Revisada por: Saturno 🪐
Última Atualização: 12/06/2025Fazia alguns anos que eu não voltava ali. Desde que fui para a faculdade, para ser mais exato, e diversas lembranças tomavam conta de meus pensamentos enquanto eu percorria aquelas calçadas.
Lembranças da primeira vez que andei de bicicleta, caí e precisei ser incentivado por minha mãe a não desistir. Lembranças do dia em que encontrei Knox, meu antigo cachorro vira-lata, que adotei porque vagava perdido. Lembranças do dia em que pulei a janela do meu quarto à noite só para ver de onde vinha uma música alta, mas gostosa de ouvir.
E foi por causa dessa mesma música que eu conheci minha melhor amiga, .
Ela morava na casa em frente à minha, eu já tinha a visto algumas vezes, mas nunca nos falamos.
Isso mudou naquela noite.
Ao contrário do que eu imaginava, era divertida, eu sempre ria das besteiras que falávamos e ninguém me compreendia como ela.
E foi assim desde sempre.
Até o dia em que vi suas bochechas ficarem vermelhas ao conversar com um garoto.
Naquele momento, não entendi o que estava sentindo. Era uma mistura de tristeza, vontade de sair correndo e querer arrancá-la de perto dele. Não queria que ela olhasse daquele jeito para mais ninguém.
Precisei me segurar e guardar essas sensações para mim mesmo, prometendo que jamais me meteria. Não era o que amigos faziam, certo?
Porém, conforme o tempo foi passando, aquilo só aumentou e quando eu entendi o que significava, já era tarde demais para tentar reverter.
Eu era completamente apaixonado por . Eu a amava desde sempre e para sempre.
Então veio o medo.
Medo de não ser correspondido. Medo de estragar nossa amizade. Medo de não suportar vê-la com outro.
Todas essas possibilidades me levavam a uma coisa: o meu maior medo era de perdê-la.
Por isso, me afastei um pouco de . Procurei me manter presente, mas não tão próximo e o fato de eu estudar e trabalhar me ajudava um pouco nisso. Eu sentia falta da nossa proximidade, mas era melhor assim.
Se eu estivesse distante, quem sabe conseguiria aprender a enxergá-la apenas como amiga, do jeito que deveria ser.
Meu plano estava sendo bem sucedido, até eu voltar para aquele lugar.
Até parar na frente daquela cerca, onde ficava o galpão em que as bandas locais costumavam se apresentar. Era um espaço para mostrarem seus trabalhos e sempre tinha um público considerável assistindo.
Reconheci a música que começou a tocar. Aquilo não era possível. Será que, coincidentemente, a mesma banda tinha voltado ali para se apresentar?
Parei pra escutar e não, não era a mesma banda, mas era a mesma música.
E, de qualquer forma, aquilo fez um sorriso nostálgico querer brotar em meus lábios.
— ? — Ou eu estava muito maluco, ou era mesmo a voz de bem atrás de mim.
Franzi o cenho, ainda perdido em meio às memórias, então me virei, esperando encontrar o vazio e dando de cara com ela.
Meu coração deu um pulo até a garganta. Eu não esperava mesmo encontrá-la ali.
— ? O que você está fazendo aqui? — perguntei, sem esconder a surpresa.
— Eu é que te pergunto. Não te vejo há semanas e agora você aparece justo aqui? — Ela riu incrédula e eu acabei fazendo o mesmo.
— Vim visitar meus pais. Dona Orianna não parava de reclamar do quanto o filho é ingrato e nem vem ver a própria mãe. — Tentei imitar a voz da minha mãe, sem sucesso nenhum, mas, ainda assim, riu mais uma vez.
— E dá pra julgá-la, ? Você abandona todo mundo! — Seus olhos se estreitaram em minha direção.
Eu sabia que aquilo aconteceria, mas havia sido necessário.
Uma parte minha insistia que não importava o quanto eu tentasse, nada mudaria meus sentimentos por minha melhor amiga, mas eu era teimoso e continuava tentando.
— Sinto muito, . Eu estive ocupado até demais nesses últimos tempos. Nem sei como consegui tirar uma folguinha para vir pra cá. — Fiz uma careta, esperando que ela entendesse.
se manteve me encarando séria, até que sua expressão se desmanchou e ela acabou sorrindo.
— Eu não consigo ficar com raiva de você, . Não sei que feitiço você me lançou.
Meu coração congelou por alguns segundos ao ouvir aquilo.
Feitiço?
O que ela queria dizer?
Com certeza eu estava levando para o lado errado.
— Você vai entrar aí? — perguntou, sem esperar que eu respondesse seu último comentário, então assenti, incapaz de recuperar a fala naquele momento. — Então pula e me ajuda.
Aquele era o caminho mais rápido para chegar ao galpão. A outra opção era dar uma volta gigantesca.
Como costumávamos fazer, primeiro eu subi na grade, passando para o outro lado. Foi mais difícil do que no passado, talvez porque eu não pulava aquela cerca há anos, mas ainda assim consegui.
Ao aterrissar no outro lado, esperei subir para dar apoio a ela, segurando-a no colo para depois colocá-la no chão.
No meio desse movimento, fiquei meio inebriado pelo perfume dela e encarei seus olhos por muito mais do que o recomendado. Ela não disse nada, apenas retribuiu meu olhar e esperou que eu me recuperasse do transe e finalmente a deixasse descer do meu colo.
Não tive muito tempo para processar aquilo, já que entrelaçou sua mão na minha e me puxou para que corrêssemos até o galpão.
Parecia que eu estava nos vendo quando éramos crianças e fazíamos exatamente a mesma coisa. Depois na adolescência.
Eu sentia muita falta disso. Sentia falta de e não sabia como conseguiria voltar a me afastar depois daquele dia.
Haviam várias pessoas diante do palco, onde a banda ainda tocava a nossa música e eu fiquei olhando com nostalgia, sentindo uma certa tristeza ao pensar no rumo que as coisas haviam tomado.
Por que eu tinha estragado tudo me apaixonando por ela?
— Eu sinto sua falta, . — De repente, a voz dela me despertou e eu a senti apertar minha mão.
Virei meu rosto para e ela ainda olhava para o palco.
— Eu também sinto a sua, — respondi com sinceridade.
— Por que você se afastou de mim? — Então ela voltou seu olhar para mim e pude perceber a mágoa em seus olhos. Na verdade, eles se inundavam de lágrimas e eu me odiei por fazê-la chorar.
— … — suspirei, sentindo que acabaria desabando junto a ela. — Eu jamais quis te magoar, mas precisava fazer isso.
Eu sabia que quando ela me confrontasse, não conseguiria esconder nada. No fundo, talvez nem quisesse.
— Por quê? — Os lábios dela tremeram e eu me virei de frente para , vendo-a imitar meu gesto.
Levei uma mão até sua bochecha, secando uma lágrima que escorreu.
— Porque eu não quero arruinar a nossa amizade. — Meu coração acelerou com aquilo e de repente parecia que pularia pela minha boca.
— Não estou entendendo, . Uma pessoa que não quer arruinar uma amizade, não se afasta assim. Eu fiz alguma coisa? Te machuquei?
Fiquei ainda pior por ela cogitar algo daquele tipo.
— Claro que não, . Eu… Eu não sei se consigo te dizer isso. — Um nó se fechou na minha garganta e eu sentia meu corpo tremer.
— A gente nunca teve segredos um do outro. Me conta o que tá acontecendo, . Por favor. — Então ela tocou meu rosto e a sensação de sua pele quentinha na minha fez com que eu quase fechasse meus olhos.
Respirei fundo, tomando coragem para deixar as palavras saírem da minha boca.
— Eu te amo, . Eu sempre te amei. Desde o primeiro momento em que eu te vi toda descabelada no meio da rua. Desde o momento em que nós vimos o brilho forte de um holofote e achamos que poderia ser uma nave alienígena. Eu amei você por tudo o que você é e eu tentei guardar esse sentimento por muito tempo, com medo de que isso arruine o que a gente tem, mas agora não consigo mais. Mesmo me afastando, eu não consigo deixar de ser apaixonado por você.
Os olhos dela foram se arregalando enquanto ouvia minhas palavras. Não conseguia imaginar o que estava pensando e o medo de ter estragado tudo me fazia ter vontade de sair correndo, mas eu não iria, precisava enfrentar as consequências da minha declaração.
— … — ela murmurou, ainda processando minhas palavras.
— Eu sei que é muito para se assimilar. Vou entender se você quiser se afastar de mim agora e…
— Cala a boca! — De repente, riu, ao mesmo tempo que outra lágrima escorreu por sua bochecha. — Você não faz ideia do quanto eu sonhei com você me dizendo isso.
Espera. Eu tinha ouvido certo?
— O quê? — balbuciei, sem acreditar.
— , eu sempre te amei também. Me pergunto como você não percebeu! A gente sempre brincava que você seria o marido e eu a esposa, lembra? E eu quis morrer quando você convidou a Wendy para o baile e eu tive que ir com Owen. O motivo de eu ter ficado tão triste nesses últimos tempos é que achei que você tinha percebido algo e se afastou para me mostrar que nunca haveria nada além de amizade entre nós dois.
Assim como ela, eu precisei de alguns segundos para processar tudo aquilo.
— Você me ama? — Me vi perguntando, parecendo um bobo e um sorriso largo foi se formando nos meus lábios.
— Eu te amo, . Muito. — Ela riu, então passou as mãos em volta do meu pescoço, me convidando a enlaçar sua cintura com meus braços.
— Eu também te amo muito, .
Não me segurei mais e juntei nossos lábios em um beijo. O nosso primeiro beijo.
Parecia que tudo dentro de mim estava em festa naquele momento. Eu nunca tinha me sentido tão feliz.
A nossa música tinha acabado e uma outra já estava na metade, mas aquilo já não importava mais.
me correspondia, o que mais eu poderia querer?