Revisada por: Saturno 🪐
Última Atualização: 03/06/2025— Ei, chefe — cumprimentou e cruzou os braços de maneira despreocupada.
Ele reclinou-se na cadeira enquanto a observava, acenando com a cabeça em cumprimento.
— Entre — ordenou. fechou a porta atrás de si, caminhou até uma das cadeiras Luís XIV e se sentou, tudo sem tirar os olhos do homem à sua frente.
Michael batia elegantemente os dedos na mesa de mogno enquanto a observava, sua expressão nunca se alterando. Decidiu por fim acender um cigarro.
— Como foi a audiência? — questionou, sem encará-la, enquanto manuseava o isqueiro banhado a prata, a voz fria, porém suave.
riu levemente.
— Sabe como foi. Estava lá.
Michael sorriu apenas com os lábios ao avaliá-la, sua resposta espertinha pairando no ar. Levantou-se então da cadeira, caminhou até seu lado e se escorou na mesa, a olhando de cima. Seus olhos castanhos não entregavam nada.
— Os advogados dizem que fez um bom trabalho. Tom particularmente a elogiou bastante.
— Sabe que sou leal, chefe. — Ela levantou os olhos para encará-lo de volta. Ultimamente, parecia ser a única que o fazia sem hesitação, sem temor. Aquilo agradava a Michael mais do que ele gostaria de admitir.
— Eu sei. É por isso que te mantenho por aqui.
Os cantos dos lábios de se ergueram como o sorriso enigmático da Monalisa. A tensão que pairava entre os dois não vinha de hoje; infelizmente, porém, Michael era muito bem casado com Kay, uma mulher que, pelo menos na singela opinião de , era insípida e desinteressante, a perfeita esposa troféu americana.
Era óbvio que não era daquilo que Michael precisava. Não. Ele precisava de uma esposa italiana, como Carmela havia sido até a morte de seu pai, Vito Corleone. Desde que chegara da Sicília com sua família quando tinha sete anos e entrara para o convívio da Família Corleone por intermédio de seu tio, Alessio , era nítido o quanto Don Corleone amava e respeitava a esposa. Signora Carmela era uma verdadeira mamma italiana, e praticamente adotou , que logo tornou-se amiga de Constanzia, sua única filha, já que tinham idades próximas.
A mãe de , Lucilla, morrera dois anos antes dando à luz a um filho natimorto. Desde então, seu pai, Cassio, havia se jogado na bebida e se tornara um viciado em apostas, negligenciando a criança. Alessio estava nos Estados Unidos na época, trabalhando para Don Corleone, mas, assim que descobriu, mandou um de seus homens que mais confiava à Sicília no intuito de buscar o irmão e a garota, trazê-los para perto para que pudessem se curar.
Infelizmente, Cassio se metera com as pessoas erradas. Ao perder uma grande aposta e não ter como pagar, sumiu. Nunca se soube de fato o que se dera dele; se havia se escondido ou se havia sido morto. A questão era que a pequena agora estava sozinha, vivendo de migalhas e da compaixão de vizinhas, as quais os maridos logo mandavam que se desfizessem dela por não serem capazes de alimentar mais uma boca, por pior que fosse sua história e falta de sorte. Quando foi encontrada, estava magricela e desnutrida, e o brilho havia sumido de seus olhos. Teve de passar uma temporada em um hospital em Nápoles antes de poder viajar para os Estados Unidos.
Quando chegou, Alessio logo a apresentara aos pequenos da família Corleone. Vito e Carmela deixaram a cargo de Michael e Connie, os mais novos, a ensinar os costumes e a língua inglesa à pequena garota franzina e calada. Aos poucos, ela foi florescendo até sair finalmente do casulo. Os olhos voltaram a brilhar e ela descobriu o poder que um sorriso seu tinha de aquecer até o coração mais frio. Era encantadora, a menina . Vito gostava particularmente dela, e não era incomum vê-la perambular pelo seu escritório em busca de novas histórias sobre eventos passados. Escutava com atenção e em silêncio. Sempre fora mais de ouvir que de falar, com uma memória e uma astúcia para ouvir conversas que surpreendia até mesmo a mais fofoqueira das senhoras que frequentavam a casa.
Após encarar Michael em silêncio por mais tempo do que seria apropriado, limpou a garganta e seus olhos se divertiram pelo escritório.
— Só… fico feliz de poder ser útil.
Michael foi trazido de volta à realidade dos pensamentos que enchiam sua mente. Ele voltou a encará-la e seus olhos viajaram pelo seu rosto bonito. Estava feliz que ela era leal. Era muito, muito boa em seu trabalho.
O mais velho finalmente assentiu, enquanto um leve sorriso se formava em seu rosto.
— O que eu faria sem você?
Os olhos de brilharam, mas ela nada disse sobre.
— Como está Kay?
Michael pensou na esposa por um segundo, dando uma tragada no cigarro. Depois de alguns segundos, exalou a fumaça num suspiro.
— Ela está bem. Ela…
Michael fez uma pausa por alguns segundos.
— Ela está grávida de novo.
— Ah. Bem, parabéns. Mais um pacotinho de alegria para elevar ainda mais a dinastia Corleone.
Se ele notou o sarcasmo por trás da frase, nada disse, apenas concordou levemente com a cabeça. Era fim de dia, e o calor começara a derreter o gel que usava para manter o cabelo alinhado. Uma mecha escura rebelde caía em sua testa, uma falha na perfeição mostrada diariamente. Continuou em silêncio por um momento antes de decidir retomar a conversa.
— Como está, ?
Ela deu de ombros.
— Boh1. Bem. Como sempre estive.
Michael sorriu de lado.
— Nenhum namorado?
Se ela estivesse bebendo algo, se engasgaria. Ele nunca era tão direto em certos tópicos de assunto.
— Alguns casos aqui e ali. Sabe que o negócio não é gentil.
Michael assentiu compreensivamente. Claro que ele sabia que o negócio não era gentil. Ele sorriu um pouco, dando mais uma tragada em seu cigarro.
— Pequenas aventuras não são o suficiente. Você nunca quis se estabelecer? Casar? Ter filhos?
suspirou e em seguida mordiscou o lábio inferior nervosamente. Para evitar encará-lo, virou os olhos para a janela, observando o movimento e o tráfego lá embaixo.
— Nunca realmente foi meu chamado na vida, Mike.
Michael observou-a. Sabia muito bem o quão leal ela era. Ela era dele. Mas ouvi-la dizer isso daquela forma…
Ele ainda estava apaixonado por Kay. Ainda a amava e se importava com ela depois de todos esses anos.
Mas também sentia algo por .
Ele deu outra tragada no cigarro e exalou a fumaça. Em seguida, voltou a falar em seu tom frio e suave de sempre.
— Não quer essas coisas?
Ela hesitou antes de voltar a encará-lo.
— Eu realmente não perco tempo pensando nisso. O que menos preciso é de uma fraqueza para me arrastar para baixo.
Michael assentiu lentamente, a observando falar. Era fria, sem emoção. Era muito boa em receber ordens.
Ele caminhou de volta para trás de sua mesa e se sentou na cadeira.
— E se você se apaixonar?
soltou uma risada cética.
— Me conhece quase minha vida inteira. Eu já fui de me apaixonar?
Michael retribuiu o pequeno riso, enquanto apagava o resto do cigarro no cinzeiro. Havia acompanhado na adolescência, onde as garotas floresciam e começavam a perceber os homens. Não, nunca fora de se apaixonar, de levar rapazes para Alessio conhecer. Ouvira Connie comentando ao longo dos anos sobre alguns gatos pingados que ela se relacionava, mas nada sério.
Alessio sempre achara que se aquietaria com um dos garotos Corleone, possivelmente Michael, que era o mais próximo em idade. Fredo nutrira-lhe uma paixonite não retribuída por anos, mas havia sido de fato o mais velho, Sonny, quem havia atraído seus olhos, e ela girara em torno de sua órbita como uma mariposa em volta da chama, até mesmo após o casamento com Sandra. Logo, começou a compreender algo sobre si: que era atraída por homens construídos para a violência, uma característica preocupante para mulheres como ela.
Seu caso com Sonny começou quando ela tinha dezesseis anos e durou até sua morte. E Michael sabia que era nele em quem ela pensava naquele momento, enquanto encarava a janela, distraída, as sombras de memórias antigas a nublar seus olhos, os manchando de escuridão.
— Eu me lembro de Sonny e você. Sempre se esgueirando pelos cantos, olhares tímidos e palavras sussurradas quando pensavam que ninguém estava olhando.
sorriu com a lembrança.
— É. Acho que foi o relacionamento mais próximo que eu tive que poderia se tornar amor. Se ele não tivesse… — Ela suspirou pesarosa. — É isso que eu não quero. Eu poderia sair daqui agora mesmo, atravessar a rua, levar um tiro e morrer. Não quero que ninguém tenha de lamentar minha morte. É como se o chão fosse arrancado de seus pés. Não desejo isso para ninguém.
Michael pareceu surpreso com a resposta, mas, quando tornou a abrir a boca para falar, foi mais rápida.
— Por que me chamou aqui? Não foi apenas para saber da audiência, não é? Senão, já teria me mandado embora.
Já aquilo não o surpreendeu. sempre conseguia ler nas entrelinhas.
— Preciso de você para uma tarefa muito importante. Um negócio tranquilo no meio de toda tormenta que a Família anda passando.
— Estou ouvindo. — Ela acendeu um cigarro para si. Seus dedos brincaram com o isqueiro enquanto o encarava.
— Tem um cara que se recusa a obedecer. Se recusa a pagar. Ele é teimoso. Precisa aprender uma lição.
Michael se inclinou para frente e suas mãos pousaram relaxadas na mesa.
— Preciso que você o ensine uma.
expulsou a fumaça dos pulmões com uma risada nasalada.
— É Adrien, não é?
Os cantos dos lábios de Michael se ergueram num meio sorriso satisfeito.
— Como sabia?
— Te disse que ele seria um problema meses atrás.
Michael assentiu lentamente e seu sorriso se transformou em uma expressão séria.
— Você estava certa. Ele é muito teimoso — retorquiu, em um tom firme.
— Sabe... O irmão dele, Lester, me parece um sujeito muito dócil. Ele se interessou pela oferta que fizemos para Adrien, aquela que ele tão teimosamente recusou. Ele parecia bem... Ansioso para se livrar do irmão da última vez que fui cobrar. Aparentemente, Adrien tem um temperamento explosivo e um problema com bebida que está fazendo a boate perder alguns clientes fiéis.
Michael olhou para ela, agora mais surpreso do que antes. Como diabos ela descobrira tudo isso sozinha? Ouviu atentamente, se inclinando para frente e juntando as mãos.
Ele finalmente falou depois de alguns segundos.
— Você conseguiu todas essas informações?
— Homens tendem a falar bastante quando estão felizes e quando se é bonita o suficiente.
Um sorriso brincou nos lábios do chefe.
— Então assumo que tenha feito progresso com Lester.
assentiu.
— Estou dizendo que se algo acontecesse com Adrien, Lester teria muito a ganhar... E a ser grato.
Michael avaliou a situação em silêncio por alguns momentos. aguardou pacientemente. Sempre ficava fascinada em ver a mente de Michael Corleone trabalhando.
— Faça algo acontecer. Quero que essa coisa toda seja resolvida o mais rápido possível.
— Eu mal precisarei levantar o mindinho. Se as sementes de ódio que plantei no coração do nosso querido Lester florescerem, ele mesmo o fará. Eu só terei que lidar com a eliminação de evidências, o que o preguiçoso certamente me chamará para fazer, porca miseria2. Ele me deverá uma.
Michael olhou para ela, impressionado com seu trabalho e quão facilmente ela conseguia manipular e usar as pessoas para fazer o que quer que seja que ela precisasse fazer.
— Faça o que for preciso. Não seja pega. É necessário que tudo seja tratado silenciosamente. E lembre-se, você trabalha para mim.
— Claro. Lidarei com isso pessoalmente, não lhe trarei problemas.
— E reporte-se para mim logo que o negócio esteja concluído.
levantou-se, fazendo uma cortesia que Michael julgaria debochada em qualquer outra pessoa.
— Don Corleone.
Os olhos do mais velho adquiriram um brilho diferente enquanto ele a observava, e ele umedeceu os lábios ao levantar-se para pegar mais um cigarro para si.
— Dispensada.
Ele observou deixar o escritório improvisado, seus olhos nela até que a perdesse de vista. Se recostou de volta na cadeira e tentou não pensar nela.
Ele amava Kay. Ele realmente amava.
Mas, droga, ele não podia negar a si mesmo que sentia algo por .
1 A expressão "boh" é uma interjeição italiana que significa "não sei", "sei lá", "descrença", "dúvida" ou "incerteza". É uma expressão informal que pode ser usada em diversas situações.
2 Tipo o “pelo amor de Deus” nosso, ou o “goddamnit” dos americanos.
Ela parou na porta ao vê-lo com Kay e tentou esconder uma careta ao sentir-se mal por ter interrompido. Os dois não pareciam estar se dando bem ultimamente, e a mulher não fez questão nenhuma de esconder seu desgosto ao vê-la.
Michael empertigou-se ao ver e acenou com a cabeça.
— Entre, por favor. Kay, pode nos deixar a sós por um momento?
— Sra. Corleone. — mostrou-se respeitosa, evitando olhá-la nos olhos.
Kay olhou para ela, dando um aceno sutil em sua direção. Nunca confiara realmente em . Achava-a fria demais, e constantemente a comparava a uma cobra em suas conversas com Michael. Fria, escorregadia e traiçoeira, era o que costumava dizer.
Kay sabia que havia algo entre Michael e , mesmo que ela não dissesse em voz alta. Sabia que Michael era fiel, mas, ainda assim, aquilo a irritava. Era seu elefante na sala, o silêncio mais alto que conhecia. Quando se tratava do marido, sabia muito bem que olhares e gestos transbordavam como barragens em dias de chuva.
— Michael, estamos no meio…
— Por favor, Kay. Não irá demorar muito, eu prometo.
Kay sabia quando ele estava falando sério, então não tinha mais nada a ser dito. Ela olhou de volta para , antes de guiar as orbes esverdeadas geladas para Michael.
— Tudo bem.
Saiu da sala depressa após fechar a porta atrás dela sem nem sequer lançar um segundo olhar a . A italiana sentou-se na cadeira à frente da mesa de Michael, enquanto soltava um suspiro, embora um meio sorriso brincasse em seus lábios. Estava à beira do deboche.
— Ela me detesta.
Michael deu de ombros, enquanto sentava-se na cadeira e bebericava um gole de uísque.
— Detestar é uma palavra forte, eu diria.
Ele pausou antes de voltar a falar.
— Eu suponho que tudo correu como planejado.
— Do jeitinho que eu falei que iria. Eu não estaria aqui se não houvesse.
Michael concordou com a cabeça e afrouxou a gravata. Parecia ter mais que o normal na mente. perguntou-se se deveria se intrometer, e observou a forma que a testa do chefe e velho amigo se contraía, ou a maneira que seus olhos pareciam se perder em lugares aleatórios do escritório.
— Mike? — Finalmente chamou, num fio de voz, enquanto o observava com escrutínio.
Ele não precisou perguntar o que era. Sabia perfeitamente que já havia notado que algo não estava bem.
— Kay perdeu o bebê.
Ela fez uma careta e fechou os olhos. Estremeceu.
— Caramba, Mike, eu sinto muito.
Michael assentiu compreensivamente e também fechou os olhos por um segundo. Sentia-se magoado. Triste. Bravo. Fazia muito tempo que não sentia tantas coisas juntas. Lembrou-se da satisfação que sentiu quando Kay estava esperando outro filho. Ele estava feliz.
Agora essa felicidade se fora como água escorrendo por um ralo, areia pelos seus dedos.
— Ia ser outro filho. Um menino.
não questionou como ele sabia, ou se tinha certeza. Não entendia se o pensamento era um acalento ou algo para fazê-lo sentir-se pior. O máximo que pôde fazer após hesitar por um momento foi estender a mão pela mesa e segurar a de Michael, a apertando levemente, seu polegar em leves carícias na pele macia.
— Eu realmente sinto muito.
Michael ergueu os olhos escuros e lhe estudou o rosto. Para alguém tão fria, era irônico quão boa em consolar os outros podia ser. Ou será que era apenas porque era ela quem o oferecia acalento? Tudo que sabia era que se sentiu acolhido pela primeira vez em dias apenas com aquele singelo gesto. Kay se distanciava cada vez mais, em especial após a perda do bebê, e ele não sabia como trazê-la de volta, porém, era como se aquilo trouxesse cada vez mais perto ultimamente. Num sobressalto interno, Michael percebeu que não se importava tanto quando deveria com a distância da própria esposa, mas que se deleitava na proximidade e intimidade oferecida por sua velha amiga de infância.
— Algo que eu possa fazer? — perguntou, a voz suave como uma pluma.
Michael não respondeu, apenas sacudiu a cabeça em negativa, seus olhos nas mãos entrelaçadas. Quase reclamou quando a mulher o soltou, mas apenas encheu-lhe o copo de uísque e foi para trás de sua cadeira, começando a massagear seus ombros como costumava fazer quando ele tinha uma prova difícil na faculdade.
Ele sentiu-se tensionar em surpresa, mas, após alguns momentos, seus ombros finalmente relaxaram e ele pôde aproveitar enquanto fechava os olhos e suspirava.
— Tinha esquecido quão boa é nisso. — Bebericou um gole do uísque.
A risadinha que soltou de trás de si arrepiou os pelos de sua nuca.
— Ora, obrigada, senhor.
Ele permitiu que ela continuasse a massageá-lo, enquanto um sorriso irônico brotava em seus lábios carnudos.
— Tão formal quando quer.
— Não é assim que gosta de seus empregados?
Michael sorriu, os olhos ainda fechados. Um riso nasalado escapou-lhe.
— Geralmente não permito meus subordinados me massagearem. Só você.
Ela riu abertamente daquela vez.
— Geralmente?
Michael riu novamente, continuando a aproveitar o toque dela e suas risadas. Ele recostou-se um pouco mais na cadeira ao responder em um tom um tanto sarcástico.
— Sim, geralmente.
Michael manteve os olhos fechados, mas uma pergunta pinicava sua mente. A fez em um tom mais baixo e sério, com um toque de sorriso no rosto.
— E se Kay entrasse agora e visse você? Massageando meus ombros?
capturou o lábio inferior entre os dentes ao imaginar a cena.
— Boh. Ela arrancaria meus olhos, com toda certeza. — Sabia que aquilo não era verdade. Kay era classuda, uma verdadeira dama. Com certeza daria meia-volta e pediria o divórcio. Michael não teria tempo nem de dizer que não era o que ela estava pensando. Mesmo sabendo que não era real, aquilo não o impediu de rir levemente ao imaginar a cena.
— Mais fácil ela gritar comigo por deixar acontecer, não com você.
— Bem, estou satisfeita de não ser quem iria suportar a fúria da sua esposa.
— Eu teria pena dela se tentasse algo contra você. Te temo mais do que a ela.
— Não teme ninguém nessa vida, Mike. É isso que mais admiro sobre você.
O comentário o pegou de surpresa, e ele hesitou antes de voltar a falar, erguendo o queixo para encará-la por cima do encosto da cadeira.
— Me admira?
— Eu não trabalharia para você se não o admirasse, não é?
Michael olhou para ela. Seu toque. Suas palavras. Tudo o que fazia lhe causava tantos pensamentos e sentimentos à tona. Quando ela falou, ele sorriu. Sabia que ela o admirava. Caramba, ele a admirava de volta, mais do que gostaria de admitir.
Michael respondeu depois de alguns segundos, ainda em um tom suave.
— Não, não trabalharia.
Ele pegou uma das mãos dela em seus ombros e a acariciou com o polegar. Antes que o senso o fizesse reconsiderar o ato, levou os lábios ao seu punho e depositou suaves beijos no local, a maneira com que as bochechas de esquentaram satisfazendo-o. Os olhos da garota brilharam de maneira incógnita, e ela umedeceu os lábios após sorrir.
Michael olhava para ela enquanto notava a vermelhidão em suas bochechas. Não pôde deixar de notar o quão doce ela parecia naquele momento, quase inocente, imaculada pelas tragédias da vida.
Ele sorriu de volta e trouxe a mão dela de volta para baixo, seus olhos ainda nos dela.
Era uma visão e tanto. Estavam tão próximos. Ele, recostado. Ela, de pé sobre ele, massageando seus ombros, olhando em seus olhos.
Era tão íntimo que a atmosfera da sala mudara completamente. Os dois estavam tão envoltos no momento que não notaram a porta abrir, até que um leve pigarro ecoasse e quebrasse o momento como uma xícara de louça que ia ao chão e se despedaçava em mil fragmentos.
Tom Hagen olhava para os dois, surpreso. foi a primeira a sacudir quão atônita parecia enquanto se afastava de Michael.
— Olá, Tom.
— Tom. Entre, por favor — Michael chamou-o com a mão. Havia esquecido da maldita reunião às duas da tarde. O tempo sempre parecia obsoleto quando estava com .
O Consigliere adentrou, enquanto acenava com a cabeça na direção deles. Ele notou o quão próximos Michael e estavam, mas sabia que era melhor não comentar sobre isso.
— Espero não estar interrompendo nada.
— Que nada, eu já estava de saída. — adiantou-se e deu um tapinha de sossego no ombro de Tom, antes de acenar para Michael e os deixar a sós.
Michael retorceu os lábios. Ainda podia sentir o fantasma do toque de em seus ombros. Somente quando a porta se fechou atrás dela, foi quando ele apontou a cadeira para Tom com um aceno, pedindo para que se sentasse enquanto acendia um cigarro.
Tom se recostou ao observar Michael acendê-lo.
— Como vai, Michael? Como está Kay?
Michael deu uma tragada após ouvir a pergunta de Tom.
— Estou bem. Kay ainda está triste com o aborto — respondeu calmamente, expulsando a fumaça.
Tom assentiu compreensivamente.
— Ela é forte. Ela vai superar isso.
— Eu sei que ela é forte. Ainda assim, é difícil para ela.
Tom o observou por alguns momentos.
— Foi bem eficaz a maneira como lidou com Adrien e Lester.
Michael assentiu em concordância.
— É uma das muitas coisas que admiro nela. Sua capacidade de manipular e usar as pessoas para fazer o que precisa ser feito. Ela é eficaz e leal, o tipo de pessoa que é bom se manter por perto.
O Consigliere assentiu, respondendo simplesmente, em um tom sério.
— Não duvido disso.
Ele questionou em um tom baixo, cauteloso.
— Você e ela…
Michael o interrompeu antes que ele terminasse, sabendo exatamente o que Tom ia dizer.
— Não há nada entre e eu.
Tom assentiu. Não duvidou da resposta de Michael, mas, mesmo sabendo que a pergunta que estava fazendo era muito delicada, a julgou necessária.
— Eu confio em você, sei que não é de seu feitio. Mas não se ofenda. Estou perguntando apenas por curiosidade, e só pergunto por causa dos rumores.
Michael sabia exatamente do que Tom estava falando. Os rumores, as fofocas. Ele sabia o que as pessoas diziam sobre ele e , até mesmo antes que se casasse com Kay.
— Os rumores são besteira, Tom. Os rumores sempre acontecem, com cada chefe e sua mulher mais confiável. — Aquilo era uma meia verdade. Claro, nada físico acontecera e provavelmente nunca iria, mas era claro que havia algo entre os dois. Porém, Tom não precisava saber daquilo, não era de sua conta. Sonny havia sido um notório mulherengo, e Michael sabia o quanto o pai condenava aquele tipo de comportamento. Um homem não era nada sem sua família, muito menos se não tinha a capacidade de respeitá-la.
Tom assentiu, acreditando na palavra de Michael. Ele sabia que os rumores não eram verdade. Conhecia-o quase a vida inteira.
— Eu confio em você, Mike. Sei que são besteiras. Eu só tinha que perguntar.
Ele sabia que Michael era leal a Kay. Era assim que sempre fora, e Tom sabia que não devia pensar o contrário.
Mas, mesmo sabendo disso... Tom quase conseguia sentir algo entre Michael e , algum tipo de conexão imencionável que sempre estava ali, como a estática que arrepiava os cabelos em uma tempestade de raios.
Ele queria perguntar, mas tinha certeza de que não deveria tocar no assunto. Conhecia os limites do chefe da Família, e sua vida pessoal era um deles. Se era algo que não influenciaria nos negócios, era para ser deixado de lado. Os dois iniciaram a conversa comercial, e Tom foi deixado com o questionamento silencioso em sua mente.
caminhava pelos corredores do Hotel em Washington D.C, indo ao quarto em que Michael estava hospedado com a família. Quando chegou ao andar, porém, parou ao ver os filhos dele, Anthony e Mary, e uma senhora que conhecia apenas de relance como a mãe de Kay do lado de fora do quarto. Os gritos da briga dos dois ecoavam por todo local, embora a porta estivesse fechada.
fez uma careta. Michael e Kay raramente brigavam aos berros daquela maneira. Deveria ser algo sério. Ela foi até os pequenos enquanto sorria levemente para eles. Mary brincava de correr despreocupadamente, mas Anthony era um pouco mais velho, já compreendia que as coisas não estavam boas. A mais velha ajoelhou-se na frente dos dois para ficar ao seu nível.
— Ora, ora. Olha só quem cresce mais e mais a cada dia — brincou, o observando.
Anthony torceu o pé enquanto a observava, caprichoso. Não esperava que ela se dirigisse a ele já que, geralmente, evitava. Nunca sabia o que dizer a crianças.
— Oi, — cumprimentou, tímido.
Ela suspirou, enquanto abria os braços para as duas crianças, que pareceram satisfeitas em aceitar seu conforto. Eles chocaram-se contra ela, e Mary agarrou-se ao seu pescoço como se fosse uma tábua de salvação, a surpreendendo.
— Por que o papai e a mamãe estão discutindo? — Anthony questionou, os olhinhos escuros tristonhos.
fez uma careta. Como responder aquilo?
— Não sei, cucciolo3. Venham, vamos sentar ali na janela. A vista é tão bonita! — Na verdade, não era, apenas tráfego e prédios, mas tudo que ela queria ela tirá-los daquela berralheira. Com um discreto aceno de cabeça para a mãe de Kay, os puxou em direção ao assento da larga janela, colocando Mary em cima e ajudando Anthony a subir. Em seguida, ajeitou para eles as almofadas para que não escorregassem.
— Eles nunca brigam assim. Gritando — Anthony comentou, enquanto coçava os olhos.
— Tenho certeza de que tudo ficará bem. Adultos brigam, às vezes, especialmente gritando. Às vezes as pessoas gritam, sabia? Já o vi gritando quando está com raiva. — o cutucou na barriga, brincando.
— Eles vão se… “devorçar”? — Mary questionou, incerta se a palavra estava certa, o dedinho na boca enquanto mordiscava o canto da unha.
franziu a testa, surpresa.
— Essa é uma palavra grande, spinsicè4. Onde a ouviu?
— Dos adultos — Anthony respondeu pela irmã, e seu olhar dirigiu-se para a avó, que pairava frente à porta como um urubu à espera da próxima tragédia. compreendeu que Kay já devia ter falado sobre algo com a mãe na frente dos filhos. — Eles vão se separar?
— Eu não sei, orsetto5. Espero que não. Porém, se forem, tenho certeza de que tudo será feito da forma que menos prejudique vocês, hai capito6?
Após alguns momentos, a porta se abriu num estrondo e Kay deixou o quarto em prantos, descabelada e desesperada, uma grande marca avermelhada em sua bochecha visível para todos. arregalou os olhos, enquanto a mulher caminhava até ela, seguida de perto pela mãe, e lhe puxava as crianças de perto.
— Mamãe? — Anthony chamou, assustado.
A mulher encarou com severidade, e seus olhos guardavam anos de sofrimento e suspeitas infundadas.
— Ele é seu agora. Pode ficar — Kay vociferou friamente para ela, os dentes trincados com tanta força que temeu que quebrassem. Levou as crianças sob os pedidos a ouvidos surdos da mãe para que se acalmasse, e a italiana caminhou depressa ao quarto onde ela brigava momentos antes com Michael.
O homem caminhava de um lado para o outro no local como um leão enjaulado, a expressão encolerizada e os olhos escuros arregalados, os lábios cerrados acima dos dentes.
— Mike! Ei, ei, o que houve? — fechou a porta atrás de si e foi até ele, com cuidado para não ser feita de efeito colateral da ira do mais velho.
— Acabou. Kay e eu terminamos. Ela me deixou oficialmente. Ela... ela disse que nunca perdeu o bebê, foi um aborto, foi deliberado. Ela matou meu filho.
— Che cazzo7…? — sentou-se no sofá, em choque. Se Kay realmente havia feito aquilo, devia estar desesperada. Michael estava furioso. Não com ela, mas com Kay. A ideia de ela matar seu filho o enchia de tanta raiva e ódio.
Ele tremia de raiva enquanto respirava pesadamente, e seus dedos dirigiram-se aos cabelos cuidadosamente penteados, os desarrumando numa fúria mal contida.
— Jesus Cristo, ela... Como ela pôde fazer isso? Como ela pôde? Depois de tudo que eu fiz por ela!
— Eu... eu tenho certeza de que, quando seus nervos se acalmarem, vocês falarão sobre isso e entend…
Michael se virou para encará-la, os olhos escuros a faiscar de ódio. Não estava com humor para qualquer raciocínio ou justificativa, nem mesmo de .
Ele cerrou a mandíbula e rosnou, se aproximando com raiva.
— Não. Não a defenda agora. Eu não quero ouvir — vociferou, enquanto apontava-lhe o dedo.
Ele não tinha como expressar sua raiva, tudo o que podia fazer era desabafar gritando com qualquer um. Ligou então para a portaria, para garantir que Kay não fosse embora com as crianças. Ele não podia deixá-la ir embora com as crianças.
— Michael… — tentou novamente, enquanto abraçava o próprio corpo. Nunca o vira tão irado.
Michael virou-se para encará-la novamente, ao ouvi-la chamar seu nome. Ele não queria ouvir nada agora. Não estava pensando racionalmente.
— Eu disse para não a defender.
— Eu não ia fazê-lo. — caminhou até ele e lhe tocou o braço, numa tentativa de acalmá-lo. — Mas deve respirar fundo, pensar racionalmente.
Michael focou-se em seu toque, enquanto fechava os olhos. A fúria era como um revoar de pássaros dentro de seu peito, mas o conforto de era como a calma de um lago.
— Diga que tudo ficará bem… — Quase implorou, sua voz um sussurro que julgou patético. — Estou prestes a perder a maldita razão.
— Não está, não. — segurou-lhe o rosto entre as mãos e encarou seus olhos escuros. Seus polegares acariciaram-lhe as bochechas num gesto surpreendentemente íntimo. — Você é Michael Corleone. Você não perde a cabeça. Não perdeu a cabeça anos atrás, quando as coisas estavam muito piores, e não perderá agora. Hai capito?
Apesar de tudo, um meio sorriso brincou em seus lábios.
— Isso é uma ordem, ?
o encarou em silêncio, surpresa. Só então, riu, e o som ecoou pela sala como o canto de uma andorinha.
— Gosto do som disso. Sim, Don Corleone, foi uma ordem.
Antes que ele pudesse responder, Rocco voltou ao quarto com Anthony e Mary a tiracolo, a pequena em seus braços num berreiro que fez os ouvidos de doerem. A mulher fez uma careta, indo até Rocco e a pegando no colo, a balançando levemente.
— Eu sei, meus pequenos, eu sei. Que tal irmos tomar um sorvete, hum? Conheço uma sorveteria perto de um certo parque de diversões…
admirou a inocência infantil. Apesar de Mary ainda estar chorosa em seus braços, Anthony logo se animou, a briga presenciada, seus sentimentos ruins, tudo esquecido.
— Podemos, pai? Podemos, por favor? — questionou a Michael, com vontade de aço.
Michael parecia ter envelhecido dez anos com aquela situação, mas seus ombros caíram e ele apenas sorriu levemente para o filho mais velho.
— Claro. Tem minha inteira permissão. Vão se divertir. — Olhou para . — Leve Rocco e Al com você.
Ela concordou, colocando Mary no chão e limpando suas lágrimas delicadamente.
— Vão com Rocco. Eu já vou.
As crianças seguiram o mais velho e os deixaram sozinhos novamente. o avaliou com seus olhos brilhantes enquanto pressionava os lábios.
— Irá ficar bem?
Michael ficou surpreso com a pergunta, não esperava por isso, embora já devesse. Era inexplicável o quanto se preocupava com ele, mais que qualquer um sob seu comando. Ficou quieto por um segundo, antes de responder em um tom lento e suave, enquanto colocava as mãos na mesa e encarava o mogno escuro.
— Eu acho que sim. Só preciso de um tempo para pensar. Eu ainda estou...
Michael não terminou a frase, lutando com as palavras. Aquilo foi o suficiente para , que apenas concordou com a cabeça e deslizou entre os braços dele para encará-lo propriamente.
— Eu os trarei mais tarde para dar-lhes tempo de se preparar para voltar para Nevada. Enquanto isso, apenas... beba um pouco, relaxe. Precisa da cabeça fria, Mike.
Michael a observou, permitindo a ação, a envolvendo. Ele fechou os olhos, se confortando com o fato de ela estar ali, o tocando daquela forma. Era teimoso demais para admitir em voz alta que precisava dela, mas necessitava do conforto da presença dela como uma mariposa atraída à luz.
Ele assentiu lentamente, enquanto concordava com sua sugestão. Apoiou a testa em seu ombro e fechou os olhos, inspirando e expirando devagar. ficou surpresa com a intimidade do momento, mas apenas acariciou sua nuca, o cheiro amadeirado e de cigarros caros envolvendo-a como um cobertor.
— Venha aqui mais tarde, certo? — pediu, num tom vulnerável, um tom que não usava parecia fazer anos.
afastou-se e lhe ajeitou o paletó e a gravata.
— Irei. Se quiser que eu venha.
Michael hesitou por um segundo e de repente pareceu mais jovem do que realmente era, toda severidade e a aura de Don esvaindo-se de seu rosto.
— Eu quero.
3 Filhote.
4 Passarinha.
5 Ursinho.
6 Entendeu?
7 Que porra?
Quanto a Anthony, o ajudou a retirar os tênis e a jaqueta que usava antes de colocá-lo embaixo dos cobertores, o garoto já parecendo semiadormecido. Após ser coberto e beijá-lo suavemente na testa, ele segurou-lhe a mão como se fosse seu bichinho de pelúcia favorito, num pedido silencioso para que não o deixasse só.
O coração de se compadeceu pelo pequeno menino, tão parecido com Michael. Era óbvio quão carente as duas crianças eram, apesar de terem sempre Kay por perto; Michael era casado com o negócio da família e, apesar de ser carinhoso com os filhos, não oferecia o suporte emocional necessário para o desenvolvimento deles.
Até mesmo ele pareceu surpreso com o quanto Anthony se apegara a em poucas horas; mesmo que a conhecesse há mais tempo, os dois não eram exatamente o que se podia chamar de próximos. Anthony era o filho do patrão, apenas mais uma pessoa a se proteger, ou pelo menos era assim que Michael imaginava que o via. Ali, diante da doçura dos toques e de como ela o acalentava no sono, era difícil acreditar na frieza que tentava sempre passar, especialmente enquanto cantarolava uma velha canção italiana que Carmella costumava entoar nas primeiras semanas de sua chegada, muitos anos atrás. Quase uma vida inteira, parecia.
Michael pegou-se sorrindo, logo ele, que raramente sorria, pelo menos não de maneira genuína. Aos poucos, Anthony afrouxou o aperto, e retirou a mão. Antes de sair, lhe beijou a testa e sussurrou um “boa noite”.
Michael e ela deixaram o quarto e se dirigiram à blasé sala de estar do quarto de hotel, toda em tons de bege e marrom escuro. O mais velho sentou-se no sofá, enquanto foi ao bar e lhe serviu um copo de uísque. Michael, que raramente bebia, não fez objeção; Deus sabia o quanto precisava daquela bebida naquela noite.
— Como está agora, Mike? — sentou-se ao seu lado. Observava-o cautelosamente, enquanto colocava o copo em sua mão.
Michael bebeu alguns goles. O líquido forte o fez repuxar os cantos dos lábios.
— Já estive melhor. — Foi sincero, mas nem tanto.
hesitou antes de tornar a falar. Sabia que o diálogo não seria fácil.
— Qual o próximo passo? Voltamos para Lake Tahoe e nunca mais permitirá que Kay veja as crianças?
Michael ficou quieto por alguns instantes enquanto apreciava o silêncio e tomava seu uísque. Era bom estar ali, sentado ao lado da mulher de quem se sentia mais próximo. Quando tornou a falar, porém, sua voz tinha aquele tom firme e frio que tanto detestava; quando falava como Don Corleone, e não Michael.
— Não irei apenas proibir Kay de vê-los. Vou manter a guarda total. Eles não ficarão com ela nem por um segundo.
soltou um suspiro exasperado.
— Mike…
Michael percebeu pelo tom de sua voz que ela iria tentar dissuadi-lo de sua escolha e a lançou um de seus olhares autoritários, a comandando a calar-se.
— Não.
— Ela é mãe deles. São crianças, precisam da mãe — falou de coração.
Deus sabe o quanto queria ter tido a mãe para si, nem que fosse apenas por uma noite. Que a colocasse para dormir, lhe dissesse as mais doces palavras e lhe assegurasse que nada no mundo a machucaria nunca, pois ela a protegeria. O que não daria por aquilo. De Carmella nunca faltara nada, mas não era a mesma coisa.
Michael sentiu uma pontada de raiva ao ouvir suas palavras. Sabia que ela estava certa, mas era teimoso e estava furioso demais para ouvi-la.
— Eu não me importo. Não me importo se ela é a mãe deles. Ela matou meu filho, não merece o privilégio. — Balançou a cabeça e a interrompeu novamente, num tom irritado. sentiu que começava a se alterar.
— Tudo bem, tudo bem — a mulher interferiu e lhe acariciou o ombro, numa tentativa de acalmá-lo. Não adiantaria nada tentar argumentar com Michael naquele momento. Era algo recente, e a ferida estava muito aberta, sangrava até. Ficaram daquela maneira por alguns minutos, enquanto Michael bebericava o uísque, e observava-o de perto.
Ele começou finalmente a inclinar-se para suas carícias e a permitir que o toque dela drenasse seu estresse. Aquilo era reconfortante. Michael não se sentia confortável sendo vulnerável com ninguém, nem mesmo permitindo que alguém o confortasse. Sentia-se vulnerável agora como uma ferida aberta, mas com não era tão assustador ou terrível quanto imaginara que seria.
Ele voltou o olhar para ela quando abriu os olhos.
— Fique comigo esta noite.
poderia ter respondido com um comentário ácido, ou até mesmo uma pitada de ironia, mas não conseguiu. Umedeceu os lábios e encarou Michael diretamente nos olhos escuros e tempestuosos.
— Acha que é prudente? — questionou num sussurro.
— Eu não ligo para o que é prudente agora, . Fique comigo — após um momento de hesitação, acrescentou, a palavra desconhecida há muito em sua língua — por favor.
O olhar de suavizou-se. Michael Corleone não era um homem que pedia por favor, pelo menos não mais. Se naquele momento o fazia, era porque necessitava muito de sua presença, o ansiar maior que o orgulho.
— Tudo bem, Mike. — se encontrava igualmente vulnerável. O ar estalava com uma tensão diferente naquela noite, algo inominável pairava entre os dois. Não queria reconhecer o que poderia ser naquele momento.
— Obrigado. — Michael evitou encará-la. Sentia o mesmo.
levantou-se do sofá e lhe estendeu a mão. Michael hesitou, mas, por fim, se levantou e tomou a palma macia de na sua, tão pequena e fina de encontro aos seus dedos longos e grossos. Era comicamente discrepante.
Os dois caminharam até o quarto principal, e puxou as portas corrediças. Secretamente, desejava que ninguém os interrompesse, que ninguém ligasse, que não houvesse nenhuma maldita emergência. Sua pele arrepiava-se com estática na expectativa do que a noite traria. Virou-se para Michael e caminhou devagar até ele, os olhos nos seus. Seus dedos longilíneos desataram o resto da gravata do mais velho e a tiraram da volta de seu pescoço, lhe abaixando em seguida os suspensórios. Depois, desabotoou a camisa cinza-clara devagar, sem pressa, se deleitando no momento. O peito de Michael subia e descia abaixo de seus dedos suavemente com a promessa silenciosa que pairava no ar.
deslizou o tecido por seus ombros, o deixando de regata branca, calças de alfaiataria bege e os sapatos de couro italiano. Fez com que Michael sentasse na cama e se ajoelhou em sua frente. Desatou-lhe os cadarços e tirou os sapatos como uma boa esposa italiana o faria. Ele a observava com os lábios entreabertos e tentava conter a vontade de tocá-la. Observava-a como se fosse um anjo caído dos céus a seu serviço, tão bela quanto perigosa.
— Sempre cuida tão bem da Família, Michael. Hoje à noite, cuidarei de você.
A frase causou a sensação de uma descarga de eletricidade na espinha do Don. Cacete, o que estava fazendo com ele?
Seus olhos a seguiram até o banheiro, onde a siciliana preparou-lhe uma boa ducha na temperatura perfeita para que relaxasse e permitisse que os problemas escoassem pelo ralo, pelo menos naquela noite. Ela o assegurou que estaria do lado de fora se ele precisasse de algo mais e o deixou sozinho.
Enquanto Michael tomava banho, tirou o casaco de tweed que usava, ficando apenas de regata branca e saia bege. Tirou também os sapatos e acendeu um cigarro enquanto pensava no infortúnio de Michael; o quão Kay deveria estar desesperada para recorrer a algo tão extremo? Um aborto? Dio mio. não a condenava, Deus sabe que ela própria havia feito, uma vez, quando se negara a ter o filho de Sonny, mas… o que Michael a fazia de tão ruim?
Ele passou um bom tempo no chuveiro, provavelmente perdido em seus pensamentos e, quando saiu, esperava encontrar já preparada para dormir, de preferência na cama. A mulher ergueu os olhos para encará-lo. Michael já usava pijamas de algodão, pronto para deitar.
— Sua vez. — Apontou para o banheiro atrás de si.
— Eu não trouxe nenhuma roupa.
— O Hotel tem alguns pijamas reservas no armário, tenho certeza de que algum servirá em você.
concordou, indo até o aposento e fechando a porta atrás de si. Após alguns minutos, Michael pôde ouvir o som do chuveiro, e só então relaxou contra a poltrona Luís XVI enquanto acendia um cigarro. Não queria pensar em nada. Queria esquecer que Kay e seu falso moralismo ingênuo existiam. Se arrependia de tê-la estapeado, porém. Havia perdido o controle de seu ódio e sua fúria, e não pensara nas consequências de seus atos.
Levou alguns minutos até sair do banheiro enquanto enxugava os bastos cabelos na toalha de algodão branca com a logo do hotel. Trajava um dos pijamas que encontrara dentro do armário, um que parecia que havia sido feito para uma pessoa do dobro de seu tamanho, pelo menos.
Michael esboçou um sorriso.
— Está ridícula.
— Nem mais uma palavra.
Michael bateu a mão no sofá e a chamou para perto de si. sentou-se ao seu lado e ele a puxou.
— Venha aqui… — Suas mãos de dedos longilíneos envolveram seu rosto. Michael pressionou os lábios delicadamente em sua testa, num gesto que transbordava reverência e respeito. Aquilo a pegara de surpresa.
— Para que isso? — questionou levemente, enquanto seus cílios faziam cócegas na bochecha de Michael.
— Sei que gosta quando beijo sua testa.
— Sim, mas não fazia isso desde que eu era apenas a amiguinha irritante de Connie, anos atrás.
— Eu sei, eu sei. Faz muito tempo. Eu só… — A voz de Michael desvaneceu enquanto ele acariciava o braço de , perto de seu ombro, o polegar delicado e constante. Não gostava de se sentir vulnerável, porém, naquele momento, era como se estivesse despido de roupas, pele e alma para a mulher. Ela via tão facilmente um lado que ele jurava estar dormente e escondido abaixo de sete palmos há muito tempo.
A intimidade do momento o sufocava. Michael umedeceu os lábios, sua testa contra a dela, os olhos fechados. acariciava-lhe a nuca, ele seus pulsos. Era um momento de paz que ele não sentia há tanto.
— Estou cansado — disse, por fim, se afastando.
— Eu imagino. Vá se deitar, ficarei no sofá.
Michael soltou um bufo de escárnio.
— Venha para a cama, .
— Michael… — a siciliana tentou argumentar.
— Não é um pedido, é uma ordem.
Aquilo a pegou de uma maneira que não esperava. Seus olhos brilharam como faróis em trevas, como luas numa noite estrelada.
— Ah. É uma ordem, chefe?
— Venha.
Michael puxou os lençóis e edredons grossos e chamou num aceno de mão. Deitou-se e esperou que ela o acompanhasse. Não estava acostumado a ser contrariado, e muito menos desejava fazê-lo. A mulher suspirou e se deitou no espaço livre. A cama era grande o suficiente para que os dois não precisassem se tocar, mas, por Deus, como ela ansiava que pudesse.
Os dois ficaram em silêncio por um bom tempo, Michael encarando o teto, qualquer coisa que não fosse o mais velho. Uma pequena aranha começava a fazer uma teia bem-elaborada no canto interno do teto, uma traça presa na armadilha. Lá fora, a lua brilhava, e nuvens pesadas como algodões doces tentavam escondê-la sem sucesso. A respiração de Michael chegava aos seus ouvidos como o tic-tac de um metrônomo, e ela podia jurar que ele já havia pego no sono se não houvesse virado para o lado e o visto acordado, seus olhos escuros grudados no teto como se observasse a capela sistina.
hesitou, mas virou-se de lado e o encarou.
— Sabe o que Kay me disse antes de ir embora?
Michael retorceu os lábios em desagrado. Teria se irritado imensamente — se não já estivesse pensando na agora ex-mulher.
— Diga.
O riso de veio do fundo da garganta como o ronco de um porquinho, e transbordava sarcasmo.
— Disse que você agora era meu, e eu podia ficar.
Michael deglutiu as palavras como um café amargo. Trincou os dentes, e o osso do maxilar marcou suas bochechas. Sentia raiva pelas palavras, e mais ainda por elas terem feito-o sentir-se como uma cadeira velha a ser repassada.
— Falou, foi?
— Foi.
— E disse algo mais?
— Não, mas pude jurar que, se tivesse ficado um momento além, teria me socado. — sabia que não era verdade. Kay era uma verdadeira “lady”, uma senhora polida e elegante. Não iria tão baixo assim, não era como podia ser.
Michael não riu de sua piada. não esperava que o fizesse. Ele apenas assentiu em concordância, sabia que Kay não faria isso. Ela era muitas coisas, mas nunca uma pessoa violenta, muito pelo contrário. Sabia que, se tivesse batido em ou feito qualquer coisa com ela, acabaria sendo alvo da ira de Michael, e sua esposa não tinha tendências suicidas.
continuou a encará-lo, sua cabeça sustentada pela mão. Lembrava a Michael uma escultura de Michelangelo, o rosto angelical milimetricamente esculpido por mãos habilidosas e uma mente romântica. Era bela. Perigosamente bela.
— Tu mi pensi quannu nun sugnu cca? (Pensa em mim quando não estou aqui?) — a mulher perguntou. O dialeto siciliano escorreu pela sua língua como o toque de um amante que não via há anos.
Michael sentiu o canto dos lábios se repuxar em um sorriso. Não apenas pela pergunta, mas pelo idioma de seus pais, de sua herança cultural… de Apolônia. Não pôde evitar o assalto em seu peito ao lembrar-se dela, e não conseguiu mentir a .
— Sempri — respondeu na mesma língua e se virou para encará-la de frente, espelhando sua posição.
sorriu num jeito travesso que lançou uma descarga elétrica no peito de Michael. Atingido por um raio, se lembrou das palavras de anos atrás.
— Comu mi pensi? (Como pensa em mim?) — ela perguntou intimamente, e ele não deixou de notar o leve aproximar que seu corpo fizera.
Michael pensou por uns momentos. Seu siciliano nunca fora isso tudo, pelo menos não como o italiano. Sabia exatamente o que a mulher estava fazendo; provocava-o, como a um de seus admiradores.
— Comu pensi che ti pensu? (Como acha que penso em você?) — Acabou tendo que misturar o dialeto com o idioma italiano, mas tinha certeza de que ela entenderia.
umedeceu os lábios. Achou adorável o sotaque puxado e as palavras trocadas do mais velho. Falava italiano com frequência quando não queria ser compreendido por pessoas de fora da família, mas o Siciliano podia ser totalmente diferente, um dialeto à parte. Morara apenas um ano na Sicília; muito havia se perdido em memórias dolorosas que ele evitava revisitar.
— Un sacciu. Hai a diri a mia. (Não sei. Terá de me dizer.) — não teve piedade ou facilitou para Michael, se manteve no dialeto. A língua tornava o diálogo imensamente mais sensual do que deveria.
— Penso a tia in un modu ca nun pozzu diri. (Penso em você numa maneira que não posso dizer) — Michael retrucou, quase insolente.
— Pircè no? (Por que não?)
— Pircè è na cosa ca prubabbirmenti già sapi. (Porque é algo que você provavelmente já sabe.)
mordiscou o lábio inferior. A atmosfera do ambiente era pura estática, e ela temia que, se tocasse em Michael agora, os dois levariam um grande choque.
Ainda assim, não foi capaz de resistir. Sua mão acariciou-lhe gentilmente a bochecha. Podia sentir o começo de barba pinicar-lhe a palma, áspera.
— Forse, ma vogghiu ascoltarlu diri. (Talvez, mas quero ouvi-lo dizer.)
Michael segurou-lhe a mão e seu polegar acariciou-lhe a pele macia.
— Pircè ti vogghiu troppu, ogni secunnu, ogni minutu, ogni ura, ogni juornu. (Porque te quero demais, todo segundo, todos os minutos, toda hora, todo dia.)
Foi como se houvesse sido acertada por uma barra de ferro, o fôlego lhe escapando do peito. Seus lábios se entreabriram e ela pôde apenas encará-lo, surpresa.
— Pircè sugnu obsedutu pi tia. (Porque sou obcecado por você) — ele continuou. Seus olhos escuros estudavam cada microexpressão de . Quase desejava que pudesse ler sua mente.
— Baciami. Ora. (Beije-me. Agora) — murmurou, claramente uma ordem.
Michael nem sequer hesitou, a puxou pela nuca e juntou seus lábios num beijo que os dois ansiavam há muito: quente, cheio de desejo, de luxúria. Como há muito não beijava. também não perdeu tempo e o puxou para cima de si. Suas longas pernas envolveram seus quadris numa tentativa de mantê-lo ali para sempre, onde os dois sempre quiseram estar. Ele aprofundou o beijo e não pôde evitar um gemido quando suas línguas se tocaram, o deixando extasiado com sensações que há muito não sentia. Queria tocar cada parte do corpo dela, precisava senti-la por inteiro.
guiou-lhe a mão ao seio, e Michael entendeu o recado. Começou a massageá-lo com precisão, e o polegar estimulava o mamilo já enrijecido.
— Cacete, Michael. Mal me tocou, e já estou ensopada — reclamou, enquanto trocava suas posições, agora por cima. Começou a movimentar os quadris contra os dele de maneira tentadoramente lenta, como se tivessem todo o tempo do mundo. Ali, eram um só. Ali, não deviam nada a ninguém e não respondiam a sequer uma alma. Eram livres.
finalmente tirou a blusa e lhe expôs os seios. Michael umedeceu os lábios com um olhar voraz, como se estivesse prestes a devorá-la. E, caramba, talvez estivesse. Sua mão tocou-lhe da base do pescoço, por entre os seios, até o pé da barriga, numa carícia reverenciadora, parando por fim na lateral de seus quadris e guiando seus movimentos. Logo, puxava sua calça do pijama para baixo, enquanto seus dedos provocavam o limite da calcinha de seda bege, os olhos nos dela. Sorrateiro, deslizou um dos dedos pelo canto, perto da virilha, e lhe acariciou ali, onde o toque ganhava resposta imediata. Ele apreciou a forma como a cabeça de inclinou-se para trás, lhe expondo o pescoço, e um gemido sôfrego escapou-lhe os lábios inchados pela atenção que ele lhe dera.
Por isso, se surpreendeu quando ela o afastou e se levantou. desceu o resto da calça do pijama e a calcinha foi junto. Ela voltou para a cama, os olhos nos de Michael enquanto engatinhava como uma leoa visando uma presa por cima de suas pernas.
— Eu disse que cuidaria de você, certo? É disso que se trata esta noite, e não o contrário — a mulher entoou, enquanto removia-lhe o par de calças e a cueca.
Michael estava prestes a protestar, quando os lábios de fecharam-se em volta dele, úmidos e quentes. Ele praguejou, a cabeça voltando ao travesseiro e o corpo arqueando-se enquanto ela usava a língua e as mãos para dar-lhe prazer. Sua mão automaticamente agarrou um punhado de seus cabelos, os puxando levemente. Tentou conter-se, afinal de contas, as crianças estavam no quarto ao lado e poderiam acordar a qualquer momento, mas aquilo não evitou que alguns grunhidos e arfares se fizessem ouvidos, seus olhos fechando-se.
Os olhos de Michael se abriram novamente, fixados nela, vendo o quão longe ela tinha ido, como era bom, e como ela lhe encarava, fazendo isso por ele. Sentiu seu coração começar a bater mais rápido. Ele não ia durar. Senti-la assim, vê-la tão satisfeita em agradá-lo só o fez se aproximar ainda mais do precipício.
Ele fechou os olhos novamente e soltou outro gemido, a respiração pesada, sussurrando mais do que dizendo.
— …
Ela parou e removeu os lábios, saliva e mais fluídos escorrendo deles.
— Não termine ainda. Quero que seja dentro de mim.
Aquilo quase o lançou pelo limite, mas ele apenas acenou com a cabeça, aquiescendo seu pedido. voltou para seus quadris e se empertigou como se pertencesse ali. Guiou-o para sua entrada e, finalmente, o tomou por inteiro. Os dois arfaram em uníssono, surpresos com a força da conexão que os envolvia como a chama de uma lareira lambia os pedaços de lenha. As unhas de Michael arranharam suas coxas com força suficiente apenas para que ela sentisse, e sua cabeça foi mais uma vez contra o travesseiro. Um gemido baixo de prazer saiu pela garganta.
Ele levou um momento para se adaptar à sensação dela. Mas então, se inclinou para frente novamente e olhou em seus olhos. Não queria que aquela noite acabasse tão rápido.
— Mike… — entoou seu nome com reverência, como uma prece há muito perdida. As mãos de Michael deslizaram por suas coxas e alcançaram seus quadris, enquanto ela começava a mover-se contra ele, devagar e provocante, o lábio inferior preso entre os dentes e as mãos em seu peito para manter o equilíbrio.
Aquilo foi a gota d'água. Michael fechou os olhos, soltou um gemido baixo e mordeu o lábio para não soar alto demais. Moveu as mãos para a sua cintura e lhe controlou os movimentos em cima dele, os dedos cravando-se nos quadris dela, a voz grave saindo entre as respirações, num tom calmo e vulnerável.
— Bella mia… O que está fazendo comigo? — murmurou e umedeceu os lábios, enquanto lhe arrancava os mais doces dos sons.
Ele estava se esforçando o máximo para segurar-se, mas podia sentir a tensão começar a se acumular em seu âmago. Num impulso, levantou o tórax e agarrou pela nuca, a trazendo para mais perto em seu colo, os dois um. Seu quadril movia-se acompanhando o dela, em sintonia, e a mulher agarrou-lhe os cabelos como se a vida dependesse disso.
Gotículas de suor escorriam pelos seus corpos como chuva nas janelas em dias de tempestade, o quarto cheio de aromas excitantes, o ar pesado de sexo. A mão de meteu-se entre os dois, se estimulando para que chegassem ao clímax ao mesmo tempo e, ao sentir que estava quase lá, lhe deu um aceno quase imperceptível com a cabeça.
O último gemido de Michael foi tão alto e profundo que ele teve certeza de que acordaria as crianças se não estivessem tão exaustas da tarde agitada. Ele desabou de volta na cama, com o coração disparado, o peito subindo e descendo pesadamente com a respiração ofegante. seguiu-o depressa, e havia mordido o lábio com tanta força que quase arrancara sangue. A mulher deitou a cabeça em seu peito e ele aspirou o cheiro de seus cabelos misturado com o suor, um aroma quase afrodisíaco que lhe dera vontade de fazer tudo de novo.
Ele acariciava suas costas, enquanto ela estendia a mão para pegar um cigarro da mesa de cabeceira, um para si e um para ele. Acendeu os dois e lhe entregou o seu, expulsando a fumaça, os olhos no teto. Os dois permaneceram em silêncio por um tempo, apenas apreciando suas presenças, a intimidade que haviam partilhado.
— Michael… — puxou-lhe pelo queixo delicadamente para que a encarasse. — Prometa que não irá se arrepender disso quando a manhã vier.
O braço dele a envolveu e a puxou para mais perto. Ao ouvir suas palavras e o tom de sua voz, Michael entendeu o que ela realmente queria dizer, a olhando nos olhos, e seu rosto se suavizou. Não disse nada por alguns instantes, apenas para poder continuar a encará-la e admirar sua beleza, antes de responder em um tom genuíno e vulnerável, com um sorriso suave no rosto.
— Eu prometo.
Na manhã seguinte, todos pegaram o avião de volta para Lake Tahoe. Na frente dos lacaios de Michael, evitava falar mais que estritamente o suficiente por temer deixar passar um olhar, ou um tom de voz diferente. Todos naquela linha de trabalho eram extremamente observadores, e qualquer coisa que percebessem poderia ser considerada uma fraqueza por Michael. Ela não queria que o que tinham no momento acabasse. Passou a viagem inteira recordando-se dos beijos, toques, os sons que haviam escapado dos lábios cheios do mais velho. Era irônico olhar para Michael do outro lado do avião e ver o calmo e sereno Don Corleone, que sempre tinha tudo sob controle e nunca perdia a compostura, quando havia feito-o desmoronar sob suas carícias na noite passada.
sorriu levemente com o pensamento enquanto encarava a janela.
Naquela noite, ao finalmente chegar em casa, havia uma entrega para ela. Belíssimas dálias de todas as cores, cheirosas e viçosas, que lhe arrancaram um arfar de surpresa e satisfação. Dalia era seu nome do meio, e ela lembrou-se de quando ela e Michael eram adolescentes e procuraram sobre a flor em um dos muitos livros sobre botânica da biblioteca de Vito, lendo que “a flor era comumente conhecida como A Rainha do Jardim de Outono, já que florescia por um longo período de tempo, vivendo até os meses de outono”.
Havia um cartão, e o abriu em pressa, quase cortando o dedo no papel.
Para minha rainha do jardim de outono, um sinal de cumplicidade e intimidade que durará para uma vida.
Seu,
M.
Mal podia esperar para sentir Michael contra si novamente, seu cheiro, suas mãos enormes lhe tocando. E, naquela noite, sozinha entre os vestígios floridos do presente que recebera, sentiu algo florescer dentro de si — não era apenas desejo, mas uma certeza silenciosa e perigosa. Estava envolvida por um homem que podia destruir tudo com um estalar de dedos, mas que, por algum motivo insondável, escolhera tocá-la com delicadeza. E mesmo ciente do abismo que havia sob seus pés, ela permitiu-se fechar os olhos e cair — devagar, sem medo, como uma pétala vencida pelo vento.