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Revisada por: Lightyear 💫

Última Atualização: 12/06/2025

PARTE UM • THE MASQUERADE.


Berlim Oriental • 1989.


Ela fechou os olhos com o zumbido alto em seus ouvidos.
O martelar constante provinha de sua própria pulsação irregular e intensa. Estavam amortecidos, como se estivesse embaixo d’água. Podia ouvir algo ecoando de forma contínua dos aparelhos eletrônicos, misturando-se com as vozes desconhecidas, pulsava de quase todos os lados possíveis, quase desorientador, mas ela conseguia identificá-los com praticidade: o ruído de pessoas no corredor discutindo política e os potenciais que deixariam em aberto com a queda do muro, alguns comentando sobre a crescente movimentação russa, e então, ao fundo de tudo isso, lá estava. Ping. O gosto amargo era pungente em sua boca, metálico e escorria por sua garganta de forma quase sufocante, impossível de ser ignorada. Era sempre assim, então, viria o latejar contínuo em sua têmpora direita, mas não pior do que a dor afiada que se seguiria, percorrendo seu cérebro inteiro. Como uma pequena descarga elétrica, gélida e afiada como agulhas, pulsando pelo músculo antes de voltar a amortecer tudo ao seu redor. E então, havia aquele cheiro discreto de carne queimada, um suave clique sobre sua orelha esquerda que indicava que ela estava pronta para ação. E então, quando ela abria os olhos novamente, tudo desaparecia.
Pronta para agir.
Empunhou a arma outra vez, dando um passo para trás, encarando fixamente a porta, e então, mais um, a espera. O peso da pistola era frio, mesmo contra suas mãos enluvadas, passava a falsa sensação de que estavam escorregadias, mesmo que o suor que envolvia as palmas de suas mãos fizesse o couro das luvas grudarem, desconfortável, a sua pele. A tensão espalhava-se por seus antebraços, os músculos se contraindo com a movimentação do indicador dela sobre o gatilho. Havia algo suspenso no ar; o desejo de apertar o gatilho pulsando pela tensão que envolvia seus músculos, o desejo de mover-se, mas ela obrigou-se a esperar. O treinamento gritava mais alto do que o instinto, perfeitamente adestrado, enquanto ela escutava, atentamente, os passos dele.
Ainda não. Ainda não…

Ela sabia que ele estava vindo. Ela estava esperando que ele viesse.
E isso tornava tudo ainda pior.
O coração dela martelou contra a caixa torácica. A adrenalina percorreu sua coluna como uma descarga elétrica gélida, rápida demais para ser imediatamente registrada, presente demais para ser ignorada. O tremor finalmente atingiu suas mãos, obrigando-a a respirar fundo e exalar por entre os lábios, uma, duas, três, quatro, tentando manter sua mira firme. Não funcionou. Deu mais um passo para trás, sem perceber que a respiração se tornava mais pesada, mais irregular, raspando por sua garganta e escapando por entre os dentes cerrados com mais força do que o normal. Os olhos arregalados revelavam as pupilas dilatadas.
O eco das botas de combate se tornou mais alto, mais próximos. Os olhos dela se moveram, de um lado para o outro, registrando, passo por passo, um à frente do outro, mais e mais alto. Estava vindo pela esquerda. Ela estalou o pescoço, tentando aliviar a tensão de seu corpo quando os passos pararam à frente da porta.
Ele estava ali.
O tremor aumentou. Medo espalhou-se pela corrente sanguínea dela, pungente como ácido, corroendo tudo o que se encontrava pelo caminho, e por uma fração de segundos, seu impulso foi simplesmente fugir. Seu corpo inteiro gritou para que ela fosse embora. Para ceder à parte animalesca não treinada de seu cérebro, mas a coleira que envolvia seu pescoço era mais forte do que o instinto de autopreservação, então ela não se moveu. Ela esperou, contando mentalmente os segundos, seu dedo indicador envolveu com mais força o gatilho, sentindo o metal gélido implorar para que ela apertasse. Não o faz.
Sete. Oito. Nove. Dez. Onze. Doze. Tre…
A porta abriu com força.
O estrondo do trinco, chocando-se contra a parede e fincando-se no concreto, foi o suficiente para acionar o estado de alerta dela, e sem que percebesse, puxou o gatilho. O disparo foi rápido e preciso; enterrou-se na cabeça do soldado, que desabou com um baque molhado e alto no chão à sua frente.
Ela não se moveu. Os olhos acompanharam a poça de sangue que se formava no chão de mármore, pálido como alabastro, afundando-se por entre a massa corrida branca quase imperceptível, delineando os formatos retangulares do porcelanato, conectando-se em interseções e chocando-se com as solas gastas de suas botas de combate. Por uma fração de segundos, tudo pareceu ficar suspenso no ar. Pulsando. Vibrando por baixo de sua pele. Os músculos travados pela tensão, por um instante, quase a impossibilitou de se mover. Os lábios entreabertos davam passagem para a respiração que ela tentava, custosamente, controlar. Ela obrigou-se a dar um passo à frente.
Os olhos dela permanecem fixos no corpo à sua frente. Ela deu um passo, então outro, aproximando-se devagar e de forma rígida, de onde seu alvo jazia. Ela estava no terceiro passo quando seus olhos finalmente capturam o pequeno detalhe que ela havia deixado escapar.
O soldado era loiro.
Puta mer…
O disparo veio pela direita. Ela não o registrou a tempo, a bala cortando o ar com violência,alojando-se com uma explosão de fogo, no músculo tenso do ombro dela. E então, seguiu-se o segundo. Desta vez, ela já estava pronta, e lançou-se para a direita, saltando por sobre o corpo de um dos inimigos abatidos, rolando pelo mesmo ombro que estava ferida. A dor a cegou por um segundo enquanto suas costas atingiam com brutalidade a parede branca do quarto de hotel, deixando a marca grotesca e abstrata do sangue que fluía pelo ombro dela, no branco impecável hospitaleiro. Ela ofegou, trincando os dentes com força, sua cabeça pendendo para trás, contra a parede, ao mesmo tempo que os fragmentos de vidro da janela, estraçalhada pelo impacto do corpo pesado, chocam-se contra o chão, misturando-se com o porcelanato branco e o sangue do soldado abatido.
Ela exalou por entre os dentes cerrados, obrigando-se a empunhar rapidamente sua arma, e então disparando duas vezes em resposta; o auxílio de sua visão periférica apresentou apenas o breve vislumbre da silhueta larga, e o brilho do braço de metal. Os disparos atravessam o quarto, alojando-se nas paredes do outro lado, sem sequer tocá-lo. Ele se voltou na direção dela, três segundos depois, disparando outra vez. Ela xingou em alto e bom-tom, o ruído ecoando mais como um sibilo entrecortado.
Ela se lançou novamente para frente, deixando-se deslizar pela falta de atrito de sua calça pesada militar e o porcelanato, chocando-se bruscamente contra a parede oposta onde estava, disparando de volta no Soldado Invernal. Desta vez, ela quase o acertou — um buraco se abriu no flanco direito dele, onde a bala alojou-se. Mas ele não era um simples inimigo; o Soldado Invernal nunca falhava.
E igualmente, não hesitava.
Ele disparou outra vez na direção dela, acertando em cheio em sua coxa direita, quando ela se lançou para frente, em direção a ele. Era suicídio, isso não era sequer uma suposição, mas sim, uma declaração do que lhe aguardava. Ela iria morrer, e seria o Soldado Invernal a matá-la naquela noite. Mas se ela não iria lutar com unhas e dentes para, pelo menos, ganhar um pouco mais de tempo. Tempo o suficiente para que Nick Fury conseguisse escapar dali com o pacote intacto, a salvo. Tempo o suficiente para a missão ser cumprida. Tempo o suficiente para o matar se tivesse uma chance.
Um grunhido escapou por entre seus dentes trincados, quando ela acertou com toda a força que tinha em seu braço esquerdo a parte de trás do joelho do Soldado Invernal, obrigando-se a levantar-se dois segundos depois. Suprindo a dor e a contração muscular do ferimento em seu ombro, obrigou-se a segurar o braço biônico dele, com a pistola automática, a tempo apenas de empurrá-lo com força para trás, em direção à parede.
O Soldado Invernal possuía músculos grandes e pesados para combater, e mesmo que ela fosse uma exímia combatente, jamais iria conseguir vencê-lo com força física. Ela precisava lutar de forma suja. Honra não importava quando era sua sobrevivência que estava em jogo. Então, ela fincou seus dedos esquerdos no ferimento aberto no flanco direito dele. Sangue espirra para fora, o líquido encorpado e mais claro do que de fato acreditava-se ser encharcando rapidamente sua mão enquanto o Soldado Invernal parecia grunhir por trás de sua máscara. Ela trincou os dentes com ainda mais força, uma careta quase selvagem, apossando-se de suas feições quando ela usa a coronha de sua arma para empurrar a cabeça dele contra a parede. O impacto reverbera não apenas pelo crânio do Soldado Invernal, como igualmente pelo corpo dela inteiro. Espalhou-se de forma dolorosa, mas ela sequer conseguiu perceber isso com a adrenalina correndo por suas veias como uma droga; intoxicante, pungente e viciante.
Aproveitou o momento de distração do Soldado Invernal para acertar o nariz dele com a coronha de sua arma, em um ato desesperado. A máscara que envolvia apenas a parte de baixo do rosto dele — deixando os olhos, a testa e os cabelos longos expostos — absorveu o impacto do golpe, dando tempo o suficiente para que o Soldado Invernal lançasse o rosto mais para a esquerda, e com um ruído metálico, seu braço biônico agarrasse o pulso dela. A dor foi imediata quando os dedos biônicos dele esmagaram seus ossos, tentando retirar a arma de sua mão. Mas ela não era idiota o suficiente para lutar pela dominância da arma.
Ela soltou a arma que se entortou com a pressão feita pelos dedos metálicos do Soldado Invernal, e então, com um grito entredentes — talvez envolto por pura adrenalina, talvez apenas pela dor amortecida que transcendia o efeito de amortecimento causado pelo hormônio. Ela acertou um soco com violência no olho esquerdo do Soldado Invernal e então atingiu com força o abdômen dele, na altura de suas costelas, ouvindo-o perder o fôlego e dobrar-se para frente de imediato.
O Soldado Invernal não fazia ruídos.
Ele lançou a arma que roubou dela para sua mão direita, feita de carne e ossos, e disparou. O disparo não atingiu ela, mas explodiu seu tímpano esquerdo. O grito de dor escapou antes que ela pudesse conter, a cabeça dela foi lançada pelo instinto para a direita, enquanto o ruído alto, quase enlouquecedor, abafando tudo, ecoava com os batimentos erráticos dela. Mas o medo da morte sempre seria maior do que sua dor. Ela agarrou o pulso dele com suas duas mãos, os ossos esmagados projetando-se para fora da pele, metálicos como vibranium, enquanto seu aperto aumentava ao redor do pulso humano dele, empurrando-o para longe, girando naquele abraço violento e ficando parcialmente de costas para o Soldado Invernal. Ela sentiu quando o braço biônico dele imediatamente avançou em direção ao seu pescoço, fechando-se ali de forma impetuosa, os dedos atravessando a pele do pescoço dela e a fazendo se sufocar com seu próprio sangue.
Ela ainda conseguiu quebrar o pulso dele, ouvindo-o grunhir alto ao pé de seu ouvido, quando ele a arremessou do outro lado do quarto. O choque foi imediato e doloroso, os olhos dela explodiram com pequenos pontinhos pairando, o fôlego foi roubado de seu peito enquanto o som do baque molhado do corpo dela contra o chão abruptamente. Ela se contorceu, tossindo e soluçando por ar, levando suas duas mãos em desespero em direção ao seu próprio pescoço, pressionando-o enquanto sangue se esvaia por sua garganta. As costas dela se arqueiam brevemente, acompanhados pelo eco vago dos passos silenciosos, porém pesados, dele.
Estilhaços de vidro estalaram sob seu peso, partindo-se ainda mais, enquanto as solas emborrachadas de suas botas de combate absorviam o sangue espalhado pelo chão, criando um barulho incômodo de sucção. Ela tentou se obrigar a se levantar. Tentou se obrigar a se mover, mas estava perdendo aquela luta. Ela trincou os dentes com força, tossindo, lançando-se para a direita conforme a pressão em seu peito aumentava. Os olhos começaram a ficar embaçados, estranhamente desfocados, as cores saturadas, os cantos extremos da visão periférica obscurecendo. Ela não tinha mais muito tempo. Tateando cegamente abaixo de sua cama naquele maldito quarto de hotel, empurrando papéis e alguma coisa áspera que lembrava papelão, ela esticou seus dedos esquerdos ao máximo que conseguia, tentando alcançar o dispositivo acoplado à estrutura da cama em caso de emergências. Os dedos dela se enroscam no dispositivo pequeno no exato momento que a mão biônica do Soldado Invernal se enroscou em seus cabelos, puxando-o com força para trás, um grito de dor teria escapado da garganta dela se não houvesse um ferimento aberto em sua garganta, então tudo o que escapou de seus lábios, foi um gorgolejo.
Usando o restante de suas forças, ela se lançou para trás, contra ele, o suficiente para conseguir prender o aparelho elétrico no braço biônico dele, e o acionando. Há uma fração de confusão do Soldado Invernal, e então, um clic alto. A corrente elétrica lancinante percorreu pelo braço biônico do Soldado Invernal, soltando o cabelo dela ao cambalear para trás, sentindo a corrente elétrica percorrer não apenas seu braço, mas seu corpo inteiro. O cheiro de fios, plástico e carne queimada espalhou-se pelo quarto de forma aguda, uma pequena fumaça escapando por entre os mecanismos do braço biônico, quando ele desabou de joelhos, desorientado, balançando sua cabeça, respirando pesado.
Ela deixou-se espalhar no chão. Os músculos de seu corpo, outrora tensos, se tornaram não apenas amortecidos, desprovendo-a da sensibilidade de seu tato, e substituindo-a para uma sensação de formigamento que se assemelhava com pequenas agulhas sendo fincadas rapidamente contra sua pele, mas, igualmente não havia força alguma para sequer fechá-la. Ela engasgou outra vez, os olhos dela obscurecendo-se mais e mais, a pressão em seu peito, tornando-se quase insuportável, ao espalhar-se por suas têmporas também. Espasmos outrora esporádicos agora se tornam mais frequentes, enquanto ela busca pelo ar que ela sabe que não irá encontrar. Ela está morrendo. Não vai demorar muito mais que isso.
Fechou os olhos, ouvindo-o farfalhar do tecido de seu uniforme de combate e os tic metálicos do braço biônico quando ele se aproximou outra vez. Ela sentiu a mão áspera pressionada contra sua garganta, os dedos calosos pressionando o ferimento na garganta, as unhas fincando-se em sua pele, deixando para trás marcas de meia-lua.
Ela esperou pela inconsciência, pela dormência atraente que iria corroer toda sua existência, reduzindo-a ao completo vazio, ao esquecimento. Mas o golpe final nunca chegou, em seu lugar, o que ecoou por seus ouvidos foi um sussurro em choque do Soldado Invernal.
Uma única palavra escapando de sua voz quase emudecida pela máscara que envolvia seu rosto. Um nome. O dela.

?


Continua...


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Nota da autora: meu erro é entrar no Enredos Cósmicos

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