Revisada por: Lightyear 💫
Última Atualização: 12/06/2025Limbo • Dois Anos Antes.
Voltar à vida foi como quebrar a superfície de um rio congelado.
tremeu. Inspirou profundamente, o ruído engasgado escapou, rouco e desesperado, por entre os lábios abertos, em uma tentativa de inspirar ao máximo de oxigênio que conseguia, desesperada para aliviar a pressão dolorosa que se espalhava pelos pulmões. Dor esta que se parecia com ondas, chocando-se de forma devastadora em seu peito, acompanhando-a de forma espectral cada movimento que fazia, ao arrastar-se para fora do casulo.
O choque da queda reverberou pelo corpo inteiro, como eletricidade, e por um longo momento, tudo o que conseguiu sentir foi dor. O chão abaixo de si era plano, gélido e uniforme; a sensação estranha por baixo da pele nua, escorregadia com algum tipo de coisa que se lembrava a um muco, viscoso e estranhamente cálido contra o corpo, criava uma pequena sensação momentânea de alívio. Ela arfou, uma, duas, três, quatro vezes.
Havia uma sensação sufocante de amortecimento por seu corpo inteiro, como se, de repente, este não mais lhe pertencesse. Tentou rolar para a esquerda, pressionando com força a barriga contra o chão de cimento queimado. O baque suave de seu ombro e mesmo bochecha contra o concreto ecoou com um ruído molhado, nojento, mas desta vez, não a alcançou. Seus ouvidos estão zunindo; um barulho que se iniciava langoroso, crescendo, bem devagar, até se tornar a única coisa que era capaz de ouvir. Pulsando, em ritmo com os batimentos cardíacos, arrítmicos, quase dolorosos, em seu peito. Ela soltou um engasgo baixo, tentando tatear o chão, os olhos moveram-se ansiosamente ao redor, tentando desesperadamente registrar alguma coisa, qualquer coisa que seja, mas não há nada. Ela está no vazio.
fechou os olhos com força.
Havia algo errado. Algo faltando dentro de si, mas não poderia saber dizer ao certo o que estava errado. Podia sentir que algo estava perdido dentro de si, podia perceber as lacunas que se formavam por sua mente, embaralhando-se e revirando-se em um turbilhão de emoções desconhecidas que não possuíam lugares fixos. Tentou buscar o que havia acontecido com ela. Tentou recordar-se o que diabos poderia ter feito para acordar em um lugar completamente escuro, envolta por um pungente e atordoante, terroso como ferrugem, que fazia com que sua língua adquirisse um gosto metálico que se misturava com o amargor da bile que estava subindo de seu estômago. Ela sentiu a contração familiar dos músculos de seus abdômens, engasgando-se com o ar, mas nada saiu de sua garganta. Ofegante por ar, franziu o cenho, congelando no lugar por um momento.
Ela era , a... a…
Sabia seu nome, mas… o que isso significava para si?
Percebeu, com um tremor gélido e elétrico percorrendo por seu corpo inteiro, inflamando e deslocando-se como lascas de gelo por suas veias, pulsando. Ela não tinha ideia de quem ela era. Não tinha ideia de como havia acabado naquele lugar, sequer que lugar era aquele. Não se lembrava de sua vida posterior, sequer poderia ter certeza de que seu nome era este de fato. Não havia nada. Branco. Completo. E então, as dores a alcançaram.
Um grito rasgou por sua garganta, arranhando-a. Um espasmo percorreu o corpo, fazendo-a chocar-se contra o chão, com uma força que reverbera por seus ossos e crânio, sentindo algo se romper com um sonoro crack e então, queimar. Ela sentiu quando algo denso e pegajoso escorreu por seus braços, travados agora em suas costas em ângulos antinaturais. Projetavam-se para fora do local em que sentia a queimação, deslizando por suas costas e acumulando-se na nuca, escorrendo lentamente, pingando, gota por gota, no concreto ao lado de sua cabeça. Escorreu devagar, porém persistente, por sua mandíbula antes de atingir os lábios. se engasgou, cuspindo em desespero.
Sangue.
Outro espasmo a atingiu, fazendo-a contorcer-se no chão e impulsionando-se para a direita com brutalidade, sentindo o momento em que sua cabeça fez contato com o concreto. Então, as costas dela se arqueiam, e percebeu, tardiamente, que o que estava a controlando eram linhas. Não, não… teias…
tentou gritar, mas sua voz, desta vez, não saiu.
Um impulso abrupto a levantou do chão, e por uma fração de segundos, sentiu-se arrastada. Não havia nada que pudesse fazer, mesmo debater-se parecia impossível. Suas pernas se contorcem, uma é puxada para trás, com um sonoro crack, que fez estrelas explodirem por trás de seus olhos, e seu corpo ficar amortecido e mole por uma fração de segundos. Tudo desapareceu ao redor dela.
Quando retornou à consciência, percebeu que estava pendurada. Os olhos tremiam, incertos e carregados pela tensão que reverberava por cada centímetro de seu corpo. Tentou mover-se, debater-se, mas estava presa, suspensa no ar, cingida. ofegou, sentindo a pressão em seus pulmões aos poucos retornar com maior intensidade. Os lábios estavam secos, o gosto de bile e sangue misturava-se agora com a sensação sufocante de não conseguir respirar. Sua cabeça estava começando a ficar mais leve, girando pelo rarefeito enquanto tentava obrigar-se a respirar, mas quanto mais tentava sugar ar por entre suas narinas e boca entreaberta, mais parecia que não conseguia. Sua visão, outrora obscurecida, agora tornou-se um borrado incompreensível de formas, como um manto esbranquiçado de névoa, ou um vidro embaçado pela condensação. Ela conseguia discernir poucas coisas naquele breu desconcertante, os olhos ajustavam-se ao pouco de claridade que parecia escapar de cantos improváveis, como o teto alto, como o de um galpão — mas como ela poderia saber o que era um galpão?
Suspensos no ar, havia uma fileira extensa de casulos feitos de teias. Tão densos e apertados que tudo o que conseguia identificar eram meras silhuetas de corpos. Surpreendentemente, todavia, permaneciam todos estáticos, nem mesmo um mínimo movimento, questionou-se, para além do próprio horror, o que poderia ser capaz de manter algo suspenso assim. A pressão no peito aumentou, e passou a hiperventilar. O corpo inteiro estava dolorido, preso em ângulos antinaturais e agonizantes, mas agora começavam a se amortecer. Seu coração estava martelando com intensidade, chocando-se tão rápido contra a caixa torácica que parecia que iria explodir. Por um breve momento, teve a completa certeza de que ela iria morrer ali. Ela iria morrer ali. Não havia como escapar. Sentiu um profundo, gélido e agonizantemente lento medo espalhar-se e dominar todos os seus pensamentos.
De repente, tudo pareceu perder o sentido.
Por que faria? Ela iria morrer. Estava presa entre teias de aranha, de aparência tão frágil, que a sustentavam no ar, longe o suficiente do chão, para que soubesse que, se porventura conseguisse livrar algum de seus membros, a queda inevitável terminaria o trabalho. Ainda assim, cegada por seu próprio desespero, continuou a se debater contra a teia, desesperada por um pingo de liberdade que fosse, desesperada para continuar-se a agarrar a uma esperança vã — ela conseguiria escapar dali.
Foi somente quando outra teia envolveu seu pescoço e o puxou com violência para trás, que teve certeza: estava condenada. As lágrimas que escorreram por seu rosto não eram de medo, mas sim frustração. Ela morreria sem saber quem era. Ela morreria sem ter um rosto para qual se agarrar ou sequer uma pequena ideia do diabos poderia ter feito para merecer aquele fim. Ela morreria enquanto engasgava desesperada por ar. O corpo tremendo, os músculos contraindo-se de forma involuntária, quase doloroso demais para passar despercebido, se os olhos dela não tivessem se encontrado com a criatura.
De onde presumia que era o telhado alto, deslizando lentamente por entre os poucos pontos de luz providos pelas penumbras minúsculas, seus olhos registraram a pequena forma. A coloração impossível de não ser notada, com o vermelho profundo nos padrões distintivos da pequena criatura. Deslizava com graciosidade por entre as teias, movendo-se rapidamente, as pernas agarrando-se e traçando padrões por entre as teias que a sustentavam, aproximando-se mais e mais de seu rosto. Uma aranha. Pequena, mas ágil. Anômala em sua coloração natural, vermelho e azul, obscurecida pelo breu que se espalhava por entre os outros casulos. ofegou mais alto.
Ela não sabia quem era. Ela não tinha nenhuma memória de seu passado. Sabia apenas seu nome, mas encarar a criatura esquisita avançando em sua direção com rapidez enviou uma sensação estranhamente familiar de medo por seu corpo inteiro. Sentiu novamente aquele impulso quase enlouquecedor de livrar-se das teias que a envolviam, mas ao tentar lançar-se para frente, as amarras quase invisíveis que a prendiam no lugar pareceram ficar mais apertadas. soluçou alto. Os olhos não se desviaram da criatura, agora a poucos centímetros de distância de seus olhos. Então, a aranha parou.
Por um momento, não sabia dizer a passagem de tempo. Ela não sabia dizer se havia ficado horas encarando a pequena criatura a poucos centímetros de seu rosto, ou se haviam sido meros segundos. Tudo o que havia registrado era a criatura, girando no ar, as pernas contraindo-se para dentro e para fora, como se estivesse se preparando para… saltar.
A aranha pousou no olho esquerdo de , que teria gritado, se não fosse a teia em seu pescoço. Tentou se debater outra vez, mas não houve resultado algum, a não ser pela sensação fantasmagórica das patinhas da aranha deslizando por seu rosto, como uma cócega distante e perturbadora, até chegar em seu pescoço. ofegou com mais força, tentando inspirar o máximo de ar que conseguia, mesmo que seu corpo não estivesse compreendendo que poderia respirar direito. A presença fantasmagórica da aranha pairou por alguns segundos sobre a carótida de , e ela desejou que fosse apenas isso, que a criatura tivesse simplesmente desistido de explorar sua pele e seguido para uma das teias que a estavam suspendendo. Quando os segundos começaram a aumentar, quase pode sentir alívio, com a vaga certeza de que talvez o aracnídeo tivesse de fato desaparecido.
Mas, então, a aranha a picou.