Codificada por: Lua ☾
Última Atualização: 25/05/25
swweet nothing universe
your faithless love's the only hoax I believe in
don't want no other shade of blue but you
no other sadness in the world would do
your faithless love's the only hoax I believe in
don't want no other shade of blue but you
no other sadness in the world would do
Ainda assim, lá estava eu, insistindo no que parecia ser uma péssima ideia.
Parada, ali, em Green Heaven, com duas malas na mão, a maquiagem borrada em meu rosto e uma saudade imensa de casa, me lembrei o motivo de ter vindo a Wellspring apenas uma vez. Tudo parecia acontecer mais devagar por ali. As pessoas não apenas andavam pelas calçadas; elas contemplavam a cidade. O som das sirenes não tremulava pelas ruas. Havia tempo para perceber a dança das nuvens e sorrir para as frésias cor-de-rosa derramadas ao chão a cada esquina. Os carros deslizavam sem pressa pelas avenidas e toda aquela insanidade da mão inglesa me deixava levemente confusa.
Como uma boa garota de Manhattan, o movimento frenético da cidade me acalmava. Havia algo especial em me sentir parte daquela desordem; eu simplesmente amava ser mais uma menina com grandes sonhos, flutuando pelas ruas da quinta avenida e contemplando as vitrines em busca de um par de Michael Perrys da última coleção como se minha vida dependesse daquilo. Gostava de ver as pessoas à minha volta indo e vindo como se estivessem sempre atrasados para alguma coisa, sentir o cheiro de café permeando cada esquina e o fato de conseguir comprar uma rosquinha de creme de framboesa com pasta de amendoim ou qualquer outra insanidade culinária às quatro e meia da manhã.
Era caótico e o caos me alentava. Eu me sentia importante - como se eu fizesse parte de algo muito maior do que a compreensão tangível, perdida entre os prédios de cinquenta e tantos andares e as luzes que subiam em direção ao céu, apagando as estrelas.
Conferi, mais uma vez, o nome que eu havia anotado em algum lugar entre os lembretes do meu celular. Royal Noir. Um título pretensioso para a pequena cafeteria que se revelava tímida à minha frente; duas portas de madeira maciça pintadas de azul escuro, espremidas entre um prédio de três andares com tijolos aparentes e uma acanhada floricultura coberta de ramos de erva daninha envolvendo a arquitetura vitoriana.
Pensei no que diria a quando o encontrasse. Imaginei ele abrindo os braços e o cheiro de seu perfume almiscarado invadindo minhas vias respiratórias; e então eu saberia que aquilo era o mais próximo que eu me sentiria de casa em um bom tempo.
Eu não sabia como estava seu cabelo. E nem se ele ainda usava aquele suéter verde musgo de cashmere que faziam seus olhos brilharem como turmalina líquida. E, principalmente - não sabia se meu irmão diria que aquela ideia era estúpida demais e, ao invés de me acolher, me mandaria de volta para o outro lado do oceano.
O vento frio tocou meu rosto e um sorriso involuntário desenhou meus lábios. Era irônico que o tempo estivesse se transformando em Junho e, no primeiro anúncio da manhã, nenhum raio de sol passasse pelas nuvens da cidade. havia me contado, no meio de uma ligação atrapalhada, sobre o verão em Wellspring. Me contou sobre como as ruas ficavam ainda mais bonitas com o sol deslizando pelas esquinas ao longo da manhã e riu ao falar dos fins de tarde, quando a vida contemporânea e a arquitetura antiga começavam a entrar em contraste para a chegada da noite.
Meu irmão tinha o dom de transformar tudo em poesia.
Ele havia me ensinado a olhar com mais cautela para as coisas banais do dia-a-dia. Coisas como as diferentes cores que pintavam o céu às seis horas da tarde e o som do vento nas copas das árvores durante a concretização do outono.
Ele era candura.
Eu era opulência.
Ele sempre fora o equilíbrio que eu precisava.
E era exatamente por isso que eu estava ali.
- Se você estiver pensando em mim, eu realmente espero que seja algo indecente - a voz que um dia fora conhecida soou de repente, inundando meu peito com algo parecido à tormenta e saudade.
Em qualquer outra situação, meu primeiro ímpeto seria xingá-lo. Amaldiçoar aquele rostinho bonito e aquela língua afiada, sempre transbordando provocações. Mas, naquele instante, eu estava apenas agradecida por ver um rosto conhecido. E, bom… ele havia concordado em me ajudar.
Deixei um sorriso se desenhar em meu rosto - um sorriso tão cínico quanto o dele - enquanto encostava a ponta dos dedos gelados em minha pele, tentando me livrar dos rastros pretos em minhas maçãs.
- Ah, mas é claro. Pensar em você é tudo o que eu faço. Por favor, , me beije - proferi da maneira mais dramática e tediosa o possível em meio a um rolar de olhos.
Ele, então, não disse nada. Apenas entortou os lábios, daquele jeitinho enervante e perspicaz, que atingia uma área de perturbação em meu cérebro que apenas era capaz de acessar.
Faziam seis anos desde a última vez que eu o havia visto. Mas ainda estava tudo ali, exatamente como eu me lembrava. Ele ainda tinha o mesmo cheiro quente da combinação de sândalo, violeta e cardamomo. Ainda se escondia por trás dos olhos , que em mim tinham o mesmo efeito que o mar em ressaca; me atraíam com a mesma força que me avisavam para ficar longe. Os cabelos , jogados para o lado de um jeito despreocupado exatamente como a Hollywood dos anos 90 aprovaria, que o deixava tão bonito que era quase irritante. O nariz gracioso apontando para o céu e os lábios finos e rosados que faziam o contraste perfeito com o queixo anguloso. Tudo meticulosamente calculado para resultar naquela criatura irretocável.
Para mim, ele era tempestade e torta de maçã.
Eu odiava tempestades. E adorava torta de maçã.
Quando tinha dez anos, seus pais se separaram. Foi um enorme escândalo na nossa pequena comunidade - o senhor havia traído a esposa com uma das funcionárias de vinte e poucos anos do clube de campo que todas as famílias do círculo restrito do Upper East Side frequentavam. Eu tinha seis anos e me pouparam dos detalhes, mas sabia que a mãe de havia decidido deixar tudo para trás - o marido e os recursos - para voltar com o filho para a terra natal: a Inglaterra.
Mas ele ainda visitava o pai sempre que podia.
Nossas famílias sempre foram próximas.
Ele e eram melhores amigos.
E, desde que eu me lembrava, ele sempre esteve por perto. Nos feriados Martha's Vineyard. Nos finais de ano nos Hamptons. E até nas viagens ocasionais à Nantucket.
E eu sempre o detestei. Porque ele sempre mantinha longe de mim. Meu irmão era a minha pessoa preferida do mundo, e ele não saia do meu lado quando éramos apenas nós dois. Mas, quando chegava, era como se eu não existisse.
Ele tinha seu próprio irmão. Porque não podia deixar o meu em paz?
Eu era nova demais para ser compreensiva; cinco anos pode ser muito tempo de diferença quando se é criança. E não fazia por mal. Eu só fui perceber, anos mais tarde, que estava triste com toda a situação e simplesmente precisava do melhor amigo.
Mas angústias não passam assim. Podem até chegar de repente, mas qualquer assunto que envolva o coração precisa de tempo para desvanecer.
Houve um verão em que me ensinou a andar de patins. Eu tinha dez anos e ele quinze. Lembro que caí em um dos arbustos de azaleias que ladeavam o enorme jardim da casa que mamãe havia alugado para a temporada na praia de Harwich, em Cape Cod. E meu coração disparou quando ele limpou as lágrimas do meu rosto e deu um beijo carinhoso perto dos pequenos ralados em meu joelho.
E então eu o odiei um pouco mais. Porque a brevidade da minha idade nunca havia me permitido sentir algo parecido e eu não queria que ele causasse aquilo em mim - eu queria odiá-lo.
Quando tinha vinte anos, sua mãe ficou doente. No aniversário de seus vinte e dois, ela faleceu. Por um longo momento, houve o luto. E depois dele veio toda a conversa empolgante sobre a nova aventura solitária de . Meu irmão simplesmente não parava de tagarelar sobre a nova vida incrível e independente que levava em Wellspring.
Um ano depois, saiu de casa. Para o desgosto de nossos pais, disse que não via mais sentido naquela vida de excessos, pratarias da Tiffany e roupas de cama de algodão egípicio. largou a faculdade de direito e se mudou para a Inglaterra para que ele e pudessem viver o sonho: - sério, era assim que eles chamavam aos vinte - montar uma banda.
havia tirado ele de mim mais uma vez.
E eu, mais do que nunca, o odiava.
- Vai me contar o que aconteceu? - ele enfiou as mãos nos bolsos da jaqueta de couro, como se não soubesse o que fazer com elas. Aparentemente agora ele era legal demais para os casacos de linho com assinaturas nas etiquetas.
- É apenas curiosidade ou você realmente se importa? - inclinei a cabeça para o lado, procurando qualquer cintilância na arrogância opaca de seus olhos.
- Tem razão - ele meneou a cabeça quando um sorriso ausente de humor delineou seus lábios - É apenas curiosidade. Só estou aqui por causa de .
Ofereci um sorrisinho meio contrariado. Não era nada que eu não soubesse; realmente faria qualquer coisa por . Eu era apenas parte do pacote.
Quando pensei em soltar alguma resposta esperta, se inclinou em minha direção para pegar as malas.
- Eu consigo levar uma - peguei as alças de uma das malas cor-de-rosa antes que ele alcançasse e a arrastei para perto de mim - É sério.
Ele juntou as sobrancelhas.
- São três lances de escada…
- Eu disse que consigo, .
Sai deslizando as rodinhas pelo chão antes que ele tentasse argumentar novamente.
Três lances de escada. Pfff.
Nós entramos por uma porta de madeira escura e vitrais transparentes no canto esquerdo da loja de flores. O pequeno hall era inteiro branco, com uma estante de caixas de correspondência pintada de turquesa e uma extensa escada com corrimão de ferro dourado. Não havia poltronas ou espelhos. Nem mesmo um arranjo de flores.
Era… Charmoso?
E, no segundo andar, enquanto a monotonia das cores seguia pelos corredores, eu já estava arrependida de não ter jogado a tal mala no colo de para que ele subisse com ela também. Porque mesmo eu achei que conseguiria subir três andares com mais de vinte quilos de roupas nas mãos? Mas eu desmaiaria de exaustão antes de admitir isso a ele.
- Estou cansado de olhar para os seus pés. Parece que eles se acham melhores do que eu - resmungou atrás de mim e eu soltei uma pequena risada.
- Eles deveriam - parei por um segundo, levantando uma das botas pretas de veludo em sua direção - São Prada.
Eu nem precisava olhar para trás para saber que ele estava rolando os olhos e apertando os lábios em insatisfação.
Quando chegamos no terceiro andar, parou em frente a uma porta azul petróleo. Era a única colorida entre as outras, todas brancas. Sorri ao pensar que aquilo deveria ter sido ideia de . Aposto que tinha errado o apartamento em alguma noite embriagada e decidido pintá-la de uma cor diferente. Talvez ele até transformasse isso em uma canção. Era mesmo a cara dele.
- Você não disse nada pra ele, né? - mordi os lábios enquanto observava tirar um pequeno molho de chaves do bolso.
- Claro que não. Você me pediu para não contar.
Meu irmão era do tipo preocupado. E eu odiaria ter qualquer conversa complicada demais por telefone.
Segurei o ar em meus pulmões quando ele abriu a porta. Pensei que veria e que seu sorriso finalmente me ofereceria algum reconforto. Me vi presa entre seus braços. Quase senti o cheiro fresco de Amouage. Mas era um garoto de cabelos meio cacheados e pintinhas enfeitando o topo de seu nariz que nos encarava com curiosidade.
- Ei, quem é você? - ele andou em direção à porta, o olhar curioso, dançando entre mim e as duas malas cor-de-rosa no chão - A nova namorada de ?
Eu e nos entreolhamos, ambos contorcendo o rosto em uma careta.
- Não! - respondemos em uníssono, talvez um pouco mais alto ou insultados do que o necessário.
O garoto olhou confuso para . E eu olhei confusa para os dois. Ele também morava ali?
- Esse é - apontou para o amigo e depois para mim - Ela é…
- ? O que está fazendo aqui?
. Era a voz de . Meu peito se contraiu em um alvoroço sôfrego. Fiquei na ponta dos pés para enxergar além dos ombros de - como agora eu sabia - e, finalmente, vi meu irmão.
Ai. Dois anos. Vinte e quatro meses. Setecentos e trinta dias que não o via. E ele estava ali. Na última vez que o vi, ainda usava o cabelo castanho todo arrumadinho, do jeito meio careta que costumava deixar as garotas loucas na costa leste de Nova York. Agora ele ostentava um topete modestamente despojado, no maior estilo Alain Delon. Ele não usava mais seu suéter verde; o cashmere havia deixado de abraçar seus músculos para dar lugar a uma camiseta preta do Pearl Jam. E ele continuava lindo. Era humanamente impossível não ficar lindo.
- ! - gritei, sem me importar se soava estridente ou espalhafatosa demais, e corri em sua direção - Céus, que saudade.
Meu irmão me abraçou, forte e carinhoso como ele, e apenas ele, poderia ser. Descansei a cabeça em seu peito e senti as lágrimas subindo pela minha garganta. De tristeza, de saudade, de alívio.
E de medo.
E frustração.
Porque ali, nos seus braços, como por tanto tempo sonhei em estar, eu não me senti em casa.
E era aquele o exato problema em criar expectativas; constantemente, elas levavam à decepção.
- O que aconteceu? O que você está fazendo aqui? - ele me pegou pelos ombros e me colocou em sua frente, olhando meticulosamente para o meu rosto, como se duvidasse da realidade da situação - Você está diferente. O que fez no cabelo? Ah, eu senti tanto a sua falta, ! - ele passou pelas palavras com pressa, apenas para me apertar em seus braços novamente.
E eu quase o puxei novamente quando ele se desvencilhou do meu abraço e seus olhos verdes brilharam em minha direção.
Ele estava esperando uma explicação.
E por mais que eu tivesse passado todo o discurso mil vezes por minha cabeça, ainda não sabia ao certo o que dizer. Eu terminei com Jake. Tudo ficou sério demais. Estou cansada de magoar as pessoas. Estou cansada de magoar a mim mesma.
E, claro - havia o fogo. Havia o sangue. E algumas lágrimas.
Muitas lágrimas.
Olhei para e na porta, um tanto incomodada. Não imaginava que teria que fazer isso na frente deles. Na verdade, estava esperando que eu não precisasse externar os recentes acontecimentos de maneira alguma.
Eu sabia que ele tinha muitas perguntas; sobre Jake, sobre os nossos pais, sobre a faculdade de moda. Sobre tudo que eu havia deixado para trás.
Mas eu também sabia exatamente o que dizer quando o assunto era o meu irmão.
- Eu… - dei um sorriso nervoso - As coisas ficaram tristes demais por lá, . Eu estava triste demais. Talvez eu finalmente tenha entendido o que você sempre tentou me dizer.
- …
- Eu sei o que está pensando - coloquei as mãos no ar em frente ao seu rosto antes que ele continuasse, tentando distraí-lo da história pela metade - Que essa é mais uma daquelas decisões impulsivas e que vou acabar desistindo mais uma vez. Como as aulas de pintura ou o curso de francês. Mas não é assim, eu juro. E a única pessoa com quem eu posso contar é você. Mas se quiser eu posso ir…
- Não - ele me interrompeu, categórico - Claro que não. Você fica aqui. Temos um quarto sobrando, certo?
Meu irmão olhou para os amigos na porta e eu segui seu olhar. me olhava quase em martírio ao acenar positivamente com a cabeça e mantinha os braços cruzados enquanto encarava o teto com a testa franzida. Acho que era o jeito dele de dizer que não se importava.
Pela primeira vez no último mês, senti meu corpo relaxar. Meu irmão tinha me acolhido. Eu tinha um lugar para ficar. Eu podia tentar recomeçar.
E, enquanto o alívio ia começando a preencher meu corpo, comecei a realmente reparar no lugar à minha volta pela primeira vez desde que tinha entrado no apartamento.
A sala e a cozinha se encontravam em uma ilha de madeira pintada de cinza claro, apinhada de pacotes de salgadinhos pela metade. No chão, logo abaixo do sofá, havia um enorme tapete belga verde-escuro completamente desbotado e ao menos quatro pares de tênis espalhados por ele. Na mesinha de centro, garrafas vazias de cerveja e coca-cola de baunilha, cinzeiros cheios de cigarros e capas de discos de vinil estavam espalhados por todos os lados. Um aparador de mogno abrigava uma TV enorme e o sofá de couro preto tinha uma mancha suspeita na almofada direita.
Imaginei os meninos em uma noite de sexta-feira, comendo pizza, tomando cerveja e assistindo qualquer programa sobre música na MTV. O queijo gorduroso escorreria pela mão de diretamente para o sofá e ele não ligaria - porque, ei! É assim que funciona um apartamento ocupado por futuros rockstars de trinta e poucos anos.
Torci os lábios. Era assim o meu fim, eu sabia. : morta por sapatos de poliéster com cheiro de queijo suíço e uma mancha suspeita no sofá.
- Certo. Mudei de ideia. Eu posso procurar um hotel. , me ajuda a descer as malas, por favor.
Ele soltou uma risada rouca que fez cócegas irritantes em meus ouvidos.
- Era isso que eu estava esperando que acontecesse - apontou pra mim com os olhos enquanto pegava as malas - Vem, eu te levo até o quarto.
♡
Não saberia dizer quanto tempo passei deitada, olhando para qualquer ponto aleatório na cortina branca e esvoaçante do que seria meu novo quarto. Ele era pequeno; tão pequeno que eu tinha certeza de que uma parede fora erguida ali para transformar um só quarto em dois. Era a única explicação para um apartamento daquele tamanho ter três quartos.
Eu precisava de um banho. Estava com aquele ar horrível de aeroporto e mal tive coragem de me olhar no espelho, mas sabia que minha maquiagem estava bagunçada por todo meu rosto.
Por um instante, meu cérebro quis acrescentar notas sobre uma vida não vivida. Era sempre assim quando a meia-noite se aproximava; o silêncio do exterior me deixava ouvir os murmúrios internos que eu tentava, incansavelmente, silenciar. E eu sempre era jogada para o mesmo caleidoscópio frenético de dois verões atrás, quando o dia parecia mais simples e a noite não me fazia encarar a versão da que eu tentava esconder. Aquela rigidez impenetrável que me fazia acreditar ser capaz de deixar um rastro - de coisas e pessoas - pelo caminho e continuar, como se nada tivesse acontecido e como se ninguém houvesse sido ferido.
O som de três batidas na porta me trouxe de volta ao presente.
- Pode entrar - minha voz ressoou tão baixa que fiquei surpresa quando a maçaneta, de fato, girou.
Era .
Ele enfiou apenas a cabeça pelo vão da porta e eu movi minimamente o rosto para encará-lo.
Lá fora, tudo estava silencioso.
E eu quase pude ouvir um clamor melancólico quando seu rosto se contorceu.
Me perguntei se eu estava chorando sem perceber. E estava.
Pela primeira vez naquele dia, senti que olhava para mim, e não através de mim, como sempre costumava fazer. Como se eu não estivesse realmente à sua frente - e se eu estivesse, ele simplesmente não se importava.
Dessa vez, ele se importou.
E então nós apenas nos encaramos por alguns instantes.
Quando eu e éramos mais novos, em algum momento entre os meus onze ou doze anos, nossos pais nos levaram para passar o verão nos Hamptons. A casa em Cooper’s Beach ficava bem em frente ao mar. Quando eu pensava naquele verão, eu não lembrava das tardes que passei brincando na costa e tomando sorvete de cereja. Nem mesmo nas manhãs, quando o sol brilhava tão forte e ultrapassava as cortinas direto para os nossos rostos, dourando o quarto com a promessa de um dia glorioso. Eu me lembrava apenas das noites. Logo antes de dormir, deitada no quarto em que eu dividia com meu irmão, quando todas as luzes estavam apagadas e eu não podia ouvir nada além do som das ondas quebrando na areia. A melodia do mar era tão bonita e, ao mesmo tempo, tão assustadora. Eu pensava em todo aquele infinito oceano encontrando-se com o céu no horizonte em um imensurável espetáculo da natureza. Fazia eu me lembrar o quão pequena eu era em relação ao mundo.
E, enquanto a terra se afastava do sol, o barulho ficava cada vez mais alto, cada vez mais perto.
Me perguntava se as ondas podiam invadir meu quarto e me levar com elas. Me consumir naquele divino infindável.
E meu peito se revirava em tumulto, dividido entre vontades opostas. Queria me esconder entre as cobertas e me proteger do mar, porque não queria ir para longe. Ao mesmo tempo, queria ir até a sacada, contemplar o Atlântico e conhecer a parte do mundo que ainda me era estranha. Queria me deixar levar. Pelo mar, pelo desconhecido. Pela vida.
Eu não me lembrava daquela sensação há algum tempo - talvez até tivesse a apagado de dentro de mim. Mas ali, naquele exato instante, quando me permiti realmente olhar nos olhos de , fora exatamente o que eu senti.
Medo e curiosidade.
Tempestade e torta de maçã.
Um arrepio percorreu meu corpo e fez formigar a ponta dos meus dedos dos pés quando me perguntei se ele me abraçaria e enxugaria minhas lágrimas, como no verão em que caí de patins.
Não.
É claro que não.
não moveu nada além dos lábios, de onde cinco palavras flutuaram para dentro do quarto, soando, de alguma forma, relutante e resoluto de uma só vez.
- A gente ainda precisa conversar.