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Revisada/Codificada por: Calisto

Última Atualização: 21/08/2024
A casa estava escura, o odor pungente de álcool, cigarro e lixo provocava ânsia. A louça estava empilhada em cima da pia, o fogão acumulava o pó por não ser usado, roupas e sapatos faziam pilhas aqui e ali enquanto uma figura se encontrava semiviva em seu estado alcoólico. O único cômodo daquele lugar que era habitável: meu quarto, o qual encontrava-se definitivamente trancado, o dinheiro que juntava com muito esforço e meus pertences eram protegidos pelo inúmero sistema de trancas. Embora guardasse parte do dinheiro no banco, sempre possuía algum em fácil acesso caso precisasse fugir.
Com o novo amanhecer, a cidade pacata de Brenehal aos poucos despertava, as noites costumavam ser movimentadas no lado oeste devido aos adolescentes e motoqueiros da velha cidade. Brenehal era uma pequena cidade esquecida nos anos 80 banhada pelo atlântico e com o mais belo pôr-do-sol. Meu trabalho consistia em limpar a sujeira dos bêbados da noite anterior; meu chefe, um velho ranzinza e respeitável membro da gangue de motoqueiros da cidade, me abrigou e me ofereceu uma chance de sobreviver até que eu possuísse os meios para escapar com as minhas próprias forças deste lugar.
O motor da minha velha moto ecoava como um ronronar de um felino pela estrada que margeava o penhasco ao lado do oceano, o eco das ondas era o meu som favorito, aliado às escassas gaivotas que sobrevoavam a água, o vento frio provindo do mar era o que espantava o sono das noites mal dormidas, toda vez que o sol ia embora, o meu pesadelo iniciava. Um ex-militar com hábitos ruins e uma raiva incontrolável marcado pelas cicatrizes das guerras em outras nações, retornava à casa logo ao após o pôr-do-sol. Sua figura gigantesca carregava litros e mais litros de álcool em seu sistema enquanto espancava furiosamente a porta de meu quarto. A cômoda e o guarda-roupa eram movidos de lugar todas as noites impedindo a entrada do meu responsável legal; minha mãe estava presa por se envolver demais com o narcotráfico, e havia apenas a opção de lutar para sobreviver. Henzel, ou apenas Henny, como era chamado por todos, meu chefe, me encontrou dormindo ao lado das latas de lixo em uma noite estrelada de primavera, logo após fugir e me esconder da figura sombria de meu pai. Henzel me ofereceu abrigo, comida e um emprego; como um animal arrisco, não me comunicava, interagia com ninguém, até que ele me forçou a ir à escola e se tornou meio que responsável pelo meu desenvolvimento como um indivíduo social.

, você chegou!

A voz suave e melódica de Brix me saudou assim que entrei pelas portas do fundo, o bar estava semi-iluminado enquanto as baladas românticas dos anos 80/90 ecoava pelo ambiente.

— Como está o coroa? — indaguei, pendurando o capacete, o casaco e a bolsa ao lado do armário dos fundos.

— Eu já te falei para não me chamar assim, peste! — Henzel surgiu, estalando um peteleco em minha cabeça, sua voz rouca estava mais alta que a música.

— Já não passou da hora de idosos estarem na cama?! — respondi, sorrindo com diversão enquanto via Brix e Alexis rindo baixo, movendo a cabeça negativamente.

— Que atrevimento! Alguns anos atrás, não emitia um pio, e agora está se achando a própria chefe! — Henzel praguejou com o humor ácido enquanto eu lutava para não rir.

— Vamos, pai, você precisa tirar algumas horas de sono, hoje teremos um aumento de público devido ao festival que se aproxima. — Alexis tentou acalmar o seu pai, levando-o em direção ao segunda andar.

— Você está me chamando de velho?! — Henzel olhou para o filho com surpresa, enquanto sua face fechava-se numa careta desgostosa.

— Não é isso, papai! — Brix se aproximou da figura irritante de Henzel, sorrindo docemente como um anjo. — Alexis está apenas dizendo que o senhor deveria descansar.

— Jovens! — Henzel revirou os olhos enquanto seguiu em direção ao segundo andar, no qual encontrava-se a sua casa.

Assim que a figura de meu chefe desapareceu de nossa vista, a risada foi unânime; embora possuísse o espírito jovem e aventureiro, Henzel já era um homem de 75 anos com dois filhos adultos criados por ele e sua esposa, Mary Anne, que falecera aos 65 anos, de velhice. Os gêmeos Alexis e Brix já possuíam 27 anos e auxiliavam o pai a gerenciar o bar e a oficina, eles me tratavam como parte da família.

— Você deveria tomar cuidado pirralha, o velho anda mais ranzinza que o comum ultimamente. — Alexis abraçou meus ombros, ainda rindo.

— Como tem ido o colégio? — Brix tirou os aparatos de limpeza e os trouxe até onde estávamos.

— O colégio tem sido o mesmo desde que estudaram lá. — Empurrei Alexis enquanto seguia em direção as mesas erguendo as cadeiras.

— Nerd! — Alexis “tossiu” enquanto pulava para o lado, escapando de uma embalagem de desinfetante que lancei em sua direção.

— Hey! Chega vocês dois! Querem que a figura amigável do idoso na crise dos 75 anos desça as escadas para nos ensinar bons modos? — Brix se pronunciou, furiosa, enquanto Alexis e eu retornávamos aos nossos afazeres.

Aos fins de semana, auxiliava na limpeza e no atendimento do bar, passava os dois dias por lá sem retornar a minha casa, porém, como ainda possuía um representante legal, não podia ficar tanto tempo fora de casa. Ele causava mais desastres quando precisava me encontrar de quando passava a noite em casa. Então, durante a semana após o colégio, ajudava a servir bebidas e limpar as mesas após o fechamento; o problema era justamente retornar para casa, tinha dias que a figura que eu tinha que chamar de pai estava dormindo, e outros que ele não dava a mínima para a minha presença; esses eram bons dias, os dias ruins eram aqueles que, ao chegar em casa, meu pai estaria me esperando com seu semblante furioso, e se eu não fosse rápida o suficiente, ganharia uns hematomas pelo corpo que me impediriam de ir à escola, ao bar, a qualquer lugar sem que meu corpo denunciasse as agressões.
O problema da cidade pequena era justamente por saberem o que se passava dentro da minha casa, e ninguém fazia nada! Henzel, Alexis e Brix já haviam tentado me ajudar, mas como meu pai conhecia bons advogados e juízes, e não havia testemunhas contra ele, eu estaria presa àquela vida até que fosse maior de idade. Sem amigos além dos gêmeos, eu vivia isolada da galera da minha idade. Não que eu sentisse a necessidade de participar do núcleo de jovens, que muito provavelmente passariam a vida toda naquela cidade, com empregos patéticos, vidas medíocres e perspectivas pequenas. Eu queria viajar o mundo, conhecer e aprender o máximo que eu pudesse sem medo de viver!
Na noite de domingo, o bar estava cheio devido ao festival da cidade, não haviam somente motoqueiros nas mesas ou no balcão, as noites culturais sempre rendiam um bom dinheiro a Henzel; dono do melhor estabelecimento de bebidas e com petiscos da pesca local, recebíamos uma variedade de público.

— Hey, , sua vez de tirar um intervalo! — Alexis surgiu, assumindo a tarefa de encher os copos de cerveja dos clientes.

— Tente sobreviver ao seu grupo de groupies, hoje elas estão sedentas por qualquer interação. — Pisquei um olho para ele, fugindo do jato de cerveja que ele lançou em minha direção.

Rindo, alcancei o lado de fora, sentando-me sobre a mureta que separava o estacionamento de motos do restante do lugar; estava mais próxima dos fundos do bar no qual os sons eram abafados, tornando quase silencioso aquele lugar. Eu inspirava o ar da noite e fechando os olhos, relaxei os músculos balançando as pernas enquanto desfrutava do ar noturno, no entanto, o som de carne sendo esmagada e leves resmungos me fizeram abrir os olhos, espantada. Entre o mar de motocicletas e alguns carros, estava a figura de um garoto sendo espancado por um quarteto de idiotas. Me levantando, segui em direção à briga; o lado positivo sobre a situação em que eu vivia era que, depois de apanhar tanto, você aprendia a revidar.
Comparados a um ex-militar, aqueles garotos não eram nada! Ao invés de intervir chamando a atenção com a minha voz, optei por dar um chute no garoto que possuía um olhar sádico para o que estava apanhando. O sádico foi parar em um canto distante, enquanto os três demais notaram a minha presença, parando de bater no garoto com cara de animal abandonado.

— Quem você pensa que é, esquisita?! — o mais alto deles esbravejou, nem um pouco contente.

— Não é permitido brigas no estacionamento do bar. — Apontei para a placa nas costas deles, indiferente ao modo como fui chamada.

— Quer tomar o lugar dele? — o moreno indagou com um brilho de perversidade, seus olhos analisaram-me de cima a baixo.

— Como se vocês conseguissem me acertar. — Meu tom entediado foi como uma faísca num barril de pólvora.

Os três partiram para cima de mim, seus movimentos eram lentos e desregulados comparados ao meu velho; esquivei-me, distribuindo uns socos aqui, uns chutes ali até espanar a sujeira da minha roupa após a briga. O primeiro garoto que bati foi esperto o suficiente para se manter distante, seus olhos possuíam um toque de espanto e medo; balancei a cabeça, rindo fracamente antes de voltar minha atenção para o garoto que fora o alvo da trupe de idiotas, eu não esperava encontrar um olhar tão intenso, era como se ele pudesse ver minha alma. Aqueles verde-oliva possuíam um brilho de inocência que me assustava.

— Você consegue se levantar? — indaguei, desviando o olhar, notando a figura de Brix surgir pela porta dos fundos como se me procurasse.

— Eu... e... eu consigo... Ai! — ele me respondeu, gaguejando, ao ouvir sua reclamação, me abaixei de modo a ficar no mesmo nível que ele.

— Deixe-me te ajudar! — Estendi minha mão para ele, colocando o braço dele envolta do meu ombro. — Segure-se em mim, você vai precisar ser levado ao hospital. — Ergui-o em meus braços, observando a face dele obter um tom rosado.

— Desculpe. — A voz dele mal passava de um sussurro, meus olhos recaíram sobre ele com curiosidade.

— O que houve para eles te baterem? — indaguei, olhando para frente, nesse momento Brix já havia nos notado, sua face estava presa numa expressão de surpresa.

— É natural que os mais fortes machuquem os mais fracos... — A forma como o garoto pronunciou-se me fez parar no lugar, o olhar dele alcançou o meu e então ele desviou-o do meu.

— Você está errado! Quem lhe fez acreditar nessa idiotice?! — respondi, irritada, não com ele, mas sim com a forma de pensar.

“O que haviam feito com esse garoto?! ”

! — A voz de Brix silenciou as próximas palavras que ele me diria. — , me diga que você não é a responsável por essa confusão! — O suspiro de cansaço e o olhar de agonia ao se voltar para as quatro figuras machucadas no estacionamento.

— Brix, me deixe te explicar tudo lá dentro, ele precisa de ajuda. — Meneei a cabeça, indicando o garoto nos meus braços que havia ficado em silêncio.

O olhar de Brix caiu sobre os meus braços, se surpreendendo por encontrar uma figura ali; ela saiu do meu caminho e abriu a porta dos fundos. Coloquei o garoto sobre um caixote de madeira enquanto procurava Henzel com o olhar, o que ironicamente estava passando por ali.

— Pirralha, estava atrás de você! Seu intervalo acabou há quinze minutos atrás, ajude o Alexis a escapar de suas fãs...— Henzel continuou a despejar sua enxurrada de reclamações e informações.

— Pai, por favor — Brix chamou sua atenção, indicando com um olhar o garoto quieto.

, por favor, me diga que você não é a responsável pelos machucados desse garoto. — Henzel passou as mãos pelos cabelos, se agitando.

— Henny, não fui eu — respondi com firmeza enquanto me levantava calmamente. — Preciso que leve ele ao hospital e ligue para os pais dos garotos lá fora... — Desviei o olhar do mar cinzento revoltoso que eram os orbes de Henzel. — Eu não tive culpa! Eu juro! — Levantei as mãos em rendição.

— É minha culpa! Todo mundo acaba se ferrando por minha culpa! — disse a voz desanimada com um toque melancólico.

Henzel e Brix me olharam assustados, eu balancei a cabeça indicando que não fazia ideia do que havia ocorrido. Os olhos do garoto, até então sem nome, permaneceram no chão, sem olhar realmente para alguém.

— Henny, cuida dele para mim, por favor, tenho que voltar para lá. — Apontei para fora do depósito. — Se cuida, cara, não deixe ninguém pisar em você desse jeito outra vez. — Pisquei para ele antes de deixá-lo aos cuidados de Henzel.

A noite prosseguiu ocupando minha mente, pensamentos inúteis ou barulhentos eram silenciados pelo som das vozes embriagados ao som dos clássicos dos anos 80. Eu senti os olhares de Alexis e Brix o tempo todo, nem um deles flertou ou se aventurou entre a multidão, eu até apreciava o cuidado deles, e com o passar das horas, minha angústia aumentava... Em algum momento, eu teria que retornar ao meu inferno pessoal...




A brisa fria do oceano espantava os demônios interiores, no topo do farol, os pensamentos eram silenciados com a brisa sempre fria. Naquela madrugada, havia escapado por pouco da fúria de meu pai, somente de lembrar de sua presença, me dava arrepios, seu semblante era a encarnação de todos os meus medos... Eu não possuía memórias felizes ao lado dele, minha mãe fora uma figura ausente e tudo o que eu tinha era Henzel, Alexis e Brix como a luz na minha vida. Pularia o primeiro período, mal havia dormido e já havia garantido nota para esse semestre em história; com as pernas balançando sobre o vazio, minha mente esvaziava-se e nada mais importava!

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A semana permaneceu a mesma, os tremores em minha pele apenas aumentaram gradativamente enquanto permanecia atenta ao meu genitor; a cidade de Brenehal era pacata o suficiente e quase nunca chovia, mas, como um presságio de dias ruins, a grande massa de nuvens cinzentas provindas do oceano surgia. Meu velho estava cada vez mais agitado, a minha moto estava cada vez mais veloz na estrada e nada parecia fazer sentido... Como um desastre, assim eu era; até que, em uma tarde chuvosa, antes da abertura do bar, uma figura timidamente esperava do lado de fora. Um guarda-chuva amarelo e botas de chuva laranja berrante acompanhavam a figura que observava as janelas e portas de vidro do bar. Tirando o capacete, me aproximei com certo humor apesar do clima, a figura do garoto que havia auxiliado era o responsável pela combinação chamativa. Rindo do cenário que se encontrava em minha frente me aproximei, o garoto se assustou com a minha figura.

— Precisa de algo? — o indaguei com bom humor.

— E...eu...eu qu... — A voz dele se fundiu a chuva, e não pude entender nada do que ele havia dito.

— Quer saber, venha comigo! Eu não vou conseguir te entender de toda forma. — Dei de ombros, falando mais alto que a chuva o guiando até a entrada dos fundos, tirei as chaves dos meus bolsos, destrancando a porta.

Ele me seguiu em silêncio, atrapalhado, comicamente fechou o guarda-chuva e retirou suas botas gritantes antes de subir as escadas ao meu lado; o guiei para a entrada principal de meu chefe e o que eu considerava o mais próximo de um pai que eu poderia ter.

— Hey, , chegou mais cedo do que esperava hoje pirralha! — Alexis comentou comicamente enquanto bagunçava os meus cabelos úmidos por causa da chuva. — Temos um convidado! — Ele indicou a figura tímida no canto da porta.

— Ele estava do lado de fora do bar, não conseguia o ouvir por causa da chuva. — Dei de ombros, deixando minha jaqueta num dos cabides próximo a porta em que o garoto estava.

— Hey! Você é o garoto daquela noite! — Brix surgiu enrolada em uma toalha.

— S-Sim! — A face dele enrubesceu, o que levou Alexis e eu ao riso.

— Do que raios os dois patetas estão rindo tão cedo no dia?! — Henzel surgiu com sua face travada em uma carranca enquanto segurava uma xícara de café vazia.

— Temos um convidado, papai! — Brix o lembrou, gentilmente.

— E o que você está fazendo aqui desta forma, menina! — Pelo tom de voz de Henzel eu jurava que ele poderia ter um ataque cardíaco a qualquer momento, apesar da idade, ele era um velho forte com braços e pescoço tatuados com os nomes dos filhos e a data de casamento.

— Pai! — Alexis o lembrou de sua saúde.

— Vocês ainda vão ser o responsável pela minha morte! — ele resmungou enquanto ligava a cafeteira. — E você garoto, como está? Sente-se já que esses palhaços não foram nada educados.

— Hey! — Brix, Alexis e eu o respondemos, indignados.

— Está tu-tud-tudo bem, senhor — ele o respondeu, claramente desconfortável pela atenção recebida, evitando olhar em direção a Brix.

— Brix! — Henzel a repreendeu com apenas um olhar antes que ela desaparecesse da vista de todos.

— Eu vou fazer algo para comermos, você tem algo que não goste em específico? — indaguei ao convidado.

— Aproveite para pedir algo, não é muito comum ver se disponibilizar voluntariamente para preparar refeições — Alexis provocou, tentando deixar o garoto confortável.

— Me provoque demais e terá que comer algo apimentado como jantar — o alertei enquanto vasculhava a geladeira.

— Não ouse! — Alexis bradou em ultraje.

O que causou um riso discreto e que passaria despercebido se não houvesse apenas os três naquela cozinha; a imagem do garoto, que até então não havia me dito o seu nome, de alguma forma me lembrou do sol. Seus olhos fechavam-se ao rir enquanto suas mãos cobriam sua boca e seu corpo inclinava-se levemente para trás; ele parecia envolto de uma áurea aconchegante e calorosa de uma alegria genuína! Ao retornar ao que fazia anteriormente, notei o olhar de Alexis sobre mim, com uma sobrancelha arqueada como se compartilhasse uma piada que somente ele entendia. O ignorando, me concentrei na tarefa de cozinhar enquanto Alexis e Brix, a qual retornou após vestir as suas roupas, procuraram deixar o garoto mais à vontade, comentava algumas coisas esporádicas enquanto procurava não queimar a comida. O nome dele era , ele era alguns meses mais velho que eu e estudava na classe ao lado da minha, seu hobbie era pintar enquanto o restante dos garotos praticava esportes. Brix e Alexis o importunaram até que Henzel retornou à cozinha após eu anunciar que a comida estava pronta.

— Hoje vocês não abriram o bar? — indagou, auxiliando Brix na limpeza após a refeição.

— Henny tirou o dia para descansar, sempre acontece algo do tipo após os festivais culturais, aconteceu apenas de ser nessa semana chuvosa. — Dei de ombros enquanto secava os pratos entregando-os um a um nas mãos de Alexis.

— Irônico que a nossa tenha convidado um cara tão fino e engraçado como você, , como você a suporta no colégio?! — Alexis provocou, se esquivando de uma cotovelada.

— Não vou fazer a lasanha no seu aniversário! — Olhei irritada para Alexis enquanto deixava o pano de prato sobre o balcão.

! Não faz isso com o seu irmão favorito! — Alexis implorou com a face em uma expressão de animal perdido.

— Bem feito! Quem manda provocar a fera! — Brix ria enquanto observava tudo tranquilamente.

— Hey! Cala a boca, Brix! Você adora a lasanha da tanto quanto eu! — Alexis a lembrou, indignado.

— Pelo que estão discutindo, agora? — Henzel surgiu com a face travada em sua habitual expressão ranzinza.

— Alexis cometeu o erro de irritar e agora não teremos a lasanha dela no nosso aniversário — Brix entregou Alexis sem qualquer remorso.

— Eu já nem sei mais o que digo a vocês! Perdoem a vergonha que meus filhos idiotas estão o fazendo presenciar, . — Henzel se direcionou a enquanto lançava olhares de repreensão a Alexis, Brix e a mim.

— Eu sou a vítima da história! — Alexis se pronunciou, indignado.

— E eu sou o Papai Noel! — Henzel revirou os olhos, ignorando o drama do filho.

— Está ficando tarde, quer uma carona? — indaguei a enquanto o levava até o saguão do primeiro andar.

— Não pr... precis... precisa se incomodar — voltou a gaguejar.

— Eu te causo algum desconforto? — perguntei, sendo direta demais, e vi surpresa nos orbes de .

— Não é isso... — A voz dele voltou a ficar baixa.

— Por que, quando estamos sozinhos, você fica mais fechado? — devolvi a pergunta, me apoiando contra o balcão, as luzes haviam sido desligadas e, como havia parado de chover, a lua iluminava o ambiente através das portas de vidro.

— Eu só fico tímido quando estamos sozinhos — confessou com a face avermelhada, apesar de virar a cabeça, escondendo-se do meu olhar.

— Eu não mordo, . — Acabei rindo, achando-o adorável.

— Eu sei, mas você é tão confiante, forte, independente e tem seu próprio emprego, que chega a inspirar na mesma proporção que intimida, . — Se não houvesse parado de chover e estivéssemos apenas os dois, eu não teria o escutado.

— Eu não sou tão boa quanto me faz parecer. — Vesti meu agasalho enquanto me encaminhava para a porta pela qual havia entrado.

— Você é incrível, ! — Martins correu para me alcançar, porém, ao passar pela porta, ele escorregou nas próprias botas, quase caindo no chão se eu não houvesse o segurado minutos antes.

— Você deveria ter mais cuidado, parece que estou sempre o salvando — o provoquei em bom tom, vendo a vermelhidão ficar ainda mais intensa enquanto ele se virava de costas.

Deixei o assunto de lado, apenas o observando vestir as botas e segurar o guarda-chuva com cuidado. Indiquei para que ele saísse, antes de gritar uma despedida e tranquei a porta outra vez; seguindo para o estacionamento vazio, as poças formadas após a chuva faziam parecer que pedaços da galáxia haviam se derramado por ali, a beleza era indiscutível, mas, apesar do que estava diante meus olhos, a figura de foi o que me chamou ainda mais atenção; não foram as suas botas ridiculamente laranjas ou seu guarda-chuva amarelo vibrante, mas sim o seu olhar, a face de deslumbramento ao apreciar algo belo com o toque de inocência e algo juvenil me encantou.

— A coisa mais linda que eu já vi. — Meus pensamentos escaparam por meus lábios ,tirando do seu transe de pensamentos.

— Sim, algo belo demais! — Ele sorriu em concordância completamente alheio ao que havia me referido.

Desviei meu olhar contra a vontade, escondendo a face com um atípico sorriso com o meu capacete; ergui o banco da moto, retirando um capacete extra que era comumente usado por Brix devido a sua aversão a dirigir motos; embora ela própria possuísse uma. O lancei para , ele pegou o objeto com um olhar agradecido, o fato era que aqueles olhos pareciam enxergar a minha alma e isso me assustava demais ao mesmo tempo que me fascinava.

— Obrigado — ele me respondeu com um tímido, mas deslumbrante sorriso.

Subi em minha moto após descer o banco, engatei a chave ligando a moto enquanto retirava com um pé o apoio e mantinha ela firme com o outro.

— Suba. — Sinalizei para ele, seus cabelos esconderam os olhos enquanto virava a face para o outro lado e colocava o capacete em sua cabeça.

Constrangido, ele subiu no banco, tentando se equilibrar de algum modo sem que me tocasse; o riso escapou involuntariamente por meus lábios perante a timidez expressa em seus atos que o deixava a cada minuto ainda mais adorável.

— Não há onde se apoiar, sugiro que deixe esse guarda-chuva por aqui já que será complicado carregá-lo agora. — Lancei uma piscadela enquanto tirava o pé do chão, acelerando devagar.

não me respondeu, as palavras que ele gostaria de me falar ficaram presas em seu olhar enquanto lançava o guarda-chuva no chão do estacionamento ao mesmo tempo em que envolvia minha cintura com seus braços enquanto eu acelerava a moto saindo do estacionamento. As ruas estavam vazias enquanto eram salpicadas por poças de água e vislumbres das estrelas; eu não queria retornar ao meu pesadelo, mas não poderia impor minhas vontades sobre , com isso, estacionei diante da fachada alegre de sua casa após seguir as instruções que ele havia sussurrado próximo ao meu ouvido enquanto dirigia pelas ruas desertas de Brenehal. Ele saltou para o chão e parou a minha frente, retirando o capacete, seus olhos encontraram os meus quase que de imediato.

— Obrigado por hoje. — Mesmo de costas para o poste de luz, era possível enxergar as maçãs do rosto rosadas enquanto ele abaixava a cabeça de modo tímido, o cricrilar dos grilos era mais alto que a voz tímida de .

— Você possui um toque de recolher? — indaguei, incapaz de controlar meu impulso, me olhou surpreso ao mesmo tempo que parecia feliz por não encerrar as coisas por ali.

— Não — ele admitiu, visivelmente envergonhado, suas mãos escondiam-se em seus bolsos enquanto seus olhos alternavam entre minha figura e o asfalto.

— Venha comigo então. — Pisquei para ele, entregando novamente o capacete enquanto ligava novamente o motor.

— Para onde iremos? — ele me questionou, animado, embora sua voz possuísse o embaraço por nossos corpos estarem tão próximos um do outro.

— Você verá. — Sorri tranquilamente, seguindo em direção oposta em que estávamos.

Ao estacionar em frente ao farol, me deu um olhar nervoso, com receio de estar participando de um ato ilegal; rindo de seu claro nervosismo, abri a porta de ferro maciça com uma chave, passava tanto tempo por ali que o responsável pelo local havia me dado uma cópia das chaves.

— Não se preocupe, docinho, eu não sou a encrenqueira que costumam espalhar por aí. — Dei de ombros, adentrando o local e seguindo em direção as escadas, não muito tempo depois, ouvi o som de passos me seguindo.

— Eu não penso que você seja a pessoa que todos falam a respeito. — A voz de mal passava de um murmúrio envergonhado, embora a veracidade escapasse em cada palavra proferida.

— Você é livre para decidir sobre o que pensa, , não precisa temer a minha reação — o respondi, tranquilamente, sem olhar para ele uma única vez até que atingisse o topo do farol.

As palavras que iria proferir ficaram em seus pensamentos ao chegar ao topo do farol; eu entendia o porquê. Abaixo de nós, estendia-se o infinito oceano estrelado, não parecia haver divisão entre o céu e a água... Eu amava a vista daquele lugar. e eu nos aproximamos da grade, ele se apoiou enquanto seus olhos brilhavam ao se deleitar com o horizonte.

— Eu sei, esse lugar é demais — comecei, baixinho, me juntando a ele.



Eu o deixei em sua casa após as 2 da manhã, havíamos passado um longo tempo em silêncio apenas observando a paisagem. Aos poucos, iniciou timidamente uma conversa, seus olhos evitavam os meus algumas vezes. Me sentia confortável em conversar com alguém além de Henny, Brix e Alexia, pela primeira vez em muito tempo. Eu não sabia exatamente o que ele possuía, ainda era muito cedo para tirar conclusões, mas mesmo assim ele conseguiria me fazer abaixar a guarda e relaxar em sua presença.
Eu não queria voltar para casa, eu odiava aquele lugar! Todos os dias, eu tinha que retornar a toca do lobo; minhas mãos tremiam nos guidões ao me deslocar até lá. A moto sempre ficava estacionada próxima a minha janela caso eu precisasse fugir, todos naquela cidade sabiam a respeito da minha situação, preferiam me tornar a vilã da história quando tudo o que havia pedido foi socorro.
O som do motor soava muito alto naquela madrugada, retirei as chaves da ignição, respirando fundo mentalmente, pedindo ao universo que a figura de um certo militar estivesse fora ou desmaiado no sofá. Eu deveria imaginar que não era tão querida assim pelo cosmo, mal havia tocado na maçaneta quando a porta abriu-se num rompante e a mão calejada de meu pai segurou meus cabelos, me jogando para dentro...

Dor foi tudo o que eu pude sentir.

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Despertei numa cama hospitalar, doía para respirar, meus olhos ardiam e eu sentia dores por todo o meu corpo. Eu conhecia a decoração desse quarto, era o mesmo para qual eu era enviada todas as vezes que meu velho perdia o controle. Não havia mais lágrimas porque elas já haviam secado há muito tempo. Meu braço esquerdo estava apoiado numa tipoia, ataduras cobriam várias regiões do meu corpo. Eram apenas mais cicatrizes a serem acrescentadas...

— Por que ele apenas não me mata de uma vez?!

E como todas as vezes que eu perguntava, nenhuma resposta era obtida; não havia quem pudesse me socorrer ou até mesmo me libertar. Eu estava cansada de tudo.

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Como todas as vezes que ocorriam incidentes como esses, meus deveres e provas já haviam sido feitos e corrigidos. Nunca por mim, mas por pessoas que acobertavam os atos hediondos daquele que eu tinha que chamar de pai; olhares desconfiados, sussurros aqui e ali eram parte da minha rotina. Não havia mais o que fazer. A caneta deslizava pelo papel suavemente enquanto copiava as informações do quadro; apesar dos rumores, eu era uma boa aluna. O estudo além do dinheiro eram as únicas ferramentas que poderiam me tirar daquela cidade, por conta disso, me dedicava com afinco em conquistar ambos.
Devido à internação, consequência dos atos de meu velho, ele estava na dele, Henny havia tentando me convencer a morar com ele e seus filhos, mas eu não queria colocá-los em risco devido as ações de meu pai. Anteriormente havia sido avisada que Henry Henzel poderia sofrer grandes consequências caso me ajudasse. Dessa forma eu tentei me convencer de que escaparia, que haveria um fim para todo esse pesadelo. Mas, dia após dia e noite após noite, nada mudava; havia passado por cirurgias mais vezes do me lembrava, meus ossos foram colocados em seus lugares diversas vezes. Após o fim da última aula, resolvi subir ao terraço com a intenção de finalizar tudo, estava cansada de lutar e odiava causar tanto transtorno àqueles que me ajudaram. Antes de alcançar o terraço, havia uma sala usualmente vazia, mas naquele instante, a figura de um garoto em frente a um quadro era tudo o que via; foram a paisagem e a figura feminina retratadas na tela que me fizeram vacilar. A garota retratada na tela era eu, a paisagem era a mesma da noite estrelada após a chuva torrencial e quem havia retratado tudo fora a tímida figura de .

— Eu não sabia que pintava.

Minha voz o assustou, ele pulou de seu banco em frente à tela. Seus olhos encontraram os meus automaticamente, havia uma preparação não dita enquanto ele descia seu olhar pelo meu corpo numa análise.

— Você não vai encontrar feridas abertas. — Minha voz soou baixa, mas ainda assim séria.

Ele se aproximou receoso, o observei com curiosidade. era uma figura conhecida por todos, sua timidez atraía idiotas e, por vezes, já o vi ser salvo por seus amigos, os quais atualmente quase não os via pelos corredores. Éramos como água e óleo, ele era fácil de ler, transparente e honesto, enquanto a densidade de emoções em mim tornava tudo turvo, se aproximar de mim era furada.

— Seus olhos pedem socorro, . — Embora houvesse um rubor permeando as maçãs do rosto dele, ainda assim ele tocou minha face, secando uma lágrima que eu não havia notado cair.

era poucos centímetros maior que eu, já o havia carregado uma vez, embora fosse magro, ele era atraente ao seu próprio modo. No entanto, não era a beleza, ou qualquer aspecto físico que me atraiu; possuía sinceridade em seu olhar, seu jeito tímido e honesto ao mesmo tempo curioso e com um brilho de inocência estava me atraindo feito ondas magnéticas. Poucos haviam se arriscado em me dizer algo, havia passado quase toda a minha vida solitária tendo apenas os gêmeos e um velho ranzinza como companhia.

— Eu estou quebrada, .

O silêncio naquela sala se prolongou após minha última fala, meus olhos desviaram para a pintura que havia me deixado sem palavras. Não entendia de arte, mas o que estava diante de meus olhos era simplesmente arrebatador!
Então, sem dizer qualquer palavra, me pegando de surpresa, me abraçou; seu calor aqueceu meu interior gelado e vazio. Era um conforto que nunca havia recebido, já que a família Henzel não era dos mais chegados a demonstrações físicas de afeto; o perfume de era suave e reconfortante, ele me abraçava com firmeza, quase temendo que eu escapasse. Relaxei meus músculos, envolvendo meus braços ao redor dele, apoiei minha face contra o ombro dele, deixando as lágrimas silenciosas escaparem.

“Fora a primeira vez que chorei na frente de alguém.”

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O quarto de era simples, possuía uma cama de casal, uma mesa para estudos e um guarda-roupa que ocupava toda uma parede. O ambiente era claro e bem arejado, estava deitada nos braços dele, o quadro estava pendurado acima da cabeceira da cama; eu não entendia essa conexão entre nós, mas tudo o que eu sabia era que estava começando a me apaixonar por .

— Qual a sua cor favorita ? — perguntei após o responder sobre meu prato favorito.

— Verde — ele me respondeu em seu típico tom baixo.

Estávamos nisso desde que chegamos à casa dele, eram feitas perguntas aleatórias de modo a conhecer melhor um ao outro. O convite para ir a sua casa pareceu tão certo quanto ir ao bar de Henny, uma escolha instintiva tão natural quanto respirar, mas essa conclusão me deixava assustada pelo pouco tempo que nos conhecíamos.

— Você é um artista, mas não possui nada extravagante, em teoria, artistas não deveriam ser espalhafatosos? — indaguei-o com certa diversão, os olhos de desviaram dos meus enquanto o rubor coloria sua face.

— Eu não contei a minha família que eu sou um pintor. — Ele cobriu a face com ambas as mãos. — Não sou muito confiante em meu trabalho com a tinta. — A voz dele soou abafada por causa das mãos que cobria sua face.

— Você não precisa se envergonhar. — Me sentei na cama, segurando os pulsos dele com suavidade. — Ser capaz de colorir uma tela em branco com algo único é impressionante, eu admiro o que faz porque você cria suas pinturas do zero! Isso não é algo que qualquer um consiga fazer! — Minhas palavras refletiam o que eu sentia, aos poucos ele descobriu a face segurando minhas mãos no lugar.

— É o que pensa? — Ele parecia uma criança receosa, naquele momento, ele estava incrivelmente adorável.

Inclinei minha face na direção dele, capturando seus lábios nos meus. Ao invés de me tocar como qualquer garoto assim o faria, apenas me permitiu tomar o controle enquanto mantinha suas mãos entrelaçadas as minhas. Por esse ato e muitas outras razões, estava ganhando meu coração.

— Não há qualquer razão em mentir para você, — afirmei após finalizar o beijo, nossas respirações se misturavam enquanto permanecíamos cara a cara.

— Hey, de quem é aquela moto estacionada na frente de casa?

A porta do quarto fora aberta de repente e uma figura nem um pouco desconhecida invadiu o quarto de , que se sentou num rompante, ajustando suas vestes; reconhecia a postura adotada por , a defensiva indicava que o invasor não era alguém que ele possuía um bom relacionamento, a mandíbula tensionada e os braços cruzados foram a resposta de meu questionamento mental, a figura invasora era o responsável por pensar tão pouco sobre si mesmo.

, eu deveria imaginar já que a moto é familiar — Franz me saudou odiosamente em seu tom mordaz de enojo.

— Quem poderia imaginar que um lixo como você poderia ser um familiar de um garoto tão bom. — Me levantei sem me intimidar pela figura de Franz, meu tom havia sido o mesmo que ele utilizara.

— O que uma perdedora como você pode saber?! — A voz de Franz subiu uma oitava enquanto sua irritação começava a surgir.

— Franz, já chega. — A voz baixa de fez com que os olhos furiosos de Franz recaíssem sobre ele.

— Chega? Você que provocou tudo isso ao trazê-la para casa, irmãozinho. — A acidez e agressividade eram dirigidas de forma a machucar meu querido pintor.

— Alexis não esqueceu da sua última burrada, Franz, seria prudente da sua parte não passar dos limites. — Minha voz havaiana saído completamente inexpressiva enquanto o olhava com asco.

— Você e toda aquela família pode muito bem ir se foder! — Franz se aproximou tempestivamente enquanto cuspia suas palavras com ódio.

Sinalizei para que Martins permanecesse onde estava, ao notar seu movimento em minha direção com a aproximação de Franz; e antes que Franz tivesse qualquer tempo para direcionar um olhar a , meu punho acertou em cheio o seu nariz, segurei a nuca dele, o levando para o corredor para não sujar o quarto de . Minha outra mão segurou o braço direito de Franz de modo que ele não tentasse nenhuma gracinha. Ao atingir o quintal dos fundos, chutei uma das panturrilhas do babaca.

— Você realmente não aprende! — O olhei com tédio enquanto ele se levantava com um olhar mortal.

— Você vai se arrepender, . — Ele se lançou em minha direção, a risada irônica escapou de meus lábios enquanto segurava o pulso esquerdo dele ao desviar de um gancho de direita.

Levei novamente o braço as costas dele, o forçando a se ajoelhar, ele se debatia furioso enquanto despejava palavrões até minha décima geração.

— Acredite, eu peguei leve com você. — Levei a mecha de meu cabelo atrás da orelha, forçando o braço dele um pouco mais para calá-lo com a dor assim que ele retornou a me ofender. — Sua guarda continua horrorosa, seus movimentos são lentos e previsíveis. — Observei a área em que estava sem muito interesse, na janela do segundo andar, estava a figura temerosa de . — Você não tem ideia do quanto tem sorte, bastardo. — Indiquei para descer antes de retornar minha atenção para Franz. — Tem muita merda que a justiça não descobriu sobre você, então me escute com atenção, eu não vou repetir: se você tocar nem que seja num fio de cabelo de , você é um homem morto! — O chutei, derrubando-o contra a grama. — Não pense que eu esqueci que foi o responsável pela prisão da minha mãe, você não vai querer um militar no seu calcanhar após ele descobrir o que você fazia nas costas dele com a sua esposa. — O horror e medo foram suficientemente satisfatórias antes que eu deixasse a figura estendida de Franz em seu quintal.

— O mesmo vale para você, . — Ele custou a falar.

— Eu jamais machucaria — o respondi com firmeza encerrando de vez a conversa.

me aguardava pacientemente o lado de minha moto, sorri com tranquilidade para ele antes de me aproximar. Ele me analisou minuciosamente, segurando minhas mãos, preocupado.

— Eu estou bem. — Baguncei o cabelo dele, rindo tranquilamente antes de tirar o capacete extra para .

— Sua mão não está bem, . — Era a primeira vez que ele me chamava pelo nome.

A surpresa deu lugar ao riso, ossos quebrados doíam e não apenas escoriações que eu possuía na mão direita. Subi sobre a moto, ainda rindo, vendo-o me olhar sem entender.

— Eu estou bem, . — Pisquei para ele, indicando para ele se apressar. — Seu irmão nunca foi um bom lutador, eu sou mais forte do que pareço.

— De onde conhece meu irmão? — Havia um impasse na sua voz que quase me levou a mentir pelo próprio bem dele.

— Você não vai querer saber, digamos que tenha alguns rumores que não estão exagerando ao meu respeito. — O motor rugiu abaixo de mim após ter girado a chave na ignição.

Sem me pressionar por maiores explicações, apenasse sentou abraçando firmemente minha cintura. Abaixei a viseira dele antes de fazer o mesmo com a minha; em silêncio, deixamos a sua casa em direção ao melhor bar da cidade que também era minha verdadeira casa.


Continua...


Nota da autora: Turned Cold nasceu a partir da letra da música Vou deixar do Skank; aleatório, não é mesmo?! Procurei me aprofundar em emoções e dramas reais, fugindo completamente da minha zona de conforto na escrita, espero que tenham apreciado a história.
Atenciosamente, autora Karoline Pereira.

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