Revisada por: Hydra
Finalizada em: 24.02.2025 🪐Os braços de Catarina queimavam à medida que a jovem herdeira se esforçava, cada vez mais, na tentativa de atravessar o quadro, ao encontro de seu verdadeiro amor. A luz amarela fazia seus olhos doerem, porém tudo que a princesa enxergava era o belo sorriso de Afonso a sua espera. Seus ouvidos não escutavam os gritos severos de sua mãe do lado de fora, somente prestavam atenção nos incentivos saídos da voz mais linda que já havia escutado na vida.
— Você consegue! — Afonso encorajava em forma de um sussurro, ainda não era possível vê-lo, mas de alguma forma a conexão entre os dois parecia ainda mais forte naquele momento, como se realmente estivessem destinados a se encontrarem em algum momento e no espaço apesar da tentativa universo de separá-los.
Catarina abria um sorriso enquanto suas mãos almejavam sentir o toque de Afonso Pela primeira vez, ela não se importaria se estivesse duzentos anos atrás de seu tempo ou se iria para um lugar onde o tratamento dado às mulheres era ainda pior. Catarina estava disposta a enfrentar tudo e todos somente pela ideia de acordar ao lado de Afonso Todos os dias, ou pelo menos sentir seu beijo uma única vez, afinal sabia muito bem do compromisso de seu amado com rainha Amália, contudo sabia também que o rei de Montemor amava a esposa o mesmo tanto que ela própria amava seu noivo arranjado, ou seja…
O sonho de liberdade parecia próximo, contudo assim como a esperança foi devolvida a sua vida em questão de segundos, a mesma lhe foi arrancada naquele momento. A luz vibrante desapareceu e o quadro perdeu a vida.
— Afonso! — Sua voz agoniada clamava pela voz do amado sem sucesso.
Ao contrário de todas as outras vezes, Catarina não obteve nenhuma resposta.
— Afonso, por favor, fale comigo.
Percebendo a ausência do rei de Montemor, a princesa de Artena permitiu que as lágrimas escorressem, sua última esperança, havia se perdido, ao contrário do esperado não estava envolvida nos braços do homem que amava naquele momento, mas sim se encontrava envolta a escuridão e a tristeza.
— Por favor Afonso não brinque comigo, me responda!
Outra vez o quadro permaneceu em silêncio como o objeto que era.
As lágrimas aumentaram enquanto a jovem tristeza sentia a dor corroer seu peito da mesma forma que uma traça corroeria aquele quadro se não fosse mágico de alguma forma. Era desse jeito que se sentia, devorada por traças, sem esperanças seu final feliz lhe fora arrancado de inúmeras formas diferentes.
— Porque, porque universo, você permitiu que nos conhecemos se já sabia que não poderíamos ficar juntos… Porque me fazer conhecer o verdadeiro amor se o manteria tão distante de forma tão cruel?
A jovem se abaixou lutando para não atravessar aquele maldito quadro a força. Tinha que haver um jeito, mas segundo a vidente, aquele spray inútil era sua única chance e esta havia se perdido.
— Catarina, eu vou arrombar essa porta, você vai vir comigo por bem ou por mal. — A voz firme da rainha a fez voltar ao momento presente.
Ela ergueu o rosto, não havia mais escapatória, pelo jeito o universo a condenara a uma vida de prisão naquele maldito lugar, onde envelheceria sem amor…
Depois de forçar suas pernas trêmulas a caminharem até a porta, ela demorou alguns segundos com os dedos na maçaneta, sabendo que sua próxima atitude, selaria para sempre sua escravidão.
Aquela cujo seus lábios deveriam sorrir ao chamar de mãe, a fitou de cima a baixo como se estivesse diante de uma aberração, suas feições frias faziam Catarina ter a certeza de que nunca esteve tão distante da mulher responsável por a trazer ao mundo.
— Fico feliz que tenha retomado o juízo, agora vamos logo, já perdemos tempo demais com essa bobagem e temos muito a fazer. — ordenou.
Catarina balançou a cabeça em sinal de afirmação enquanto procurava naquelas feições maduras qualquer sinal de compaixão, mas não teve sucesso. Uma decepção tomou conta de seu peito contra a sua vontade. Quanta tolice acreditar que aquela mulher lhe revelaria algum afeto depois de tantos anos. A jovem já deveria ter se acostumado a ter uma rainha no lugar de uma mãe.
Nem mesmo as flores do jardim vistas da janela eram capazes de colocar um sorriso sincero no rosto da jovem princesa naquele dia. Ela segurava as lágrimas enquanto uma de suas criadas fazia os últimos ajustes nas costas de seu vestido. Embora usasse um vestido branco por fora, a herdeira queria usar uma peça preta em representação ao luto pela liberdade que estava prestes a perder quando colocasse os pés naquela igreja. “Pense no seu povo. Você será uma rainha e uma rainha não pode ser egoísta. As palavras de sua mãe, ou melhor da atual governante de Artena, ecoavam em sua mente na tentativa de trazer algum conforto. Contudo, era tão errado assim querer ir atrás de sua felicidade, mesmo que estivesse há séculos no passado? Pelo jeito, se tratando de um membro da realeza, a resposta era sim.
Por sorte o véu tampava seus olhos no momento em que a marcha nupcial ecoou pela igreja anunciando sua entrada.
Enquanto caminhava de forma lenta para o confinamento, Catarina se lembrou dos momentos felizes ao lado de Afonso, de todas as risadas que deu e escutou do outro lado, mesmo não sendo capaz de enxergá-lo, todos os desabafos feitos a única pessoa capaz de entendê-la por inteiro. Naquele instante ela fez um pacto consigo mesma. Não importa o que acontecesse, em segredo ela sempre seria daquele que a fez entender o significado de amor mesmo sem nunca a tocar. Afim de se sentir melhor, ela imaginou o antigo rei de Montemor, no lugar de Otávio, em sua imaginação, o jovem governante do passado a esperava com um belo sorriso no rosto e lágrimas nos olhos, pronto para recebê-la em seus braços e em sua vida para sempre. A ilusão a fez acelerar os passos, afinal se tornar esposa de Afonso era tudo que mais queria naquele momento. A princesa estreou nas mãos exibindo um sorriso verdadeiro enquanto o tapete da igreja parecia cada vez mais curto, não se importando com os convidados ela subiu sozinha até o altar, esperando ser recebida por seu amado. Lá estava ele mais lindo do que nunca com os fios longos presos a um choque e um traje moderno cobria seu peitoral ao invés das vestes medievais com as quais havia se habituado. Afonso estava mais lindo do que nunca e mais radiante também. Seu sorriso era ainda mais belo do que ela poderia imaginar e seus olhos pareciam clamar por sua presença como se nada mais importante.
— Muito bem, senhoras e senhores, estamos aqui reunidos neste belo dia para concretizar a união desde casal real, escolhido por Deus para realizarem a árdua missão de comandar juntos esse reino tão querido para nós que é Artena. Por isso eu pergunto. Princesa Catarina de Lurton, você aceita este homem como seu legítimo esposo, para amá-lo e respeitá-lo, na alegria e na tristeza, na saúde e na doença?
A palavra de três letras saiu de forma automática de sua boca.
— Sim, isso era tudo que eu mais queria, mal posso acreditar Afonso.
— Afonso? — A voz confusa do padre quebrou a ilusão na qual a jovem tentava desesperadamente de esconder.
Assim, seu amado deu lugar a um rei Otávio de sobrancelhas franzidas. Ao perceber o erro, a jovem respirou fundo sentindo as lágrimas de alegria em sua bochecha se tornarem lágrimas de tristeza. — Eu quero dizer Otávio, é claro… — Ela não escondeu o desapontamento na voz.
Enquanto sua mãe a encarava de forma a parecer querer estrangulá-la, o condutor da cerimônia fez a sua parte ao comentar.
— Olha só! Pelo visto eles já têm apelidos um para o outro!
A plateia caiu na risada enquanto Catarina forçava seus lábios a fazerem o mesmo.
Para sua sorte. Otávio a poupou de um constrangimento e depois da troca de alianças deu somente um beijo em sua bochecha, o que a plateia não estranhou, visto que as famílias reais tendiam mesmo a serem mais discretas.
Em meio a vozes nada familiares que a parabenizaram pelo casamento quando na verdade deveriam estar dando os pêsames, Catarina sentia a mente vagar longe, mais precisamente para o pequeno quarto em meio ao jardim onde ela passou os melhores momentos de sua vida. Era impressionante como mesmo somente através da voz, Afonso conseguia fazê-la se sentir muito mais confiante, empolgada e plena do que qualquer pessoa ao seu lado. Seu coração doeu quando a jovem pensou na possibilidade de nunca mais ouvi-lo, afinal, o quadro não a havia respondido no dia anterior, será que com a falha de seu plano, a comunicação entre eles havia sido cortada de vez? Se fosse esse o caso, será que Afonso estaria tão angustiado e triste quanto ela? O simples pensamento de nunca mais escutar aquela voz capaz de levá-la aos céus fez a princesa ter vontade de chorar, contudo ainda na saída da igreja, a caminho da carruagem, ela precisava manter as aparências de felicidade, mesmo que por dentro a dor a queimasse.
A herdeira de Artena nunca pensou que ficaria tão feliz em ver o seu quarto, lugar que a lembrava constantemente de sua prisão, porém ainda era onde conseguia ficar sozinha durante raros momentos. Ela esboçou um tímido sorriso aliviada por finalmente ter um tempo para si mesma, para chorar, espernear e sofrer pela perda de seu grande e de sua liberdade ao mesmo tempo, contudo, antes que a princesa pudesse deixar as lágrimas caírem. Como de costume, a rainha entrou sem permissão, exibindo feições de raiva.
— Escuta aqui Catarina, essa foi a gota d'água, sorte sua que o padre foi esperto, mas eu duvido que o Otávio tenha engolido essa história de apelido, então é melhor você esquecer de uma vez por todas essa história de quadro, Afonso eu não quero ouvir uma palavra sobre esse maldito reino extinto de Montemor, se este Afonso falou mesmo com você, agora acabou ele está no passado e você precisa se comportar como a rainha que será daqui algumas semanas, ouse ou vai sofrer as consequências. — A atual governante de Artena ameaçou como se estivesse falando com uma empregada e não com a própria filha.
Catarina queria espernear, gritar que aquilo não era o comportamento de uma mãe, porém seria inútil, ela estava cansada de brigas e triste demais para ter forças.
— Hoje à noite, aqui no nosso castelo, será o baile de comemoração, várias pessoas importantes vieram, por isso é melhor você parecer feliz, se comportar e nunca mais repetir aquele maldito nome. Estamos entendidas?
A princesa se limitou a dizer que sim.
— Ótimo!
Assim que a mãe fechou a porta, a jovem finalmente se deu ao luxo de chorar, pensando consigo mesma que universo cruel era esse. Ela e Afonso poderiam ter sido tão felizes juntos…
O som melodioso do piano ecoava pelo salão enquanto Catarina sentia as bochechas doerem de tanto sorrir, manter as aparências é uma tarefa difícil, mas com um coração partido, fica quase impossível. Para não surtar, a princesa se concentrava na bela decoração, flores colhidas do jardim enfeitavam as mesas, pelo nisso ela pôde opinar. As pessoas chegavam enquanto Otávio cochichava quem eram. A princesa não conhecia nem metade daquelas pessoas e a maioria só havia visto uma vez. Lutando para não mandar o novo marido ficar quieto, ela tentava se concentrar em lembranças felizes, até que um dos convidados na porta de entrada chamou sua atenção.
Era um homem alto, elegante, vestido com um terno preto combinando com a máscara que cobria seu rosto, mesmo assim, seus olhos verdes como esmeralda, atraíram o olhar da herdeira do trono, eram tão grandes, sedutores, de alguma forma lembravam os de… Não, não podia ser possível com certeza sua mente estava lhe pregando peças. Por mais que desejasse com todas as suas forças a presença do amado naquele momento, a jovem de pele morena já havia aceitado que seu desejo era impossível ou talvez não.
Sem pensar duas vezes, ela interrompeu Otávio para perguntar:
— Quem é aquele ali de máscara? Sua voz caiu mais empolgada do que gostaria, porém era difícil conter a esperança que crescia em seu peito.
Otavio focou no homem com os olhos de esmeralda.
— Estranho, eu nunca o vi, porque será que ele veio com uma máscara?
Tentando esconder o sorriso verdadeiro que se formava em seus lábios, a princesa respondeu de forma fria.
— Ah, às vezes é alguma moda…
– Tem razão, deve ser algum duque ou conde do qual não estou me lembrando.
Durante os cumprimentos Catarina não tirou os olhos do estranho misterioso que a lembrava de seu amor, os cabelos negros, mesmo presos a um rabo de cavalo, a faziam se lembrar dos fios pintados no quadro. Seria possível que Afonso teria conseguido ir para o presente e estivesse ali bem a sua vista? Mas então porque não a havia procurado e porque não apareceu na sua frente?
Eram tantas perguntas…
— Você está me ouvindo? — A voz de Otávio a puxou ao presente.
— O que?
— Eu perguntei se vamos agora para o meio do salão, afinal está na hora da valsa dos noivos.
— Ah sim, claro! Vamos lá.
Conduzido pelo marido, a princesa caminhou até o sempre, porém seus olhos ainda estavam focados no estranho misterioso que também parecia observá-la.
O toque frio de Otávio em sua cintura a fez saber que era hora de começar a se movimentar. Enquanto era conduzida pelo marido, a princesa sentia o olhar do estranho misterioso cada vez mais forte, como se ele quisesse encontrá-la, bom ela era a noiva, e princesa de Artena, porém em seu coração a jovem sentia que era mais do que isso, talvez ele quisesse encontrá-la para dizer que estava ali finalmente…
Um grunhido de dor a fez perder o raciocínio.
— Você pisou no meu pé. — Reclamou Otávio
— Me desculpe, foi sem querer.
Percebendo o olhar distante da agora esposa, o rei da Lastrilha indagou.
— Está tudo bem? Você parece distraída…
Catarina se voltou para o homem mais velho que segurava suas mãos.
— Eu estou bem sim. Não estou distraída, é só que é uma grande mudança…
— Eu entendo, mas não se preocupe, agora por favor se concentre no nosso baile! — Otávio respondeu sério
Catarina por sua vez, engoliu seco antes de responder:
— Claro, tem razão!
Pelo visto sua prisão já havia começado antes mesmo da noite de núpcias, outro assunto sobre o qual ela estava evitando ao máximo pensar, a ideia de ter aquele homem mais velho tocando de forma íntima era demais para sua mente tão jovem. De repente ela se pegou questionando como seria na época de Afonso, afinal a situação era muito pior, meninas de quatorze anos, eram forçadas a se casarem com homens da idade do rei da Lastrilha e não necessariamente só na realeza. Quanto horror.
Tocar no nome do amado, no entanto, a fez voltar os pensamentos para o homem mascarado misterioso que naquele momento rodava pelo salão, sem tirar os olhos da princesa. Seu coração disparava com a possibilidade de realmente aquele homem ser Afonso. Tudo que queria era correr até ele, perguntar seu nome e ver se a voz que sairia de sua boca seria a mesma tão doce que já havia se acostumado a escutar.
Era difícil manter a pose quando sua vontade era estar longe, contudo, para sua sorte logo a valsa acabou e era hora de os convidados terem a chance de dançar com os noivos. Ela olhou a volta esperando para ver se o estranho desconhecido a convidaria, minutos se passaram e ela continuava, enquanto Otávio dançava com um importante membro do governo.
Ela andou frutada até o jardim, onde se sentia mais segura, todos estavam se divertindo tanto, ninguém sentiria sua falta. Porém segundos depois ela notou uma sombra a seguindo. Seu coração se encheu de esperança e essa foi correspondida quando o homem misterioso estendeu as mãos indagando.
— Me concede essa dança?
Trêmula, Catarina fez que sim, suas mãos se encaixaram do mascarado como se tivessem sido feitas uma para outra, seu toque em sua cintura a arrepiou de maneira que a jovem nunca achou ser possível. Ele a girava sorridente, porém não dizia nada. Catarina impaciente quase indagou para ouvir sua voz e tirar de uma vez por todas a dúvida que a consumia. Seu desejo novamente foi atendido quando ele sussurrou.
— Seus olhos são ainda mais lindos pessoalmente!
A princesa continuou no ritmo música que tocava ao fundo enquanto sentia suas bochechas corarem.
— Você imaginava meus olhos, mas nós nunca nos vimos antes.
— É aí que se engana, realmente, eu nunca havia visto seu rosto, mas sonho com ele desde o instante em que ouvi sua voz naquele espelho.
Catarina tomou um susto enquanto em um ato desesperado tirou a máscara do rosto do parceiro de dança e enxergar ali o mesmo rosto que via no quadro e com o qual também sonhava desde aquele dia em que entrou naquele quartinho.
Com um sorriso Afonso fez que sim com A cabeça. Catarina em uma fúria de descobrir todas as curvas daquela face passou as mãos por aqueles fios negros, presos no coque igualmente lindos e fazendo o que seu coração mandava, sem pensar em Otavio, sua mãe ou no lugar onde estava, puxou para perto de si a fim de finalmente ter o beijo que a fez entender de uma vez por todas o que era o amor verdadeiro. Sentimento tão poderoso que é causa de fazer uma simples máscara, ser muito mais valiosa do que qualquer coroa.