Revisada por: Júpiter
Última Atualização: 28/12/2024Quando parei diante dos primeiros degraus, estando mais acordada, foi como se a adrenalina do meu corpo estivesse indo embora. Cogitei voltar para a cama e dormir de novo ao invés de descer, já sentindo meus pés inchados doloridos e a dificuldade por conta do tamanho e peso da barriga de quase trinta e nove semanas. Entretanto, eu não iria conseguir; dormir sem o corpo de Wonwoo do meu lado se tornava cada vez mais impossível, então prossegui.
Como imaginei, ele estava na cozinha.
— O que você está fazendo? — perguntei, manhosa, escorada no batente.
O sorriso dele se abriu ao me ver. Wonwoo ergueu o rosto para a minha direção, ajustando a armação do óculos no nariz.
— Oi, meu amor. Eu já estava terminando aqui — disse, fechando um pote.
— Terminando o quê? — insisti, vendo a quantia de potes fechados em cima da ilha da cozinha.
— Pensei que, como a Kim está de férias, deveria deixar suas coisas da semana separadas. Não sei se consigo voltar antes de sexta-feira.
Assenti, bocejando em seguida, e murchei meus ombros, acariciando minha barriga.
— Já falei com seu pai e ele volta amanhã, talvez eu o encontre antes de sair, mas já deixei tudo explicado e também a grade das suas vitaminas — apontou para o papel na geladeira —, ele só precisa ler e fazer. E, se eu não conseguir chegar a tempo, ele já sabe sobre a bolsa e-
— Neném… — cortei seu monólogo. Wonwoo ia viajar na manhã seguinte a trabalho, sem saber exatamente se conseguiria voltar, o que estava lhe deixando nervoso demais, pois já estávamos apenas à espera da boa vontade de Louise. O momento agora era dela e a gente só teria que esperar por sua graça.
Ele suspirou, parecendo desanimado.
— Me desculpa… — pediu pela milésima vez.
Descolei do batente e me aproximei dele, levando a minha mão ao seu rosto.
— Está tudo bem… A gente entende. E o seu negocinho não vai dar as caras antes de você voltar, você vai ver. Eu faço ela botar a cara pra dentro de volta em dois segundos.
Ele riu fraco, franzindo o nariz. Deixou um beijo na palma da minha mão ao virar o rosto suavemente.
— Nosso negocinho — disse em tom de correção. — E eu realmente não quero ir, estou sentindo que ela puxou a mãe e não vai querer esperar.
— Aí é um problema seu, ninguém está mandando ir cuidar da sua outra família agora — brinquei, recolhendo minha mão. Wonwoo revirou os olhos, como sempre fazia quando eu usava desse humor desde que as viagens a trabalho começaram a se tornarem repetitivas. Ele não tinha muita escolha, ainda não tinha finalizado o período de estágio, não podia simplesmente dizer não, principalmente para casos tão grandes como os quais demandavam sua ausência.
— Bobinha. — Suspirou, se virando para os potes. — Bom, aqui tem suas frutas cortadas e café da manhã.
— Suficientes para um batalhão de gente. É “negocinho” e não “negocinhos”, não tem plural aqui dentro, neném. — Alisei a barriga com as duas mãos, encenando.
— Você realmente não notou o quanto está comendo… — ele riu, começando a guardar pote por pote na geladeira. — De qualquer forma… Mingyu e Laura irão vir ver vocês durante a noite, seu pai disse que ficará em casa de dia…
— Hum, rodízio para vigiar a Bee. Você sabe que o velhinho é o mais fácil de eu ludibriar, não sabe?
— Dorota já deixou claro para ele, de forma bem didática, o que acontecerá se você continuar consumindo açúcar. Então não espere milk-shakes extremamente doces. Sem morango extra pra você, mocinha.
Fechei a cara. Consumir doces tinha se tornado meu maior vicio durante a gestação; o que eu tinha evitado por anos pela minha diabetes, de repente era o que eu mais gostava de consumir, me trazendo felicidade.
— Está escutando? — disse para a minha barriga, com as duas mãos posicionadas nela. — É o seu pai que está proibindo o morango extra, não eu. Então fique brava com ele e segure esses chutes para quando nascer… Você vai poder chutar bastante essa bundinha de pombo dele.
Wonwoo riu, não levando a sério.
— Se a primeira palavra dela for um palavrão, já sabemos quem terá puxado.
— Claramente você. Nove meses ouvindo você me chamar de piranha e-
— Bee! — Wonwoo me parou, nervoso. Ergui o olhar para ele, sem entender seu susto. Ele estava de frente para mim, segurando firme uma tigela, pálido demais.
— Ué, estou falando mentira? Você fala muitos palavrões quando a gente transa. Principalmente quando eu vou fazer aquela coisa que você gosta… Como o nome mesmo… É-
Ele fechou os olhos e eu ouvi alguém raspar a garganta. Me virei para trás e vi meu pai.
— Pai!? — cumprimentei, surpresa.
— Boa noite. — Ele parecia desconcertado. — Insônia?
— Sim. A cama vazia do outro lado não me deixa dormir. — Fingi que estava tudo bem e nada constrangedor. — Mas Wonwoo já estava voltando comigo.
Me virei para frente e ele fechava a geladeira, ao encarar meu pai, seus olhos continuaram arregalados e as mãos um pouco trêmulas. Resolvi brincar com ele.
— Fica em paz, neném. Não tem mais como esconder o que você e eu fazemos. Esse negócio aqui não deixa — apontei para a barriga.
— Bee…
Meu pai gargalhou e Wonwoo enterrou o rosto no meu pescoço.
— Eu vou subir. Boa viagem amanhã, Wonwoo. E não se preocupe, como cheguei antes, eu mesmo preparo o café da manhã para a bolotinha.
Wonwoo apenas fez um “joia” e eu tive uma crise de riso. Meu pai subiu e nós ficamos a sós outra vez.
— Ei, ele já foi… — o ergui pelos ombros. — Credo, você está vermelho igual pimenta!
— Não é todo dia que seu sogro escuta as coisas que você faz com a filha dele.
— Bem, pense por um lado… Poderia ter sido pior, eu poderia ter dito que você me amarra e bate na minha cara com-
Não pude terminar, Wonwoo me beijou para me calar. O que eu adorava, inclusive, mas que atualmente era sempre interrompido com alguns chutes que eu recebia, não sendo diferente agora.
Ele se afastou, com a mão na parte de baixo da minha barriga, e disse:
— Eu tô doido pra descobrir de quem é esse ciúmes.
— Já que sabemos que ela vai nascer com a sua cara cuspida, vamos me iludir e dizer que tem ciúmes de mim. Só para recompensar esses 9 meses de cegonha.
Wonwoo riu de mim, voltando a me beijar antes de virar meu corpo para a saída da cozinha. E durante esse caminho, tive um acesso de memória.
A minha memória preocupada.
— Neném? — chamei, logo quando subimos o primeiro degrau. Ele não tinha soltado as mãos da minha cintura, subindo por trás de mim como uma forma de me ajudar a enfrentar aquela caminhada cansativa.
— Oi, Pesseguinha.
— Você vai ir com a Veronica amanhã, não vai? — perguntei em um tom mais baixo.
— Não. Vou usar a moto. Prefiro que você fique com seu carro.
— Mas é perigoso, Wonwoo! — Parei no meio da escada, virando para ele. — Não gosto de você pegando estrada naquela moto, não.
— Ela é ótima e segura, lembra do que a Denise falou? — Wonwoo falou comigo como se estivesse explicando a uma criança. Mas era apenas o jeito de ele me acalmar e não me deixar entrar em ansiedade.
Revirei os olhos, porém.
— A Denise é radical. Para ela, subir o Everest com Max é seguro. — Em um ato automático, levei a mão à base da coluna e a outra no topo da barriga. — Prefiro que você não use o irmão da Veronica.
— Você e os seus nomes para as coisas… — ele riu. Por estar dois degraus abaixo, estava à altura da minha barriga, então deixou um beijo demorado nela. — Mas tudo bem, se vai te deixar mais tranquila, eu deixo o Valentino na garagem. — Me abraçou naquela posição mesmo, “deitando” a cabeça na minha barriga.
— Ótimo! — finalmente sorri. E também senti uma movimentação dentro de mim, que agora não eram apenas as borboletas no estômago. — A Lou também concorda…
— Deu para sentir.
— O bom é que agora eu não vou mais cuidar de você sozinha. Você dá muito trabalho, Jeon Wonwoo! — Afaguei o cabelo dele.
Também não deu para finalizar em definitivo, senti uma coisa quente escorrendo pelas minhas pernas, me preocupando na mesma hora com o problema de xixi solto. Mas não era, não agora. Era realmente diferente desta vez. Levei a mão à base da coluna e fechei os olhos novamente; ao abri-los, eu pude ver Wonwoo se levantando rapidamente do lugar em que estava. Ao meu lado, senhora Maxwell já vinha me auxiliar.
— Está tudo bem, Bee? — ela perguntou gentilmente, olhando para baixo em seguida e me servindo de apoio, pois de repente eu fiquei inerte. — Bom, eu acho que está na hora…
Apenas assenti, ficando apreensiva. Instantaneamente eu havia entrado em uma atmosfera diferente, distante, com o que aquilo poderia significar.
Era Louise querendo nascer. Era o momento dela.
Logo, Wonwoo estava do meu outro lado.
— Calma, . Respira fundo. — Ele simulou a sequência calma de respiração e eu abri os olhos, repetindo o mesmo.
— A bolsa estourou, neném. Ela está vindo — falei, manhosa, com medo de me mover o mínimo que fosse.
— Sim, já está na hora. A gente sabia que poderia ser a qualquer momento — sorriu para mim, me dando uma sensação de paz. — Agora vamos, . Precisamos ir para o hospital.
Eu concordei como se estivesse totalmente hipnotizada, deixando de me apoiar no braço de Maxwell e pegando nas mãos dele.
A calmaria durou pouco demais. Foi só ele dizer isso e meu cérebro registrar palavra por palavra, como em um sistema de internet discada, que meu coração começou a acelerar. Eu estava no final da apresentação do meu trabalho de conclusão do curso, a bolsa da maternidade de Louise estava em casa, faltava colocar o lençol no berço dela e eu não tinha recebido ainda a pulseira de identificação que mandei fazer para ela (com uma para mim e outra para Wonwoo), para que fosse usado na maternidade e não correr o risco da minha filha ser trocada ou levada de nós. Ao menos, tinha finalizado os agradecimentos, faltava o discurso bocó citando papai e Laura como meus maiores apoiadores na vida.
Estava tudo incompleto.
Eu estava sendo guiada, abraçada, cuidada. A movimentação ao meu redor ia acontecendo e eu não fazia ideia do que todo mundo estava decidindo, fosse por mim ou por eles. No momento, precisava apenas me concentrar para não colapsar.
— Wonwoo! — me desesperei, porém, segurando na gola da camiseta dele. — As pulseiras não chegaram! Ela não pode nascer agora! Não está na hora! Não é seguro! Nós não colocamos o lençol certo no berço!
— … — ele pigarreou, olhando em volta. — Está na hora, sim. Ela não quer mais ficar aí dentro, já deu o tempo, agora ela precisa vir ao mundo. Nossa abelhinha precisa vir pra fora.
— Mas… neném… — tentei contra-argumentar, mas não consegui, estava ansiosa e nervosa demais.
— Me dê sua mão. A gente precisa ir.
Assenti lentamente, me sentindo um pouco mole.
Parecia louco demais todas as vezes que eu pensava e refletia o fato de ter alguém crescendo dentro de mim, que nasceria do meu ventre. Um mini ser vindo ao mundo e totalmente dependente do meu cuidado, da minha educação e proteção. Isso jamais seria compreensível, embora eu já estivesse bem acostumada, afinal, passando de algumas semanas de gestação não tem como você simplesmente renegar o que há dentro do seu útero. A questão da incompreensão é sobre merecimento, sobre capacidade.
Sob nenhuma hipótese eu conseguiria ter 100% de certeza sobre a minha capacidade de ser mãe. Wonwoo seria um pai maravilhoso para Louise, disso eu não tinha dúvida, mas eu jamais afirmaria que conseguiria ser o que ela precisava que eu fosse. Talvez fosse muito mais seguro ficar dentro de mim do que vir para fora.
Devagar, fomos caminhando, Wonwoo me segurava pela mão e me guiava. Eu nem tinha visto, mas Mingyu e Laura haviam saído às pressas, segundo o que ele me disse, assim que viram que eu estava toda molhada pelo líquido da bolsa, e foram até nosso apartamento para buscar as coisas da maternidade. Enquanto isso, meu pai e todo o resto nos acompanhavam para o estacionamento — Seungcheol, Denise, Hansol e Amaya, que também foram convidados para a apresentação do meu trabalho final.
— Acho melhor alguém dirigir para você, Wonwoo. E você vai com ela atrás! — Denise dizia e eu não conseguia identificar onde ela estava. Tudo acontecia ao meu redor, mas eu não tinha percepção de nada, somente a ansiedade tomando conta de todos os meus sentidos e a presença de Wonwoo comigo.
Certamente, se não fosse ele ao meu lado, eu não estaria, de forma alguma, conseguindo ao menos pensar o básico.
— Eu vou dirigindo! — A voz de Cheol soou alta e eu já estava sendo colocada no banco de trás de Veronica. — , com licença, viu? — Apenas assenti, voltando ao exercício prático da respiração com Wonwoo sentando-se ao meu lado. No banco do passageiro, na frente, estava o meu pai.
Seungcheol logo estava dirigindo para o hospital. Consegui ver Denise em cima de sua moto, mas eu ainda estava limitada ao meu próprio mundinho, e ele se resumia a pensar que dali algumas horas eu não iria mais ter Louise dentro do meu útero, que a proteção agora seria do lado de fora. E isso era assustadoramente uma coisa que eu jamais cogitei, mas ao mesmo tempo tão certo de acontecer.
Desde o momento que a descobri, que fiz um teste de farmácia no banheiro do quarto de Wonwoo na casa de seus pais lá na Coreia, eu já me sentia tão conectada e fiel ao meu propósito. A questão era não conhecer esse propósito, porém.
Ainda assim me sentia insegura demais. Afinal, eu estava trazendo alguém ao mundo. Eu deveria desenvolver o instinto materno, uma coisa que não recebi. E como a gente dá aquilo que não teve?
Seungcheol dirigiu o mais rápido e seguro que conseguia. Eu não olhava para fora, apenas segurava as mãos de Wonwoo, apreensiva. Era somente a fase inicial, com as contrações bem distantes umas das outras e o medo aflorando tudo, e eu me vi quieta até demais — estava receosa de abrir a boca e dizer qualquer besteira, visto meu histórico recente dos hormônios me fazendo ter altos e baixos.
Quando Cheol parou em frente à entrada da maternidade do hospital, papai saiu rápido, indo pedir uma cadeira de rodas para mim. Por minha vez, antes que Wonwoo completasse a volta no carro, eu abri a porta e desci.
— ! — Meu pai já voltava com uma cadeira. — Sente-se aqui.
— Amor, calma! — Wonwoo correu até mim e eu me desvencilhei.
Não estava doente, não precisava ser tratada como um vidro com potencial de quebrar.
Ergui a mão, indicando que parassem.
— Eu não estou doente. Não preciso disso. — Olhei para trás, para Seungcheol no volante de Veronica. — Se riscá-la, eu mesmo chuto você — alertei ao namorado de Denise e tornei a encarar meu pai. — Guarde isso, tem gente que vai precisar.
Deixei ele e Wonwoo para trás, como dois bocós, e dei meus passos de pato para dentro.
— Você escuta aqui, mocinha, nós vamos fazer isso com dignidade, tá me ouvindo? — falei baixinho com a minha barriga. — E precisamos ter um pouco de paciência com seu pai e seu avô, se juntar os dois, não temos ao menos um neurônio que funcione decentemente nesse momento.
Não precisei de muitos passos e logo parei na recepção, respirando fundo para não me irritar pelo fato de a bancada ser enorme e eu quase não conseguir ver a moça do outro lado. Esperava que Lou ao menos a altura de Wonwoo tivesse e não fosse ser tomada por menos de um metro e sessenta em sua vida.
— Olá, boa tarde! — a recepcionista me cumprimentou com um sorriso enorme. — Como posso ajudá-la?
— Estou em trabalho de parto — sorri de volta. No mesmo momento, Wonwoo parou ao meu lado, entregando a ela minha identidade. Do outro lado, papai surgiu, pegando em minha mão.
— Ah, que maravilhoso! — Ela pegou a identidade e digitou algo, que deveria ser meu nome, em seu computador. — As contrações começaram quando?
— Estou tendo contrações há uns três dias, mas só hoje houve o rompimento da bolsa. Eu tenho certeza que desta vez não é escape de xixi.
Ela piscou algumas vezes para mim, parecendo raciocinar direito todas as informações.
— Certo. A enfermeira a levará até o quarto e vamos contatar o seu obstetra, senhora Bee.
— Senhorita — corrigi. — É meu nome de solteira.
Outra vez ela piscou da mesma forma, olhando para Wonwoo do meu lado, mas não disse nada.
— É permitido apenas um acompanhante. Tenho registrado aqui que seu acompanhante para a maternidade é Wonwoo Jeon.
— Sim! Sou eu, o pai! — Wonwoo respondeu rápido. Ele parecia mais nervoso que eu ao entregar sua identidade. — Mas o seguro de saúde dela permite a ala VIP, com sala de espera…
— Ah sim, estou vendo aqui! As demais pessoas que estarão junto poderão entrar depois que ela subir, mas preciso fazer o registro de todos e tem uma capacidade máxima para dez, já contando o acompanhante.
Neste momento, a enfermeira surgiu, e eu reconheci Norah, a senhora que sempre estava com o doutor Jooheon nos meus atendimentos na clínica médica do hospital. Ela trazia junto uma cadeira de rodas e eu me enfezei.
— Senhorita Bee! — Norah sorriu grande ao me ver. — Chegou o grande dia!
— Chegou, Norah… — suspirei e encarei a cadeira como se fosse um monstro (no meu caso, uma nota vermelha). — E eu não vou botar minha bunda nisso aí!
Ela riu.
— Se soubesse que era você, não teria sequer trazido comigo. — Piscou, chegando mais perto. — Está tudo certo, Nikki? Posso levá-la para cima?
— Pode sim. Eles estão liberados e já pedi para contatarem o doutor Jooheon.
— Perfeito. Vamos, ? — Norah me ofereceu o braço, parada entre mim e Wonwoo.
Respirei fundo, incerta nas minhas certezas. Olhei para ele e depois para o meu pai.
— Vou estar com você já já, meu amor — papai me disse calmamente, beijando minha testa. — Wonwoo, não largue dela um minuto. — Olhou firme para Wonwoo.
— Jamais — ele respondeu, se colocando do meu outro lado e pegando em minha mão. — Vamos?
— Vamos… — assenti. — Pai, por favor, espere a Laura chegar — pedi por último, sentindo falta dela ali, e ele sorriu para mim com um aceno positivo de cabeça.
Então seguimos adiante com Norah.
Uma das coisas que mais me chamavam a atenção na maternidade do NYC Health era o fato de ser uma parte separada do resto do hospital, tendo um ambiente calmo e tranquilo, também por conta da pediatria. Quando comecei a escolher onde teria meu parto, foi paixão à primeira vista. Lembro que no dia em que fiz a minha primeira consulta no consultório do doutor Jooheon, ele me indicou que eu viesse ao hospital e agendasse uma visita para conhecer, que ele mais do que me indicava.
Ter meu parto em um ambiente agradável foi o meu primeiro ponto quando decidimos que seria normal, depois de toda uma avaliação e acompanhamento mais detalhado do obstetra por eu ter diabetes.
A maternidade ficava no segundo andar e era muito ampla, os apartamentos dos seguros de saúde que contemplavam a categoria VIP ficavam no final do extenso corredor. Assim que o elevador abriu, eu inflei meu peito de ar, a fim de ter confiança. Wonwoo estava com a mão entrelaçada à minha e agora Norah ia em nossa frente. No momento em que pisei para fora do cubículo, ouvi um grito e me assustei.
— Tira isso logo! — Uma mulher surgiu à porta do primeiro quarto de internação comum, agachando-se e espremendo-se em uma careta de dor. — Você pense muito bem antes de enfiar outro filho dentro de mim, Harry! — ela berrou contra o marido, que surgiu tão calmo quanto um nascer do sol.
Olhei para Wonwoo e ele se encolheu.
— Peça para Laura não esquecer a minha bola de pilates — pedi para ele, recebendo uma confirmação frenética de cabeça. Wonwoo fez menção de soltar minha mão e eu apertei firme. — Não solte da minha mão, você tem a outra para ligar para ela. — E novamente ele confirmou da mesma forma.
— Você tem certeza que consegue andar até o final do corredor? — Norah perguntou.
— Eu vou voando, mas não boto minha bunda em uma cadeira de rodas. Cheguei até aqui, Norah, vou continuar assim.
Ela riu e me deu o braço novamente.
Era preocupação para todo lado, devido às complicações comuns que eu poderia ter gerado durante a gestação por conta da diabetes. Consigo entender, mas agora o pior já havia passado. Louise era um bebê saudável e eu estava bem, não tinha muito com o que me preocupar no momento; confiar no doutor Jooheon não foi fácil, afinal, ele não era meu médico e não conhecia todo o meu histórico, mas ele conseguiu acertar em todos os pontos até ali, então agora tinha totalmente a minha confiança para trazer minha filha para a luz e me manter viva.
Passamos pelo casal escandaloso (e digo isso com toda a sororidade do mundo, ela tinha total razão para estar histérica) e a cada porta que ia surgindo eu engolia a seco. Tinha, ao menos, cinco mulheres em crises nervosas pelas dores e eu sentia Wonwoo tenso ao meu lado. Em passos tranquilos, por eu ainda estar apenas com as contrações espaçadas iniciais, chegamos ao apartamento temporário da minha internação; Norah nos acomodou e já fez o atendimento de triagem comigo, relatando que eu estava com pressão, temperatura, oxigenação, destro e tudo o mais em perfeito estado.
Só me bastava esperar a dilatação agora.
E esse era o ponto de pânico. Talvez não tanto partindo de mim e sim de Wonwoo, ele estava muito tenso, principalmente depois da nossa caminhada em frente aos outros quartos.
Norah saiu e voltou uma segunda vez para o quarto, avisando que iriam preparar tudo no que eu ficaria em definitivo e, assim que estivesse do jeito que eu queria e tanto planejei, me levariam. Mas eu já podia começar a fazer os exercícios que ajudavam na dilatação.
Ao que ela saiu e fechou a porta, eu lembrei:
— Minha bola de pilates! — apontei para Wonwoo, o assustando. — Eu preciso dela para os exercícios!
— Calma, meu amor, respira…
— Neném, eu tô com medo — sussurrei, olhando para a minha barriga. Wonwoo apertou minha mão, beijando minha bochecha. — E se eu não for uma boa mãe? Eu não vou saber quando ela estiver chorando por fome, dor ou manha!
— Bee, você vai ser a melhor mãe desse mundo. E isso eu posso te prometer! — ele sorriu para mim assim que eu virei meu rosto. — A Lou vai ser muito feliz e ela já sabe disso, por esse motivo está querendo sair daí de dentro. Assim que vocês duas se encontrarem, você vai ver, todos os seus anseios irão sumir.
— Talvez você tenha razão.
Respirei fundo, fechando os olhos e me afundando mais contra o colchão, mas parecia que dentro de mim havia um buraco infinito, no qual eu continuava me afogando a cada segundo, sendo engolida por preocupações que jamais cogitei em ter antes de acabar engravidando. Em minha visão só vinham dúvidas, medos, inseguranças e muita raiva, como se Wonwoo tivesse culpa de um dia ter entrado no meu caminho.
— Cadê a Laura? — perguntei a Wonwoo, com meu peito subindo e descendo rapidamente conforme a minha respiração acelerava. Abri os olhos, evitando encará-lo e ele notou.
— Ela está lá fora. — Sua mão continuou apertando a minha como eu tinha lhe pedido que fizesse poucos minutos antes.
— Chama ela! — pedi, urgente.
Wonwoo apenas assentiu, soltando minha mão e caminhando para a porta, não demorou e Laura entrou com ele. Em meu estado bipolar, senti uma saudade imensa de tê-lo ali comigo, que logo foi um tanto amenizada por ver minha melhor amiga entrando sorridente.
— Eu acho melhor você esperar um pouco lá fora, míope — ela disse a ele assim que viu minha feição. Me senti aliviada, porque no momento eu não estava mesmo sabendo lidar com ele ali do lado. Altos e baixos dos hormônios da gravidez. Dos mil e um medos diferentes que surgiam.
Wonwoo saiu e Laura veio até mim.
— Você quer alguma coisa? Está tudo bem?
— Perguntar o que eu quero agora é muito arriscado — resmunguei. — No momento, eu queria muito socar a cara do Wonwoo. Apertar e morder. E mandar ele embora pra longe. Bem longe. Mas aí eu teria que buscá-lo de qualquer forma porque ia sentir muita falta.
— Credo, ! — ela riu, hesitando em me tocar, mas esticou o braço mesmo assim e acariciou minha cabeça, ajeitando meu cabelo. — Eu trouxe sua bola de pilates e peguei o seu vibrador rosa que tinha o post it marcando o uso exclusivo para a maternidade. — Arregalei os olhos para ela. — O que é? O Seungkwan me falou sobre suas pesquisas.
— Nem morta fale isso perto do Wonwoo! — me desesperei. Havia um estudo que eu tinha lido logo no início da gestação que falava sobre relações sexuais ajudarem na dilatação para o parto e que a masturbação tinha muitos indícios de dar certo para o momento X. Eu só não conseguiria pedir isso a Wonwoo, ele estava mais nervoso que eu.
No fim, seria apenas uma das inúmeras tentativas de preparo para algo que eu não fazia ideia de como seria.
— — Laura suspirou, pegando em minha mão —, você não precisa se esforçar além do necessário. A Lou está segura, você vai conseguir tudo no seu tempo e no dela. Não serão as técnicas que vão trazê-la em segurança para o seu colinho, é você.
— Eu sei. — Funguei o nariz, da raiva estava indo para a tristeza. — Eu tô com medo, Laura. Essa sempre foi a maior incerteza da minha vida.
— Sei disso. Eu estava lá quando você colocou o post it em branco no quadro. Era o que faltava para os seus planos, uma coisinha loira correndo entre nós e para eu mimar!
— Então… Eu não quero decepcioná-la. — Mordi o lábio, sentindo as lágrimas saírem sozinhas. — E se ela um dia souber que não fazia parte dos meus planos?
— Mas você não vai, Bee! Ficou louca? — Laura apertou minha mão e me olhou séria. — Levanta dessa cama, vai! Vamos sentar na bola enorme! O sopa de letrinhas me mandou um vídeo para te mostrar.
— O Boo? O Boo ta aí?
— Está. Tá todo mundo lá embaixo esperando liberarem seu quarto definitivo. Denise e Amaya estão ajudando a decoradora. — Ela não fez nenhuma careta quanto ao Boo, mas parecia tão curiosa quanto eu sobre a decoração do quarto.
— Será que vai demorar? — Estiquei a cabeça para ver a porta, exatamente no instante que Norah entrou com a bandeja.
Havia se passado mais uma hora, ela precisava medir minha glicemia novamente.
— Trago boas e más notícias — ela anunciou.
Por reflexo, apertei a mão de Laura imediatamente.
— A boa é que seu quarto está pronto… E a má… Seu médico está preso em um engarrafamento, mas, como a senhorita está bem e bem assistida aqui, não há nada com o que se preocupar, certo?
Norah já parecia me conhecer bem para estar falando comigo da forma que falou, bem paciente, pausadamente, como se estivesse querendo controlar uma crise.
E fazia sentido, quando eu perdia o controle, eu me tornava uma crise.
— Cert — assenti, acreditando fielmente naquilo. Eu ainda estava com as contrações muito espaçadas e nada fora do controle, passaram-se apenas três horas desde o rompimento da bolsa.
Não tinha nenhum problema, Louise ainda não iria sair.
— Podemos ir para o quarto dela, então? — Laura tomou o controle por mim.
Norah confirmou, mas antes de me liberar fez a medição. Tudo sob controle.
O outro quarto não era tão longe, a porta estava bem de frente com o qual eu ocupava. Wonwoo estava diante dela, sorrindo como se eu não tivesse sido uma canalha com ele minutos atrás, descontando nele uma raiva sem sentido. Meu coração só sabia se amolecer e bater mais forte, como uma gelatina sendo desfibrilada. Notei que um dos braços dele estava atrás do corpo e quando me aproximei, com calma, ele revelou o buquê de flores.
Rosas cor de rosa.
— Elas significam muitas coisas relacionadas à nossa essência. Ternura, doçura, harmonia… — ele iniciou, o tom de voz ameno. — Representam delicadeza, beleza e amor. Tudo o que nossa filha irá receber da mãe dela. Porque a mãe dela é tudo isso e mais.
— Você pesquisou no Google agora? — disse, desconfiada, brincando com ele. — Eu amo quando você se esforça com essas baboseiras de significados para amaciar meu ego.
— Eu amo você. Então tudo o que você gosta e vê sentido não é baboseira para mim, Bee. — Se adiantou para beijar minha testa e eu aproveitei para pegar o buquê.
— Entra comigo? — Fiz um bico, estava hesitando.
— Sempre.
Wonwoo pegou em minha mão e saiu da frente da porta.
O primeiro visual era o quadro pendurado na porta. O nome Louise estava bordado no bastidor de tecido rosa bem claro; Louise Jeon-Bee bordado no centro de uma roseira colorida em todas as cores existentes da flor, com uma pequena e sutil abelha em cima. Nossa abelhinha. Toquei no bordado e lentamente abri a porta, Wonwoo esticou o braço para dentro, a fim de acender a luz. O ambiente era enorme, mais parecia como nosso apartamento.
O primeiro cômodo era uma sala de espera bem confortável, tinha dois sofás, uma pequena bancada com coisas de cozinha e um banheiro, a televisão estava liberada e os sofás se tornavam camas. Tudo isso ficava à direita de quem entrava. Do lado esquerdo da porta, estava uma mesa linda bem montada com todas as peças de lembranças do nascimento de Louise. Observei cada detalhe, seguindo adiante, ao lado de Wonwoo.
A porta para o segundo ambiente, o quarto, estava com uma foto pendurada de um ensaio que fizemos da gestação, em várias fases, desde a descoberta. Incrível como eu havia mudado. Iria sentir falta da barriga, mas, preocupações à parte, estava ansiosa por tê-la em meus braços. Enfim entramos, outra vez ele acendeu a luz facilmente e eu pude me emocionar de novo. A decoração seguia a mesma palheta de rosa, com poucos detalhes coloridos.
A minha escolha se baseou em nós três. Havia essa coisa sobre meu nome, “Abelha”, então Wonwoo carinhosamente se acostumou a chamar Louise de nossa abelhinha. Assim como as abelhas são fundamentais na produção de alimentos, nossa história juntos também vinha sendo fundamental.
Para nós isso tinha certo sentido.
— Certo. Cadê minha bola? — perguntei imediatamente, me virando para trás e encontrando Laura e o restante. Boo estava lá na porta principal, segurando a minha bola de pilates.
— Tá ali — ela respondeu e Wonwoo começou a soltar minha mão. — Vamos deixar você mais à vontade.
— Laura, eu preciso de uma doula — disse em um choque de lembrança.
Ela ficou parada por alguns segundos, me encarando em dúvida. Durante todo o período da gestação, eu disse que não precisaria de uma, que minha energia física poderia me amparar e que nesse momento eu talvez fosse precisar somente de Wonwoo ou então até ele sairia correndo. Mas eu não estava contando com a enxurrada de emoções e esse buraco esquisito me engolindo a cada segundo.
E eu precisava dela, a Laura era minha irmã, minha confidente. Talvez a pessoa mais inseparável da minha existência — talvez não, com toda certeza.
Com um carinho suave no dorso da minha mão, que ela tomou para si, Laura sorriu.
— Obrigada por me deixar participar disso com você. Mas eu acho que…
Eu entendi seu olhar. Ela se preocupava demais, dentre todos ali, Laura sabia que os riscos continuavam sendo riscos, mesmo com a minha saúde garantida e a gestação tendo sido bem cuidada.
— Deixa a melação para sua próxima cartinha. — Revirei os olhos e rimos juntas, olhando para a direção de Denise em seguida.
— Ih, escolhe a May, ela gosta de ver sangue. — Ela foi se escondendo atrás de Seungcheol.
— Eu preciso de alguém que seja como você, Denise. Que sempre me coloca com os pés firmes no chão. — Esse era o máximo que eu conseguia.
Denise entortou os lábios em um bico, me olhando para ter certeza de que não era nenhuma brincadeira. Não éramos acostumadas a ter uma troca de carinho, mas era um fato: ela seria a doula perfeita que eu descobri ser necessário no aqui e agora.
— Não me faça implorar — finalizei.
— Só vou entrar nessa porque ganho o privilégio de conhecer a abelhinha primeiro, viu! — Ela cruzou os braços, endireitando a postura, ainda desconfiada.
Troquei um olhar denso com Laura, sabia que era importante para ela que eu e Denise nos déssemos bem e a verdade vinha sendo muito libertadora: Denise era mesmo uma pessoa incrível e eu fui boba por muito tempo em ter a mantido fora. Minha escolha, mesmo que repentina, não tinha nada de errônea. Eu precisava de uma mulher destemida, um grande poço de confiança e Denise era isso. Não havia desconforto.
E minha filha receberia a energia de uma mulher incrível logo nos seus primeiros respiros.
Quase 20 horas em trabalho de parto e minha dilatação estava perfeita, Louise bem encaixada e pronta para vir. Pronta para girar minha vida, transformar meu mundo.
Laura estava certa, obviamente. Não eram as técnicas.
Mas elas ajudavam, claro.
Depois da sequência imbatível dos exercícios físicos com a bola de pilates, as caminhadas pelo corredor usando o pijama horrível da maternidade, eu estava sendo levada para a sala de parto. Segurava a mão de Wonwoo com vontade de arrancá-la e ele não reclamava, estava sereno como sempre. Mesmo nervoso por dentro, não queria deixar transparecer para mim.
Doutor Jooheon não demorou tanto para chegar, mas chegou exatamente no momento que a dilatação começou a aumentar rapidamente e as contrações começaram a me estrangular por dentro. Com toda a paciência do mundo, ele me atendeu, esperando o momento certo, que, quando chegou, foi tão rápido quanto um tiro de festim.
Denise estava na sala, comigo, mas afastada, ela ficou como uma opção de segurança. Entretanto, eu ainda era muito orgulhosa para aceitar que os meus planos de ter o meu parto independente fossem interrompidos. Seria bom tê-la ali, claro, seu apoio estava sendo fundamental até agora. Mas a partir dali, do momento que fui posicionada, seria eu por eu mesma.
— Vamos, Bee! É a última. Eu já consigo vê-la! — Colline disse alto e eu me forcei outra vez, sentindo algo diferente agora. Não consegui me manter com a cabeça erguida e, cansada, inclinei para trás.
Já estávamos ali tentando e tentando, fazendo força e mais força, que eu nem vi o tempo passar.
É uma sensação inexplicável.
É um alívio estranho.
Mas nada maior do que a frequência do coração batendo ao escutar o choro e saber que, em sua direção, viria o amor de sua vida. Descoberto assim, de uma hora para a outra. Depois de uma onda forte de dores.
É sobre isso, acredito que o amor não deve doer porque ele é feito em cima da própria dor. Ele é o resultado de inúmeros fatores opostos ao utópico que se acredita.
Amor é a consequência de uma contração.
— Que mocinha grande e forte, casal! — doutor Jooheon disse, feliz.
Contudo, todo esse misto e essa descoberta, cheguei a um beco confuso. Encarei Denise, procurando por algum acalento, e ela ergueu um polegar, sorrindo de orelha a orelha e com os olhos marejados.
Por uma fração de segundos, o meu mundo pareceu distorcido, errado, tortuoso e cheio de arrependimentos. Me arrependi até do primeiro momento em que coloquei vírgulas em papéis minúsculos coloridos com uma letra carregada de sonhos e desejos que agora para mim não passavam de uma inconveniência do pensamento adolescente.
O primeiro choro ardido de Louise fez com que toda aquela fração carregada de confusões se implodisse em um amor ardente e dono de mim por inteira. E no momento seguinte, tão rápido quanto meu mundo implodiu, veio uma explosão criando uma nova vida, um novo eu. Receber Louise em meu colo, embolada no vernix caseoso e ainda ligada em mim pelo cordão umbilical, me fez perceber que realmente a frase "tirar forças do útero" sempre fez sentido, pois com a força que eu tive durante nove meses, surgiu o maior amor de toda a minha vida.
— Oh, meu Deus! — Menos tensa e mais relaxada, segurei Louise um tanto sem jeito, chorando junto com ela. — A mamãe está aqui, filha... — olhei para Wonwoo, tão emocionado e choroso quanto eu.
— Oi, abelhinha. — Ele se aproximou dela, e mesmo que usasse máscara cobrindo parte do rosto, eu sabia que ele estava sorrindo. — O papai está aqui com vocês — disse baixinho para ela e veio com o rosto até minha testa, beijando ali mesmo por cima do tecido descartável.
Eu não soube mais o que dizer, nem ele. A enfermeira do meu lado direito estendeu um tipo de pano para Wonwoo e, enquanto eu segurava Lou, os dois foram passando o tecido nela para ir tirando toda a sujeira natural. Apenas continuei segurando o meu mais novo motivo de comoção, minha fonte de tudo, meu plano não feito mais certo em minha existência, e quando ela estava um pouco mais limpa, ainda chorando, assustada, o médico pediu para cortar o cordão.
— Aqui, senhor Jeon. — A enfermeira deu a Wonwoo uma tesoura e o médico segurava onde exatamente ele deveria cortar.
— Não! — disse automaticamente.
— , nós precisamos cortar. Ela está aqui agora, não precisa mais do cordão. — Wonwoo usou uma das mãos para tocar o meu rosto de forma carinhosa.
— Mas ela acabou de sair... — resmunguei, olhando-a um pouco mais calma. — Ela é tão... Tão pequenininha... Vai doer? — olhei para Jooheon.
— Não, . Ela não vai sentir nada.
— Principalmente porque ela está no lugar mais seguro do mundo agora — Wonwoo complementou o médico, insinuando que meu colo era o lugar. Eu apenas assenti, olhando nos olhos vermelhos dele, tão encharcados quanto os meus.
Com cuidado, Wonwoo fez o corte e toda equipe médica ovacionou o momento. Denise estava gravando, claro. Ele devolveu a tesoura e voltou para mim, abaixando a máscara para me dar um beijo, o que nunca falharia em me acalmar.
— Segure este pano, papai. — A mesma enfermeira que estava lhe dando tudo, estendeu a ele um tecido rosa, se virando para mim em seguida. — Senhorita Bee, preciso levá-la para o doutor Jooheon seguir com todos os procedimentos... Inclusive cuidar da senhorita, sua pressão está caindo e perdeu bastante sangue.
— Eu prometo que vai ser rápido e logo vocês estarão juntas novamente, . — ouvi Jooheon dizer. — Agora precisamos cuidar de você.
Olhei para Wonwoo e ele assentiu calmo para mim. De fato, eu estava me sentindo cada vez mais distante. Como se meu corpo estivesse em um canto e eu em outro.
— Você vai com ela. Não sai do lado dela — ordenei a ele e o vi um pouco perdido, talvez pelo que foi dito a respeito do meu estado agora. Já não estava conseguindo acompanhar tudo como alguns minutos atrás, eu realmente comecei a me sentir fraca. — Jeon Wonwoo, você tem que me prometer que entre eu e ela, sua escolha sempre será a Louise! — disparei no mesmo instante que a enfermeira começou a tirá-la de mim com cautela.
— Bee... Se acalme. Eu jamais vou deixar você ou ela. Jamais, pesseguinha. — Novamente notei o sorriso pela forma que os olhos dele se fecharam.
Agora, Louise foi colocada nos braços dele e bem embalada, Wonwoo relaxou o corpo e os ombros desceram, demorou alguns segundos e ele me deixou outro beijo na testa antes de se virar de costas para mim e seguir até o médico do outro lado da sala. Mantive meus olhos grudados nos dois até não conseguir mais mantê-los abertos. A última coisa que vi foi uma máscara de oxigênio sendo colocada em meu rosto ao fechar os olhos.
Escutei as batidas sutis na porta e Wonwoo me olhou com preocupação. Não havia muito tempo que eu tinha despertado e me alimentado. Depois do parto, desmaiei e precisei de alguns cuidados mais intensos por todo o esforço e algumas complicações não muito sérias e já resolvidas. Agora eu estava apenas cansada, ainda que estivesse concentrada em uma única coisa: a minha filha no moisés ao lado.
Sabia que na porta estavam Laura e meu pai, eu queria que os dois entrassem juntos e primeiro.
— Estou pronta. — Me ajeitei na cama e ele tirou a bandeja da minha frente, de cima da mesa de suporte.
Wonwoo foi rapidamente até a porta e eu fiquei olhando para a minha pequena abelhinha embolada em suas roupinhas rosa, tão pequenina, tão indefesa.
— Com licença.
Olhei para a frente, vendo papai entrar calmamente, quieto, parecendo pisar em um campo minado, e atrás dele, não muito diferente, vinha Laura. Encarei os dois, não me aguentando muito tempo em minhas emoções. Wonwoo logo se colocou ao lado do moisés, ficando no curto espaço entre minha cama e o lugar em que Louise repousava.
Devagar, ele a pegou em seu colo. A cada vez que ele o fazia, parecia melhorar sua técnica, se mantendo muito cuidadoso e protetor.
— Pai, Laura… Conheçam a Louise Jeon-Bee — disse aos dois.
Meu pai respirou fundo, levando as mãos ao rosto, maravilhado. Laura tombou a cabeça para o lado, também com as mãos no rosto.
— Ela é tão linda! — balbuciou, quase perdendo a voz pelo choro.
— E a cara do pai! — meu pai riu. — Bom pra você, . Cara do pai, personalidade da mãe.
Piadas de tio. Meu pai sempre tinha uma quando estava nervoso, quando queria ser descolado, quando queria marcar sua presença. Ele não acreditava que seu jeito simples e genuíno já bastava.
— Quer pegá-la? — perguntei.
— Melhor não. Eu não levo jeito, filha. — Ele colocou as mãos nos bolsos. — Vou esperar ela ficar mais firminha.
Não insisti. Eu sabia que ele era assim. Não havia uma única foto minha na maternidade em que ele estivesse me segurando, todas eram com minha avó.
— Então o senhor me dá licença, viu, que eu vou pegar essa coisinha mais linda da tia Laura! — Laura passou na frente dele, passando o gel nas mãos.
— Madrinha — corrigi. — Madrinha Laura.
— E padrinho Mingyu.
Olhei para a porta e lá estava o brutamontes chorão.
— Posso entrar, já? — Mingyu tinha apenas a cabeça no vão da porta.
— Claro que pode — ri dele.
E então ele entrou, Laura já estava com Louise em seu colo e se virou para ele, fazendo-o parar no meio do caminho, perplexo.
— Ela é… Tão… Linda — disse, também as mãos sendo levadas ao rosto.
Encarei Wonwoo ao meu lado limpando os olhos por baixo das lentes.
— Vocês dois fizeram um bom trabalho, afinal. — Mingyu observava Louise de perto. — Oi, pequena Lou. É o padrinho. Padrinho Mingyu.
E como uma boa ouvinte, Louise se mexeu, quase fazendo o grande Mingyu desmaiar — o que eu já sabia que poderia acontecer, pois quando ainda estava em minha barriga, ela não se aquietava com a voz dele.
Eu me senti um tanto mal por ter impedido que Mingyu entrasse com Laura e meu pai, visto que ele é a Laura de Wonwoo, mas as coisas não estavam tão boas.
Desde que Louise nasceu, eu ainda não havia conseguido amamentá-la, mal tinha me alimentado e ainda me sentia um pouco estranha, nada bem, tendo tonturas e dores. Estava sendo acompanhada de perto pelo médico, então o maior problema não era nenhum desses. O meu X da questão era a falta de vontade de mostrar minha filha para os outros, eu não queria ver ninguém tomando ela de mim, indo de colo em colo, ela era tão miúda. Tão indefesa. Mal havia sido separada de mim pelo cordão que nos unia, não era justo eu colocá-la em uma grande exposição tão rápida assim.
Mas era um pensamento quase egoísta. Então, depois de muita conversa, consegui ceder e enxergar isso, essa superproteção.
Telhado de vidro. Todo mundo tem.
Wonwoo não hesitou, embora eu tenha notado sua chateação. O importante, porém, era que estavam ali dentro os três e na sala de espera os outros quatro seres que se tornaram parte do que formava a nossa família.
No fim, foi recomendação médica também que tudo fosse feito com cuidado e sem muito alarido.
Não demorou tanto para que Louise começasse a chorar. Era fome.
— O choro dela é lindo! — Mingyu disse, trazendo Louise até mim.
— E é — ri fraco, ajeitando-a no meu colo. Olhei um pouco receosa para Mingyu ali, então Laura o dispensou com cuidado para não ferir o coração dele. Meu pai foi junto.
Louise chorava ardido, os olhos ainda fechados, mas a boca parecendo um megafone de tão potente. Ela não encaixava, não encontrava, não conseguia se ajustar com o meu peito. Nossa dificuldade de entendimento ia se estendendo.
— , você precisa relaxar — Laura disse, calma, do meu lado.
— Eu sei disso.
— Não é relaxar por obrigação, pesseguinha. — Wonwoo também estava calmo, sem sair de perto de mim e de Louise. — É relaxar de soltar essa tensão.
Fechei os olhos, respirei fundo e soltei, sentindo quase meu corpo todo desfalecer.
— Senhorita Bee, está tensa demais. — Escutei a voz do pediatra, ele estava aos pés da cama, observando tudo atento. Estava tão tensa mesmo, que sequer escutei a chegada dele. — Com licença. — Doutor Jooheon caminhou rapidamente, parando ao lado de Wonwoo.
A dificuldade em conseguir fazer com que Louise aceitasse meu peito estava me tirando toda a paz, eu não iria relaxar enquanto ela não se alimentasse. Ela não tinha mamado ainda, estava limpa, com todos os exames feitos e liberada pelo médico para ficar do meu ladinho sem nenhuma interrupção. Isso tudo estava me tranquilizando, porém o fato de eu ter leite suficiente e ela não ter aceitado me causou uma sensação horrível de desprezo e rejeição.
— Eu sei que vai ser difícil para você aceitar isso agora, mas nem tudo é um mar de rosas na maternidade, senhorita Bee — Jooheon disse pacientemente. — Em nenhum dos artigos que leu e nas práticas que fez durante esses últimos meses mensuram a realidade.
Assenti para o discurso dele e olhei novamente para o rostinho calmo de Louise. Ela só queria dormir e o fato de eu ter colocado muita roupa, além das luvas e meias, só contribuiu ao sono da dorminhoca recém-saída da toca, e, segundo o pediatra, a dinâmica deveria ser bem oposta. Ao invés de estar toda coberta, nós teríamos que deixá-la desconfortável, sem toda a roupa, para que despertasse.
Mas isso não era nada legal ao meu ver. Ainda que Louise fosse uma recém-nascida de poucas horas de vida, ela já podia criar um trauma. Sair de dentro de mim já era uma situação traumática para ela e que geraria resultados em toda sua existência.
Segundo Freud, com a sua psicanálise, não era exatamente o fato da ruptura que traria esse sentimento para Louise, mas sim a ansiedade de sair do útero e não reconhecer o ambiente em volta. Ela não me reconhecia como um objeto ou algo parecido. Ela não reconhecia a nada, o único lugar seguro para seu entendimento era onde estava.
Pelo meu silêncio, Wonwoo estufou o peito, acariciando meu rosto.
— Amor, esquece um pouco da futura neuropsicóloga. Pensa com seu coração, nós conversamos sobre isso várias vezes.
Ergui meu rosto para ele e assenti.
— Eu te ensinei como fazer para encontrar a melhor forma para vocês duas — Jooheon continuou. — Então acho melhor deixarmos vocês sozinhos. — E olhou para Laura.
— Não! Ela fica! — pedi em tom desesperado. — Pode ficar. — Olhei para ela, recebendo seu sorriso de confirmação.
— Certo. Papai, podemos? — Ele se virou para Wonwoo, tirando o vidrinho de álcool em gel do bolso de seu jaleco, e sorriu simpático. Os dois passaram o produto e então Jooheon pegou nas mãos dele, direcionando-o ao meu seio já exposto e onde Lou tinha sua cabeça adormecida. — Laura, por gentileza, segure a mão dela. Eu vou te ajudar a ajudar sua esposa a encontrar a melhor posição dentro do recomendado, senhor Jeon.
Wonwoo assentiu e então, me pedindo permissão, Jooheon esticou a mão dele para acertar no encaixe do meu seio. Ter bico plano já era mais complicado, e talvez poderia ser por esse motivo que Louise estava rejeitando, até porque havia muito leite, eu sentia o peso e estava começando a vazar.
Lentamente, Wonwoo teve sua mão solta, segurando na posição que seria o encaixe da boquinha dela. Meu peito estava apertado, mas não relutei de novo e fiquei quieta quando o pediatra tirou as luvas e as meias, abrindo o macacãozinho e deixando-a apenas de fralda.
— Fique calma, o quarto está com uma temperatura ótima e não irá causar nenhum risco a ela. Se concentre no seu corpo, na sua mente… — Jooheon aconselhou. — Agora, devagar, eu vou, com o indicador, mover o queixo dela e direcionar para o bico. Quando ela fizer a sucção e doer, é porque ela está puxando o bico de maneira correta.
Wonwoo continuou segurando para mim e eu vi o pediatra fazer o que me disse. O meu braço esquerdo apoiava Louise confortavelmente no meu colo e a mão direita apertava a de Laura. Demorou um certo tempo, mas eu logo pude sentir a dor incômoda que ele havia mencionado. Meu reflexo imediato foi apertar mais a mão de Laura e me mantive atenta à boquinha de Lou encaixada perfeitamente.
— Agora dê um tempinho para ela reconhecer. — O médico se afastou lentamente, ajeitando o apoio dela em meu braço e um travesseiro macio logo embaixo.
Não demorou mais e Louise abriu os olhos, incomodada com a falta de seus tecidos que deveriam estar te dando algum tipo de sensação de proteção.
Quando eu vi o azul clarinho meu coração parou em um tipo de solavanco novo. De uma forma inexplicável até mesmo para mim. Ela franziu a pequena testa, se acostumando devagar e no próprio tempo com a claridade.
— Oi, minha pequena abelha — sorri, dizendo baixinho, com a voz embargada. — É a mamãe… Você precisa comer, meu amor. Está na hora da mamãe cuidar de você aqui fora — disse, ansiosa.
Louise fechou os olhos outra vez, mas não soltou meu peito ou logo chorou, ela parecia estar reconhecendo o território.
— Fale com ela, pai — o médico sussurrou, afastando-se lentamente e de braços cruzados.
— Abelhinha… O papai tá aqui. — Wonwoo se abaixou para ficar mais perto, falando com sua voz aveludada. Ele soltou lentamente de mim e fez um carinho leve na cabecinha mole dela, coberta por fios loiros. — A gente quer cuidar de você, meu amor, então ajuda a mamãe. Está na hora de comer…
Como esperado, ela abriu os olhos de novo. Para um recém-nascido de horas, Louise estava precoce e o próprio médico já havia me dito. Mais uma vez, ao ouvir a voz de Wonwoo, ela se remexeu, parecendo querer encontrá-lo de qualquer forma. Isso eu sabia ser o resultado de toda a participação dele no período da gestação, a partir do momento que descobrimos.
— Ah, sua sapequinha! O seu pai você escuta, não é? — Laura brincou, afinando a voz. Louise manteve os olhinhos abertos, parecendo ir pelo som da voz dela, mas acabou que a feição dela parecia de alguém entediada. — Ei! É sua madrinha falando, mocinha!
Nós três rimos porque ela fechou os olhos de novo. Agora, porém, também fechou a boca em volta do meu bico e, do jeitinho dela, começou a sugar.
— Ah, não! — resmunguei em um misto de dor e emoção. Em reflexo, apertei mais a mão de Laura, trocando um olhar com Wonwoo.
— Tá vendo? No tempo dela — Jooheon comentou.
— Ela pegou, amor! Ela pegou! — comecei a chorar, mas me controlando até nisso para não assustá-la. Wonwoo secou minhas lágrimas iniciais e depois, vendo que eu não cessaria, apoiou o queixo em meu ombro, admirando-a.
— Pronto, mais uma prova do amor de vocês duas — ele comentou, sabia o quão importante era viver essa experiência para mim.
— Laura, chama os outros bocós! — disse, emocionada, e ela saiu animada, abrindo a porta.
— Bem, se me dão licença… — Jooheon se despediu e eu o agradeci com um sorriso por toda sua paciência nas últimas horas. Wonwoo mal notou, estava babando em meu ombro.
Logo, sem muito barulho, um a um dos meus acompanhantes foram entrando.
Papai foi o último, mas ele achou o seu lugar ao lado de Laura, quando ela voltou para o lugar que havia deixado ao sair. Mingyu, Denise, Seungcheol, Amaya e Hansol estavam em volta da cama também e eu não me senti invadida por estar em um momento como aquele rodeada de todos eles. Quando Boo entrou, por último, com um pequeno buquê de rosas brancas, eu me senti mais completa.
Não eram só amigos, eram a minha família. As pessoas que eu queria que compartilhassem comigo um dos maiores desafios da minha vida, a maternidade, e que estavam me apoiando nessa jornada desde o primeiro momento.
— … — meu pai me chamou e eu o encarei, ele estava chorando. — Você não precisa ter medo.
— Eu sei, papai — sorri para ele e olhei para todos os outros antes de completar: — Eu sei disso porque tenho você. Tenho a Laura… O neném… — virei o rosto para ele, beijando a pontinha do seu nariz avermelhado pelo choro entalado. — E todos os outros bocós. Obrigada por estarem comigo e me fazerem sentir como nunca antes… — funguei o nariz, emotiva demais para o comum. — A Bee de agora é muito mais feliz.
— Eu quero muito te apertar num abraço, então você guarde esse seu momento melodramático para depois que a bezerrinha sair daí. — Laura sorria como quando éramos jovens e ela conseguiu me convencer a acompanhá-la ao show dos Backstreet Boys.
— Confesso que até eu quero um abraço — Denise brincou, deixando Cheol a abraçar pela cintura. E até foi uma imagem um tanto cômica vê-lo um tanto mais baixo por causa do salto do coturno dela, e se encaixar no ombro. — Não, Seungcheol, sai!
— Mas eu quero um também — ele respondeu, bicudo.
— Um o quê? Um desses — Hansol apontou para nossa direção — ou um abraço?
— Ele quer é um murro na cara — Denise cortou a onda.
Rimos do bico de Cheol, como sempre.
Devagar, Laura saiu do meu lado, indo até Mingyu e fazendo com ele o que Cheol queria com Denise. Com a mão livre, acariciei o rostinho pequeno de Louise, vendo-a ter um espasmo e “sorrir” enquanto ainda mamava.
— Neném — virei para Wonwoo de novo —, deita aqui com a gente — e me afastei um pouco mais. — Eu acho que agora vou conseguir dormir.
— Sim, senhorita — ele sorriu, já se ajeitando ao meu lado com todo cuidado do mundo, me trazendo para perto de seu peito. — Toma, coloca isso aí.
Olhei do cueiro para ele, com o cenho franzido.
— É contra o pedido do doutor Jooheon — neguei. — Deixa ela assim, depois a gente cobre.
— Eu tô falando de outra coisa, Bee — ele sussurrou no meu ouvido e eu ri fraco do ciúmes bobo, só porque Boo estava ali.
No fim, todos os meus medos iriam surgir e ir embora rapidamente. Olhando para a janela, com a visão de imensidão da grande Nova Iorque em ritmo de Natal, agradeci internamente e comigo mesma por um presente tão especial como esse. Mesmo não estando preparada, eu aceitei.
O choro de Louise quando ela quer comer é lindo e eu o cesso com o peito. Pronto, amamento e tudo fica mil sorrisos outra vez. Geralmente, ela não tem problemas com refluxo ou algo do tipo, depois que mama e arrota, tudo fica bem. Ou, então, Louise chora porque fez xixi, para este caso, eu troco a fralda e pronto, voltamos aos sorrisos simpáticos de uma bebê com apenas um mês de vida. Isso vale para as fezes também. Quando está com cólicas, temos mil e uma opções para que melhore. Chorou, limpou, aliviou, melhorou. Simples assim, sem trabalho algum.
Entretanto, quando é o choro de manha, as coisas se complicam.
Esse choro era um pouco difícil de detectar no início, afinal, ela só tinha um mês e alguns dias de vida, e, quando vinha, ele durava até o momento em que o pai dela chegava e a pegava no colo, ninando-a. Às vezes, penso que Louise pode ser uma super bebê que tem um olfato melhor que muitos animais, a ponto de saber exatamente o cheiro de Wonwoo.
Um mês de vida. Isso é muito para a minha cabeça.
Eu já havia feito de tudo, ou quase tudo, e ela não parava de chorar.
Estávamos sozinhas no apartamento, Wonwoo ainda não tinha retornado do trabalho e, pelo horário, iria demorar mais um pouco. A fralda estava limpa, a julgar pelos gases que soltou e o tanto de cocô que saiu na outra fralda, não era nenhum problema com isso. Resolvi apelar para uma das coisas que fazíamos quando ela estava agitada em minha barriga: colocar música.
Mas isso também não pareceu agradar o gosto da senhorita Jeon-Bee.
— Eu desisto, filha. Eu. Desisto. — Parei de me mexer de um lado para o outro, igual uma bocó no meio da sala, e me sentei no sofá. Agora, o choro era meu também. — A gente precisa entrar num acordo, Louise. O seu pai não pode ser o único motivo de felicidade na sua vida, sabe? — Suspirei entre um soluço e outro. O choro dela parecia aumentar, se tornando tão alto quanto a cantoria de uma ópera. — Ele precisa trabalhar, mesmo que seja em Boston. E nós duas temos uma longa jornada pela frente. Juntas. Você precisa ajudar a mamãe.
Durante meu desabafo, não notei que ela diminuiu a choradeira, com seus olhos vidrados em mim. A encarei com ternura, toda molinha ainda, encaixada em meus braços.
— A mamãe ama muito você. Mas, quando você chora assim, a mamãe repensa, viu — ri fraco, fungando o nariz. — Obrigada. — Aproximei meu rosto do dela, tão pequenina, tão indefesa, e deixei um beijo em sua testa. — Vamos tirar um cochilo? Agora é uma ótima hora para isso.
Parecendo entender o que eu estava dizendo, Louise começou a resmungar, do jeito que fazia quando estava prestes a chorar de fome. Me ajeitei melhor no sofá e a ajudei a encaixar a sua boca em meu peito; como uma bezerrinha, igual Laura a chamava, não demorou a iniciar sua sucção. Fiquei observando-a, sentindo o cansaço começar a bater.
Louise logo adormeceu enquanto eu a amamentava.
A mãe da Louise logo adormeceu enquanto a amamentava.
E como se fosse em um estalo, despertei, assustada. Estava em minha cama, sozinha, o quarto escuro e não tinha um pacotinho do meu lado. Sentei e me espreguicei, saindo descalça mesmo pelo quarto. Demorei a me acostumar com a claridade do lado de fora, mas meu coração logo se acalmou quando vi Wonwoo na cozinha. Ele estava de costas para mim e de frente com a pia, lavando as coisas de Louise, e ela no carrinho do outro lado do balcão, entretida com a alegoria que tinha pendurada no arco que Seungcheol fez o favor de presentear — ele e Mingyu adoravam a competição entre si de quem seria o dono do melhor presente; nem eu e nem Wonwoo destruímos o sonho dos dois contando que o melhor até agora tinha sido o de Hansol: um cobertorzinho que Lou já não dormia sem.
Me aproximei devagar, sem fazer barulho, abraçando-o por trás. Por estar sem camisa, senti a sua pele arrepiar com o beijo que deixei no meio de suas costas e deitei a cabeça ali.
Em silêncio, Wonwoo fechou a torneira, secando as mãos antes de se virar para mim.
— Oi, meu amor — disse, carinhoso, tomando meu rosto com suas mãos para incliná-lo e me beijar.
— Oi. — O abracei pela cintura. — Faz tempo que chegou?
— Não. Foi agorinha.
— Então eu dormi demais — ri fraco e ele estranhou.
— Sério? — Olhou para o relógio e eu acompanhei, notando a verdade dos ponteiros.
— Não — reclamei. — Só vinte minutos. Chegou mais cedo, foi?
Os ombros de Wonwoo murcharam e eu senti uma pontada esquisita. O olhar dele me disse que eu não iria gostar da resposta.
— Sim. Ganhei algumas horas e o dia de amanhã de folga.
— Entendi. — Olhei para a direção de Louise, me afastei dele. — De repente estão bonzinhos com você?
Não obtive resposta, apenas um aceno positivo.
— Vou tomar um banho. Meu pai falou que vai mandar nosso jantar.
Sem esperar resposta, voltei para o quarto.
Desde que entramos na fase final da minha gravidez, Wonwoo me convenceu a ir morar com ele no apartamento que havia comprado quando terminou a faculdade a quase um ano atrás. Seus pais haviam economizado muito para dar esse presente a ele, claro que, com a ajuda dele próprio também, com o que ganhou durante o período inicial do estágio. E, quando me mudei, Mingyu precisou sair para o quarto dele se tornar o de Louise. Mas a verdade era que eu sentia falta da minha casa, do meu canto normal, de uma rotina controlada com os meus horários e não a imprevisibilidade da maternidade.
Estava a apenas um mês com Louise e eu não me sentia tão no oásis como muitas influencers diziam por aí em suas redes sociais fabricadas. Amar minha filha é inquestionável, mas dizer que tenho amado a maternidade é uma mentira.
E não só a maternidade, mas tudo o que se refletia em cima dela.
Wonwoo precisava trilhar sua carreira, felizmente, ele podia fazer isso mesmo se tornando pai neste momento, afinal, era eu quem ficava em casa. Claro que não estava tirando o mérito dele como pai, anulando seu apoio incondicional e o amor que nos dava, ele cumpria com o papel básico e além disso também. Mas existiam pontos, vários deles, que me faziam sentir a distância de acreditar em um glamour em ser mãe.
O motivo de ele ganhar uma folga tão de repente tinha a ver com Boston. Eu poderia apostar.
E, não ironicamente, a mala dele estava pronta para os próximos dias de viagem, bem de frente com a porta do quarto.
Passei reto, indo para o banho. Quando saí e fui para o quarto me vestir, ele estava entrando.
— Louise dormiu — anunciou, começando a se despir das meias e calça.
Não respondi, continuei encarando minha gaveta, buscando a roupa que me faria sentir menos imprestável. Sem sucesso, o pijama de flanela parecia confortável o suficiente para quando ela acordasse procurando por leite.
— Bee… — escutei a voz baixa dele me chamar. — Podemos conversar?
Sem nem saber quando e como começou, eu já sentia meus olhos ardendo e as lágrimas rolando. Continuei de costas para ele, me vestindo.
— Pesseguinha.
Fui virada por Wonwoo e ergui o rosto. Ele franziu o cenho, parecendo se desmontar como um Lego pisoteado por um jardim de infância inteiro.
— Por que você está chorando? — perguntou e secou minhas lágrimas. — O que houve? Você não falou comigo o dia todo hoje.
— Não sei — dei de ombros. — Acho que eu tô… — suspirei. — Não sei. — Funguei, passando a mão no rosto. — Sobre o que você quer conversar?
— Primeiro, eu quero ouvir você. Fala comigo, . Eu sou seu amigo, lembra?
— No momento, eu não sinto que é. — Me afastei um pouco, fechando os botões da camisa do pijama.
— Como?
— Acabei de me dar conta de que sou uma invejosa. — Revirei os olhos. — Eu sei que você ganhou folga e saiu mais cedo hoje porque tem algo a ver com Boston e muito provavelmente seja porque vai ficar mais dias lá. As idas irão aumentar, eu sei, Wonwoo.
— Me desculpa, mas-
— Eu sei que é o seu trabalho. Eu sei. Eu sei tanta coisa! — Respirei fundo. — E sei que tô dando o meu melhor para não descarregar em você essa péssima impressão de ser uma invejosa. Porque eu queria o mesmo. Mas as coisas tomaram outro rumo.
— Elas saíram do seu planejamento em post- it.
— Sim! — respondi mais arisca, me afastando mais para colocar uma calcinha. — Tudo isso saiu do meu planejamento. Você não estava nos meus planos! Era para eu estar escolhendo a dedo onde seguiria minha carreira. O Mount Sinai me queria antes mesmo de eu entrar no último período, Wonwoo! Eu tinha uma carreira promissora para quando terminasse essa merda de faculdade!
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— Não me interrompa! — Ergui o indicador para ele. — Eu não estou chateada com você, não é culpa sua. Não é culpa minha. A culpa é da porra do post-it em branco naquela merda de quadro no meu quarto! — Coloquei as mãos na cintura, sabendo que isso só faria sentido para mim e Laura. — Estou sendo uma vadia por dizer isso tudo? Por me sentir assim? É isso que falam? Vadia?
— Depende. Neste contexto não está muito bom… Eu prefiro empregar o vadia a você em outra ocasião.
Centralizei o meu olhar nele, notando que estava com um riso rascunhado nos lábios. Estreitei o olhar e me abaixei, pegando a primeira coisa que vi, a pantufa dele, jogando em sua direção.
— Ai!
— Me leva a sério, cacete! — ralhei.
— Desculpa, pesseguinha. É que não tem como te levar a sério falando desse jeito e… — parou de rir ao ver meu olhar queimar na direção dele. — Desde quando você fala tantos palavrões assim?
— A Louise vai crescer orfã, não é possível.
— Desculpa — pigarreou, ficando sério. — Tudo o que você me disse é válido, . Eu só quis descontrair um pouco essa tensão nos seus ombros.
— Obrigada. — Mantive meu tom raivoso, sem querer dar o braço a torcer.
— A gente pode tentar outra coisa. Outra rota. O que acha? Eu posso tentar encaminhar outros advogados no meu lugar…
— E perder sua trajetória até aqui? Eles não vão te efetivar se você fizer isso, seu bocó! — Ergui as mãos. — Não é pra você desistir que eu tô falando essas coisas. Estou desabafando! Essa não era a vida que eu queria ao sair da faculdade. Mas também não é a que eu não quero viver.
— Certo. Acho que não tô acompanhando.
— Nem eu. — Murchei, indo até a cama e me jogando de costas nela, encarando o teto. — Bom, acho que… Já que você está quase lá e Boston vai te ter mais do que eu e Louise, vou esperar um pouco para a minha pós.
— Bee! Não. Aí já é demais! — A voz dele engrossou. — Tem diversas opções de creche para a Louise e babás!
— Jamais vou deixar a nossa filha na mão de qualquer um. Ficou maluco? — Sentei. — Está tudo bem, de verdade. Eu preciso de mais tempo para me acostumar com essa vida antes de prosseguir.
— E você sabe que quando tomar essa decisão vai ter todo o meu apoio, não sabe? — Wonwoo se aproximou de mim na cama, deitando ao meu lado.
— Eu sei, neném. — Virei o rosto para ele, voltando a me deitar.
— Hum, “neném”… Ficou melhor assim.
— Desculpa pelo meu surto. Eu só-
— Jamais peça desculpas por desabafar comigo. — Ele tocou a ponta do meu nariz. — Eu nunca me perdoaria por não ouvir você. Por deixar o posto de ser seu porto seguro. E quero ouvir sempre, mesmo que esteja com raiva de mim.
— Não tenho raiva de você. No momento, pode ser que eu tenha um pouquinho, assim. — Usei o indicador e o polegar para demonstrar, com um espaço mínimo entre os dois. — Mas não é de você. Nem dela. É do post-it em branco.
— Acho que a gente precisa ir lá resolver isso com ele, então.
— Não. Eu tenho uma ideia melhor. — Me aproximei mais dele, passando minhas pernas por cima de seu corpo e montando em cima, com as mãos espalmadas no peito nu. — Boston vai te roubar de nós por sabe-se lá quantos dias. Preciso sanar a saudade que estou sentindo.
— Mas eu nem fui ainda, mulher!
— E eu já estou com saudade. — Curvei para frente, com as mãos dele apertando minha cintura. — E com inveja.
— A gente tem uns trinta minutos para resolver isso, antes que você seja pega por ela.
— Acho que esses seus dias a mais em Boston vão fazer bem para eu me resolver com a sua patroa. — Estreitei o olhar, provocando-o mais com os lábios em seu queixo. Wonwoo respondeu com o aperto mais forte.
— Seu médico já te liberou, senhorita Bee?
Eu tinha raiva do autocontrole de Jeon Wonwoo.
— E ele lá tem controle sobre meu corpo, homem? — ralhei. — São quase três meses sem uma diversão decente!
— Você não pode ainda, Bee.
Wonwoo inverteu nossas posições, me beijando só para me deixar mais irritada.
— Tô começando a achar que é outro tipo de escritório que você anda visitando em Boston, hein… — disse em tom de desconfiança quando ele nos separou.
— Ah, Bee… — selou meus lábios uma última vez. — A gente conversa quando o Jooheon te liberar. Você não perde por esperar, pesseguinha.
Com um último apertão em mim, na minha coxa, Wonwoo se levantou e foi para o banheiro.
Me joguei de volta na cama, encarando o teto.
Esperar um tempo para seguir com meus planos profissionais não seria a pior das minhas preocupações. Talvez viver a saudade de todas as idas dele para Boston não tivesse nada a ver com minha carreira sendo adiada um pouco e nem uma ausência quanto a Louise, até porque Wonwoo não se eximia de nada, absolutamente em nenhum passo como pai dela e meu companheiro. Era uma batalha contra mim mesma, a Bee apaixonada. A Bee que eu inventei com convicções passadas.
Como os pais de Louise Jeon-Bee, estávamos indo muito bem, obrigada.
— Olá, Saint Peter! — sorri, ajeitando o microfone o suficiente para o meu tamanho. A multidão sentada em minha frente respondeu em uníssono. — Eu preparei um texto enorme, escrito à mão, mas, como muitos sabem, agora sou mãe e acabei confundindo as coisas e jogando fora junto com um monte de fraldas sujas — ri fraco, franzindo o nariz. — Então vou tentar improvisar. O que não é muito do meu feitio.
— Vai, nerd da neuro! — alguém gritou do fundo, arrancando risadas de grande parte da multidão.
Ri junto, mas logo parei para tomar o fôlego necessário e iniciar. Havia tantas coisas que eu gostaria de dizer, que era difícil saber por onde começar. Comecei acalmando minha ansiedade ao visualizar bem lá no fundo minha família, composta de papai e Wonwoo segurando Louise no colo, além de Denise, Seungkwan, Amaya e Mingyu. Funcionou como um ponto de paz. Na seção de formandos, eu tinha Laura, Hansol e Seungcheol. Me senti muito mais tranquila.
— Eu sei que fui escolhida como oradora de toda a turma de formandos deste último ano, mas, antes de iniciar, eu gostaria de expressar minha impagável gratidão pelos meus companheiros que aceitaram adiar em um mês esse evento. — Funguei o nariz, completamente emocionada.
Uma salva de palmas foi iniciada por Seungkwan, o responsável por iniciar um motim para que a Saint Peter adiasse um mês da nossa formatura, pois eu gostaria de esperar Louise completar mais de quarenta dias de vida para que saíssemos para locais que não fossem como o consultório do pediatra. Foi um ato de muito carinho dele, considerando que havia se formado antes; ele usou sua carta branca com a reitoria da universidade em prol de uma amizade, sabendo que era extremamente importante para mim que eu fizesse parte deste momento com as mesmas pessoas que estiveram comigo desde o início, mesmo aqueles que eu nunca tenha trocado uma palavra ao longo do caminho.
— Obrigada. — Finalizei o agradecimento após o fim da salva de palmas e prossegui. — Bem, não pretendo me prolongar muito. — Olhei para o céu. — Não quero ser interrompida nessa corrida das nuvens carregadas contra a vontade incessante da minha filha de mamar. — Muitos riram e eu fiz uma careta. — Vocês vão ver ela bem ali — apontei —, no colo do pai dela, toda quietinha, mas não se enganem… Eu tenho uma cantora de ópera, numa versão extra mini.
A maioria se voltou para o lado dos convidados, olhando para Wonwoo, que se levantou rapidinho e “exibiu” um pouco Louise antes de se sentar.
Então se voltaram para mim novamente, no púlpito, e eu respirei fundo.
— Enfim chegamos até aqui. — Muitos suspiraram. — Talvez não tenhamos feito o nosso melhor, mas o importante foi ter chegado até aqui. O importante foi conseguir e hoje estar num lugar tão privilegiado, esse futuro que esperamos por muitos períodos, que hoje se torna nosso presente. Ainda teremos uma longa jornada pela frente, mas o começo dentro desses prédios, aqui nesse campus, foi um grande movimento para que o que está por vir seja valorizado, seja encarado com grande importância e faça parte da construção da nossa essência. Entramos na Saint Peter sem certezas, apenas sonhos, e hoje temos todo um caminho moldado à nossa espera. As competições que tivemos aqui dentro — encarei Vitoria Evans — foram simples, sem fagulha, o que vem agora é muito maior. É o infinito das possibilidades. Saint Peter… — respirei fundo, levando a mão ao meu capelo. — É isso. Chegamos ao fim para iniciar um novo começo. — E o joguei para cima.
Os diversos formandos, de todos os cursos, se levantaram e fizeram o mesmo com seus capelos e eu não deixei de me emocionar, cumprimentando todos os docentes e autoridades máximas da universidade. Desci rapidamente do palanque e corri pelo gramado, me encontrando com Laura, Cheol e Hansol.
Foi um abraço coletivo, uma felicidade compartilhada. E então eu segui meu caminho apressado até meu pai, me surpreendendo com o buquê que ele segurava de rosas amarelas.
Rosas amarelas representam gratidão.
— Era eu quem deveria lhe agradecer — disse, emocionada, pegando o buquê.
— Não, senhorita. — Papai levou a mão ao meu rosto, erguendo-o com confiança. — Eu é que sou grato por ser o seu pai. Obrigado por ter me escolhido.
Nos abraçamos e eu tentei ao máximo não chorar, sendo praticamente impossível.
Me virei para Wonwoo, vendo que Louise já estava nos braços de Mingyu, e me joguei contra ele, amassando o buquê entre nós. Ele me beijou e eu retribuí da melhor forma que poderia ser: com todo o amor que eu sentia.
— Parabéns, pesseguinha — me disse, colando nossas testas ao separar sua boca da minha. — Você conquistou o que sempre quis.
— E muito mais. — Olhei nos olhos dele. — Eu conquistei nós. — Me afastei minimamente, olhando para a direção de Mingyu. Louise ficava minúscula nos braços do brutamontes que ele era.
— É. Eu vos declaro marido e… Mingyu. — Laura apareceu ao lado de seu avô, brincando. Indo diretamente em Louise. — Me dá a minha princesinha do gogó poderoso! — afinou a voz.
— É claro. Como eu poderia esquecer do marido do meu namorado? — ri, voltando a beijar Wonwoo.
— Quando você estava na barriga da sua mamãe, também ficava mais calma depois de eu cantar essa música… É uma das favoritas dela, sabia? — A voz dele estava tão baixa, que, se não fosse o silêncio do apartamento, eu não iria conseguir ouvir. Me mantive quietinha, parada na porta, só para não cortar o momento dos dois e também aproveitar a cena mais quente que já tinha visto em minha vida. Meus dois amores juntinhos. Depois de um longo suspiro, Wonwoo voltou a cantar uma música do One Direction, a qual eu tanto dedicava a ele, sobre o período em que ele tinha me deixado a ver navios quando se sentiu inseguro logo no começo da nossa relação.
Caminhei lentamente até o sofá, surgindo por detrás dele e beijando sua nuca. Não parou de cantar, porém.
— …If I tried, I know it would feel like infinity… — cantarolei junto, mas não tão afinado e perfeito como ele fazia, e beijei sua bochecha.
— Oi. — Ele parou, enfim virando o rosto para mim e selando meus lábios, sem se mover além disso. — Ela estava com cólica, então liguei o aquecedor e coloquei ela aqui, de barriga no meu peito.
— Isso esquenta e ajuda a aliviar — murmurei de volta, no mesmo tom dele, esticando o braço para acariciar a cabeça loirinha da minha filha. Lou, no mesmo instante, se remexeu, manhosa, arrastando um gemidinho baixo e um sorriso gengival, ainda que estivesse de olhos fechados.
O sorriso de Wonwoo, cheio de dentes, que sempre me engolia em uma dimensão transcendental, foi enorme.
— Ela está sonhando. Parabéns, papai. Significa que você conseguiu fazer ela se sentir melhor. — Beijei a bochecha dele de novo. — É sua especialidade. E ela gosta demais desse colinho…
— Fiquei assustado porque ela não parava de chorar e eu fiz de tudo. — Ele murchou os ombros. — Então lembrei de uma coisa e… resolvi tentar.
— E do que você se lembrou?
— De todas as vezes que você estava em cólicas e eu te esquentei no meu abraço — riu fraco. — E ela é igualzinha a você. Enquanto não tirei a camisa e não a coloquei para sentir minha pele quente, não funcionou.
Ri, mas não fraco, contudo totalmente apaixonada. Era a mais pura verdade.
— Então quer dizer que agora eu tenho que dividir você… — fingi frustração. — Espero que tenha Wonwoo o suficiente para nós duas.
— E tem. Tem Wonwoo para a pesseguinha e para a abelhinha. — Ele beijou a cabeça dela com delicadeza e os meus lábios em seguida. — O que o médico disse? — perguntou em um tom misto, e eu bem sabia que ele estava tentando não transparecer a ansiedade.
Afinal, já estávamos há muito tempo sem transar. Não tem casal no mundo que aguente — na verdade deve até ter; existem os assexuados, pessoas que não veem necessidade nisso como muitos, por vezes não praticam relações, por vezes praticam bem pouco.
Eu e Wonwoo éramos deliberadamente o oposto; nossa vida sexual foi muito bem ativa até o oitavo mês de gestação iniciar e eu ficar extremamente desconfortável com as relações. Sentia falta, claro, mas também existia esse porém.
Diferente dele, não estava sentindo tanta falta. Havia dias que eu achava que sim, mas a libido logo sumia tão rápido quanto a luz.
Respirei fundo, tentando não jogar um banho de água fria nele.
— Estou liberada… — Entortei os lábios fechados em um bico.
— Tem um mas, não tem?
— Sim — dei uma pausa. — Mas eu estou com problemas de libido, neném. — disse baixinho, envergonhada.
Wonwoo estreitou o olhar para mim.
— E desde quando isso é necessariamente um problema? — Me olhou, desconfiado.
— Ah, não sei… Estamos aí, quatro meses de você se virando sozinho e…
— — me chamou, simples.
Ele se levantou devagar, colocando Lou no moisés em frente ao sofá. Deu batidinhas em suas pernas, me chamando, e eu dei a volta, sendo puxada delicadamente para seu colo. Wonwoo se encostou novamente, ficando relaxado, e eu me escorei em seu peito, fazendo carinho em sua nuca.
— Eu sei que nisso tudo você foi a mais afetada. Sei que não são só nove meses e o parto. Sou totalmente consciente do que estamos vivendo agora, do que eu não sei sobre o que você está passando, principalmente. Então, por favor, não me coloque em um lugar de incompreensão. Você pode me crucificar por ser o homem nessa relação e, dentro deste senso comum tradicional e convencional, viver cheio de privilégios. Mas não me faça ser uma pessoa que eu não sou. — Foi calmo e paciente em suas palavras. — Te conheço o suficiente para saber que, se está comigo e trouxe tudo até aqui, que não desistiu lá atrás, é porque confia em mim. Não é só o amor que nos faz estar aqui agora, pesseguinha. Então, mesmo que as coisas estejam em outro nível agora, um completamente diferente daquele de quase um ano atrás, não se esqueça de quem eu sou.
Apenas escutei, sem dizer ou mudar qualquer músculo de lugar. Wonwoo tirou o cabelo do meu rosto, beijando minha clavícula com carinho, lugar que seus lábios estavam mais próximos por eu estar em seu colo.
— Sexo é realmente muito bom, eu adoro. Com certeza. Amo quando a gente faz isso juntos. Só que a melhor parte nesses momentos é quando eu tenho você entregue por inteira, porque quer, porque também me deseja. — Acariciou meu rosto. — É só uma fase. Não me importa que ela dure muito tempo. Que eu tenha que me aliviar no banho… Isso é um problema unicamente meu. Então, não fique encanada com isso. No seu tempo, tá bom? E a gente faz como você preferir.
Segurei o rosto dele com as duas mãos, toda amolecida.
— Estou começando a acreditar que seu único defeito mesmo é não ter bunda — brinquei, selando seus lábios rapidamente. — E ter um marido — completei um pouco mais séria; não existia momento inoportuno para caçoar de Mingyu e seu grande carinho por Wonwoo. Mesmo quando ele não estivesse presente.
— Vou pedir divórcio. Confia em mim — ele entrou na brincadeira.
— Tá maluco? Ele não aguenta o tranco, não. E eu prometi para ele que jamais iria interferir na relação de vocês. Aceito ser a outra — continuei. — Embora ter tirado ele daqui tenha sido uma intromissão abusada…
— Não foi. Você acha que a Laura é o quê? — ele riu. — Ela também é a outra.
— Céus! Que mundo é esse em que as amantes se dão bem desse jeito?
Rimos juntos e nos beijamos, claro, em uma sequência de troca de carinhos. — Obrigada — disse depois de alguns beijos. — Você tem defeitos, eu sei, mas amá-los é muito mais fácil quando suas qualidades, seu caráter, têm esses traços tão apaixonantes.
Ele ficou corado, me beijando rapidamente.
— Você também foi liberada para o pilates? Sei que sente falta — perguntou.
— Fui! Aproveitei para passar lá no estúdio… Volto amanhã! — sorri, animada. — Já combinei com Denise, ela pode ficar com a Louise para mim.
— Que bom, meu amor! — Deu outro beijinho e aproveitou para ajustar o óculos no rosto. — Isso vai te fazer bem.
— Vai sim! Estou empolgada. Também comprei roupas novas, as minhas calças não servem mais… Ainda não perdi todo o peso que ganhei na gestação. Talvez seja isso que também está contribuindo para a baixa na libido… Já coletei todos os exames necessários, inclusive.
— Hum — entortou os lábios. — Isso eu posso resolver com uma coisa muito simples. — Endireitou o corpo e eu me encaixei mais no colo dele, com as pernas dobradas uma de cada lado, ficando ereta também.
— Como? — respondi, genuinamente inocente.
Wonwoo aproximou o rosto da lateral do meu, alcançando minha orelha direita. Com uma mão em minha nuca, entrelaçando os dedos nos meus cabelos, e a outra deliberadamente sem pudor nenhum em minha bunda, usou do seu tom mais baixo de voz, mais rouco também, ao dizer:
— Você está gostosa demais, Bee.
E foi nesse exato momento que Louise acordou.
Libido ou minha filha, quem ganharia de nós dois?
Não, Denise não pôde ficar com Louise.
Eu estava no estacionamento do estúdio de pilates com ela chorando de fome quando a minha salvação chegou. Amaya estacionou seu carro ao lado do meu e logo desceu, como sempre atenta em todos os arredores.
— Finalmente! — Abri a porta do carro, com Louise sugando de dentro de mim o seu alimento precioso. A recarga de sua cantoria aguda. — Desculpa te incomodar, May.
— Não foi incomodo nenhum. — Ela se aproximou, abrindo a porta traseira do meu carro e pegando o pano de Lou para cobrir meu colo. Estranhei. — O jornaleiro está vindo.
Olhei para trás e vi o todo sorridente Boo Seungkwan, meu parceiro de pilates e todos os tipos de exercícios físicos que eu me propus a fazer durante a gestação.
— Bom dia, meninas! — ele nos cumprimentou logo que se aproximou. — Ela está dormindo? — se referiu à Lou.
— Não. Mamando. — Puxei o pano, mostrando ela. Não ia demorar muito para ela se irritar com o calor que faria.
— Ah… — foi a única coisa que Boo disse, dando um passo para trás, focando em outra direção com um sorriso amarelo.
— Amaya vai ficar com ela para eu poder fazer a aula. — Senti Louise soltar o meu peito e prontamente me cobri com a praticidade do sutiã de amamentação e a camiseta de alça também prática.
— Me dê ela aqui, você já está atrasada. — Amaya tomou Lou de mim, a segurando na posição certa para fazê-la arrotar.
— Dentro da bolsa dela tem tudo e todos os documentos que você possa precisar. Qualquer coisa é só me ligar e-
— Bee — ela me cortou, olhando séria. — Você está atrasada — disse pausadamente. — Nós vamos ficar aqui, não preciso de nada dessas coisas.
Hesitei, olhando para Boo e Louise no colo dela, molinha como quem havia acabado de mamar o suficiente para tirar o longo e intenso cochilo da tarde. O sentimento de culpa me tomou por inteira, porque ela estava ali, toda pequenina e dependente de mim, enquanto eu só conseguia pensar em perder peso, em fazer coisas de uma vida passada, antes da existência dela, como se eu fosse nada além de egoísta.
— … — Boo tocou em meu ombro e eu o encarei, sentindo meu queixo tremer quando abri a boca para falar. Mas ele foi mais rápido: — Como somos só nós dois, acredito que não tem problema nenhum a May entrar com a Louise. — O olhar dele foi direcionado para Amaya.
Segui a direção, encarando-a. Ela assentiu, sorrindo simples e sincera.
— Mas e se…
— Não pense demais. Ela dá conta. São só cinquenta minutos, — Boo insistiu.
Suspirei, assentindo com a pressão imposta pelos dois.
— Certo. A Maryl não vai se importar. — Me enchi de coragem e confiança.
Entramos na academia e eu fui recebida por todas as pessoas que já me conheciam com muita alegria e contato físico. Precisei ser forte para não acabar sendo nojenta quando quiseram chegar perto e tocar em Louise, mesmo que ela estivesse sorrindo e gostando da atenção de tanta gente estranha. Meu instinto materno preocupado com todas as possíveis e inimagináveis consequências de expô-la em tanto contato físico falou alto, mas Amaya se prontificou em gerenciar a situação.
Quando finalmente conseguimos fazer o caminho para dentro da sala, Maryl passou nosso alongamento inicial e orientou qual seria o primeiro exercício meu e de Seungkwan, pedindo licença para ir atender seu telefone, pois era uma emergência familiar. E, exatamente nesse momento, eu também vi o meu celular brilhar cheio de mensagens.
Wonwoo estava me avisando que estava indo para Boston e voltaria em três dias, não dois, como havíamos conversado. E eu não podia culpá-lo, ainda que fosse o meu primeiro instinto. Nosso cenário era esse.
Senti meu corpo todo enrijecer e passei a ser como um robô.
— Eu vou dar uma voltinha com ela pelo estúdio, assim ela se distrai. — Amaya se levantou, levando junto o paninho inseparável de Louise que tinha o cheiro do pai dela.
Me mantive concentrada no meu exercício, tentando não transparecer todos os pensamentos que estavam me sufocando. Varrendo eles para algum lugar que eu pudesse acessar depois, de preferência muito depois. Mas estava sendo um pouco difícil. No momento, o que mais me incomodava não era a maternidade, embora eu fosse sincera ao dizer que não é um mar de rosas se me perguntassem. Eu estava me sentindo cada vez mais incomodada com Boston e o que ela tirava de mim todas as vezes que Wonwoo se distanciava porque precisava estar lá.
Confessar que eu tinha esse ciúmes, de querer que ele não fosse para lugar algum a qual eu não estivesse — e Lou também, claro —, podia ser um tanto libertador, porém vergonhoso.
Parecia que isso ia criando uma distância muito palpável entre nós dois. E mesmo que eu fosse me esforçar para compreender e engolir essa paranoia, não parecia ter efeito e algo ainda continuava soando extremamente errado. Fora de lugar.
Estar orgulhosa por ele e o apoiar não me impedia de ter essa infelicidade.
— Você quer ajuda? — Escutei a voz de Boo soar neutra, chocando com o mar de confusão dentro de mim.
Eu estava parada diante do aparelho, sem ter me movido um centímetro desde que li a mensagem de Wonwoo. Sempre tive dificuldades com esse exercício em específico, de ficar com o corpo praticamente pendurado, porém não era isso que estava me chocando naquele momento e eu sabia que Seungkwan também sabia. Ele só estava tentando ser gentil e mudar meu foco. — Depende — ri fraco, respirando fundo e desistindo. Me sentei no tatame e murchei os ombros. — Acho que eu não sei exatamente o que fazer e não to falando só sobre me pendurar nesse negócio que a Maryl insiste em me colocar pra fazer…
— Uau. — Seungkwan pegou as nossas garrafas de água e se sentou ao meu lado. — Nunca pensei que fosse ter um momento assim, que Bee não saberia o que fazer ou se daria por vencida.
— Acontece, meu querido amigo — peguei a garrafa —, que eu me desencontrei e descobri agora que nunca vai ser sobre competir.
— E é sobre o quê? Que tal a gente começar a fazer sentido? — Boo riu fraco, bebendo a sua água, assim como eu.
Dei de ombros.
Suspirei pesado.
Eu queria confessar.
E era estranho fazer isso com alguém que não fosse minha própria sombra ou Laura. Apesar de Seungkwan ser meu amigo e ter se tornado extremamente indispensável na minha vida.
— Acho que eu perdi o rumo. E estou com medo de estar perdendo mais do que isso aos poucos.
— O que se pode perder além do rumo, ? Ele não é o todo? — Arqueou as sobrancelhas.
— Sim. Mas, como em um iceberg no meio do oceano, ele é só a ponta. O resto é o que o está submerso. — Suspirei, colocando a garrafa no chão e olhando para ela. — Eu comecei perdendo o controle quando minhas convicções mudaram em troca de um grande amor. Não estou culpando e nem dizendo que me arrependo. Wonwoo e Louise são a minha família agora.
— — ele tocou meu ombro e eu o encarei —, está tudo bem ficar confusa e perdida. Você sempre foi pequena demais a ponto de não caber tanto sentimento junto assim.
— Sempre ouvi isso de outra pessoa…
— Não deixa ela saber que tô usando o discurso dela, hein. — Trocamos um riso fraco. — Enfim. Não seria bom você voltar à sua vida ao normal? Louise está perto de fazer três meses e agora você pode começar a reformular o que vai fazer. Bee, você se formou!
— E eu sinto que isso é o menor dos meus tópicos agora.
— Você está muito mais focada na sua insegurança do que deveria. Wonwoo não vai te trocar por Boston. E, mesmo que isso venha ruir o relacionamento de vocês, nunca se esqueça de quem você já era antes dele.
— Eu… — murmurei.
Eu não sabia mais. Bingo!
— Se você já se perdeu de quem era, então é a hora de encontrar uma nova . Como um novo começo.
— É, você está fazendo sentido — assenti, mordiscando as bochechas por dentro.
— Então vamos começar por aqui.
Seungkwan se levantou e estendeu a mão para mim, eu peguei, recebendo toda a energia dele para continuar os próximos trinta minutos restantes do nosso horário.
— Você me ajuda? — tive coragem de pedir. Senti um objeto incerto nessa pergunta, porém.
— Mas é claro. — E a resposta dele foi muito mais assertiva.