado de fora. A cerveja era de qualidade mediana pra baixa, variedades incríveis de diversas bebidas quentes de baixa qualidade, porém grande custo-benefício.
Quando cheguei, já estava sentado em uma das mesas na calçada. Ele estava usando uma bermuda preta jeans, uma camisa de linho branca e de botões, e um tênis branco, belíssimo, eu devia dizer, e me senti meio esculhambada.
— Chegou há muito tempo, senhorito? — perguntei, colocando minha bolsa numa das cadeiras vazias. se levantou e me deu um beijo na bochecha, me cumprimentando.
— Não, senhorita, cheguei quase agora — ele disse, voltando pro seu lugar. — Pedi uma breja já e uma porção de batata, suave?
— 300% — falei, e, coincidentemente, o garçom chegou na hora com um litrão e dois copinhos americanos. Ele serviu a cerveja nos copos e saiu. — Um brinde a esse sextou! — falei, levantando o meu copo.
— Cheers! — ergueu o copo e brindou comigo.
— Nossa, apenas tudo o que eu precisava! — falei depois de dar um belo gole na minha bebida. — Se tem uma coisa que eu sou é merecedora dessa cerveja!
— Ô se é! — ele disse, rindo. — Dias complexos esses que passaram, né?
— Que bonitinho, “complexos”... mais pra fodidos, isso sim! — falei brincando, e ele riu.
— Aí depois fala que não é bad girl — provocou.
— Ih, ó, começa com essas viagem não, menino! — falei, rindo. — Mas, olha só, sobrevivi e continuo linda. — Fiz uma cara afetada, e riu.
— Continua mesmo, meus parabéns — comentou, e eu senti meu rosto esquentar suavemente. — Mais alguns meses e vencemos esse período! — Amém! — respondi. — Olha, esse foi um período de grandes revelações…
— Tipo?
— Tipo que a minha “bestie” é uma sacana, que o Paulo é ruim de briga, que eu sou legal demais e deixo você andar comigo — finalizei brincando, e ele riu.
— Muito obrigado, ó, grandessíssima majestade! — ele falou, fazendo uma reverência exagerada. Nesse momento, o pessoal do bar colocou uma música pra tocar. — Ó, se tocar Barões, você vai ter que dançar comigo!
— Dois perna de pau, vai ser lindo — debochei. Pesquei o maço de cigarro e o isqueiro rosa da bolsa. Acendi um. — Mas eu danço só se estiver sob efeito de muito álcool.
— Ih, então temos que começar com a cachaça logo! — ele disse e chamou o garçom. Eu apenas rachei de rir.
Pouco tempo, depois o moço voltou com duas doses de cachaça branca. Doses de meio copo descartável, daquela cachaça que mata.
— Duvido você virar isso aí! — desafiou
— Oh, dó, eu também duvido — falei, rindo. — Se eu bebo isso tudo de uma vez, a gente vai dançar lá no IML — brinquei, e ele deu uma gargalhada alta.
— Vamos, pelo menos uma boa golada! — ele disse. — Nós dois juntos!
— Tá bom, ! — Me dei por vencida. Brindamos e bebemos metade do conteúdo dos copos de uma só vez. Fiz um careta. — Jesus Cristo sacramentado, essa foi de foder!
— Nossa senhora, foi mesmo. Credo! — ele respondeu, ainda fazendo careta.
— Ahn, e a madame querendo que eu virasse tudo. Doido — falei, rindo. — Mas esse trem já até me esquentou o corpo — falei, sentindo o álcool subindo e esquentando minha cara.
— Tá com as bochechas todas vermelhas — ele disse, rindo.
— Você não tá muito diferente não, zé ruela! — retruquei, e ele mostrou a língua.
— Ai, você é demais, menina — ele comentou.
— Menina não, mulherão. — Dei uma piscadinha pra ele. Acho que o álcool subiu mais do que eu havia pensado.
— Justo! — ele disse, levantando uma sobrancelha sugestiva. Acho que o álcool subiu pra ele também. — Vamos tirar uma foto?
— Vamos!
— Vem pra cá então — ele disse, e eu me levantei e mudei pra cadeira mais próxima dele.
Fizemos caras e bocas e tiramos várias fotos. Língua pra fora, chifrinho, duck face, carão, foto bonitinha, foto zoada, foto borrada, teve de tudo.
— Book fotográfico by Daddario — comentei e já ia me levantando pra voltar pra minha cadeira.
— Fica aí, sô! — ele disse e segurou meu braço. — Tomei banho hoje, pode ficar perto de mim — brincou, e eu ri. — Pode cheirar, ó! — Ele esticou o pescoço pra que eu pudesse sentir seu cheiro.
Me aproximei e dei uma fungada no cangote dele. Ele usava algum tipo de perfume masculino importado que eu não saberia nomear, mas era muito gostoso. Bem inebriante. Sexy.
— Tá cheiroso mesmo, meus parabéns — comentei depois que me afastei, catei o cigarro e dei um trago, pra dar aquela disfarçada.
— Viu? Sou um rapaz muito asseado, pode ficar perto — ele disse e me deu uma piscadinha.
— Ahn, e esse assanhamento aí? Sua mãe sabe que você fica piscando pros outros, ? — falei com uma carinha debochada, não sabia muito como reagir, então corri pro deboche.
— Ó, que isso, eu sou da igreja, isso é tique — ele disse, piscando o olho várias vezes exageradamente. — Viu, ó?! — continuou ,e eu rachei de rir.
Terminei meu copo de cerveja, peguei a garrafa e reabasteci. O garçom chegou com nossas batatinhas fumegando na tábua de pedra. O queijinho por cima me fez ter água na boca. Logo palitei uma e comi. Obviamente queimei a boca. começou a rir da minha cara.
— Isso que dá comer comida quente.
— Pecados que valem a pena, meu rapaz, vê só esse queijo! — falei, fincando o palito em outra batata e a levantando, para mostrar o queijo derretido. — Fino do fino, .
— Ê, mineira raiz, ein?! — comentou, e eu ri.
A noite foi andando rápido, assim como nossa sobriedade. A certa altura, nós já estávamos mandando áudio bêbados pra , mandamos fotos pra irmã dele, cantamos a música do bar e rimos muito. Meia caixa de cerveja e algumas doses de cachaça depois, nós resolvemos ir embora, porque o bar tava pra fechar.
Fomos andando até chegar na frente do prédio em que morava. Ficamos uns minutos ali conversando e rindo.
— Ai, , eu vou indo — falei pra me despedir.
— Dorme aí, sô! — ele convidou. — Tá tarde pra você voltar sozinha pra casa. Ainda mais bêbada igual um gambá.
— Olha como que ‘cê fala de mim, hein, peste! — falei, brincando. — Mas meu morro me espera.
— Não, , dorme aqui! É perigoso voltar a essa hora — disse. — Amanhã é sábado, não precisa preocupar.
— Então tá bom, — falei por fim.
Nós dois entramos no prédio e fomos pro apartamento dele. Nenhum de nós tava com vontade de parar o rolê, então pegamos umas bebidas que ele tinha, uma caixinha de som, e fomos pro segundo andar. tirou os tênis e os trocou por um par de chinelos, eu apenas larguei minha rasteirinha em algum canto e fiquei descalça. Ligamos a caixinha e colocamos a famosa “Top Brasil” do Spotify pra tocar.
Me sentei no balcão da churrasqueira enquanto pegava os copos e algum tira-gosto. Tirei meu quimono e coloquei de lado, acendi um paiero e fiquei ali, esperando e curtindo a música. logo voltou com dois copos, um pacote de cheetos e uma garrafa de algo que eu ainda não sabia o que era.
— Que é isso aí, papai? — perguntei assim que ele colocou tudo no balcão.
— Tequila — ele respondeu, e eu arrepiei só de ouvir. — Ah, qual é?! Vai dizer que não gosta!?
— Gostar eu gosto, mas sobe rápido — expliquei.
— Mas essa é a maravilha da tequila, .
— “ ”, tá brigando comigo, é? — falei, e ele riu.
— Tô, por desdenhar da nossa convidada especial, La Tequilita.
— Perdoe-me, senhora. — Fiz uma reverência exagerada, e riu.
— Como que pode ser tão boba?
— Não podia ser só bonita, , tinha que ter algo pra equilibrar — falei, brincando.
— Engraçado, né? Quando você tá sóbria, só fala que é um lixo, quando tá bêbada, o cenário muda — ele disse e se sentou do meu lado. — Se você sabe que é bonita, por que fica se atacando?
— Ai, , perguntas complexas demais pra um ser humano afogado na cachaça — respondi, e ele riu.
Nesse momento, começou a tocar Barões da Pisadinha, ele apenas me olhou e eu entendi o recado. Eu tinha dito que ia dançar, agora tinha que dançar. Eu desci do balcão, e começamos a dançar ao ritmo da música. tinha dois pés esquerdos, e eu dois direitos. Parecíamos um casal de crianças que tavam tentando imitar os pais dançando. Péssimo. Mas nós rimos muito, muito mesmo. A cada passo errado, nós soltávamos uma risada, então façam as contas.
— Nossa, , péssimos! — falei, rindo.
— Muito! — ele respondeu, gargalhando. — Mas valeu a pena.
— Valeu? Valeu o quê? Os pisões no dedão? — brinquei.
— Deixa de ser pentelha, mulher! — ele disse e começou a me fazer cócegas. Eu ri até chorar e não aguentar mais. ria com gosto também. Depois desse momento, nós, com as barrigas doloridas de tanto rir, resolvemos assar uns pães de alho que tinha guardado na geladeira.
Depois de muito lutar contra a churrasqueira, nós conseguimos vencer a batalha e colocar os pãezinhos no fogo. e eu viramos alguns shots de tequila, uns 3 para cada. No fim, nenhum dos dois estava andando em linha reta mais. Sentamo-nos no balcão e ficamos rindo e conversando.
— Olha, se você aceder esse cigarro, pode ser que entre em combustão! — disse quando me viu colocar o cigarro na boca. — Seu teor alcóolico é mais alto que o do absinto! — brincou, e caímos na risada.
— Vou correr o risco — falei, tomando uma postura corajosa. — Se eu morrer, fala pra que eu amo ela muito — brinquei e acendi o cigarro.
— UM MILAGRE! — gritou, brincando.
— Cala a boca, bicho, olha a hora!. — briguei e dei um tapinha de leve em seu braço.
— Poxa, não me bate, senão eu me apaixono mais — ele disse, manhoso.
— Mais? — perguntei, levantando a sobrancelha.
— É — ele respondeu, se aproximou e me beijou.
Fui pega totalmente de surpresa. Achei que era só brincadeira, mas claramente não era. E eu estava ok com isso. Depois do susto, me entreguei. Deixei que avançasse com o beijo e coloquei a mão livre em sua nuca. Os lábios dele eram extremamente macios e tinham gosto de tequila. Eu gostei. Encurtei a distância entre nós e apaguei o cigarro na pedra do balcão. passou as mãos pela minha cintura e a apertou, lançando uma onda de eletricidade pelo meu corpo. Nossas línguas dançavam juntas, muito bem coordenadas, ao contrário de seus donos.
Pude sentir a respiração de acelerar, e a minha não estava muito diferente. A intensidade do beijo só aumentava. Coloquei uma das mãos em seu peitoral, e ele deu um sorrisinho entre o beijo. Ele enfiou a mão por baixo da minha blusa e acariciou minhas costas. A essa altura, eu já estava quase no colo dele.
Então, um cheiro fortíssimo de queimado inundou o lugar. Paramos assustados e vimos que nossos pães agora só serviam para acender a churrasqueira. Estavam muito queimados. Eu desandei a rir quando vi. correu para tirá-los do fogo e acabou por apagar as chamas da churrasqueira também, afinal de contas, éramos tão bons churrasqueiros quanto éramos dançarinos.
Ele jogou os pães de carvão no lixo e voltou em minha direção.
— Dane-se os pães. — E me pegou no colo. — Temos coisas mais importantes pra fazer. — E voltou a me beijar.