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Codificada por aurora boreal 💫
Atualizada em: 27/12/2024

O barulho de uma trovoada junto de um clarão no céu me deu a impressão de que o velho pub com as paredes de madeira havia chacoalhado junto ao estrondo e eu, consequentemente, balancei junto de susto.
Uma terrível tempestade assolava a cidade lá fora e minha maior preocupação era de como eu voltaria para casa naquela chuva sem me encharcar inteira.
— Medo de chuva, docinho? — Fui questionada por Brent, meu colega de trabalho, que me olhava com diversão.
— Só levei um susto — respondi dando de ombros e não deixando transparecer que sim, eu morria de medo de chuva.
Enquanto observava os clarões do lado de fora, não pude deixar de relembrar como as coisas eram quando eu era criança.
Meu pai costumava de me chamar de Storm no auge da minha infância, já que minha rebeldia exalava pela minha pele e o pobre coitado sofria para me fazer entender como as coisas deveriam fazer.
"— Vá devagar, pequena Storm — ele dizia enquanto eu esbravejava.
— Mas porque eu não posso usar os meus poderes? — Eu questionava, igualmente ofendida.
— O mundo lá fora não vai aceitar seus ataques de fúria como eu aceito, querida — e seu tom de voz nunca aumentava. — Precisa aprender a controlá-lo antes que ele lhe controle e você viva a mercê do seu próprio poder."

É claro que para uma garota de oito anos tais palavras apenas soavam soltas em minha cabeça. Só fui compreender o peso do que ele me dizia muitos anos mais tarde, quando o peso de ter nascido mutante bateu na minha cara com um taco de beisebol.
— Ei! — Um estalar de dedos no meu rosto me fez retornar à realidade. — , tô falando com você.
— Desculpe Brent, tô com os pensamentos longe hoje — respondi sem muita vontade ao meu colega que não conhecia muito bem sobre espaço pessoal
— Eu tô percebendo — bufou e colocou as mãos na cintura. — Estava dizendo que o Adam é louco em querer abrir o pub numa tempestade dessa e pior ainda em querer que a gente viesse trabalhar!
Precisei virar o rosto para o outro lado para que ele não me visse revirando os olhos para seu comentário. Não que ele não estivesse certo, mas eu já estava cansada de suas reclamações a todo tempo.
— Quem vai ser o doido a sair de casa para vir tomar uma cerveja? — Ele continuou seu lamento e eu comecei a limpar o balcão de atendimento, enquanto fingia que ainda o escutava.
Mas apesar de eu estar preocupada em como voltaria para casa, não podia mentir de estar aliviada em ter vindo trabalhar. O dinheiro que eu fazia cada noite me era muito importante se eu quisesse pagar as contas.
Continuei limpando as coisas e arrumei uma brecha para me afastar de Brent que agora estava ocupado prestando atenção na TV e em uma das reportagens de tragédia que sempre estavam nas telas.
Ataque mutante assusta pessoas no norte da cidade — travei em meu lugar ao ouvir a voz da jornalista soar um pouco alto demais para o meu gosto.
Virei-me e encontrei Brent aumentando o volume da TV como se fosse um velho surdo. Seus olhos nem piscavam enquanto a reportagem continuava rolando.
Dois indivíduos encapuzados atacaram uma fábrica de tecidos hoje a tarde — e imagens dos dois passava. Das mãos de um deles saiam feixes de luz e o outro portava uma arma. — Testemunhas afirmam que os dois utilizaram de suas condições mutantes para amedrontar funcionários. Apesar do ataque, nenhum dinheiro foi levado. Autoridades investigam a motivação do crime.
— Meu Deus, alguém precisa exterminar esses canalhas — esbravejou meu colega. — São uma praga da sociedade.
Engoli o seco e fingi que a notícia não havia me afetado. Eu sabia que ele se referia a quem utilizava dos seus poderes para tirarem vantagem e cometerem crimes, já que sua camiseta em homenagem ao Deadpool já estava gasta de tanto que ele a usava. Mas ainda sim não podia deixar de ter medo e receio do que aconteceria comigo se algum dia alguém descobrisse do que eu era capaz de fazer.
, você tá muito estranha hoje — e Brent voltou a me atormentar. — Brigou com o namorado?
— Você sabe que eu não tenho namorado — respondi sem muito entusiasmo.
— É porquê você não quer sair comigo — falou despreocupadamente e meu estômago embrulhou pensando nessa ideia péssima. — Eu não vou falar mais sobre isso — resmunguei e ele soltou uma risada nasalada
— Você ainda vai mudar de ideia — e balançou os ombros como se essa não fosse uma conversa vergonhosa e desconfortável.
Abri a boca para respondê-lo, mas mudei de ideia ao perceber que não valia a pena continuar a discussão infundada.
Brent, por sua vez, me olhou e piscou o olho esquerdo, tentando jogar charme para cima de mim. Meu nariz se entortou automaticamente.
Mas antes que ele pudesse continuar com seu comportamento estranho e vergonhas alheias, o costumeiro tilintar da porta se abrindo chamou a nossa atenção e, imediatamente, nossos pescoços se viraram para ver quem era.
Um homem alto de porte maior ainda pingava enquanto fazia o seu caminho até o balcão de atendimento. Não pude deixar de resmungar baixinho ao pensar que teria de secar todo o rastro de água quando ele fosse embora. Brent, por sua vez, estava estático em seu lugar.
— Uma dose de whisky — disse o homem e sua voz era mais carrancuda do que a sua aparência e eu não pude evitar de sentir os pelos da minha nuca se arrepiarem.
Assenti e me virei, fazendo meu caminho até a prateleira dos destilados. Brent continuava parado em seu lugar.
Enchi o copinho e lancei um rápido olhar ao meu colega que encarava o homem recém chegado com os olhos arregalados e a boca aberta. Franzi o cenho, sem entender a sua reação, mas eu precisava terminar de atender o homem antes de questioná-lo o que estava acontecendo.
— Obrigado — o homem agradeceu e seu olhar permaneceu baixo durante todo o atendimento.
— De nada — me limitei a dizer e seus olhos então se ergueram para encarar os meus.
— Diga ao seu amigo que é muito feio ficar encarando as pessoas — seus olhos permaneceram fixos em mim e seu tom se tornou ainda mais mal humorado. Senti meus dedos estremecerem e precisei fazer muita força para disfarçar meu nervosismo.
— Monstros não são bem-vindos aqui — disse Brent antes que eu pudesse ter qualquer reação de fala ou ação.
O homem riu sem humor e virou o copo de uma só vez. Seu rosto permaneceu com a mesma expressão da qual havia entrado.
— Brent? — Questionei o olhando, ainda muito confusa, e o meu colega se aproximou vagarosamente do homem que me estendia o copo, pedindo silenciosamente mais uma dose.
— Vai dizer que não sabe quem é esse cara? — Questionou-me Brent parecendo muito ofendido por eu não ter assumido o seu lado ainda.
Fiz que não com a cabeça enquanto pegava novamente a garrafa de whisky.
— É o merda do Wolverine — disse entre os dentes.
— Brent! — O repreendi imediatamente.
Olhei assustada para o homem que virava mais uma dose e só então parei para reparar em suas características físicas. Engoli o seco ao ver que ele também me analisava, porém seu rosto continuava impassível.
— Qual é?! Você estava vendo comigo na tv — e Brent prosseguiu com seu tom de voz alterado. Senti minha respiração se tornar pesada e os meus ombros tensos. — Esses mutantes são uma praga.
O homem, ou melhor, Wolverine, soltou uma risada nasalada e bateu o copo na mesa, antes de estendê-lo de novo para mim.
— Qual é, meu chapa? — Finalmente virou-se para Brent que o encarava de braços abertos, tentando manter uma pose ameaçadora. — Eu não saí nessa tempestade toda para ficar ouvindo abobrinhas de um jovem coitado como você.
E os olhos de Brent faiscaram com o seu último comentário.
peça para ele se retirar antes que eu faça — disse Brent ordenando e eu arqueei as sobrancelhas, não conseguindo evitar de me ofender com seu tom.
— Pois faça — e, pela primeira vez, o homem deu um sorriso.
— Eu disse que você não é bem-vindo aqui — e Brent se aproximou minimamente. Apesar de estar em uma pose de macho alfa, eu sabia que ele estava se tremendo de medo, conseguia ver pelo seu olhar.
— E quem é seu chefe, garoto? — E Wolverine virou mais uma dose. — Só saio daqui com ordem do seu chefe.
Brent engoliu o seco ao mesmo tempo que sua íris escura faiscou.
— Não seja por isso, eu mesmo ligo pra ele — e puxou o celular do bolso. — Obrigada , por não fazer nada!
E bufou para mim enquanto discava para Adam que deveria estar no vigésimo sono a essa hora.
Dei de ombros para meu colega que estava incrivelmente ofendido comigo e com a presença do mutante. Se Brent quisesse brigar, que brigasse sozinho. Eu não entraria nessa e Wolverine também era um colírio para meus olhos no meio de todo aquele caos. Pelo menos se ele ficasse, eu teria alguém agradável fisicamente para apreciar.
— Gosta do que vê? — Saí de meu breve transe ao ver que Wolverine falava diretamente comigo e que eu, inconscientemente, secava os músculos do seu braço.
— Desculpe — enrubesci na mesma hora e virei o rosto, desejando abrir um buraco no meio do chão e sumir. Bem, se eu não tivesse feito votos de que jamais usaria meus poderes, eu conseguiria fazer isso num estalar de dedos.
— Gostaria de mais uma dose — disse Wolverine se divertindo com minha vergonha. — Pode deixar a garrafa aqui.
Engoli o seco e lhe alcancei a garrafa do destilado. Enquanto suas mãos a pegavam de mim, observei o meio dos seus dedos, tentando ver se avistaria alguma pontinha de suas famosas garras, mas tudo o que encontrei foi sua pele intacta.
— Desculpe pelo meu colega também — tomei coragem e disse para ele que desistia de encher o copo e agora tomava direto do gargalo. — Ele é um idiota preconceituoso.
Wolverine soltou um riso sem humor e deu mais um gole em sua garrafa.
— Não é você que precisa se desculpar — disse me olhando dentro dos olhos e eu arfei.
Assenti com um aceno de cabeça e me afastei, procurando algo para fazer ao invés de ficar em cima do mutante que, claramente, só queria ficar em paz.
Mas, para minha tristeza, Brent veio em minha direção quase que instantaneamente.
— Não acredito que não me defendeu! — Esbravejou para cima de mim.
— E o que Adam disse, hein? — Perguntei ácida. — Se você é tão bom e cheio de razão, por que não vai lá e expulsa o cara? Mas só digo uma coisa, Brent, me deixe fora das suas confusões. Eu só quero trabalhar.
Seus olhos se arregalaram em surpresa ao ver que seu tom não havia me amedrontado e ele inflou o peito para me retrucar mais uma vez.
— E se não me deixar em paz, eu ligo para o Adam e digo o auê que está fazendo — o cortei antes que ele pudesse falar qualquer coisa. — Vamos ver de que lado ele vai ficar.
As pontas dos meus dedos estremeciam novamente e, apesar de manter o tom de voz calmo, precisei me esforçar muito para não deixar transparecer que o meu corpo todo tremia. Agradeci a meu pai mentalmente por todos os exercícios de controle de poderes e de humor.
Brent, por sua vez, murmurou um "vadia" para mim e se afastou antes que eu pudesse rir da sua cara. Respirei fundo e segurei a bancada com força, fechando os olhos e contanto até 10 antes de abri-los e retornar aos meus afazeres.
Para minha sorte, nem Wolverine nem Brent causaram mais problemas até que o horário do velho pub fechar.
E, mantendo o bom presságio, a tempestade diminuiu consideravelmente enquanto eu terminava de limpar as mesas e Brent de desligar tudo o que precisava. Ele não havia trocado mais nenhuma palavra comigo desde então e eu estava muito satisfeita.
O homem mutante havia deixado o bar há menos de uma hora, após terminar duas garrafas de whisky sozinho e saiu deixando uma boa quantidade de gorjeta que eu aceitei de bom agrado.
Catei minhas coisas, que eram meu casaco e minha bolsa e esperei Brent sair para que eu pudesse trancar o local. Adam, meu chefe, que tinha um pouco mais cérebro que o meu colega, havia me deixado responsável em abrir e encerrar as atividades, pois não confiava em Brent o suficiente para isso.
Soltei um suspiro pesado enquanto fechava o cadeado e um vento soprou um pouco forte demais para o meu gosto. Eu morava na rua de trás do pub, mas esbravejei por ter de passar frio até chegar em meu destino final.
Para surpresa nenhuma, Brent não se despediu e sumiu tão rapidamente que parecia que havia desaparecido como fumaça.
Ajeitei a bolsa em meu ombro direito e olhei mais uma vez ao meu redor, visualizando se estava tudo dentro dos conformes. Ao perceber que estava tudo ok, iniciei meu caminho para casa.
Mas logo após dar meus primeiros passos, meu sexto sentido soou como um alarme em minha cabeça. Os pelos ouriçados da minha nuca também indicavam eu algo não estava certo.
Virei a primeira esquina ainda olhando para os lados e, antes que pudesse continuar, bati em algo duro e grande.
— Desculpe — murmurei e me surpreendi ao dar de cara mais uma vez com Wolverine. — Mas o que?
— Continua andando — falou no seu tom ameaçador enquanto fitava algo atrás de mim.
— O que? — Eu não estava entendendo nada, mas suas mãos seguraram meus braços e me empurraram para frente.
— Eu disse para continuar andando, docinho — grunhiu entre os dentes e eu prontamente acatei ao seu pedido, assentindo com a cabeça.
Olhei-o mais uma vez antes de seguir em frente. Apesar de sua expressão ameaçadora, ele piscou um dos olhos para mim e seguiu na direção contrária à minha. Apressei o passo, mas não sem antes ouvir o som de suas garras saindo para fora e algo que ele resmungou. Por mais que eu estivesse louca de vontade de me virar para ver o que acontecia, segui a sua ordem e mais do que depressa voltei para casa.
Adentrei em meu apartamento sentindo as pernas bambas e a respiração ofegante. Larguei minhas coisas, tentando digerir e entender o que havia acontecido.
Mas quando percebi que não conseguiria e que meu coração ainda pulsava com força em minha caixa toráxica, segui em direção a minha banheira a fim de um banho relaxante.
Após tanto pensar, adormeci dentro da água morna.


Acho que nunca havia acordado com tanto frio e arrepiada como quando despertei num pulo, dentro da banheira com a água fria e com a pele enrugada de tanto ficar ali dentro.
Eu não sabia dizer que horas eram, mas os saios de sol começavam a iluminar o banheiro que eu havia deixado na noite anterior com as luzes apagadas para relaxar mais facilmente.
Saí da água batendo o queixo e me secando de qualquer jeito enquanto ia em direção ao meu quarto, à procura de roupas quentes e de minha cama para poder dormir mais um pouco.
Mas assim que me aconcheguei em minhas cobertas fofas, o toque do meu celular começou a berrar loucamente, num indicativo de que alguém me ligava. Pensei seriamente em me virar para o lado e fingir que nada estava acontecendo, mas eu era curiosa e sempre tinha a chance de algo estar fora dos conformes.
Pestanejei alto e peguei o celular, me surpreendendo com o visor estampando o nome de Adam.
— Alô?
? Oi! Desculpa te ligar assim — disse meu chefe e notei seu tom de voz preocupado. — Mas queria saber se você sabe alguma coisa do Brent. Se tá tudo bem com ele?
— Brent? Hã, eu acho que sim — franzi o cenho. — Nós conversamos ontem a noite, antes de ir pra casa. Aconteceu alguma coisa?
— Acabei de receber uma mensagem dele me dizendo que ele está de malas prontas e que está deixando a cidade.
Sentei de supetão em minha cama, sem acreditar no que Adam falava.
— Embora da cidade? Como assim?
— Também tô tentando entender — soltou um suspiro. — Espero que não tenha se metido em confusão outra vez.
— Eu não sei nem o que te dizer — esfreguei uma das têmporas. — Se eu souber de algo, te aviso.
— Obrigado, . Ah, e você se importa de atender sozinha hoje de noite? Vou atrás de alguém hoje mesmo, mas não sei se consigo para logo.
— Sem problemas, deixa comigo — respondi, sentindo cansaço por antecedência, mas tentando não deixar transparecer.
Adam então agradeceu mais uma vez e ligação finalmente se deu por encerrada. Soltei um suspiro pesado e voltei a me deitar, deixando que meus pensamentos corressem entre as milhares de possibilidades sobre o que poderia ter de fato acontecido com Brent.
Ele já tinha certo histórico de cometer algumas loucuras por impulso. Como quando conheceu uma mulher quinze anos mais velha em um bar e três dias depois já estavam marcando casamento.
Mas, para ser sincera, eu não me importava tanto assim com ele para perder meu tempo precioso de sono e de descanso de beleza. Então resolvi deixar de lado esse assunto.
Aconcheguei-me o máximo que consegui em minha cama e, dessa vez, dormi quentinha e feliz.

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O céu repleto de estrelas indicava um tempo limpo e firme, a brisa do final da primavera soprava pelas janelas abertas do pub e, por conta de tudo isso, o bar estava cheio de caras que bebiam e gargalhavam em seus grupos de amigos, enquanto eu tentava me dividir em sete para conseguir atender a todo mundo.
— Ei, docinho, aqui! — O velho Joey me chamava rindo com a mão levantada. — Mais uma cerveja, por favor.
Assenti anotando em meu bloquinho que já tinha vários outros pedidos acumulando e tratei de me mexer para tentar fazer o mais rápido que eu conseguia.
Enchi a minha bandeja e serpenteei pelas mesas, tentando não derrubar nada nem bater em nenhum dos bêbados que pendiam para os lados.
— O que foi, querida? — Questionou-me Joey me ajudando a tirar as garrafas da bandeja. — Está com uma carinha triste.
— Só cansaço — respondi forçando um sorriso. — Brent saiu da cidade e Adam ainda não encontrou ninguém para ficar no lugar.
O velho me encarou com pena e eu soltei um suspiro pesado. Desejei que todos os clientes pudessem ser como ele, que nunca era inconveniente e gostava de conversar sem segundas intenções.
Mas meu momento de lamento não se demorou mais muito, pois logo mais mesas me chamavam e eu já começava a ficar ofegante de tanto zanzar para frente e para trás.
— E aí? O que você faz por uma gorjeta generosa? — Um velho nojento perguntou assim que deixei uma garrafa de whisky em sua mesa. Seus amigos que o acompanhavam riram e meu estômago embrulhou no mesmo instante.
— Desculpe, como? — Questionei indignada e seus olhos cansados e enrugados me olharam de cima a baixo.
— Você entendeu, gatinha — disse rindo e revirei os olhos. — Quanto você quer para rebolar essa bundinha redonda para os garanhões aqui?
Meu lábio inferior tremeu de raiva e a ponta de meus dedos formigaram. Precisei de muito autocontrole para não o arremessar para fora apenas com um estalar de dedos.
— Eu vou fingir que não ouvi isso — falei séria. — E se não parar, vou ser obrigada a pedir para que se retirem do meu bar.
Ele riu debochando e estalou a língua no céu da boca, se levantando em seguida e cambaleando no mesmo instante. Seus dedos inchados precisaram se agarrar na mesa para que ele não caísse para trás.
— Ah é? E quem vai nos tirar daqui? — Seu bafo alcóolico quase me embebedou também. Seus amigos continuavam rindo como se estivessem em um show de comédia.
— Eu vou. — E fui interrompida antes mesmo que eu conseguisse pensar o que responder para o velho.
Virei-me abruptamente, com os pelos da nuca arrepiados, e não pude deixar de ficar chocada ao encontrar Wolverine atrás de mim com sua costumeira carranca e pose amedrontadora. Ele piscou o olho direito para mim e eu corei instantaneamente.
— Não ouviram, velhotes? — Ele tornou a falar quando percebeu que nenhum dos caras havia se movido do lugar. — O lugar de vocês é lá fora.
E, prontamente, todos se levantaram ao mesmo tempo, ambos cambaleantes e fedidos a bebida destilada. Um deles deixou notas generosas em cima da mesa e eu não consegui esconder um sorrisinho.
— Obrigada — agradeci ao mutante que olhava para a porta, provavelmente se certificando de que eles estavam indo embora mesmo.
— Odeio gente bêbada — resmungou em resposta e se sentou onde os encrenqueiros estavam.
— Então porque veio a um bar? — Ousei perguntar e ele soltou uma risada sem humor.
— Infelizmente é o único lugar onde posso ter um pouco de paz enquanto bebo — respondeu dando de ombros. — Ainda tem aquele whisky de ontem?
— Trago em um minuto — e me retirei, sentindo o meu coração latejar contra minha caixa torácica.
Parei em frente as bebidas, que por sinal me deixavam de costas para todo o público do bar, e me permiti parar por alguns segundos, tentando controlar os meus batimentos cardíacos e minha respiração descompassada. Tudo dentro de mim parecia tremer.
Agarrei a garrafa de whisky ainda trêmula e voltei para a mesa do mutante que olhava ao redor, demorando o seu olhar nos homens que o encaravam.
— É permitido fumar aqui dentro? — Questionou olhando no fundo dos meus olhos e eu arfei.
— Não — respondi baixo e senti minhas pernas vacilarem. — Só lá fora. Meu chefe não gosta e eu não também não sou muito fã de voltar com os cabelos fedorentos para casa.
Ele me olhou divertido e assentiu, entendendo meu ponto. E, sem mais dizer nada, começou a beber o seu whisky. Ao perceber que ele queria um pouco de paz, pedi licença e me afastei, precisando disfarçar minha vontade de me abanar com meu bloquinho, já que, magicamente, eu estava passando por muito calor.
Meu deus, o que é que estava acontecendo comigo? Eu não era totalmente leiga em relação a homens, mas também não era uma loba caçadora, apenas aproveitava os bons momentos que a vida poderia me proporcionar. Mas jamais havia me sentido assim em nenhum outro momento da minha vida. Por que é que um cara que tinha mais do que o triplo da minha idade causava efeitos tão contraditórios em mim? E não digo em relação a nada sexual, por mais que ele fosse um grande de um gostoso, mas eu diria que era mais nervosismo infantil do que qualquer outra coisa.
Eu não sabia dizer o que estava acontecendo, e acho que precisaria de um tempo para poder colocar em palavras. Por isso, achei que um copo de água gelado me ajudaria a relaxar um pouco e a diminuir o suor frio das palmas das minhas mãos.
Ainda me recompondo, passei os olhos pelo salão, respirando profundamente ao ver que, por pelo menos naqueles segundos, ninguém me chamava para fazer pedido algum. Talvez muito se desse pelo fato de que boa parte das mesas cochichavam entre si sobre o mais novo cliente do local. Wolverine, por sua vez, continuava concentrado em sua garrafa, ignorando o restante do mundo.
Mas meu momento de paz não durou por muito tempo, pois logo duas mesas decidiram que estava na hora de ir embora e que precisavam acertar a conta. Pelo menos o local começava a ficar um pouco mais vazio.
— Tudo certo, rapazes? — Perguntei cordialmente ao pequeno grupo de homens de meia idade que assentiram.
— Uma gorjeta pelo bom atendimento — disse um deles e colocou uma nota generosa em minhas mãos. Sorri em agradecimento. — Não é sempre que encontramos um bom atendimento assim pelos bares da cidade.
Agradeci mais uma vez e os observei saírem, agora a outra mesa também acertava seus pagamentos.
— Boa noite, — disse Jake, outro cliente assíduo do local. — Espero que Adam consiga logo alguém para vir te ajudar.
— Eu também, Jake, eu também — respondi suspirando e me despedi dos demais.
E assim o restante da noite foi passando. Por sorte, poucos clientes entraram após isso e a maioria já começava a se empoleirar na frente do caixa para irem embora, visto que o relógio já marcava mais de uma da manhã.
Despedi-me do velho Joey que me desejou boa noite e ressaltou para que eu ligasse para ele qualquer coisa, me relembrando de que morava logo ao lado e poderia vir facilmente ao auxílio. O que até seria verdade, se ele já não tivesse bebido uma boa quantidade de álcool e cambaleasse até a saída. Mas mesmo assim agradeci.
Soltei um suspiro pesado e demorado ao sentir minhas pernas doerem junto com minhas costas pela correria que a noite havia sido. Mas que, infelizmente, ainda não havia chegado ao fim, já que o mutante permanecia sentado em seu mesmo lugar, já na terceira garrafa da bebida.
No fim da primeira, me autoquestionei se ele não ficava bêbado, mas no meio da segunda pensei que talvez o seu gene mutante fosse o responsável por deixa—lo com a expressão tão sóbria como a que ele havia entrado no bar. Meu coração ainda batia descompassado ao me aproximar de sua mesa, mas não havíamos mais trocado nenhuma palavra além de “pode trazer mais uma dessa”.
Um bocejo escapuliu de minha garganta e eu pensei que começar a limpeza das mesas seria uma boa ideia para adiantar um pouco do meu serviço e também para ver se Wolverine e os outros dois caras que ainda estavam ali, se mancavam e resolviam ir embora.
— Quer que eu os mande embora? — Assustei-me mais vez ao ouvir o mutante se dirigir a mim e o encarei sem entender.
— Como é?
— Os dois panacas da mesa ao lado — disse Wolverine olhando para a outra mesa. — Quer que eu os mande embora?
— Porque você faria isso? — Ergui a sobrancelha esquerda, ainda tentando entender.
— Pra você poder ir pra casa — respondeu com naturalidade.
— Mas você ainda tá aqui — falei com obviedade. — Ainda vou ter trabalho a fazer.
— Estou esperando todos irem embora.
Eu continuava o encarando com um grande ponto de interrogação que só crescia no meio da minha testa.
— Pra levar você pra casa — disse e bebeu direto do gargalo sua garrafa que já estava no fim.
— Contrataram um guarda—costas para mim e não me avisaram? — Cruzei os braços rente ao busto e ele soltou uma risada sem humor.
— Uma garota indefesa não pode ir para casa sozinha — me lançou uma piscadela e minhas bochechas esquentaram antes mesmo que eu pudesse controlar.
— Por que está fazendo isso? Você nem me conhece — argumentei e percebi a movimentação dos outros dois homens que pareciam se organizar para irem embora.
— Sinto o cheiro de quando as coisas não estão certas — deu de ombros. — Não se perguntou a razão de eu estar lá ontem a noite?
— Ironia do destino? — Respondi em tom sarcástico. — É óbvio que me perguntei, mas não achei que precisaria disso de novo. Afinal, o que aconteceu ontem a noite?
— Como vai o seu amigo que trabalha aqui? — Mudou o assunto e eu o encarei ficando cada vez mais confusa e indignada.
— O que? — As engrenagens da minha cabeça já não funcionavam mais, mas antes que ele pudesse me responder, os outros dois clientes me chamaram para pagarem suas contas.
Tratei de atendê-los o mais ágil que pude enquanto Wolverine finalizava a sua garrafa e me olhava com divertimento. Se sua carranca não fosse tanta, poderia jurar que ele estaria rindo de mim.
— Tenham uma boa noite — desejei aos homens, quase os empurrando para fora e, assim que o fizeram, voltei para o meu posto até a mesa do mutante. — Como assim como vai o meu amigo que trabalha aqui?
— Eu não o vi hoje — deu de ombros e eu não acreditei nenhum pouco em sua palavra.
— Ele se demitiu hoje de manhã, disse que tá saindo da cidade — falei por fim, encarando o seu rosto, para ver algum resquício de emoção diferenciada, mas ele permaneceu impassível.
— Ah é mesmo? Achei mesmo que ele fosse um covarde, mas não tanto.
— O que você fez com ele? — Não aguentei mais ficar em pé a sua frente e puxei uma cadeira para me sentar.
Ele suspirou e se ajeitou em seu lugar e eu achei que ele pediria mais uma bebida, mas ao invés disso apoiou-se sobre a mesa e me olhou no fundo dos olhos.
— Ele ia te atacar ontem à noite.
— O que? Brent? — Senti vontade de rir. — Tudo bem que ele é um idiota, mas nunca faria nada para mim.
— Ele estava te seguindo ontem, quando você estava indo pra casa — ignorou o que eu disse e continuou sua narrativa. — Você sabia que o seu amigo levava um revólver na mochila?
E dessa vez eu nada disse, apenas o encarei com a boca aberta e tentando captar e compreender suas informações.
— Por isso pedi pra que andasse e não olhasse pra trás.
— O que fez com ele? — Perguntei, sem saber o que sentir com aquilo tudo.
— Digamos que tivemos uma conversa bem... acalorada — soltou um riso sem humor. — E que ele não voltou pra casa com o nariz no lugar.
— Meu deus — murmurei. — Meu deus! Mas por que ele ia fazer algo comigo? E porque você estava lá? Como sabia?
— Eu não sei o porquê — balançou os ombros. — Talvez se irritou porque não o defendeu ontem, ou vai saber... Também não me interessa saber. Mas eu vi o jeito que ele estava te olhando antes de eu ir embora, por isso fiquei por perto lá fora até que você saíssem.
Engoli o seco e passei a mão pelo rosto, esfregando minhas têmporas. Nada do que ele me dizia fazia muito sentido, apesar de eu sentir que ele não mentia para mim. Afinal, ele deveria ser um herói, não é mesmo? Ou o seu eu do passado deveria ser.
— Bom... Acho que devo lhe agradecer então — falei por fim. — É isso, muito obrigada.
— Por nada — deu de ombros e se levantou, erguendo a sua cadeira em cima da mesa e pegando as outras para fazer igual. — Agora vamos fechar essa espelunca? Também quero ir pra casa.
— Vamos? — Ergui uma das sobrancelhas. — Você vai me ajudar é?
— Ou eu posso mudar de ideia e ficar assistindo você fazer tudo sozinha... — Se irritou e ameaçou devolver as cadeiras para o chão.
— Não! — Tratei de dizer. — Eu aceito a ajuda! Se importa de ir passando um pano nas mesas e recolhendo as cadeiras? Tenho a louça para organizar.
E Wolverine torceu o nariz, mas não discordou. Deixei o pano em suas mãos num sorriso sem mostrar os dentes e segui para os meus últimos afazeres da noite.
Ensaboei os copos enquanto observava de soslaio para as costas largas do mutante que resmungava consigo mesmo e fazia o que eu havia pedido. Talvez já estivesse arrependido de ter aceitado me ajudar.
Mas eu ainda estava muito encucada com tudo isso e, por mais que estivesse desconfiando de boa parte do que estava acontecendo, não negaria que aproveitaria cada momento ao lado de Wolverine, que a essa altura você já entendeu que eu o achei extremamente atraente. E uma ajuda também não me faria mal.
À medida que fui deixando meus pensamentos fluírem com tudo aquilo, fui terminando de organizar os copos e demais louças que estavam por ali. O mutante já havia terminado de fazer o que eu havia pedido e agora me aguardava próximo a porta, com a carranca um pouco mais acentuada.
— Tem mais alguma coisa pra fazer? Quero ir pra casa — resmungou.
— Só tenho que fechar as janelas — e corri para fazer isso, já que também ansiava por um banho quente e minha cama. — Precisaria passar um pano no chão, mas amanhã eu venho mais cedo pra fazer isso.
Pensei ter ouvido um "graças a deus" ter escapulido num sussurro de sua boca, mas não parei para retrucá-lo, afinal, ele mesmo quem havia decidido ficar e me ajudar.
Dei a última passada pelo ambiente para ver se estava tudo certo e, quando positivei a ação, saímos do bar. Olhei em meu relógio de pulso e resmunguei ao ver que os ponteiros já marcavam mais de três horas da manhã.
— Você faz esse horário todos os dias? — Perguntou-me o homem ao meu lado enquanto eu trancava as portas.
— É isso aí — virei-me para olhá-lo. — Alguns dias mais e outros menos. Mas agora que o Brent se mandou, é provável que eu fique até mais tarde até conseguir organizar tudo.
— Quantos anos você tem?
— Vinte e oito — e assim que o respondi, iniciamos nosso trajeto, lado a lado, em direção a meu trajeto final. — Por que?
— E você nunca pensou em trabalhar em algo melhor?
Arqueei uma das sobrancelhas, em descrença sobre o que eu pensei ter sentido no tom de sua voz.
— Qual é? Acha que por eu ser mulher não dou conta de trabalhar em um bar? Onde acha que eu deveria ir, um salão de beleza? — Assumi uma postura mais defensiva e foi a minha vez de me expressar como uma carranca.
— Bom, acho que num salão de beleza você não precisaria expulsar ninguém por estar te assediando — e com essa frase, Wolverine desmontou a minha razão e automaticamente um bico se formou em meu rosto.
Enfiei as mão no bolso e encarei meus pés, sem saber mais como rebater o seu argumento. Ele também não pareceu se importar em iniciar outro assunto e, no silêncio, o nosso caminho continuou sendo feito.
— É ali que eu moro — apontei para o prédio onde eu vivia.
— Ótimo — respondeu de forma comedida e continuou ao meu lado, sem menção de que se moveria dali.
— Qual é? Eu já consigo entrar sozinha, a porta tá bem ali — apontei para o outro lado da rua. — Pode ir pra casa descansar.
Mas como se eu não tivesse dito nada, Wolverine continuou acompanhando os meus passo enquanto atravessávamos a rua completamente deserta e escura.
— Muito obrigada — agradeci por fim. — Eu não sei ainda se entendi muito bem a razão de você ter me acompanhado até aqui, mas agradeço mesmo assim.
— Eu já disse, é perigoso a noite — disse sério e eu ainda não acreditava em suas palavras.
— Bom, vou acreditar em você. Uma boa noite, a gente se vê por aí, Wolverine.
— Boa noite — e virou as costas para ir embora, mas parou no meio e olhou para mim. — Pode me chamar de Logan.
E, mais uma vez, fiquei sem palavras. E, diferente da noite anterior, fiquei parada no topo das escadas observando as costas largas do mutante irem se afastando cada vez mais.
Eu não sabia ainda o que de fato estava rolando, mas confiaria que Logan estava tentando ajudar.


Segundas-feiras eram o meu dia da semana favorito, contrariando boa parte de uma população que eu sabia que tinha suas desavenças com esse dia.
É que enquanto a segunda era um indicativo de que a semana estava começando, para mim significava ter o dia e a noite de folga. E, por Adam ainda não ter encontrado ninguém para me ajudar e eu estar trabalhando sozinha, meu chefe havia estendido a folga até a terça-feira.
Dois dias de folga! Há quanto tempo eu não tinha dois dias sem ter que ficar vendo velhos se embebedar? Eu não conseguia nem me lembrar.
Comecei a segunda comendo panquecas com cobertura de chocolate e dando água para minhas plantas, que eu tentava cuidar com o maior amor do mundo.
“Você sabe que pode fazer elas crescerem e ficarem lindas com o seu poder, não é?”, disse-me uma vez Lily, minha amiga e a única que havia descoberto sobre meu gene mutante além de meu pai.
“Mas daí não teria graça”, me lembro de tê-la respondido e um grande bico havia se formado em seus lábios que estavam sempre pintados de vermelho. Lily havia sido a pessoa que mais me incentivava a não me esconder, e minha melhor amiga.
Infelizmente, um carro passou por cima de seu corpo enquanto ela visitava seus pais no interior de Nashville. Esse ano faria quatro desde a sua partida e eu tentava me recordar menos o possível da tragédia, pois relembrar era reviver tudo o que havíamos passado juntas e, consequentemente, toda a dor de quando ela foi embora sem nem se despedir.
Sequei uma lágrima solitária que rolou pela minha bochecha e tentei espantar os pensamentos que me causavam saudade. Borrifei mais um pouco de água em meu lírio e passei a cortar as folhas que estavam secas e feias.
Fracos raios de sol adentravam pelas janelas da área de serviço e eu aproveitei para trocar as flores de lugar, já que o frio se aproximava e os dias de sol e claridade se tornariam raros.
Depois de me dedicar ao trabalho de jardinagem, lavei as mãos e as unhas, que estavam sujas de terra, e decidi trocar de roupas, optando por algo bonito e confortável. A ideia era ir até uma revenda de automóveis para encontrar algo que me agradasse e que não fosse tão caro.
Um dos principais objetivos de tanto trabalhar era esse, poder comprar o meu tão sonhado carro. Dirigir era um dos hobbies que eu mais gostava de ter. E, infelizmente, fazia algum tempo que eu não praticava, desde que o último que eu tivera foi esmagado por um caminhão enquanto estava parado, e tendo perda total, eu não tinha condições de mandar arrumá-lo.
Calcei meus tênis e saí com o guarda-chuva embaixo do braço, já que o tempo se armava mais uma vez.
Por sorte, a revenda não ficava muito longe de casa, então eu iria caminhando com tranquilidade e apreciando a paisagem, coisa que eu não fazia já a algum tempo. As folhas amareladas e secas caídas no chão indicavam que o outono se encaminhava para o final e eu suspirei, pensando no frio que o inverno traria logo.
Eu definitivamente não era uma pessoa do frio e sofria muito no inverno.
A loja de carros já não estava mais tão longe e eu aproveitei para apertar o passo, a fim de chegar o mais rápido possível. Um sentimento de ansiedade começava a se instaurar em meu estômago junto à excitação de estar fazendo algo que eu tanto almejava.
Estampei um sorriso no rosto quando passei pelas portas e, rapidamente, um vendedor veio até mim.
— Olá, querida, como posso ajudá-la hoje? — Um rapaz com o rosto cheio de cicatrizes e um grande sorriso brotou ao meu lado. Seu cabelo perfeitamente alinhado me causava uma estranha sensação, mas ele parecia simpático, então me atentei a suas características físicas.
— Oi, eu gostaria de ver um carro para mim — respondi e ele suspirou animado. — Algo não muito caro e econômico.
— Algo mais veloz, estilo velozes e furiosos ou mais tranquilo? — Perguntou arqueando as sobrancelhas e me guiando para o pátio onde ficavam os modelos do local.
— O que você tem em estilo velozes e furiosos? — Devolvi a pergunta e eu não soube dizer quem estava mais animado.
— Uau, pensei que fazia o tipo das vovozinhas que dirigem — falou despreocupadamente e eu ri quando ele fez uma careta ao perceber o que tinha dito. — Digo, não foi isso que eu quis dizer. É que você tem uma expressão bem... Pacífica. Enfim, não dê bola pro que eu falo, só vamos.
E se apressou enquanto eu ainda tinha um sorriso de divertimento no rosto. Ele parecia ser bem descontraído.
— Desculpe, qual seu nome mesmo? — Questionou enquanto me guiava pelos entremeios de veículos.
.
— Ótimo, querida, eu sou Wade Wilson — esticou a mão para me cumprimentar e eu a aceitei de bom agrado.
E assim iniciou a sua venda. Wade era engraçado e tagarela. Volta e meia soltava algumas besteiras que se arrependia no instante seguinte do que havia dito, mas eu apenas dava risada, pois estava tornando a procura do carro perfeito mais dinâmica e confortável.
— Esse tem ótima tração — me mostrou uma pick-up com aparência mais velha. — É perfeito para saídas mais truculentas e também para uma boa rapidinha na beira da estrada.
Eu, que bebia o copo de água que ele havia me oferecido instantes antes, quase me engasguei enquanto ele piscava para mim.
— Claro que não estou convidando você a isso, né — continuou falando e eu tossi, não controlando uma gargalhada. — Só estou constatando um fato.
— Por que decidiu ser vendedor de carros, Wade? — Questionei observando a pick-up por fora.
— Bem, um amigo meu me convenceu que era um emprego melhor do que... — começou a falar e parou bruscamente. — Do que ficar perambulando por aí. Não paga muito, mas é o suficiente para bancar o apartamento que divido com um amigo ranzinza e uma cega.
Arqueei as sobrancelhas, o ouvindo com atenção.
— Ah e tem minha querida Mary Poppins também, não sei como pude me esquecer dela — falou olhando para cima, como se imaginasse sobre quem ele falava.
— Mary Poppins?
— É a minha cachorrinha — falou com orgulho. — Quer ver?
E, antes mesmo que eu pudesse dizer que sim ou não, puxou o celular do bolso da calça e me mostrou a tela de fundo. Um cachorro feio e estranho estampava o eletrônico.
— Linda, não é? — Disse com orgulho e eu assenti, ainda um pouco contrariada. — É a princesa do papai.
— Não pensei que fosse pai de pet — falei e abri a porta do motorista.
— Mas ser pai de pet é a melhor coisa que tem. Não preciso me preocupar com uma criança que não vai bem na escola, por que eu não conseguiria ajudar nas tarefas de matemática — divagou. — Vamos, entre, prove a direção.
Incentivou-me a entrar na camionete e foi isso o que fiz. Ele, por sua vez, assumiu seu lugar do outro lado e me alcançou a chave, insistindo para que fizéssemos um test drive.
— Vamos, quero ver se é uma boa motorista mesmo — balançou as sobrancelhas para cima para baixo. — Sem querer ser machista, é claro.
Balancei a cabeça para os lados, sem deixar de rir e enfiei a chave na ignição, respirando fundo e apertando o volante antes de dar partida.
— E você, querida, o que faz da vida? — Questionou-me assim que passamos pelos portões, rumo a avenida.
— Sou bartender — respondi abrindo o vidro para sentir a brisa soprar em meu rosto.
— Uau, sexy — disse brincando e mordendo os lábios. — É daqueles que tem strippers com velhos barrigudos?
— Só os velhos barrigudos — ri. — As strippers ficam para outros lugares.
— Ainda bem — colocou a mão no peito como se estivesse aliviado. — Não iria conseguir disfarçar minha cara de surpresa se você fosse uma daquelas garotas que fazem topless, sua carinha de anjinho não me permite pensar uma coisa maligna dessas.
Não evitei mais uma gargalhada e dessa vez ele riu comigo.
— Às vezes as aparências enganam, você sabe — resolvi brincar de volta e ele me olhou surpreso, mas ao ver que eu sorria entendeu que eu não falava sério.
— Eu não gostaria de contar essas coisas sujas para o seu pai, querida — falou prosseguindo o momento de descontração e eu ri. — O que acha de uma musiquinha, hein?
E ligou o rádio antes mesmo que eu pudesse responder. Mas eu diria sim de qualquer jeito.
Wade continuou tagarelando e me indicou até onde o nosso trajeto de test drive iria. Deveríamos poupar a gasolina, como ele mesmo havia dito e eu murchei um pouquinho, pois estava adorando dirigir pelas ruas agitadas.
— Que você é pai de pet eu já sei — resolvi puxar assunto, pois ele divagava sobre um assunto que eu não sabia qual era. — E que mora com um ranzinza e uma cega... Mas e sua mulher? Tem namorada ou algo do tipo?
— Eu até pensei que estava rolando um clima entre a gente, mas não pensei que você fosse ser tão direta, querida — falou passando as mãos pelos cabelos. — Mas podemos dizer que tenho o “algo do tipo”.
— Relacionamento complicado? — Arrisquei perguntar.
— Você não faz ideia do quanto — disse no meio de um suspiro e pareceu se perder em seus próprios pensamentos. — Mas tenho esperança que um dia a gente consiga desenrolar tudo isso... E você? Algum gatinho na área?
— Nenhum — respondi despreocupada e virei a esquina que ele me pediu.
— Ex-babaca que deixou traumas?
— Não, a gente se dava bem — expliquei. — Só não fluiu mais e eu não achei ninguém para que viesse completar as coisas.
Wade abriu a boca num sorriso engraçado e puxou o ar como se fosse falar alguma coisa. Mas antes que eu pudesse ouvir o que ele tinha para dizer, um baque seco atingiu a pick-up com força e a partir dali tudo aconteceu muito rápido.
O carro virou de cabeça para baixo, o airbag explodiu em meu rosto e minha cabeça revirou. Por sorte, o cinto de segurança me deixou presa ao banco, mas senti as pernas presas enquanto eu tentava manter olhos abertos, tentando compreender de fato o que havia acontecido.
— Querida? — Ouvi Wade me chamar e minha cabeça girou mais uma vez, me fazendo perder os sentidos por alguns instantes.
Ao abrir os olhos, pude ver Wade ser puxado para fora do carro e barulho de vários tiros. Perdi a consciência mais uma vez.
Mais barulhos de tiros pareciam soar bem longe e eu lutei para conseguir ficar com os olhos abertos de novo. Mais tiros. Pessoas gritando. Barulho de luta.
Senti algo borbulhar dentro do meu peito e sabia que era o meu poder mutante querendo dar as caras. Fiz uma careta e forcei a consciência, olhando para frente. Eu consegui movimentar pernas e agradeci por não estar presa as ferragens. O gosto metálico impregnado em minha boca indicavam que o meu sangue escorria de algum lugar. Apesar disso, eu ainda não sentia dor.
As pontas dos meus dedos formigaram e o asfalto abaixo do teto carro pareceu se rachar sob minha cabeça. Eu não estava encostando no asfalto, mas sabia que algo se movimentava embaixo dele. Os meus poderes me contavam isso.
Ouvi então passos se aproximando e uma mão tocou meu ombro, o que me fez urrar de dor. Bingo. Havia encontrado onde estava machucado.
— Você vem comigo — julguei ser a pessoa que me tocava ter falado e o sentimento de ira tomou conta de mim. — Mas que merda é essa?
E algo explodiu em meu peito, que explodiu o restante do carro, me jogando para fora. Rolei pelo chão desnivelado, sentindo ele se mover cada vez mais.
— Peguem a mutante! — Alguém berrou e eu sabia que falavam sobre mim. Revirei os olhos tentando captar o que acontecia, mas os barulhos de tiro me fizeram me perder no que era realidade ou não.
As minhas mãos ainda formigavam e senti meu corpo ser levantado do chão. Mas não eram mãos humanas que me erguiam. E sim, grossos troncos de árvore que me protegiam dos tiros que eu sabia que tentavam me acertar.
? — Alguém gritou por mim e eu reconheci a voz sendo a de Wade.
Wade? Como ele ainda poderia estar vivo?
Os troncos e galhos se formaram em uma grande cúpula ao meu redor, me protegendo cada vez mais das investidas que eram feitas para me atingir.
Ofeguei, tentando controlar o que me controlava, mas a adrenalina que corria pelas minhas veias impedia isso. Meu instinto de sobrevivência era maior do que o meu desejo por voltar a me esconder.
O som estava mais abafado pelas plantas ao meu redor, mas aos poucos o som da luta que ocorria ao lado de fora parecia diminuir. Fechei os olhos e respirei fundo três vezes, sentindo o chão debaixo de meus pés, as pontas dos dedos formigavam menos e meu peito subia e descia mais devagar.
— Querida, você tá aí? — Ouvi a voz de Wade mais uma vez e abri os olhos, percebendo que o som havia cessado.
Arfei e, com todo o autocontrole que eu havia treinado em toda a minha vida, fiz com que a barreira ao meu redor diminuísse devagar, até que sumisse completamente. A minha frente, Wade me encarava tão ofegante quanto eu e incrivelmente ensanguentado.
— Você tá bem? — Perguntei ao reparar o seu estado que, embora parecesse deplorável, indicava que ele sequer sentia dor.
— Eu é que devia te perguntar isso — se aproximou. — O que foi isso?
Engoli o seco e só então parei para olhar o meu redor, encontrando um grande rastro de destruição. No chão havia pelo menos uns dez corpos de homens de preto e armas jogadas. Três carros capotados, a contar com o que estávamos instantes atrás. E o asfalto todo arrebentado, num indicativo de que meus troncos haviam passado por ali e derrubado boa parte das coisas que estavam pela rua.
— Eu... Eu não sei — minha garganta fechou e meus olhos arderam, num indicativo que eu desabaria de chorar a qualquer momento. — E você... Como... Como sobreviveu a tudo isso?
Wade abriu um sorriso divertido. Só então percebi que seu cabelo havia sido arrancado e sua careca apareceu.
— Acho que temos segredos a compartilhar — falou manso e eu pisquei, tentando me acostumar ao seu tom de voz. — E acho melhor sairmos daqui antes que a polícia chegue. E precisamos cuidar do seu ombro.
Assenti, sem saber o que lhe dizer nem o que fazer.
— Onde vamos? — Perguntei.
— Vamos conhecer meu amigo ranzinza e minha amiga cega. — E assim fizemos.



Continua...


Nota da autora: A história se passa no universo do filme Deadpool e Wolverine, porém alguns fatos serão mudados para o melhor percorrer da história. Aqui o Logan não está tão velho quanto no filme, imaginem ele no auge dos X-Men dos anos 2000 que fica mais interessante hihihi

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