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Codificada por: Saturno 🪐

Última Atualização: Setembro/2024.

Amanda tentou abrir os olhos devagar, com certa dificuldade por causa da luz forte ao redor. Piscou algumas vezes enquanto focava nas paredes extremamente brancas, até o som do ambiente invadir seus ouvidos. Estava em um hospital?
Hey, you are awake… — A garota franziu a testa ao ouvir o homem que entrava no quarto, usando uma roupa vinho e jaleco, falando que ela estava acordada. — How you feel? — Estava ficando louca ou o médico estava perguntando como ela se sentia, em inglês.
Good…? — Decidiu responder também em inglês, esperando que aquilo fizesse de alguma forma o surto passar.
OK, that's… — o surto não passou, o médico ruivo e simpático continuava falando em inglês e Amanda não podia estar mais confusa. — Está sentindo alguma coisa? — ele tocou seu braço ao perguntar, ainda em inglês, Amanda agradecendo aos céus por ser bilíngue.
— Só um desconforto e… Por que raios você está falando em inglês? — A expressão do médico foi a mesma que ele faria se Amanda tivesse dito que era uma alienígena.
— Estamos nos Estados Unidos, até onde sei inglês é nossa língua materna… — tentou brincar, mas seus olhos demonstravam preocupação ao deixar de lado o tablet que tinha em mãos. — Não se lembra onde está?
Amanda parou por alguns minutos, olhando fixamente para o médico, procurando por uma resposta àquela pergunta. Sentia-se completamente perdida porque parte de sua mente parecia uma folha em branco e outra parecia borrada.
— Lembro que sou brasileira, meu nome é Amanda Rodrigues e… — o médico a encarava atento, esperando que ela continuasse — e… eu… — Amanda pressionou o polegar e o indicador na testa, forçando-se a lembrar de mais alguma coisa, sem sucesso.
— Calma, você bateu a cabeça, é normal estar confusa… — ele sorriu amigável e Amanda assentiu levemente — meu nome é William Halstead, você tá no Chicago Med e foi trazida pra cá depois de sofrer um acidente.
O nome do hospital deixava claro em que parte dos Estados Unidos ela estava. Mas aquilo a fazia pensar, sabia que era brasileira, mas não tinha ideia de que parte do Brasil. Voltou-se novamente para Halstead, não deixando de observar como era bonito. Duas batidas na porta aberta, a tirou de seus pensamentos e fez tanto ela como o médico olhar na direção da porta. Era um bombeiro, pelo que Amanda percebeu nas roupas e na logo bordada na camisa polo azul marinho. Os olhares dos dois se encontraram por alguns segundos, antes do Dr. Halstead pedir licença a ela e se aproximar do bombeiro, que não tirou os olhos de Amanda até o médico chegar no corredor.
— Como ela está, Will? — Indicando a direção do balcão, Will Halstead deu dois passos para o lado, ambos saindo do campo de visão de Amanda, antes de responder.
— De modo geral, está bem, Casey. — Colocou o tablet sobre o balcão — ela não se machucou e os exames não indicam algo anormal. Mas ela está bem confusa, não lembra muita coisa, disse que o nome é Amanda… Ela chegou a falar alguma coisa quando a atenderam no local?
— Não, ela estava desacordada quando chegamos… Dawson e Shay fizeram um atendimento rápido e já trouxeram ela pra cá… — Casey cruzou os braços com uma expressão confusa — por que a pergunta, Doutor?
— Ela não é daqui, é do Brasil e ficou bem confusa quando eu disse que estamos nos Estados Unidos. — O Tenente Casey olhou na direção do quarto, mesmo que não pudesse ver a garota.
— E ela disse algo sobre conhecer o Quartel 51? — Voltou-se novamente para Halstead, recebendo uma negação com a cabeça como resposta.
— Se precisar, só me chamar. — Will deu um leve sorriso e se afastou.
Assim que ficou sozinho, Casey descruzou os braços e colocando as mãos nos bolsos, se aproximou do vidro do quarto. Observou Amanda por alguns minutos, ela olhava para a janela e os cabelos cacheados se espalhavam pelo travesseiro. Muitas perguntas rodeavam sua cabeça, coisas que nem mesmo sabia se ela conseguiria responder. Pensou em entrar, mas antes de fazê-lo, sentiu alguém chegar ao seu lado, Kelly Severide olhava também pelo vidro.
— Já falou com ela? — Severide perguntou olhando para frente.
— Ainda não…
— Boden mandou que fiquemos de olho e avisasse a ele sobre o estado dela. — Casey apenas assentiu.
Amanda virou o rosto, como se sentisse que estava sendo observada. Encontrou novamente o par de olhos azuis do bombeiro a observando. Acabou sorrindo um pouco sem graça e ele correspondeu o sorriso, então Amanda encontrou outro bombeiro logo ao lado. "Ter olhos azuis é requisito para ser bombeiro por aqui?", pensou consigo e riu de si mesma, pelo pensamento tão bobo, enquanto os dois entraram no quarto.
— Oi, Amanda. Eu sou o Tenente Casey e esse é o Tenente Severide — viu o segundo cumprimentar com um simples aceno, ele tinha um olhar desconfiado — nós ajudamos você no acidente…
— Obrigada, Tenente. — Ela continuou olhando diretamente para Casey e sorriu em agradecimento. Os olhos dele transmitiam confiança, sentia-se segura só de olhar para eles, não precisava ter medo, por mais assustador que aquilo tudo estava sendo.
— Amanda, precisamos te fazer uma pergunta… — Severide deu um passo à frente e Casey estendeu a mão para impedi-lo.
— Severide, podemos deixar pra depois…
— Não, tá tudo bem — Amanda interveio e suspendeu o corpo na cama, ficando sentada — o que precisa saber, Tenente? — Os dois trocaram um olhar, antes de Severide voltar-se novamente para a garota.
— No acidente, você estava usando uma camiseta que nos deixou bem confusos — Amanda franziu o cenho, olhando de um para o outro, esperando que ele explicasse melhor — tinha nossos rostos estampados na sua camiseta.
Amanda arregalou os olhos e abriu a boca, mas não conseguia emitir qualquer som. Aquilo não fazia sentido algum porque não tinha ideia de quem eles eram… Olhou para Casey novamente, encontrando um olhar preocupado. Não esqueceria daqueles olhos se já os conhecesse. Se bem que sua cabeça estava parecendo um grande labirinto confuso e sem sentido no momento, talvez esquecesse. Mas…
— Na camiseta? — ela voltou a olhar para Severide ao conseguir perguntar. — Okay, isso é um tanto louco e constrangedor.
Os três ficaram em silêncio, Severide e Casey trocaram olhares e então Amanda os encarou alternadamente. Procurando em algum lugar dentro de sua mente, se lembrava deles ou porque usava a tal camiseta que ela nem sabia da existência.



Depois de dois dias em observação, vários exames e a comprovação de que não havia nada de errado com sua cabeça, Amanda foi liberada do hospital. Mesmo sem ter ideia do que fazer ou para onde ir, poderia procurar por um hotel, mas com que dinheiro pagaria? Não havia documentos, celular ou qualquer outra identificação quando foi atendida - conforme o Dr. Halstead informou.
Enquanto arrumava a mochila, pegou novamente aquela camiseta. Olhou por alguns minutos a estampa, era mesmo os bombeiros ali. Os Tenentes Casey e Severide, que conheceu dias antes e outros que não conhecia - ou não se lembrava que conhecia. Focou no rosto de Casey e passou os dedos suavemente pelo tecido, lembrando-se dos olhos dele a encarando preocupado. Se pegou sorrindo e pensando se o veria de novo.
— Amanda? — A voz de Halstead invadiu o quarto, a assustando, e ela se virou rápido para ele — desculpe, não quis te assustar.
— Tudo bem, tava só pensando…— soltou a camiseta dentro da mochila.
— Alguém veio vê-la. — Então Casey apareceu na porta, com um sorriso sem graça e um aceno. Seu desejo foi realizado mais rápido do que pensou ser possível.
— Tenente Casey, oi! — Não conseguiu disfarçar a alegria, com um largo sorriso, logo se sentindo uma boba por ser tão transparente.
— Will me disse que teria alta hoje e… — ele olhou para o médico, procurando as palavras — queria saber se tem para onde ir.
— Na verdade, não tenho ideia — abriu os braços e respirou fundo, então olhou para a mochila — vi a camiseta que falaram, pensei que ativaria alguma memória, mas nada.
— Pode ser uma amnésia momentânea e voltará com o tempo. — Dr. Halstead tentou tranquilizar — não há mais nada que possamos fazer, talvez você voltando a rotina, ajude.
— Só preciso descobrir que rotina é essa, Doutor. — Ela riu ao passar a mão na nuca e os outros dois a acompanharam numa risada baixa.
Até Casey dar um passo à frente e com os olhos fixos nos dela, fazendo Amanda sentir a respiração falhar por um segundo, fazendo um convite.
— Pode ficar no Quartel 51, onde trabalho, pelo menos até descobrirmos o que tá acontecendo. — Mais uma vez aquela sensação de que estava segura, de que podia confiar nele de olhos fechados.
— Não precisa fazer isso, Tenente, não quero atrapalhar e…
— Não vai atrapalhar — ele a interrompeu com um sorriso — estará segura lá, prometo. — Mal sabia que para ela, não precisava prometer aquilo. Então Amanda assentiu e voltou-se para o Dr. Halstead.
— Muito obrigada, Dr. Halstead. — Ele se aproximou de Amanda com um sorriso e tocou em seu braço suavemente.
— Espero que fique tudo bem e precisando, só voltar aqui, qualquer coisa diferente que sentir. — Ela assentiu em resposta e Will saiu depois de se despedir de Casey com um aceno de cabeça.
No estacionamento, ao se aproximarem do carro, Amanda olhou para o adesivo na porta da camionete, onde dizia "M. Casey Construção". No mesmo instante, sentiu uma sensação de deja vu, como se já tivesse visto aquele carro em algum lugar. Aquilo a fez titubear e sentir uma tontura que quase a fez cair. Mas estando atento, num movimento rápido, Casey a segurou pelos braços para que não caísse.
Foi algo extremamente rápido e em segundos sentiu-se bem novamente. Mas Amanda já estava ali, com Casey a segurando e os olhos dele fixos nos dela. Ficaram parados, presos no olhar um do outro, por minutos longos o suficiente para deixar a situação constrangedora. Casey a soltou e Amanda desviou o olhar, coçando a garganta ao voltar-se para o carro rindo, entendendo o que aconteceu.
— Quer voltar? Se estiver se sentindo mal, volto com você e...
— Não, fica tranquilo, foi só uma sensação estranha. — Coçou a testa, com um sorriso sem graça — talvez eu já tenha visto seu carro em algum lugar.
— Isso é um bom sinal, talvez esteja se lembrando. — Ele abriu um sorriso, que Amanda fez o máximo esforço para não se sentir afetada e entraram no carro.
Uma rádio qualquer de música estava ligada e nenhum dos dois parecia ter algum assunto para conversar. Então Amanda aproveitou o momento para admirar as ruas movimentadas de Chicago, um lugar totalmente novo para ela. Teria se mudado para a cidade para estudar? Trabalhar? Foi sozinha? Com a família? Com amigas? E se fosse o caso, como ninguém a procurou? Sua expressão facial denunciou sua confusão e ansiedade com toda aquela situação, porque a voz de Casey a tirou de seus pensamentos.
— Isso deve ser assustador, não se lembrar. Mas vai ficar tudo bem, vamos ajudar você. — Amanda o observou por alguns segundos, antes de sorrir levemente, sentindo os olhos um pouco marejados.
— É tudo muito confuso.
— O que se lembra? — perguntou cauteloso, sem tirar os olhos da rua.
— Que meu nome é Amanda Rodrigues, tenho 25 anos, ou algo próximo a isso, sou brasileira e… — tentou pensar em mais alguma coisa antes de continuar — E que o Brasil fica na América do Sul.. Mas isso é meio irrelevante no momento, né? — Os dois riram e Amanda sentiu-se um pouco mais leve que alguns minutos atrás.
Chegando no Quartel, Amanda olhou a fachada enquanto bateu a porta do carro e depois para as viaturas estacionadas, sentiu uma sensação estranha, talvez precisasse comer alguma coisa. Então caminhou ao lado de Casey para dentro do Quartel, ignorando o sentimento de segundos antes.
— Bom gente, essa é a Amanda… — Casey apresentou ao chegarem no refeitório e verem todos ali.
— Oi pessoal — ela acenou, ainda bem sem graça e sem saber muito bem como agir.
— Você parece bem, ficamos felizes que não se feriu gravemente — na camiseta da mulher morena e de sorriso largo, pôde ler “paramédico” abaixo do logo do corpo de bombeiros. — Sou Gabriela Dawson, prazer.
— Sim, só tem alguns parafusos soltos aqui dentro… — Amanda brincou apontando para a própria cabeça.
— Ah, mas isso quase todos aqui também tem… Não é, Otis? — disse um dos que estava na mesa redonda logo atrás do sofá, que ela soube mais tarde ser Herrmann, arrancando uma risada de Amanda e fazendo Otis rolar os olhos.
Não fazia nem cinco minutos que chegou ali e já estava gostando de todos. Então, em meio aos cumprimentos e apresentações, um homem saiu de uma porta aos fundos do refeitório. Apesar do sorriso simpático, tinha uma postura diferente dos outros, com uma mão na cintura se apresentou como o chefe do quartel 51, Wallace Boden.
— É muito bem vinda, pelo tempo que precisar, Amanda.
— Muito obrigada, Chefe Boden.
"Ambulância 61, Viatura 81, Esquadrão 3, incêndio estrutural"
Amanda olhou em volta ao ouvir a voz do alto-falante acompanhada de uma sirene. Todos se levantaram e correram para o chamado, mas antes de sair, Casey olhou para Amanda e tocou seu braço.
— Voltamos em breve, fica a vontade — ela sorriu e assentiu rapidamente, garantindo que estava bem, então o viu correr e passar pela porta dupla.
Ao ficar sozinha no quartel, com exceção do pessoal na administração ao lado da sala de Boden, abraçou o próprio corpo e olhou em volta. Então saiu do refeitório e caminhou pelo corredor, até chegar numa espécie de painel.
Haviam fotos de todos do Quartel, sempre rindo e brincando uns com os outros. Nitidamente não eram apenas colegas de trabalho, eram amigos… Uma família. Passou os olhos por cada rosto, a fazendo lembrar daquela bendita camiseta. Usar uma camiseta com a foto de uma banda, atores, filmes ou super heróis, fazia sentido para ela… mas uma camiseta com a foto dos bombeiros de Chicago? Não podia negar que eles eram verdadeiros heróis, mas por que alguém teria uma camiseta deles? Por que ela teria? Sentiu a cabeça doer um pouco enquanto pipocavam perguntas.
Respirou fundo e voltou para o refeitório, decidida a fazer algo útil e que também a distraísse. Brownie sempre é uma boa opção. Procurou pelos armários, ingredientes para fazer o doce e começou o trabalho.
— Nossa, isso é… — Amanda olhou para a porta ao se levantar, tirando a fôrma de brownie do forno — Oh meu Deus, brownie de chocolate? — Otis perguntou animado ao apoiar os braços na bancada.
— O cheiro tá incrível! — Joe Cruz comentou ao encostar do lado de Otis, a reação empolgada fazendo Amanda abrir um largo sorriso de satisfação.
— Que bom que gostam! É uma receita de família! — Amanda disse enquanto começou a cortar o bolo em quadrados.
Casey e Severide escutaram o que Amanda disse ao se sentarem na mesa próxima. Os dois trocaram um olhar de confusão, e Severide arqueou uma sobrancelha para Casey. Enquanto todos se ocupavam em atacar os brownies, inclusive Amanda.
— Ela disse receita de família? — Kelly Severide perguntou baixo.
— Isso não quer dizer nada, Severide.
— Se ela diz que não lembra da família, quer dizer algo sim.
— Por que estão cochichando? — Shay se sentou comendo um pedaço de brownie — esse brownie da Amanda está incrível, já comeram? — Severide balançou a cabeça, impaciente e se levanta, saindo do refeitório.
— Disse algo de errado? — Shay perguntou para Casey, sem entender a reação do amigo e o outro apenas balançou a mão, mostrando não ser nada importante.
Por algum motivo, que Casey não conseguia entender, acreditava em Amanda e achava totalmente infundada a desconfiança de Severide. Algo dentro dele dizia que tinha de estar ao lado dela, tinha de protegê-la e garantir que estivesse segura. Como se algo os conectasse. Os olhares deles se encontraram por alguns segundos, enquanto ela ria e conversava com Peter Mills e Otis. Ele apenas sorriu para ela, um sorriso simples e quase imperceptível. Sem perceber que da outra mesa, Gabby Dawson os observava um pouco desconfortável, até se levantar para sair do refeitório.
— Gabby, oi… — trombou com Antônio, seu irmão, na porta, ao sair apressada — Ei, tá tudo bem? — ele perguntou a segurando pelos braços.
— Oi Antônio, sim, tudo ótimo… — coçou a testa, dando um sorriso amarelo — o que faz aqui? Algum problema? — quis saber, visto o irmão detetive normalmente aparecer no quartel quando tinha problemas.
— Por causa de um caso. O Chefe Boden está?
— Sim, na sala dele. — Ele assentiu e a passos largos, se encaminhou à sala de Boden depois de passar pelo refeitório fazendo um comprimento rápido e geral.
Poucos minutos depois que Antônio estava na sala do chefe, a secretária, Connie, apareceu no refeitório, informando que o chefe estava chamando o Tenente Casey e Amanda na sala dele.
— Olá Amanda, sou o Detetive Antônio Dawson, da Polícia de Chicago — a jovem olhou para Boden e depois novamente para Antônio, um pouco nervosa — estamos investigando seu acidente e… Você. — Ele fez uma pausa, como se analisasse a reação de Amanda, mas ela apenas continuou o encarando, esperando que continuasse, ansiosa por respostas — de certa forma, encontramos algo sobre você.



— Você disse que é brasileira, então procuramos por Amanda Rodrigues na base de dados, mas não encontramos nada. — Antônio explicou.
Casey olhou para Amanda, logo se lembrando da desconfiança de Severide, mas tentando afastar o pensamento ao ouvir a pergunta de Boden para o detetive.
— E aqui em Chicago?
Antônio apenas negou com o olhar preocupado. Voltou-se para Amanda, que parecia confusa e assustada.
— Não encontramos absolutamente nada, nenhuma Amanda Rodrigues, em nenhum lugar do mundo. — Ele fez uma pausa, os três homens se entreolharam, antes do detetive focar novamente em Amanda — É como se você não existisse.
O silêncio recaiu na sala e instantaneamente ela pareceu pequena demais, apertada demais… Amanda sentiu o coração acelerar e a cabeça girar, então se sentou na cadeira que havia por perto.
— Isso é um pesadelo, só pode ser… — Amanda conseguiu dizer, ouvindo a própria voz falhar.
O Detetive Dawson a observou por alguns segundos, até se aproximar e sentar na cadeira ao lado de Amanda. Ele a olhou fixamente, fazendo com que a garota levantasse a cabeça e o olhasse também.
— Isso tudo tem uma explicação… E a gente vai descobrir. — Ela focou nos olhos escuros dele e respirou fundo ao afirmar com a cabeça, confiando que encontrariam uma explicação para algo que parecia inexplicável. — Qualquer coisa que se lembrar, qualquer detalhe… Me avise. — Ele mostrou um cartão de visitas e Amanda o pegou.
— Certo. — Sorriu levemente — obrigada, Detetive. — Então ele se levantou e depois de cumprimentar Casey e Boden, saiu da sala.
Mas antes que Antônio fosse embora, Casey saiu atrás dele, deixando Amanda na sala com Boden.
— Antônio, só um minuto… — Casey se aproximou rápido, quando ele já estava perto da porta de saída. — Acha que ela pode estar mentindo? — Perguntou meio sem graça.
— Não sou nenhum especialista, mas já lidei com muita gente que mente sobre quem é… Não me parece ser o caso dela. — Respondeu colocando as mãos na cintura, lembrando-se dos olhos de Amanda, cheios de medo e confusão.
— Só queria confirmar que não estou louco em ver isso também.
— Qualquer novidade, eu aviso.

***


— Pelo jeito, eu não existo. — Amanda comentou rindo, quando Mills a viu voltar para o refeitório com uma expressão triste e perguntou se estava tudo bem.
— Não encontraram nada? — Hermmann perguntou enquanto Amanda deu uma mordida num pedaço de brownie e encostou no balcão.
Ela apenas negou com a cabeça.
— Bom, de qualquer forma, você tem o quartel. — Todos confirmaram com a cabeça o que Hermmann disse.
— Depois desse brownie, eu super aprovo você ficar aqui. — Otis disse levantando um pedaço do doce, fazendo Amanda rir.
— Pode até ficar com minha cama, eu durmo aqui no sofá… — Cruz disse ao apontar para trás, na direção do sofá que Mouch, um dos bombeiros veteranos do quartel, ocupava, em frente a TV.
— No sofá não, nem pense. — Mouch se pronunciou enfático levantando o indicador.
Cruz rolou os olhos e Amanda riu ainda mais, colocando a mão no braço de Joe Cruz antes de responder.
— Pode ficar com sua cama, Cruz. — Então olhou para todos ali — Vocês são incríveis, pessoal. Mas não quero atrapalhar também, pensei que seria coisa de apenas um dia, agora não sei quanto tempo isso vai levar…
— Você tem algum lugar que pode ficar então? — Shay perguntou e Amanda soltou um riso baixo, sem graça.
— Não… Pensei em procurar um hotel e… — se interrompeu, esquecendo de um detalhe importante — É, acho que isso não vai rolar, sem documentos ou dinheiro.
— E se você ficar lá em casa? — Shay convidou sem pensar duas vezes.
A mulher loira e de olhos extremamente expressivos, tinha só a cara de séria, mas em poucos minutos viu que era um amor de pessoa. Amanda simpatizou com ela logo que chegou ali e trocaram pouquíssimas palavras, era a parceira de Gabby na ambulância 61.
— E se quiser ganhar uma grana, pode ajudar no Molly's — Herrmmann sugeriu, olhando para Otis, seu sócio, que confirmou, aceitando a sugestão. — É nosso bar e estávamos mesmo procurando alguém pra ajudar.
Amanda abriu a boca, mas ficou sem palavras, olhando de um para outro. Eles mal a conheciam, estavam ajudando uma completa estranha que nem mesmo se lembrava direito quem era. Ficar em um abrigo, não era uma ideia atrativa, hotel era sem condições e um trabalho, além de ocupar sua mente, teria um dinheiro para passar os dias – sabe-se lá quantos – durante a investigação, até descobrir quem era e o que estava fazendo em Chicago, ou se tinha um lugar para onde voltar.
— E então? — Shay a cutucou empolgada, esperando pela resposta.
— Okay! Eu aceito, o trabalho e a hospedagem. — Abriu um largo sorriso e Shay a abraçou de lado.
— Será divertido uma colega de quarto, vamos deixar o Kelly doido. — Amanda a olhou com a testa franzida. — Esqueci de citar, eu e o Kelly dividimos um ap.
— E ele não vai…
— Que isso, ele não vai se importar! — Ela balançou a mão no ar, para Amanda ficar tranquila — ele vai é amar morar com duas gatas como nós! — piscou para a morena e as duas riram, Shay se afastou quando Gabby a chamou da porta.
Amanda olhou para todos ali, cruzando os braços, enquanto pensava em tudo que estava acontecendo. Torcendo para que suas memórias voltassem e não apagassem aquelas, pois estava amando conhecer eles. Tudo na vida acontecia por algum motivo, e talvez o motivo para aquilo não fosse dos piores. Sorriu sozinha enquanto observava cada um deles, até receber um cutucão de Peter Mills, que tinha um sorriso brincalhão nos lábios. Se virou e deu a volta no balcão quando ele a chamou, no exato momento em que Matt Casey passou na porta, para ir na direção de sua sala e a olhou por alguns segundos.

***


— Esqueci meu celular na sala, vai indo pro carro, Shay — Severide avisou antes de correr para dentro do quartel novamente.
Shay esperava Amanda, que tinha ido ao banheiro e nem teve tempo de avisar o amigo que a garota iria para a casa deles. Amanda logo surgiu na porta e as duas se encaminharam até o carro de Severide.
— Certeza que ele não vai achar ruim? — Amanda perguntou ao encostarem lado a lado no carro.
— Claro — confirmou sorrindo para a outra. — E aí, gostou de conhecer o pessoal?
— Sim, muito! Todos são muito legais…
— Até o Otis? — A loira arqueou a sobrancelha e Amanda riu dando um tapinha no braço dela.
— Qual é, vocês pegam muito no pé dele… Ele é um fofo.
— É o maior passatempo do 51, Amanda! — Ela abriu os braços ao rir e Amanda balançou a cabeça em meio às risadas.
— Pronto! — Se viraram para Kelly Severide quando ele se aproximou e ambas perceberam a estranheza no olhar dele.
— Kelly, chamei a Amanda pra passar um tempo com a gente — ele parou na frente das duas, com o olhar confuso e franziu a testa, deixando claro que não gostou da ideia.
— Olha gente, não quero atrapalhar… — Amanda olhou de um para o outro e se virou para Shay — muito obrigada pelo convite, mas eu procuro um lugar ou fico aqui no quartel mesmo… — começou falar rápido.
— Não! Eu te convidei e não tem problema nenhum você ficar com a gente! — Shay afirmou, passando o braço pelo de Amanda e então olhou para Kelly, arregalando um pouco os olhos.
Ele ainda hesitou por um momento e coçando a testa, acabou abrindo os braços, vencido pela melhor amiga.
— Claro, sem problemas você ficar com a gente, Amanda. — Confirmou meio a contragosto e olhou de uma para a outra, quando elas sorriram empolgadas.
Estava perdido com aquelas duas, só esperava que não estivesse todos entrando numa grande enrascada.
Shay abriu a porta do carro e deixou Amanda ir para o banco de trás assim que Severide entrou no lado do motorista.
Durante todo o caminho, Kelly Severide olhava Amanda pelo retrovisor, enquanto ela ria de algo que Shay dizia e olhava pela janela, admirando as ruas de Chicago.
Ao mesmo tempo que algo lhe dizia que não devia confiar tanto numa desconhecida em uma situação bem suspeita, Severide podia ver nela uma pureza de quem estava apenas confusa. Sentia-se em completo conflito, mas talvez pudesse conseguir alguma coisa enquanto ela estivesse no apartamento deles. Se ela estivesse fingindo ou escondendo algo, em algum momento a máscara iria cair.



Depois de comer duas fatias de pizza, Severide saiu e deixou Shay e Amanda bebendo enquanto terminavam a pizza.
— Acho que ele não confia muito em mim. — Amanda deu um gole na cerveja.
— O Kelly é assim mesmo, fica encanado com tudo, ele vai te dar uma chance, só ter paciência. — A loira pegou mais um pedaço de pizza enquanto falava despreocupadamente.
— Vocês dois…? — tentou perguntar, meio sem jeito.
— Se somos um casal? — ela acabou rindo — Não, não… mas ele já ficou com uma ex minha. — Ela deu de ombros e as duas riram juntas, Amanda sentindo como se conhecessem há anos.
— Sinceramente, dou razão à desconfiança dele — o comentário chamou a atenção de Shay — apareci do nada, usando uma camiseta bem suspeita e não lembrando coisas que possam ajudar a saber quem eu sou ou de onde eu vim. — Shay pensou sobre aquilo por um tempo e colocou a metade da fatia novamente na caixa.
— Aquela camiseta, realmente deixou a gente bem confuso — ela fez uma careta ao admitir — mas vamos pela lógica, se quisesse nos matar ou fosse uma louca nos perseguindo, não acho que sairia por aí usando nosso rosto numa camiseta… Seria mais sútil. — Amanda arqueou uma sobrancelha e Shay riu de seu próprio raciocínio — O que eu quero dizer é que talvez você admirava nosso trabalho, por algum motivo. As pessoas estampam camiseta até com foto do namorado…
— Algo bem cafona, por sinal. — As duas riram mais um pouco e beberem de suas cervejas.
— E se as memórias antigas não voltarem, criamos novas! — Levantou a garrafinha de cerveja e Amanda fez o mesmo, brindando.
A morena pegou mais um pedaço de pizza, pensando sobre aquilo, enquanto Shay se levantou para pegar mais cerveja na geladeira.

•••


Aproveitando que era a folga de Otis e Hermmann, combinaram de Amanda visitar o Molly's para conhecer o bar e saber como seria o trabalho. Shay a acompanhou até o local, a pé mesmo, visto não ser longe e não terem a carona de Severide porque ele nem mesmo voltou para casa a noite.
Mostraram todo o bar, Amanda completamente apaixonada por cada detalhe e quando a garota parou e se sentou em um dos bancos do balcão, olhou em volta sentindo um mal estar, uma pequena pontada na cabeça. A mesma sensação de quando chegou no Quartel 51, com Casey, no dia anterior.
— Tá tudo bem, Amanda? — Ouviu Hermmann perguntando e encontrou seu olhar preocupado.
— Sim, claro! Só tive uma sensação estranha. — Shay se aproximou e sentou ao lado dela — Deve ser efeito dos remédios.
— Ou você ta sentindo os efeitos da viagem no tempo — Otis levou uma mão ao queixo, olhando a morena, pensativo.
— Viagem no tempo? — Amanda perguntou rindo levemente e franzindo a testa, enquanto Hermmann rolou os olhos e foi para os fundos do bar.
— Talvez a perda de memória e essa sensação seja porque você veio do futuro — ele explicou como se não fosse nada absurdo. Amanda começou a rir e colocou a mão apoiada no braço de Shay, mas a loira não a acompanhou na risada. Ela estava seria, olhando para Otis e pensativa, como se realmente considerasse a teoria algo possível.
— Meu Deus, você acredita nisso? — arregalou os olhos e voltou-se para Otis, que de braços cruzados se mostrava orgulhoso.
— Gente, eu não sou a nova Marty McFly — Shay levantou o indicador e abriu a boca para refutar — e isso é um filme, não sou uma viajante do tempo.
— Ué, mas você não se lembra de algumas coisas, pode ter esquecido que veio do futuro. — Amanda balançou a cabeça rindo e viu Hermmann reaparecer com uma caixa de cervejas para abastecer o freezer.
— Me salve desses doidos, Hermmann! — A garota pulou do banco e correu para dar a volta no balcão. Enquanto Otis e Shay continuaram debatendo sobre o assunto, fazendo Amanda apenas rir enquanto os ouvia falar as teorias e palpites sobre o futuro, e sua suposta viagem no tempo.
— No Quartel, quem costuma cozinhar para vocês? — Amanda perguntou ao terminar de guardar as garrafas de cerveja, ajudando Hermmann, assim que Shay e Otis foram embora.
— Normalmente, o Peter Mills. — Ele respondeu enquanto anotava algo das finanças num bloco.
— Eu poderia cozinhar lá durante o dia, porque aqui é só à noite, não é? — Hermmann a observou por alguns segundos e assentiu em resposta. Então se virou para Amanda, deixando uma mão apoiada no balcão.
— Está querendo ocupar a mente?
— É… — ela sorriu levemente, cruzando os braços ao encostar no balcão, olhando para a prateleira de bebidas, sentindo o olhar atento de Hermmann. — Minha cabeça tá uma bagunça e vou ficar louca se passar o dia pensando em possibilidades, porquês, como e onde. — O viu assentir, como se compreendesse e não duvidou que ele realmente compreendia o que ela queria dizer — acredito que se for pra eu descobrir o que realmente aconteceu e está acontecendo, as respostas vão aparecer. Enquanto isso, procurarei outras coisas para pensar.
— Em teorias sobre De Volta Para o Futuro também? — brincou, arrancando uma risada da jovem.
— Pensar em coisas mais reais talvez. — Salientou levantando o dedo e dando uma piscadela. — Aquele dois não existem viu… — disse rindo e assim que disse a expressão, sentiu um flash em sua cabeça, como se lembrasse de algo, mas foi apenas um flash branco, sem sentido ou imagem.

•••


Não tinha muita certeza do que esperava, ou do que procurava exatamente, mas Amanda pediu que Hermmann a deixasse na delegacia ao saírem do Molly's e ali estava ela, olhando para as letras na parede, escrito Distrito 21. Devia ter ligado para Antônio em vez de ir direto ao seu local de trabalho, mas talvez tivessem uma pista nova, algo que pudesse clarear sua mente. E o que não saía de sua cabeça: como ela estava sem o celular e documentos? Queria perguntar sobre aquilo.
— Oi, procuro pelo Detetive Dawson, Antônio Dawson. — Pediu no balcão, mas antes que a policial respondesse algo, ouviu a voz dele logo atrás de si.
— Amanda? Tá tudo bem? — virou-se em sua direção, encontrando o homem de jaqueta de couro preta, uma camiseta azul marinho por baixo, bem discreto, como no dia anterior.
— Tudo bem sim, só queria perguntar umas coisas. — respondeu um pouco sem graça, sentia-se intimidada com ele, não de um jeito ruim, apenas desconcertada.
— Claro, vem comigo. — Ele tomou a frente em encaminhá-la na direção das escadas no fundo da delegacia.
Então, os dois subiram juntos para o segundo andar da delegacia, onde ficava o Departamento de Inteligência, do qual Antônio fazia parte.
Olhando ao redor, podia notar que o ambiente era um pouco diferente de uma delegacia comum… O que a fez se dar conta, já tinha entrado numa delegacia antes. Mais uma coisa da qual parecia ter uma vaga lembrança, só não sabia qual delegacia do mundo foi – ou por qual motivo. Observou o local, quadros brancos com fotos e anotações, mesas cheias de pastas e documentos. Aos fundos, uma sala atrás de um vidro com persianas fechadas, de onde saiu um homem, mais velho que Antônio, com o olhar bem menos simpático e as mãos nos bolsos da calça jeans.
Antônio estava na sua frente e assim que pararam no meio da ampla sala do departamento, ele deu um passo para o lado, dando uma melhor visão para o outro homem que se aproximava, como se analisasse Amanda.
— Essa é a Amanda, o caso do acidente, ela veio fazer umas perguntas sobre o caso. — Antônio fez uma breve apresentação ao se sentar na ponta de uma mesa e Amanda deu um sorriso de leve, sem mostrar os dentes ao levantar a mão em um aceno sem jeito.
— Sargento Hank Voight. — O homem se apresentou estendendo a mão para a jovem, que ela apertou prontamente — alguma novidade, Amanda? Lembrou de algo relevante? — Voight abaixou um pouco a cabeça e a olhou com a sobrancelha arqueada, com ar intimidador.
— Não exatamente. — Ela se voltou para Antônio, sentindo-se incomodada com o olhar inquisitivo do Sargento. — Disseram que eu estava sem celular e documento ao ser socorrida. Mas por que alguém sairia de casa sem essas coisas? — Antônio a observava, como se montasse uma linha de raciocínio.
— É isso que também gostaríamos de saber, senhorita Amanda. — Voight respondeu com ar acusatório e Amanda o olhou com as sobrancelhas erguidas, sentindo-se julgada e desacreditada pelo homem.
Aquilo a fez se sentir tão irritada, sua vontade era olhar em seus olhos e perguntar qual era a dele. Mas tinha de se lembrar que independente do que pensava ou o tom que usava para falar, era um sargento da polícia e ela não precisava de um desacato a autoridade para complicar ainda mais sua vida.
— Chegou a voltar no local já? — Antônio perguntou, chamando a atenção dela novamente para ele.
— Não, ainda não. Acha que pode ajudar?
— Talvez, podemos descobrir voltando lá. — Ele levantou e se aproximou de Amanda.
— Vão e me mantenham informado. — Hank Voight se pronunciou mais uma vez e olhou fixamente nos olhos de Amanda antes de dar as costas e voltar para sua sala.

•••


— Sargento bem simpático o seu… — A garota ironizou no caminho até o carro de Antônio.
— Você se acostuma. — Deu de ombros e sorriu para Amanda ao abrir a porta do carro.
Por um momento, algo lhe passou pela mente, o carro. Não se lembrava de absolutamente nada do acidente e ninguém sequer mencionou o estado do carro em que estava. Estava de carro? Como foi exatamente o acidente, afinal?
— Detetive Dawson, eu estava de carro no acidente? — ela se virou para ele e recebeu um olhar rápido, logo voltando a atenção para a direção.
— Primeiro, pode me chamar só de Antônio e sobre sua pergunta, não. — Ele a olhou rápido novamente, vendo seu olhar confuso. — Um carro te atropelou quando atravessava a rua, a pé.
— Facilitaria a vida ter um carro para rastrear a placa…
— Sim, muito… O motorista foi encontrado e ao ser interrogado, disse que você apareceu do nada e ele não conseguiu desviar. — Contou e assim que estacionou, Antônio se virou para ela.
Depois de alguns minutos olhando para frente, como se buscasse algo em sua mente, respirou fundo e olhou para Antônio.
— Pronta? — Ele perguntou calmo, olhando atentamente, com uma ponta de preocupação. Então ela assentiu e os dois saíram do carro. No local do acidente, alguns estilhaços dos vidros do carro que a atropelou, estavam pelo asfalto. Amanda abraçou o próprio corpo, acompanhando Antônio. Esperando que alguma lembrança lhe ocorresse.



Olharam em volta, depois que Antônio indicou exatamente onde aconteceu o acidente. Amanda não sabia ao certo o que procurava, mas talvez a carteira tivesse caído em algum lugar, uma bolsa ou o celular.
Pensar numa bolsa ou mochila a fez parar na esquina e abraçar o próprio corpo, o olhar distante na direção da avenida. Antônio, ao perceber como a garota ficou de repente, atravessou a rua e se aproximou dela preocupado.
— Amanda, o que houve? Encontrou algo? — ele olhou em volta uma vez, antes de voltar para ela com atenção.
— E se eu for alguém ruim? — o silêncio pairou entre os dois, Antônio não sabia o que dizer, afinal, não tinha mesmo como saber. — E se eu tava fugindo, porque fiz algo terrível? — Os olhos castanhos de Amanda encontraram os preocupados olhos pretos de Antônio.
— Não podemos descartar a possibilidade, mas não precisamos nos apegar a ela — tentou passar certa confiança para a garota.
— O Voight me acha suspeita de algo, nitidamente.
— Ele acha todo mundo suspeito, é o trabalho dele — deu de ombros ao colocar as mãos na cintura.
— Não é o seu também, detetive? — Então ele ficou a encarando por alguns minutos, que para Amanda pareceram horas.
Quando pensou em desviar o olhar, completamente desconcertada, ele quebrou o silêncio.
— Meu trabalho também é ver além do óbvio, e seus olhos não dizem que é alguém ruim — as palavras dele a fizeram sorrir levemente.
— Obrigada por acreditar em mim. — O ar ficou mais pesado, o olhar de Amanda se perdendo nos olhos dele. Então respirou fundo e colocando as mãos nos bolsos da calça, olhou em volta. — Uma câmera?
— Oi? — Antônio pareceu também despertar de um transe com a pergunta dela.
— Câmeras de rua, aqui no cruzamento. — Indicou os arredores com o dedo indicador — elas não poderiam mostrar algo do acidente? — Antônio negou ao olhar em volta.
— Aquela câmera — apontou para o poste que sustentava uma sobre o meio do cruzamento — não está funcionando e a da outra rua, não pega esse cruzamento.
Amanda pareceu decepcionada por alguns segundos, procurando por nada específico ao observar as ruas movimentadas.
— Está com fome? — A pergunta pegou Amanda de surpresa, mas então sua barriga roncou, a fazendo se dar conta que realmente estava com fome. — Vem, vamos comer alguma coisa.
Seguiram para dentro de uma lanchonete alguns metros à frente. E pediram sanduíches e copos de suco natural.
— O que faz a Unidade de Inteligência exatamente? — Amanda perguntou curiosa, tentando puxar assunto assim que se sentaram numa mesa, um de frente para o outro.
— Cuidamos de casos mais sérios, investigamos assassinatos, tráfico… — Amanda assentiu, pensando na resposta.
— Vocês são os inteligentes da polícia então… — comentou séria e logo soltou uma risada ao ver a sobrancelha erguida de Antônio — Okay, a piadinha foi péssima. — O homem acabou rindo também e viram os pedidos chegarem.
— Soube que vai trabalhar no Molly's… — ele comentou casualmente antes de dar uma mordida no sanduíche, mas em vez de responder, Amanda franziu o cenho — minha irmã me contou.
— Ah sim! — lembrou-se de Gabby, a paramédica do 51, que também tinha o sobrenome Dawson — é, acho que vai ser bom para distrair de tudo isso que tá acontecendo.
— Talvez você me veja mais vezes do que gostaria…
— Vai muito no Molly's? — Perguntou depois de um gole no suco.
— Sim, principalmente depois que me separei. — Ela apenas assentiu diante da informação — O Molly's é o bar dos bombeiros e policiais de Chicago. — Completou, com uma informação que fazia eles saírem de assuntos pessoais dele, antes mesmo de entrarem realmente.
— Quem sabe, com um emprego e tendo uma rotina, faz a memória voltar… aí saberei como viajar de volta para o futuro. — Deu de ombros como se tivesse dito algo banal.
— Futuro? — Antônio ficou esperando por uma explicação.
— Uma brincadeira do Otis, ele jura que sou uma viajante do tempo. — Amanda volta a comer o lanche.
— Não sou médico, mas ter uma rotina pode mesmo ajudar… — ele a olhou arqueando uma sobrancelha — a voltar para o futuro — completou brincalhão.
— Sim, no dia da alta, o Dr. Halstead comentou isso… sobre a rotina, não a viagem no tempo. — Os dois riram e continuaram a comer seus lanches.
Conversaram sobre Chicago, bebidas e casos da Unidade de Inteligência, que deixaram Amanda impressionada. Aquele sentimento de intimidação que sentiu quando conheceu Antônio, estava se desfazendo aos poucos. Ele não parecia gostar de falar da vida pessoal e Amanda respeitou aquilo, mantendo a conversa em histórias que ele passou no trabalho.
Até o celular dele tocar e ele precisar ir até a calçada atender, deixando Amanda sozinha na mesa. Então, apoiando o queixo na mão distraidamente, focou na televisão sem som à sua frente, mas parecia mostrar uma reportagem com um cientista. Leu rapidamente a chamada da matéria.

"Viagem no tempo é possível?"


Amanda franziu o cenho, achando aquilo uma estranha coincidência. Talvez o Otis não estivesse se inspirando totalmente num filme ao sugerir que ela era uma viajante do tempo.
Antônio voltou para dentro da lanchonete, avisando que precisaria ir embora, emergência no trabalho.
— É muito fora do seu caminho, me deixar no Chicago Med? — A garota perguntou ao chegarem no carro dele.
— Está se sentindo mal? — perguntou ao entrar, enquanto colocava o cinto.
— Não, tá tudo bem. — O tranquilizou — Só quero conversar com o Dr. Halstead. — Antônio assentiu e arrancou em direção ao hospital.
Na metade do caminho até o Chicago Med, Antônio perguntava algo para Amanda ao fazer uma curva num cruzamento. A risada da garota foi interrompida por um grito de susto quando ela olhou para o lado e viu um carro preto indo na direção deles em alta velocidade. O carro deles foi atingido no lado do motorista. Antônio tentou, mas não teve tempo de fazer nada para evitar a batida, logo sentiram o corpo ser jogado e o carro virar, ficando com as rodas para o lado, depois de ser arrastado pelo asfalto.


Amanda abriu os olhos devagar, sentindo a cabeça doer um pouco, quando ouviu sirenes se aproximando. Demorou alguns segundos para se localizar e entender o que estava acontecendo. Com um gemido, olhou para o lado e encontrou Antônio desacordado e com o rosto sangrando muito. Havia cacos de vidro das janelas por todo lado e ela podia ver o asfalto perto do rosto dele, só então se dando conta da posição em que o carro estava. O que a segurava, impedindo que caísse sobre Antônio, era o cinto de segurança, provavelmente travado.
— Antônio… — sentiu os olhos lacrimejarem, o medo começando a tomar conta.
— Ai meu Deus… — a voz preocupada de Casey veio acompanhada de passos apressados e a luz das sirenes da viatura — Amanda, vamos tirar você daí…
— O Antônio, Casey… Por favor, diga que ele não está morto… — ela pediu com a voz embargada e olhou o tenente conferir se o detetive Dawson tinha pulso.
— Ele tem pulso, fica tranquila. — Amanda assentiu e seguiu as orientações que se seguiram, para tirarem ela do carro.
Em meio aos barulhos das ferramentas, ouviu a voz de Gabby Dawson preocupada com o irmão. Ao ser colocada numa maca, sentiu o coração apertar, queria chorar, como uma criança que é esquecida pelos pais em um lugar cheio de gente.
Ouvia toda a movimentação, enquanto era atendida pelo paramédico de outra ambulância, visto Shay e Dawson cuidarem de Antônio. Então fechou os olhos, apenas para não ter que ver mais nada, numa tentativa de fazer a sensação de solidão e medo passarem.
— Ei! Tenta ficar acordada, Amanda. — Ouviu a voz de Shay e abriu os olhos, encontrando a loira apoiando a mão na maca antes de colocar na ambulância. — A Dawson vai com o Antônio e eu vou aqui com você, okay?
Amanda não disse nada, nem sabia o que dizer, apenas sorriu em agradecimento, sentindo uma lágrima escorrer por seu rosto.
— Encontramos vocês no Chicago Med, Shay. — ouviu a voz de Casey e o viu rapidamente, antes de Shay fechar a porta da ambulância.
Não era exatamente daquele jeito que pretendia chegar no Chicago Med, mas não parecia estar podendo escolher o próprio destino nos últimos dias.



Chegando na porta do quarto onde Antônio ficou no hospital, Amanda viu que ele não estava sozinho e deu meia volta, para não atrapalhar.
— Amanda? — A voz de Antônio a chamando, impediu que seguisse e ela voltou para o quarto.
— Só queria ver como estava — entrou, cumprimentando os dois policiais que estavam com ele.
— Eu tô legal, só levei uns pontos e você? — Antônio perguntou, sentado na cama, com as pernas penduradas para fora da mesma.
— Bem, só foram alguns arranhões — deu de ombros e viu a policial de cabelos ondulados olhar algo no celular antes de falar para o parceiro ao seu lado.
— Temos que ir Antônio, te manteremos informado.
— Certo, obrigado Erin. — Ela sorriu para ele como resposta e se despediu de Amanda apenas com um aceno antes de sair do quarto, acompanhada do outro policial.
— Eles também são da Inteligência — Antônio comentou ao ficar sozinho com Amanda — a Erin e o Jay descobriram que a batida não foi um acidente…
— Sabem quem foi? — cruzou os braços se aproximando dele na cama.
— Só sabemos que é de uma gangue de outro Distrito. — Ele se levantou, colocando a jaqueta de couro que estava sobre a cama — temos que descobrir porque atacariam um policial.
Amanda não disse nada, mas seus olhos ficaram distantes, mirando a janela logo atrás de Antônio.
— Tanta coisa acontecendo depois que cheguei...
— Amanda, ei… — se aproximou rápido, a segurando pelos braços para que olhasse em seus olhos — não foi sua culpa. Os policiais não são exatamente as pessoas mais amadas por todos. — Deu um sorrisinho de canto, tentando acalmá-la com os olhos firmes.
— Fico feliz que não se feriu muito. — Amanda observa os pontos com a linha preta e discreta, na testa dele. Logo se lembrando de seu rosto ensanguentado no acidente, como ficou assustada e com medo dele não acordar. O olhar desceu novamente até os olhos dele, onde se manteve por alguns segundos.
— Preciso que assine aqui, detetive. E aí, está liberado. — Will Halstead entrou com uma prancheta, fazendo Amanda dar um passo para trás, se afastando de Antônio rapidamente. — Ah, oi Amanda. — Só então se dando conta da presença da jovem.
— Estão me esperando, a gente se fala… — a garota aponta para trás, a porta, dando alguns passos de costas.
— Não esqueça de marcar pra falar com o Dr. Charles. — Will relembrou antes que Amanda saísse.
— Pode deixar, Dr. Halstead. — Afirmou, seguindo para a sala de espera.
Ali, encontrou Casey e todo o pessoal da equipe do tenente, da viatura 81, sentados e a esperando sair.
— O esquadrão e a ambulância foram chamados. — Matt Casey se adiantou em informar, ao perceber que Amanda passou os olhos pelas cadeiras, antes ocupadas por todo o batalhão.
Depois de ajudarem no acidente, todos foram até o hospital, para aguardarem Amanda e Antônio serem atendidos. A garota ficou emocionada ao ver que todos estavam ali por ela, preocupados, como se ela fizesse parte da família.
— Acho bom não assustar mais a gente desse jeito, mocinha — Herrmann disse ao se levantar e todos os outros levantaram também.
— Shay pediu pra avisar que se você morresse no acidente, ela ia te matar — Otis avisou, fazendo Amanda rir ao pensar em Shay dizendo aquilo com os olhos azuis penetrantes e arregalados.
— Sabe o que eu acho que você precisa? — Cruz abraçou Amanda de lado.
— Lasanha? — A garota fez uma careta ao olhá-lo de baixo devido a diferença de altura.
— Eu ia falar chocolate, mas lasanha também serve — ele deu de ombros rindo e apertou mais Amanda em seu abraço, a fazendo corresponder abrindo um largo sorriso.
Não se lembrar quem era ou que vida tinha antes, era confuso e assustador na maior parte do tempo. Ainda havia aquele acidente que na verdade não foi um acidente. Mas ter aquelas pessoas ao seu lado, a fazia acreditar que podia passar por tudo.
Ganhou uma família… foi o que pensou ao entrar no caminhão junto com eles e se sentar ao lado de Otis, mesmo que não pudessem dar caronas a civis na viatura. Uma regra que quebraram apenas porque era uma situação extraordinária, como ressaltou Casey ao sentar no banco do passageiro, e sorrir cúmplice para Amanda.

— Uma semana depois


Severide bateu a porta do carro e saiu na frente, sem esperar Amanda e Shay. As duas se entreolharam e a loira podia ver claramente como incomodava Amanda, o fato de Severide ainda ter tanto o pé atrás com ela. Mesmo que já tivessem se passado mais de uma semana desde que Amanda apareceu.
— Ele nunca vai confiar em mim? — A morena se questionou em voz alta para Shay ao seu lado.
— Pelo menos ele falou com você no café hoje… — tentou aliviar a situação, mesmo que ela já tivesse irritada com a atitude infantil do amigo.
— Ele apenas disse "bom dia". — Arqueou uma sobrancelha.
— Bom, ele ficou preocupado no dia do acidente — Amanda apenas deu de ombros e assentiu, tentando encarar a situação de forma positiva.
Não tinha como se sentir totalmente confortável, morando na casa de alguém que nitidamente não gostava dela. Então, estava decidida, mesmo sabendo que Shay não ficaria nada feliz, em sair da casa deles, se nos próximos dias, não conseguisse ter uma conversa decente com o homem.

•••


— E… bati de novo — Amanda abriu um largo sorriso orgulhoso, ao colocar sobre a mesa, pela quinta vez seguida, uma combinação de cartas que lhe dava a vitória da partida.
— Não é possível! — Cruz colocou as cartas que tinha sobre as outras, antes de passar as mãos no rosto.
— Ninguém quer chamar a Amanda pra fazer alguma outra coisa, não? — Otis olhou em volta enquanto juntava as cartas novamente.
— Vocês dois são muito chorões — a garota riu ao empurrar Otis que estava sentado na cadeira ao lado da dela — e não esqueça, que quem me ensinou a jogar Gin Dummy, foi você!
— Ela não tinha aprendido na internet, Otis? — Joe Cruz arqueou a sobrancelha para o amigo, que apenas coçou a nuca, sem saber como responder.
— Iiiih, essa já não é comigo — Amanda ergueu as mãos ao se levantar para pegar um copo de água.
Tinham todos almoçado há pouco, uma carne de panela que Amanda preparou com a ajuda de Peter Mills. Por um milagre, nenhum chamado interrompeu o almoço e quase todos puderam comer com calma, pelo menos a maioria, pois Shay e Gabby foram chamadas assim que se serviram.
— Como foi a consulta com o Dr. Charles? — Casey se aproximou de Amanda assim que ela terminou de beber água. Perguntando sobre a consulta dois dias depois do acidente.
— Bem… Ele fez vários testes, e está tudo bem… Fiz uma nova tomografia, e continua tudo onde deveria estar. — Respondeu enquanto lavava o copo que usou.
— Ele falou algo do esquecimento?
— Disse que pode ter sido um trauma, como se um mecanismo de defesa do meu cérebro tivesse me feito esquecer tudo relacionado ao trauma ou que possa me lembrar ele — Ao terminar de repetir as palavras do médico, se lembrou do acidente… E se o trauma fosse algo relacionado com quem causou o acidente? E se aquela batida não fosse para atingir o Antônio?
— Amanda — sentiu a mão de Casey cobrir a dela, que estava sobre a pia e então encontrou os olhos dele a encarando confuso — ficou com o olhar distante de repente…
Ela não disse nada, apenas desviou dos olhos dele para as mãos juntas. Queria tanto lembrar, talvez houvesse resposta para aquela conexão. Mas e se as lembranças fossem dolorosas? Um trauma… Quem era Amanda Rodrigues, afinal?
Um flash veio em sua cabeça, Casey no hospital, desacordado… então se afastou rápido olhando para ele, ao tirar a mão de onde estava, afastando-se de seu toque.
— Eu tô bem. — Tentou parecer convicta, abrindo um leve sorriso, deixando Casey completamente confuso, pela forma estranha que ela agiu de repente.
— Amanda, que bom que está aqui. — Antônio apareceu na entrada do refeitório, com o olhar tenso — preciso que venha comigo, agora.
A garota se assustou pela aparição repentina do detetive, ainda mais parecendo tão nervoso. Deu a volta no balcão a passos largos, dando uma olhada rápida para Casey na metade do caminho até Antônio, na porta.
— Algum problema, Antônio? — Casey deu a volta no balcão e parou no meio do refeitório, franzindo o cenho, enquanto todos que estavam ali se voltaram para o detetive Dawson.
— Espero que não. — Disse seco, dando uma olhada rápida para Amanda — Vem. — E se virou.
Amanda não disse uma palavra, apenas olhou mais uma vez para Casey, com um pressentimento ruim a corroendo enquanto se virou para seguir Antônio.
— Hey, Antônio! — Passaram por Gabby e Shay descendo na ambulância.
— Nos falamos depois, Gabby. — Ele respondeu, apenas dando uma rápida olhada para a irmã.
— Tá tudo bem, Amanda? — Shay perguntou alto, quando os dois já tinham passado do portão do Quartel.
— É o que vou descobrir, qualquer coisa te ligo. — Amanda se virou para responder a amiga e voltou a acompanhar Antônio — o que tá acontecendo, Antônio? — ele não respondeu, apenas abriu a porta do carro para ela entrar — dá pra responder? — continuou em silêncio e deu a volta no automóvel para entrar no lado do motorista, mas Amanda não entrou — ANTÔNIO! Eu não vou entrar se não disser o que tá acontecendo!
— Você escolhe, ou entra e vai comigo, ou uma viatura vem te buscar em 5 minutos. — Ele irrompeu, apoiando uma mão no teto do carro e a outra segurando a porta aberta. Os dois se encararam por rápidos segundos, até ela entrar no carro logo depois dele.



O caminho do quartel até a delegacia foi silencioso. Antônio parecia preocupado, mas também nervoso, Amanda não conseguia decifrar, mas decidiu apenas ficar na dela e esperar.
Quando ele estacionou em frente a delegacia, a garota colocou a mão na alavanca para abrir a porta, mas o homem a impediu, apoiando a mão suavemente em seu braço. Então Amanda parou e se virou para ele, que a olhava fixamente.
— Preciso que olhe nos meus olhos e diga que não está escondendo algo de mim. — Ele pediu firme e quando Amanda não respondeu, Antônio inclinou um pouco a cabeça para o lado e arqueou as sobrancelhas.
— Não estou escondendo nada, Antônio. — Respondeu sem desviar o olhar nem por um milésimo de segundo.
Seu coração acelerado parecia pulsar em todo seu corpo, nervosa com aquela situação que não entendia. O detetive Antônio Dawson sustentou o olhar nos da garota por mais alguns segundos, como se para ter certeza do que via neles.
— Certo. — Disse simplesmente e abriu a porta do carro, saindo em seguida.
Amanda o observou sair e soltou a respiração com força, antes de também sair do carro.
Os dois caminharam lado a lado para dentro da delegacia e subiram para o andar da Unidade de Inteligência.
Amanda logo encontrou Jay e Erin, que estavam no hospital com Antônio uma semana antes. Os dois estavam com olhares tensos e a mulher pareceu repreender Antônio em silêncio.
— Disse que não era para buscá-la. — O sargento Hank Voight saiu de sua sala, falando com raiva para Antônio, como se Amanda nem estivesse ali.
— Não tinha porque ela sair de lá numa viatura! — Antônio rebateu e a garota olhou para os outros dois detetives, à procura de esclarecimento, mas eles não disseram nada.
— Ótimo, é o que vamos descobrir. — Voight mostrou uma pasta para Antônio e passou por ele a passos firmes — por favor, Amanda, vem comigo.
— Você disse que seria uma conversa informal, Voight. — Antônio se adiantou alguns passos e o sargento nem se deu ao trabalho de parar ou olhar para trás.
— Na sala de interrogatório comigo, Erin. — Ele sumiu de vista na direção da sala de interrogatório e Amanda olhou para Antônio, perdida. Tudo que havia nos olhos do detetive, era um pedido de desculpas.
— Vou estar com ela — Erin tocou o braço de Antônio e voltou-se para Amanda — vem comigo, Amanda.
Ela pensou em se recusar, queria sair dali, queria gritar. Mas achou melhor simplesmente seguir a detetive, confiando que estava segura… Eram policiais, parte do trabalho deles era mantê-la em segurança, não era?
Amanda olhou para trás uma última vez, na direção de Antônio, antes de virarem num corredor que dava para a sala de interrogatório. Sentia-se acuada, teriam descoberto quem ela era e seu medo se concretizou? Era alguém ruim?
Assim que entraram na sala, que tinha apenas uma mesa, duas cadeiras e um vidro escuro atrás, a detetive Erin fechou a porta e indicou que Amanda se sentasse. O sargento Voight já ocupava a outra cadeira, de frente para ela, com a pasta que mostrou para Antônio sobre a mesa.
O homem tinha um olhar sério para Amanda, uma sobrancelha arqueada, como se tentasse a entender. Os braços cruzados, em uma posição relaxada na cadeira, a deixavam sem saber como agir. O silêncio pesou e ocupou todos os cantos da pequena sala, fazendo Amanda se sentir desconfortável.
Quando a garota olhou para Erin, esperando que algo fosse dito, Voight arrumou a postura e apoiou os braços sobre a mesa, sem tirar os olhos de Amanda.
— Vou te dar uma chance… — Voight levantou o indicador antes de continuar — tem algo que queira me contar? — Amanda se lembrou da pergunta de Antônio, no carro, e franziu o cenho.
— Alguém pode, por favor, me dizer o que está acontecendo? — Amanda olhou para Erin e depois novamente para o sargento.
— Isso é o que está acontecendo! — O homem abriu a pasta e a virou para ela poder ver o que havia ali.
Os olhos de Amanda arregalaram e sua garganta fechou, aquilo não fazia sentido algum. Uma foto mostrava uma mulher de capuz, apontando uma arma para alguém e logo abaixo, outra imagem um pouco menor, mostrava mais do rosto da mulher. Era ela. Ou alguém extremamente parecida com ela.
— Eu… — ela virou a página com as fotos e encontrou uma ficha criminal, mais uma vez sua foto, ou quem quer que fosse, com seu rosto. — Isso é loucura, não sou eu. — Encontrou os olhos de Voight a encarando e ao virar-se para Erin, apesar dos braços cruzados e a expressão séria, seus olhos demonstravam confusão.
— Vai mesmo continuar com essa farsa? Mesmo vendo que sua máscara caiu? — Voight entrelaçou os dedos sobre a mesa, se inclinando um pouco na direção de Amanda.
— Mas não sou eu! — Sentiu os olhos lacrimejarem e o coração palpitou mais rápido, podia ouvi-lo por todo seu corpo.
— Você estava fugindo, no dia do acidente? — Amanda o encarava, sem resposta, os olhos confusos alternavam entre o olhar inquisitivo do sargento e o conteúdo da pasta, que ela sentia de todo coração não ser sobre ela. — Temos fotos suas, Amanda… Se é que esse realmente é seu nome.
— Não sou eu, sargento… Eu te garant… — se interrompeu antes de terminar a palavra. O que podia garantir àquela altura dos últimos acontecimentos?
— Não pode garantir nada, não é? — um riso sarcástico e rouco saiu de Voight, fazendo Amanda sentir vontade de socá-lo. Algo que com certeza o faria se ele não fosse um policial. Então apenas o olhou, ao mesmo tempo que uma lágrima escorreu, fazendo Erin se aproximar da mesa.
— Se disser a verdade, sua pena será menor. Mas precisamos da verdade. — A voz da detetive era calma e cautelosa, ela parecia estar em cima de um muro extremamente estreito, na dúvida entre acreditar ou não na palavra de Amanda.
— PENA?! — O desespero tomou conta da garota e ela não conseguiu controlar a voz subir alguns tons, ao se levantar apoiando as duas mãos na mesa. — EU JÁ DISSE QUE NÃO SOU EU! — olhou diretamente para Voight — E NÃO, EU NÃO TENHO COMO PROVAR PORQUE SOFRI A MERDA DE UMA ACIDENTE E NÃO LEMBRO DE QUASE NADA!
— NÃO ACHA TUDO CONVENIENTE DEMAIS? — Foi a vez de Voight se levantar da cadeira e subir a voz ainda mais que ela — Depois do acidente, você não se lembra exatamente de detalhes que nos levem a quem você é e de repente um membro de gangue ataca o carro de um detetive… — Voight coloca o dedo sobre o arquivo antes de continuar — e adivinhe só, é uma gangue rival desta foragida e o acidente foi causado porque viram você no carro com o detetive Dawson.
— Não deviam então procurar pelo desgraçado que causou o acidente? — abriu os braços.
— Ele foi assassinado! Mas é claro que vai dizer que não sabe disso, não é? — Voight cruzou os braços, com um olhar desafiador.
— JÁ DISSE QUE NÃO SOU EU! MAS QUE CACETE! — gritou mais uma vez e passou as mãos nos cabelos, virando-se de costas e tentando manter a calma. Precisava provar que não era ela, mas como? Estava de mãos atadas.
— Você será mantida sob custódia preventiva, Amanda. Se quiser contatar um advogado, fique à vontade, é seu direito. — Hank Voight quebrou o silêncio pegando o arquivo sobre a mesa.
— Como é que é? — Amanda se virou, com a voz falha, ao mesmo tempo que Antonio irrompeu para dentro da sala.
— Você não pode prendê-la, não são provas suficientes…
— Não preciso que me diga como fazer meu trabalho, Antônio. — Voight respondeu simplesmente e saiu, deixando um Antônio tensionando o maxilar ao olhar para o chão, sem saber como olhar para Amanda, não querendo encontrar seus olhos assustados. Ele não tinha o que fazer naquela situação.
— São provas suficientes, infelizmente, Amanda. — Erin olhou para a garota que tinha os olhos úmidos. — Se estiver dizendo a verdade, vamos descobrir, te garanto.
Amanda soltou um riso nervoso e balançou a cabeça. Então voltou-se para Antônio, que ainda não tinha olhado para ela, desde que entrou em um rompante na sala de interrogatório. Ele nitidamente não estava feliz com a situação, parecia sem saber como agir, queria olhar em seus olhos e sentir que ficaria tudo bem… Que ele acreditava nela. Precisava que ele acreditasse nela.
— Vou te levar para a cela. — A palavra fez um frio percorrer a espinha de Amanda.
— Não, eu levo ela. — Ouviu a voz de Antônio respondendo Erin e a mulher apenas assentiu, saindo da sala em seguida.
Antônio deu passagem para Amanda e a encaminhou até a cela vazia da delegacia. O caminho até foi silencioso, nenhum dos dois disse qualquer coisa. Amanda virou uma chave de controle automático, não sabia o que pensar. Buscava em algum lugar dentro de sua memória que não passava de uma névoa, por respostas, qualquer coisa que provasse estar falando a verdade.
Olhou para as grades e sentiu um enjoo repentino, não tinha família e muito menos um advogado. As provas eram fotos, como contradizer imagens, quando não se tem a quem recorrer para desmenti-las?
— Acredito em você. — Antônio disse finalmente, depois de trancar a cela.
Então os olhares dos dois se encontraram pela brecha das barras de ferro. Amanda segurou na grade com as duas mãos e deixou as lágrimas escorrerem, se entregando ao choro. Abaixando a cabeça, os soluços vieram em seguida, em um desespero e angústia incontroláveis.
A mão de Antônio cobriu a dela em um toque suave e depois de respirar fundo algumas vezes, Amanda o olhou.
— Vou avisar o pessoal do 51, ver se conhecem um advogado. — Ela apenas assentiu, as palavras parecendo terem sumido — Não vai ficar aqui por muito tempo. — Antônio fez um leve carinho em sua mão antes de afastar, a deixando sozinha.
Antes de chegar na sala da Inteligência novamente, pegou o celular no bolso e ligou para Matt Casey, para informar o que tinha acontecido e pedindo que ele levasse um advogado, porque ela iria precisar.
Respirou fundo e entrou novamente na sala, encontrando Erin e Jay sentados em suas mesas e Hank na sala dele. Pensou em ir até lá, mas acabariam discutindo, era tudo que menos precisava no momento.
— Tem uma cópia do arquivo aí, Erin? — Percebeu Jay olhá-lo pelo canto dos olhos e a mulher entregou uma pasta para ele.
— Acha mesmo que ela está falando a verdade? — Antônio olhou para a detetive Erin Lindsay por alguns segundos, antes de assentir em resposta.
Então Antônio se sentou em sua mesa e começou a olhar os arquivos com atenção, procurando por uma pista. Tinham os dados da gangue que causou o acidente dele e do integrante assassinado. Passou horas mergulhado em arquivos, tentando ligar nomes, dados, qualquer coisa que livrasse Amanda. Mas sempre acabava no mesmo beco sem saída… Ela não tinha álibi para antes do acidente. Não tinham como provar que ela não era a foragida.
— Já te disse que não deve se apegar a informantes, vítimas ou casos. — Hank Voight encostou no batente da porta de sua sala, observando Antônio fazer anotações na lousa onde havia colocado fotos e informações que já tinham.
— Só acredito na inocência dela, Voight. — O sargento assentiu e não disse mais nada, ficando com o olhar distante por alguns segundos.
— Antônio. — Olharam na direção da porta e encontraram Matt Casey, que evitou olhar na direção de Voight. — Trouxe o advogado, como pediu. — O sargento apenas olhou para Antônio e assentiu, como se lhe desse a permissão para fazer o que era necessário.
Voltando para sua sala, Hank apoiou uma mão na mesa e observou seu detetive, Casey e o advogado sumirem de vista. Coçou o maxilar e se sentou em sua cadeira, inclinando o encosto ao soltar o peso do corpo.
Então a imagem de uma pessoa veio à sua mente, um caso que o fez ficar tão cético quando o assunto era se apegar a casos ou vítimas. Um caso sem solução, uma vítima desaparecida e ele sem respostas por anos.



Quase uma semana depois daquele dia horrível que passou na delegacia, Amanda ficava a maior parte do tempo na companhia dos bombeiros. Ninguém queria deixá-la sozinha e isso lhe mostrava que acreditavam nela, algo que já a tranquilizava. Tudo já era assustador o suficiente, passar por aquilo sozinha seria muito pior.
Não se encontrou mais com Antônio, e nem se falaram. Torcia para que ele estivesse à procura de algo que a inocentasse. Em nenhum momento tirou da cabeça os olhos dele a encarando e como segurou em sua mão através das grades. Tinha que acreditar que a verdade apareceria, era só o que podia fazer.
— Aquele Voight me dá arrepios… Não é abuso de poder ele te interrogar daquela forma? — Shay comentou antes de dar um gole na cerveja e apoiar a garrafinha no balcão.
— Ele tava fazendo o trabalho dele, não o culpo — Amanda comentou enquanto secava um copo, do outro lado do balcão do Molly's. A loira arqueou uma sobrancelha — não quer dizer que ele não foi um idiota, mas arrancar informações é o trabalho dele mesmo.
— Intimidar e ameaçar também, pelo jeito, é o esporte preferido dele.
— Não sabia que conhecia ele tão bem, nunca vi ele aqui… — conforme conversavam, pegou outro copo no escorredor.
— Ele não vem aqui justamente por conhecermos ele. — Amanda arregalou um pouco os olhos e Shay explicou — ele já teve problemas com o Casey uma época, ameaçou ele mais de uma vez, depois foi preso e quando saiu… PÁ! Chefe da Unidade de Inteligência.
Uma pontada na cabeça de Amanda acompanhada de um flash rápido e desconexo. A garota fechou os olhos com força e acabou soltando o copo que tinha em mãos.
— O Molly's ainda não tem parceria com a loja de copos, viu Dona Amanda? — Otis repreendeu sem usar um tom rude, enquanto pegou uma bebida para um cliente que acabava de chegar.
— Desculpa, Otis. — Pediu, um pouco sem graça e passou as mãos nos cabelos.
— Você tá bem, Mandy? — Shay perguntou preocupada, usando o apelido carinhoso que passou a chamar a morena nos últimos dias.
— Sim, vou limpar isso, já volto. — A garota foi até os fundos do bar, ainda um pouco atordoada.
Teve um flash rápido de Casey e Voight, como um de javu. Sempre sentia-se estranha por alguns segundos depois de ter aqueles flashes. Mas eles não pareciam ter um padrão, às vezes era apenas uma sensação, outras chegava a ver algo ou alguém.
Seriam memórias? Mas se fossem, eles não se lembrariam dela também?
— Ei, você tá legal? — Otis abriu a porta da sala nos fundos do bar.
Só então a garota percebendo que foi ali pegar uma pá e seus pensamentos a fizeram parar no meio do caminho.
— Sim, me distrai, já estou indo — saiu de seu pequeno transe e se abaixou para pegar a pá.
— Não precisa avisar o Herrmann sobre o copo, já quebrei um na semana passada. — Ele completou quando a garota passou pela porta, a confissão a fazendo rir.
Recolheu os cacos de vidro e colocou num saquinho de papel grosso para jogar no lixo. Deixando ao lado da lixeira para jogarem depois. Logo observando Herrmann chegar no bar segurando uma caixa de bebidas.
— Tem tanta coisa acontecendo, boas e ruins. Acho que é muito para a cabeça processar, aí sinto esses mal estar. — Shay apenas assentiu ao ouvir a amiga. Pensou em dizer que seria bom ela ver o médico de novo. Mas a televisão ligada sem som a interrompeu antes que dissesse algo.
— Otis, aumenta a TV — Shay pediu e estendeu o braço sobre o balcão, tocou o braço de Amanda, chamando sua atenção para o aparelho na parede.
"Chega ao fim a busca pela traficante latino americana, viúva de um dos maiores contrabandistas de armas da América do Sul e que também fazia negócios nos Estados Unidos.
A mulher, segundo a Unidade de Inteligência do Distrito 21, estava foragida e tentou se esconder em Chicago, na tentativa de fazer negócios aqui. Mas não foi bem recebida por gangues rivais do falecido marido. O corpo da traficante foi encontrado na saída do distrito, morta com…"
Hermmann pegou o controle e desligou a TV rapidamente, assim que mostraram uma foto da foragida. Ela era idêntica a Amanda, como se fossem gêmeas, mas usava os cabelos curtos e lisos.
Amanda estava sem reação, sentia-se aliviada e estranha ao mesmo tempo. Levando uma mão ao coração, quando o choque passou, ela sorriu largamente e olhou para Shay. A loira estava de boca aberta e sorrindo, então batucou no balcão algumas vezes, empolgada e aliviada.
— Sabia que ia dar tudo certo! — Shay apontou para Amanda, fazendo a morena rir, de puro alívio. Um peso gigantesco saiu de suas costas.
— A verdade sempre vem à tona, garota! — Herrmann a abraçou de lado, passando o braço sobre seus ombros, com um largo sorriso.
— Devo ser alguém horrível por comemorar a morte de alguém, mas eu estou quase soltando fogos de artifício! — Amanda exclamou rindo.
— Acho que nesse caso, Deus dá um desconto. — Otis comentou dando de ombros e os quatro riram.
Enquanto riam, Antônio entrou no bar, esperando que o local ainda não estivesse muito cheio, visto ser o início do expediente. E realmente não estava, encontrou apenas Amanda, Shay, Otis e Hermmann em volta do balcão e mais uns dois clientes no fundo do bar.
Parou por um momento, admirando como Amanda ria e logo falava algo com Otis que ele não entendeu, talvez por ter ficado hipnotizado com a risada dela. A viu em prantos, assustada e tão perdida, poucos dias atrás, que vê-la rindo daquele jeito, era uma das melhores cenas que poderia presenciar.
— Antônio!
A voz dela cortou seus pensamentos e antes que pudesse responder ou pensar direito, ela deu a volta no balcão correndo e pulou em seus braços, o abraçando com força. Pego totalmente de surpresa, demorou uma fração de segundos para corresponder o abraço. Mas quando o fez, sentiu-se completo de alguma forma.
Podia ouvir as batidas do coração de Amanda, rápidas e fortes, como uma bateria. E talvez o dele seguisse o mesmo compasso. O cheiro da garota o envolveu e sem se dar conta, a apertou mais em seus braços. Estava tudo bem, só precisava que ela soubesse daquilo.
Então, Amanda teve um súbito choque de realidade e se deu conta do que acabara de fazer.
E mesmo agora consciente, não o afastou rápido, pois ainda não queria sair do abraço quente e acolhedor de Antônio. Moraria ali tranquilamente, se pudesse… o abraço dele passava a sensação de casa. Foi uma atitude repentina e impensada, tomada no calor da alegria e alívio que estava sentindo… Mas algo nunca pareceu tão certo.
O abraço se desfez e os dois pareceram não saber como se encarar novamente. Ambos tomados por uma energia que não sabiam explicar. Um simples abraço, causou um turbilhão de sensações dentro deles.
— Vim te contar que está tudo bem e que o caso…
— Foi resolvido. Eu vi e… — ela o olhou nos olhos — Obrigada. Por ter acreditado em mim.
Antônio a encarou por mais alguns segundos, tensionando o maxilar, não sabendo como agir depois. Então ele colocou as mãos nos bolsos da calça jeans e olhou para o lado, os outros conversavam distraidamente, como se evitassem os dois. Não tinha ideia como foi a cara deles ao ver aquele abraço repentino, e nem queria imaginar.
— Acho que isso merece uma comemoração, quer uma bebida? — Ela decidiu quebrar o silêncio constrangedor, tentando ao máximo agir naturalmente, ignorando a bagunça que estava dentro dela.
— Claro, ótima ideia… — deu um sorriso de canto e os dois foram até o balcão.
Amanda deu a volta, passando para o outro lado e Antônio se sentou em um dos bancos. Não demorou muito para o bar encher, tanto de bombeiros como de policiais, além de alguns médicos do Chicago Med.
Sabendo da conclusão do caso, todos do quartel vibraram com Amanda por saberem que ela estava livre de qualquer acusação. Joe Cruz puxou um pequeno brinde para a garota, apenas entre os bombeiros que estavam próximos e Antônio, que àquela altura da noite estava acompanhado de Erin e Jay, na ponta do balcão.
— Se continuar me olhando assim, serei obrigada a te bater — Amanda falou para Shay que com os olhos semicerrados, olhava para a morena como se a analisasse.
— Você sabe que tem muito o que me contar, não é? — Apontou o indicador e se levantou depois de virar a cerveja.
— Não tenho ideia do que quer que eu conte — fingiu desentendimento, mas já sentindo o coração errar uma batida só de se lembrar do que aconteceu mais cedo.
— Inclusive, ele tá olhando pra você. — Colocou a chave do apartamento sobre o balcão e Amanda olhou confusa — não volto hoje, então nosso quarto é seu, use com responsabilidade.
— Shay! — Amanda advertiu sem graça, mas rindo da amiga que lhe mandou um beijo no ar e apenas deu um tapinha nas costas de Severide sentado ao seu lado, antes de se virar e sair do bar.
— Podemos fazer uma cópia da chave pra você depois. — Amanda ouviu a voz de Severide assim que colocou a garrafinha vazia com as outras embaixo do balcão.
— Mesmo? — seria aquilo um sinal de trégua? Amanda pensou consigo quando Kelly Severide apenas assentiu e deu um leve sorriso.
— Mas se for mesmo levar alguém para o apartamento hoje, me avisa… — o homem riu ao se levantar e Amanda balançou a cabeça rindo também. Quase podia ver as pedras do muro entre os dois, desmoronando uma a uma.
Desde que Shay disse que Antônio olhava para ela, estava em um esforço extremo de não olhar em sua direção. Mas acabou cedendo à curiosidade ao guardar as chaves no bolso de trás da calça.
Agradeceu aos céus por não encontrar os olhos dele. Ele conversava com os detetives e ela ficou alguns segundos observando a forma como falava e gesticulava com as mãos.
— Otis, não acredito que você fez isso de novo! — A voz de Herrmann logo atrás de si, chamou sua atenção e ela desviou o olhar de Antônio, no exato instante em que ele olhou na direção dela, como se sentisse que estava sendo observado.
— Hermmann, na verdade… — Amanda se adiantou, ao ver o homem levantar o saquinho de papel com os cacos de vidro do copo que quebrou mais cedo. — Foi eu que quebrei, desculpa, me distraí… — Otis ficou apenas observando, parado em frente ao barril de chopp, com o olhar tenso — pode descontar do pagamento, se quiser.
— Não, fica tranquila, isso acontece…
— "Isso acontece"? — Otis repetiu com indignação, interrompendo Herrmann — nem uma bronquinha?
Hermmann rolou os olhos e deu um apertãozinho no ombro de Amanda ao piscar para ela, e ir na direção do lixo novamente, para pegar o saco preto que já estava cheio. Enquanto Otis permaneceu de boca aberta, ao olhar para Amanda, que agora ria de sua reação, sem conseguir mais segurar.
— Isso é favoritismo. — Terminou de encher um caneco de chopp e entregou para um cliente.
— Pensei que não queria que eu levasse uma bronca, quando disse pra eu não contar pra ele. — Amanda cruzou os braços, franzindo a testa.
— Ah, mas já que contou, esperava pelo menos um "que isso não se repita, Amanda". — Abriu os braços, como se fosse algo óbvio.
Amanda não aguentou e riu ainda mais, recebendo um empurrãozinho de Otis, acabando por rir também. E contou para Cruz sobre a crise de ciúme que Otis acabara de ter, quando este se aproximou do balcão. Ambos tirando onda com o amigo.
— A Amanda vai perder uns 10 kg hoje… — Erin Lindsay comentou para Jay, ambos olhando para Antônio que estava distraído com o olhar voltado para Amanda.
— Oi? — Antônio pareceu despertar de um transe e olhou para os dois amigos, que o olhavam com sorrisos cúmplices — o que foi?
— Pelo menos não tá interessado em uma informante, namorada de um criminoso, igual o Ruzek fez. — Jay comentou antes de dar um gole na cerveja, só então Antônio percebendo que foi pego no flagra pelos dois, enquanto se perdia na cena de Amanda rindo e conversando com os bombeiros animadamente.
— Oi pessoal — o cumprimento de Will Halstead ao se aproximar deles, livrou Antônio de dar uma resposta a Jay e Erin. — Boa noite, Hermmann, vê uma cerveja pra mim? — o ruivo pediu assim que viu Herrmann passar por eles para entrar no balcão novamente.
— E mais uma pra mim. — Jay aproveitou.
— É pra já. — Sorriu e se aproximou de Amanda, pedindo que ela que os servisse. — Para o Dr. Halstead e o detetive Halstead. — disse rápido indicando o grupo de Antônio, antes de correr para os fundos do bar.
— Todo mundo tem algum grau de parentesco em Chicago? — Ela comentou rindo ao colocar as duas garrafas na frente deles e abrir com o abridor que ficava embaixo do balcão.
— Quem não é irmão, deve ser no mínimo um primo de terceiro grau. — Jay comentou rindo antes de dar um gole na cerveja.
— Está mais leve, né? — Antônio se dirigiu a Amanda quando os outros se afastaram um pouco, talvez de forma proposital para ficar "sozinho" com a garota.
— Demais! — Abriu um largo sorriso e apoiou as mãos no balcão — já está tudo bagunçado o suficiente, agora posso seguir com minha vida… Ou refazê-la. — Deu de ombros.
As palavras dela deram uma ideia a Antônio e ele levantou o indicador, fazendo a garota olhá-lo com atenção, esperando que dissesse o que pensou.
— Pode parecer loucura, mas talvez não seja uma ideia ruim você realmente refazer sua vida, do zero — Amanda franziu o cenho, sem saber se entendia muito bem o que ele queria dizer — não temos pistas suficientes para continuar investigando você, principalmente depois do que aconteceu agora… Provavelmente seu caso vai ser arquivado em breve, por não termos como continuar.
— Tá sugerindo eu só fingir que não esqueci quem sou?
— Você sabe quem você é. — A afirmação tinha mais que o óbvio em seu significado — Posso providenciar novos documentos pra você, algo que vai te proteger de algo como o mal entendido que aconteceu.
Amanda o olhou por algum tempo, pensando sobre o assunto. Então voltou-se para os outros presentes ali no bar, Otis conversava com Cruz, Severide em uma das mesas no fundo conversava com outros bombeiros do Esquadrão de Resgate, Hermmann voltava da dispensa com um saco de gelo, Casey não estava ali, mas se lembrou dele também e como a tratou desde o minuto em que se conheceram. Encontrou os olhos de Antônio novamente; ela sabia quem era… ou quem se tornou nas últimas semanas. Ele estava certo.
— E então? — o sorriso dele foi o último gatilho que precisava. Não precisava de um passado que não se lembrava, se tinha um presente que não queria esquecer.
— Talvez as coisas aconteçam por uma razão. — deu de ombros com um sorriso empolgado — É uma ótima ideia. Eu topo.



— Soube que o Antônio está te ajudando, com um recomeço… — Casey comentou enquanto se servia do almoço preparado por Amanda.
— Sim, uma nova Amanda logo vai nascer. — Ela sorriu e encontrou o sorriso do tenente também.
Terminou de servir o próprio prato e os dois tomaram seus lugares na mesa, onde os outros já estavam.
— Não pretende ir embora de Chicago, então? — Joe Cruz perguntou antes de dar uma garfada num pedaço de bife.
— Faz um pouco mais de um mês que estou aqui e se nada apareceu para dizer o contrário, talvez aqui seja mesmo meu lugar — deu de ombros e sorriu consigo, olhando para a comida, antes de continuar — Chicago me acolheu e os moradores dela também — olhou para Casey logo à sua frente na mesa e depois para os outros — então vou recomeçar, encarar isso como uma segunda chance.
— E se lembrar do seu passado? — Gabby perguntou, chamando a atenção de Amanda.
Tinha pensado sobre aquilo várias vezes desde a ideia de Antônio.
— Apenas terei mais bagagem… Mas estou disposta a abraçar essa nova vida e criar raízes aqui. — Gabby Dawson abriu um sorriso suave e assentiu.
— Admiro sua coragem, Amanda — estendeu a mão e tocou o braço dela antes de continuar — temos que aproveitar as chances de recomeços que a vida nos dá.
Esquadrão 3, viatura 81, ambulância 61: acidente, com múltiplos veículos.
Amanda percebeu o olhar de Casey perdido na direção de Gabby quando ela disse aquelas palavras, mas logo se levantou quando o aviso de chamado soou. Assim como todos os outros do quartel, tendo eles terminado de comer ou não. Correram para o chamado, deixando a garota sozinha com seus pensamentos, no quartel silencioso.

•••


Amanda acordou no meio da noite e foi até a cozinha beber água. E enquanto levava o copo aos lábios, viu um movimento no sofá e em seguida o barulho de algo caindo. Com o cenho franzido, acendeu a luz fraca que iluminava a área.
— Severide? — se aproximou do encosto ao ver o homem suspender o corpo, apoiando-se no cotovelo. — Faz tempo que chegou? — Perguntou ao olhar as horas, já passava das três.
— Não, faz alguns minutos… Mas pelo jeito, perdi a cama. — Não havia traço de raiva em sua voz, podia ver até um tom de brincadeira.
— Desculpe ter ido para o seu quarto — Amanda sorriu sem graça e se aproximou do sofá, segurando o copo com água — a Shay trouxe companhia, e como não tinha chegado ainda, pensei que dormiria fora.
— Tá tudo bem, eu me viro por aqui, fica tranquila — ele deu um leve sorriso e se deitou novamente, colocando um braço embaixo da nuca.
Amanda olhou para o encosto do sofá por alguns segundos, então voltou para a cozinha e terminou de beber a água. Ouvindo Severide se mexer no sofá assim que colocou o copo na pia. Antes de apagar a luz, observou os pés dele para fora do sofá, por causa de seu tamanho. Percebeu ele se mexer novamente, mudando de posição. Ele estava extremamente desconfortável ali, além de ainda usar as calças jeans e camiseta que saiu mais cedo.
— Severide, vai pro seu quarto. — Amanda disse firme, mas com um sorriso nos lábios ao parar do lado do sofá.
— Eu tô bem aqui… — respondeu ainda de olhos fechados e os braços cruzados. Teimoso feito uma mula.
— Olha, acho que Chicago agradeceria se o tenente do esquadrão de resgate estivesse inteiro, para salvar alguém… — ele abriu os olhos, querendo ver onde o raciocínio iria parar — você vai estar tudo, menos inteiro, depois de uma noite nesse sofá, todo torto, ainda mais depois de cair em cima do braço e deslocar o ombro ou bater a cabeça na quina da mesinha.
— Isso foi um pouco exagerado, não acha? — Severide franziu o cenho e acabou rindo, sendo acompanhado por Amanda.
— Vai, falando sério, não vou nem me sentir à vontade sabendo que tá aqui, todo desconfortável, enquanto fico no conforto da sua cama. — Deu dois tapinhas no braço dele, insistindo.
Kelly Severide a encarou por alguns segundos antes de se levantar e dar alguns passos em direção ao quarto. Então parou no meio do caminho e olhou novamente para Amanda, que arrumava as almofadas, para se deitar ali.
— A cama é grande… — Amanda o olhou confusa quando ouviu o que disse — nenhum de nós precisa ficar no sofá, vem… — ele indicou o quarto com a cabeça e a garota hesitou — sem segundas intenções, deitamos o contrário, se te deixar mais à vontade.
Amanda olhou para o sofá e depois para Severide. Primeiro não queria olhar em sua cara, agora queria dividir a cama. Tava pra nascer homem mais bipolar. Amanda pensou consigo e decidiu aceitar o convite.
— Perdeu o sono? — ouviu a voz de Severide cortar seus pensamentos, assim que voltou do banheiro, agora usando uma calça moletom e uma camiseta regata.
Amanda respondeu apenas meneando a cabeça afirmativamente e voltou a encarar o teto. Logo sentiu o movimento na cama, enquanto Severide se deitava ao seu lado, na posição oposta à dela.
— Não vejo mais aquele olhar em você… — Amanda quebrou o silêncio, assim que ele se ajeitou.
— Que olhar? — Colocou as mãos embaixo da nuca, ficando de barriga para cima.
— De desconfiança. — Aquilo fez o homem respirar fundo e ficar em silêncio por alguns segundos, apenas olhando para o teto. Quando Amanda pensou que ele tinha pego no sono ou só não queria dizer nada, Severide se pronunciou calmamente.
— Muita gente já quebrou minha confiança.
Amanda virou um pouco o rosto para olhá-lo, estando ela com o travesseiro um pouco mais alto encostado na cabeceira. Então voltou a olhar para o teto, esperando que ele continuasse.
— Muita gente vai embora, decide que estar aqui não é mais suficiente — mais uma pausa, era como se ele procurasse as palavras certas — queria acreditar que você era só uma oportunista, querendo tirar proveito de algo, para depois ir embora.
— Se preparar para o pior lado de alguém, para evitar decepções? — Arriscou, entendendo o lado dele.
— Sim… — deu um leve sorriso e suspendeu o corpo, ficando escorado no cotovelo, para poder olhá-la — tem muita verdade nos seus olhos e no seu jeito, isso me irritou um pouco — Amanda franziu a testa, olhando para ele — porque isso torna mais difícil não gostar de você e não acreditar no que diz — falando aquilo em voz alta, o fazia se sentir meio idiota, porque sabia que foi um pé no saco com ela nas últimas semanas — por puro receio — completou o próprio pensamento em voz alta e continuou — quando me envolvo com alguém ou crio algum laço, sempre termina com uma despedida… — ao mesmo tempo que ele fazia uma espécie de desabafo, falar sobre como se sentia parecia uma tarefa torturante.
— Você só estava se protegendo — ela deu de ombros ao soar compreensiva, Severide não precisava continuar, ela o entendia e ele viu isso nos olhos dela.
— Tá vendo, difícil não gostar de você, garota — uma risada grave preencheu o quarto e Amanda o acompanhou. Então jogou os cabelos para o lado, segurando a risada enquanto empinava o nariz.
— Sei que sou maravilhosa. — E mandou um beijo no ar para ele, aproveitando cada segundo do clima leve que tinha pela primeira vez com o tenente. O viu rir mais um pouco, balançando a cabeça.
— E o abraço com mais química que muito beijo? — Severide comentou com um olhar malicioso e um sorriso cúmplice nos lábios.
Amanda demorou alguns segundos para entender do que ele estava falando. Até encaixar as peças e finalmente entender, querendo matar a dona Leslie Shay.
— Shay é uma verdadeira maria fifi, hein — rolou os olhos e encontrou a sobrancelha erguida de Severide, esperando que fosse ao ponto — foi só um abraço, como qualquer outro.
— Não foi isso que me falaram… — semicerrou os olhos e inclinou um pouco a cabeça.
— Meu Deus, quem mais está… — se interrompeu e respirou fundo — Otis. O 51 inteiro tá sabendo desse bendito abraço, né? — ele apenas assentiu, rindo quando ela jogou a cabeça para trás cobrindo o rosto com as mãos.
— Mas vai, me fala — beliscou a perna dela de leve — tá rolando alguma coisa?
— Não… — respondeu com zero convicção — Não. — Tentou soar mais firme, sem muito sucesso — Sei lá, ele é legal, a gente se deu bem, gosto da companhia dele… — disse baixo e desviou dos olhos azuis questionadores de Severide.
— Meu Deus, você tá caidinha por ele! — Afirmou arregalando os olhos, como se acabasse de descobrir algo extraordinário e caiu na risada.
Amanda pegou o travesseiro atrás de sua cabeça e jogou no homem, acabando por rir também quando ele agarrou o travesseiro. Então, Severide se arrumou, ficando sentado na cama, e foi parando de rir, enquanto a encarava com o olhar de dúvida.
— O que foi agora? — Cruzou os braços.
— Você se lembra? — ela franziu o cenho, sem entender do que ele estava falando — bom, você não se lembra da sua vida antes do acidente, então ficar com alguém será como se fosse a primeira vez.
Aquilo a fez pensar, realmente não se lembrava como era beijar alguém, mesmo acreditando que já o tivesse feito na vida. Buscou em sua mente alguma memória, não havia nada, não tinha ideia de como era a sensação de beijar alguém. Era estranho, sentia saber como é, mas não tinha certeza se sabia exatamente como era ser beijada…
Olhou para Severide, que a observava com a cabeça pendida para o lado.
— Nossa, quase dá pra ver as engrenagens dentro da sua cabeça. — Ela riu e passou a mão na nuca, sentindo-se instantâneamente incomodada com a constatação que fizeram sobre sua perda de memória.
— É um pensamento muito bobo, me sentir desconfortável com isso? — fez uma careta, tentando entender o que ela mesma estava sentindo.
— Acho que não… — Severide deu um leve sorriso de canto, enxergando uma insegurança nos olhos dela que só viu uma vez naquelas semanas, no dia que se conheceram no hospital. — Ei… — ela o encarou, só então percebendo que ele tinha se aproximado alguns centímetros — se quiser, pode ter um primeiro beijo, só pra lembrar como é… — a voz dele saiu baixa, como se fosse um segredo dos dois. E realmente seria, pois ela assentiu em resposta, depois de se perder por alguns segundos nos olhos azuis do homem.
Kelly Severide acabou com o espaço pequeno que os separava e levando a destra até a nuca de Amanda, tomou os lábios dela num beijo suave. Todo o corpo da garota pareceu arrepiar um pouco e uma mão alcançou a lateral do pescoço dele. Os dedos de Severide se emaranharam em seus cachos, a fazendo sentir um arrepio percorrer sua espinha.
Intensificaram o beijo aos poucos, conforme as línguas se encontravam, trazendo a Amanda uma sensação até então esquecida. Se é que fosse realmente possível, era um beijo que a aquecia, com uma medida de carinho em meio a intensidade que percorria todo seu corpo. Os lábios macios de Severide brincavam com os dela, como se fossem velhos conhecidos… E por mais que lhe trouxesse sensações adormecidas em algum ponto de sua mente, não havia uma malícia explícita ali.
Os lábios se separaram alguns milímetros quando o beijo se partiu aos poucos e os dois sorriram. Então Severide apertou levemente o queixo dela, ao abrir os olhos primeiro e encontrá-la com um sorriso largo.
— Me sinto preparada para a vida agora — ela empinou o queixo e balançou os ombros, como se preparasse para algo, fazendo Severide rir.
Amanda observou como seus olhos se fechavam quando ele ria, ficando ainda menores do que já eram, desde que o conheceu, nunca tinha ouvido sua risada tantas vezes seguidas. Então, cortando seus pensamentos, ele se aproximou rápido e depositou um beijo no rosto dela.
— Sorte do cara que merecer seu beijo e é bom que ele valorize, senão quebro o detetive — tentou soar sério, fazendo ela rir ao empurrá-lo de leve, então Severide lhe deu um beijo na bochecha antes de voltar a se deitar — Boa noite, Mandy.
— Boa noite, Kelly. — O chamou pelo primeiro nome, pela primeira vez, sentindo que um beijo e dividirem uma cama, acabou de fazer uma amizade nascer. Por mais irônico que fosse.

•••


— Pronto. — Severide colocou sobre o balcão, uma chave, em frente a tigela de cereal que Amanda comia.
— O que é isso? — A morena franziu o cenho, chamando a atenção de Shay que passava geleia na torrada.
— Sua chave do apartamento — respondeu casualmente ao abrir a geladeira para pegar a jarra de suco. Amanda abriu um largo sorriso e colocou a chave no bolso da calça.
— Não estou reclamando do clima family friendly, mas o que raios aconteceu anteontem? — Shay decidiu perguntar, visto que nos últimos dois dias, os dois estavam rindo, brincando um com o outro e conversando naturalmente, como se Severide nunca tivesse tratado Amanda com desconfiança e frieza.
— Aconteceu você me expulsando do quarto… — Amanda respondeu antes de colocar uma colherada de cereal na boca.
— E a gente se beijou. — Severide completou assim que virou o copo de suco de uma vez.
A morena engasgou com o cereal e Shay com a torrada que tinha acabado de morder. Enquanto Severide apenas sorriu inocente e seguiu para o banheiro, a fim de tomar banho antes de irem para o quartel.
— Isso é sério?! — Shay perguntou ao se recompor, assim que ficaram sozinhas na cozinha.
— Sim, mas foi só um beijo, como amigos… — deu de ombros, rindo da situação após o choque inicial dele ter contado de repente.
— Gente, é um novo método de fazer amigos? Porque eu amei, vou aderir. — O comentário arrancou uma gargalhada de Amanda e Shay a acompanhou.

•••


Durante os quinze dias que se seguiram, Amanda sentia sua amizade com Severide e Shay cada vez mais forte. Era uma relação divertida e leve, onde compartilhavam risadas e uma cumplicidade que a garota nunca achou ser possível em tão pouco tempo.
No quartel, Amanda se tornava cada vez mais parte de uma família. Cada um ali tinha um valor enorme para ela, mesmo os com quem conversava menos ou ainda não tinha muita intimidade. A cada dia, sentia que a decisão de recomeçar, tendo eles fazendo parte de sua vida, foi a melhor escolha.
— Notícias dos novos documentos? — Casey perguntou numa tarde, enquanto estava no quartel e ela foi até o corredor atender o celular.
— Parece que logo ficam prontos, era o Antônio, para avisar — Ela abriu um sorriso empolgado mostrando o celular que conseguiu comprar aqueles dias e Casey a acompanhou, colocando as mãos nos bolsos da calça azul marinho.
— Desculpa estar um pouco distante esses dias…
— Está tudo bem? — Ele assentiu e coçou a testa levemente.
— Acho que preciso seguir seu exemplo e recomeçar.
A sirene anunciando um chamado para o batalhão, interrompeu a conversa e Casey apenas tocou o braço de Amanda antes de correr para fora do quartel junto do restante do pessoal.

•••


— Ontem ele comentou comigo no quartel, sobre precisar recomeçar. — Amanda comentou com Shay, enquanto servia para a amiga uma dose de Gin.
— Os dois precisam… — a morena franziu o cenho e Shay completou — ele e a Gabby.
— Não sabia que eles tinham algo — Shay assentiu depois de dar um gole na bebida.
— Terminaram há alguns meses.
Os olhos de Amanda encontraram os de Casey na mesa logo atrás de Shay, perto da parede. Ele ria enquanto conversava com Severide e Cruz. Não demorou muito e ele voltou a atenção para a conversa depois de dar um gole em sua cerveja.
A porta do bar abriu e o moreno de jaqueta de couro que Amanda conhecia bem, passou por ela. Seus olhos percorreram o bar rapidamente, em uma procura que logo terminou ao encontrar Amanda o observando.
— Não preciso nem olhar para saber quem chegou. — Shay comentou com um sorriso brincalhão, levando o copo aos lábios.
Amanda olhou para a loira com expressão de tédio, mas riu em seguida.
— Entrega especial para Amanda Rodrigues. — Antônio Dawson anunciou ao se sentar dois bancos depois de Shay, com um sorriso de canto mostrando um envelope pardo para Amanda.
— Sério? — A garota abriu um largo sorriso ao pegar o envelope, olhou para Shay com empolgação e a amiga a incentivou com o olhar ansioso, para que abrisse.
Rapidamente, Amanda abriu o envelope e enfiou a mão, pegando os documentos que ali estavam. Passaporte, documento de identidade, tudo que precisava para ser realmente alguém ali. Uma cidadã de Chicago, uma cidadã de algum lugar.
Seus olhos marejados indicavam sua alegria em ver aquilo, mesmo sem ao menos saber exatamente porque estava tão emocionada.
— Uma nova Amanda acaba de nascer! — Segurou o documento de identidade ao lado do rosto, virando-se para Herrmann e Otis, com o sorriso enorme estampado nos lábios.
— Boa!!! — Herrmann fez um hi-5 com a garota e logo a puxou para um abraço.
Seguido disso, houve uma micro comemoração, todos estavam felizes e empolgados por ela. Porque sabiam, aquilo era o marco real de seu novo início. Era o que possibilitava ela ter uma vida ali. Chicago era oficialmente seu lar a partir de então.
Em meio às risadas, um brinde foi puxado por Herrmann, ao subir num banco e chamar a atenção de todos no bar.
— Hoje uma amiga inicia uma nova fase. Nossa menina, Amanda, que chegou de forma inesperada conquistando a todos nós. — Ele olhou diretamente para Amanda antes de completar — você nunca mais estará sozinha, estamos com você, sua família do 51.
— À AMANDA! — Kelly Severide disse em alto e bom som, levantando sua cerveja, fazendo todos os presentes levantaram também e repetirem em um coro, deixando Amanda com um sorriso bobo enquanto olhava em volta.
Então aquilo era se sentir em casa…
Encontrou os olhos de Antônio em meio às pessoas, ele ocupava uma mesa com Jay Halstead que ela nem tinha visto chegar. Ele sorriu e Amanda disse um obrigada silencioso, Antônio apenas assentiu.
Aquilo era definitivamente se sentir em casa.



— CALMA HERRMANN, SE VOCÊ… — o estrondo de mais uma lata de lixo sendo jogada pelo carro, cortou a fala de Amanda.
Hermmann fechou os olhos com força e logo levou as mãos à cabeça.
— Foi sua culpa, você me deixa nervosa! — acusou Amanda e viu o homem quase ter um ataque, de tão vermelho que estava ficando.
— Não acham perigoso demais fazerem isso aqui na frente do quartel? — Casey perguntou alto ao seu aproximar, com as mãos nos bolsos.
— Eu tô segura, fica tranquilo. — Amanda garantiu, abrindo um largo sorriso para o tenente, assim que Herrmann abriu a porta para sair e checar o estado da traseira de seu carro.
— Me preocupo com a segurança dos outros. — Matt Casey comentou segurando a risada e viu Amanda arquear a sobrancelha em uma expressão ofendida, colocando a mão no peito.
— Acho que não tem jeito, tenente… — Herrmann comentou meio baixo ao se aproximar do outro.
— Eu ouvi isso, viu! — Amanda se inclinou sobre o banco do passageiro para ver os dois homens.
— Tava falando do lugar, não tem jeito de você aprender aqui… — ele respondeu com uma entonação forçada, olhando para Casey em um pedido de socorro.
A sirene tocou, salvando Hermmann de continuar tentando ensinar Amanda a dirigir. Ela respirou fundo ao ver os dois acenando e logo correram para dentro do quartel. Ela ficou ali por mais alguns minutos, enquanto observava as viaturas saindo do quartel.
Ao entrar, depois de fechar o carro de Herrmann, pediu o notebook do quartel para Connie e se sentou na mesa redonda do refeitório. Não tinha muito dinheiro, mas com as gorjetas e salário do Molly's, poderia pagar as parcelas de um carro simples. Então começou a pesquisar se encontrava algum que estivesse dentro de seu orçamento.
Olhou para a data no canto da tela, se distraindo por um momento. Dois meses tinham se passado desde aquela manhã em que acordou no hospital, confusa e assustada. Apoiando o queixo na mão, olhou em volta, lembrando do dia que Casey a levou para o quartel. Tantas coisas já tinham acontecido em tão pouco tempo.
Chegou a ser acusada de assassinato, tráfico e de ser uma foragida. Aquilo a fez lembrar que desde aquele dia desesperador na delegacia, não tinha mais visto o sargento Hank Voight. O que fazia sentido, visto ele não ser um grande amigo dos bombeiros do 51.
Voltou a atenção para as fotos de carros usados aparecendo na tela, mas sem olhá-los realmente.
O barulho do portão do quartel abrindo e as viaturas estacionando, a despertou. Olhou para a porta no momento em que ela foi aberta e o primeiro a entrar foi Joe Cruz, seguido dos outros.
— Hey! O que tá aprontando? — ele perguntou ao se aproximar da cafeteira logo atrás de Amanda.
— Procurando um carro. — Deu de ombros, sem tirar os olhos da tela, com uma expressão de tédio.
— E encontrou algo? — Shay se aproximou, sentando-se ao lado da amiga.
— Acho que não, a grana é curta. — Deu um sorriso de canto ao tirar a mão que apoiava o queixo e viu Leslie Shay virar o notebook para si.
— Acho que posso te ajudar. — Gabriela Dawson se aproximou enquanto comia um biscoito que pegou na cozinha assim que chegaram do chamado. — Um amigo está vendendo o carro que era da mãe dele.
Amanda olhou para a morena, assim como Casey, da outra mesa, a olhou pelo canto dos olhos quando ouviu.
— E ele está pedindo quanto?
— Não sei exatamente, mas ele quer se livrar logo do carro, porque só está ocupando espaço da garagem. — Bateu as mãos, tirando o farelo de biscoito e pegou o celular no bolso — Vou falar com ele já.
— Valeu, Gabby. — A mulher sorriu em resposta, mas antes que discasse para o amigo, a sirene tocou novamente, um chamado apenas para a ambulância.
— Ligo quando voltar. — Amanda apenas assentiu, sorrindo para a outra, que correu para fora do quartel seguida por Shay.
— E as aulas de direção? — Kelly Severide perguntou segurando a risada. Amanda abriu a boca para responder, olhando na direção de Herrmann, mas ele a interrompeu.
— Acabei de lembrar que preciso limpar o equipamento! — E saiu rápido, antes que alguém dissesse qualquer coisa.
Todos apenas ficaram olhando para a porta, em silêncio por alguns segundos, até Kelly olhar para Amanda arqueando a sobrancelha e deixando a risada sair. Casey acompanhou a risada ao ver a boca aberta de Amanda se transformando numa careta engraçada.
— Mas limpamos o equipamento hoje cedo. — Mouch comentou confuso ao tirar os óculos e virar-se no sofá para olhar os outros.
— Conheço um ótimo lugar para aprender, se quiser, levo você — Severide sugeriu para a garota.
— A auto estrada? — Amanda olhou para Cruz com a sobrancelha arqueada quando ele sugeriu — foi onde levei meu irmão — ele se sentou na mesma mesa que ela.
— Okaaay… — a garota disse com os olhos um pouco arregalados, como se estivesse cautelosa — me lembre de nunca pedir que me ensine algo — ela tocou o braço do homem ao seu lado na mesa, dando dois tapinhas e voltou-se para Severide que estava na outra mesa com Casey — mas eu topo, se você não for ficar gritando comigo igual o Herrmann! — Ressaltou firme, apontando o indicador para o amigo e ele levou a mão à testa, como se batesse continência e sorriu para ela.
— Sim, senhora!
O celular de Amanda tocou naquele exato momento, no visor indicando que era Antônio. Ela atendeu enquanto se levantou e indicou com o dedo que iria atender no corredor.
— Ela tá se saindo bem, né — Casey comentou com um sorriso orgulhoso, enquanto a observou sair, Kelly apenas assentiu — E pelo jeito, vocês estão se dando bem agora.
— Acho que ela me lembra a irmã que sempre quis ter. — parou por um momento, lembrando do beijo — Ok, talvez não exatamente uma irmã, mas quase isso.
— Você gosta dela, só isso Severide. — Casey riu da confusão que ele fez ao tentar se expressar.
— É, isso aí — os dois riram e viram Amanda aparecer na porta.
— Vou dar uma saída, meninos — eles apenas assentiram e deram um aceno com a mão.
— Ela é uma garota especial. — Severide comentou olhando para a porta, onde Amanda estava segundos antes.
Os dois tenentes se encararam, concordando com aquilo e sorriram. Sentiam como se Amanda sempre tivesse feito parte da vida deles. Como se a garota tivesse um pedacinho de cada um deles dentro de si e isso os conectava.

•••


Ao chegar em frente a delegacia, Amanda pegou o celular para avisar Antônio que havia chegado.
— Ei, você deve ser a Amanda do Antônio — ela olhou para o lado, encontrando um homem loiro e a barba bem feita, combinando com o cabelo cheio em um topete jogado para o lado que o deixava bem charmoso, usando uma camiseta manga longa azul marinho e o distintivo em sua cintura indicava que era um policial.
— Não creio que pertença a alguém, mas sim, sou a Amanda. — Ela respondeu em um tom de brincadeira e deu risada, sabia que ele não pretendia ser rude, ele tinha um brilho divertido nos olhos e um sorriso maroto que o deixava como um garoto de quinze anos.
— Sim, claro, me expressei mal — ele passou a mão na nuca, em uma careta e apontou para a delegacia — ele disse que viria, te levo lá…
— Certo, obrigada… — Amanda fez uma pausa, esperando que ele dissesse seu nome.
— Adam Ruzek, ao seu dispor — ele lhe ofereceu um leve sorriso e estendeu o braço para que ela fosse na frente.
Passaram pela porta da delegacia e já estavam perto da escada quando o oficial Ruzek foi chamado pela policial atrás do balcão, fazendo os dois pararem, Amanda já no primeiro degrau.
— Ruzek, telefone para você na linha 2, Mia Collins. — O homem agradeceu e voltou-se rápido para Amanda ao subir os poucos degraus na frente dela.
— Pode subir, ele tá lá em cima — ele passou a digital no portão de ferro que protegia o setor da Inteligência, abrindo para Amanda passar — sabe chegar lá?
— Sei sim, obrigada, Ruzek. — Ela sorriu e passou pelo portão, terminando de subir as escadas ao ouvi-lo trancar novamente.
— Amanda, oi! — Antônio tirou os olhos do computador ao ouvi-la entrar.
— Oi — acenou com um leve sorriso, vendo que Erin e Jay também estavam ali — o Ruzek me encontrou lá embaixo e me deixou subir.
— E cadê ele com meu café? — Uma voz surgiu atrás de Amanda e ela se virou, encontrando um homem mais velho, com uma barba grisalha, usando boina, os olhos baixos e a expressão de cansaço.
— Parece que ia atender uma ligação — não se lembrava de ver um copo de café na mão do oficial, mas não era de sua conta dar a informação, então apenas se aproximou da mesa de Antônio.
— Aquele é o Olinsky, a Erin e o Jay você já conhece, né? — Antônio Dawson comentou assim que Olinsky saiu. A garota acenou para os dois e não pôde controlar o olhar na direção da sala aos fundos, conferindo se Voight estava ali.
— Como você tá, Amanda? — Erin Lindsay perguntou ao se sentar na beirada da mesa.
— Muito bem! Está sendo legal criar novas memórias — deu de ombros, a detetive achando particularmente bonita a forma que ela se referia à nova realidade e sorriu para ela.
— Fico feliz por você — e Amanda podia ver em seus olhos que realmente ficava, como se Erin realmente soubesse como era recomeçar. Sentiu-se compreendida e acabou captando um olhar meio abobalhado por parte de Jay Halstead. Constatar que rolava algo ali, fez Amanda alargar ainda mais o sorriso, fazia um casal bonito.
— Vamos lá, Amanda? — Antônio a chamou e ela assentiu, logo o seguindo para uma outra área, com um balcão e alguns arquivos cuidados por um policial. — Só assinar aqui… — ele indicou com o dedo — como te disse, é seu consentimento para fecharmos a investigação e ela ser arquivada como inconclusiva.
— Jay e Erin, rola alguma coisa? — Ela comentou casualmente, enquanto assinava.
— Não que eu saiba — ele franziu o cenho.
— Formam um casal fofo. — Sorriu e deslizou o papel sobre a mesa, na direção de Antônio, ao terminar de assinar.
— Amanda cupido agora? — Os dois riram e seguiram juntos de volta à sala onde estavam antes.
— Não vi o sargento… — comentou cruzando os braços.
— Ele precisou ir até Nova York. — Amanda apenas assentiu diante da informação.
O celular de Amanda deu um bip de mensagem recebida e ao olhar, era Gabby.
— É sua irmã — sorriu para o detetive ao seu lado — acho que vou conseguir comprar um carro, indicação dela — completou guardando o celular no bolso novamente.
— Nossa, que perigo. — Amanda arqueou a sobrancelha para ele e lhe deu um tapinha no braço, ambos rindo.
— Podemos emitir a papelada para trocarem os postes — Jay completou e Erin olhou para ele rindo, até voltar-se para Amanda segurando a risada e tentando falar séria.
— Só nos avise com antecedência quando for pegar a habilitação, Amanda.
Cruzando os braços, olhou para os três abrindo a boca ao levar a mão ao peito, como se estivesse ofendida.
— Agradeço os votos de confiança, pessoal! — fez sinal de jóia com a mão e rolou os olhos, até sua risada se misturar a deles.

•••


Depois de insistir um pouco, Amanda aceitou a carona de Antônio até em casa. O caminho não poderia ter sido mais agradável. Deram risada e conversaram sobre o que Amanda tinha feito nos últimos dias, como sua aula de direção com Herrmann que foi um fracasso.
— Talvez a ideia de trocar os postes não seja tão ruim, viu… — o comentário do homem a fez rolar os olhos.
— O Herrmann que não tem paciência. Você vai ver, serei uma grande pilota no meu carro novo. — Empinou o queixo, jogando os cabelos cacheados para o lado, onde Antônio levantou uma mão em rendição enquanto ria.
— Como que a Gabby está te ajudando? Não sabia que ela tava vendendo o carro…
— Ela me indicou um amigo dela, que está vendendo. — Antônio assentiu e depois negou com a cabeça, como se não concordasse com algo. — Você o conhece? Não é confiável? — Amanda questionou franzindo o cenho e ele a olhou rápido antes de fazer uma curva.
— Não é isso, ele é gente boa e esse é o problema — a garota arqueou a sobrancelha — pelo que vi, estão saindo juntos, Gabby parece estar querendo apagar o Casey da cabeça e vai acabar se magoando. — Ele parecia preocupado com a irmã e Amanda apenas assentiu levemente.
Fazia sentido alguns olhares que via o tenente Casey direcionar para Gabby Dawson. Talvez ele ainda gostasse dela, depois do término e era difícil vê-la superando. As palavras de Gabby algumas semanas antes, de como fazia bem recomeçar, não eram apenas sobre Amanda.
Logo entraram em outros assuntos, deixando aquilo para trás, até chegarem na frente do prédio de Severide e Shay, sem que ela ao menos percebesse.
— Bom, obrigada pela carona. — Amanda tirou o cinto de segurança e olhou para Antônio. — Sem acidentes dessa vez — comentou rindo.
— Sim, ainda bem, ia começar achar que sou eu que atraio acidentes — ele também soltou uma leve risada, a olhando enquanto deixou um braço ainda apoiado no volante.
— Sabe que não tá sozinha, né? — Ela não entendia porque ele dizia aquilo de repente, mas gostou de ouvir.
— Sei… — respondeu baixo, presa nos olhos dele, como se um ímã a impedisse de desviar.
Antônio se lembrou do abraço, aquele abraço que o desestruturou e aconchegou ao mesmo tempo. Um abraço que o fez se sentir em casa, de um jeito que faziam anos que não sentia. O quão louco seria querer tanto tê-la tão perto mais uma vez? Seus olhos desceram até os lábios dela e viu Amanda abri-los levemente.
Poderia estar enganado ou apenas inebriado pelo momento, mas podia jurar que Amanda estava alguns centímetros mais próxima. Num movimento quase automático, sua mão foi até a trava do cinto e o soltou, na intenção de ficar mais livre para levar a mão ao rosto dela.
Então, o celular dele tocou no exato momento em que passou o braço pelo vão do cinto, se livrando do mesmo ao virar o corpo no banco, mais de frente para ela. Os dois pareceram despertar de algo, Amanda principalmente, e se arrumaram nos bancos. Antônio xingou mentalmente e pegou o aparelho, xingando ainda mais ao ver o nome.
— A gente se fala — Amanda abriu a porta e saiu rapidamente, olhando outra vez para trás, antes de passar pelo portão. Apenas deu um leve sorriso para ela, enquanto o celular não parava de tocar em sua mão.
— Fala, Voight. — Atendeu com a voz entediada, olhando mais uma vez para o portão do prédio, onde Amanda já não estava mais.



— Já está quase parecendo um quarto… — Shay comentou ao abraçar Amanda de lado, passando o braço por seu ombro.
Severide e Shay negaram veementemente que ela se mudasse, para ir morar sozinha. "Aqui é sua casa", nunca esqueceria o carinho com que Severide disse aquelas palavras.
— Sabia que daria para transformarmos esse quarto de bagunça. — Kelly Severide falou, parando atrás das duas, depois de levar uma caixa para fora do cômodo.
O homem abraçou as duas amigas e depositou um beijo no rosto de cada uma, logo abrindo um largo sorriso.
— Então vamos terminar, que essas caixas não vão sair daqui sozinhas, infelizmente — Amanda fez uma careta na última palavra e os outros dois riram.
Tinham conseguido arrumar grande parte, mantendo algumas coisas como uma estante de livros e caixas organizadoras. A pequena mesa que antes estava amontoada de coisas desnecessárias, Amanda usaria como penteadeira. Já imaginava como iria decorar o cômodo, de um jeito simples mas bem sua cara.
Ligando o aparelho de som, Shay colocou uma música animada para tocar e não demorou muito para a arrumação se tornar uma cantoria animada das duas. Evoluindo rapidamente para danças nem um pouco sincronizadas. Severide apenas ria, observando as suas, enquanto organizava alguns objetos do quarto.

•••


— Acho que quero deitar e acordar daqui uma semana, de tão cansada — Amanda comentou estirada no colchão que estava no chão e seria temporariamente sua cama.
— Como pode um quarto tão pequeno abrigar tanta bagunça? — Shay resmungou, com a cabeça deitada na barriga da outra.
— Trouxe combustível… — Severide apareceu na porta, com três garrafinhas de cerveja nas mãos.
As duas se levantaram, ficando sentadas no colchão e Kelly também se sentou perto delas, entregando uma cerveja para cada uma.
— Vocês chegaram a ver uma matéria sobre o cientista que está pesquisando sobre viagem no tempo? — Amanda perguntou casualmente, assim que deu um gole na bebida, recebendo um olhar confuso de Severide e uma gargalhada de Shay.
— Isso é sério? — a loira perguntou, quando a risada se dissipou aos poucos.
— O cientista é quem? O Doc Brown? — as duas olharam para Kelly com os olhos arregalados — qual é, assisti De Volta Para o Futuro quando era criança. — Abriu os braços encarando as duas e com um sorriso, deu mais um gole na bebida.
— Mas então, não cheguei a ver muita coisa, só a chamada — os dois amigos voltaram a atenção para a morena — vi passando na televisão da lanchonete que eu estava com o Antônio, antes daquele acidente… — Severide e Shay trocaram um olhar cúmplice, acompanhado de sorrisos maliciosos.
— Não sabia que vocês estavam numa lanchonete, mocinha — Leslie Shay olhou para a amiga com os olhos semicerrados.
— Continuando… — Amanda tentou desconversar.
— Eu quero detalhes disso aí depois. — Severide apenas as observou com um sorriso e viu Amanda rolar os olhos antes de continuar o assunto.
— Será que isso seria possível mesmo? Viajar no tempo…
— Amanda, você não é uma viajante do tempo, isso é loucura. — Severide afirmou com convicção.
Os três ficaram em silêncio por alguns minutos, apenas bebendo suas cervejas, enquanto Amanda pensava sobre aquilo e acabou rindo sozinha, chamando a atenção dos outros dois.
— Nossa, e parando para pensar, seria bem inútil viajar no tempo e não lembrar das coisas! — Shay e Severide pensaram naquilo por alguns segundos antes de assentirem com um dar de ombros.
— Você chegou a conversar com o Dr. Charles de novo? — a loira perguntou em tom casual.
— Não, só aquela vez que ele disse que talvez tenha sofrido um trauma. — Deu de ombros.
— Faria total sentido mesmo. — Shay concordou.
— O que acham de pedirmos uma pizza? Para comemorar o quarto novo. — Kelly Severide decidiu quebrar o clima levemente tenso e virou o restante do líquido de sua garrafa antes de levantar.
— Quero de strogonoff — Amanda pediu rápido, de forma automática. Shay engasgou com a cerveja ao ouvir e Kelly ficou parado na porta olhando para ela como se fosse uma alienígena.
— Essa é a combinação mais louca que eu já vi. — O homem respondeu pausadamente, ainda com a expressão de confusão.
— Nunca vi esse sabor por aqui, Mandy. — Shay conseguiu falar, depois que a sensação da cerveja indo ao nariz, passou.
— Mas… É meu… Preferido. — As palavras de Amanda saíram cautelosas, como se nem ela acreditasse na constatação.
Os três se entreolharam, mais uma vez Amanda tinha uma minúscula lembrança, totalmente solta e sem muito sentido. Uma vaga informação sobre ela, seu sabor de pizza preferido e ele não fazia parte do cardápio norte americano.
— Bom… Posso perguntar, mas não garanto nada — Kelly quebrou o silêncio e lhe ofereceu um sorriso de leve — pode ser pepperoni se não tiver essa?
As duas amigas assentiram em resposta e aquela sensação esquisita que sempre sentia ao lembrar de algo, atingiu Amanda com força. Era como se algo tentasse abrir uma caixa de memórias, trancada com um cadeado e ao mesmo tempo outra coisa impedisse. Havia uma verdadeira guerra dentro de si. Ao mesmo tempo que torcia para as memórias se libertarem, não tinha certeza se queria realmente aquilo.
Sentiu a mão de Shay em seu braço e a olhou com um leve sorriso, encontrando em seus olhos a calmaria que precisava no momento.
— Não fica assim, nem todo mundo tem gostos normais para comida. — O comentário fez a morena cair na risada, demolindo a sensação ruim que tinha a atingido poucos minutos antes.
— Boba — rolou os olhos ao balançar a cabeça e a empurrou de leve.
Antes que Severide voltasse para o quarto, as duas se levantaram e foram para a sala, deixar as garrafinhas vazias e pegar outras. Severide terminou de fazer o pedido da pizza, já informando Amanda que não tinha pizza de strogonoff e que foi bem zoado pelo atendente, inclusive.
Enquanto esperavam pela entrega da pizza, se sentaram no sofá para assistir um filme. O qual foi uma discussão para decidir qual iriam assistir, até escolherem De Volta Para o Futuro, como uma grande ironia.
Antes da metade do filme, a campainha tocou e Severide olhou no celular, ainda não tinha dado o tempo que a pizzaria informou. Shay se levantou do sofá, onde estava deitada com as pernas no colo de Amanda.
— Vou ao banheiro, vocês pegam a pizza? — Amanda assentiu em resposta ao amigo e se levantou em seguida, correndo até a porta.
Ao olhar no olho mágico, constatou que não era o entregador.
— Casey? — Perguntou com a testa franzida, encontrando os olhos tristes e vermelhos do tenente a encarando.
— Amanda… — respondeu com a voz mole, denunciando o óbvio.
— Você tá bêbado? — Amanda arregalou os olhos e o viu passar a mão na nuca, como se estivesse sem graça e levemente confuso.
— Eu… Acho que sim, um pouco… — franziu o cenho ao olhar para a morena a sua frente e abriu um sorriso abobalhado — eu não devia estar aqui, acho melhor eu… — Matt Casey deu um passo para trás.
— Não, Casey. — Disse rápido, puxando o homem pelo braço — Vem, entra… — pediu calmamente, levando ele consigo.
Imaginou que não seria uma boa ideia ele sair por aí naquele estado, se já estava ali, poderiam cuidar dele.
— Não era o entregador? — Shay perguntou confusa e logo teve sua resposta, ao ver quem estava atrás de Amanda. — Casey? — Ele acenou em resposta e antes de dizer alguma coisa, Severide retornou do banheiro.
— Casey? O que faz aqui?
— Já sei que meu nome é Casey, eu hein. — Fez careta, arrancando uma risada de Kelly que parou no meio da sala, com as mãos na cintura, encarando o amigo.
— Toma, bebe um pouco — Amanda estendeu um copo com água para o homem e ele olhou para o conteúdo por alguns segundos, logo voltando a atenção para a garrafinha de cerveja sobre o balcão.
— Não pode ser uma daquela?
— Você já bebeu mais do que deveria por hoje, Matt. — A morena advertiu, o chamando pelo primeiro nome, algo que nunca tinha feito e observou os olhos tristes dele fitando o copo d’água antes de dar um gole com desgosto.
— Água não faz esquecer. — Comentou baixo, fazendo os outros três se olharem confusos e também preocupados com o amigo.
— O que aconteceu? — Amandou tocou o braço do loiro, que tinha lágrimas se formando e inundando seus olhos azuis.
Ele se sentou em um dos bancos da bancada de mármore, enquanto Leslie Shay e Kelly Severide se aproximaram um pouco, ambos apoiando os braços na bancada.
— A Gabby… Estava no Molly’s com um cara — respondeu abaixando os olhos para o copo.
— Ah! Que bom que a Gabby conseguiu ficar com alguém de novo — Shay vibra, sem pensar, Amanda a repreendeu com o olhar e Casey a encarou com cara de nada — Desculpa… — pediu ao se dar conta, levando a mão à boca. Severide assistia tudo, rindo da situação.
— Você, meu amigo, também deveria seguir em frente. — Severide deu de ombros e Casey pareceu levemente incomodado com o conselho, como se já tivesse pensado sobre o assunto.
A campainha tocou de novo e Kelly Severide correu até a porta, sendo acompanhado por Shay. Enquanto Amanda pedia para Casey beber mais um pouco de água porque precisava se hidratar.
— Não achei que ela fosse seguir em frente tão rápido. — Casey comentou depois de dar uma mordida na fatia de pizza, assim que ficaram sozinhos na cozinha e Shay foi para a sala com Severide.
— Sinto muito… — ele a encarou e sorriu levemente, os olhos brilhantes por causa da bebida e das lágrimas que já tinham secado.
— A gente vai deitar — Shay quebrou o silêncio, depois de uma breve troca de olhares entre Casey e Amanda.
— Pode dormir aí, Casey, fica à vontade. — O loiro assentiu ao ouvir Severide e voltou a atenção para a pizza que terminava de comer.
Assim que terminaram a pizza, Amanda foi pegar um travesseiro e uma coberta para Casey. O encontrou sentado no sofá, com a cabeça jogada para trás e os olhos fechados. Mas podia ver uma lágrima parada em sua bochecha, algo que partiu seu coração em vários pedacinhos.
— Ei… — ela se aproximou com um sorriso complacente, Casey se arrumou e limpou o rosto com as costas da mão.
— Sabe, eu tava lembrando de quando ela entrou no 51 — mesmo que talvez fosse efeito do álcool ainda muito presente no sangue dele, Amanda podia ver que ele precisava desabafar, então se sentou no sofá, de frente para ele. — Fomos amigos por um bom tempo, mas acho que sempre gostamos um do outro, só não aceitávamos — Amanda pensou em dizer algo, mas preferiu esperar e apenas ouvi-lo, ele não precisava de conselhos ou algo do tipo, não naquele momento — talvez dois anos não seja pouco… o tempo que estamos separados… — se enrolou um pouco, a voz começando a embargar — mas ver ela com outro? — os olhos marejados se voltaram para Amanda e ela sentiu uma enorme vontade de abraçá-lo, para mostrar que estava tudo bem sofrer e estar chateado, mas em vez disso, apenas segurou em sua mão — Não é que eu ainda a ame, ou amo, só que de um jeito diferente, não quero voltar com ela, só que… — sem conseguir evitar, Amanda arqueou a sobrancelha, mas ele não viu, a vista já embaçada pelas lágrimas que ele não conseguia controlar.
Sem que pudesse impedir e pega totalmente de surpresa, Amanda sentiu o homem aproximar o corpo do dela, deitando a cabeça em seu ombro. Então ela o abraçou, fazendo um leve carinho em suas costas, o deixando chorar e colocar para fora toda a mágoa e frustração com o que estava acontecendo.
Não achava que fazia o tipo de Matt Casey se entregar às lágrimas daquela forma, mas a bebida podia fazer uma verdadeira bagunça no emocional de alguém, o fazendo se transformar em algo que não era normalmente.
Casey acabou pegando no sono alguns minutos depois, com a cabeça deitada no colo de Amanda, que ficou lhe fazendo um carinho nas costas durante todo aquele tempo. Não sabia como era aquele sentimento, de se sentir traída ou triste porque alguém que amava estava com outro. Pelo menos não se lembrava como era se sentir daquela forma.
Amanda ouviu a porta do quarto se abrir e olhou na direção do corredor, encontrando Shay indo na direção da cozinha usando apenas calcinha e camiseta regata. Então, antes de se levantar, olhou para o homem de olhos fechados, dormindo pesadamente e depois de fazer um leve carinho nos cabelos loiros, se levantou com cuidado. O cobriu e foi até Shay, que se servia dum copo com água.
— Ele já fez isso alguma vez? — a mulher olhou para a amiga — Beber desse jeito…
— Não que eu me lembre, o Casey é todo certinho… — olhou na direção do sofá ao responder e virou a água de uma vez, deixando o copo na pia — ele tá bem?
— Só está triste, mas acho que vai ficar bem. — Shay assentiu e seguiu de volta para o quarto.
Amanda foi logo em seguida, mas antes parou perto do sofá e o olhou por alguns segundos. Lembrou-se da primeira vez que se viram, da segurança instantânea que sentiu ao focar nos olhos azuis firmes de Casey. Gabriela Dawson tinha muita sorte de ter sido amada por alguém como ele. O pensamento a fez sorrir… Talvez ela ainda fosse amada por ele, na verdade.
Teve a impressão de ouvir a voz sonolenta de Casey dizendo seu nome assim que deu as costas e o olhou, mas ele nem havia se mexido. Seguiu para o quarto, sentindo o cansaço do dia novamente dar as caras.



Ao acordar, Amanda foi até a cozinha, observando que os dois quartos estavam vazios, Severide e Shay já tinham saído para trabalhar. Foi até o banheiro, pensando se Casey também já tinha saído.
Teve a resposta assim que saiu do banheiro e chegou na sala, ele ainda estava deitado. Seguiu até a cozinha e se serviu de uma xícara de café, que com certeza Severide preparou antes de sair.
Enquanto tomava seu café e comia uma torrada, sentada na bancada, viu Casey levantar devagar e ir para o banheiro como se um caminhão tivesse passado por cima dele.
Amanda se levantou e fez mais uma xícara de café na cafeteira.
— Bom dia… — a garota se virou e deu um leve sorriso ao ouvi-lo. Ele se sentou em um dos bancos e passou as mãos no rosto.
— Toma, vai ajudar na ressaca — entregou a caneca de café forte e sem açúcar — vai trabalhar hoje?
— Sim… — deu um gole no café e fez uma careta ao sentir o amargo na boca — no próximo horário — respondeu simplesmente e viu a morena assentir, enquanto terminava de comer a torrada. — Desculpa se fiz algo ontem…
— Não fez, Matt — ela sorriu para ele e o homem desviou os olhos para o café, como se fugisse de seus olhos castanhos que pareciam ver ele por dentro. — Fiquei preocupada com você… — completou com a voz suave.
— Não sei o que deu em mim… — apoiou a cabeça em uma mão que tinha o cotovelo apoiado na bancada.
— Você tava triste… — deu de ombros e o encarou como se compreendesse — só não desconta mais na bebida assim, não faz bem. — A garota tocou a mão dele carinhosamente.
— Obrigado por ficar comigo. — Ele segurou a mão dela e com o polegar fez um leve carinho em sua palma.
Os dois sorriram, se encarando por alguns minutos. Como se fossem cúmplices de algo que só os dois sabiam, compartilhando um segredo silencioso. Uma conexão que foi nitidamente reconhecida no exato momento em que se conheceram.
— Isso que os amigos fazem — ela sorriu abertamente e sentiu Casey soltar sua mão. Ele apertou seu queixo, brincalhão, arrancando dela uma leve risada.
— Eu preciso ir, senão vou me atrasar demais, ainda vou passar em casa — se levantou e deu mais um gole no café amargo — quer uma carona? Se for para o quartel… — ela olhou a hora, precisava ir para preparar o almoço dos meninos, por mais que imaginasse que Peter Mills iria adiantar as coisas até ela chegar.
— Eu aceito, vou só trocar de roupa!

•••


Enquanto esperava Matt Casey, Amanda se sentou no sofá da casa dele, olhando em volta distraidamente. Até um bip de celular soar em seu bolso, era uma mensagem de Gabby Dawson, informando que o amigo levaria o carro para ela ver. Avisou que logo estava chegando no quartel e ouviu Casey se aproximando.
Colocando as mãos nos bolsos ao se levantar do sofá, Amanda sorriu para o homem, ele correspondeu ao chegar perto dela e os dois seguiram para o carro.
— Vou ver meu carro hoje! — comentou empolgada.
— Aulas com o Herrmann de novo? — a olhou rápido ao perguntar rindo.
— Não quero ser a causadora de um ataque cardíaco no coitado — Amanda respondeu em meio a risada, fazendo uma careta — vou aceitar a ajuda do Kelly. — Deu de ombros.
— Você vai conseguir. — sorriu encorajador.
— Espero que sim, porque não vai adiantar muita coisa ter um carro e não conseguir a licença para dirigir. — Disse enquanto prendia os cachos num rabo de cavalo alto, deixando alguns cachos soltos perto da orelha.
Percebeu Casey olhá-la quando pararam no semáforo, mas tentou não corresponder, controlando sua vontade de virar o rosto e encontrar os olhos dele.

•••


— Olha só quem decidiu aparecer! — Peter Mills foi o primeiro a notar Amanda chegando, seguida por Casey, que passou reto em direção à sala dele.
Gabby Dawson o observou do refeitório e decidiu ir atrás, passando por Amanda com um leve sorriso, correspondido pela garota.
— Desculpa, meu cozinheiro preferido — ela correu até ele, que já estava terminando de comer, assim como os outros, e depositou um beijo estalado em sua bochecha.
— Você torna a tarefa de ficar bravo com você, bem difícil, sabia? — deu um sorriso, causando covinhas em suas bochechas, que combinados com o olhar de garoto, o faziam ter o semblante mais fofo do mundo.
— Eu sei… — ela deu de ombros, rindo ao passar a mão pelo cabelo crespo e raspado quase rente à cabeça de Peter Mills. — O que preparou de bom?
— Purê, bife e arroz — respondeu antes de levar uma garfada de arroz à boca.
— Não tem strogonoff, viu Amanda, caso queira misturar... — Kelly Severide comentou, fazendo Shay rir ao lembrar da noite anterior.
— Que negócio é esse de pizza de strogonoff? — Otis perguntou como se lembrasse de algo, fazendo Amanda olhar para Kelly com as mãos na cintura.
A garota abriu a boca para responder algo, mas se interrompeu ao ver Gabby passar direto no corredor, limpando o rosto molhado de lágrimas.
— Gente, na verdade, nem eu sei como é uma pizza de strogonoff, só foi o que veio na cabeça. — Deu de ombros e voltou a atenção para a porta novamente, então olhou para Shay, como se comunicassem pelo olhar e foi atrás de Gabby.
Amanda a encontrou em um banco, do lado de fora do quartel. Colocando as mãos nos bolsos da blusa, se aproximou dela e sentou ao seu lado, ficando em silêncio por alguns segundos, apenas fazendo companhia.
— Não era minha intenção magoar ele… — Gabby cortou o silêncio, olhando para frente, os olhos lacrimejando novamente.
— Sei que não…
— Mas ele acha que foi. — Solta um riso fraco, doído e com uma pitada de ironia — ele esquece que eu também sofri quando nos separamos, que foi difícil me abrir com alguém de novo… eu nunca faria algo assim pra machucar ele.
— Ele só está chateado, no fundo ele sabe disso… — Amanda disse calmamente.
— Quando você chegou no quartel, pensei que estivesse rolando algo entre vocês… — confessou — fiquei com raiva, achei que ele tinha superado rápido demais.
— Somos só amigos, Gabby.
— Sim, eu sei… Mas mesmo assim, sentir aquilo, me fez ver que precisava mesmo seguir em frente, que nós dois precisávamos. — Amanda não disse nada, apenas assentindo ao olhar para a rua sem movimento.
— Vocês vão ficar bem, os dois… — olhou para Gabby com um sorriso largo, fazendo a outra sorrir também — vocês merecem ser felizes.
— Obrigada — as duas se levantaram depois que Gabby se sentiu mais calma, caminhando a passos lentos de volta para dentro do quartel — e você com meu irmão?
— O que tem? — Amanda fez um esforço extremo para não sorrir só de lembrar do homem. Agradecendo por sua pele marrom impedir que as bochechas assumissem o tom avermelhado.
— Bom, ele perguntou de você, quando nos falamos ontem. — A informação fez o coração de Amanda dar uma pequena pirueta.
— Ah… — disse simplesmente, e como resposta ao tom fingidamente indiferente, Gabby riu, balançou a cabeça, colocando as mãos nos bolsos do casaco.
— Você é péssima escondendo o que sente, sabia?
— Não tem o que esconder… — deu de ombros e se adiantou em ficar alguns passos à frente, seguindo para dentro do quartel. E deixou Gabby Dawson para trás, rindo ao achar fofo como a garota ficava diante da menção a Antônio.

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— Respira, você consegue… — Kelly Severide tentou acalmar Amanda assim que ela virou a chave do carro.
Quando o amigo de Gabby levou o carro para Amanda ver, já fecharam negócio e apesar de ser um carro bem simples e um pouco antigo, estava feliz com a aquisição. Agora estava ali, topando o desafio novamente, de aprender a dirigir.
— Solta a embreagem devagar e ao mesmo tempo, vai pisando no acelerador. Devagar. — Conforme falava calmamente, Kelly fazia o movimento com as duas mãos, demonstrando como ela deveria fazer com os pés.
— Ok… — Amanda respirou fundo e tentou fazer o que foi dito, mas acabou soltando a embreagem demais e o carro morreu, dando um soquinho para frente.
— Tá tudo bem, estamos num lugar aberto, pode errar quantas vezes precisar…
O homem a levou numa estradinha afastada de tudo, na saída da cidade. O que deixava Amanda um pouco menos apreensiva, pois não haviam carros ou latas de lixo para serem atingidas.
— É como uma gangorra, Mandy — ela o encarou com a testa franzida — os dois pés — ele demonstrou com as mãos novamente — os dois tem que equilibrar a força, para um não machucar o outro com o impacto no chão. Encare seus pés como uma gangorra…
Amanda olhou para os pés e depois para frente, mentalizando a dica. Devagar, o carro começou a sair do lugar, e isso se seguiu por alguns metros, sem ele morrer.
— Ae!! Boa! Está dirigindo, Mandy! — Kelly vibrou com um largo sorriso nos lábios. Então a morena sorriu orgulhosa de seu feito.
Dali para conseguir acelerar um pouco mais e mudar para as outras marchas, foi um pulo. Aos pouquinhos, dirigir era quase automático. Ela se sairia bem no dia do teste para pegar a habilitação.
— Não vejo a hora de pegar a habilitação! — Amanda comentou empolgada ao saírem do carro e assim que bateu a porta, sentiu aquela sensação de déjà vu novamente. Quase chegou a ver ela mesma, num flash que acreditou ser uma memória, ela dentro de um carro.
— Amanda! — os braços de Kelly a seguraram assim que apoiou no carro, ao sentir uma tontura. — Ei, o que houve? — Perguntou preocupado, a segurando pela cintura.
— Não sei… uma queda de pressão talvez — deu um leve sorriso e Kelly observou a amiga um pouco pálida.
— Vem, pode ter sido o tempo seco — ele a acompanhou até o apartamento deles.
Já se sentindo melhor, mesmo que confusa, Amanda informou que iria se trocar, porque ainda tinha de ir para o Molly's.
— Não acha melhor ficar e descansar? — Kelly perguntou, a olhando se sentar no sofá, ainda preocupado com o mal estar que ela teve antes. — Posso chamar o detetive pra te fazer companhia, se quiser. — deu um sorriso malicioso.
Amanda apenas rolou os olhos e jogou uma almofada no amigo, que desviou, caindo na risada.
— Eu tô bem… Fica tranquilo — foi para o quarto, enquanto Kelly a esperou na sala.
Enquanto se trocava, pensou no que sentiu minutos antes. Aquilo estava começando a deixá-la preocupada. Todos os flashes que teve até então, eram confusos e não mostravam nada específico, mas aquele parecia muito uma lembrança. Lembrou-se do flash que teve com Casey, ao vê-lo numa cama de hospital. Tantas coisas aconteceram logo depois daquilo, que nem mesmo pensou mais no assunto.
— A gente pode passar no departamento de trânsito, pra agendar o dia do exame? — Amanda pediu enquanto colocava a jaqueta e viu Kelly assentir.
— Tá confiante mesmo, hein? — foram juntos em direção a porta.
— Preciso de habilitação para sair por aí sem rumo com meu carro — deu de ombros e os dois riram quando Kelly passou o braço sobre os ombros da amiga.
— Vou com você, aí visitamos todas as boates dos Estados Unidos, que tal? — piscou para ela e a viu pensar por um momento no assunto.
— A ideia não é ruim — deu de ombros e passaram pelo portão do prédio quando Kelly o abriu — vamos para o Texas, quero um pistoleiro… — fez duas armas com as mãos e fingiu estar dando tiros, imitando os sons ao fechar um olho, como se mirasse.
Kelly Severide riu abertamente enquanto dava a volta no carro. Um som que Amanda amava ouvir, pois o amigo não costumava dar grandes risadas ou gargalhadas, e nitidamente não as oferecia a qualquer um. Ele rir com ela, daquela forma, a fazia se sentir realmente especial. Não haviam mais amarras ou muros levantados entre eles.
— Então o seu negócio é mesmo homens armados… — comentou ao entrarem no carro — distintivos, armas, algemas… — a olhou de canto com o sorriso ainda brincando em seus lábios pela provocação e recebeu um tapa no braço como resposta.
— Quando vão parar de pegar no meu pé? — rolou os olhos.
— Talvez quando ficarem juntos de uma vez e saírem do chove não molha — Amanda arqueou a sobrancelha ao ouvir a resposta que estava na ponta da língua.
O homem ligou o rádio do carro quando viu que a amiga não responderia a provocação, apenas riu e deu de ombros.
Não teve como evitar se lembrar da última vez que viu Antônio, dias antes, e quase se beijaram no carro dele. Mas tinha medo de estar precipitando as coisas, não queria enfiar os pés pelas mãos.
Tudo era muito novo para ela e um tanto complicado. Isso só ficava ainda mais evidente na última mensagem que ele mandou, avisando que iria viajar, porque o filho passaria por uma cirurgia. Amanda apenas desejou sorte e que tudo ficaria bem, depois não se falaram mais.
E o que mais complicava aquilo tudo? Ela estava com saudade dele, de sua companhia, de como ele fazia ela se sentir e do arrepio na espinha sempre que ele a olhava fixamente. Mas que droga, quem queria enganar?



— Da licença, da licença! — Amanda entrou no quartel, seguida de Kelly Severide, chamando a atenção dos amigos que já estavam ali. — A mais nova habilitada de Chicago, está na área! — Disse se abanando com o pequeno cartão branco e azul, sua licença para dirigir.
— Já? Que demais! Parabéns, Mandy! — Matthew Casey se aproximou dela e a abraçou.
— Quem vai ligar para trocarem os postes? — Herrmann disse em tom baixo, mas garantindo que Amanda escutasse e riu em seguida. — Parabéns, fico feliz por você. — se aproximou abrindo os braços e ela o abraçou.
— Agora tenho duas pessoas para me dar carona — Shay abriu um largo sorriso, com o queixo apoiado na mão, sem se levantar de seu lugar na mesa, onde Severide sentou de frente para ela.
— Já cogitou comprar um carro? — Kelly perguntou arqueando uma sobrancelha.
— Pra quê? Tenho dois amigos com carro e que moram comigo… — ela deu de ombros e mandou um beijo no ar para Kelly. Em seguida, sentindo Amanda passar os braços por seus ombros, a abraçando por trás.
— Será um prazer te dar carona, minha loira — a morena abriu um sorriso largo, encontrando o de Severide também.
— Conseguiu todo o processo bem rápido, normalmente demora um mês… você foi só uma semana… — Casey comentou casualmente, puxando a cadeira na ponta da mesa.
— Bom… Antônio fez uma ligação e acelerou o processo — ele apenas assentiu em resposta e olhou para a mesa por um momento.
Então, Peter Mills a chamou para ajudar com umas coisas do almoço e ela saiu da mesa, indo até o moreno que a chamava. Kelly Severide deu uma olhada de canto para Casey, que passou a mão na nuca, aparentando um pouco desconfortável com algo.

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— Como está a nova vida, Amanda? — Erin Lindsay perguntou enquanto bebia com Jay Halstead e Adam Ruzek, no balcão do Molly's.
— Está bem — a morena deu de ombros com um largo sorriso — peguei a licença para dirigir…
— Já atropelou alguém? — Ruzek perguntou antes de dar um gole na cerveja e Amanda riu, junto dos outros dois detetives.
— Garanto que quando acontecer, vocês vão saber — apoiou as mãos no balcão e olhou em volta uma vez, principalmente para a porta.
— Esperando alguém chegar? — Jay chamou a atenção de Amanda novamente, semi serrando os olhos.
— Não… só… olhando o movimento… — Erin encarou Amanda, com um sorriso de canto, como se visse não ser aquilo. E realmente não era.
— O Antônio chegou hoje de viagem… — Ruzek comentou casualmente.
— Sim, ele disse que passaria aq… — se interrompeu, percebendo o que acabou de dizer e encontrou os três rindo. — Vocês são uns chatos. — Rolou os olhos, cedendo ao rir junto com eles e se afastou quando ouviu Herrmann chamá-la.
O bar estava consideravelmente cheio aquela noite, o que não deixava Amanda, Hermmann e Otis parados. Na verdade, seria a folga da garota, mas Gabby pediu que a cobrisse por parte da noite. Pretendia sair com Antônio, chamá-lo para fazerem algo juntos, quando ele passasse ali em algum momento e Gabby chegasse para liberá-la.
Um cliente de costume estava já em seu terceiro caneco de chopp. Amanda percebeu que estava mais cabisbaixo que o normal e foi só perguntar se ele estava bem, que um pequeno desabafo se seguiu.
— O dia não está fácil, menina — ele começou, olhando para o caneco e ao levantar os olhos para continuar, Amanda viu seus olhos úmidos — hoje faz um ano que meu filho se foi… — Amanda continuou o encarando, enquanto entregou uma cerveja para outro cliente — todos os dias são difíceis, mas hoje… — respirou fundo — foi especialmente complicado. Na rua, toda criança parecia ter o rosto dele… — a morena sentiu um aperto no coração ao ouvi-lo e o viu virar o caneco de chopp.
— Sinto muito… — ele assentiu, agradecendo.
Então o celular de Amanda tocou em seu bolso.
— Antônio, oi! — Não conseguiu controlar o sorriso ao atender.
— Oi Mandy… — ele pareceu sem jeito, como se procurasse palavras, a garota estranhou, mas esperou ele continuar — eu não vou conseguir passar no Molly's hoje, — o cliente ergueu o caneco para Amanda e ela o pegou para encher, enquanto Antônio falava e ela segurava o celular com o ombro — cheguei exausto, com certeza não sou uma boa companhia essa noite. — Entregou o caneco cheio, sem esconder o olhar desapontado, mesmo que Antônio não pudesse ver.
— Fica tranquilo! Foi uma viagem cansativa, descansa e a gente se vê depois. — Respondeu calmamente, sem demonstrar o desapontamento, até porque, lá no fundo, sentia-se uma boba por ficar desapontada só porque não o veria.
— Até breve então… — fez uma pausa — boa noite, Mandy. — Ele se despediu, Amanda realmente gostando de como seu apelido soava na voz dele.
— Até… — respondeu suavemente e desligaram.
— O namorado não vem hoje? — O cliente, que Amanda não conseguia lembrar o nome, perguntou com um leve sorriso.
— É só um amigo — Amanda riu — Mas é, ele teve semanas complicadas, com o filho que tava doente… — deu de ombros.
— Entendo… — a morena viu Gabby Dawson entrar no bar — só quem passa por essas coisas, sabe o quanto pode afetar… Espero que o filho dele esteja bem, certas coisas mudam a pessoa para sempre. — O homem completou, as palavras chamando a atenção de Amanda, que o observou pensativa, até ouvir Gabby chamá-la.
— Desculpa a demora, Mandy — passou atrás da garota, tocando em suas costas.
— Tudo bem, está tudo bem?
— Sim sim — sorriu — pode ir, se quiser.
— Herrmann, a Gabby chegou, eu vou indo, okay? — Amanda avisou o homem, que assentiu de longe e fez um joia.
A morena atravessou o bar, passando pela mesa onde estavam Kelly Severide e Matt Casey, acenou para os dois e continuou o caminho até a porta.
— Será que ela vai encontrar o detetive? — Kelly perguntou casualmente antes de dar um gole na cerveja, ao observar que Casey seguiu Amanda com o olhar, visto estar de frente para a porta.
— Eles estão juntos, então? — o loiro perguntou, sem pensar muito.
— Que eu saiba, ainda não — deu de ombros, observando a reação do amigo, que terminou a garrafinha de cerveja antes de responder.
— Bom, ela sabe o que faz e o Antônio é um cara legal — Kelly arqueou a sobrancelha, mas antes que dissesse alguma coisa, Casey se levantou — vou pegar mais uma cerveja. — Balançou a cabeça enquanto observava o amigo passar por algumas pessoas, para alcançar o balcão.
Ao chegar na calçada, Amanda pegou as chaves do carro na bolsa, quando olhou para o lado e encontrou Ruzek.
— Ei, te expulsaram do bar, porque tava pegando no pé de alguém? — A garota brincou se aproximando do homem, que a olhou sorrindo.
— Só queria tomar um ar… E você, isso são horas de fugir do trabalho?
— É minha folga, só tava cobrindo a Gabby, até ela chegar — deu de ombros e ele assentiu.
— Bom descanso então. — O homem lhe deu um sorriso e ela retribuiu, antes de dar as costas e seguir para o carro estacionado do outro lado da rua.
Ligou o rádio baixinho enquanto dirigia pelas ruas agitadas de Chicago. Lembrou-se daquele cliente e seus olhos tristes ao falar do filho. A frase que disse depois ecoou em sua mente, "certas coisas mudam a pessoa para sempre". As palavras chamaram sua atenção, eram fortes e extremamente verdadeiras. Respirou fundo e entrou numa rua que desviava da rota para o apartamento. Tinha que fazer uma coisa antes de ir para casa. Mesmo que talvez se arrependesse depois, algo dentro dela dizia que precisava daquilo, olhar nos olhos dele.
Estacionou e desceu do carro colocando as mãos nos bolsos do casaco quando o vento gelado a fez arrepiar. A rua estava meio deserta e silenciosa, então acelerou o passo ao atravessar a rua.
Amanda tocou a campainha e olhou em volta enquanto esperava, sua coragem cedendo por alguns segundos antes da porta abrir. Mas então ouviu o trinco e voltou-se para a porta abrindo, revelando um homem confuso e de testa franzida a encarando.



— Boa noite, sargento. — Percebeu ele olhar para os lados, conferindo que Amanda estava sozinha.
— O que faz aqui? — Hank Voight franziu o cenho, enquanto segurava a porta.
— Queria falar com você… — o homem apenas cruzou os braços, esperando que ela dissesse, a encarando com a cabeça levemente inclinada — nunca me deu a chance de conhecê-lo ou de você me conhecer…
— Amanda, não tenho interesse algum em ser seu amigo, se é isso que espera. — A resposta a fez abaixar um pouco os olhos antes de voltar a encará-lo para responder.
— Queria entender porque sempre me tratou de forma tão fria, desde o começo, mesmo antes da suspeita de que eu era uma foragida — o viu hesitar por um segundo, um brilho diferente apareceu em seus olhos marcados pelo tempo e experiência — desculpe se abri alguma ferida cicatrizada, de alguma forma… — Voight continuava a encará-la e ficou em silêncio por alguns minutos, até retomar a postura firme.
— Era só isso, Amanda? — Ela assentiu levemente, apertando os lábios em um leve sorriso ao dar um passo para trás.
— Até qualquer dia, sargento. Desculpe incomodar. — Então deu as costas e seguiu para o carro, ouvindo a porta se fechar em suas costas.
Por um motivo que não sabia explicar, Amanda via algo nos olhos do sargento Voight. Como se olhar para ela fosse doloroso, o lembrasse de alguém. Mas poderia estar apenas imaginando coisas… Não gostava da sensação de não entender as pessoas. Numa necessidade de ajudar, mesmo sem saber se era possível.
Estava tão distraída com seus pensamentos e suposições, que não viu um homem se aproximar na calçada. Foi surpreendida quando ele a segurou e pressionou contra o carro, tampando sua boca com a mão. Amanda tentou se livrar de suas mãos, mas ele era muito forte e tinha pelo menos uns 30 centímetros a mais que ela. Tentou chutá-lo, mas ele conseguiu segurar as pernas dela com a dele. Pensou ser um assaltante e que ele só queria o carro, então mostrou a chave que estava presa em seu indicador pelo chaveiro, os olhos suplicantes, como se implorasse para ele levar o automóvel.
Sem se importar com a chave, ele levou a mão à sua cintura e de imediato ela tentou se debater, sem conseguir se soltar. Seu empenho em tentar se soltar, parecia apenas incentivar que ele continuasse.
Os olhos de Amanda se encheram de lágrimas e ela tentou gritar, com os olhos fechados, mas a mão dele permanecia firme a impedindo de gritar. As mãos estapeavam o peitoral maciço, que ele nem mesmo parecia sentir.
Estava entrando em pânico e o desespero a tomou quando a mão dele fez menção de levantar sua camiseta e ele abriu um sorriso diabólico. Num pensamento rápido, pegou a chave que tinha em mãos e cortou a lateral do rosto dele. O homem gritou de dor, a xingando e ela aproveitou o breve momento em que ele tirou as mãos dela, para gritar.
— SOCORRO! SOCORRO! — uma explosão esganiçada saiu, a voz trêmula enquanto o medo a fazia não conseguir se mexer e correr dali.
Em seguida, um tiro ecoou pela rua e a garota gritou pelo susto e se abaixou rapidamente, cobrindo o rosto com as mãos, como se protegesse, ficando encolhida encostada no carro. Todo seu corpo tremia, sem forças para levantar a cabeça ou abrir os olhos. Chorava copiosamente, escutava vozes desconexas, que não entendia o que diziam, talvez gritos, mas era como se não estivesse ali realmente, logo as vozes pararam e ouviu passos se aproximando dela, a fazendo se encolher ainda mais.
— Amanda…
— Não, por favor, não, eu imploro, não… — ela dizia em meio ao choro.
— Sou eu… abre os olhos, Amanda… você está segura agora… — depois de alguns segundos, a garota conseguiu associar a voz rouca e abriu os olhos devagar, encontrando Voight de joelhos na calçada, a olhando com atenção — Tá tudo bem… — ele repetiu baixo e estendeu a mão para ela pegar.
Ao se levantarem, Voight a levou até a casa dele. Uma sensação péssima o invadindo, um pouco de culpa que fazia seu peito apertar. Amanda não conseguia parar de chorar, mesmo tentando, era incontrolável. Mil flashes do passado passavam pela cabeça do sargento, cenas que ele tentava a todo custo manter afastadas de sua mente.
— Vou só fazer uma ligação… — ele disse, assim que a jovem se sentou no sofá, abraçando o próprio corpo, sem o brilho que tinha ao aparecer em sua porta minutos antes.
Ele a deixou sozinha e foi até a cozinha, ligou para a delegacia e informou o ocorrido, para que encontrassem o estuprador. O tiro não foi fatal, pegou no braço e preocupado com o estado de Amanda, preferiu não ir atrás, o deixando fugir. Pois sabia que com aquele ferimento, além do rosto, tornava mais fácil encontrá-lo. Mandou que emitissem um alerta para todas as viaturas e hospitais.
Antes de voltar para a sala, Hank Voight respirou fundo, apoiando as mãos na pia ao fechar os olhos. Toda aquela situação, trazia tanto à tona, uma dor que ele não queria sentir novamente. Passou uma mão no rosto e voltou a postura firme de sempre.
— Toma, pra ajudar a se acalmar — a voz do homem cortou os pensamentos acelerados de Amanda, e o viu estendendo um copo de água com açúcar para ela.
A garota ainda parecia processar como as coisas aconteceram tão rápido e viraram de cabeça para baixo. Se perguntando, como tudo de ruim podia acontecer com uma só pessoa.
— Quer que eu ligue pra alguém? — Perguntou ao perceber que a mão de Amanda que segurava o copo, estava um pouco trêmula. — Seus amigos do 51…? — sugeriu quando a garota não respondeu, apenas o olhou, como se não conseguisse pensar em alguém para ligar. Ela ainda estava em estado de choque.
O homem pegou o próprio celular e discou para a única pessoa do 51 que tinha o contato.
— Chefe Boden, boa noite… — podia ouvir conversas ao fundo.
— Sargento Voight? Algum problema? — o homem perguntou preocupado, estranhando a ligação.
— Mais ou menos, a Amanda está aqui, ela teve um problema aqui perto e eu a ajudei. — Wallace Boden paralisou e olhou em volta, trocando um olhar preocupado com Casey e Severide que estavam no balcão do Molly's, com outros do quartel — ela não está em condições de dirigir…
— Estou indo aí. — Boden respondeu simplesmente e desligou.
Hank Voight soltou o celular no sofá e olhou para Amanda. Ela já tinha terminado de beber a água e parecia bem mais tranquila, as mãos já não tremiam, como se saber que não voltaria para casa sozinha fosse o que precisava. Aquilo deixou Hank também mais tranquilo, então se sentou no sofá maior, apoiando os cotovelos nas pernas e juntando as mãos.
A garota o olhou um pouco, ele parecia perdido em seus pensamentos. Lembrou do brilho que viu nos olhos dele, aquele que a fazia querer entendê-lo, que mostrava sua indiferença não ser sem motivo.
— Você tem filhos? — Decidiu quebrar o silêncio, mesmo pisando em ovos. A voz saiu meio fraca, devido aos longos minutos que ficou em silêncio. Continuou o observando atenta, esperando que ele não a deixasse no vácuo.
— Sim… — respondeu simplista, sem olhar para ela — um filho. — Levantou o olhar para ela e a viu apenas assentir com a resposta.
O sargento pensou em dizer mais alguma coisa, mas a campainha tocou, o interrompendo. Os dois olharam na direção da porta e ele se levantou para abrir.
— Cadê ela, Voight? — Amanda ouviu a voz firme de Matt Casey e se levantou rapidamente. Sabia que ele e o sargento não se davam bem, então por que raios ele estava ali?
O viu entrar quando Voight deu passagem, seguido por Kelly Severide e Wallace Boden.
— Você tá bem? — Casey a olhou nos olhos, colocando a mão em seu ombro e a pergunta lhe deu uma enorme vontade de chorar, mas conseguiu controlar.
— Estou sim, não quero falar disso agora… — Amanda respondeu, tentando ao máximo manter a voz calma e Severide se aproximou com um sorriso de canto. — Não precisavam vir em comboio…
— É isso que amigos fazem. — Kelly Severide deu de ombros e passou o braço sobre os ombros da garota, a abraçando de lado.
Amanda abriu um sorriso e Casey podia jurar que não era um sorriso como os outros que ela dava, havia uma dor que ele nunca viu antes. Não sabia o que tinha acontecido e no fundo, tinha até medo de descobrir… Mas sabia de uma coisa, algo se quebrou dentro da garota.
— Só quero tomar um banho — olhou para os dois tenentes e eles assentiram, deixando que ela passasse na frente.
No primeiro degrau da escadinha em frente a porta, Boden e Voight conversavam. Quando os três se aproximaram, eles se encararam por um breve momento.
— Obrigada, sargento — o homem apenas assentiu e ela olhou para Boden — e obrigada por vir, chefe Boden. — Ele também assentiu, com as mãos na cintura, como sempre fazia. Amanda podia ver um traço de preocupação em seus olhos, imaginava que Voight tivesse saído para contar a ele o que aconteceu. Agradecia mentalmente por não ter que fazê-lo depois.
Apesar do choque em que ficou por minutos, um nervoso angustiante e uma vontade de chorar que não a abandonava, sentia-se bem - considerando as circunstâncias e os poréns. Ter pessoas que se importavam tanto com ela, tornava aquilo um pouco mais fácil de lidar. A presença deles acalmava e dava paz… Como se fossem parte dela. E não duvidava que fossem realmente.
Ela foi em seu carro com Severide dirigindo e Casey decidiu ir embora depois de se despedir da garota e garantir que ela podia ligar se precisasse de algo.
O caminho todo foi silencioso, Kelly parecia querer perguntar algo, mas não sabia como, já ela, não tinha o que dizer – não no momento. Então ligou o rádio e deixou a música preencher o silêncio, começando a cantar junto, quando a banda Keane iniciou a música Somewhere Only We Know. Lhe mostrando mais um dos mistérios de sua mente, lembrava de toda a letra da música.
Ao entrarem no apartamento, Amanda foi direto para o banheiro, precisava de um banho como nunca precisou na vida. Esfregou cada centímetro do seu corpo com a bucha, como se o sabão tivesse o poder de limpar aquela sensação ruim que ainda sentia lá no fundo. Era uma tentativa também de limpar os pensamentos, como se pudesse apagar as imagens que se repetiam, assim como o toque que lhe causava náuseas. E sabia que o sabão não limparia aquilo tudo de forma milagrosa, mas depois de um banho tão longo que ela perdeu a noção do tempo, sentiu-se um pouco mais leve, mais pronta para encarar o mundo além da porta do banheiro.
Chegando na sala, vestindo um pijama que era de Shay, encontrou Kelly Severide terminando de preparar um sanduíche, provavelmente para ela. Sorriu de canto para o amigo e aquela vontade de chorar que sentiu quando Casey perguntou se estava bem, a invadiu de novo.
Parou ao lado do homem, ambos ainda em silêncio. Ele não gostava de falar quando coisas ruins acontecem, então apenas respeitaria a garota, se ela quisesse espaço ou silêncio, e escutaria se ela precisasse falar. Empurrou o prato com o sanduíche e Amanda apenas olhou para o lanche, até a vista ficar turva pelas lágrimas que ela não conseguiu mais segurar.
— Foi uma tentativa de estup… — a voz falhou e ela fechou os olhos.
Severide não precisava ouvir mais nada, segurou na mão de Amanda, sentindo os próprios olhos marejados. Então, as lágrimas começaram a escorrer livremente pelo rosto de Amanda e ele a abraçou, um gesto que ela não recusou. Deitando a cabeça no peito do amigo, passou os braços ao redor de seu corpo e se permitiu chorar novamente.
Não era mais o choro de desespero e medo de mais cedo, era quase um choro de alívio. Porque estava bem, porque Voight apareceu antes que algo pior acontecesse, porque estava ali com alguém que se importava com ela, porque estava em casa com a família que a vida decidiu lhe dar.



— É bom ver ela assim, sorrindo, sendo a Amanda que conhecemos — Matt Casey comentou, encostado no balcão da cozinha, olhando na direção da garota.
— Sim… Ela é a pessoa mais forte que já conheci — Severide respondeu antes de dar um gole no café.
Amanda jogava um jogo de tabuleiro com Otis, Cruz e Cap. Aparentemente estava ganhando, e comemorava tirando uma com a cara de Otis, visto estar fazendo dupla com Joe Cruz. Ela gargalhava e fazia uma dancinha de comemoração. Os dois tenentes acabaram sorrindo enquanto admiravam a cena, até Severide dar um último gole no café e sair do refeitório.
A sirene soou pelo quartel, chamando a atenção de todos, mas apenas a viatura 81 foi solicitada. Amanda viu Casey deixar a xícara de café no balcão e correr para fora, logo Otis e Cruz o seguindo, abandonando o jogo.
— Quer arriscar, Cap? — a morena perguntou para o homem careca e de olhos azuis, que era seu adversário no jogo junto com Otis.
— Nem pensar, se em dupla eu perco, imagina sozinho. — Com uma careta de desgosto, ele se levantou da mesa e tocou o ombro da garota antes de seguir para fora, enquanto Amanda ria balançando a cabeça.
— Ei, garota — Leslie Shay se sentou na cadeira ao lado de Amanda, vendo ela arrumando o jogo de volta na caixa. — Sabe do que precisamos? Uma noite das garotas. — Amanda apenas arqueou a sobrancelha com a idéia repentina e olhou para a amiga. — Podemos mudar o nome pra noite da tequila se quiser…
— O problema não é o nome — riu fechando a caixa do jogo ao terminar de guardar — Mas por que isso do nada?
— Porque sair com as amigas é sempre uma boa ideia, ué — deu de ombros e apoiou o queixo na mão, fazendo bico.
— Ok, ok, a gente sai — a loira abriu um largo sorriso e Amanda apenas riu da expressão de Shay, de criança que ganha um doce.
— E o Antônio?
— Que eu saiba, ele não é uma menina, para convidarmos ele para a noite das meninas. — Franziu o cenho, segurando a risada, mas sabia do que a amiga estava falando. Shay arqueou a sobrancelha, a olhando séria — não falei com ele ainda. — Desviou dos olhos azuis e profundos da amiga.
— Mandy, está ignorando ele há duas semanas.
— Eu precisava de um tempo, pra organizar minha cabeça… — deu de ombros, e depois de alguns segundos olhando pra mesa, pensando sobre aquilo, soltou tudo de uma vez — era muita coisa já, eu tava uma bagunça, não precisava da complicação de um coração acelerado toda vez que ele olhasse pra mim, porque seria mais um turbilhão de sentimentos para processar.
— E agora, depois desse tempo, se sente melhor? — Amanda assentiu em resposta — ótimo, porque acho que terá de falar com ele. — A garota franziu o cenho, sem entender, até escutar uma voz atrás de si.
— Amanda — a voz com a rouquidão característica e irreconhecível de Voight a fez olhar na direção dele. Mas logo ao lado, encontrou o detetive Dawson, lhe oferecendo um sorriso de canto quase imperceptível. E ali estava o coração acelerado.
— Sargento Voight… Detetive... — comprimentou ao se levantar, com um leve menear de cabeça.
— Vim apenas informar sobre o julgamento… Ele foi condenado. — Hank Voight abriu um leve sorriso, mostrando também um grande alívio em poder dar aquela notícia.
— Nossa, que ótimo! — Amanda levou a mão ao coração, com um sorriso largo e sentiu Shay abraça-la de lado, apertando seu ombro de leve.
— Foi um julgamento rápido, ele cometeu outros crimes, isso ajudou no desfecho. — Antônio comentou e os olhos dele encontraram os de Amanda por um breve momento, mas ela logo desviou ao ouvir Voight se pronunciar de novo.
— Agora precisamos ir, só queríamos te avisar.
— Muito obrigada, sargento, por tudo! — Ele assentiu e deu as costas para ir embora, sendo seguido por Antônio, que não disse mais nada, apenas fez um pequeno aceno para as duas, olhando nos olhos de Amanda mais uma vez, antes de ir.
Shay olhou para Amanda rápido e cutucou a amiga, indicando o detetive com a cabeça quando ele já estava de costas.
— Antônio! — Numa injeção de coragem, correu até ele, que parou no corredor e se voltou para Amanda. — Posso falar com você?
— Te espero no carro. — Voight respondeu simplesmente, antes de passar pela porta dupla.
Amanda deu dois passos para trás, chegando mais perto da parede e Antônio a acompanhou. Ele a encarava na expectativa, esperando pelo que ela queria dizer.
— Desculpa não ter retornado suas ligações e mensagens — começou sem graça, agradecendo pela pele mais escura não denunciar as bochechas queimando.
— Eu entendo, estava chateada e não tiro sua razão — a garota abriu a boca para rebater, pensando que ele estava entendendo errado — eu devia ter ido te ver aquela noite, aquilo não teria acontecido se eu…
— Antônio! — Ela o interrompeu, tocando o braço dele e o olhou fixamente, encontrando uma culpa em seus olhos escuros que a tocou profundamente, em nenhum momento chegou a pensar que ele poderia estar se sentindo daquela forma. — Não foi sua culpa! E eu nunca colocaria isso nas suas costas… — fez um leve carinho no braço dele e viu um alívio tomar seus olhos.
— Queria ter estado com você.
— Eu sei — assentiu levemente e deu um leve sorriso de canto — eu só precisava de um tempinho pra mim, pra me sentir bem.
— Fico feliz de ver que está bem. — O sorriso dele a fez sentir um arrepio na nuca, se dando conta como estava com saudade do homem — Eu preciso ir agora, a gente se vê?
— Claro — assentiu, abrindo um largo sorriso e recebeu um beijo no rosto, antes dele se virar para ir embora.
— Tenente… — Antônio meneou a cabeça num cumprimento breve ao passar por Kelly Severide, que entrava ali.
— Detetive… — o homem não disfarçou o sorriso divertido para a amiga assim que Antônio passou pela porta — Hmm… — não segurou a risada baixa arqueando as sobrancelhas.
— Não enche, Kelly. — Rolou os olhos, rindo e deu as costas, seguindo para o outro lado do corredor.

•••


— VAI, NO TRÊS! — Shay falou alguns tons mais alto, para ser ouvida pelas outras garotas, enquanto a música alta tocava na boate.
— MAS ESPERA, PRIMEIRO VIRA OU PRIMEIRO CHUPA? — Amanda perguntou também alto, chamando a atenção de Gabby ao seu lado que caiu na risada.
— DEPENDE DO QUE VOCÊ GOSTA, AMANDA! — Ela demorou alguns segundos para entender o que Gabriela Dawson queria dizer, até cair a ficha e em meio a risadas, ela dar um empurrãozinho na outra.
— TÔ FALANDO DA TEQUILA, SUA BESTA.
— MANDY — Shay chamou a atenção da amiga e tendo os olhos voltados para ela, explicou — PRIMEIRO VIRA O SHOT, CHUPA O LIMÃO COM SAL EM SEGUIDA — ia demonstrando, por gesticular com as mãos e mostrando o copinho e o limão.
Depois de assentir, decidida, mesmo que um pouco nervosa, Amanda passou o pedaço de limão no sal e olhou para Shay e Gabby.
— UM… DOIS… TRÊS! — Shay contou pausadamente e então as três viraram os shots e chuparam o limão em seguida, sincronizadas.
— E aí, gostou? — Gabby perguntou para Amanda que balançava a cabeça rápido, por causa do azedo do limão, mas não tinha como negar que a combinação era perfeita.
— Muito! — abriu um largo sorriso e pegou a garrafinha de cerveja que tinham pedido assim que chegaram — À NOITE DAS GAROTAS! — levantou, puxando um brinde e as duas acompanharam, assim como alguns desconhecidos na mesa ao lado, fazendo as três rirem.
A boate estava cheia e oportunidades de saírem dali acompanhadas, não faltaram, mas nenhuma estava com essa intenção. Com exceção de Shay que ainda trocou uns beijos na pista de dança, com uma ruiva.
Deram muita risada, dançaram e beberam, até entrarem madrugada adentro. As três estavam se dando muito bem, Amanda sentia como se fossem suas irmãs. Eram muito diferentes uma da outra, mas isso só tornava a amizade e laço que estavam criando, ainda mais especial.
Um mal estar atingiu Amanda e o estômago dela embrulhou, talvez fosse por causa da bebida.
— Vou ao banheiro — avisou as outras duas, enquanto levantou de um dos bancos altos da mesinha que pegaram no canto da boate.
— Vamos com você — as duas também se levantaram e Amanda decidiu não recusar a companhia.
No caminho até o banheiro, Amanda sentiu a cabeça girar um pouco e teve um flash. Piscou rapidamente e balançou a cabeça, quando a vista ficou turva por dois segundos. Talvez estivesse na hora de parar de beber.
Passaram pela porta do banheiro, agradecendo o milagre de não ter fila e enquanto Gabby entrou numa cabine, Amanda apoiou as mãos na pia.
— Você tá legal? — Shay colocou a mão no ombro da amiga.
— Sim, mas acho que já deu de bebida por hoje — deu um sorriso de canto e outro flash estourou dentro de sua cabeça, fechou os olhos.
"Você é da família"
— O que disse? — Amanda olhou para a loira ao seu lado.
— Eu? Nada — franziu o cenho. — Você bêbada, escuta vozes? — Shay riu da amiga e Amanda apenas balançou a cabeça, acabando por rir também.
— O que foi? — Gabby perguntou ao sair da cabine e foi lavar as mãos.
— Acho que está na hora de irmos — Shay respondeu e Amanda olhou para a amiga pelo espelho.
Nunca ouviu alguma voz quando tinha aqueles flashes e eles simplesmente não mostravam nada específico. Seria um sinal de que suas memórias estavam voltando?
— Vamos, Mandy? — Leslie Shay chamou, a tirando de seus pensamentos.

•••


Amanda acordou primeiro e foi até a cozinha beber um pouco de água. As três foram para a casa de Gabby depois que saíram da balada, não sabia dizer se foi por algum motivo específico, mas provavelmente não. A dor de cabeça estava a matando, então fechou os olhos ao colocar as mãos no rosto, apoiando os cotovelos no balcão de mármore da cozinha.
Lembrou do flash que teve na balada, tentando identificar se algo que pensou ou fez, era comum com outras vezes que teve aqueles flashes. Respirou fundo, irritada com a situação, queria que as memórias voltassem de uma vez ou que não voltassem mesmo, mas que não ficasse tendo aquelas sensações esquisitas, como se algo estivesse fora do lugar.
Pegou o celular e olhou para o contato do Dr. Charles, pensando em marcar uma consulta. Talvez ele pudesse ajudá-la a entender aqueles flashes confusos. Então discou para o médico e assim que ele atendeu, marcou de conversarem no dia seguinte.
Como todas as vezes que pensava no assunto, um pensamento invadiu a morena. Queria mesmo se lembrar do passado? Sempre ficava insegura ao cogitar se lembrar de sua vida antes do acidente. O que sua mente não queria que ela soubesse?
— Pensei que ia dormir até umas 2 da tarde. — A voz sonolenta de Shay cortou seus pensamentos — tô morrendo de dor de cabeça e você? — Amanda afastou os pensamentos e sorriu para a amiga.
— Eu também… — em seguida a loira estendeu um comprimido para ela tomar.
— Mas foi divertido, temos que fazer mais vezes — Shay se debruçou sobre a bancada ao lado da amiga.
— Daqui pelo menos uns dois meses, por favor — Gabby Dawson apareceu, passando a mão na nuca, com uma careta de quem sentia dor — quantas eu bebi ontem?
— Se não lembro quantas eu bebi, acha que vou lembrar das suas? — Shay riu levemente, enquanto Gabby pegou um copo com água e se aproximou das outras duas no balcão.
— Marquei de ver o Dr. Charles amanhã. — Amanda comentou depois de alguns minutos que ficaram em silêncio e Shay decidiu fazer sanduíches. — Tive um flash de memória ontem…
— Lembrou do que? — Gabby perguntou com o rosto deitado na mão, o cotovelo apoiado na bancada.
— Na verdade, nada — a outra franziu o cenho, confusa — às vezes tenho uma sensação esquisita e um flash confuso, que na verdade não mostra nada… É como se algo bloqueasse a memória de ser mostrada. — Lembrou do flash que teve com Casey, que o viu num hospital, mas decidiu não comentar aquilo.
— Talvez o Dr. Charles saiba um exercício mental, pra você destravar as memórias que estão presas em algum lugar. — Gabby comentou, assim que Shay colocou os pratos com sanduíches na frente delas.
— Espero que você lembre que é milionária, tem uma mansão com piscina, pra fazermos altas festinhas lá — as três riram quando Shay comentou e deu uma mordida no sanduíche.
— Só sei que independente das memórias e de quem eu seja, quero vocês na minha vida pra sempre…
— Sempre vamos estar com você, mesmo se você não for milionária — Leslie Shay abraçou Amanda de lado e Gabby tocou a mão dela, mostrando que concordava com a loira.
Pensar no quanto queria elas em sua vida, fez Amanda lembrar também de outra pessoa que queria em sua vida. Alguém que a fazia esquecer que existia algo além do futuro que estava escrevendo. Sorriu sozinha, quando a imagem de Antônio Dawson veio em sua mente, causando um arrepio em sua nuca. Agradecendo por Shay e Gabby não estarem mais prestando atenção nela, ficou sem graça só de pensar nele, focou em seu sanduíche.



Amanda chegou no Chicago Med, nervosa e ansiosa para conversar com o Dr. Charles. Olhou em volta uma vez e encontrou Will Halstead se aproximando com um largo sorriso nos lábios, enquanto deixava a prancheta no balcão.
— Amanda, que surpresa!
— Oi, Will! — sorriu de volta para o ruivo — o Dr. Charles está por aí?
— Nossa, e eu pensando que a visita era pra mim — colocou a mão no peito, em uma ofensa fingida e riu em seguida, quando Amanda soltou uma risada suave.
— Você que precisa aparecer mais vezes no Molly's — apontou o indicador e ele levantou as mãos, se rendendo ao assentir.
— Me pegou — então olhou na direção do corredor e apontou — por ali, na sala dele.
— Muito obrigada, meu médico preferido. — Seguiu na direção da sala do médico.
Deu dois toquinhos na porta aberta, anunciando sua chegada e ele levantou o rosto para Amanda, lhe oferecendo um leve sorriso. O homem de quase 1,90m de altura e um pouco gordo, com uma cabeleira cheia e olhos acolhedores, conseguia transmitir calma e seriedade ao mesmo tempo.
— Olá, Amanda, pode se sentar — ele indicou o sofá e se sentou na cadeira próxima.
Não demorou em entrarem no motivo de Amanda ter pedido para conversar com o psiquiatra. Contou sobre os flashes e como se sentia após eles, assim como as sensações de déjà vu em alguns momentos. E o Dr. Charles ouviu tudo com atenção, até ela contar sobre o flash na boate, o último que teve.
— Realmente, não há um padrão nos flashes. — Ele passava a mão no queixo, pensando. — Mencionou que nas outras vezes não ouvia vozes e dessa última vez, escutou?
— Sim, foi algo totalmente desconexo e não veio acompanhado de imagens, apenas uma frase, "você é da família". — deu de ombros.
— Talvez seja mesmo um fragmento de lembrança que seu cérebro soltou… e pode ter sido influenciado pela bebida — Amanda franziu o cenho — quando bebemos, nosso subconsciente normalmente fica mais ativo que nosso consciente. Por isso, muitas vezes, quando estamos bêbados, fazemos e falamos coisas que não faríamos ou falaríamos sãos.
— Então preciso ficar bêbada até minha memória toda voltar? — ela fez uma careta, rindo em seguida, sendo acompanhada pelo médico ao negar com a cabeça.
— Não, mas podemos induzir sua mente a relaxar da mesma forma que ela relaxa quando está bêbada, mas com uma terapia — Amanda assentiu devagar, pensando a respeito. Então lembrou-se de uma coisa e achou que não custava perguntar, por mais louco que fosse.
— Você acredita em viagem no tempo, doutor? — A pergunta pegou Charles um pouco de surpresa, mas ele tentou não demonstrar.
— Vi que tem um cientista pesquisando sobre e sinceramente, não tenho uma opinião formada a respeito. — Deu de ombros e viu Amanda apenas assentir.
— Se eu recuperar minhas memórias, descobrimos se sou uma viajante do tempo — abriu um leve sorriso e o médico assentiu.
— Preciso que saiba que o processo pode ser demorado, dependendo do que está bloqueando o acesso às memórias. — Amanda passou a encará-lo com mais seriedade, dando total atenção ao que ele dizia — pode ser um trauma e essa amnésia é uma proteção, estaremos tirando a proteção, mas estaremos juntos e você terá todo apoio. Também mantenha quem é importante, por perto, os laços novos são essenciais para superar os laços desfeitos pelo trauma.
— Já cuidou de algum caso assim?
— Vários. — Respirou fundo — traumas são comuns e de vários níveis, afeta a pessoa de formas variadas e cada corpo lida de um jeito diferente. É comum o cérebro bloquear tudo que possa estar ligado ao trauma.
— Faria sentido, já que não me lembro de nada que me ajude a saber de onde vim ou porque estou aqui em Chicago — as palavras deixaram o Dr. Charles pensativo, sentia já ter ouvido as mesmas palavras de outra paciente.
"Dr. Charles, favor comparecer à sala de trauma"
Uma voz saiu dos caixas de som do hospital e ele se levantou, assim como Amanda.
— Estou à disposição, quando quiser, iniciamos a terapia, pense a respeito, se é mesmo o que quer. — A garota assentiu em resposta e o viu sair a passos rápidos.
Se o Dr. Charles disse para ela pensar para ter certeza só indicava uma coisa, alguns que passavam por aquilo escolhiam que era melhor não lembrar. Amanda olhou para a porta, sozinha na sala e abraçou o próprio corpo.

•••


Enquanto servia alguns canecos de cerveja e copos de whisky, Amanda mantinha uma discussão com Otis e Shay, defendendo a todo custo que The Vampire Diaries era melhor que Supernatural.
Até Adam Ruzek encostar no balcão para pedir outra cerveja.
— Temos um oficial entre nós! Ninguém melhor que alguém da lei, para me ajudar nessa briga — o homem loiro arqueou a sobrancelha ao pegar a cerveja que Amanda colocou no balcão.
— O que tem a ver uma coisa com a outra? — Otis reclamou, franzindo o cenho.
— Oficial, qual é melhor? The Vampire Diaries ou Supernatural? — ignorou a pergunta do amigo e esperou pela resposta de Ruzek.
— Supernatural — deu de ombros, a menção à série fazendo um lampejo de tristeza passar por seus olhos castanhos, deixando Amanda confusa.
— Você tá bem? — se aproximou um pouco mais dele, afastando de Shay e Otis um momento, enquanto vibravam com a derrota de Amanda na discussão.
— Só problemas no paraíso — a morena arqueou uma sobrancelha, apoiando as duas mãos no balcão.
— Quem é a garota? — Ele riu brevemente e deu um gole na cerveja.
— Uma ruiva que insiste em me enlouquecer, ficamos e foi legal, sabe, eu gosto demais dela, mas tive que me afastar, é complicado — Amanda podia ver que havia muito mais ali, que provavelmente ele não podia ou não queria contar.
— Quando te conheci, te achei um dos caras mais divertidos do mundo…
— Escutei isso! — Otis interrompeu ao passar atrás dela para pegar um copo no armário e Amanda apenas rolou os olhos antes de continuar.
— E aquele brilho de garoto atentado e divertido, não tá mais aí… — ela apontou para os olhos dele com um sorriso e Adam Ruzek soltou uma leve risada, sem muita vontade, mas esperou ela terminar o raciocínio — qualquer situação que apaga o brilho dos nossos olhos ou nossa essência, não vale a pena. Afastar essa garota de sorte, fez isso com você. — Adam respirou fundo, pensando sobre aquilo.
— Queria que fosse tão simples — respondeu olhando para a garrafa, até ver que era melhor mudar de assunto — mas e você com o detetive Dawson? — deu um sorriso malicioso.
— É complicado. — Deu de ombros.
— RÁ! — Apontou o indicador e os dois gargalharam juntos.
— Eu dou conselhos, não quer dizer que os aplique. — Amanda respondeu em meio às risadas.
— Mas sério, o que é tão complicado?
— Bom, ele tem a família dele, filhos, ex esposa, já tem tanto pra se preocupar, eu só não quero… Atrapalhar? — fez uma careta, agora falando em voz alta se sentia bem idiota.
— Você sabe que isso não faz sentido nenhum, né? — Adam franziu a testa e riu em seguida. — Não tem nada, além de vocês mesmos, impedindo que fiquem juntos. — Aquilo deixou Amanda sem resposta, porque era verdade.
— Sempre acontece alguma coisa pra atrapalhar ou pra nos afastar — deu de ombros — se for pra rolar, vai rolar…
— Amanda, vem aqui, por favor — Herrmann chamou e a morena deu um último sorriso para o oficial antes de se afastar.

•••


— Qual o estado da vítima, Dr. Halstead? — Antônio Dawson perguntou assim que encontraram com o médico, depois de algum tempo que levaram o informante para a cirurgia.
— Vai se recuperar, já retiramos a bala. — O ruivo respondeu calmamente, colocando as mãos nos bolsos do jaleco, então se despediu com um sorriso ao ser chamado.
— Shay… Dawson… — Ruzek, que estava ao lado de Antônio, se aproximou das duas paramédicas paradas no balcão, as cumprimentando.
— Como está a vítima? — Gabriela perguntou enquanto preenchia uma ficha.
— Fora de risco — Antônio respondeu e ela assentiu ao terminar a ficha e deixar a prancheta sobre o balcão.
— Não apareceu no Molly’s ontem, Antônio… — Leslie Shay comentou, enquanto se encaminhavam para fora do hospital, ela empurrando a maca, com Gabby logo atrás.
— Saí tarde do Distrito, por que? A Amanda tá bem? — A pergunta totalmente fora de contexto fez Gabby, Shay e Ruzek virarem a cabeça na direção dele, todos de sobrancelha arqueada, como se tivessem combinado e começaram a rir em seguida, ao chegarem perto da ambulância. No mesmo instante, Antônio se xingou mentalmente, dando-se conta do que acabara de fazer.
— Até quando vão continuar com isso, hein? — Gabby perguntou, logo depois que Shay abriu a porta da ambulância.
— Aconteceu muita coisa e não quero me tornar mais um problema na vida dela.
— Pra um detetive, sua percepção das coisas é péssima. — Adam Ruzek comentou com uma careta, antes de colocar os óculos de sol.
— Só acho que você tá perdendo a chance de estar com uma garota incrível com você e ela não está tendo a chance de estar com um cara… Bem chato e teimoso. — Gabby riu da cara de tédio que o irmão mais velho fez.
— OK, já deu de falar da minha vida amorosa, vocês já se intrometeram demais. — O detetive fez sinal de continência ao se virar e distanciar deles.
— Estou quase prendendo esses dois juntos num quarto, até se pegarem. — Shay brincou ao fechar a porta da ambulância, no momento em que Ruzek se despediu e também deu as costas para seguir o detetive que já abria a porta do carro.

•••


Depois do encontro no Chicago Med, Ruzek ficou com uma coisa martelando em sua cabeça, uma ideia que ele precisava de ajuda para colocar em prática. Então, sabendo o horário que terminava o turno do quartel 51 na manhã seguinte, seguiu para lá, antes de ir para o trabalho.
Assim que estacionou, encontrou Leslie Shay, Kelly Severide e Matt Casey saindo do quartel e os cumprimentou enquanto se aproximava a passos rápidos.
— Oficial, algum problema? — Casey perguntou, os três parando no meio do caminho quando Adam chegou mais perto.
— Problema, não. Estou numa missão… — os três franziram o cenho, esperando que ele explicasse — extra oficial.
— Fala logo, Ruzek — Severide apressou e o oficial olhou em volta, como se procurasse por alguém.
— Uma missão cupido, para o Antônio e a Amanda. — Shay explodiu em risadas, sendo acompanhada por Severide, enquanto Casey apenas encarou Ruzek, colocando as mãos nos bolsos.
— E como pretende realizar essa missão, soldado? — a loira perguntou, conforme as risadas se dissiparam.
— Ouvi o que disse ontem no Med, trancar eles juntos num quarto não é ruim. — Kelly Severide olhou para a amiga ao seu lado com os olhos arregalados, pendendo a cabeça para o lado.
— Foi só um comentário e eu tava brincando — levantou as mãos e deu de ombros.
— Não acha isso um tanto quanto infantil demais? Eles têm o que, quinze anos? — Matt Casey rebateu, ainda com a expressão séria, que fez Ruzek repensar a ideia por um momento, mas olhou na direção de Shay, que parecia considerar a ideia.
— Talvez, não trancar no quarto, isso é um pouco demais, até pra mim — riu e levantou o dedo, mostrando que tinha uma ideia.
Enquanto Shay contava a ideia de como poderiam fazer, Kelly focou em Casey que apenas se afastou deles para ir embora, com a mesma expressão que viu no rosto do amigo quando ele falou de Amanda e Antônio estarem juntos, dias antes.
— Casey! — correu até ele, deixando Shay e Ruzek conversando, Matt Casey parou ao lado do carro e se virou para Kelly — Você tá legal?
— Sim, por que não estaria? — franziu o cenho — tenho um trabalho pra fazer daqui a pouco, então melhor eu ir… — acenou brevemente e entrou no carro, sem dar a chance de Kelly dizer mais alguma coisa.
Observou o carro de Casey ir embora e balançou a cabeça, respirando fundo antes de voltar para Leslie Shay que o chamava. Adam Ruzek já tinha ido embora e ela estava empolgada, como se quem fosse ter um encontro arranjado fosse ela. A amiga com um sorriso de orelha a orelha e saltitante o fez rir quando passou o braço sobre seus ombros e seguiram para o carro, enquanto ela contava a ideia que teve com o oficial Ruzek.

•••


— Realmente acham que isso vai dar certo? — Severide perguntou para Shay, enquanto colocava a jaqueta.
— Não tem como dar errado — a loira afirmou, terminando de montar a tábua de frios, até a campainha tocar.
Severide correu até a porta e a abriu depois de confirmar pelo olho mágico, que era Adam Ruzek. O homem, usando uma camisa xadrez por baixo da jaqueta de couro, entrou com um sorriso nos lábios e foi até a cozinha.
— Hey! Empolgado para juntarmos os pombinhos? — Leslie Shay perguntou animadamente, fazendo uma dancinha em seguida.
— Preciso fazer a vida amorosa de alguém dar certo, já que a minha tá uma droga — Ruzek levantou as mãos para o alto, arrancando uma risada de Shay.
A campainha tocou novamente e Severide deu meia volta, ainda estando perto da porta e foi abrir, era Antônio, parecendo um tanto sem graça, com as mãos nos bolsos da calça.
— Severide, oi…
— Entra aí, detetive. — Deu passagem para o outro, que logo foi recepcionado por Adam.
— Boa noite, pessoal. — tentou disfarçar ao olhar em volta uma vez, procurando por alguém que os outros três sabiam bem quem era.
— A Amanda foi comprar mais cerveja, mas ainda temos algumas aqui, aceita uma Antônio? — Severide comentou casualmente ao se aproximar da geladeira e o detetive aceitou.
— Mandei mensagem pra ela no caminho — Shay e Adam se entreolharam, arregalando os olhos, se os dois se falassem sobre aquele comes e bebes, o plano ia pro ralo — mas ela não respondeu. — Então a loira soltou o ar e olhou na direção da mesinha da sala, confirmando que Amanda não tinha levado o aparelho.
Poucos minutos depois, a porta se abriu, quando começaram a conversar sobre um campeonato de Hockey que estava para iniciar.
— Cara, pessoas que não sabem dirigir dando passagem, não deveriam dirigir, ninguém colocou isso no código de trânsi… — Amanda interrompeu a reclamação ao chegar na porta da cozinha e encontrar Antônio sentado em um dos bancos da bancada com uma cerveja em mãos. — Ah! Oi, vocês já chegaram — abriu um sorriso sem jeito e tirou os olhos do moreno, seguindo com os fardinhos de cerveja para o balcão ao lado da geladeira. — Não comeram todo o queijo, né? — a morena olhou para a tábua de frios que já tinha alguns buracos, faltando petiscos.
— Não, ratinha — Shay brincou antes de levar um pedaço de salame à boca e Amanda terminou de colocar a cerveja na geladeira.
— Gente, péssimas notícias, sei que faziam muita questão da minha presença… — Adam começou a dizer, olhando para tela do celular — mas vou precisar ir agora.
— Tá falando sério? — Amanda o olhou com desânimo, vendo que Adam já pegava as chaves do carro no bolso da calça e se encaminhava para a porta.
— Acho que vou aproveitar a deixa — Antônio e Amanda olharam para Severide quando ele falou, o detetive, em sua percepção que não era tão ruim como Ruzek mencionou, já entendendo o que acontecia ali.
— Eu e o Kelly lembramos que tínhamos um compromisso, com duas morenas — Shay deu um grande gole na cerveja que estava bebendo e correu até Kelly, que já estava perto da porta com Adam.
— Mas gente… — Amanda correu até eles, e só teve tempo de ver a amiga passando pela porta. A loira apenas fez um coração e disse um “eu te amo” sem som, antes de fechar a porta.
Amanda ficou por alguns segundos parada com as mãos na cintura, olhando para a porta fechada, sem saber muito bem como agir. “Não tem nada, além de vocês mesmos, impedindo que fiquem juntos”, a voz de Ruzek ecoou em sua mente e ela olhou na direção de Antônio, que agora estava em pé, debruçado sobre o balcão, bebendo a cerveja tranquilamente. Ela sorriu sozinha e se aproximou, chamando a atenção dele, quando parou do outro lado do balcão, de frente para ele.
— Desculpa por isso, se quiser ir embora… — “por favor, não queira…”, pensou assim que as palavras saíram e antes de responder, Antônio a observou com um sorriso que a fez sentir as pernas falharem por um segundo.
— Bom, temos cerveja, uma tábua de frios… Queijo — completou, fazendo ela rir brevemente — e você tá aqui comigo, por que eu iria querer ir embora?
Os dois se olharam fixamente por minutos que tinham o peso de incontáveis horas, até ele levantar a garrafinha de cerveja, incentivando um pequeno brinde e com um largo sorriso nos lábios, ela fez o mesmo e tocaram as garrafas, antes dela dar um gole no líquido e Antônio acompanhá-la.



Antônio e Amanda engataram em conversas animadas ao se sentarem no sofá com suas cervejas e a tábua de frios na mesinha de centro. O homem nunca tinha rido tanto como naquela noite e apenas uma certeza crescia dentro dele, a queria e não tinha mais como adiar a vontade de beijá-la.
A garota contava empolgada sobre um filme que tinha assistido dias antes, em que o enredo girava em torno de um homem que ia parar no corpo de uma mulher. E só o que Antônio conseguia mesmo prestar atenção, era em como ela ria enquanto falava, como os olhos castanhos claro combinavam com sua pele marrom e como o lábio superior era um pouco mais carnudo que o inferior…
— Antônio? — ouvir seu nome quase como um sussurro, o despertou e ele levantou os olhos.
Então ela sorriu e mordeu o cantinho do lábio inferior, foi naquele exato momento que teve certeza… Estava perdido. Mas não pretendia se encontrar, não aquela noite, não enquanto ela quisesse se perder com ele.
A destra de Antônio alcançou o rosto de Amanda em um carinho suave, um cacho caiu sobre sua mão e ele brincou brevemente com a mecha, antes de colocar atrás da orelha da garota.
— Não dá pra esconder o quanto você mexe comigo… — confessou baixo e Amanda olhou fixamente em seus olhos escuros ao levar uma mão até seu ombro, antes de responder.
— Então não esconda — o sussurro da garota reverberou por todo o corpo de Antônio, era a única faísca que faltava.
Deslizando a mão da lateral do rosto até a nuca de Amanda, o homem acabou com o espaço que ainda os separava e colou os lábios nos dela. Acabando de vez com aquela vontade que sentia sempre que estavam juntos.
Os dedos de Amanda se fecharam no tecido da camisa dele quando um arrepio percorreu seu corpo, ao sentir o toque dele em sua nuca e os dedos se emaranhado um pouco em seus cabelos. Enquanto os lábios ansiosos dos dois, se envolviam numa sintonia que Amanda não achava ser possível. Era como se os lábios dela tivessem sido feitos sob medida para os dele.
O beijo acompanhou a intensidade das batidas do coração de Amanda, o qual batia por todo seu corpo, pedindo por cada vez mais contato. Como se lesse sua mente, a outra mão de Antônio apertou levemente sua cintura, antes de separar os lábios, mas sem se afastar totalmente.
— Podemos parar se quiser… — ele tinha a respiração descompassada e o hálito de menta e cerveja inebriaram Amanda, que sabia exatamente o que queria e não envolvia ele parar.
— Por que iria querer que pare? — Ela sussurrou em resposta, com um sorriso que o fez sorrir também ao lembrar da resposta que deu a ela mais cedo.
Então Antônio tomou os lábios dela novamente e ao descer as mãos por seu peitoral, Amanda puxou a camisa do homem para cima, o fazendo tirá-la de uma vez, aproveitando o momento para também tirar a camiseta que Amanda usava.
Por um breve momento, a garota hesitou, como se por instinto tentasse cobrir o corpo. Uma insegurança a tomou e Antônio percebeu, viu também nos olhos dela o brilho mudar, então fez um carinho no rosto de Amanda e selou seus lábios com leveza.
— Você é linda… — ela o olhou e mais uma vez, como todas as outras vezes, sentiu-se segura com ele.
Amanda tomou seus lábios mais uma vez, totalmente entregue, com um desejo que crescia a cada segundo que passava. E se levantou, o levando consigo sem partirem o beijo. Deixando as mãos apoiadas no peito de Antônio, ele a segurando pela cintura, caminharam na direção do quarto.
Chegando no cômodo, depois de quase tropeçarem algumas vezes em meio a sorrisos entre o beijo, ele a deitou e cobriu seu corpo com o dele. Os beijos passaram dos lábios para o pescoço e ombro, fazendo Amanda arrepiar com o toque dos lábios quentes e macios em sua pele. Então os dedos dela se entrelaçaram aos fios negros do cabelo de Antônio perto da nuca.
Cada toque, beijo e contato da pele dele com a dela, criando faíscas que levariam a um incêndio que ela não pretendia apagar. Algo nunca pareceu tão certo e podia ver que ele sentia o mesmo, quando os olhos dele fitaram seu rosto antes de beijá-la novamente.

•••


— É tão filme de romance clichê o homem acordar primeiro e ficar olhando a mulher dormindo… — Amanda disse baixo, depois de abrir os olhos apenas o suficiente para ver que Antônio a observava e fechá-los de novo.
— Quer coisa mais clichê do que ontem à noite? — ele riu baixinho e o som reverberou por todo o corpo de Amanda.
Então o moreno selou os lábios dela suavemente, iniciando um carinho suave em sua cintura, a trazendo um pouco para mais perto. Amanda abriu os olhos depois de um último selinho mais demorado, vendo o rosto dele tão próximo, sentindo o calor que emanava de seu corpo e como poderia ficar ali pra sempre. Pensar naquilo, fez uma sensação estranha a atingir, um medo de que aquilo acabasse.
— O que tá pensando? — A mão antes em sua cintura, foi até o rosto da garota, onde Antônio acariciou de leve com o polegar.
— Que não quero sair daqui, nunca mais… — o sorriso bobo e carinhoso nos lábios de Antônio fez o coração dela se aquecer.
— Não vamos sair então — ele a beijou ao mesmo tempo que cobriu o corpo dela por rolar na cama, fazendo Amanda sorrir nos lábios dele.
Mas o momento foi interrompido por um celular tocando em alguma parte do quarto. Algo que Antônio tentou ignorar enquanto beijava Amanda, até perceber que o aparelho não pararia se ele não atendesse de uma vez.
Olhou para Amanda com uma careta de desgosto e lhe deu um selinho rápido antes de levantar, enquanto ela deitou de lado para observá-lo.
Antônio olhou em volta, procurando pela calça jeans que usava na noite anterior e a encontrou no chão, a cueca um pouco mais para o lado. A vestiu e pegou o celular na calça quando começou a tocar novamente.
A morena não podia deixar de admirar o corpo dele, coberto apenas pela cueca boxer preta. Acabou sorrindo sozinha, enquanto ele estava distraído com o celular. Os braços definidos que sempre estavam escondidos pela jaqueta preta, tinha algumas tatuagens que ela não não prestou atenção antes.
— Ei… — percebeu Antônio agora mais próximo, se dando conta que estava distraída. O homem tinha um sorriso divertido nos lábios ao se sentar na cama ao lado dela — eu preciso ir trabalhar, vamos ter que deixar o plano de ficar aqui pra sempre, pra outro dia — Amanda soltou uma leve risada, do jeito que causava arrepios na nuca de Antônio.
— Tudo bem, dessa vez eu perdoo, detetive — piscou brincalhona e se sentou, usando o lençol para cobrir o corpo.
Levou a mão até a nuca de Amanda e a beijou mais uma vez, brincando com seus lábios até dar uma mordidinha no inferior e se afastar.
Ouviram um barulho assim que ele terminou de colocar as calças, ambos olharam na direção da porta fechada do quarto. Um de seus amigos tinha chegado em casa, Amanda e Antônio se entreolharam.
— Acho que eu sobrevivo — ele deu de ombros e vestiu a camisa — não sei se preciso dizer isso, mas… — parou na frente da cama e a olhou atentamente — quero muito que isso se repita e eu gosto demais de você, Amanda. — Não precisava mesmo, mas foi ótimo para ela escutar.
— Também gosto demais de você. — Respondeu com um sorriso, antes dele sair do quarto.
Ao se aproximar da sala, Antônio escutou mais barulhos vindos da cozinha e decidiu que a melhor opção era fingir costume.
— Bom dia, Shay. — Encontrou a loira bebendo um copo de suco, já se encaminhando para a porta.
— Bom dia, detetive Dawson. — Respondeu sem esconder o sorriso malicioso e o viu acenar casualmente antes de passar pela porta do apartamento.
Não demorou muito e Amanda saiu do quarto, depois de ir ao banheiro e se trocar. Encontrou Shay com o sorriso de orelha a orelha, enquanto colocava o copo que usou na pia.
— Muitíssimo bom dia, senhorita — apoiou as mãos no balcão e focou na amiga, que rolava os olhos com um sorriso nos lábios que ela simplesmente não conseguia desmanchar — meu Deus, você está até brilhando!
— Deixa de ser besta! — a morena riu se servindo de um copo d'água.
— Vou mudar de profissão, será que cupido ganha bem? — pareceu realmente pensar sério no assunto, arrancando mais risadas da amiga, que procurava algo para comer.

•••


Herrmann tinha pedido que Amanda fizesse algumas compras para o Molly's, então a morena saiu para fazê-lo logo depois que Shay saiu para trabalhar.
Enquanto caminhava pelos corredores do mercado, com o corpo um pouco debruçado sobre o carrinho, seus olhos focaram numa prateleira específica. Parou e encarou os potes, então pegou uma lata redonda que chamou muito sua atenção, pois havia uma goiaba desenhada em cima - fruta pouquíssimo comum nos Estados Unidos. Assim que segurou a lata em mãos, leu o nome, que estava em português.
— Goiabada? — pronunciar a palavra causou um flash, viu suas mãos cortando o doce e levando à boca. Então, o barulho da lata indo ao chão a despertou e ela balançou a cabeça, como se afastasse as imagens sem nexo.
Viu uma mulher no mesmo corredor olhá-la confusa e preocupada e Amanda apenas sorriu, mostrando que estava tudo bem, se abaixou e pegou a lata, para colocar de volta na prateleira. Mas parou, encarando a lata por alguns segundos, decidiu levar e colocou no carrinho.
Alguns passos depois, para sair do corredor, Amanda constatou que era uma prateleira apenas de comidas brasileiras.
— Sonho de Valsa… — pegou um pacote do bombom e colocou no carrinho, junto com um potinho de paçoca. Era engraçado que parecia lembrar do sabor daqueles doces, ao ver o nome ou a foto na embalagem, quase podia sentir o gosto na boca.

•••


Amanda entrou no quartel segurando duas colas numa mão e na outra, as cartas que estavam na caixa do correio lá fora. As quais entregou para Casey na mesa, ao se aproximar.
— Obrigado — o tenente sorriu ao segurar as cartas e começou a olhá-las uma a uma.
— Gente, trouxe uma coisa pra nós — ela suspendeu as sacolas com os doces brasileiros e colocou no meio da mesa, fazendo Casey olhar com a sobrancelha arqueada.
— O que é isso? — Kelly Severide pegou o potinho de paçoca, curioso.
— Doces brasileiros — Amanda abriu um largo sorriso, enquanto arrumava tudo sobre a mesa — encontrei em um dos corredores do mercado, tem um monte de comida brasileira, principalmente doces. — Todos ficaram curiosos e se distribuíram em volta da mesa.
— E você… — Herrmann fez uma pausa antes de finalizar a pergunta com uma careta — se lembra deles?
— É estranho explicar, mas quando olho para a embalagem, sinto a sensação de conhecer os sabores — decidiu não contar sobre o flash de memória que teve ao pegar a goiabada no mercado.
— O que estão aprontando? — Wallace Boden apareceu, logo ficando curioso para saber do que se tratava as embalagens sobre a mesa.
— A Amanda quer nos calar com doces — Kelly Severide comentou casualmente, abrindo um Sonho de Valsa, sentindo os olhos fuzilantes de Amanda sobre si.
— Por que ela iria querer nos calar? — Otis perguntou confuso enquanto observava a morena abrir o potinho de paçoca.
— O Tenente está apenas pegando no meu pé… — Amanda o olhou pelo canto dos olhos.
— Nossa, o cheiro desse é muito forte… — Cruz comentou ao pegar uma paçoca no potinho que Amanda acabara de colocar na mesa.
— Já vi esse! — Herrmann disse apontando antes de Joe Cruz morder a paçoca e arregalar os olhos em surpresa — tivemos que comprar pro meu filho levar na escola, num dia de culinária ao redor do mundo.
Todos pegaram algum doce e experimentaram, inclusive Amanda, saboreou um sonho de valsa e como imaginou, conhecia o sabor.
— Detetive Dawson! — Amanda franziu o cenho quando Kelly Severide disse alto e com uma certa ênfase, olhando para a porta.
— Boa tarde, tenente — Antônio respondeu de volta e quando Amanda se virou para ele, não conseguiu conter o sorriso de canto, quase sem graça. — Boa tarde, pessoal… — cumprimentou, mas olhando para Amanda, com um sorriso que também não soube controlar.
— Precisa de algo, detetive? — Matt Casey perguntou encarando fixamente o moreno que parecia ter esquecido o que foi fazer no quartel.
— Sim, na verdade vim falar com o chefe Boden… — respondeu coçando a testa — e vocês dois, talvez seja bom também. — Olhou para Severide e Casey.
— Vamos na minha sala — Boden indicou com a mão e foi na frente, sendo seguido pelo detetive e pelos dois tenentes.
Todos ficaram meio em alerta e confusos com a situação, mas não comentaram nada e se dispersaram para fazer outras coisas.
— Quando foi? — Gabriela Dawson chegou perto de Amanda com os braços cruzados e o sorriso malicioso. A garota demorou alguns segundos para entender.
— Não acredito que a Shay…
— Qual é, Amanda! Conheço meu irmão e você disfarçando é o mesmo que colocar uma placa neon na testa — soltou uma risada ao ver a careta de Amanda.
— Anteontem… — respondeu baixo, passando a mão na nuca.
— Fazia muito tempo que eu não via aquele sorriso no Antônio — a morena abriu um sorriso, como se agradecesse — se ele te magoar, me avisa e eu quebro ele. — avisou séria e Amanda apenas assentiu rindo.
Não demorou muito e Antônio Dawson saiu da sala de Boden junto dos dois tenentes, que tinham o olhar um pouco preocupado.
— Amanda, posso falar com você? — o detetive chamou antes de se aproximar da porta. Ela franziu o cenho e se levantou.
— Claro… — respondeu um pouco confusa ao se aproximar dele.
Então, foram juntos para fora, parando ao lado da ambulância.
— Algum problema? Eu juro que não matei ninguém. — Amanda disse rápido e como resposta, Antônio a puxou pela cintura e a beijou rapidamente.
— O problema é que eu já tava com saudade — disse ao partir o beijo, fazendo Amanda sorrir por um segundo, mas logo se lembrar do susto que levou e dar um tapa estralado no braço dele. — Nossa, que mão pesada… — fez uma careta levando a mão ao local que ela bateu.
— Você me assustou! Tava com aquela cara de quando a pessoa está encrencada — a careta dela o fez rir e ela acabou soltando a risada também.
— Desculpa — pediu quando a risada foi cessando — posso te compensar com um jantar? — o convite fez Amanda arquear a sobrancelha.
— Quando?
— Hoje, às 8, na minha casa. — A morena assentiu com um largo sorriso e Antônio lhe deu um selinho demorado antes de se afastar e ir embora.
Amanda se virou para entrar e deu de cara com Casey, que apenas deu um leve sorriso de canto, meio sem graça. Sem dizer nada, ela sorriu para o homem e entrou novamente no quartel, sem ver o olhar desanimado que ele direcionou para o carro de Antônio indo embora.



— Kelly — Amanda chamou a atenção do amigo ao parar na porta de sua sala e ele apenas a olhou — só pra avisar que não estarei em casa quando chegarem amanhã, depois do turno.
— Não que seja da minha conta — levantou as mãos, com um sorriso malicioso — mas posso saber quais são os planos?
— Vou jantar no Antônio — deu de ombros e entrou na sala, se sentando na ponta da cama de solteiro.
Kelly Severide arregalou os olhos e deu uma leve risada ao cutucar a amiga.
— Mas preciso te perguntar uma coisa importante… — ele ficou sério e Amanda o encarou atenta. — Quem beija melhor? — a garota não aguentou e caiu na risada, e ele a acompanhou.
— Você é um idiota, Kelly Severide. — Rolou os olhos ao se levantar e sair da sala do homem, o deixando com um sorriso brincalhão no rosto.

•••


— Boa noite — Amanda cumprimentou com um largo sorriso, quando a porta do apartamento de Antônio se abriu.
— Uau! — ele desceu os olhos pelo corpo da morena, que usava um vestido tubinho preto, um palmo acima do joelho, os cabelos longos e de cachos macios todo para um lado, sobre o ombro.
— Para vai, não é pra tanto — sorriu sem graça e deu passo na direção dele, lhe depositando um beijo suave nos lábios ao apoiar uma mão na lateral de seu pescoço.
— Você tá incrível — o homem disse baixo ao separarem o beijo e finalizou com um selinho rápido.
Amanda o observou ao fechar a porta, Antônio usava uma calça jeans escura e camisa social azul marinho, lhe dando um ar de empresário despojado.
— Você não tá nada mal também — Amanda colocou a mão na cintura e o viu sorrir ao abrir os braços e dar uma voltinha. Atitude que fez a garota rir, lhe dando um tapinha de leve no braço.
— Bom, espero que esteja com fome… Já estou terminando. — Antônio piscou e correu até a cozinha.
— Então o detetive Dawson cozinha? — arregalou os olhos ao se aproximar da bancada, apoiando os braços no local.
— Eu me viro, mas só cozinho para pessoas especiais — deu de ombros e começou a mexer na panela que ainda estava no fogo.
Ficaram em silêncio por alguns segundos, enquanto Amanda se deliciava com a sensação que a resposta lhe trouxe.
— Algum problema rolando, pra você ter ido falar com o Boden mais cedo? — perguntou casualmente, logo se dando conta que era uma pergunta extremamente invasiva, por ser o trabalho dele — desculpa, não devia ter perguntado, tudo bem se não puder dizer. — Passou a mão na nuca, sentindo-se uma intrometida.
— Não, tudo bem… — olhou para a garota ao tampar a panela, então pegou duas taças no armário e colocou sobre a bancada — emitimos um alerta de emergência e achamos por bem avisar o quartel — abriu uma garrafa de vinho tinto enquanto falava e serviu as duas taças, Amanda o olhou curiosa — um grupo terrorista está se movimentando e fazendo ameaças.
— Eles já agiram alguma vez? — deu um gole no vinho.
— Sim, em Nova York… — tampou a garrafa e também deu um gole no vinho.
Amanda ficou alguns segundos em silêncio, olhando para o líquido escuro na taça. Com um traço de preocupação nos olhos.
— Ei, não precisa se preocupar com isso. — Antônio fez um leve carinho no rosto da morena e ela apenas sorriu para ele, assentindo. — Até porque… — virou a taça antes de dar a volta na bancada e se aproximar de Amanda — não quero falar de terroristas no nosso primeiro encontro. — Completou a segurando pela cintura com um sorriso de canto.
— Tecnicamente, já tivemos um primeiro encontro… — franziu o cenho ao passar os braços pelo pescoço dele.
— Aquilo foi uma armação.
— Que deu certo, vamos combinar. — Amanda riu ao lembrar da cena.
— Mas ainda uma armação — ressaltou, arqueando as sobrancelhas e acabou rindo também.

Depois de comerem o arroz com pollo, um prato da terra natal de Antônio, Porto Rico, os dois se sentaram no sofá com suas taças de vinho. Antônio tinha o braço por cima do ombro de Amanda, e as pontas de seus dedos faziam um leve carinho no braço dela.
— Tive alguns flashes de memória recentemente… — percebeu o homem olhar para ela.
— Do que lembrou? — Perguntou calmamente.
— Não são exatamente lembranças, é sempre confuso e sem sentido, apenas flashes — deu de ombros e Antônio assentiu.
Um minuto de silêncio se instalou entre eles, mas não era desconfortável, até Amanda virar um pouco o tronco, para olhar ele melhor.
— O Dr. Charles sugeriu uma terapia, tipo uns exercícios mentais para resgatar as memórias — os olhos negros de Antônio encontraram os dela, que pareciam confusos e ansiosos.
— Não sabe se quer mesmo se lembrar… — compreendeu o que os olhos dela transmitiam e Amanda assentiu, então colocou a taça de vinho na mesinha de centro, assim como Antônio.
— Gosto da vida que estou construindo… — ela pegou a mão dele, brincando com seus dedos, até senti-lo os entrelaçando nos dela. — Se a verdade, o passado, for doloroso demais ao ponto do meu cérebro apagar… pra quê lembrar? — deu de ombros, mas não parecia nem um pouco certa sobre aquilo.
— É uma decisão importante… — fez um carinho na mão de Amanda, com o polegar.
Pela primeira vez, teve um sentimento ruim com tudo aquilo e um pensamento egoísta lhe passou pela mente. E se a perdesse, caso ela se lembrasse? Se algo sobre o passado dela a impedisse de ficar com ele? A possibilidade apertou seu coração.
Mas aquilo não era sobre seus sentimentos, era sobre ela...
— Queria saber como te ajudar e dizer algo inspirador… — soltou uma leve risada e levantou o olhar, a encarando por alguns segundos antes de completar — mas só o que posso dizer é que quero te ver feliz e bem. — Aquilo não dizia muito, na cabeça de Antônio estava sendo bem inútil em ajudar no problema da garota. — E quero que me diga se lembrar de algo, se quiser, é claro, mas sempre estarei do seu lado. — Completou, imaginando ser o certo a se dizer. Independente de qualquer coisa, estaria ali por ela, se confiasse nele e o permitisse passar por aquilo junto dela.
Amanda sentiu a paz no coração que precisava. A resposta estava bem ali, diante de seus olhos, não trocaria aquele sentimento tão bom, por algo que não tinha ideia de como seria. Não estava preparada para saber de onde veio… Pois se tivesse que voltar, não conseguiria. Talvez as memórias viessem em algum momento, lidaria com elas, mas não as forçaria a voltar antes da hora. Não enquanto tinha aquele par de olhos escuros a encarando com tanto carinho ou aquele toque que a fazia arrepiar.
— Não quero mais pensar nisso… — balançou a cabeça, como se afastasse algo.
— E no que quer pensar? — Antônio perguntou baixo, levando a mão apoiada no encosto do sofá até o rosto de Amanda.
— Não quero pensar… — aproximou-se mais dele e o beijou.
Antônio não demorou em soltar a mão dela, para segurá-la pela sua cintura e puxá-la para ele, a fazendo se sentar em seu colo. O beijo foi se tornando mais intenso a cada segundo e não demorou para o vestido que já se amontoava na coxa de Amanda ao subir, fosse retirado pelo homem.

•••


— Apenas decidi que não é o momento… — Amanda deu de ombros, quando Shay perguntou pela terceira vez porque ela não ia mais fazer a terapia com o Dr. Charles.
— E os flashes, mal estar...? — a loira encostou no balcão da cozinha do quartel e mordeu a maçã que estava comendo.
— Vou lidar com eles, talvez se eu fingir que não existem, eles sumam — Amanda respondeu casualmente antes de dar a volta no balcão e se sentar na mesa junto dos outros.
Leslie Shay observou a amiga de longe e suspirou, não podia obrigá-la e nem tinha porquê. Amanda era adulta e se ela sentia que aquela era a melhor decisão, apoiaria.

•••


Depois de liberada para subir, Amanda entrou no setor da Inteligência, mas a sala estava vazia. Olhou em volta, com as mãos nos bolsos, o olhar confuso, até o sargento Hank Voight sair de sua sala.
— Amanda? Está perdida? — o homem franziu o cenho.
Não tinha mais visto ele desde que foi no quartel falar do estuprador. E apesar do jeito ainda muito intimidador e um receio nítido em seus olhos, já não via o mesmo que no começo, como se um certo bloqueio tivesse se rompido.
— Não, na verdade, vim só deixar isso… O Ruzek esqueceu no Molly's ontem. — Mostrou o celular do oficial e colocou sobre a mesa de Antônio, por não saber qual era a de Adam Ruzek.
— Tudo bem… — respondeu simplesmente, assentindo, então se virou para entrar na sala dele novamente.
— Sargento — a garota chamou no impulso e quando ele se virou mais uma vez, sentiu que nem sabia o que dizer — como está? — Voight a encarou por alguns segundos e colocando as mãos nos bolsos da calça, inclinou a cabeça para o lado, a olhando confuso.
— Precisa de algo realmente relevante, Amanda? — a pergunta deixou a garota ainda mais nervosa, porque a verdade era que não, não tinha… Ou achava que não.
— Acho que é relevante saber se você está bem… — decidiu responder, empinando um pouquinho o queixo. Em seguida sentiu que deveria sair dali correndo, antes que ele mandasse ela sair de forma nada simpática.
Mas a frase fez o homem sorrir, um sorriso quase imperceptível a um olhar menos atento. Havia algo por trás daquela casca e Amanda podia ver, mesmo que não pudesse explicar aquela micro conexão que sentia pelo homem. Como se o conhecesse há anos...
— Você lembra muito ela. — Voight disse meio que para si mesmo, como se pensasse alto, mas Amanda não entendeu e esperou que ele explicasse — um caso que ajudei, há cerca de oito anos. — Ele encostou no batente da sala.
— Ela também foi acusada de algo? — Ao ouvir a pergunta, o sargento não se irritou, apenas suspirou e coçou a testa, como se incomodasse lembrar daquilo.
— Não… Foi vítima, de um estupro — os olhares dos dois se encontraram. — Foi em Nova York, trabalhamos com a Unidade de Vitimas Especiais, mas não conseguimos solucionar o caso e ele foi arquivado depois que ela sumiu… — os olhos de Amanda arregalaram.
— Sinto muito…
— Eu também. Ela era uma boa garota e tinha esse mesmo brilho nos olhos, apesar de tudo. — Aprontou para Amanda, como se indicasse os olhos dela.
A garota finalmente entendeu. Não estava louca no fim das contas, quando pensou que ele talvez lembrasse de algo ou alguém quando olhava pra ela.
Ouviram vozes se aproximando, pôde identificar Adam Ruzek e Jay Halstead. Então Voight apenas se despediu com um aceno e entrou em sua sala.
— Ei, Mandy! — A voz animada de Ruzek a tirou de seus pensamentos, enquanto olhava na direção da sala do sargento, com um peso enorme no peito.



— O que te traz aqui? O Antônio precisou sair… — Adam Ruzek disse depois de apertar levemente o ombro de Amanda, passando por ela para então sentar na ponta da mesa.
— Não conheço só o Antônio aqui — arqueou a sobrancelha, o desafiando ao cruzar os braços.
— Mas ele, que é seu namoradinho… — Jay Halstead brincou sentando-se em sua cadeira. Ruzek também riu ao ver a morena rolar os olhos.
— Primeiramente, ele não é meu namorado — ela levantou o indicador, ignorou a sobrancelha arqueada de Adam — segundo, eu só vim trazer seu celular — pegou o aparelho que deixou na mesa de Antônio e mostrou, entregando para o loiro que expressou surpresa ao ver o aparelho.
— Pensei que tinha esquecido em casa… deixei no Molly's? — pegou franzindo o cenho e constatou que estava sem bateria.
— Sim… — Amanda colocou as mãos nos bolsos do casaco.
— Nisso que dá ficar com a cabeça em uma certa ruiva de olhos verdes — Adam fez uma careta e suspirou, quando Jay falou e Amanda apenas olhou de um para o outro. Sabia do que o detetive estava falando, ela e Adam já tinham conversado sobre.
— Preciso ir meninos, ainda preciso passar no quartel antes do almoço… — Eles assentiram em resposta.
— Te acompanho até lá embaixo, vou comprar um café. — Adam Ruzek comentou antes de colocar o celular na mesa dele e seguiu Amanda, depois dela se despedir de Jay Halstead.
— Os problemas no paraíso não se resolveram? — A morena fez menção à forma que o homem se referiu aos problemas com relacionamento, semanas antes.
— Acho que só piorou… — deu de ombros e ela viu uma tristeza nos olhos dele. — Tentei falar com ela, mas acho que a perdi mesmo…
— Ei, ânimo soldado — deu um tapinha no braço dele, sorrindo em encorajamento — não importa o tempo que leve, se for acontecer, vai acontecer. — Ruzek assentiu com um leve sorriso, meio desanimado.
— Mas ajudei na sua vida amorosa, já fico feliz — comentou empolgado e a garota riu em seguida. — Foi um ótimo plano, fala a verdade. — cutucou Amanda em meio às risadas.
Ótimo é um pouco de exagero, Adam — fez uma careta — mas deu certo, no fim das contas. — Deu de ombros e abriu a porta do carro, observando o sorriso orgulhoso do oficial.

•••


Amanda terminava de colocar as coisas do almoço no balcão para o pessoal do quartel. Alguns deles se aproximavam para se servirem.
— Não vai comer? — Peter Mills perguntou ao observar Amanda com as mãos apoiadas no balcão, apenas observando os outros se servindo.
— Estou sem fome agora… — deu um sorriso de canto.
— Só não fica sem comer… — ela assentiu em resposta e o viu se sentar com os outros.
Percebeu que todos estavam ali, menos um, estranhou e decidiu ir ver se ele sabia que o almoço estava pronto.
A garota deu toquinhos na porta da sala do tenente e quando ele fez sinal para ela entrar, abriu com um leve sorriso nos lábios, que ele retribuiu.
— Oi Matt, vim avisar que o almoço tá pronto — ele assentiu, olhando as horas e coçou a testa.
— Sim, claro, logo vou… — ele fez menção de voltar ao que estavam fazendo e Amanda assentiu levemente.
Algo a perturbava e Matt Casey percebeu antes que ela se virasse e fosse embora.
— Quer me dizer alguma coisa? — ele a observou com seus olhos azuis intensos, franzindo o cenho.
— Mais ou menos… — admitiu, meio sem saber o que ou como dizer, então entrou e encostou ao lado da porta. — Conversei com o Voight esses dias.
— Sobre o que? — franziu o cenho, sem disfarçar seu incômodo com aquilo.
— Ele comentou sobre um caso, de uma garota que foi vítima de estupro e depois sumiu… — Comentou — se sentou na ponta da cama, não sabia se deveria falar sobre o teor da conversa, pois não era assunto dela, mas as coisas que o sargento contou, não saía de sua cabeça — sei que você e o Voight não se dão muito bem, mas há quanto tempo o conhece? — A pergunta deixou o tenente confuso, mas pensou sobre, para poder responder.
— Não muito… — Casey fez uma pausa, antes de continuar — o conheci, infelizmente, pouco tempo antes dele ser preso…
— Preso? — A garota franziu o cenho e Matt Casey apenas assentiu em resposta.
— Quando ele saiu, em torno de um ano depois, se tornou sargento da Inteligência.
— Isso faz mais de oito anos? — Amanda perguntou, levemente pensativa.
— Não, bem menos… — ela assentiu, com uma expressão de quem tenta desvendar algum mistério — do que falaram exatamente, hein?
— Sobre esse caso da menina, ele ajudou e foi há cerca de oito anos atrás… — deu de ombros — sinto que é algo que ele nunca esqueceu, que o afeta de alguma forma — Matt Casey viu um lampejo de preocupação e empatia nos olhos de Amanda, causando um certo orgulho nele, realmente era uma garota muito especial.
— A detetive Erin Lindsay parece conhecer o Voight muito bem, poderia conversar com ela, se isso for acalmar seu coração — ofereceu um sorriso carinhoso para a garota e ela retribuiu, se levantando em seguida.
— Vamos comer, tenente — o homem também levantou e a acompanhou.

•••


— Fala a verdade Casey, o Kelly que é um velho rabugento… — Amanda ria ao falar, caminhando para fora do quartel, com os amigos.
— Você sabe quantos anos eu tenho? — Kelly Severide franziu o cenho.
— Não tô falando de idade… — a garota rolou os olhos.
— Severide, você é bem reclamão, tenho que concordar — Matt Casey deu de ombros, rindo junto com Amanda, da cara de Severide.
— Hey vocês! — Leslie Shay surgiu correndo e só faltou pular nas costas de Severide.
Nesse exato momento, Antônio estacionou o carro em frente ao quartel, fazendo os quatro pararem e olharem para ele descendo do carro.
— Olha só quem vem aí… — Shay cutucou Amanda ao seu lado, com um sorriso malicioso e Severide não conseguiu deixar de observar a expressão de Casey mudar no instante em que o detetive se aproximou.
— Olá pessoal — ele fez um cumprimento geral e direcionou um sorriso para Amanda, que sorriu de volta, colocando as mãos nos bolsos da calça.
— A gente já vai indo — Shay puxou Severide pelo braço, levando Casey junto com eles na direção dos carros.
— Algum problema, detetive? — Amanda perguntou ao ficarem sozinhos.
— Falando assim, parece que só venho no 51 quando tem algum problema — ele passou o braço sobre os ombros da garota e riu ao caminharem juntos até o carro dela.
— Mas é… — respondeu rindo e ele lhe deu um beijo no rosto, antes da garota abrir o carro e jogar a bolsa lá dentro.
— Vim falar com o Boden, sabe se ele já foi embora? — Amanda arqueou a sobrancelha — Okay, eu realmente só apareço com problema — abriu os braços, admitindo.
— Não vi ele saindo, acho que ainda está no escritório — encostou no carro e viu Antônio apenas assentir em resposta, antes de se aproximar rapidamente e lhe dar um beijo.
— Te vejo no Molly’s mais tarde — selou os lábios da garota, a fazendo sorrir e se afastou em seguida.
Amanda o observou se afastar, o jeito que andava e como movia os braços a cada passo, sorriu sozinha e balançou a cabeça, então entrou no carro.

•••


— Amanda, foi fabricar água pra fazer gelo? — Herrmann perguntou da porta dos fundos.
— Eu tô indo! — Guardou o celular no bolso rapidamente e pegou o saco de gelo que Herrmann pediu, correndo para o bar.
Depois de colocar o gelo no freezer, Amanda se aproximou do balcão olhando em volta e focando na porta quando a mesma abriu, um olhar de decepção se seguindo ao não ver quem gostaria.
— Tá tudo bem? — Otis perguntou ao perceber o olhar preocupado de Amanda.
— Sim, é que… — ela se interrompeu e balançou a cabeça, mostrando não ser nada demais. Aproveitando que um cliente pediu uma cerveja, para sair do assunto e fugir dos olhos questionadores do amigo.
Conforme as horas se passavam, Amanda não conseguia controlar a sensação de que algo ruim estava acontecendo. Olhou em volta, confirmando que nenhum dos policiais do Distrito 21 estava no Molly's naquela noite. Nenhuma mensagem também tinha chegado em seu celular e Antônio não respondeu a que mandou quando foi pegar o gelo.
— Amanda! — Severide a chamou, impaciente, mostrando que não era a primeira vez que estava dizendo seu nome — Está em que mundo, garota?
— Foi mal, pediu alguma coisa? — Se aproximou do amigo no balcão e o viu franzir o cenho.
— Tá preocupada com o quê?
— Você sabe como tá a investigação do grupo terrorista? — por dois segundos, ele se questionou como ela sabia sobre aquilo, mas logo se lembrou de Antônio e deu de ombros.
— Nada muito concreto… Boden me disse que o Antônio foi falar com ele hoje cedo sobre isso, encontraram uma nova pista de quem é o grupo, mas parecia bem vago.
Amanda não disse nada, apenas ficou um pouco pensativa, aquele pressentimento ruim não se afastava dela.
— Amanda! — Gabriela Dawson se aproximou do balcão num salto, com o celular em mãos e os olhos apavorados — o Antonio, ele levou um tiro.
A boca da garota secou no mesmo instante e seu coração pareceu parar de bater por um minuto. Não pensou em nada, apenas correu com Gabby para fora do Molly’s depois de avisar Herrmann, toda enrolada.



Gabriela Dawson passou pela porta do Chicago Med na frente, seguida por Amanda e Severide. Encontraram os outros membros da inteligência sentados na sala de espera, que se levantaram assim que os viram.
— Como ele tá? — Gabby se adiantou em perguntar, enquanto Amanda ficou parada abraçando o próprio corpo, em silêncio, sem saber ao menos o que sentir, Kelly Severide parou ao seu lado e colocou a mão sobre seu ombro.
— Entrou em cirurgia agora a pouco — Jay Halstead informou.
— O que foi que aconteceu? — Dawson olhou para Hank Voight.
— Seguimos uma pista, fomos surpreendidos com tiros no local — o sargento respondeu.
Mais alguns do quartel 51 chegaram em seguida, Shay, Cruz e Casey se aproximaram e depois de informados com o que os outros sabiam, todos se sentaram pela sala de espera. Gabby sentou ao lado de Amanda, que não deu uma palavra desde que chegou, e segurou em sua mão, as duas se amparando uma na outra. Severide ocupou a cadeira ao lado de Amanda, onde ela deitou a cabeça em seu ombro depois de alguns minutos.
— Vai dar tudo certo, o Antônio é forte — Shay sentou ao lado de Gabby e fez um carinho em suas costas.
— Tomem... — Adam Ruzek se aproximou com dois copos d'água e entregou um para Amanda e outro pra Gabby, dando um leve sorriso.
— Vou avisar o Boden, ele gostaria de saber… — Kelly Severide pegou o celular e se levantou depois que Amanda tirou a cabeça de seu ombro.
Ela não sabia nem mesmo o que sentir, seu coração parecia estar pulsando em todo seu corpo e os olhos marejados focavam na parede branca logo a frente, vez ou outra focando no chão. A boca seca a impedia de falar qualquer coisa, mesmo depois de dar um gole na água que Ruzek lhe entregou.
Pôde ver o oficial se sentar no lugar antes ocupado por Severide, só então ela vendo que a mão dele estava machucada. Pensou em falar alguma coisa ou recomendar que colocasse gelo, mas o Dr. Will Halstead apareceu, fazendo Amanda e todos os outros se levantarem rápido.
— A cirurgia correu bem, tiramos a bala sem maiores complicações. — Todos os presentes sentiram um alívio instantâneo e as duas morenas que estavam angustiadas, se abraçaram rapidamente.
— Podemos vê-lo? — Gabriela Dawson se adiantou ao soltarem o abraço, mas ainda segurando na mão da amiga.
— Claro, ele pode estar ainda um pouco grogue com a anestesia, mas podem sim — Will Halstead deu um leve sorriso e indicou com o braço que podiam entrar.
— Vem comigo, Mandy? — Os olhares das duas se encontraram e Amanda sentiu as pernas fraquejarem por um momento. Então, uma mão apertou seu ombro, como se a incentivasse, ela olhou para trás e viu Adam Ruzek com um sorriso de canto.
— Claro, vamos sim… — Amanda respondeu como se despertasse de algo ao voltar-se para Gabby e as duas seguiram o Dr. Halstead.
Ao chegarem na porta do quarto, encontraram Antônio com um grande curativo acima do peito e um pequeno machucado na testa. O homem abriu os olhos devagar e sorriu levemente para as duas.
— Quando você vai parar de me dar esses sustos? — Gabby Dawson se aproximou da cama.
— Sem emoção não tem graça — riu baixo e a irmã apenas balançou a cabeça.
Então Antônio virou o rosto na direção da porta, onde Amanda continuou parada, abraçando o próprio corpo, como se não soubesse o que fazer, os olhos castanhos claro brilhantes e assustados. O homem estendeu a mão, chamando a garota para perto e foi só então que as lágrimas presas, decidiram escorrer. Toda a preocupação e medo que sentiu nas horas anteriores, a atingiram como um soco. Ela correu até a cama e o abraçou por debruçar o corpo sobre o dele, no lado oposto ao curativo da cirurgia, as lágrimas escorrendo livremente, sem que pudesse controlar.
— Ei… — disse baixo ao fazer um carinho nas costas de Amanda, que tinha o rosto na curva de seu pescoço. Antônio trocou um olhar com a irmã e ela saiu, deixando os dois sozinhos.
— Eu… Desculpa… — Amanda gaguejou depois de alguns minutos, ao levantar-se, secando os olhos com as mãos. — Não sei o que deu em mim…
— Ficou preocupada comigo…? — Perguntou ao sentir a mão de Amanda segurando a dele.
— Quase nada — deu de ombros, rindo, tentando aliviar a tensão que ela mesma sentia. Antônio também sorriu e fez um carinho suave na mão da garota.
— Eu tô bem e feliz que esteja aqui — os olhares se encontraram e ela sentiu o coração se aquecer um pouco.
— Tem um monte de gente na recepção, todo mundo ficou preocupado — ele assentiu, agradecendo mentalmente por aquilo em um sorriso carinhoso.
Alguns minutos depois, os membros da Unidade de Inteligência, Hank Voight e Jay Halstead, entraram no quarto para ver como Antônio estava. Então Amanda saiu, os deixando sozinhos e foi para a recepção encontrar os outros.

•••


Amanda decidiu que passaria a noite no hospital, ou pelo menos boa parte dela, depois que todos os outros tiveram que ir embora. Os bombeiros teriam turno no dia seguinte e os detetives disseram ainda ter trabalho a fazer logo que amanhecesse. Adam Ruzek ficou lhe fazendo companhia por um tempo.
— Amanda, você por aqui — a garota ouviu a voz do Dr. Charles atrás de si, enquanto conversava com Ruzek, na sala de espera.
— Dr. Charles, oi! Sim, por causa do Antônio… — ela colocou as mãos nos bolsos da calça.
— Eu soube do detetive, fico feliz que não tenha sido grave. — Amanda apenas assentiu, com um leve sorriso — você não voltou, para iniciarmos a terapia…
— É… — sorriu de canto, meio sem jeito — melhor deixar isso de lado por um tempo, acho que não estou preparada.
— Compreendo, você sabe onde me encontrar, quando precisar. — Ele disse com a voz calma ao fazer um leve aceno com a cabeça, antes de dar meia volta e se afastar.
— Terapia? — Adam Ruzek a olhou com a sobrancelha arqueada quando ficaram sozinhos novamente, se sentando lado a lado.
— O Dr. Charles sugeriu uma terapia intensiva, para vermos se conseguimos resgatar minhas memórias — deu de ombros, como não sendo nada demais.
— E você não quer se lembrar? — ele perguntou calmamente e quando os olhos de Amanda encontraram os do amigo, respirou fundo.
— Quando decidi recomeçar, tinha certeza que não — suspirou e sentiu os olhos dele atentos, deixando que falasse — simplesmente, não importava, tava satisfeita em ter memórias novas… — parou e pensou sobre tudo que aconteceu, ela com Antônio, as amizades que estava construindo, o episódio na frente da casa de Voight — depois senti que era importante me lembrar, que eu queria ter um passado… Mas agora…
— Tem medo? — ele perguntou baixo, com um olhar compreensivo.
— Acho que sim, não é que não quero me lembrar, só não sei se quero saber o que esqueci — soltou uma leve risada, sentindo que aquilo não fazia qualquer sentido. Como resposta, Adam passou o braço por seus ombros e a abraçou de lado, a fazendo deitar a cabeça em seu ombro.
— Você sabe que independente de lembrar ou não, sempre terá a gente com você, não sabe? — Amanda assentiu e respirou fundo, sentindo a paz que o amigo era capaz de lhe transmitir. Uma amizade que ela realmente não pretendia perder, nunca.
— Você sabe ser bem legal de vez em quando… — a morena disse depois de alguns segundos de silêncio.
— Eu sempre sou legal! — cutucou o braço da garota, ambos rindo juntos.

•••


Depois que Gabby passou no hospital para levar outra camiseta para Antônio, Amanda estava no quarto esperando ele terminar de se arrumar no banheiro. O homem saiu do quarto jogando a jaqueta de couro sobre os ombros, sem vesti-la realmente, cobrindo a tipóia.
— Seu celular tava tocando, acho que eram mensagens… — Amanda informou enquanto pegava a sacolinha plástica onde estava a camiseta que ele usava na noite anterior. Ele se aproximou da cama e pegou o celular para ver as mensagens.
— Era a Mia, depois falo com ela… — a garota apenas assentiu, sem olhar para Antônio — uma amiga. — Ele completou ao observar a expressão de desconforto de Amanda e sorriu ao se aproximar dela.
— Não me olha com essa cara, não tô com ciúme — franziu o cenho e acabou rindo com a sobrancelha arqueada dele, e aquele sorriso de canto que a fazia se derreter desde o dia que se conheceram. — Vamos, antes que eu desista de te dar carona e te faça ir andando. — Advertiu, tentando ficar séria e saiu na frente, Antônio logo a seguindo com uma risada baixa balançando a cabeça.

•••


— Você não precisa ficar aqui de babá, nega — Amanda ouviu Antônio falar ao entrar na cozinha, enquanto ela pegava uma panela para fazer almoço para eles. O apelido carinhoso dito em português fez a garota paralisar. Aquela maldita sensação de déjà vu a atingiu e seu coração apertou um pouco…
"— Eu faria tudo por você, nega…
— Eu sei, Pedro…"
— Amanda? — Antônio tocou o braço da garota suavemente e ela despertou, o olhando com os olhos confusos. — Tá tudo bem? — Ele franziu o cenho, a observando com atenção.
— Por que me chamou assim? — ele levou alguns segundos para entender do que ela falava.
Nega? — repetiu adicionando um sotaque porto riquenho à palavra em português — Aprendi num filme brasileiro — ele riu levemente — quis te surpreender com um apelido na sua língua materna… Mas desculpe se não gosta, não chamarei mais e…
— Não, tá tudo bem — tentou afastar de sua mente a imagem do homem loiro e de olhos azuis que sorria abertamente naquele flash de memória confuso — eu gostei — Amanda sorriu e recebeu um selinho demorado de Antônio.
Realmente gostou do apelido, de uma forma muito esquisita, foi como se seu coração soubesse exatamente como era ouvir ser chamada daquela forma. Tinha certeza que o flash era uma lembrança e até então nenhuma tinha sido tão clara. Quem era Pedro?
Olhou para Antônio, que abria as panelas para conferir o que ela estava preparando, então ele disse algo e a garota apenas tratou de prestar atenção, ignorando a lembrança o máximo possível.



Em meio a risadas, Amanda e Peter Mills preparavam a comida no quartel. O homem tentava ensiná-la uma técnica para temperar a carne e deixá-la mais suculenta, mas como professor de culinária, se mostrou um ótimo bombeiro.
— E o Antônio, como está, Mandy? — Kelly Severide se aproximou, apoiando-se na bancada, enquanto ela mexia o molho na panela.
— Ele está bem, o tiro não foi tão sério…
— E o Antônio sendo teimoso feito uma mula, não deve estar querendo fazer repouso. — Gabby Dawson comentou de onde estava sentada, conseguindo ouvir a conversa.
— Ele bate o pé dizendo estar ótimo e pronto para voltar ao trabalho. — Amanda rolou os olhos e Kelly soltou uma leve risada.
— Deixem o homem em paz — cutucou a cintura de Amanda, antes dar a volta na bancada e ir na direção da porta.
Viatura 81, esquadrão 3, ambulância 61. Explosão no quartel 27.
O aviso da central soou pelo quartel logo depois da sirene, deixando todos em alerta por dois segundos antes de correrem para atender o chamado.
Amanda os observou saírem, ficando sozinha no quartel, apenas com Connie que fazia seu trabalho na mesa perto da sala de Boden.

•••


O quartel 27 estava um caos, bombeiros estavam feridos e presos em meio a escombros do teto que desabou com a explosão.
— Vamos tirar os escombros da frente, que impedem a passagem e Severide, usem a escada para ter acesso pelo teto.
— Certo Chefe. — Matt Casey olhou em volta assim que Severide tomou ação com a equipe do Esquadrão. — Herrmann, Otis e Cruz, comigo. Vamos tirar esses escombros do caminho.
— Pode deixar, tenente — Herrmann assentiu e os três correram para pegar as ferramentas na viatura.
— Chefe Boden — o homem voltou-se na direção da voz, encontrando o Sargento Hank Voight se aproximando com o detetive Jay Halstead logo atrás — já sabem a causa da explosão?
— Ainda não, chegamos agora a pouco, estamos à procura das vítimas. — Percebeu que os dois policiais trocaram olhares preocupados — algum palpite?
— Temos motivos para crer que sejam os terroristas… — o sargento respondeu, fazendo Boden ficar particularmente preocupado, então voltou-se para seus homens trabalhando no exato momento em que ouviu Otis dizer que ouviu a voz de alguém.
Continuaram a movimentação, trabalhando contra o tempo, com medo dos escombros se moverem e não conseguirem tirar as vítimas presas.
O Esquadrão de Resgate conseguiu acessar o interior por uma abertura no teto, de onde podiam ver um dos bombeiros do 27 preso embaixo de uma máquina e com a perna sangrando.
Pendurado em uma corda, Kelly Severide desceu até o local, vendo tudo em volta tomado por escombros, teriam que sair também pelo teto. Então pediu ferramentas e que deixassem a prancha preparada.

— Chefe! Vai querer ver isso aqui! — Mouch chamou assim que os outros conseguiram passar por uma brecha nos escombros, liberando as vítimas.
Wallace Boden se aproximou, juntamente com o detetive e o sargento. No muro lateral do quartel, havia uma mensagem escrita no muro, em códigos que ninguém conseguiu compreender. Então, Halstead tirou uma foto e enviou para a Unidade de Inteligência, para que Mouse, o hacker do departamento, visse se encontrava algo nos dados do grupo terrorista que estavam investigando.

•••


Amanda se aproximou da televisão quando viu que estava passando uma reportagem sobre a explosão no outro quartel de bombeiros. Até alguém entrar, chamando a atenção da garota.
— Oi… Os bombeiros estão em um chamado, precisa de alguma coisa? — desligou a televisão e olhou para o homem que tinha um sorriso simpático nos lábios.
— Ah, tudo bem, volto depois então, era apenas para agradecer… — Amanda lhe ofereceu um leve sorriso e assentiu, antes do homem dar as costas e sair.
Percebeu ele olhar para trás ao passar pela porta e então seguiu para a cozinha atrás do balcão.

•••


Halstead terminava de atender a ligação de Mouse enquanto o 51 arrumava as coisas, depois de terminado o serviço de retirar as vítimas. Shay e Gabby já estavam a caminho do Chicago Med com uma vítima mais grave e os outros eram atendidos por outras ambulâncias que chegaram para auxiliar.
— "Seres humanos não são super heróis", é o que diz na frase no muro. — Jay Halstead se aproximou de Boden, com o olhar tenso.
— Eles podem atacar outros quartéis? — Casey franziu o cenho e Voight pegou o celular.
— Vou emitir um alerta, para todas as unidades mandarem policiais para os quartéis de Chicago.
— Precisamos voltar para o quartel — Matt Casey disse em tom urgente, lembrando que Amanda estava sozinha.
— Vamos com vocês — Halstead afirmou e seguiu na direção do carro com Voight.
Agilizaram a arrumação do equipamento e seguiram rapidamente para o quartel 51.

•••


— Não está extremamente cedo para você voltar ao trabalho? — Amanda perguntou ao celular enquanto voltava do banheiro, ouvindo Antônio resmungar algo do outro lado da linha — você parece uma criança resmungona.
— Você só está se preocupando a toa… — Antônio Dawson respondeu calmamente — mas de qualquer forma, aceito que venha cuidar de mim mais tarde.
— Começarei a cobrar pelo serviço de…
A fala e sorriso de Amanda foram interrompidas por uma explosão na porta da frente do quartel, a jogando para trás como se fosse uma boneca de pano. O corpo de Amanda foi parar perto da bancada da cozinha, no meio da sala comunal.
As mesas e cadeiras foram pelos ares e parte do teto acima da porta principal cedeu, bloqueando a passagem.

•••


No exato momento em que as viaturas se aproximavam da garagem, prontas para entrar no quartel, a explosão os fez frear rapidamente, assim como o carro de Halstead e Voight logo atrás.
A estrutura da garagem foi abaixo, deixando claro que a bomba estava próxima a porta de entrada, pois grande parte do quartel não desabou.
— Meu Deus, Amanda! — Kelly Severide quase gritou, sentindo o peito apertar ao pular da viatura.
— Cerquem o perímetro, ele não pode ter ido longe! — Hank Voight ordenou quando duas viaturas encostaram e se afastou falando no rádio.
— Casey, Severide, ao trabalho, rápido! — Wallace Boden falou firme e as duas equipes, da viatura e do esquadrão, tomaram ação rapidamente quando seus tenentes indicaram o que fariam.

•••


Amanda abriu os olhos aos poucos, sentindo o corpo dolorido. Depois de tossir algumas vezes, por causa da poeira, levantou o rosto, olhando em volta para se localizar. Com um gemido, conseguiu se sentar, tossindo mais algumas vezes. Identificou que estava no 51 e viu a sala revirada, as janelas estouradas e toda a frente do quartel tomada por escombros. Estava presa.
Ouviu um rangido acima de sua cabeça e olhou para cima, o teto estava com uma rachadura. Reunindo forças, se levantou e olhou em volta mais uma vez, encontrando o celular alguns metros longe de onde estava caída. Deu um passo em direção a ele, só então sentindo uma dor na perna, estava cortada e o sangue ensopava a perna da calça.
Mancando e com uma careta de dor, foi até o celular e o pegou. Estava com a tela esmigalhada, lembrou que falava com Antônio na hora da explosão.
— SOCORRO! — Amanda olhou na direção da voz. Connie.
A voz da secretária de Boden vinha de sua sala, mas a passagem estava obstruída pela mesa que foi arremessada na explosão e pela porta que saiu do lugar.
— Connie! É a Amanda! Você está bem?
— Um armário caiu na mesa… E… Não… Consigo… — a frase ficou ofegante e entrecortada, ela estava tendo falta de ar.
— Fica calma, eu vou te ajudar!
Amanda olhou para a mesa atravessada e tentou puxá-la, mas ela nem se mexeu. Chamou por Connie e ela não respondeu, ela poderia estar sufocando, então Amanda reuniu toda a força que tinha e conseguiu empurrar a mesa com um grito.
Uma rachadura na parede, fez a porta emperrar, mas Amanda conseguiu empurrar um pouco, abrindo uma brecha. O teto rangeu novamente, então ela não empurrou mais a porta e se esgueirou pela pequena brecha aberta.
A sala não estava tão precária quanto a sala comunal, mas os móveis tinham caído e os vidros das janelas da sala de Boden estavam esmigalhados no chão.
— Connie, tá me ouvindo? — Amanda correu até a mulher caída no chão, o armário sobre a mesa quebrada em cima dela, a prendendo.
Connie apenas arfou, tentando dizer algo ao abrir os olhos e Amanda percebeu que os lábios dela começavam a ficar roxos.
Em um ímpeto de ajudar e sem pensar duas vezes, Amanda sabia exatamente o que fazer. Pegou no chão uma caneca que caiu da mesa e a abriu rápido, tirando o tubo de tinta de dentro com a boca. Soprou para tirar a poeira do tubo de plástico transparente e procurou por uma tesoura. A usou para fazer um pequeno corte no ponto perto da tireóide assim que o encontrou com as pontas dos dedos. Então colocou o tubo da caneta e instantâneamente Connie soltou o ar, voltando a respirar mesmo com certa dificuldade.
— Fica calma e não se mexe… — Amanda disse calmamente e segurou em sua mão.
Olhou para o corpo da mulher preso embaixo da mesa e armário, não conseguiria e nem era seguro tirá-la dali. Amanda olhou para o tubo da caneta que ainda segurava no local, permitindo que as vias aéreas ficassem livres.
"— Acidente de carro, fratura exposta na perna e corte na cabeça. — Amanda falava rapidamente, empurrando a maca para dentro do hospital.
— Certo, pode deixar com a gente agora. — A enfermeira sorriu."
— Amanda! Está me ouvindo? Amanda! — a voz de Matt Casey soou distante, cortando a cena clara que passava por seus olhos… Uma lembrança que explicava ela saber como fazer uma traqueostomia de emergência.
— AQUI!!! — Ela gritou a plenos pulmões.



Quando Amanda encontrou os olhos azuis de Casey ao passar pela porta, sentiu uma calma extrema a atingir, transparecendo o sentimento com um sorriso largo.
— Você tá bem? — o homem correu até ela e se abaixou ao seu lado, colocando a mão em suas costas.
— Sim, eu tô legal, mas a Connie precisa ir para o hospital, urgente! — A garota olhou para ele aflita e por dois segundos, Matt Casey focou no tubo de caneta arregalando os olhos, mas deixou de lado o susto para agir.

•••


Assim que Kelly Severide tirou Connie na prancha e a colocou na maca para Shay e Gabby levarem, olhou para Amanda saindo com Casey. Pela primeira vez, desde que chegaram ali no quartel, alguns minutos antes, conseguiu respirar normalmente. Então puxou a amiga e a abraçou, depois de soltar o capacete no chão.
Só nesse momento, nos braços do amigo, lembrou do nervoso e medo, como se o sentimento a atingisse em cheio depois que a adrenalina baixou. Amanda fechou os olhos e Kelly lhe depositou um beijo na cabeça, pelos cachos empoeirados.
— Não me assusta mais desse jeito, por favor. — Ele pediu a olhando nos olhos, segurando o rosto da garota com as duas mãos.
— Prometo tentar — sorriu com os olhos marejados e o viu sorrir também.
— Amanda! — A voz desesperada de Antônio Dawson chamou a atenção de todos, e ela se virou em sua direção, logo o vendo correr até ela.
Kelly Severide se afastou depois de apertar levemente o ombro de Amanda e se aproximou dos outros bombeiros.
Num impulso incontrolável, Antônio a beijou ali mesmo, sem pensar que havia tanta gente os olhando, externando a alegria e alívio em vê-la bem depois do susto de ouvir uma explosão cortando a ligação. Pega de surpresa, Amanda demorou dois segundos para corresponder o beijo e assim que o fez, passou os braços por seu pescoço, enquanto o moreno segurava em sua cintura com o braço livre da tipóia.
— É bom ver que está bem — Antônio disse baixo, sem se afastar totalmente da garota, a fazendo sorrir — tá todo mundo olhando pra nós, não é?
— Uhum — Amanda riu ao olhar pelo canto dos olhos e selou os lábios dele antes de se afastarem.
— Precisamos ver essa perna e se não tem alguma fratura interna. — o paramédico se aproximou e tocou o braço de Amanda.
— Eu tô bem, não precisa…
— Precisa sim. Vai, te encontro lá depois. — Antônio a interrompeu e Amanda olhou na direção de Kelly, que arqueou a sobrancelha, mostrando que ela não tinha escolha.
— Ta bom, ta bom — rolou os olhos e seguiu o paramédico até a ambulância, mancando um pouco.
— Foram eles, não é? — Antônio se aproximou de Severide e Casey.
— Ao que tudo indica, sim. — Severide respondeu — Halstead e Voight foram com outras viaturas, cercar o perímetro para encontrar ele e emitiram um alerta para os outros quartéis. — Completou a informação e Antônio assentiu, pegando o celular para entrar em contato com o sargento.
— Vamos, o trabalho só começou. — Matt Casey disse firme ao pegar um pé de cabra e assentiu para o detetive, se despedindo antes de se afastar chamando o restante da equipe da viatura 81.

•••


— Você realmente gosta do Med, né? — Will Halstead apareceu na porta do quarto em que Amanda foi atendida e lhe foi feito um curativo na perna.
— Não quer mais me ver, Will? — arqueou a sobrancelha e com um sorriso, ele se aproximou.
— Se pra te ver, precisa você estar ferida, não quero mesmo! — Amanda riu com a resposta dele e assentiu.
— Como a Connie está?
— Muito bem, principalmente graças a uma traqueostomia de emergência muito bem feita. — Os olhos de Will Halstead demonstravam confusão e grande curiosidade. Mas Amanda permaneceu em silêncio e desviou o olhar.
— Fico feliz que ela esteja bem. — O médico se sentou na cama ao lado da garota, sem dizer nada por alguns segundos.
— Acho que esperava mais animação por saber que ajudou a salvar uma vida… — Amanda o olhou ao ouvi-lo e respirou fundo, lembrando claramente daquela cena que viu em sua mente. Aquela lembrança trouxe uma certeza que não sabia o que ela envolvia.
— Sou paramédica, ou era. — Amanda admitiu em voz alta aquilo que descobriu sobre si mesma horas antes. Will a encarou por alguns segundos, com o cenho franzido — Quando vi a Connie sem conseguir respirar, me fez lembrar… Na hora eu apenas soube exatamente o que fazer, como se eu já tivesse feito antes e tive um flash muito claro, eu trabalhando como paramédica — respirou fundo e os olhos ficaram distantes, confusos.
— Mandy? — Antônio Dawson chegou na porta e entrou assim que a morena e o médico olharam em sua direção.
— Bom, você está liberada, tente não voltar aqui tão cedo — Will pulou da cama e Amanda sorriu assentindo, então ele a olhou como que lhe passando um encorajamento, não precisava ter medo de suas próprias lembranças, as respostas viriam.
— O pessoal do 51 também está aí — Antônio apontou para trás de si com o polegar e viu Amanda pular da cama, para se aproximar dele. — Falei com o Voight e conseguiram pegar um dos terroristas, planejavam explodir outro quartel…
— Que loucura! Mas ainda bem que pegaram. — levantou as mãos para o céu, como que agradecendo.
— Vamos precisar que vá fazer um retrato falado do homem que disse ter ido no 51. — Amanda apenas assentiu e o encarou por alguns segundos, antes de segurar na mão dele, afastando todo sentimento de insegurança quando os dedos entrelaçaram.

— Oi casal! — Herrmann cumprimentou animadamente quando os dois chegaram na sala de espera. Amanda deu um sorriso de canto, meio sem graça e Antônio apenas passou a mão na nuca.
— Como você tá, baixinha? — Joe Cruz perguntou se aproximando e ela mostrou o curativo na perna.
— Apenas com um curativo de guerra — brincou ao dar de ombros e encontrou os olhos de Matt Casey a observando um pouco para trás dos outros, mais afastado.
— Eu preciso ir no distrito… — Antônio avisou, soltando a mão de Amanda.
— Vou com você, quero fazer logo esse retrato falado, para acharem o desgraçado. — O detetive a olhou preocupado.
— Não é melhor você descansar…? — A pergunta fez Amanda olhar para os bombeiros antes de responder.
— Não vou descansar bem se esse terrorista estiver por aí… — Antônio assentiu uma vez e saiu do hospital depois de se despedir dos bombeiros com um aceno.
— Como estão as coisas no 51? — Amanda perguntou ao ficar sozinha com os amigos do quartel.
— Vamos reerguer tudo, o estrago não foi tão grande! — Herrmann deu de ombros, um olhar confiante. — E você não precisa ir no Molly's hoje, tira a noite de folga. — Piscou para ela.
Amanda assentiu e quando eles se viraram para irem embora, seus olhos encontraram novamente os de Casey por alguns segundos, antes de seguirem os outros.
— Fico feliz que esteja bem, todos ficamos. — Ele disse casualmente, sem olhá-la e sorriu de canto, lhe formando uma covinha na bochecha.
— Acho que preciso parar de atrair tanta adrenalina. — Ela quebrou o gelo com uma leve risada, sentindo que havia algo de pesado no clima que os envolvia.
— Concordo — ele também riu — você é muito importante pra todos nós, não esqueça disso. — Amanda assentiu e recebeu um abraço do bombeiro.
"— E esses pôsteres? Gatinho demais esse loiro de olho azul… O nome dele é como mesmo?
— Jesse. Jesse Spencer. — Amanda respondeu ao se jogar na cama."
A lembrança apertou seu peito, mesmo sem saber o motivo. Loiros de olhos azuis não eram algo raro, então não ajudava muito saber aquelas características, ela não levariam a alguma resposta. Sentiu uma pontada de leve na cabeça ao mesmo tempo que flashes apareciam. Uma casa, um quarto, ela sentada em frente uma TV. Quem era Jesse Spencer?
O carro de Antônio estacionou bem na frente deles, a tirando de seus pensamentos que causaram um desconforto em seu estômago.
Deu um leve sorriso, apertando os lábios em uma linha fina e deu dois tapinhas no peito de Matt Casey, antes de seguir até o carro de Antônio.



Amanda e Antônio chegaram no distrito 21 e seguiram para o setor da Inteligência.
— Olha só, se não é a garota de 7 vidas! — Adam Ruzek cumprimentou com um sorriso largo ao ver a amiga entrar com o detetive.
— Uma verdadeira sobrevivente, não podemos negar — Erin Lindsay assentiu e Amanda apenas riu balançando a cabeça.
— Deve estar no meu DNA — deu de ombros, arrancando mais algumas risadas de Ruzek, Erin e Jay.
— Amanda, veio para o retrato falado? — Hank Voight apareceu, saindo de sua sala e a morena assentiu uma vez, colocando as mãos nos bolsos do casaco. — Acho que não será necessário, me acompanhe.
— Teve novidades? — Antônio perguntou franzindo a testa.
— Sim, pegamos um suspeito mais cedo. — O sargento respondeu ao passar por Amanda e sem demora ela o seguiu.
Ao chegarem numa sala com um vidro, Amanda podia ver dois homens do outro lado, encostados numa parede.
— Reconhece algum deles? — ela se aproximou mais do vidro ao ouvir a pergunta do sargento e olhou com atenção.
— Aquele. — Ela apontou para o homem à direita. — Foi ele que apareceu no quartel minutos antes da explosão.

•••


— Caso fechado! — Antônio comemorou ao tirar as fotos presas na lousa branca e apagar as informações anotadas durante a investigação dos ataques terroristas.
— A intenção deles era atacar bombeiros? Isso é loucura. — Amanda pensou em voz alta, sentada na cadeira de Antônio.
— Terrorista não é exatamente sinônimo de sanidade — Adam Ruzek comentou como se fosse óbvio, a garota deu de ombros olhando para ele e assentiu, concordando.
— Vão no Molly's hoje? — Jay Halstead perguntou casualmente, olhando uma mensagem no celular.
— Não, estou de folga e tudo que menos quero hoje é ver álcool na minha frente. — Amanda levantou as mãos e viu Antônio arquear a sobrancelha — talvez em casa, um vinho, uma companhia agradável...
— Pode parar por aí, por favor! — Adam Ruzek a cortou e fez cara de nojo ao levantar de sua mesa e sair do setor.
Amanda deu risada e se levantou, quando Antônio se aproximou para irem embora.
— Preciso fazer uma coisa antes, já volto — ela tocou o braço de Antônio e sorriu levemente assim que chegaram na escada, então se virou e correu até a sala do sargento Hank Voight.
— Algum problema, Amanda? — o homem levantou os olhos para a garota quando ela deu dois toquinhos na porta aberta.
— Não, só vim agradecer, sargento — ela lhe ofereceu um sorriso largo e o homem apoiou os braços sobre a mesa, apenas a encarando — pelo seu trabalho, por ter pego aqueles caras… — deu de ombros.
— Só fizemos nosso trabalho. — Respondeu no plural, reafirmando que não foi ele sozinho. Amanda assentiu, ainda com o sorriso nos lábios.
— Qualquer dia, aparece no Molly's, depois daqui, às vezes é bom relaxar um pouco, sargento — deu dois tapinhas no batente da porta, pronta para se virar e sair.
— Muitos não me querem lá — Ela parou por um momento, pensando a respeito e o olhou novamente.
— Bom, eu quero. Será meu convidado. — Os dois se encararam por alguns segundos e Voight pôde sorrir. Algo inédito para Amanda, a fazendo se sentir um pouquinho vitoriosa por aquilo. — Então, até mais. — O sargento apenas acenou com a cabeça e a viu se distanciar.
Hank Voight observou Amanda se aproximar de Antônio e ele passar o braço sobre os ombros dela. Então desceram as escadas e sumiram de vista.
Voight passou a mão no queixo e inclinou um pouco o encosto da cadeira. Pensando sobre a noite que Amanda foi até sua casa, as palavras que ela lhe disse… Respirou fundo quando a imagem de outra garota invadiu sua mente. Não podia permitir a aproximação de Amanda como forma de camuflar a saudade que sentia da jovem que tinha como uma filha, apesar do pouco tempo que passaram juntos. Mas oito anos se passaram e se o caso do sumiço de Ana não teve resposta até então, talvez Amanda fosse um sinal de que precisava desapegar daquilo.

•••


Depois de tomar um banho e sentir o corpo extremamente mais leve, Amanda apareceu na sala, com os cabelos ainda um pouco molhados e usando a camiseta de Antônio como camisola – visto não ter roupas dela no apartamento do homem. Enquanto ele, deitado no sofá, passava pelos canais da TV distraidamente, usando apenas uma calça moletom.
— Nada de interessante? — Perguntou ao se aproximar e o homem largou o controle remoto na mesinha, lhe oferecendo um sorriso de canto cheio de malícia.
— Bem aqui na minha frente — ela riu ao que Antônio respondeu e se deitou no sofá, cobrindo o corpo dele com o dela, fazendo seu peito de travesseiro.
Antônio deixou que ela se aconchegasse em seu corpo e aproveitou a sensação por alguns minutos, em silêncio. Podia sentir as batidas do coração de Amanda em sua pele e o cheiro suave que ela exalava, fechou os olhos e levou a mão até as costas dela, lhe fazendo um carinho suave com as pontas dos dedos.
— Não vai querer o vinho? — Ele perguntou depois de uns minutos de silêncio agradável.
— Depois… — respondeu baixo e mesmo que não estivesse vendo, Antônio sabia que ela sorria.
Nega… — ele chamou carinhosamente e Amanda sentiu um arrepio percorrer todo seu corpo, junto com uma sensação esquisita que ela decidiu ignorar — por que quis ir falar com o Voight mais cedo, no distrito?
— Não sei explicar… — respondeu pensando sobre aquilo, como também quando decidiu ir em sua casa e então a história que ele contou, sobre a vítima — às vezes o acho muito sozinho e sinto que ser legal com ele, pode o fazer bem. — Amanda sentiu a barriga de Antônio mexer um pouco, ele estava rindo levemente. — É um pensamento bobo, eu sei. — Completou ao levantar o rosto para olhá-lo, deixando as mãos apoiadas em seu peito e o queixo sobre elas.
— Não, muito pelo contrário. — Ela viu um orgulho nos olhos dele, que a fez sorrir quase sem graça — Você, Senhorita Amanda Rodrigues, — fez um carinho na bochecha da morena com as costas dos dedos — é o ser humano mais especial que eu já conheci.
Então ele selou os lábios dela e emendaram em um beijo que iniciou calmo, até a mão de Antônio invadir a camiseta que Amanda usava, tocando sua pele quente e macia, ao apertar sua cintura.

•••


— Não tem mais casa, não? — Kelly Severide perguntou, com um sorriso divertido nos lábios, ao encontrar com Amanda em frente ao prédio deles.
— Tenho sim, pai — rolou os olhos rindo ao empurrá-lo de leve e passou pelo portão quando ele lhe deu passagem.
O homem chegava do turno no quartel e Amanda tinha sido deixada ali por Antônio, depois de passarem a noite juntos.
— A propósito, trouxe seu carro, senhorita. — Só então ela se deu conta que o carro tinha ficado no quartel depois da explosão.
— Muito obrigada, por isso você é o melhor amigo que eu poderia ter… — Severide arqueou a sobrancelha e a cutucou na barriga quando chegaram na porta do apartamento.
— Mal conversamos depois do que houve… — ele colocou a bolsa no sofá e foi até a cozinha pegar uma garrafinha de água — vai tentar uma vaga de enfermeira no Chicago Med? — riu levemente e viu um olhar confuso na amiga.
— Will te disse alguma coisa? — ele negou com a cabeça e franziu o cenho.
— O que ele teria pra me dizer? — Encostou na bancada de frente para Amanda.
— Eu me lembrei de algo sobre meu passado — o coração acelerou um pouquinho, como se uma pequena dose de adrenalina corresse por seu corpo, só de pensar — sou paramédica. Ou era, no caso.
— Algum nome? — sabia do que ele queria saber, pois ela mesma tentou encontrar aquela resposta em sua mente, sem sucesso.
— Não, nada. — Negou e respirou fundo — bem que dizem, quando você decide parar de procurar, o que você procurava aparece.
— Talvez não seja tão ruim se lembrar — Severide deu de ombros — não precisa ter medo — ele segurou na mão da amiga — são memórias, sua história, elas não vão te levar daqui se não quiser e as pessoas que te amam, não vão a lugar algum.
— Então você me ama, tenente Severide? — arqueou a sobrancelha em desafio.
— Não se acha não, vai! — rolou os olhos rindo e foi jogar a garrafinha fora. — Você contou pro Antônio? — balançou a cabeça em resposta, fazendo Kelly olhá-la confusa — não acha que deveria?
— Eu não sei, talvez se eu me lembrar de algo mais concreto. — Deu de ombros e viu Severide assentir, antes de sair da cozinha — Kelly! — Amanda se lembrou de algo quando o amigo já estava a caminho do quarto, o fazendo parar e se virar para ela — você conhece algum famoso chamado Jesse Spencer?
— É de alguma banda de rock? — franziu o cenho, buscando na mente se conhecia alguém com aquele nome, então negou com a cabeça — não me lembro de ninguém. Por quê?
— Nada não, só pensei — deu de ombros.
Ao ficar sozinha, lembrou daquele flash tão nítido que teve, um quarto que parecia ser o dela, uma outra garota que poderia ser uma amiga, ou até uma irmã.
Respirou fundo e relembrou as palavras de Kelly, "elas não vão te levar a lugar algum".



Amanda caminhava por um parque, havia um gramado imenso e as pessoas aproveitavam a tarde ensolarada. Grupos de amigos jogavam vôlei, famílias faziam piquenique e casais deitados pela grama, trocavam beijos e sorrisos. A morena parou por alguns segundos, colocando as mãos nos bolsos do vestido e olhou em volta com um sorriso.
— Quer se sentar na grama, nega? — uma voz a chamou logo atrás de si e ela se virou, pegando o côco gelado que lhe era estendido.
— A grama do Ibirapuera sempre me dá coceira depois, Pedro — balançou a cabeça e levou o canudo do côco à boca e bebeu um pouco antes de continuar — então, sem um pano, nem pensar.
— Vamos ali nos bancos então — o rapaz riu e os dois se encaminharam ao banco mais próximo.

Em um salto, Amanda acordou, com o coração acelerado e sentindo o rosto pingar de suor. Respirou fundo ao se sentar na cama e olhou em volta, estava em seu quarto, no apartamento que dividia com Kelly e Leslie. Depois de passar as mãos nos cabelos e respirar fundo, se levantou e foi ao banheiro.
No caminho, escutou as vozes dos amigos na cozinha. Parando em frente ao espelho, apoiou as mãos na pia e se olhou por alguns segundos. Parque Ibirapuera, um sonho com o Pedro que já tinha tido um flash de memória. Mas não o viu, assim como da outra vez, tinha apenas um nome e aquele apelido, nega.
Quanto mais informações sua mente lhe dava, menos sabia. Não tinha coisa mais contraditória.

•••


Mais tarde, ao ficar sozinha no apartamento, terminando de se arrumar para ir trabalhar no Molly's, viu o notebook de Severide e uma ideia lhe ocorreu.
Se sentou no sofá e pegou o aparelho, abrindo-o sobre as pernas. Procurou por Parque Ibaru…
— Droga, como era o nome? — tentou buscar o nome que ouviu no sonho na última noite.
Parque Iburapera?
Clicou em pesquisar e a primeira coisa que o Google lhe mostrou foi a correção do nome, o certo era Parque Ibirapuera. Uma das fotos que apareceu no canto da tela, era exatamente o mesmo lugar que viu no sonho, um enorme gramado e algumas pessoas espalhadas por ele. Leu as informações logo abaixo. Um parque na cidade de São Paulo, SP, Brasil.
Um sorriso brotou nos lábios de Amanda enquanto abria as imagens do lugar. Haviam caminhos de pedras, barraquinha de côco gelado, o que a lembrou que o rapaz do sonho lhe entregava um. Olhar aquelas fotos, lhe passava uma sensação de paz, apesar de uma pequena confusão. Seria um lugar importante pra ela?
Amanda já estava fechando a tela do notebook, quando lhe ocorreu outra coisa…
Jesse Spencer.

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Aquilo a fez franzir o cenho. Chegou a conferir se a internet estava conectada e pesquisou novamente. Mesma coisa.
Se o parque do sonho nitidamente era uma memória, porque aquele flash de memória envolvendo um pôster de um artista, não era? Então, Pedro também poderia ser um nome inventado por sua mente confusa. Não tinha como saber quais flashes eram memórias reais, então.
O som de mensagem recebida tirou a garota de seus pensamentos. Era Otis.

"Mandy, vai conseguir chegar mais cedo pra me ajudar a organizar o estoque?"


— Merda, esqueci disso! — desligou o notebook e saiu às pressas, enquanto mandava uma mensagem rápida ao amigo, avisando que estava chegando.

•••


— E terminamos! — Amanda comemorou, fazendo um hi-5 com Otis, que também sorriu para a amiga ao se sentarem no chão do estoque.
— Do que as garotas realmente gostam? Tipo, se eu quiser impressionar alguém… — Otis perguntou de repente, encostando a cabeça na parede e olhando para o teto, como se fugisse dos olhos da amiga.
— Alguém em especial? — ele apenas deu de ombros em resposta, ainda sem olhá-la e Amanda pensou um pouco antes de responder — ser você mesmo é um bom começo.
— Essa tarefa seria mais fácil se eu fosse tipo o Severide ou o detetive Halstead. — A garota arqueou a sobrancelha quando ouviu o amigo, entendendo a linha de raciocínio e então balançou a cabeça.
— Acho que você tá com o foco errado. — A frase o fez olhar para ela — quando nos interessamos por alguém, no fundo, sabemos que o que realmente importa, está muito acima de um par de olhos azuis. — Ele deu um leve sorriso de canto, se sentindo compreendido — quando a pessoa é de verdade, nos faz rir, tem gostos em comum, nos faz sentir seguras… outras coisas são apenas detalhes.
— Mas e se isso não for suficiente?
— Então ela também não é suficiente pra você, porque você merece alguém que vá além do superficial. — Otis assentiu, pensando naquelas palavras.
— Quem é a garota de sorte? — cutucou o homem no braço, com um sorriso divertido que o fez rir também, ficando com a pele branca em um tom mais avermelhado.
— Uma garota que chegou na cidade há pouco tempo…
— Seja você, a verdade é encantadora, Otis.
— Pensei que tinham morrido aqui dentro. — Herrmann abriu a porta de repente, olhando para os dois sentados no chão.
— Exagerado. — Amanda rolou os olhos e se levantou para sair do estoque com Otis.

•••


O movimento do Molly's estava intenso, como toda noite perto do final de semana.
Amanda serviu mais duas cervejas ao amigo, Adam Ruzek, quando ele se aproximou do balcão com um sorriso nervoso nos lábios. Então a morena apenas olhou na direção da mesa que o oficial estava sentado antes, uma ruiva o esperava.
— Uma reconciliação? — perguntou abrindo as duas garrafas de vidro, lhe oferecendo um sorriso.
— Espero que sim, me deseje sorte. — Respirou fundo.
— Você não precisa disso, só de dizer o que sente. — Piscou para ele e o viu assentir, confiante, antes de se afastar.
Amanda o observou de longe, só um cego não seria capaz de ver a química que os dois emanavam. A garota parecia legal, além de extremamente bonita, faziam um casalsão.
O olhar da morena saiu do casal e focou no moreno que acabava de entrar no bar, usando sua habitual jaqueta de couro e uma camiseta preta por baixo. O sorriso de Amanda se alargou e os olhares se encontraram quando ele estava na metade do caminho até o balcão.
— Mandy, vê mais uma pra mim, por favor? — a voz de Matt Casey a despertou do transe, no exato momento em que Antônio alcançou o balcão.
— Claro, Matt — se virou para pegar uma garrafinha para o amigo.
— Detetive. — Casey assentiu em cumprimento.
— Boa noite, Casey — O detetive Dawson respondeu simpático, estranhando a pequena frieza que havia no cumprimento do loiro.
— Aqui — Amanda entregou a cerveja com um sorriso e viu o tenente dar um sorriso simplista ao se afastar.
— Alguém pisou no calo dele? — Antônio arqueou a sobrancelha apontando com o polegar para trás, mostrando estar falando do tenente.
— Que eu saiba, não. — Deu de ombros, olhando rapidamente na direção do amigo, que retomava seu lugar na mesa que dividia com Severide e Shay. Então, voltou a atenção para o homem à sua frente, lhe entregando uma cerveja que pegou junto da de Casey. — Sabe do que me lembrei agora? — Antônio a encarou depois de dar um gole na cerveja, esperando que ela continuasse — Faz seis meses que estou em Chicago.
— Nossa, sério? — Ele pensou, tentando fazer as contas.
— O tempo voou… — apoiou as mãos no balcão.
— E qual a sensação, de tudo isso? — Amanda encontrou os olhos castanhos de Antônio, que transmitiam uma paz que ela não sabia explicar.
Podia estar tudo uma bagunça dentro de sua cabeça, perguntas e dúvidas. Mas a única sensação que conseguia sentir, quando ele a encarava daquela forma, eram os arrepios percorrendo seu corpo e seu coração errando algumas batidas. Só tinha que se apegar àquilo, enquanto sua mente a confundia.
— Mandy? — Ele a chamou baixo, com um sorriso de canto, a fazendo sentir as pernas se transformarem em ameba.
— A sensação de que eu não quero mudar nada… — sorriu para ele, de uma forma tão sincera e leve, que fez seus olhos brilharem mais que o teto de luzinhas de led que haviam no Molly's.
E como se o momento precisasse de trilha sonora, uma música começou a tocar, "Photograph" do Nickelback. Os dois olharam para os fundos do bar, encontrando Herrmann perto do aparelho de som.
Alguns vibraram com a escolha da música e aos poucos, a voz do cantor foi ficando distante na mente de Amanda, se tornando um eco em sua mente. Cada palavra que era cantada, lhe trazia flashes, causando uma grande dor de cabeça.
"— Eles são os melhores."
"— Vamos pra Chicago nas férias!"
"— Será que encontramos o Taylor ou o Jesse? Preciso conhecer o Jon Seda, cara!"
"— Eles devem estar gravando nessa época."
"Amanda cantada a plenos pulmões, levantando uma mão como se sentisse a música em cada parte do corpo. — I found the photo of the friend that i was looking for / It's hard to say it / Goodbye, goodbye"
Frases soltas, momentos aleatórios em que Amanda falava com alguém, o último flash se fundindo à música que tocava, a fazendo voltar à realidade no momento que sentiu a mão de Antônio tocar seu braço.
— Oi? Disse alguma coisa? — ela franziu o cenho.
— Você ficou distante, parecia que nem estava aqui. — Também sentiu não estar ali por alguns segundos.
— Acho que tive um deja vu — passou a mão na testa — gosto muito dessa música! — conseguiu sorrir da forma mais convincente possível e Antônio pareceu acreditar.
— Também gosto de Nickelback — ela assentiu e agradeceu aos céus por Jay Halstead se aproximar, chamando a atenção de Antônio.
Amanda respirou fundo e foi pegar uma cerveja para Jay, aproveitando para organizar a mente ao se afastar. Mais nomes, mais cenas soltas que pareciam claras demais para não serem memórias, mas sem nexo demais para serem. De novo, o nome Jesse aparecia em um flash e dessa vez, acompanhado dos nomes Taylor e Jon Seda.
Se já não bastasse não lembrar do passado, tinha que ter memórias falsas, com pessoas e nomes que não existiam?



Amanda acordou antes de Antônio e se levantou com cuidado para não acordá-lo. Antes de sair do quarto dela, o observou deitado de barriga para cima, a mão embaixo da nuca e a respiração tranquila, fazendo o peito dele subir e descer devagar. Não teve como não sorrir ao admirar a cena, por mais bobo que fosse.
Depois de encostar a porta do quarto e ir ao banheiro, seguiu para a cozinha. Pensou em pegar o celular, mas se lembrou que estava sem desde a explosão no quartel. Pegou um copo com água e encostou no balcão.
Ao olhar na direção da mesinha, encontrou o notebook de Kelly no mesmo lugar que deixou no dia anterior antes de ir para o Molly's. Lembrou do flash com os dois novos nomes, e se… balançou a cabeça, afastando a ideia, se Jesse Spencer não existia, por que o outro nome existiria? Deu mais um gole na água e olhou novamente para o notebook… não custava tentar.
Se aproximou do aparelho e o colocou nas pernas ao sentar no sofá. Buscou na mente pelos nomes que apareceram no flash de memória.
"Taylor…"
"... Lautner"
"... Swift"
Poderia ser qualquer famoso do mundo que se chamava Taylor, ficava difícil sem ter um sobrenome. Então decidiu procurar pelo outro nome.
"Jon Seda"

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E mais uma vez, era apenas sua mente lhe pregando peças para confundi-la ainda mais. Fechou o computador e respirou fundo, passando as mãos no rosto. Seu cérebro estava mesmo empenhado em não lhe deixar acessar as memórias.
Sabia que em algum momento, outros flashes surgiriam e talvez trouxesse respostas. Mas naquele exato momento, focaria em alimentar o monstro que parecia ter acordado dentro de seu estômago.
Começou a preparar panquecas para o café da manhã, tentando com todo esforço, não ficar pensando em todas os flashes que teve naqueles seis meses. Principalmente nos últimos.
— Bom dia — a voz rouca e sonolenta veio acompanhada de um par de braços envolvendo a cintura de Amanda, seguido de um beijo no ombro.
— Bom dia, detetive — ela sorriu ao virar um pouco o rosto, depois de virar uma panqueca na frigideira. Antônio lhe deu um selinho rápido e roubou uma blueberry da tigelinha que estava na pia. — Vai dar tempo de tomar café, né? — perguntou ao colocar a panqueca no prato, em cima da pequena torre que se formava e observar que ele já estava pronto para o trabalho.
— Claro, não abro mão das suas panquecas — sorriu de canto e olhou as horas no relógio de pulso — mas terei que ser rápido. — Amanda apenas assentiu e desligou o fogão. — Desculpa, queria muito ficar mais com você, te dar mais atenção… — o carinho suave que ele fez com o polegar em seu rosto fez em seu rosto, arrancou um sorriso da morena.
Então ela se virou para ele, passando os braços por seu pescoço e lhe deu um selinho demorado, que emendaram num beijo suave.
— Não precisa se desculpar — Amanda respondeu baixo, com o rosto ainda bem próximo do dele — é seu trabalho e tenho um orgulho enorme de você — percebeu o moreno ficar um pouco sem graça com o elogio — além do mais, acho muito sexy você ser um detetive… tipo, "você está preso, tudo que você disser pode e será usado contra você no tribunal" — ela recitou, tentando ficar séria, colocando uma entonação exagerada, o que fez Antônio rir da cena, logo fazendo a garota rir também e eles preencherem a cozinha de risadas, enquanto permaneceram abraçados.
— Meu Deus, como eu amo…
— Eu não sou obrigado a acordar com certas cenas, sabiam? — Kelly Severide apareceu, cortando o que Antônio iria dizer, seguindo até a geladeira.
Amanda olhou para Antônio por alguns segundos depois que ele lhe deu um selinho e afastou o abraço. A simples possibilidade da frase interrompida, ser o que ela imaginava, a fez arrepiar na nuca.
— Mandy, tem calda de chocolate? — Kelly perguntou procurando pelo armário e Amanda apenas levantou o recipiente sobre o balcão.
Colocaram tudo na mesa que era pouco usada no apartamento e se sentaram para tomarem café juntos. Antônio sentou ao lado de Amanda e a sentiu colocando a perna sobre as dele.
— Nem me esperaram… — Leslie Shay apareceu, prendendo os fios loiros num coque.
— É sempre uma incógnita quando a senhorita vai decidir levantar, minha fome não tem essa paciência não, mi amore — Amanda respondeu antes de levar um pedaço de panqueca à boca e viu a amiga lhe responder com uma careta.

•••


— Ele o quê? — Shay só faltou gritar de empolgação ao se jogar na cama de Amanda.
— Não tem como ter certeza, o Kelly chegou bem na hora, mas talvez sim — deu de ombros, com um sorriso bobo nos lábios que não conseguia disfarçar.
— Dizer que ama deixa tudo mais sério, hein! — a loira sorriu abertamente e abraçou o travesseiro da amiga.
— Sim, eu sei… — o sorriso bobo se transformou em um olhar tenso quando ela se sentou ao lado da outra.
— Você não ama ele? — arqueou a sobrancelha.
— Sim. — Respondeu rápido, então parou e respirou fundo — não sei… Eu gosto demais dele, demais mesmo! Mas, não sei, parece tão pouco tempo e às vezes sinto que ele é meu primeiro amor, isso é confuso. — Shay não entendia totalmente, não havia como ela entender, mas segurou a mão de Amanda com carinho.
— Não tenha medo dos seus sentimentos. — Ela assentiu em resposta e entrelaçou os dedos nos da amiga.
— Nem sei o que seria de mim, sem você, sua amizade e força — Amanda disse olhando nos olhos azuis intensos da outra.
Então uma sensação a atingiu assim que Shay fez um carinho em sua mão, com o polegar. Seu peito apertou como nunca antes e teve um flash, duas mãos juntas, assim como elas estavam. Uma imagem que não dizia nada, nem uma voz ou qualquer identificação do lugar.
— Mandy? — A voz da loira invadiu sua mente feito um eco, a despertando do momento distante. — O que tava pensando?
— Que não devo ter medo do que sinto. — Deu de ombros com um sorriso e viu a amiga sorrir orgulhosa.
— Essa é minha garota! — piscou para ela e se levantou da cama — Agora vamos que eu tô morrendo de fome e precisamos comprar logo seu celular.

•••


— UM. DOIS. TRÊS. — Amanda terminou a contagem alta, para ela, Leslie Shay, Kelly Severide, Adam Ruzek e Jay Halstead virarem os shots de tequila servidos por Gabby Dawson, que tomava conta do bar na folga de Amanda no Molly's.
Antônio, ao lado da garota na mesa, se mantinha apenas na cerveja, observando, com um braço sobre os ombros dela.
— Sua companhia preferida chegou, oficial. — Amanda apontou com o queixo na direção da porta, onde uma ruiva e uma loira entravam.
— Não que eu não ame a companhia de vocês, mas… — ele sorriu e deu uma piscadinha antes de se virar para ir até a garota que acabara de entrar e procurava por ele.
— Finalmente decidiram ficar juntos de uma vez — Antônio comentou casualmente, antes de levar a cerveja à boca, fazendo Amanda olhar para ele — é uma história complicada, mas a Mia e o Ruzek sempre quiseram ficar juntos e é nítido o quanto se gostam.
— Ele ficou bem triste mesmo, quando estavam separados — lembrou do amigo bem chateado algum tempo atrás, então seguiu o olhar até o bar, encontrando a loira que chegou com Mia, no balcão do Molly's, rindo e conversando com Otis. — E ela…?
— Lexi, irmã da Mia — Antônio respondeu, fazendo Shay e Severide olharem na direção.
— Otis encontrou a tampa da panela, pelo jeito — o comentário de Severide fez os outros rirem.
— Certeza que ela gosta de Star Wars, caso contrário, não aguentaria — Shay disse dando de ombros em meio a uma leve risada e Amanda balançou a cabeça.
— Vou lá encher o saco dele — Amanda piscou para a amiga e se levantou, correndo até o bar.
— Sempre agradeço por ter escolhido ser policial e não bombeiro, vocês são uns chatos — Jay se pronunciou rolando os olhos e bebeu da cerveja que tinha pedido antes dos shots de tequila.
— Você é chato demais pra ser bombeiro, sua carranca combina demais com detetive. — Leslie Shay respondeu rindo, apontando para o rosto, então empurrou o detetive de leve.
— EI!! — Antônio reclamou, arqueando a sobrancelha.
— Você é um caso à parte, a Mandy te deixa mais legal — Antônio pensou por um segundo e deu de ombros, assentindo.
— Tenho que concordar com essa. — O moreno apontou para Shay, em sinal de aprovação e sorriu largo, antes de olhar para Amanda de longe.
A observou por alguns segundos, gargalhando com os amigos que estavam no balcão, brincando com Otis e Lexi que pareciam não ligar para as zueiras. Em certo momento, percebeu Amanda e Lexi fazerem uma dancinha, a loira já tinha feito amizade com extrema facilidade. Mesmo sem saber o motivo, Antônio acabou rindo com a cena. Logo focando novamente na conversa de sua mesa, entre Jay e Kelly.

— Você pode mesmo ser uma viajante do tempo! — Lexi quase gritou e deu um pulinho animado.
— Por favor, não alimenta a teoria do Otis — Cruz pediu e Amanda soltou uma gargalhada.
— Deve ser ruim não lembrar, eu às vezes não lembro as coisas também — Lexi fez uma careta — mas espera, ele também esquecia quando viajava no tempo?
— Ele quem? — Amanda franziu o cenho, sem acompanhar a mudança repentina de assunto da loira.
— O personagem do filme… — tentou forçar a mente, tentando lembrar e fechou os olhos — Ma… — tentou, sem sucesso.
— Marty McFly — Matt Casey respondeu, a ajudando e Lexi sorriu para ele, agradecendo.
— Porque eu sou uma viajante especial, Lexi — Amanda jogou o cabelo e as duas caíram na risada novamente. Gostava da energia que a garota transmitia e foi impossível não gostar dela logo de cara.
Percebeu que Casey a encarava e por dois segundos ficou sem graça, mas apenas sorriu para ele. Então, por cima de seu ombro, viu a porta do Molly's abrir. Amanda aumentou ainda mais o sorriso e acenou, fazendo Casey se virar e olhar na direção da porta. Assim que viu quem era, ele se levantou, com uma expressão séria.
— O que você tá fazendo aqui? — O tenente perguntou assim que Hank Voight chegou mais próximo.
— Eu o convidei — Amanda se adiantou e estendeu a mão para o sargento, que a cumprimentou.
— Você não é bem vindo aqui, Voight. — Casey respondeu sem tirar os olhos do mais velho, que apenas colocou as mãos nos bolsos e sustentou o olhar do tenente.
— Não quero problema com você, Casey.
— E nem vai ter, sargento, porque o Matt vai aceitar que você é meu convidado — Amanda disse firme, olhando para o loiro. — Otis, me vê duas cervejas. — Pediu por cima do ombro de Casey e viu o olhar dele ficar decepcionado.
— Você está se misturando demais com esses policiais, primeiro um namoro, agora isso? — As palavras fizeram Amanda dar um passo para trás e então Matt Casey saiu do bar a passos firmes.
Alguns que estavam mais próximos, ouviram e apenas observaram o tenente ir embora, um pouco sem saberem como reagir. Otis colocou as duas cervejas no balcão, perto de Amanda e Voight, um pouco sem saber como agir e fazendo um aceno sem graça para o sargento.
Gabby Dawson, que ouviu tudo de trás do bar, saiu dali e correu até Casey antes que ele fosse embora. Enquanto Antônio observou de longe sem entender o que aconteceu, mas já imaginando, ao ver que Hank Voight estava se sentando no bar com Amanda. Deu mais um gole na cerveja e se aproximou da morena e do chefe.



— Matt, espera! — Gabby Dawson o chamou quando ele já se aproximava do carro estacionado do outro lado da rua do Molly's.
— Não quero conversar agora, Gabby. — o loiro se virou, coçando a testa e respirando fundo em seguida.
— Mas pode escutar — ela disse firme e não teve resposta, recebendo apenas o olhar dele sem emoção — pode pensar que fiquei com alguém só pra te magoar, pode pensar que sou esse tipo de pessoa. Mas não ela… — apontou para trás antes de continuar — a Amanda nunca faria algo na intenção de magoar ou ferir alguém, acho que isso já ficou bem claro nesse tempo que a conhecemos.
— Eu sei… — sentiu o peito apertar e desviou o olhar da mulher à sua frente.
— Anos se passaram, Matt, você precisa superar essa rixa com o Voight. — O tenente ia rebater, mas Gabby levantou a mão, o impedindo — você é um adulto, aja como um. Ele não precisa ser seu melhor amigo, mas aquele não é você — Matt engoliu em seco, então ela colocou as mãos nos bolsos da jaqueta e se virou para voltar ao bar — e ah! — levantou o indicador, virando-se novamente para ele — não há problema algum ela se misturar com policiais. — Completou, com o olhar firme e voltou ao seu caminho, mostrando claramente do que ela estava falando, afinal, era com seu irmão que Amanda estava se misturando.
— Gabby… — tentou chamá-la, mas a morena não olhou mais para trás e sumiu de vista ao entrar no Molly's.
Depois de passar a mão pelos cabelos, Matt Casey entrou no carro e olhou mais uma vez para o bar antes de dar partida e seguir para casa.

•••


— Foi muito legal, sargento, desculpe pela cena mais cedo — Amanda se despediu de Hank Voight na frente do Mollys, com Antônio ao seu lado com a mão apoiada em sua cintura.
— Está tudo bem, ele está no direito dele — deu de ombros, inclinando um pouco a cabeça para frente.
— Mas volte outras vezes, no próximo jogo de hockey… — sugeriu animadamente — quem sabe meu time ganha da próxima e você fica me devendo uma bebida — deu de ombros.
— Acho difícil — os lábios do mais velho se curvaram para baixo ao arquear as sobrancelhas e então deu um leve sorriso. — Até a próxima, Amanda e nos vemos amanhã, detetive.
Antônio apenas fez um aceno e viu seu chefe se distanciar, indo em direção ao carro. Então seguiu com Amanda até o carro dela, tendo o corpo da morena colado ao dele, a puxando de lado pela cintura.
— Fazia muito tempo que não via o Voight assim… — comentou quando Amanda se virou para ele, encostando as costas no carro.
— Vai ver é porque vocês só dão dor de cabeça pra ele — a garota respondeu com um dar de ombros, segurando a risada, mas logo a soltando quando Antônio arqueou uma sobrancelha em desafio.
Passando os braços ao redor do pescoço do homem, ficaram mais próximos e Amanda selou os lábios nos dele algumas vezes. Até ele fazer um carinho suave no rosto da morena, ao separarem os lábios em um sorriso.
— Ele me disse uma vez, que lembro muito uma vítima de um caso que ele cuidou anos atrás — Antônio franziu o cenho — ia perguntar pra você ou pra Lindsay se sabem desse caso, mas aconteceu um monte de coisa, acabei esquecendo…
— E o Voight comentou algo do caso?
— Só que foi uma vítima de estupro e ela sumiu, arquivaram o caso depois — Antônio assentiu, pensando, mas não lembrava de nenhum caso que cuidaram — parece ter sido há uns oito anos atrás. — A explicação fez o moreno entender porque não lembrava, não trabalhavam juntos ainda.
— Acha que ele tinha alguma ligação com a vítima?
— Talvez — suspirou, apertando mais os braços em volta do pescoço de Antônio, sentindo o vento gelado da noite de Chicago.
— Voight tem a Lindsay como uma filha, eles são próximos desde que ela tinha uns quinze anos, talvez ela saiba mais desse caso. — Sorriu levemente.
— Falarei com ela depois! — deu um selinho no sorriso dele, que só fez alargar um pouco mais.
— Você só quer ver as pessoas bem, não é? — Antônio pegou um cacho que voou para o rosto de Amanda quando a brisa soprou de novo, e o colocou atrás da orelha. Um gesto que fez a garota sorrir abertamente, era algo mais forte que ela.
A ligação que sentia com cada um que conheceu em Chicago, a fazia querer ajudá-los e vê-los realmente bem, como se só assim ela fosse estar totalmente bem também.
— Quer ir lá pra casa? — Antônio sugeriu antes de lhe dar um beijo rápido. Amanda assentiu em resposta e ele foi para o carro estacionado alguns metros à frente.

•••


Ao acordar, Amanda não encontrou Antônio na cama, mas assim que se sentou, o viu entrar no quarto, já com as calças de jeans preta e terminando de vestir uma camiseta vinho.
— Já está indo?
— Sim, infelizmente — apoiando as mãos na cama, se aproximou da garota e selou seus lábios. — Mas pode ficar aqui o tanto que quiser — lhe deu outro selinho.
— Vou só tomar um banho, tenho que ir no quartel… — Antônio assentiu ao se afastar.
— Vai tentar conversar com o Casey? — a pergunta fez Amanda franzir a testa, olhando para as costas dele, enquanto calçava as botas.
— Não sei se tem o que dizer. Ele que foi um grosso… — o silêncio tomou conta do quarto por alguns segundos. Até Antônio terminar de se calçar e se virar para a morena.
— Já parou para pensar que o Casey talvez goste de você? — O olhar dele era sério, mas não havia nenhum traço de raiva ou desconfiança, era mais uma preocupação. — Vocês tiveram algo antes?
— Não! — respondeu rápido a segunda pergunta e pensou um pouco sobre a primeira. — E ele só não gosta do Voight, e como meu amigo, não concordou de eu ter convidado ele para o Molly's. — Deu de ombros, não conseguia pensar em algum momento que sentiu Matt estar gostando dela.
— Às vezes sinto que ele está mais na defensiva comigo, mais seco… Mas deve ser apenas impressão. — Amanda assentiu e deu um selinho demorado no homem, antes dele se levantar e ir embora.

•••


— A senhorita não tem mais casa, pelo jeito né? — Leslie Shay provocou, com um sorriso, ao ver Amanda se aproximando do quartel. Ela e Gabby organizavam algumas coisas na ambulância.
— Não mesmo, mãe — respondeu zombeteira e fez uma careta rindo, arrancando também uma risada de Gabby sentada no banco lateral do veículo. — O que acham de ensopado de carne para o almoço.
Esquadrão 3 e ambulância 61, colisão de veículos.
— Super aceito — Shay deu um beijo no rosto de Amanda antes de correr para o lado do motorista e Gabby pulou da ambulância, para fechar as portas.
— O Matt tá na sala dele, pediu para você ir lá quando chegasse. — a morena avisou Amanda antes de ir para o lado do passageiro na ambulância. Ela apenas assentiu em resposta e ouviu a movimentação do pessoal do esquadrão que entraram no caminhão e saíram rapidamente, seguidos pela ambulância.
Antes de entrar no quartel, Amanda lembrou do que Antônio lhe disse algumas horas antes. Passou a mão na nuca, meio desconfortável com a possibilidade, não queria perder a amizade de Matt. Suspirou e se virou para entrar, mas deu de cara com Adam Ruzek, Jay Halstead e Erin Lindsay.
— Nossa, veio comboio da Inteligência, só pode ser problema. — Se aproximou dos três e os viu rir.
— As pessoas desse quartel já foram mais receptivas — Ruzek fingiu estar ofendido e como resposta, recebeu um empurrãozinho da morena.
— Estamos fechando um caso de incêndio criminoso, como o tenente Severide ajudou, viemos atualizar ele. — Amanda apenas assentiu, quando Jay Halstead explicou.
— Entendi… — cruzou os braços e olhou para Lindsay, decidindo aproveitar a situação — Lindsay, você tem uns minutos? Queria falar com você uma coisa.
— Claro, tenho sim. — Respondeu prontamente, colocando as mãos nos bolsos de trás da calça jeans.
— Te espero no carro. — Halstead deu um leve sorriso para a detetive, que apenas assentiu.
— Até mais, Mandy — Ruzek deu um beijo na cabeça da amiga e se distanciou, colocando os óculos de sol.
— Então, não quero ser invasiva, nem nada. Mas você sabe de um caso que o Voight cuidou, uns oito anos atrás, de uma menina… — Erin Lindsay pareceu confusa no começo, mas então seu olhar passou para compreensão, como se lembrasse de algo.
— A Ana… — suspirou e assentiu levemente.
— Se não quiser ou não puder falar, tudo bem. — a detetive pareceu considerar, até sorrir de canto.
— Você lembra muito ela, seu jeito… — a frase chegou a assustar Amanda, a mesma coisa que Hank Voight lhe disse quando contou sobre o caso. — Eu encontrei ela, na rua, depois de toda a merda ter acontecido — Amanda assentiu, com o coração apertado, sabia o que ela queria dizer — eu e o Voight ajudamos ela. A Ana era a garota mais doce que eu já conheci na vida, apesar de tudo que aconteceu. Ela morou comigo no tempo que ficou em Chicago… — Lindsay parou, como se lembrasse de Ana.
— Ela não era daqui? — a detetive negou com a cabeça.
— Quando a encontrei, ela tava bem confusa e perdida, o que era de se esperar… Depois descobrimos que ela tava em Nova York quando tudo aconteceu e foi deixada em Chicago. — Amanda arregalou os olhos, não podia nem imaginar o que aquela garota sentiu — Mas não sabemos se era de Nova York também. Ela desenvolveu uma espécie de amnésia — a morena arqueou a sobrancelha àquele detalhe — o Dr. Charles disse que era natural, devido ao que ela passou. A Ana não lembrava muito sobre antes do que aconteceu.
— E onde ela está agora? — sabia que ela tinha sumido, mas como?
— Não sabemos. — Lindsay deu de ombros e apertou os lábios — A Olivia, junto com a Unidade de Vitimas Especiais, também trabalhou no caso. Antes de encontrarmos um suspeito, que parecia ter evaporado, a Ana sumiu numa tarde, sem deixar rastros e nunca conseguimos encontrá-la.
— Espero que não tenha acontecido o pior.
— Eu também… — sorriu de canto e olhou para trás, na direção do carro onde Jay a esperava. — Desde a Ana, o Voight sempre evita mais do que tudo, se aproximar dos casos. Ele a tinha como uma filha, e eu como uma irmã. Mesmo que ela tenha ficado aqui só um ano.
— Sei bem como é se apegar rápido às pessoas. — As duas riram juntas.
— Eu preciso ir, mas porque quis saber sobre isso?
— O sargento Voight comentou sobre esse caso… — Lindsay pareceu brevemente chocada com a resposta, com certeza o sargento não era de falar sobre o assunto abertamente. Mas então assentiu e se virou para ir embora. — Erin, obrigada por me contar — a mulher se virou ao ouvir e lhe ofereceu um sorriso largo, então seguiu seu caminho.
Enquanto Amanda ficou ali, parada, digerindo tudo que ouviu. Fazia total sentido a forma como o sargento a tratou quando se conheceram, era porque ela realmente lembrava Ana, alguém que marcou seu passado e foi embora de forma repentina.
Ambas não se lembravam do passado e de como realmente chegaram ali, por mais que Ana tenha mesmo passado por um trauma, como o Dr. Charles disse.



Assim que entrou no quartel, Amanda foi até a sala do tenente Casey, como Gabby lhe avisou que ele a esperava. O homem lia algum documento, com a cabeça deitada na mão que tinha o cotovelo apoiado na mesa. Por conta da concentração e pela porta fechada, não ouviu Amanda se aproximar. Então a garota deu dois toquinhos na porta e esperou que ele olhasse para ela.
Assim que a viu, Casey se levantou e abriu para ela entrar, parecendo um pouco sem graça, sem saber como iniciar, por mais que um pedido de desculpas fosse o mínimo.
— A Gabby disse que queria me ver… — quebrou o silêncio desconfortável e colocou as mãos nos bolsos da calça. Não queria que aquilo acontecesse, não queria aquele clima estranho.
— Olha, desculpa…
— Desculpa se eu…
Os dois iniciaram juntos e acabaram rindo, Matt encostando na mesa, até olhar para o chão, organizando as palavras dentro da cabeça antes de dizê-las.
— Me desculpa pelo que disse ontem e pela forma que agi. — Ele suspendeu o olhar, fitando os olhos castanhos brilhantes de Amanda, acompanhados de um leve sorriso que brincava em seus lábios quando assentiu em resposta.
— Desculpas aceitas — a afirmação fez o coração de Matt Casey ficar mais leve e um sorriso de canto brotou em seus lábios — Matt, sua amizade é uma coisas mais valiosas pra mim, eu nunca faria algo pra te magoar, não foi essa minha intenção.
— Sei disso… — ele assentiu devagar e viu Amanda se aproximar.
— E o Voight, ele…
— É bem vindo no Molly's, sempre que quiser. — A interrompeu, fazendo uma expressão de surpresa misturada a orgulho estamparem o rosto de Amanda. — Se é importante pra você, se aproximar dele, é importante pra mim também — o sorriso da garota se alargou ao assentir em um agradecimento silencioso.
— Vou ajudar o Mills com o almoço, senão ele vai reclamar de novo que não ajudo ele — Amanda rolou os olhos rindo e foi até a porta. — Obrigada por entender, Matt. — Colocando as mãos nos bolsos, o tenente apenas assentiu ao dar um sorriso de canto.
Ele não entendia, mas a apoiaria, porque não podia deixar que algo os afastasse, muito menos seu orgulho. A observou se distanciar e sumir na porta que levava à sala comum e cozinha, ficando com seus pensamentos. Respirou fundo e passou uma mão pela boca, afastando os pensamentos que o levaria a lugar algum, antes de se sentar e voltar aos relatórios que precisava terminar.

•••


Enquanto almoçavam e conversavam em volta da mesa, com a sorte de não ter um chamado para interromper a refeição, Amanda e Shay estavam numa conversa empolgada de ideias para eventos no Molly's.
— O Molly's não precisa de um evento — Herrmann afirmou categórico ao se levantar para levar o prato até a pia assim que terminou de comer.
— Qual é, Herrmann, todo bar precisa de um evento! — Leslie Shay rebateu.
— E seria bom para dar uma agitada — Amanda ressaltou, levantando o indicador quando o homem voltou para a mesa.
— Só o que ouvi até agora, foram coisas envolvendo muito dinheiro, vamos gastar mais do que lucrar. — As duas garotas se olharam por alguns segundos.
— Okay, sem concurso e gincana valendo prêmios — Amanda suspirou e ouviu a risada baixa de Casey e Severide que apenas ouviam a conversa. — Vocês, o que gostariam de fazer numa noite diferente no Molly's?
— Eu gosto de ir lá pra beber — Kelly Severide deu de ombros, com os lábios formando um arco para baixo, demonstrando que não pensava em qualquer outro evento.
— Logo pra quem foi perguntar… — Shay fez uma careta e Kelly jogou uma bolinha de guardanapo de papel na amiga, dando risada em seguida.
— KARAOKÊ! — Amanda gritou, tendo a ideia de repente, fazendo alguns na mesa se assustarem.
— Talvez a ideia da gincana não seja tão ruim… — Mouch comentou meio baixo para Herrmann, mas todos conseguiram ouvir. Chamando a atenção de Amanda, que olhou para o mais velho abrindo os braços e ele apenas espalmou as mãos para frente, se rendendo.
— Eu gostei da ideia — Matt Casey comentou simplista e ofereceu um sorriso de encorajamento para Amanda.
— Então teremos karaokê no final de semana! — A morena afirmou e piscou para Herrmann que apenas bufou e decidiu não rebater mais.
— Eu vou logo preparar uma performance! — Shay disse animada, gesticulando muito com os braços e fazendo uma pose levantando o nariz, o que fez todos na mesa rirem com a loira.
— Vocês três deveriam cantar Spice Girls — Joe Cruz comentou casualmente antes de dar um último gole no suco.
A ideia fez Amanda e Shay se entreolharem, então se voltaram para Gabby com sorrisos de pura empolgação.
— Nem pensar, eu não vou fazer isso. — Gabby arqueou a sobrancelha ao se dar conta que as duas amigas olhavam para ela.

•••


"I'll tell you what I want, what I really, really want" — Amanda iniciou o refrão, cantando animadamente enquanto olhava para Gabby.
"So tell me what you want, what you really, really want" — A outra completou com o segundo verso.
"I wanna, (ha) I wanna, (ha) I wanna, (ha) I wanna, (ha)" — Leslie Shay cantou com o quadril acompanhando o ritmo da música.
— "I wanna really, really, really wanna zigazig ah" — as três cantaram juntas, Gabby fazendo o máximo para não olhar o público do Molly's que gritava com o "show", mesmo que a tequila tivesse ajudado em muito ela ter coragem de acompanhar as amigas no palco. — "If you wanna be my lover, you gotta get with my friends" — continuaram a cantar o refrão juntas, abraçando uma a outra, lado a lado, em meio a sorrisos largos e passos nem um pouco sincronizados.
Chegaram aos últimos versos do refrão com os amigos que ocupavam o bar vibrando e alguns, já envolvidos pelos efeitos do álcool, iniciavam dancinhas animadas no ritmo da música. Como era o caso de Jay Halstead, Adam Ruzek e o Kevin Atwater, um policial recém integrado à Unidade de Inteligência. Enquanto Antônio, logo ao lado sentado no bar, tinha os olhares de Amanda vez ou outra, enquanto ela cantava com as duas amigas e o deixava hipnotizado com seu sorriso e jeito.
Herrmann que pensava aquela ser uma péssima ideia, via o lucro entrando com o bar agitado, dando muito trabalho para ele e Otis que não paravam de servir novas bebidas. A noite do karaokê estava sendo um sucesso e era só o começo.
"Slam your body down and wind it all around" — a voz de Jay Halstead ecoou pelo bar acompanhando Leslie Shay no verso, a fazendo apontar para ele rindo ao cantar, arrancando risadas de todos e alguns olhares de interrogação por ele saber a letra. E na repetição do verso, Kevin e Adam fizeram como o detetive, cantando junto de Amanda.
A essa altura, chegando ao final da música, Gabby já não sentia qualquer vergonha e só o que desejava era dançar e cantar com Amanda e Shay, suas duas irmãs do coração. E Amanda sentia a empolgação passando por todo seu corpo, enquanto ela cantava os versos olhando para as duas amigas, focando nelas enquanto sentia os olhos de Antônio sobre si, desde o começo da música.
— MEU DEUS! ISSO FOI LEGAL DEMAIS! — Amanda correu até o trio que mais as acompanhou, saltitante e com um sorriso que poderia iluminar uma casa inteira. Shay foi junto, alguns passos atrás, enquanto Gabby correu para trás do balcão.
— E esse amor secreto pelas Spice Girls? — Leslie cutucou Adam Ruzek e ele deu de ombros ao passar a mão pelos cabelos, arrumando o topete que estava ainda mais bagunçado que de costume por causa da agitação.
— Eu apenas achava a Victoria Beckham muito gata — Adam respondeu e Kevin, ao seu lado, alguns bons centímetros mais alto, pareceu pensar sobre o assunto.
— Sério? Sempre preferi a Geri — respondeu alguns segundos depois — pensei que preferia ruivas, Ruzek. — Provocou com um sorriso divertido, fazendo Amanda gostar do homem no mesmo instante. Se zoava Adam Ruzek ganhava o carinho dela, sempre.
— Prefiro a minha namorada ruivinha, apenas. — Ele ressaltou, chamando a atenção de Amanda e Shay, que abriram a boca em um "o" que logo se transformou num sorriso quando as bochechas de Adam ficaram levemente rosadas.
— Pois é, o oficial Ruzek se amarrou na Mia — Jay Halstead se pronunciou, depois de observar a conversa e se recompondo da agitação com a música.
— QUE LINDOS! — Amanda apertou a bochecha do amigo e depois de levar um tapinha na mão, para afastá-la, a morena o abraçou de lado, no exato momento em que viu Antônio de costas para ela, pedindo mais uma bebida.
Depois de pedir licença aos amigos e os deixar conversando quando disseram que iam pegar uma mesa, a garota se aproximou do detetive e o abraçou por trás. Ele terminou de dar um gole na cerveja e sorriu para ela assim que sorveu o líquido. Antônio colocou a mão no braço de Amanda que envolvia seu pescoço e a sentiu apoiar o queixo em seu ombro.
— Qual música você vai cantar? — perguntou baixo, causando um pequeno arrepio na nuca dele, que Amanda ficou muito satisfeita em ver.
— Ali? Nenhuma — ele indicou o pequeno palco improvisado, onde Will Halstead e uma outra médica começavam uma nova música. — Mas, em casa, se eu ganhar alguma coisa em troca, canto pra você — completou, virando um pouco o rosto para olhá-la pelo canto dos olhos.
— Suborno, detetive? Posso te denunciar. — Levantou o queixo do ombro do homem e ainda com os braços enlaçando o pescoço de Antônio, deu a volta, ficando mais de frente para ele.
— Apenas quero um prêmio pelo mico — deu de ombros com um sorriso de leve, que criava uma covinha em sua bochecha.
Os olhos de Amanda focaram em quem passou pela porta, fazendo Antônio também olhar para trás. Hank Voight entrava acompanhado de uma mulher, mais alta e com o tipo de presença que faria qualquer um se ajoelhar e limpar o chão com a língua para ela passar.
— Ninguém vai criar problemas com ele estar aqui de novo? — O detetive perguntou, olhando rapidamente na direção de Matt Casey nos fundos do bar, acompanhado de Kelly Severide. Então olhando para Amanda novamente, que ainda estava admirada com a pose imponente da mulher de cabelos castanhos, curtos e lisos que acompanhava o sargento.
— Não… — voltou-se para Antônio de novo — conversei com ele e está tudo bem — ele apenas assentiu e apoiou uma mão na cintura dela. — Quem é a mulher com o Voight?
— Tenente Benson. Olivia Benson. — Amanda assentiu, olhando para os dois que pegaram uma mesa perto da porta. Os olhares dela e do sargento se cruzaram e ela o cumprimentou com um leve sorriso. — Ela é de Nova York, Unidade de Vítimas Especiais. É uma antiga amiga do Voight. — Antônio completou ao se levantar do banco e dar um último gole na cerveja.
A menção a Nova York e a Unidade em que a tenente trabalhava deu um estalo em Amanda. Talvez tenha sido com Olivia que o sargento Voight trabalhou no caso da Ana.
— Meu Deus… — a voz de Antônio tirou a garota de seus pensamentos, ele olhava na direção do palco um pouco preocupado.
Amanda se virou e encontrou Adam Ruzek no palco com Lexi, a irmã de Mia, que antes estava na mesa com Will, Jay e a outra médica que acompanhava o ruivo.
— Não somos tão bons quanto as meninas do Spice Girls, mas vamos tentar… Essa é pra você, ruivinha. — Ele apontou para Mia, que tampou o rosto com as mãos.
— Pra você, maninha, vou ajudar aqui pra ser menos pior — Adam a olhou com a sobrancelha arqueada e Amanda riu com a cena, até que a música Somewhere Only We Know iniciou.
Quando eles começaram a cantar, Lexi segurando o microfone com força e Adam parecendo deslocado, Amanda sentiu o braço de Antônio puxá-la, a abraçando por trás. Ela se aconchegou no corpo dele, enquanto o sentiu apoiar a cabeça em seu ombro.
Outros casais espalhados por todo o Molly's, também curtiam a melodia suave da música tão bonita. Alguns cantando baixinho, acompanhando Adam e Lexi, que faziam um belo trabalho com a música.
Amanda começou a cantar junto, lembrando que a música tocou no carro de Kelly, quando voltavam da casa de Voight, naquela noite horrível.
"And if you have a minute, why don't we go"
Olhou para Kelly por entre as pessoas e sorriu, o encontrando falando algo para Shay.
"Talk about it somewhere only we know?"
Casey ria depois de dar um gole na cerveja, conversando com Joe Cruz.
"This could be the end of everything"
Os olhos de Amanda passaram por todo o salão, chegando em Hermmann que servia um copo de cerveja e Gabby falava algo para Otis perto do freezer.
"So why don't we go somewhere only we know?"
A voz de Antônio invadiu seus pensamentos, quando ele cantou baixo, junto com a música, para apenas ela ouvir.
"Somewhere only we know"
Amanda fechou os olhos quando os lábios do homem tocaram sua pele na lateral do pescoço. Tudo pareceu ficar distante demais, a voz de Adam e Lexi, todos no bar cantando juntos as últimas estrofes, embalando um momento que tinha tudo para ser perfeito.
— Amo você… — a voz suave atrás de si a atingiu e sua primeira reação foi abrir os olhos e virar-se para ele.
Mas quando seus olhos encontraram os de Antônio, sentiu como se o mundo parasse de girar por alguns segundos. Num piscar de olhos, tudo virou de cabeça para baixo, ela sentiu as pernas fraquejarem. Olhou em volta, focando nos rostos conhecidos, sentindo os olhos marejados. Precisou apoiar as mãos nos ombros de Antônio, para se sustentar. A voz de Adam foi ficando mais próxima, mais alta, ela olhou para o palco, apertou as mãos na jaqueta de Antônio e o coração disparou tanto que podia ouvi-lo fora do corpo. Aquilo era possível? Tudo aquilo que se dava conta, era possível?
Uma lágrima escorreu solitária quando os olhos de Amanda encontraram os de Antônio novamente, que agora parecia preocupado. Ela queria gritar, rir, correr, chorar, tudo ao mesmo tempo.
"this could be the end of everything
So why don't we go somewhere only we know?
Somewhere only we know"
A última estrofe foi cantada pelo amigo, ao mesmo tempo que um caminhão desgovernado, carregado de lembranças, atingiu Amanda.

"Meus preferidos são o Jesse Spencer e o Jon Seda, de Fire e PD";
"Não, esse é o Taylor Kinney, que faz o Severide";
"Você vai ver, ainda vou pra Chicago";
"Saiu a nova temporada…"
"Hoje vou maratonar Chicago Med"
"O elenco vai pra…"
"Os atores são…"



As pernas cederam e Amanda desmaiou, só não indo de encontro ao chão com força, porque foi segurada por Antônio.



Os olhos de Amanda abriram aos poucos, a cabeça doendo a deixava levemente tonta. As vozes ao redor ficavam mais próximas e nítidas, até ela abrir os olhos totalmente, percebendo que ainda estava no Molly's.
— Mandy, estou aqui, tá tudo bem, respira... — Antônio disse calmamente, passando a mão pela testa dela e tirando um cacho que estava nos olhos.
Quando ela desmaiou, o homem a levou até a mesa onde estavam Shay e os irmãos Halstead. Não passou mais que um minuto desmaiada, mas foi o suficiente para deixar os amigos em alerta.
— Você sabe onde está, Amanda? — ela virou a cabeça na direção da voz de Will Halstead e demorou alguns segundos para assentir.
Sabia onde estava, sabia muito bem, mesmo que não conseguisse acreditar. Olhou em volta, Jay Halstead a observava preocupado, como se o efeito do álcool tivesse passado instantâneamente. Sentiu a mão de Antônio sobre a dela e seu coração apertou ao olhar nos olhos dele. Então focou nas mãos juntas, entrelaçou os dedos nos dele. Aquele toque, que tanto a fazia se sentir em casa, era real, não tinha como não ser.
— Eu estou bem, pessoal, acho que foi uma queda de pressão. — Tentou sorrir, mas a bagunça que estava dentro de si não a permitiu.
— Toma, bebe um pouco — Kelly Severide apareceu com um copo de água e estendeu para Amanda, que o pegou olhando para o amigo, atônita.
"Taylor…"
Não. Aquilo não fazia sentido algum, não podia fazer, era loucura. Seu cérebro estava lhe pregando uma peça, era a única explicação.
Agradeceu a água com os lábios arqueando em uma linha fina, um sorriso quase imperceptível. Bebeu e tentou se acalmar, afastar os pensamentos sobre o que achava saber de todos que estavam ao redor dela.
— Mas vamos lá, gente, é noite do karaokê! — Amanda disse alto, balançando a mão no ar, para dispersar todos. Mas os olhos de Antônio ainda demonstravam preocupação — para de me olhar como se eu fosse quebrar a qualquer momento. — O puxou pela mão que ainda tinha os dedos entrelaçados e Antônio sentou ao seu lado.
— Qualquer coisa, chamem — Severide pediu, arqueando as sobrancelhas para Amanda, que apenas assentiu, sentindo uma segurança extrema ao olhar nos olhos azuis do tenente.
— Garota, sério, você precisa parar de assustar a gente, tá perdendo a graça já. — Adam Ruzek apareceu ao lado da mesa, no momento em que Antônio passou o braço sobre os ombros de Amanda.
— Sem emoção não teria graça — deu de ombros, rindo levemente, lembrando que Antônio disse a mesma coisa semanas antes, no hospital.
— Da próxima, canto Bon Jovi, pra você não desmaiar. — O oficial comentou como se tivesse uma grande ideia.
— Não faz isso com Bon Jovi, senão eu não desmaio, eu morro consumida pelo desespero — soltou uma risada e Adam apenas rolou os olhos, antes de dar as costas e ir até o bar, onde Mia o esperava.
Observou o amigo de costas, dando um beijo no rosto da ruiva, antes de tomar seu lugar no banquinho ao lado.
Adam Ruzek do Distrito 21 e o detetive Jay Halstead, que agora se sentava novamente na mesa de frente para ela, eram seus amigos. Assim como o tenente Kelly Severide e Matt Casey, e todo o restante do quartel 51. Ela trabalhava no Molly's e… Sentiu as pontas dos dedos de Antônio iniciarem um leve carinho em seu ombro… O detetive Antônio Dawson estava bem ali, ao lado dela.
Ela sabia, simplesmente se lembrava, memórias claras feito água a atingiram em cheio, a fazendo duvidar se eram mesmo memórias ou um grande surto de sua cabeça. Não tinha certeza se podia acreditar no que seu cérebro lhe dizia, por mais que fosse o sonho de quase todo fã… Como poderia estar dentro do Universo de One Chicago, suas séries preferidas?
Amanda sentiu um arrepio passar por todo seu corpo e em seguida, achou melhor apenas aproveitar a noite ao lado dos amigos. Porque aqueles eram seus amigos, tão reais quanto o amor que sentia por cada um deles.
Amor…
Lembrou-se de algo muito importante e aproveitou que Antônio dava um gole na cerveja enquanto Jay comentava algo com Kevin e Will, para aproximar o rosto do ouvido dele.
— Também amo você — sussurrou, para que apenas ele ouvisse e deu um beijo em seu maxilar.
Aquela era a única certeza que tinha no momento, o que sentia. Fosse verdade o que as memórias diziam, ou não. Não excluía o que sentia por ele, a história deles era real.
Antônio virou o rosto para a garota, com um sorriso que a fez se sentir em casa, como sempre se sentiu desde que chegou ali seis meses antes. Ele selou os lábios de Amanda e com um sorriso bobo que não o abandonava, foi até o ouvido dela para sugerir baixinho:
— Quer ir embora daqui…? — Não, nunca. Não podia. E se precisasse? Se as memórias fossem reais e ali não fosse o lugar dela?
— Quero. — Afirmou baixo, focando no verdadeiro sentido da pergunta.

•••


Ao chegarem no apartamento de Antônio, ele abriu a porta enquanto beijava a garota e a fechou com o pé. Os dois sorriram ao afastarem alguns milímetros os lábios, apenas o suficiente para respirar.
Diferente de todas as sensações que Antônio despertou das outras vezes, havia algo a mais, uma euforia que fazia Amanda querer rir. Então ela abriu os olhos ao passar uma mão pelo rosto dele e o admirou, logo encontrando o brilho de seus olhos escuros, ansiosos e cheios de sentimento.
— O que foi? — Antônio perguntou em um sussurro, com um sorriso de canto.
— Acho que quero ter certeza que você é real — fez um carinho no seu maxilar marcado, até alcançar a nuca com as pontas dos dedos.
— E eu sou? — deu uma leve risada, causando um arrepio na nuca de Amanda. Ela se lembrava perfeitamente daquela risada, e não era dos últimos seis meses. Se lembrava dele.
— Espero que sim, porque se for um sonho, não quero acordar.
Não podia acordar.
A resposta dele, seguida de um sorriso ainda mais largo, foi suspender o corpo de Amanda pela cintura, onde ela o enlaçou com as pernas. Um novo beijo se iniciou e ele seguiu com ela na direção do quarto, como se nada mais importasse fora daquele apartamento… Fora daquela realidade… Porque para Amanda, só aquela realidade fazia sentido.

•••


Ao acordar, Amanda se virou na cama e não encontrou Antônio. Apenas um recado na cômoda, onde dizia que precisou ir para o Distrito e que ela poderia ficar o tempo que quisesse.
Não que não quisesse ver ele, mas agradeceu mentalmente por ficar um pouco sozinha. Precisava daquilo, para o bem de sua saúde mental… se é que existia alguma. Passou as mãos no rosto e respirou fundo.
Sentia o cheiro de Antônio ao seu redor, principalmente na camiseta dele que usava. Olhou para baixo, o símbolo da Polícia de Chicago no peito da camiseta azul marinho. Conhecia aquela camiseta, inclusive, de vê-la no corpo de outra mulher através da tela da televisão.
Meu Deus, aquilo era loucura!
As imagens e informações que tinha em sua mente eram tão reais quanto a noite que passou, quanto as bebidas no Molly's ao lado dos amigos, quanto o quartel 51. Tudo parecia real demais, mesmo que não fizesse sentido.
Depois de ir ao banheiro, seguiu para a cozinha e no caminho, olhou em volta. Já tinha ido ao apartamento de Antônio outras vezes naqueles seis meses, mas agora era diferente. Sentia-se como se aquele lugar fosse uma Disneylândia.
— Amanda, você não pode ter enlouquecido, pode? — perguntou em voz alta, para si mesma, ao passar uma mão na testa e a outra apoiar na cintura, parada no meio da sala.
Então respirou fundo e decidiu que precisava organizar a mente, não procurar por explicações. Sentou-se no sofá e abraçou uma almofada.
— Considerando que não estou louca — soltou um riso nervoso — de alguma forma, no dia do acidente eu vim parar dentro da minha série preferida. Ou séries, no caso. — Parou, franzindo o cenho — Será que eu já estava aqui antes do acidente? — Balançou a cabeça, não achava ser um detalhe importante. Abraçou a almofada com mais força e olhou na direção de um porta retrato, era Antônio e Gabby — Lembro das séries, do que acontece na história, muita coisa está diferente… a Shay ainda está aqui… — sentiu o peito apertar ao pensar naquilo e se levantou, indo até a janela, de onde podia ver as ruas de Chicago. — Se as coisas são diferentes da série, posso estar em uma realidade paralela, uma linha do tempo diferente — Amanda soltou uma leve risada — Obrigada Marvel, por me ensinar sobre multiverso — foi até a cozinha beber água — Seguindo a lógica do Shifting, eles não podem saber, eu não posso falar sobre outra realidade para nenhum deles… — cogitar que em algum momento teria que voltar, que não poderia ficar pois não era sua realidade, mesmo que seu coração dissesse o contrário, doeu.
Mas então, depois de alguns minutos em silêncio, ao terminar a água e colocar o copo na bancada, um largo sorriso se abriu e a garota olhou em volta mais uma vez, como se girasse uma chave no cérebro e a ficha finalmente caísse de verdade.
— Cara! Eu estou em Chicago! — começou a rir sem que pudesse controlar, o emocional mais bagunçado impossível. — EU MORO COM O SEVERIDE E A SHAY, EU TRABALHO NO MOLLY'S E MEU DEUS EU TRANSEI COM O ANTÔNIO DAWSON! PUTA QUE PARIU! — Gritou em português. Passou as mãos nos cabelos, soltando uma risada de pura empolgação, ao mesmo tempo que algumas lágrimas escorreram. — EU. ESTOU. EM. CHICAGO. — Ao gritar pausadamente, ainda em sua língua materna, cobriu a boca com as mãos.
Não pensaria na possibilidade daquilo acabar, não perderia tempo procurando explicações, pelo menos por enquanto. Chicago se tornou sua casa nos últimos seis meses e ela só torceria para que continuasse sendo, definitivamente. Enquanto aproveitava cada segundo ao lado de quem sempre considerou parte dela e agora realmente eram.

•••


Quando estacionou em frente ao quartel 51, Amanda não conseguiu conter um sorriso. Não sabia explicar como se sentia, era confuso e empolgante ao mesmo tempo. Haviam dúvidas e questionamentos que ela não queria procurar por respostas. E haviam respostas que ela não podia demonstrar que tinha. Teria que apenas continuar vivendo, sendo a Amanda de sempre e que todos ali conheciam.
Depois de respirar fundo mais algumas vezes, saiu do carro e entrou no lugar, encontrando Kelly Severide na mesa do Esquadrão junto dos outros bombeiros de sua equipe.
— Muito bom dia, tenente! — Cumprimentou animadamente, chamando a atenção do homem, ao passar por ele, que olhou no relógio de pulso antes de responder.
— Quase boa tarde, você quer dizer? — arqueou a sobrancelha.
— Ainda é dia, porque não anoiteceu — deu de ombros antes de passar pela porta, só olhando para o amigo a tempo de ver seu sorriso, que apenas a fez sorrir ainda mais.
Ao entrar na sala comunal do quartel, encontrou Mouch sentado no sofá em seu lugar de sempre, Herrmann na poltrona ao lado, Otis e Cruz na mesa redonda logo atrás, enquanto Casey voltava da sala do chefe Boden e Shay tentava roubar algo do almoço que era preparado por Peter Mills.
Via aquele mesmo cenário quase todo dia, se tornou algo comum para ela, mas naquela manhã, era um pouco mais especial ver cada um deles sendo… Eles.
— Esperando ser convidada a entrar? — Gabby Dawson apareceu na porta, ao lado de Amanda e a cutucou, dando um leve sorriso, só então todos percebendo a presença da garota.
— Só tava pensando — deu de ombros e se encaminhou para a cozinha, para ajudar Mills, logo empurrando Shay para fora do local.
— Você está melhor? — Casey perguntou ao se sentar na ponta da mesa comprida perto da parede.
— Sim, foi só uma queda de pressão mesmo — sorriu para ele, em agradecimento pela preocupação.
— Você parece bem mesmo — Leslie Shay comentou, com um sorriso malicioso, o qual foi acompanhado por Gabby quando a loira sentou ao seu lado na mesa.
— Gente, o Piquenique de Chicago está chegando — Otis comentou, olhando para a tela do notebook.
— O que é o Piquenique de Chicago? — Amanda perguntou franzindo o cenho antes de experimentar o molho que Mills preparava.
— Um evento para arrecadação de fundos para a preservação das áreas públicas de Chicago — a garota arregalou os olhos ao ouvir a explicação de Joe Cruz.
— Parece algo grande — ela comentou e ouviu Otis falando sobre as informações do evento, como dia e horário, logo lhe dizendo animado tudo que acontecia.
Parecia divertido e Amanda se animou em ir também.
Viatura 81, ambulância 61, homem ferido em…
— Você consegue terminar? — Peter Mills perguntou para Amanda antes de sair junto com os outros.
— Sim, claro, vai lá salvar Chicago — piscou para ele ao lhe dar um tapinha no braço.
Amanda observou eles passarem pela porta dupla com um sorriso orgulhoso. Então voltou às panelas, antes que deixasse algo queimar por distração.
— Hey, garota — ouviu a voz de Kelly Severide e levantou o olhar para ele.
— Hey, garoto — o imitou, com um sorriso divertido e voltou a olhar para a panela quando ele se aproximou e encostou na bancada.
— Você parece feliz — Amanda arqueou a sobrancelha — mais que de costume, tá parecendo uma criança entrando na Disneylândia. — A comparação, exatamente como ela se sentiu mais cedo, fez a garota rir.
— Não é nada, só acordei feliz — deu de ombros e olhou para ele depois de desligar o fogo, percebendo que apenas assentiu, aceitando a explicação como sendo o suficiente. — Kelly, você é muito importante pra mim, muito mesmo, okay? — Sentiu que precisava dizer aquilo, sem um motivo específico, apenas precisava.
— Por que tá dizendo isso, do nada? — Franziu o cenho.
— Só aceita minha declaração, cara — jogou um pano de prato dele, o fazendo rir.
— Você também é importante pra mim, coisa chata — jogou o pano nela de volta. Então ficaram em silêncio por alguns minutos, enquanto Amanda terminava o molho do macarrão. — Lembrou de mais alguma coisa depois da explosão? — A pergunta fez Amanda pensar, mas antes que demonstrasse a hesitação, respondeu.
— Não exatamente, só alguns flashes que não dizem nada… — por um lado, se deu conta, era verdade.
Ficou num mix tão doido de emoções na noite anterior, que não se deu conta de que as memórias sobre sua vida não vieram.
Continuava sem saber muito sobre ela mesma, seria aquilo uma indicação de que as memórias sobre o universo de One Chicago, não eram reais?



O pessoal do esquadrão de resgate estava começando a se servir do almoço assim que Amanda terminou de preparar tudo, quando a viatura e a ambulância chegaram no quartel.
— Nossa, vocês demoraram, chamado difícil? — Amanda perguntou se aproximando da mesa com um prato de comida em mãos.
— Um idiota decidiu que era uma ótima ideia brincar com fogos de artifício — Shay revirou os olhos ao responder e se encaminhou ao balcão para se servir.
— Mais idiota é o pai desses moleques que não supervisionam com que eles estão mexendo — Herrmann resmungou, fazendo Amanda segurar a risada com a indignação característica do homem, sempre que envolvia adolescentes.
Enquanto comia, Amanda pensava no quão engraçado era aquilo, o fato de que agora sentia que os conhecia há anos – o que não deixava de ser verdade. Além da convivência de pouco mais de seis meses, havia uma sensação diferente de familiaridade.
Esperava muito que não estivesse ficando louca, porque estava tudo tão claro em sua mente. Por mais que ainda fosse muito confuso não lembrar sobre sua própria vida, por um lado era uma benção. Não queria que algo de sua vida a impedisse de viver aquilo… talvez, lembrar quem ela era a levasse embora. E tudo o que menos queria era perder tudo aquilo. Perder sua família.
— Terra chamando Amanda — Gabby estalou os dedos na frente do rosto da garota, a fazendo despertar de seus pensamentos.
— Oi, foi mal, disse alguma coisa? — viu a amiga arquear a sobrancelha e rir em seguida.
— Porque está toda esquisita hoje?
— Não tô esquisita — fez uma careta.
— Estávamos falando sobre as provas do Piquenique — Cruz comentou ao se levantar. — Tem as em equipe, em dupla e individuais.
— Que legal! E quais são? — Amanda se empolgou e voltou-se para Otis que estava com o notebook aberto da página de inscrições.
— O clássico cabo de guerra, claro — Otis respondeu olhando para a tela e continuou lendo — em dupla, esse ano, teremos corrida de ovo na colher, cobra cega e corrida de revezamento.
— Não sou a pessoa mais atlética do mundo, para a corrida, mas com certeza a corrida de ovo na colher seria divertido. — Abriu um largo sorriso.
— Bom, se quer arriscar é escolha sua, eu e a Shay somos invictas — Gabby mencionou com um sorriso convencido e fez um hi-5 com a loira, por cima da cabeça de Amanda que estava sentada entre as duas.
— Essas duas competindo ficam loucas, eu nem me atreveria — Matt Casey cobriu a boca com a mão, como se contasse um segredo para Amanda. Rindo logo em seguida, quando recebeu um tapa de Gabby, no braço.
— Eu também sou muito competitiva… — Amanda empinou o nariz — e sabe quem também é? — arqueou a sobrancelha para Gabby.
— Você não se atreveria a fazer dupla com ele.
— Acho que teremos uma disputa em família, meus amigos — Amanda sorriu abertamente, provocando Gabby e então piscou para ela.
— Espero que não acabe em morte — Otis comentou entredentes, para Leslie Shay sentada à sua frente na mesa.

•••


Depois de mandar mensagem para Antônio e ele informar que estava na academia de boxe, Amanda abriu um sorriso. Tinha uma lembrança do lugar, imaginou se seria como ela tinha em sua mente.
E era.
Ao entrar na academia, já ouvindo de longe os sons de socos e vozes, teve flashes de lembrança do ambiente, mesmo que nunca tivesse estado ali pessoalmente.
— Olha só quem está por aqui! — Ruzek abriu os braços para cumprimentar a amiga, fazendo Antônio também olhar em sua direção por um segundo, em cima do ringue.
— Muito boa tarde, senhores — Amanda abriu um largo sorriso e abraçou Adam.
— Veio iniciar suas aulas de boxe? — A pergunta do loiro com o braço sobre seus ombros, a fez olhar para o ringue, observando os movimentos ágeis de Antônio enquanto treinava alguns golpes com um outro homem.
— Quem sabe… — deu de ombros com um sorriso de canto, não seria mesmo uma ideia ruim.
— Mia tinha começado a treinar aqui, vocês poderiam treinar juntas. — Os dois encostaram perto do ringue, lado a lado, assistindo ao treino.
— Falando nela, vi como estavam no Molly's na noite do karaokê. — Amanda o cutucou com o cotovelo, um sorriso maroto nos lábios.
— Foi bom nos acertarmos — ele respondeu como se não fosse nada demais, mas o brilho nos olhos castanhos poderiam iluminar aquela academia inteira.
— Sabia que ia dar tudo certo — a morena comentou com um sorriso enorme. — No final sempre dá tudo certo. — Ruzek apenas assentiu, como se toda a história dele com a namorada passasse por sua mente em poucos minutos.
— Terei mais uma aluna, então? — Antônio se aproximou tirando as luvas.
— Pode ser bem útil aprender dar uns socos, caso um dia você me faça raiva — o comentário fez Antônio arquear a sobrancelha antes de apoiar a destra na cintura dela para lhe roubar um selinho.
— Eu super apoio isso — Ruzek ressaltou, levantando o indicador.
— Ruzek, vamos? — o detetive Alvin Olinsky apareceu na entrada da academia e cumprimentou Amanda com um aceno de cabeça, segurando a ponta da boina que cobria sua careca.
— Fica tranquilo, okay? — o oficial deu um tapinha no ombro de Antônio antes de sair na direção do que o esperava.
— Ficar tranquilo com o quê? — Amanda franziu a testa quando ficou sozinha com Antônio.
— Problemas com o Voight, por causa de um caso — ele respondeu demonstrando que só de pensar ficava irritado, jogou as luvas num balcão encostado na parede e pegou uma pequena toalha para limpar o suor.
— Pra relaxar, você precisa de uma corrida de ovo na colher — sugeriu animadamente e um largo sorriso nos lábios.
O homem apenas a olhou com a sobrancelha arqueada, controlando uma risada que logo saiu de seu controle. Achando a sugestão um tanto quanto inusitada.
— O piquenique de Chicago, no final de semana, e você vai comigo na corrida de ovo na colher — apontou para o moreno, que jogava a toalha no ombro ao se aproximar mais dela.
— Não podemos ir no beer pong? — perguntou com uma careta e Amanda inclinou a cabeça um pouco.
— A gente também vai nesse, mas inscrevi a gente como dupla na corrida de ovo — fez um bico que Antônio achou a coisa mais fofa do mundo e a puxou pela cintura, lhe oferecendo um sorriso de canto, maroto.
— Como é difícil dizer não pra essa minha namorada — o moreno reclamou em tom de brincadeira e a palavra fez Amanda paralisar um pouco, um sorriso bobo nos lábios acompanhando os olhos levemente arregalados.
— Namorada?
— A não ser que não queira… — disse baixo, olhando fixamente nos olhos de Amanda, com uma intensidade que poderia fazê-la flutuar.

"Amanda olhou para as mãos juntas sobre a mesa da sorveteria e então focou nos olhos azuis à sua frente. O rapaz loiro tinha um sorriso carinhoso e tomou mais do copo grande de milkshake.
— Você é o melhor amigo do mundo, Pe. — Amanda disse, limpando as lágrimas que tinham escorrido antes.
— Aquele babaca não merece essas lágrimas, e eu sempre vou estar do seu lado, nega. — Ele respondeu e Amanda sentiu o coração mais leve."

— Mandy? — A voz de Antônio dissipou a memória que invadia a mente da garota, a trazendo de volta a atenção.
— Desculpa, eu… — levou uma mão à testa, tentando acalmar o mal estar que a atingiu após o flash de memória.
— Você ficou com o olhar distante, igual antes de desmaiar aquele dia no Molly's. — Ele tinha o olhar preocupado e acariciou a cintura de Amanda, algo que ajudou a acalmar.
— Tive um… — cogitou não contar, mas não tinha porque esconder o flash que acabara de ter — flash de memória, confuso como sempre e que não diz nada importante.
No fundo, dizia sim, agora sabia quem era o Pedro que apareceu em outros flashes de memória. Um amigo, seu melhor amigo. Lembrar dele, com um pouco mais de clareza, lhe transmitiu paz, assim como podia ver que se sentiu ao estar com ele na sorveteria.
— Você tem tido outros flashes? — Olhou para Antônio por alguns segundos antes de responder.
O que poderia acontecer se ela dissesse tudo a ele? Contasse toda a verdade? Não era uma boa ideia, não sabia o que estava envolvido em sua ida para Chicago, poderia causar algo ruim. Não gostava de saber que escondia algo dele, mas o estava protegendo.
— Alguns. Lugares, nomes que não têm qualquer significado, cenas confusas. — deu de ombros e o abraçou em seguida, deitando a cabeça em seu ombro. — Até quando minha cabeça vai ser essa bagunça? — Perguntou de forma retórica, até Antônio apertar mais o corpo dela no dele.
— Queria saber te responder isso. — Ele disse com a voz calma e beijou sua cabeça — Mas estou do seu lado e não pretendo sair. — A afirmação fez a garota sorrir e levantar a cabeça para olhá-lo.
Então o beijou carinhosamente, como resposta ao que ouviu dele, o qual foi logo correspondido enquanto as mãos na cintura de Amanda, a pressionaram um pouco mais. Ter Antônio ao seu lado a fazia acreditar que poderia passar por tudo aquilo. Ele lhe passava segurança, sabia que não estava sozinha, nunca estaria. Mesmo vivendo algo totalmente novo, em um mundo que ela só conhecia através da tela fria da televisão.
— Preciso ir na delegacia mais tarde, mas ainda tenho tempo, quer ir comigo lá pra casa? — ele perguntou quando partiram o beijo e selou os lábios de Amanda ao perguntar.
— Você me deixa no Molly's depois? — ele assentiu.
— Não veio de carro? — Antônio perguntou enquanto pegou as coisas que estavam num canto da academia.
— Quis caminhar um pouco — a morena deu de ombros, colocando as mãos nos bolsos da blusa.
— Vou só fechar a sala do fundo e já vamos — Avisou ao correr e sumir de vista, dando a volta no ringue.
Amanda ficou ali, com sua mente que insistia em permanecer turbulenta. Será que Pedro e outras pessoas de sua vida sentiam sua falta? Será que recebia todo amor e carinho que recebia ali em Chicago? E se tivesse ido para aquela realidade, porque sua vida não era boa…? Sentiu o peito apertar. Faria sentido o medo das lembranças, se fosse aquilo.
Respirou fundo quando ouviu Antônio se aproximar novamente. Não queria mais uma vida real… Aquela realidade lhe bastava. Até porque, era ali que estava e não via indícios de que não era permanente.

•••


— E aí, preparada para perder amanhã? — Shay perguntou ao batucar no balcão do bar algumas vezes, antes de se sentar.
— Pois saiba que eu e o Antônio estamos mais que prontos para acabar com você e a Gabby! — Amanda empinou o nariz e viu pelo canto dos olhos que Otis e Herrmann cochichavam. — Vocês não estão fazendo um bolão contra mim, né? — a morena colocou as mãos na cintura e Shay segurou a risada.
— Claro que não. Nunca faríamos isso. — Herrmann balançou a mão uma vez e se virou, deixando Amanda com a pulga atrás da orelha.
— Nem olha pra mim. — Otis se virou também quando Amanda arqueou a sobrancelha na direção dele.
— Aposto 50 na Shay com a Gabby. — Herrmann cochichou rápido para Otis, lhe dando um tapinha no peito antes de seguir para o estoque do bar.
— Pessoal, quero fazer um comunicado — Joe Cruz se aproximou do balcão, chamando a atenção de todos do quartel 51 que estavam em volta.
Ele tinha um sorriso ansioso nos lábios e ao respirar fundo, trocou um olhar cúmplice com Kelly Severide, que estava em pé ali perto. Amanda focou no homem, esperando pelo anúncio.
— Eu fui aceito na prova para o Esquadrão — ele abriu os braços e soltou o ar, com um sorriso enorme demonstrando o quão feliz estava.
— Sabia que ia conseguir, Cruz — o tenente Severide se aproximou com um sorriso orgulhoso e abraçou o amigo, poucos centímetros mais alto que ele.
— Obrigado, tenente — agradeceu ao separar o abraço e recebeu os parabéns dos outros amigos, inclusive se Amanda, que o abraçou por cima do balcão.
— Não sabia que ia fazer a prova. — Otis franziu o cenho quando Cruz se aproximou dele.
Amanda observou a cena de onde estava e sorriu de canto. Se lembrava daquele acontecimento, lembrava de Cruz indo para o Esquadrão 3, por mais que tenha acontecido de forma totalmente diferente. Mas Otis estava um pouco incomodado por não ter sido informado pelo amigo antes, assim como ela se lembrava. Aquilo fez Amanda pensar se tudo aconteceria, mesmo que de outra forma. Tudo…
— Mandy, me vê mais duas cervejas? — Amanda olhou para Shay quando a ouviu e no mesmo instante sentiu vontade de chorar, mas não demonstrou, apenas assentiu e pegou duas garrafinhas — minha acompanhante acaba de chegar — a loira deu uma piscada para a amiga, com um sorriso malicioso.
— Bom encontro e juízo — Amanda riu, impressionada com a facilidade em esconder o sentimento ruim que teve segundos antes.
Observou Shay se aproximar de uma morena de cabelos na altura dos ombros e as duas se sentaram numa mesa quando a loira entregou uma das garrafinhas à acompanhante.
Se pudesse, colocaria a amiga dentro de um potinho, para que não houvesse riscos de algo acontecer. Mas ainda havia a chance de que os eventos da série não acontecessem, Amanda se agarraria àquilo. Até porque se as coisas seguissem a ordem que conhecia e se lembrava, Cruz iria para o Esquadrão bem depois daquilo acontecer com Shay.
Balançou a cabeça, afastando o pensamento. Aquilo não iria acontecer.
— Quase consigo ver as engrenagens do seu cérebro trabalhando. — A voz de Casey a fez rir e ele se sentou em um dos bancos do bar, ainda na metade da cerveja que estava bebendo.
— Estava pensando em como poderei esfregar na cara do Otis e Hermmann, quando ganhar da Shay e da Gabby amanhã. — Deu de ombros e viu o homem loiro rir, formando pequenas ruguinhas abaixo de seus olhos azuis.
— Está confiante! — ele arqueou um pouco as sobrancelhas e deu um gole na cerveja.
— Você também não acredita que vou ganhar, né? — Amanda apoiou as mãos no balcão.
— Acredito sim! Aliás, apostei em você no bolão — comentou com o olhar sincero.
— Sabia que tinha um bolão. — Deu um tapinha no balcão ao olhar para trás bem quando Otis passou.
— Teve um ano que cheguei bem perto de ganhar delas, mas eu e minha dupla tínhamos uma péssima sintonia — a garota riu um pouco junto com ele. — Esse piquenique sempre rende boas histórias, aliás…
E uma animada conversa sobre os micos e tretas do Piquenique de Chicago, se seguiu. Amanda e Casey riram muito, aproveitando que o movimento do bar não estava dos grandes naquela noite. Em alguns momentos, a conversa tendo a participação de Cruz ou Mouch, que se sentaram nos bancos próximos. Passaram a noite ali, até o Molly's fechar, dividindo histórias que faziam Amanda se sentir cada vez mais próxima a cada um deles.



Ao chegar no Piquenique, que acontecia num grande parque de Chicago, Amanda viu que já havia muito movimento. Empresas tinham estandes montados em vários pontos, crianças corriam pelo gramado e ocupavam as filas de algodão doce e pipoca. Era um evento para toda a família, com brincadeiras e atividades para adultos e crianças. No palco, em uma ponta do parque, havia uma banda tocando.
Não demorou muito para a garota encontrar os amigos. Kelly Severide estava próximo de uma churrasqueira, ajudando com as carnes e petiscos para quem se aproximava.
— Não sabia que ia trabalhar no evento, tenente — Amanda comentou com um sorriso, chegando mais perto do homem.
— É uma boa desculpa para não ser arrastado para os jogos em equipe — deu de ombros e virou um hambúrguer na grelha.
— Depois diz que não é um velho rabugento. — Ela rolou os olhos balançando a cabeça, fazendo o amigo rir.
— Experimenta — Kelly cortou um pequeno pedaço de carne e espetou num garfo, para estender em seguida.
Amanda o mordeu com cuidado, visto estar quente e depois de soprar algumas vezes e fazer uma careta para mastigar, fez um jóia.
— Está ótimo! Você leva jeito mesmo para ficar na churrasqueira — deu um tapinha de leve no braço dele.
— Cadê seu detetive? — Kelly deu uma olhada rápida em volta, depois focou em Amanda, antes de olhar para baixo novamente, atento à carne.
— Vai chegar daqui a pouco, disse que tinha trabalho no distrito.
— Mandy! — uma voz empolgada no meio das pessoas, fez Amanda se virar e logo encontrar Lexi com um sorriso empolgado nos lábios. — Oi tenente Casey. — Amanda arqueou a sobrancelha para a garota e Kelly apenas sorriu.
— Poxa, sou muito mais bonito que o Casey vai, não dá pra confundir — ele brincou e Lexi fez uma careta apertando os olhos, percebendo que confundiu os nomes, como sempre. — Severide. — Ele completou e ela apontou para o homem e piscou, soltando uma leve risada.
— Sempre confundo os nomes do pessoal, ainda bem que não ligam — deu de ombros, recebendo um sorriso de Amanda como resposta.
Ficava feliz de saber que todos a faziam se sentir bem a vontade e não sem graça. Mas aquilo era mesmo de se esperar, sabendo quem eram… Nunca que deixariam alguém deslocado ou desconfortável com eles.
— Cadê sua irmã? — Amanda perguntou quando Lexi enlaçou o braço no dela, para andarem pelo lugar.
— Vem mais tarde com o Adam.
Amanda apenas assentiu em resposta e logo encontraram com Otis, Cruz, Shay e Gabby perto do palco, bebendo e conversando sobre a música que a banda tinha acabado de tocar.
— Mas é óbvio que todo bom filme tem uma boa trilha sonora, faz parte do conjunto. — Otis afirmou para Cruz.
— Eu concordo totalmente — Lexi sorriu e o bombeiro acabou sorrindo também, de pura satisfação.
Não demorou para a conversa animada ficar concentrada nos dois, enquanto o restante do grupo observava, até decidirem ir pegar algo para comer.
— Os dois combinam, né? — Shay comentou ao se afastarem.
— Sim… — Amanda sorriu ao olhar para trás, Lexi e Otis conversando animadamente depois de deixados sozinhos. — Mas você sossega e deixa eles, nada de dar uma de cupido de novo. — a morena advertiu e Joe Cruz arqueou uma sobrancelha ao olhar para as duas procurando uma explicação.
— Mas deu certo com você a minha ajudinha e do Ruzek. — Amanda rolou os olhos e empurrou a amiga de leve.
— Essa doida, se juntou com o oficial Ruzek e com o Kelly, pra arranjar uma noite de petiscos fake, só pra abandonar eu e o Antônio sozinhos no apartamento. — Explicou para Cruz que não segurou a risada com a história resumida que ele ainda não tinha conhecimento - o que era raro, considerando que segredos não combinavam com os bombeiros do 51.
— Cruz, a queda de braço começa em alguns minutos — Matt Casey apareceu, bebendo uma cerveja e Joe Cruz agradeceu o aviso, logo se afastando.
— Eu vou pegar um cachorro quente, alguém quer? — Shay comentou e recebeu uma negação de Amanda e Casey.
Ao ficarem sozinhos, a morena pegou a cerveja da mão de Casey e deu um gole. Atitude que o fez sorrir para ela e colocar uma mão no bolso. O silêncio entre os dois não era desconfortável, observando a movimentação no parque. Ela devolveu a cerveja depois de dar um segundo gole e acabou o observando virar a garrafa para finalizar a bebida.
Agora fazia total sentido ter se sentido tão à vontade e segura com o tenente, assim que se conheceram no hospital. Matt Casey sempre foi sinônimo de calmaria para ela, de conforto, e apesar de não lembrar tantos detalhes sobre sua vida, lembrava perfeitamente do carinho instantâneo por ele. Não sabia o que a vida queria lhe ensinar ao fazê-la ter aquela experiência, mas chegava a ser cômico saber que ele estava ali, bem ao seu lado, que tinha acabado de dividir uma cerveja com ele. Aquela sensação boba de alegria passaria um dia?
— O que foi? — Se deu conta que ainda o encarava quando ouviu a pergunta e viu Casey com a testa franzida e um sorriso confuso nos lábios.
— Nada demais, tenente — ouviram alguns gritos animados e olharam na direção, estava começando a competição de braço de ferro — vamos assistir o Cruz? A corrida de ovo é logo depois.
— Claro, vamos lá — ele indicou com a mão que Amanda fosse na frente.
No caminho, jogou a garrafa vazia num latão de lixo e continuou seguindo Amanda, até pararem próximo aos que assistiam a competição.
Poucos minutos depois que começou, Amanda olhou em volta uma vez, achando estranho Antônio ainda não ter chegado. Encontrou Adam e Mia chegando de mãos dadas, com Jay Halstead e Erin Lindsey logo ao lado. E nada do namorado.
— Procurando alguém? — Casey perguntou ao perceber a angústia de Amanda.
— O Antônio — respondeu simplesmente, olhando para um carro muito parecido com o do homem, estacionando. Mas quem desceu foi uma mulher com duas crianças. — Ele disse que viria e o pessoal do Distrito já chegou.
Casey também olhou em volta uma vez, confirmando que alguns do distrito 21 realmente já tinham chegado. Então se voltou para Amanda novamente.
— Já tentou ligar pra ele?
— Sim… — suspirou — mas chamou até cair. — Casey apenas assentiu e colocou as mãos nos bolsos.
— Ele vai chegar, deve estar enrolado com o trabalho. — Ao ouvir o amigo, deu um leve sorriso, voltando a prestar atenção na competição, que Cruz tinha se classificado na primeira rodada.

Quando a competição chegou ao fim, poucos minutos depois, foi informado de cima do palco, que as duplas da corrida de ovo na colher deviam tomar seus lugares.
Joe Cruz se aproximou com um largo sorriso nos lábios, depois de ganhar a queda de braço. Amanda o parabenizou com um abraço rápido e olhou em volta assim que o amigo se afastou. O olhar desanimado por não encontrar Antônio, tomou o rosto da garota, que cruzou os braços.
— Posso ir com você, se quiser… — Casey disse com a voz suave, colocando a mão no ombro de Amanda, a fazendo se virar para ele.
Demorou alguns segundos para responder algo, olhou em volta mais uma vez, confirmando que não havia nem sinal de Antônio.
— Vamos! — Abriu um sorriso e tocaram as mãos em um hi-5 animado.
Seguiram até a área da brincadeira, onde as outras duplas tomavam seus lugares. Ao parar do lado de Leslie Shay, ela arqueou a sobrancelha para Casey e voltou-se para Amanda do outro lado, perto de Gabby.
— Cadê o Antônio? — Gabby questionou confusa.
— Ele não chegou — Amanda deu de ombros, com um sorriso de canto, uma ponta de desânimo aparente.
— Pelo menos, nossas chances aumentam — Amanda rolou os olhos ao ouvir Gabby e as duas riram.
Todos do quartel 51 ocuparam aos arredores da pista de "corrida". Assim como Ruzek, Mia, Lexi, Jay e Will Halstead, atentos para ver o resultado. Principalmente porque todos ali entraram no bolão que Otis organizou com Herrmann.
— VAI, AMANDA! — Herrmann gritou e todos bateram palmas, gritando também.
A brincadeira se iniciou, Amanda levava o ovo na colher com um equilíbrio invejável, o ovo mal se mexia. Gabby Dawson logo ao lado, caminhava a passos rápidos, bem acirrado com Amanda. Mas a parte mais difícil não era o caminho e sim conseguir passar o ovo para a colher do parceiro.
Ao se aproximar de Casey, que já tinha a colher na boca, pronta para pegar o ovo, Amanda trocou um olhar rápido com o homem e ele abaixou um pouco o corpo. Ficando numa posição melhor para que Amanda passasse o ovo para a colher dele, fizeram a troca em segundos, deixando todas as outras duplas para trás. Logo Matt Casey estava na pista, equilibrando perfeitamente o ovo até o outro lado. Finalizando a prova primeiro que todas as outras duplas, o juiz soou um apito, avisando que tinham uma dupla vencedora.
Amanda levantou os braços e vibrou ao correr de encontro com Matt Casey, e se abraçaram no meio da pista. O homem a girou no ar, sorrindo abertamente, conforme ouviam os bombeiros do quartel vibrando junto - talvez não tão animados, porque muitos perderam o bolão.
— Só pra você saber, apostei em você no bolão — Casey confessou no ouvido da garota, ao colocá-la no chão. Os dois se olharam por alguns segundos, e ela abriu um sorriso empolgado, que fez Casey sorrir também.
— Formamos uma ótima equipe, tenente — Amanda deu um soquinho de leve no ombro dele e o viu assentir ao mesmo tempo que os outros se aproximaram.
— Eu sei perder, vai… Vocês foram ótimos — Shay levantou as mãos, se rendendo. Então puxou Amanda para um abraço de lado, por passar o braço sobre seus ombros.
Todos ao redor dispersaram para outros pontos do parque e foi nesse momento que Amanda viu Antônio se aproximando com as mãos nos bolsos da calça jeans escura.
Ela pediu licença aos amigos e foi até o namorado a passos largos, enquanto Casey a observou se distanciar. O loiro ficou com os olhos pregados em Amanda, até ela passar os braços no pescoço de Antônio e lhe dar um selinho demorado.
— Me desculpa não ter vindo mais cedo, fiquei preso no distrito, com o Voight — Antônio colocou a mão no rosto da garota e brincou rapidamente com um cacho. — Mas você encontrou uma boa dupla, pelo jeito. — Indicou Casey com a cabeça, mostrando que tinha chegado a tempo de ver Amanda e o tenente em dupla na corrida de ovo.
— Nós ganhamos! — Ela abriu um largo sorriso e o homem apenas assentiu.
— Eu vi a comemoração — voltou a olhar por cima do ombro de Amanda, na direção de Casey e os outros bombeiros, que conversavam animadamente — o abraço, os sorrisos… — completou, fazendo Amanda franzir o cenho.
— Não me diga que está com ciúme do Casey — Lembrou de quando, semanas antes, Antônio comentou que achava que o tenente estava gostando dela.
— Não é ciúme, confio em você, sei que não estaria comigo se correspondesse a ele — as palavras de Antônio fez Amanda sorrir, sentindo o coração dar uma pequena pirueta — mas o jeito que ele te olha… — deu de ombros e coçou a testa de leve ao franzi-la.
— O que importa é que só tenho olhos para um certo detetive — ela lhe deu um selinho demorado, o fazendo sorrir quando afastaram os lábios.
— Amo muito você — o indicador tocou o queixo dela e Amanda sentiu um arrepio percorrer sua espinha, aquelas palavras adquiriram o dobro do peso normal. Era como se estivesse dentro de um sonho.
— Arrumem um quarto, por favor! — Nem mesmo precisava se virar para saber quem se aproximava, conheceria a voz de Adam Ruzek há quilômetros de distância.
— Falou o bobo apaixonado — Amanda implicou ao se virar e vê-lo se aproximar de mãos dadas com Mia, fazendo a ruiva rir.
— Oi, Amanda… Acho que nunca nos apresentamos apropriadamente — as duas se abraçaram brevemente.
— Esses dois são péssimos namorados, não queriam que nos conhecêssemos. — A morena comentou e receberam como resposta as sobrancelhas arqueadas dos dois, o que fez as duas garotas rirem um pouco mais. Sentiam que dali nasceria uma ótima amizade.
— A gente vai no beer pong e precisamos de mais duas pessoas. — Ruzek comentou.
— Vamos! — Amanda respondeu pelos dois e Antônio assentiu em resposta.
As duas garotas foram alguns passos à frente, entrando numa conversa animada depois que Amanda elogiou a camiseta do Bon Jovi que a ruiva usava e disse também gostar muito da banda.



— Sua mira é péssima, Adam! — Mia dizia em meio a risadas, conforme se afastavam da área do beer pong, depois de perderem feio.
— Como pode você ser policial? — Amanda brincou, fazendo Mia rir ainda mais.
— Eu não trabalho atirando bolinhas de ping pong! — O oficial tentou se defender, respondendo com tom de obviedade.
— Que argumento sem sentido, amor — Mia fez uma careta, rindo. Ruzek apenas deu de ombros, não tinha argumento melhor.
— Vish, o Voight Jr. veio. — Antônio comentou olhando para frente, fazendo os outros três olharem na mesma direção.
— Ele é o filho do Voight? — Amanda perguntou observando o rapaz moreno se aproximando de um grupo e os cumprimentando.
— Sim… Justin. — Ruzek respondeu e Amanda apenas assentiu.
— Espero que ele não dê problemas. — Amanda arqueou a sobrancelha para o namorado, ao ouvir o comentário aparecendo receoso — Diz a Lindsay que ele mudou e está tentando mudar de vida, mas sempre foi problema. — Explicou desviando a atenção do rapaz alguns metros longe, para olhar a garota ao seu lado.
— Só sei que estou morrendo de fome e vi o Severide na churrasqueira mais cedo — Mia comentou levando a mão à barriga — vocês querem?
— Eu super aceito — Amanda se adiantou, sentindo o estômago reclamar.
— Vão lá, a gente já vai também. — Adam Ruzek respondeu e Antônio apenas assentiu, concordando.
As duas seguiram lado a lado em direção ao local onde Kelly Severide estava com a churrasqueira, o cheiro agradável de carne ficando mais forte a cada passo.
Passaram perto do grupo de Justin Voight no momento em que Amanda deu risada com um comentário de Mia. O som chamou atenção de Justin, que olhou para trás brevemente, acompanhando as duas com o olhar confuso, enquanto Amanda gesticulava com as mãos, falando algo que ele não conseguia ouvir. O jeito que ela falava animada e ria como se uma alegria genuína tomasse conta dela, o fez ficar vidrado até um amigo chamar sua atenção. Não foi desejo ou atração, apenas curiosidade.
— Aqui que tem a melhor carne de Chicago? — Mia perguntou ao dar a volta da grande mesa ao lado da churrasqueira, parando ao lado de Severide para olhar a carne na grelha.
— Com certeza, senhorita — ele sorriu e piscou para ela. — Vocês conseguem ficar aqui pra mim rapidinho? Preciso dar uma mijada.
— Nossa, intimidade é mesmo uma merda, né? — Amanda fez uma careta pela forma que o amigo falou e deu a volta na churrasqueira — vai lá — deu dois tapinhas no braço do amigo e ele lhe deu um beijo na testa depois de rir com o comentário, para então se afastar.
— Muito bonita a amizade de vocês — Mia comentou assim que ficaram sozinhas e Amanda olhava para as carnes, com medo de tirar os olhos e elas virarem carvão instantâneamente.
— Ele se tornou como um irmão pra mim, mesmo que no começo achasse que eu era uma bandida. — Deu de ombros, com um sorriso divertido nos lábios, Mia assentiu com um sorriso e encostou na mesa de madeira onde estavam alguns pratos descartáveis, espátulas, facas e garfos.
— Sei bem como é… O pessoal do distrito não eram meus maiores fãs também, no começo — Amanda olhou para ela rapidamente, assentindo. — Suas memórias já voltaram? — A pergunta fez a morena franzir o cenho ao tirar os olhos da carne e encarar Mia.
— O Adam te contou? — a ruiva apenas assentiu em resposta.
De repente Amanda viu um brilho intenso tomar os olhos verdes de Mia, uma turbulência, como se um milhão de coisas passassem por sua mente e os olhos transpareciam. Ao mesmo tempo que parecia ser algo quase hipnotizante, como se ela pudesse ver Amanda por dentro, cada memória que só ela sabia ter, cada resposta que ela não podia dar a ninguém. Era como se Mia quisesse lhe dizer algo ou fazê-la confessar, aquilo lhe causou uma sensação estranha, mas só podia ser impressão.
— Não voltaram — Amanda olhou para as carnes novamente e suspirou — apenas tenho flashes confusos e… — olhou novamente para Mia, o brilho de seus olhos causando na morena um ímpeto de contar sobre os flashes, Pedro, ser paramédica, talvez sobre as séries…
— O que temos de carne por aqui, meninas? — A pergunta cortou os pensamentos de Amanda e a probabilidade de desabafar com Mia.
Ao olhar para o homem que fez a pergunta, encontrou Justin Voight, com um sorriso largo nos lábios, simpático.
— Oi… — Amanda sorriu — Justin, né?
— Me senti um famoso, sendo reconhecido assim… — arqueou a sobrancelha ao colocar as mãos nos bolsos e o sorriso se alargar, ele parecia preso nos olhos de Amanda e ela percebeu.
— Meu namorado me disse quem você é, na verdade. — Amanda entortou um pouco a boca e deu de ombros — conheço seu pai, o sargento Voight.
— Ah, claro — ele assentiu e pressionou os lábios em uma linha fina, mas não parecia decepcionado por saber que ela namorava. Ele a encarava como se tentasse lembrar de algo.
— Vai querer a carne, Justin? — Mia decidiu quebrar o silêncio, ficando impaciente.
— Sim, quero aquele pedaço… — ele pegou um prato descartável na mesa, como se despertasse de algo e Amanda o pegou para ele. — Você não é daqui, né? De Chicago. — Perguntou para Amanda.
— Não, sou bras…
— Brasileira. Claro. — Completou a palavra antes que ela terminasse, fazendo Amanda arquear a sobrancelha — seu sotaque e jeito, me lembra muito uma pessoa. Alguém especial que eu conheci. — Aquelas palavras lembravam muito as que Hank Voight usou, ao dizer que ela lembrava muito a menina do caso de oito anos antes… Ana.
Pensou em perguntar algo, para saber se ele estava falando dela. Mas a conversa foi interrompida por um homem chegando num rompante, virando Justin pelo ombro para então soca-lo. Justin tombou sobre a mesa atrás de si, onde estavam as coisas do churrasco e Amanda junto de Mia pularam para trás em um grito assustado.
A confusão que se iniciou chamou atenção e algumas pessoas se aproximaram na intenção de apartar os dois e tirar o agressor do evento. Mas antes que fosse contido por alguém, sacou uma arma e apontou para Justin, que levantou as mãos, se rendendo, os olhos assustados e confusos.
— Cara, fica calmo, você não quer fazer isso — Amanda disse, dando um passo à frente, sem ao menos saber de onde vinha aquela coragem. Mia tentou segurar a morena pelo braço, mas ela já estava dando a volta na mesa lentamente — olha o tanto de gente que tem aqui, quantas testemunhas. — Ela mantinha a voz calma, as mãos espalmadas na frente.
— Cala a boca, garota! — O homem armado gritou, agora apontando a arma para ela.
Pelo canto dos olhos, Amanda viu Kelly Severide se aproximar por entre a multidão que cercava o lugar a certa distância.
— Cara, tem um monte de policial aqui, você escolheu um péssimo lugar para um acerto de contas. — O homem arqueou a sobrancelha e nesse momento, Antônio apareceu apontando uma arma para ele.
— Abaixa a arma! — O detetive ordenou, mas o outro não deixou de apontar a arma para Amanda, mesmo olhando para Antônio.
— Pra você atirar em mim? Acha que sou idiota? — Amanda deu um passo para o lado, na intenção de sair da mira. — Você, fica quieta mulher maravilha!
— Não vou atirar em você, mas preciso que abaixe a arma! — a essa altura, as pessoas que estavam em volta, já haviam se afastado, mas ainda todos em alerta, para ver o desfecho da situação tensa.
Enquanto Antônio falou e o homem voltou-se para ele novamente, Kelly Severide aproveitou que estava em seu ponto cego e se aproximou rápido o suficiente para pular em suas costas, o derrubando. Ele ainda deu um tiro para o alto, que acertou numa árvore, mas a arma caiu de sua mão quando foi ao chão. Antônio se adiantou rápido e imobilizou o homem, ouvindo o detetive Jay Halstead se aproximar também, enquanto chamava uma viatura. Adam Ruzek correu até Mia. Severide recebeu um agradecimento de Antônio, com um aceno, antes dele se levantar do chão e ir até Amanda. O tenente abraçou a amiga, conferindo se ela estava bem e Amanda olhou para Antônio, que no chão ainda imobilizava o atirador por manter o joelho em suas costas, segurando suas mãos atrás das costas.
— Por que fez aquilo? Está querendo morrer? — Severide olhou para Amanda e os olhos dela marejaram por alguns segundos.
— Eu não sei o que deu em mim… eu só… — olhou para Justin, que soltou um gemido de dor. — Não queria que ele fosse morto. — Indicou com o queixo como se fosse explicação suficiente, fazendo Severide olhar para trás.
Justin passou os dedos pelo nariz, que podia sentir estar quebrado e depois de mais um gemido de dor, olhou para Amanda. Os dois se encararam por alguns segundos, os olhos de Justin transparecendo confusão, mas agradecimento ao mesmo tempo.
O momento foi interrompido pelas vozes dos policiais chegando para prenderem o atirador. Só então Amanda encontrando o olhar interrogativo de Antônio, que não se aproximou dela, mesmo depois de não precisar mais imobilizar o homem.



Will Halstead se aproximou de Justin, que se sentou em um banco próximo e deu uma olhada no nariz dele, confirmando que estava quebrado e era bom ele ir ao médico.
— Melhor eu ir então — ele se levantou e olhou na direção de Amanda, Mia e Ruzek, que ainda estavam perto da churrasqueira. Agradeceu a ajuda de Will e se aproximou deles — desculpa a confusão pessoal… — percebeu Ruzek olhar para ele sério, tensionando o maxilar — e Amanda, obrigado, não precisava ter feito aquilo.
— Sei que não, mas faria por qualquer outra pessoa. — Deu um leve sorriso de canto e viu o rapaz assentir e pressionar os lábios numa linha fina antes de dar um passo para trás.
— Vá ao distrito depois, vamos precisar do seu depoimento. — Adam Ruzek disse firme antes de Justin se afastar.
— Cadê o Antônio? — Amanda olhou em volta.
— Vi ele ir com os policiais até a viatura, junto com o Severide — Mia indicou com o queixo.
Amanda franziu o cenho ao ouvir a resposta, então olhou na direção da viatura que o policial já fechava a porta. Avistou Antônio e Kelly conversando e se adiantou em correr até eles, estranhando que Antônio nem mesmo tivesse ido falar com ela depois de toda a confusão.
Quando estava se aproximando, viu os dois homens se despedirem e Antônio se virou para seguir até o carro dele, estacionado do outro lado da rua. Então Amanda acelerou o passo e passou por Kelly correndo, a fim de alcançar Antônio.
— Antônio! — o chamou, fazendo com que parasse já do outro lado da rua, na frente do carro. — Estava indo embora? — Ela franziu o cenho quando ele se virou.
— Eu preciso ir trabalhar, Amanda. — Seu tom de voz frio fez ela hesitar.
— Por que está assim, o que foi que eu fiz? — Antônio a encarou por alguns segundos, como se não acreditasse na pergunta que acabara de ouvir, então soltou um riso baixo, nervoso.
— O que você fez? Você se colocou na frente da porcaria de uma arma! — Gesticulou com os braços, tentando controlar o tom de voz.
— Está com raiva porque tentei ajudar alguém? — perguntou indignada. Amanda estava confusa com a reação exagerada.
— Você poderia ter morrido! Será que não vê isso? — Amanda viu um medo nos olhos escuros do namorado que a fez vacilar e se sentir mal por aquilo — A gente se fala depois. — Então deu as costas e entrou no carro, arrancando dali em seguida.
Amanda ficou parada, enquanto o carro preto de Antônio se distanciava e sumia na curva metros à frente.
Então suspirou e atravessou a rua, voltando para o piquenique. Sentia-se irritada com a situação, um pouco por ter chateado Antônio e um pouco por ele estar chateado com ela.
Se aproximou da churrasqueira que já estava com tudo no lugar novamente, seus amigos ali por perto e todas as pessoas voltando a aproveitar o evento.
— Você tá legal? — Kelly perguntou ao ver a morena se aproximando.
— Sim… Depois me resolvo com o Antônio — deu de ombros e parou ao lado do tenente, olhando para a carne na churrasqueira e pegando um pedaço que ele tirou para ela. — Acabei não perguntando, você não se machucou ao pular naquele idiota, né? — Amanda levou o pedaço de carne à boca.
— Não, eu to bem. — Balançou a cabeça e afastou um pouco, colocando as mãos nos bolsos, então olhou para Amanda. — Entendo você… — a garota voltou-se para ele — fazer o que julga necessário para salvar a vida de alguém, é o que nós fazemos…
Parando para pensar, talvez fosse a explicação lógica para ter tentado impedir que o homem atirasse em Justin. Era algo que corria por suas veias, mesmo que não se lembrasse com clareza de algumas coisas, sabia que antes de Chicago era paramédica. Salvar vidas era o que fazia.

"Amanda puxava a maca para fora da ambulância e com a ajuda de seu parceiro, empurraram com pressa para dentro do hospital, passando pela porta dupla.
— Ferimento de bala, foi uma troca de tiros. — Amanda informou a enfermeira que se aproximou junto com um médico negro, que sorriu brevemente para Amanda.
— Obrigado, Amanda. — Ela assentiu e os olhos fixaram no homem por alguns segundos, quando ele se afastou.
— Vou preencher a ficha — ouviu a voz de seu parceiro, a tirando de seu breve transe.
— Sim, tá bom. Te espero na ambulância. — Respondeu ainda um pouco aérea e se virou passando a mão na nuca, para seguir até a ambulância, levando consigo a maca vazia."

— Mandy, ouviu o que eu disse? — a voz de Kelly a trouxe de volta à realidade, a fazendo perceber que ficou olhando para o nada enquanto as lembranças que já não pareciam mais flashes confusos, a atingiram.
— Não, desculpa, me distraí.
— Falei que pode ser bom você contar ao Antônio sobre as lembranças.
— Todas elas? — Amanda perguntou sem pensar e se xingou mentalmente ao ver o olhar confuso de Kelly, acompanhado da testa franzida.
— Teve memórias além da que me contou? Sobre ser paramédica… — você não faz ideia.
— Não — negou com a cabeça e respirou fundo — vou pegar uma cerveja, você quer?
— Tô tranquilo — ele sorriu em agradecimento e Amanda saiu dali, com a cabeça fervendo, com um milhão de coisas passando.

O restante do dia seguiu sem grandes eventos, Amanda focou em continuar curtindo a tarde com os amigos. Em meio aos muitos assuntos com Mia, passou a conhecê-la melhor, o que só lhe dava mais certeza que ela e Adam faziam um ótimo casal.
Ficaram sentados em alguns bancos do parque, bebendo e jogando conversa fora, até o fim da tarde trazer o fim do evento. Aos poucos as pessoas se dispersaram, esvaziando o parque.
— Você vai direto pra casa? — Leslie Shay perguntou ao passar o braço pelos ombros de Amanda.
— Vou sim… — guardou o celular no bolso, depois de conferir se Antônio mandou mensagem e deu um sorriso desanimado para a amiga.
— Não falou mais com ele, desde cedo? — Amanda negou com a cabeça conforme se aproximavam do carro. — Se quiser ir na casa dele, pegou carona com outra pessoa.
— Não, ele ia trabalhar, deve estar cansado e não querendo falar comigo — deu de ombros — quero um banho, pipoca e assistir um filme.
— Amei a ideia, seremos só nós essa noite mesmo. — A loira abriu a porta do lado do passageiro.
— O Kelly não vai pra casa? — perguntou franzindo as sobrancelhas ao entrar também no automóvel.
— Não viu a loirona que ele tava conversando? — As duas riram e Amanda balançou a cabeça.
— Será que um dia nosso amigo vai conhecer alguém que faça ele sossegar? — Amanda comentou ao virar a chave.
— Eis a grande questão da humanidade.
O fato de tantas coisas serem totalmente diferentes do que ela conhecia e se lembrava, tornava aquela informação uma incógnita. As coisas não pareciam seguir um curso pré definido, o que deixava tudo mais emocionante. Sabia onde estava, quem eles eram, mas o que aconteceria? Era sempre uma surpresa.
Olhou para Shay que cantarolava a música que tocava no rádio e sorriu levemente. Talvez pudesse evitar perder a pessoa que se tornou sua melhor amiga. Algo dentro de si a fazia acreditar que o fato de estar ali, naquele universo, impediria a partida da loira. Um pouco pretensioso da parte de Amanda, mas gostava de pensar que ela era a âncora de Shay ali… Ela mudaria o rumo da história.

•••


— O que vai colocar? — Shay voltou para a sala com um balde de pipoca e se sentou no sofá ao lado de Amanda.
— Não sei ainda, mas qualquer coisa que não seja romance — respondeu sem olhar para a amiga, passando pelos títulos do catálogo da Netflix, sem realmente ler algum nome.
— Mandy… — chamou a amiga, arqueando a sobrancelha — a briga foi séria? — Ao ouvir a pergunta, Amanda colocou num filme de ação qualquer.
— Na verdade, não — pegou um punhado de pipoca — ele só ficou irritado, por eu ter tentado proteger o Justin, mas ele não entende… Acho que nem eu.
— Meu Deus, você gosta do Justin? — Amanda olhou para Shay com uma careta — ufa, menos mal. — Levou a mão ao coração e respirou fundo, a cena fazendo a morena rir.
Amanda decidiu contar para Shay sobre as memórias que já teve, deixando a amiga entusiasmada com ela ser uma paramédica e já fazendo mil planos para Amanda começar a realmente trabalhar com aquilo em Chicago. Algo que Amanda achou assustador demais para se cogitar. Apesar de lembrar trabalhar como paramédica, não tinha ideia de como exercer a profissão.
Em meio a conversa, enquanto Shay contava como foi quando ela decidiu ser paramédica, Amanda acabou tendo mais flashes.
Diferente do começo, não sentia mais o mal estar tão forte. Quando os flashes vinham, sentia apenas uma pontada na cabeça e um pequeno desconforto.
Viu ela mesma no hospital, dirigindo a ambulância e fazendo atendimentos. Como se ouvir a história de Shay, despertasse suas memórias também.
— Deve ser uma loucura na sua cabeça, do nada começar a lembrar das coisas… — você não imagina o quanto, pensou consigo e assentiu em resposta, com um sorriso leve.
— Tenho sorte de ter encontrado amigos de verdade nesse meio tempo — Shay abriu um largo sorriso e segurou na mão de Amanda.
— E sempre terá cada um de nós, mesmo quando lembrar de tudo e precisar voltar para casa. — Amanda franziu o cenho.
— E se eu não quiser voltar?
— Bom, você tinha uma vida antes de Chicago, talvez precise ir para ter certeza que aqui é seu lugar e voltar. — Deu de ombros, como um comentário casual e piscou para Amanda.
A morena ficou pensativa com as palavras de Shay, por mais que não fossem sobre os universos distintos, se aplicava muito bem. Quanto mais memórias sobre sua vida eram desbloqueadas, mais medo tinha que elas a levassem embora…
Um filme passou pela sua cabeça, desde o dia que chegou em Chicago, que acordou no Chicago Med, até aquele momento.

•••


Depois de ter um pesadelo em que era jogada de volta no "mundo real", Amanda acordou ofegante e com os olhos marejados. Não demorou para tomar uma decisão, deixando de lado aquela pontinha de orgulho que a impediu de fazer o necessário na noite anterior.
Tomou um banho e saiu do apartamento depois de conferir que Shay já tinha saído para trabalhar.

Olhou para a fachada do Distrito 21 antes de entrar e quando pensou em fazê-lo, ouviu vozes bem conhecidas atrás de si e parou, se virando para Adam Ruzek e Alvin Olinsky.
— Por favor, diga que veio conversar com o Antônio. — Ruzek juntou as mãos na frente do rosto, como se fizesse uma prece. A atitude fez Amanda arquear uma sobrancelha.
— Não sou de me meter, mas até eu espero que seja pra isso que está aqui. — Olinsky comentou com a voz um pouco baixa, sem demonstrar muita emoção, mas muito sincero em suas palavras.
— Meu Deus gente, o que houve? O Antônio está bem? — Amanda olhou de um para o outro.
— Se dando patada em todo mundo e a cara parecendo que comeu coisa estragada, é bem pra você… — Ruzek deu de ombros — ele tá insuportável.
Amanda não conseguiu controlar a risada em meio a reclamação do amigo e o seguiu para dentro do Distrito. Passaram pela porta de ferro depois que Olinsky colocou a digital e trancaram novamente antes de subir.
Ao chegar no andar da Inteligência, Amanda não viu Antônio, então cumprimentou os detetives Halstead e Lindsay e foi informada por eles, que o namorado estava na cozinha.

Na cozinha, Antônio esperava a cafeteira terminar de preparar o café, olhando fixamente para o líquido escuro caindo, como se fosse a tarefa mais importante de sua vida e merecia total concentração. Ainda sem ser vista por ele, deu dois toquinho na porta aberta, apenas para chamar sua atenção.
Ele levantou o olhar para ela e eles se encararam por alguns segundos antes dela se aproximar.
— A gente pode conversar? — Amanda perguntou calmamente e ele apenas assentiu, apoiando uma mão na bancada ao lado, para ficar de frente para ela. — Não vou dizer que me arrependo do que fiz, estaria mentindo — Antônio arqueou a sobrancelha ao ouvi-la — eu faria aquilo por qualquer outra pessoa, seja você, um amigo ou um desconhecido. — Antônio permaneceu em silêncio, apenas a olhando com atenção. — Só não quero que isso nos afaste, meu jeito, meus impulsos, minha confusão. Porque no meio de toda a bagunça que é aqui dentro — apontou para a própria cabeça — você é uma das minhas poucas certezas.
O silêncio recaiu na cozinha, enquanto os dois se encaravam. Até Antônio sorrir de canto e dar um passo em direção à Amanda.
— Na hora, eu fiquei apavorado. — Começou baixo, enquanto iniciou um carinho no braço dela — tive medo de te perder, porque eu não sei o que faria se ele atirasse em você. — A mão de Antônio alcançou o ombro dela, onde apertou de forma suave — ultimamente, não sei explicar, mas sinto como se a qualquer momento algo fosse tirar você de mim, algo que eu ou você não vai poder controlar. — Os olhos de Amanda inundaram, também tinha medo, ele nem imaginava o quanto.
— Foca no agora, estou aqui e não vou embora.
Faria tudo que fosse necessário para cumprir aquela promessa.
Ele fez um carinho na bochecha de Amanda com o polegar e sorriu, como se conseguisse finalmente respirar. Então os dois se abraçaram e Amanda fechou os olhos, se permitindo apenas sentir a calmaria dos braços dele a envolvendo.

"Amanda chegou do colégio e jogou a mochila num pé do sofa, antes de pegar o controle remoto e colocar no canal de sempre. Estava passando um episódio da terceira temporada de Chicago Fire - um que ela já tinha assistido pelo menos umas cinco vezes, como todos os outros das primeiras temporadas.
— Você sabe que existem outros programas na televisão, né? — Pedro apareceu com os cabelos molhados, recém saído do banho.
— Não enche, Pe! — pegou um amendoim na tigela onde tinha acabado de despejar um pacotinho e jogou no amigo, que riu ao desviar. — A sua mãe vai ficar até mais tarde no trabalho?
— Acho que sim… — ele debruçou na bancada de mármore e pegou um amendoim — e ela é sua mãe também… — comentou como quem pisa em ovos. — Você é da família agora.
— É bom sentir que minhas únicas companhias e família, não são mais os que estão presos na televisão. — Soltou um riso baixo, fazendo Pedro sorrir também. — Mas uma coisa de cada vez, não preciso chamar ela de mamãe ainda…"

— Antônio, o Voight está nos chamando. — Erin Lindsay apareceu na porta, fazendo o casal separar o abraço.
— Estou indo. — Ele selou os lábios de Amanda rapidamente assim que ficaram sozinhos — não quero perder um minuto com você, podemos compensar a noite afastados? — Atordoada com a lembrança que a golpeou segundos antes, durante o abraço, Amanda apenas assentiu e viu Antônio correr em seguida, dizendo algo que ela imaginava ser um "te ligo depois, te amo".
Ficou ainda alguns minutos ali, sozinha, processando o que sua mente lhe mostrou. Processando a intensidade que aquelas palavras tinham, o quanto diziam muito e não diziam nada ao mesmo tempo. Pedro, além de seu amigo, era um irmão postiço?
A cada dia Amanda chegava mais perto de se descobrir… e nunca imaginou que saber quem era, poderia ser tão assustador. A sensação de estar perdida a atingia com força, como se algo a puxasse para fora de algum lugar.



No quartel, enquanto preparava o almoço, a mente de Amanda estava acelerada. Estava se desconcentrando a todo momento e derrubou algo na cozinha, pelo menos umas três vezes. Peter Mills perguntou se estava tudo bem e só o que podia dizer era que sim, ele não precisava se preocupar.
Queria ter alguém para conversar, alguém com quem pudesse desabafar sobre toda aquela bagunça que estava sentindo.
Quando chegou em Chicago, depois do acidente, se sentia confusa e perdida, porque não sabia quem era. Agora, cerca de sete meses depois, sentia-se confusa por lembrar tantas coisas, mas tudo continuava meio borrado. Precisava de algo para lhe dar amparo, algo que acalmasse seu coração e a fizesse entender. Estava tão cansada de se sentir perdida…
— Acho que hoje está perigoso demais você na cozinha. — Peter Mills comentou, colocando uma mão no ombro de Amanda e com a outra tirou uma faca de sua mão. — Se quiser ir embora ou tomar um ar, vai lá. — O sorriso carinhoso do moreno, a incentivou.
— Certo… Vou lá fora um pouco, minha cabeça só está… acelerada demais. — Respirou fundo e sorriu de canto, sem muito ânimo.
Peter Mills apenas se aproximou um pouco, ainda com a mão no ombro da garota, e lhe depositou um beijo na lateral da cabeça. Então lhe sorriu, com o jeito maroto de sempre e indicou a porta com o queixo, indicando que ela podia ir.

Sentada no banco em frente ao quartel, Amanda ficou olhando para a rua, um ou outro carro que passava. Podia ouvir ao longe, os sons de uma Chicago movimentada. Suspirou e fechou os olhos por um breve momento, absorvendo uma sensação que nem ela sabia dizer qual era.
Ao abrir os olhos novamente, mudou de posição, apoiando os cotovelos nas coxas. Então olhou para as próprias mãos juntas, tentando com certo sacrifício organizar os próprios pensamentos. Tentou reunir todas as pecinhas do quebra cabeça, que já tinha.
Era brasileira, tinha um melhor amigo e irmão postiço chamado Pedro, talvez morasse perto ou já tenha visitado um parque chamado Ibirapuera, era paramédica e bom… Olhou para a fachada do quartel 51 atrás de si, era fã das séries de One Chicago.
Tinha decidido, semanas antes, que apenas viveria aquilo tudo, sem procurar por respostas. Aproveitaria cada minuto de uma experiência única. Mas no fundo, sentia que ter respostas e entender o que realmente estava acontecendo… Era a chave para saber que poderia ficar. Ou para levá-la embora. Mas aí já seria outro problema para lidar, tinha que lidar com uma coisa de cada vez.
Tinha criado laços ali, verdadeiros e reais. Fez amigos, ganhou uma família e um amor. Não eram personagens e histórias escritas por alguém apenas para entrete-la. Eram parte dela. Precisava entender tudo que estava envolvido no que aconteceu… Para ter certeza que não os perderia.
— Quer um charuto? Costuma ajudar a esvaziar a mente… — a voz de Kelly Severide fez a garota levantar a cabeça e olhá-lo.
— Eu dispenso — riu levemente e ele se sentou ao seu lado.
Dando mais uma olhada para trás, enxergou Matt Casey entrando no quartel, a fazendo imaginar que os dois provavelmente estavam fumando juntos.
— Por que está aqui fora sozinha? — o tenente colocou as mãos nos bolsos do casaco e esticou as pernas ao cruzá-las, olhando para a amiga.
— Só precisava pensar um pouco — ela deu de ombros e Kelly apenas assentiu, olhando para a rua.
Amanda o observou de perfil, cada traço de seu rosto. Os olhos pequenos, tinham pequenas marcas de expressão no canto e alguns fios brancos, no cabelo bem cortado, davam um charme especial a ele. Acabou sorrindo, não que tivesse dúvidas antes, mas ele realmente era um homem muito bonito.
— Estava pensando em tudo que aconteceu desde que cheguei… — decidiu quebrar o silêncio e parar de encarar tanto, antes que ele percebesse. — Coisas boas, coisas péssimas, coisas incríveis — enquanto olhava para a rua, percebeu Kelly olhar para ela novamente, prestando atenção ao que dizia — me envolvi com tudo e todos, criei laços que não pretendo desfazer. Me entregar tanto a isso tudo, à minha nova vida, fez eu não pensar no que eu posso ter deixado pra trás.
— E você se arrepende? — ela o olhou e encontrou seus olhos azuis, sem mágoa ou julgamento, apenas o Kelly Severide que se importa com quem ama.
— Não — reforçou a resposta por negar com a cabeça — mas não pensar nelas, não as faz deixar de existir, né?
— Se sentir que está pronta agora, poderia tentar a terapia com o Dr. Charles. — Amanda pensou sobre aquilo, não estava lembrando daquela opção — Seu olhar passou de decidida a triste tão rápido, que foi quase assustador — Kelly apontou para o rosto dela e deu uma leve risada, fazendo Amanda acompanhá-lo e desviar do olhar do amigo antes de responder.
— Ainda não sei o que pode causar quando eu souber do meu passado… — levantou os olhos para ele e a resposta do homem foi puxá-la para um abraço, passando o braço por cima de seus ombros. Então Amanda se aconchegou perto do amigo e deitou a cabeça em seu ombro. — Ao mesmo tempo que sinto precisar de respostas, não consigo deixar de pensar que isso pode me levar embora… E aí, o que farei?
— Você sempre terá uma casa e uma família em Chicago, pode voltar depois... — Deu de ombros com o lado que a garota não estava deitada. Esperava poder fazer aquilo, se acontecesse o que temia.
— Queria poder só apagar de uma vez minhas antigas memórias, seria menos confuso.
— Bom, mas talvez você esteja aqui por causa do seu passado… — Amanda franziu as sobrancelhas, pensando sobre aquilo.
— Obrigada Kelly, por ter se tornado um ótimo amigo. — Ele beijou a cabeça da morena e apoiou o rosto no local.
— Eu sempre vou estar aqui, sempre vou estar do seu lado, não esquece disso… Mesmo que precise ir por um tempo. — As palavras dele causaram um arrepio na espinha de Amanda.

"A porta do quarto fechada e a televisão ligada, não eram capazes de ofuscar totalmente o barulho no andar de baixo. Mas os olhos de Amanda, fixos na tela, a faziam se desconectar do mundo real.
Na cena, os bombeiros do quartel 51 estavam bebendo no Molly's e aos poucos, era como se a garota entrasse numa realidade alternativa. As vozes tão conhecidas, olhares e risadas causavam em Amanda a sensação de casa que nunca tinha em seu dia a dia."

— Kelly Severide, mas que surpresa. — Uma voz feminina dispersou a lembrança que invadia a mente de Amanda.
Ela e Kelly olharam na direção da mulher morena de cabelos cacheados, presos num rabo de cavalo baixo. Saber quem ela era, fez Amanda sorrir, enquanto um olhar confuso tomava conta do rosto de Kelly ao se levantar para cumprimentar a mulher, que tinha as mãos na cintura e um sorriso quase divertido.
— Stella Kidd… O que faz aqui? — Ele abriu os braços e ela deu de ombros.
— Fui transferida. — Ela olhou para Amanda e acenou brevemente, a cumprimentando, o que Amanda correspondeu ao sorrir simpática.
— Kelly, eu vou indo, avisa o Mills? — o tenente assentiu.
— Fica bem, ok? — Amanda assentiu à recomendação e fez um sinal de continência, sorrindo abertamente.
— Seja bem vinda ao 51, Kidd, não deixe esses marmanjos te tirar do sério — piscou para ela e Stella riu.
— Bombeira também? — A mulher perguntou ao ficar sozinha com Severide, enquanto Amanda entrava no carro para ir embora.
— Não, uma das minhas melhores amigas, trabalha no Molly's — sorriu de canto enquanto observava Amanda, até se virar para Stella Kidd novamente — vem, te acompanho até lá dentro.

Antes de dar partida no carro, Amanda observou Severide e Stella caminhando para dentro do quartel, lado a lado. Com um leve sorriso nos lábios, ainda pensando na conversa com Kelly e agora na última lembrança que teve, seguiu seu caminho para casa.

•••


Amanda chegou um pouco mais cedo que de costume ao trabalho. Queria ocupar a mente, antes que a cabeça explodisse. Estava terminando de limpar o balcão, conferindo as horas e constatando que em cinco minutos estariam abertos.
A porta de madeira se abriu e ela pensou em dizer que não estavam abertos ainda, mas decidiu deixar. Principalmente quando viu quem passou pela porta.
— Justin? — ela franziu o cenho.
— Oi Amanda — ele deu um sorriso de canto, acenando antes de colocar as mãos nos bolsos da calça, parecendo sem graça — já está aberto? Posso voltar mais tarde…
— Não, tudo bem — deu de ombros e sorriu levemente — uma cerveja? — ele apenas assentiu em resposta e se sentou em um dos bancos altos, apoiando os braços no balcão, enquanto Amanda se virou para pegar uma garrafinha.
— Está há muito tempo em Chicago? — ele perguntou antes de dar um gole na cerveja que ela entregou.
— Sete meses — terminou de limpar o balcão, como fazia antes dele chegar — mas às vezes parece que sempre fui daqui. — O comentário fez Justin sorrir e olhar para ela como se estivesse admirado com algo, então logo desviou, focando na garrafinha sobre o balcão.
— Chicago é um bom lugar pra viver… meio caótico às vezes, mas um bom lugar.
— E você, costuma quase morrer muito? — Amanda apoiou as mãos no balcão.
— Só de vez em quando, pra dar um pouquinho de emoção — deu de ombros rindo e os olhos do homem brilharam. Ele tinha um sorriso largo, que o deixava com jeito de garoto arteiro. — Tinha dito que é brasileira, né? De que parte do Brasil?
— Não sei ao certo… Tive um pequeno problema com minhas memórias quando cheguei aqui, longa história — a resposta desconcertou Justin e ele tentou disfarçar, mas o brilho em seus olhos o entregou, como se Amanda o conhecesse muito bem para perceber.
— Isso chega a ser assustador… — pensou em voz alta, sem tirar os olhos de Amanda.
A garota pensou em perguntar o que era assustador, mas ao abrir a boca, ouviu o celular tocar dentro do bolso da calça e o pegou. Era Antônio.
— Licença… Eu… Já volto, fica a vontade. — Colocou o aparelho no ouvido e foi para a ponta do balcão, tendo mais privacidade para atender o namorado.

Então, ouviu a porta do Molly's abrir e quando se virou, a porta estava se fechando novamente e Justin já não estava mais no bar. Franziu o cenho, tentando manter a atenção no que Antônio dizia na ligação. Aproximou-se de onde o homem estava e pegou a nota que ele deixou ao lado da garrafa vazia.
— Certo, então te espero aqui mais tarde. — Sorriu, mesmo que o namorado não pudesse ver.
Depois de se despedir, o detetive desligou e Amanda olhou na direção da porta, o olhar confuso. A frase de Justin ecoou em sua mente, o que seria assustador? Seria por causa da pessoa que ele disse no parque que ela se parecia? Não saía de sua cabeça que ele se referia a Ana… seriam elas tão assustadoramente parecidas?

"— E se a minha mãe adotasse você? — Pedro perguntou, olhando para o céu estrelado.
— Depende, ela ia te dar embora? — Amanda soltou uma risada e recebeu como resposta uma leve cotovelada. — Brincadeira… Seria incrível ter você como irmão — virou a cabeça para olhar o amigo e Pedro também virou, a encarando com um sorriso largo. Seus olhos azuis brilhavam mais que o céu que observavam segundos antes.
— Talvez eu tenha feito algo… — piscou para Amanda e voltou a olhar para o céu."

Amanda fechou os olhos com força e balançou a cabeça, como se afastasse a lembrança. Os flashes de memória estavam ficando cada vez mais frequentes. Como se tentassem lhe dizer algo, como se tentassem se libertar e puxá-la junto.
Respirou fundo e abriu os olhos, então passou as mãos na cabeça, sentindo doer um pouco.
Se lembrou novamente do olhar de Pedro, da intensidade e brilho. Ele parecia ser um bom amigo, sentiu o peito apertar e os olhos marejaram.
Enquanto estava ali, tentando afastar seu passado e ignorando a existência de suas memórias antigas… como ele estava? Será que sentia sua falta? Assim como sentia que tudo ali em Chicago era real, havia uma vida real em algum lugar, da qual ela também fazia parte.

•••


Sem o pessoal do segundo turno do 51 ocupando alguns lugares do Molly's, pois estavam trabalhando naquela noite, o bar estava um pouquinho mais vazio.
Amanda, Antônio, Jay, Kevin e Lindsay conversavam sobre o campeonato de hóquei que estava rolando. Por mais que Amanda não fosse das maiores fãs do esporte e nem entendesse tanto, gostava de ouvir os amigos falando animadamente sobre.
— Mandy, você pega mais uma cerveja, enquanto vou ao banheiro? — a detetive Erin Lindsay pediu ao se levantar.
— Quando eu voltar, podemos fazer uma viagem juntos… um final de semana, só nós dois. — Antônio comentou com a namorada quando Jay e Kevin se afastaram.
— Acho ótimo, mas quando você voltar de onde? — Amanda franziu o cenho.
— De Nova York, te disse mais cedo na ligação. — O homem arqueou a sobrancelha e só então ela percebeu que se distraiu tanto ao atendê-lo que não prestou atenção.
— Ah, sim. Claro. Desculpa, estava terminando de limpar aqui, fiquei meio distraída. — deu um sorriso sem graça e Antônio balançou a mão na frente do rosto, como se não fosse nada. — Ficará muito tempo?
— Não muito, é trabalho, um caso com a detetive Benson. — Amanda assentiu e viu Lindsay se aproximar, então deu as costas e pegou a cerveja pra ela. Percebendo que Antônio tinha se levantado e ido até os amigos.
— Erin, me diz uma coisa… o Justin conheceu a Ana? — perguntou entregando a bebida para a detetive e ela franziu o cenho, inclinando um pouco a cabeça, confusa com a pergunta repentina. — Quando nos conhecemos no parque, ele disse que eu lembrava alguém… pela forma que ele falou, me veio à mente ser ela.
— Bom, conheceu bem até demais. — Respondeu simplista, dando um sorriso que não alcançou os olhos. — Ele chegaram a ficar juntos, era um relacionamento bem complicado, que durou poucos meses. Ele gostava muito dela, mas um dia ela decidiu terminar e logo depois sumiu do mapa, o resto você já sabe, o caso foi arquivado e nunca mais a encontramos.
— O Hank e ele disseram que eu lembro muito ela, você também não negou… — viu a detetive assentir em resposta — queria ver uma foto dela… — comentou pensativa, dando de ombros.
— Não temos. Nenhum de nós. — Erin Lindsay deu um gole grande na bebida — não lembro se apenas nunca tiramos ou se tiramos e elas se perderam… ela se tornou apenas uma lembrança nossa.
Amanda assentiu devagar, os olhos ficando distantes, enquanto assimilava aquilo. Olhou em volta, todos rindo e conversando enquanto bebiam. Percebeu que Adam e Mia agora ocupavam a mesa ao lado dos outros policiais.
Depois de respirar fundo, voltou para o trabalho, pegando o caneco de chopp que um cliente pediu para encher.
Pensou sobre o que Lindsay lhe contou, uma pessoa tão marcante e importante pra eles, e eles não tinham nenhuma foto? Ana era brasileira e não se lembrava de tudo sobre sua vida, como uma amnésia seletiva. Haviam muitas semelhanças com sua história, tinha de concordar com Justin… Era assustador.
A curiosidade de Amanda gritava. O que tinha acontecido com Ana, afinal de contas?



grande quebra cabeça — Ela ficou cerca de um ano em Chicago, marcou a todos que a conheceram. Mas ela não tinha medo de ir embora, como você… Fizemos uma terapia intensa para que as memórias voltassem. — Um breve silêncio tomou conta da sala, seria Ana da sua realidade? Do seu universo, onde tudo aquilo em Chicago era na verdade um seriado?
— Pelo menos alguma coisa temos de diferente… — Amanda deu um sorriso nervoso — Já me falaram dela e de como me pareço com ela. Mas nunca me disseram que ela queria ir embora…
— Há certos sentimentos que só contamos ao nosso psicólogo ou psiquiatra, no caso. — Ele deu um sorriso de leve ao responder e Amanda assentiu, concordando com o comentário.
— Ela dizia algo sobre Chicago? — Mesmo acreditando que Ana sendo ou não de outra realidade, não falaria para Charles sobre as séries, não custava tentar.
— Apenas que aqui não era o lugar dela. — Não eram tão parecidas assim, no fim das contas, Amanda pensou consigo. — Torço para que em algum lugar, ela esteja bem e feliz, mesmo que não tenham encontrado ela em lugar algum.
— Também torço por isso… — Amanda sorriu levemente.

•••


Depois da conversa com o Dr. Charles e de combinarem o início do tratamento para ver se conseguiam recuperar mais memórias, Amanda ficou bem pensativa. Antônio tinha ido para Nova York e isso lhe possibilitou mais tempo sozinha com seus pensamentos.
Ao acordar mais tarde que o usual, ouviu os amigos entrarem no apartamento conversando. Então decidiu se levantar, e depois de ir ao banheiro, seguiu para a cozinha.
— Trouxemos o café da manhã — Leslie Shay avisou ao ver a amiga aparecer prendendo os cabelos num coque meio solto no topo da cabeça.
— Huuum, rosquinhas — os olhos da morena brilharam ao se sentar em um dos bancos altos da bancada. — Como foi o turno? — Amanda perguntou casualmente ao pegar uma rosquinha e morder.
— Foi agitado, eu e a Gabby atendemos um chamado de uma senhora infartando que não queria atendimento. — Amanda arqueou a sobrancelha e acabou rindo, Shay a acompanhou e deu de ombros — Aparece de tudo.
— Mas e aí? O que fizeram? — Kelly apenas acompanhava a história.
— Ligamos para a filha dela e a mulher fez ela aceitar, ainda bem que deu tempo… — passou a mão da testa, como se limpasse suor e Amanda bateu palmas.
— E você, foi ontem falar com o Dr. Charles? — Severide perguntou ao engolir um pedaço de rosquinha.
— Fui… — Assentiu levemente, logo os pensamentos vieram à tona — Vamos começar a terapia na semana que vem… Foi bom conversar com ele. — Deu um sorriso de alívio, apesar de toda a bagunça mental depois, foi muito bom colocar pra fora um pouco de seus sentimentos.
— Você vai dar conta e estaremos aqui com você, sempre vou te lembrar disso. — Shay cutucou o braço da amiga, que riu com a atitude.
— Mas mudando de assunto, e a nova bombeira da viatura? — Amanda arqueou a sobrancelha para Kelly e Shay apenas deu um sorriso malicioso para o homem.
— Vou tomar um banho — em questão de segundos, Kelly Severide já tinha sumido no corredor do apartamento.
Amanda e Shay riram abertamente com a fuga do amigo e continuaram tomando o café da manhã em meio a outros assuntos corriqueiros.

•••


— Mas vocês fazem um casal fofo, tenho que concordar — Amanda cutucou a barriga de Otis em meio às risadas e Cruz concordou, assentindo antes de dar um gole na cerveja.
— Na verdade, toda a fofura a Lexi leva nas costas — Otis rolou os olhos e se virou para ir até os fundos do bar, no estoque.
— O que é preciso fazer para tomar uma cerveja aqui? — Mia perguntou ao se aproximar do balcão, com um sorriso divertido.
— Ei ruiva — Amanda cumprimentou animada.
— Um dos pré requisitos é zuar o Otis — Joe Cruz levantou o indicador, como se levantasse uma questão importante.
— Isso é inveja porque eu tenho alguém especial e você não! — Otis se defendeu ao voltar para o bar.
— Ué, a Mia tem mais alguma irmã para apresentar? — Cruz arqueou a sobrancelha para a ruiva, que riu e negou.
— Só uma, lamento Joe — Mia respondeu antes de levar a garrafinha de cerveja que Amanda lhe entregou, à boca.
— O Adam também viajou? — A morena perguntou apoiando as mãos no balcão. Mia assentiu segurando a garrafinha com as duas mãos.
— Acho que só quem ficou foi o Jay e a Erin — Amanda arregalou um pouco os olhos — caso grande, pelo jeito. Espero que nossos meninos voltem inteiros…
— Também espero, tudo que menos preciso agora é o Toni se ferindo — a garota olhou para as mãos ao dizer e deu um sorriso de canto.
Ao olhar novamente nos olhos de Mia, encontrou aquele mesmo brilho do dia do Piquenique de Chicago. Um brilho intenso, como se ela pudesse ver além, quase ler seus pensamentos. A sensação causou um arrepio na nuca de Amanda, era como se conhecesse Mia há muitos anos. Ela lhe transmitia, com os olhos verdes vívidos, que Amanda poderia confiar nela de olhos fechados.
— Sei que nos conhecemos há pouco tempo, mas se quiser conversar… — um sorriso simplista brotou em seus lábios, a deixando ainda mais familiar.
— Amanda, chegou um carregamento de cerveja, pode conferir e assinar com o entregador? — Herrmann entrou no bar e pediu apontando na direção da porta enquanto ia ao estoque.
O Molly's estava com o movimento baixo aquela noite, um pouco por causa do dia e por ainda ser cedo.
— Vou com você. — Mia se levantou e acompanhou Amanda, que não negou a companhia.
Amanda conferiu tudo que chegou e assinou o papel da entrega, então esperou do lado de fora enquanto o homem levava as caixas de bebida num carrinho para dentro do bar, pelos fundos.
— Você sempre foi de Chicago? — Amanda perguntou, chutando uma pedrinha da calçada.
— Meio que sou de Nova Orleans... — Mia respondeu colocando as mãos nos bolsos e a morena apenas assentiu. — Mas Chicago se tornou minha casa, essa é a magia desse lugar… A gente encontra abrigo aqui.
Amanda encarou Mia, as palavras tendo um enorme peso dentro de si. Era exatamente como se sentia, como sempre se sentiu…

"Amanda enxugou as lágrimas com as costas das mãos e tentou respirar fundo. Então, como todas as vezes em que o mundo parecia estar desmoronando, se deitou na cama e ligou a televisão. Mesmo que tudo estivesse um caos, mesmo que se sentisse perdida… Sempre teria abrigo em Chicago."

— Sei que tudo está parecendo uma grande bagunça… — a voz de Mia a trouxe de volta à realidade e Amanda piscou algumas vezes para focar na ruiva ao seu lado — mas eu vou te explicar o que tá acontecendo. Chegou a hora de você entender.



Amanda e Mia se sentaram numa mesa mais reservada do Molly's, depois da morena pedir uma pausa a Herrmann. Agradeceu aos céus pelo movimento tão baixo do bar naquela noite.
— Antes de tudo, como você pode saber? — Amanda franziu o cenho, sentindo-se extremamente confusa depois que Mia lhe disse que sabia sobre os universos paralelos.
— Você gosta de Marvel? — a pergunta de Mia fez a outra arquear a sobrancelha, mas assentiu — Isso facilita a explicação. — Mia deu um gole na cerveja e respirou fundo antes de continuar — aqui, nesse universo, somos uma ramificação, uma das realidades do Universo de One Chicago.
— Uma das? — Amanda arregalou os olhos.
— Eu não faria parte dessa realidade, ela é sua, como se fosse criada uma ramificação pra você, mas fui inserida para que esse momento chegasse e eu conversasse com você. No meu Universo é tudo diferente, as relações, as amizades, os acontecimentos… — deu de ombros e viu Amanda ficar com os olhos castanhos turbulentos. — Sei que é confuso, Mandy.
— Um pouco… — sorriu de canto e suspirou, então deu um gole na cerveja de Mia antes de continuar — você é como uma guia? — A ruiva soltou uma risada.
— Isso faz parecer que estamos dentro do Senhor dos Anéis, vamos dizer apenas "amiga que sabe das coisas" — piscou para Amanda, fazendo a morena rir também.
— Okay… — olhou em volta uma vez, focando em Cruz e Otis que contavam algo a Herrmann, a cena fazendo a garota sorrir. — Por que estou aqui, Mia? — olhou novamente para a nova amiga.
— A realização de um desejo. Em algum momento, na sua realidade, você desejou estar aqui.
— Mas se todo fã que deseja estar no Universo preferido, tivesse o desejo realizado, o mundo real estaria quase vazio. — Amanda raciocinou e deu um sorriso nervoso.
— Nem todos têm algo que o ligue realmente à outra realidade. — Fez uma pausa, deixando Amanda assimilar aquilo — é uma informação que não tenho, desculpe, você terá que descobrir e você vai, de alguma forma. Mas existe um elo aqui, algo que te puxou para dentro, algo que ganhou força por você desejar mesmo viver outra vida, nesse universo.
— Então é definitivo? — os olhos de Amanda brilharam em expectativa, torcendo para seu grande temor ser mesmo apenas paranóia.
Mas o que viu nos olhos de Mia, fez os de Amanda marejarem. A resposta estava ali, no brilho triste dos olhos verdes de Mia.
— Quanto tempo eu tenho? — Amanda perguntou ao olhar para baixo, focando na mesa. Seu pesadelo desde que se lembrou de onde realmente estava, se tornava real. A certeza de que precisaria ir embora, a quebrava por dentro.
— Não sei dizer. Mas nunca passa de um ano. — As duas se encaram novamente — Quanto mais laços a pessoa cria, mais rápido as memórias podem vir, após isso a qualquer momento você volta…
— Simplesmente volto? Nem um sinal, um aviso, uma luz brilhando no céu ou um arco do Dr. Estranho se abrindo? — Tentou brincar, mas havia uma ponta de afobamento em sua voz, Mia não podia julgar, não sabia como reagiria no lugar de Amanda, a possibilidade de perder tudo que Chicago lhe deu, doía só de pensar.
— Além da ligação que te trouxe, existe algo que a mantém aqui, uma âncora. Quando essa âncora deixa de existir, seu tempo acaba. — O olhar interrogativo de Amanda fez Mia complementar — E não, eu também não sei qual é sua âncora. — Disse meio sem graça, sentia-de um pouco inútil por não ter respostas bem importantes para Amanda. Mas não podia fazer nada além, sua missão ali era apenas esclarecer as coisas sobre o universo paralelo.
— O que eu faço? — A morena a olhou perdida.
— Aproveita! Cada segundo. Não é todo dia que namoramos e temos como melhores amigos os nossos personagens preferidos. — Deu de ombros, tentando animar a outra de alguma forma.
Amanda respirou fundo e olhou para a porta do Molly's que se abriu. Matt Casey passou por ela e automaticamente, um sorriso brotou nos lábios da morena.
Ao voltar-se novamente para Mia, lembrou de uma coisa, talvez a ruiva também soubesse daquilo.
— Eu ainda não me lembrei de tudo sobre mim, só de algumas coisas soltas, mas parece um quebra cabeça faltando várias peças no meio.
— Me sinto péssima em não ter essa resposta também, Mandy — a ruiva deu um sorriso triste — só o que sei é que o tempo passa diferente aqui e que algo na sua realidade e nessa, estão ligadas.
Amanda guardou bem aquelas palavras, Mia disse que ela saberia, em algum momento, qual era a ligação e âncora que a mantinha ali. Era bom saber que não estava louca ao lembrar sobre o universo de One Chicago. Realmente tinha ido parar em uma realidade paralela e até onde conhecia, ficcional. Aquela palavra lhe causou arrepios só de pensar.
"Não é a primeira vez que escuto isso". As palavras do Dr. Charles ecoaram em sua mente e ela franziu o cenho.
— Sabe de alguma outra pessoa que veio pra cá? — A pergunta fez Mia parar e pensar no assunto.
— Difícil saber porque quando uma pessoa é trazida, cria-se uma ramificação para ela.
— E quando a pessoa vai embora? — arqueou a sobrancelha.
— A ramificação se desfaz… — deu de ombros.
Os lábios de Amanda secaram, uma sensação estranha a atingiu. Como podia ela ser tão parecida com Ana, de acordo Hank Voight, Erin Lindsay e Justin, se aquela linha do tempo existia apenas enquanto ela estava ali?
— A Lexi chegou, vou falar com ela, você vem? — A pergunta de Mia cortou seus pensamentos acelerados e ela voltou-se para a amiga com o olhar distante.
— Vou depois, acho que preciso de um ar — Amanda sorriu levemente, uma linha fina quase imperceptível a um olhar menos atento. Como forma de incentivo, Mia tocou o braço dela em um carinho suave antes de se afastar.

Ela decidiu se levantar e ir para fora do Molly 's, sentia como se algo a estivesse sufocando. A brisa fria de Chicago fez Amanda sentir um arrepio, mas não tinha certeza se a sensação que a atingia era causada pelo clima ou pelo peso em seu peito.
Levantou os olhos para o céu e observou as estrelas, sentindo os olhos marejando, então os fechou levemente e respirou fundo.
— Eu não quero ir embora, Deus — ouviu a própria voz falhar ao fazer o pedido — se foi o Senhor que me trouxe pra cá, por favor, não me leve embora…
Ao abaixar a cabeça novamente, passou as mãos no rosto, limpando as lágrimas antes que escorresse. Olhou para a rua enquanto rebobinava a conversa com Mia em looping. Seguiria o conselho da garota, aproveitar cada segundo que ainda tinha ali.
Muitas pequenas questões foram respondidas na conversa com Mia, como o fato de muitos acontecimentos serem diferentes da série – Amanda entendeu que aquela linha tempo era dela. E criaram outras perguntas, como sua âncora – o que ou quem a fazia permanecer ali.
— Amanda…? — a voz de Matt Casey a chamou e a garota se virou na direção da porta do Molly's, de onde o tenente saía com o olhar preocupado — a Mia disse que estava aqui. Tá tudo bem?
— Sim… — assentiu levemente e tentou sorrir, mas não sentia que estava convincente.
— Não parece — ele respondeu direto, fixando os olhos azuis em Amanda.
Por alguns segundos, ela apenas o olhou, as luzes fracas da rua refletindo no azul intenso das orbes de seus olhos, causando uma calma instantânea nela. Lembrava de como a sensação de calma a invadiu no dia que se conheceram no hospital, no meio de tanta confusão e medo, ele a fez se sentir acolhida. Agora entendia, ele era seu personagem conforto. Seria também sua âncora ali?
— Acho que minhas memórias estão voltando — confessou, colocando as mãos nos bolsos do casaco. — Conversei com o Dr. Charles e ele está me ajudando…
— Isso é bom, não é? — perguntou cauteloso.
— Acho que sim — esperava que as memórias trouxessem mais respostas, as quais Mia não pôde dar.
— Sabe, tenho muito orgulho de você — aquilo chamou a atenção de Amanda, mas percebeu que o loiro já não a olhava mais, fitava o horizonte — quando chegou aqui, estava bem confusa e com o tempo, se adaptou tão bem com tudo, formou uma nova vida, passou por tanta coisa em pouquíssimo tempo. Sinto até que amadureceu demais nesses meses… — olhou para Amanda, meio sem graça e consertou o que disse — Não que não fosse madura…
— Eu entendi, Matt — o tranquilizou com um sorriso, o primeiro verdadeiro e leve depois da conversa com Mia. — E obrigada, pela sua amizade e por ter me acolhido desde o primeiro momento, tudo teria sido mais difícil sem você.
Matt Casey a encarou com um sorriso de canto ao assentir, seu coração se apertava sempre que ela o chamava de amigo. Mas sabia que teria de continuar se contentando com aquela posição, porque nunca iria interferir na felicidade dela. Só o que importava pra ele, era vê-la feliz.
— Isso parece até uma despedida — o loiro fez uma careta e coçou a garganta, aproveitando para deixar de encará-la tão fixamente.
— Chicago estará sempre comigo, tenente — suspirou. — Acho que sempre esteve, de alguma forma.
Casey pensou em perguntar mais alguma coisa, mas antes que o fizesse, a porta do Molly's se abriu de supetão, chamando a atenção dos dois.
— Você está aqui, preciso de você no bar, Mandy — Herrmann disse um pouco impaciente.
— Claro, desculpe Herrmann — Amanda respondeu, afobada.
Então olhou rapidamente para Casey, com um sorriso e um aceno simples de cabeça, para logo entrar no bar depois de Herrmann.
O tenente Matt Casey ficou parado ali, pensando no que Amanda disse e imaginando que ela só estava um pouco nostálgica por causa das memórias voltando. Não podia ser nada demais, ela não iria embora sem avisar aos amigos sobre os planos, acreditava ele. Então suspirou e decidiu entrar no Molly's também.



Depois de dois dias que teve a conversa com Mia e tanta coisa se tornou ainda mais real que antes, só o que Amanda tinha em mente era que precisava aproveitar cada pequeno momento ao lado de quem amava ali.
Passou mais tempo no quartel, deixando gravado no coração cada risada que Peter Mills lhe arrancava, cada implicância com Otis e cada abraço de Joe Cruz. Não sabia o que a levaria embora ou se havia um jeito de impedir, mas não permitiria que o medo de partir, tirasse o brilho de estar presente.
Naquela noite, depois do turno de Shay e Severide, decidiram assistir ao jogo de hóquei juntos. O homem persistia numa tentativa frustrada de ensinar sobre o jogo para Amanda, que insistia que gostava de assistir mesmo sem entender as regras. Enquanto Shay apenas observava os dois, rindo.
— Sabe o que eu me lembrei? — Amanda levantou do sofá, onde estava ao lado de Kelly — que não temos uma foto juntos, precisamos pra colocar na estante. — Completou, já pegando o celular e abrindo na câmera.
— É verdade, coloca o temporizador, Mandy — Leslie Shay sugeriu e a morena assentiu, enquanto configurava o aparelho.
Amanda apoiou o celular na mesinha de centro ao afastá-la um pouco mais para trás, possibilitando que a câmera pegasse todo o sofá.
— Se arrumem — Amanda olhou para os amigos sorrindo.
Então, acionou o temporizador e assim que a contagem regressiva de 5 segundos iniciou, Amanda correu e pulou deitada no colo dos dois, onde eles apoiaram os braços sobre o corpo dela em meio a risadas.
Assim que a foto foi tirada, Amanda se levantou e abriu a imagem. A cena registrada fez a garota sorrir abertamente e os olhos quase encheram de lágrimas, mas ela conseguiu impedir.
Por um breve momento, se lembrou que Lindsay disse não ter nenhuma foto de Ana. Se ela fosse embora ou não, pelo menos seus amigos não esqueceriam dela – mesmo sabendo, lá no fundo, que não precisava de uma foto para lembrá-los de sua existência.

•••


— Aproveitem — Kelly Severide disse com um sorriso ao estender as chaves da cabana pendurada no dedo indicador.
— Obrigada — Amanda as pegou com um largo sorriso.
Depois de colocar as chaves da bolsa sobre o balcão da cozinha, Amanda respondeu uma mensagem de Antônio rapidamente, que informou estar no distrito a esperando.
— Você me deixa no distrito então, Kelly? — ele olhou as horas no relógio de pulso e assentiu.
— Sim, passo lá antes de ir pro 51, tá pronta?
Depois de assentir e colocar a mochila nas costas, a garota saiu do apartamento com o amigo.
Como sugerido por Antônio, passariam o final de semana juntos. O caso que estavam trabalhando em Nova York foi complicado e tudo que ele queria era passar um tempo sossegado, mas não poderiam ir para muito longe daquela vez. Então Severide sugeriu a cabana dele e os dois acharam uma ótima ideia.
— A Shay não dormiu em casa? — Amanda perguntou no meio do caminho.
— Não, parece que o rolo com aquela morena do Molly's tá ficando sério… — deu uma leve risada.
— Desde que ela não faça nossa loira sofrer, eu dou o maior apoio — Amanda deu de ombros e sorriu para Kelly, que assentiu concordando. — Mas e você?
— O que tem eu? — arqueou a sobrancelha.
— Você com a Stella, qual a história?
— Não tem uma hist… — ele se interrompeu ao encontrar o olhar de Amanda de quem o via por dentro, como se lesse sua mente — Okay… Nos conhecemos há algum tempo, mas não tem nada entre a gente.
— Bom, vocês dois combinam — deu de ombros, sabia que fora dali, daquele universo onde tudo parecia um pouco diferente, eles combinavam demais.
— Enfim… — coçou a garganta para fugir do assunto — você marcou a consulta com o Dr. Charles?
A pergunta trouxe à tona uma das coisas que Mia lhe contou, "quanto mais rápido as memórias vem, logo seu tempo acaba." Sentiu o peito apertar no mesmo instante e olhou para a fachada do Distrito 21 quando Kelly estacionou.
— Falei com ele, mas vou pensar nisso com calma quando voltar. — Seu foco naquele momento era aproveitar o tempo que tinha com o homem que amava. Sabia que faria bem a ela aquele final de semana longe de tudo.
— Mandy! — Ouviu Severide chamar depois que ela saiu e deu alguns passos em direção ao distrito, então se virou para ele — não esqueça de usar camisinha! — ele gritou e soltou uma risada, deixando Amanda em um estado que se pudesse abrir um buraco no chão para se enterrar, o faria. Então ele deu partida e foi embora, enquanto Amanda ofereceu um sorriso amarelo a dois policiais que passavam por ela tentando disfarçar as risadas presas.

"— Por mais que eu queira muito ser tio, por favor, não esquece a camisinha! — Pedro disse aumentando o volume da voz conforme Amanda se afastava rumo ao ônibus da excursão.
— Eu amo esse cara — sua amiga apareceu rindo, a abraçando de lado, depois de verem o carro de Pedro sumir na esquina.
— Pega pra você — Amanda resmungou, mas no fundo, não trocaria Pedro por nada. Seu melhor amigo, se tornou seu irmão poucos meses antes e foi com certeza a melhor coisa que já aconteceu em sua vida."

Amanda balançou a cabeça ao afastar a lembrança e apertou as têmporas com os dedos. Mais uma memória com Pedro, seu melhor amigo e irmão postiço em sua linha do tempo original, em seu universo.
Suspirou e olhou para o céu, tentando impedir a mente de pensar no jovem loiro e simpático que estava em algum lugar esperando por ela.
Aquilo a fez pensar… Enquanto ela estava ali, como estava lá? Desaparecida? Em coma?
"O tempo passa diferente aqui e no seu universo".
Lembrou mais uma vez de uma fala de Mia. Quase oito meses que estava em Chicago, significava quanto tempo em seu universo original? Seria bom conhecer alguém que também viveu tudo aquilo, para responder o tanto de perguntas que surgiam.
Ainda meio aérea com seus pensamentos, Amanda se virou para seguir seu caminho, mas trombou com uma pessoa, que a segurou pelos braços antes que desequilibrasse.
— Justin, oi! — cumprimentou ao ver com quem trombou.
— Amanda! O pessoal tá lá em cima… Eu já vou indo. — Meio sem saber como agir, ele tentou ir embora rápido.
— Justin, o que houve? Você tá esquisito e foi embora aquele dia no Molly's de repente. — Ele parou, ainda de costas, sem se virar para ela, como se ensaiasse como olha-la novamente.
— Eu só… — quando seus olhos se encontraram, Amanda sentiu o coração dar um salto. Não era atração ou algo do tipo, era uma sensação de bagunça, como se ele tirasse algo do lugar dentro dela, a deixando ainda mais confusa do que o normal nas últimas semanas. — É muito estranho ficar perto de você, olhar nos seus olhos… sinto o tempo todo que você… é ela. Isso é assustador demais, e doloroso como uma ferida sendo aberta.
— A Ana… — os olhos negros de Justin brilharam em surpresa. — Você não é a primeira pessoa que diz que eu lembro ela. — Amanda deu um leve sorriso e o viu apenas assentir, colocando as mãos nos bolsos, muito semelhante a como Hank Voight fazia.
— Tem certeza que não a conhecia? — perguntou, alguns segundos de silêncio depois — ou que não é ela… — ele fez uma careta, sabendo o quão bobo era cogitar aquilo e os dois riram baixo.
— Qual era o sobrenome dela? — Amanda decidiu perguntar, por mais que realmente não lembrasse de conhecer alguma Ana, mas havia tanta coisa que não lembrava.
— Barroni. — A garota apenas assentiu ao ouvir a resposta, aquele sobrenome não lhe remetia a absolutamente nada. — Acho melhor eu ir, não quero te causar problemas — Justin deu um sorriso de canto e se virou para ir embora, deixando Amanda sem entender.
Mas ao virar-se para o distrito, encontrou Antônio na porta, olhando em sua direção. Não parecia irritado ou algo do tipo, apenas a observava, esperando que fosse até ele.
— O que ele queria? — Antônio franziu o cenho quando Amanda chegou perto e viu a garota arquear a sobrancelha — estou perguntando numa boa… — ele espalmou as mãos, se rendendo, atitude que causou algumas risadas nela.
— Ele tava falando da Ana. — Deu de ombros e Antônio apenas assentiu levemente.
— Dizem que você parece tanto com essa moça, certeza que você é mais bonita — comentou de forma casual e um sorriso maroto brincou em seus lábios antes de roubar um selinho da namorada.
Amanda apenas rolou os olhos e deu um tapinha no peito dele. Então, Antônio lhe deu as chaves do carro para guardar a mochila e pediu que o esperasse lá enquanto ele terminava uma coisa na Unidade.

— Oi, Mandy! — A voz de Mia chamou a atenção de Amanda assim que fechou o porta malas do carro de Antônio.
— Mia! Veio visitar seu policial? — observou a caixa de rosquinhas nas mãos da ruiva e ela sorriu toda boba ao dar de ombros.
— E você, viagem com seu detetive? — as duas riram e Amanda encostou no carro, cruzando os braços.
— Levando seu conselho a sério… — deu de ombros com um sorriso de canto — aproveitar cada segundo!
— É a melhor coisa que faz, não fica pensando muito.
— Essa é a parte mais difícil — suspirou e viu os olhos da ruiva brilharem com entendimento ao assentir e apertar os lábios numa linha fina.
— Querer respostas, faz parte do ser humano, não é? — Abriu a caixa de rosquinhas e estendeu para Amanda, que pegou uma agradecendo com um sorriso.
— As coisas são muito diferentes daqui, no seu universo de Chicago? — perguntou antes de dar uma mordida na rosquinha cheia de glacê colorido.
— Muitas coisas apenas acontecem de forma diferente e outras realmente não existem ou não acontecem. — Amanda assentiu, pensando sobre aquilo — Eu mesma, fui inserida aqui, mas minha história não é daqui, então muita coisa acontece diferente do real, apenas para encaixar na sua história.
— Então… — Amanda pensou sobre aquelas palavras — aqui é uma espécie de um sonho meu?
— Não, porque os sonhos não são reais. — A respiração de Amanda falhou — Tudo aqui é real, as relações, os laços… Apesar de não serem da sua realidade original. — Mia fez uma pausa e respirou fundo — você nunca vai se esquecer. Ao vir para cá, sua mente bloqueou as memórias, para que vivesse aqui nesse tempo de forma real e sem amarras fora daqui — encostou no carro ao lado de Amanda e observou a fachada do distrito alguns metros à frente — mas quando voltar para sua realidade, não esquecerá daqui.
Antônio Dawson surgiu na porta a passos rápidos e as duas olharam para ele.
— Não se esquecerá das pessoas e do que construiu. — Aquilo apertou o coração de Amanda e ela tentou sorrir conforme o namorado se aproximou.
Criou laços reais com pessoas que não fazem parte de sua realidade. Teria de deixá-los em algum momento que parecia se aproximar cada vez mais.



Enquanto estavam na estrada, Amanda respondeu a mensagem de Shay desejando um ótimo final de semana. A loira finalizou a mensagem com uma foto dela, Casey, Gabby, Severide, Cruz e Otis na mesa do quartel, os dois últimos fazendo caretas junto com Shay.
Um largo sorriso brotou nos lábios de Amanda, se permitindo ficar alguns segundos apenas admirando a imagem.
— Tá olhando alguma foto minha? — a pergunta despertou Amanda, que o olhou confusa — para estar com esse sorriso, só pode ser uma foto minha. — Deu um sorriso de canto, como se fosse um garoto de dez anos.
— Quando ficou tão convencido? — ele apenas deu de ombros e apoiou a destra na coxa da morena — a Shay que mandou uma foto do pessoal. — Virou a tela para ele, que a olhou rapidamente e voltou a atenção à estrada.
— Aquela camiseta, você lembrou porque estava usando ou o que era? — ele perguntou depois de alguns segundos de silêncio.
Amanda tinha esquecido completamente daquela camiseta. Agora que lembrava, fazia todo sentido estar usando a peça quando chegou ali.
— Não… — a resposta fez sua garganta secar um pouco, então deu de ombros e tentou disfarçar — talvez eu seja muito fã dos bombeiros de Chicago.
Os dois riram e Amanda afastou o desconforto ao ouvir o som da risada de Antônio. Então colocou a mão sobre a dele em sua coxa e entrelaçaram os dedos, a garota iniciou um leve carinho no local.
Deixaram o som do rádio preencher o carro e apenas aproveitaram a companhia agradável um do outro. Vez ou outra faziam algum comentário sobre algo que viam na estrada e riam. Um clima leve, ambos decididos em não pensarem nos problemas da vida ou no trabalho. Era daquele jeito que passariam o final de semana.

•••


Amanda arrumava as almofadas no chão, perto da lareira, quando Antônio entrou no chalé carregando a lenha.
— Quer ajuda aí? — Ela perguntou ao se levantar e antes que ele respondesse, pegou duas toras que estavam prestes a cair dos braços dele.
— Se precisarmos de mais depois, terei que cortar, essas eram as últimas lá fora. — Antônio comentou ao jogar a lenha na lareira, antes de pegar as que Amanda segurou e fazer o mesmo.
— O Kelly não vem muito pra cá, não sei porquê.
— Eu acharia deprimente ficar aqui sozinho. — Deu de ombros ao se abaixar para arrumar a lenha e acender o fogo.
— É, faz sentido — assentiu e foi até a cozinha, pegar o vinho e as taças, voltando alguns minutos depois.
Ela tomou um lugar nas almofadas e Antônio fez o mesmo, assim que conseguiu acender a lareira. Os dois encostaram no sofá e o homem passou o braço sobre os ombros de Amanda. Ela serviu as duas taças de vinho e se aconchegou no abraço dele, recebendo um beijo na têmpora que a fez sorrir.
Os dois ficaram por alguns minutos em silêncio, olhando para o fogo que os aquecia e dando alguns goles no vinho. Então Amanda se lembrou de algo e decidiu quebrar o silêncio:
— Eu lembrei de algumas coisas recentemente… — Antônio a olhou ao ouvi-la e esperou que continuasse — no dia da explosão no 51, lembrei que sou paramédica, ou era. Por isso, eu soube exatamente o que fazer para ajudar a Connie.
— E você sabe onde trabalha, algum nome de hospital…? — Amanda negou com um meneio e olhou para a taça.
Sabia que contar sobre as memórias gerariam perguntas que ela não tinha as respostas. Ou perguntas que ela não poderia responder. Talvez por aquele motivo, não tenha contado antes, era tudo tão bagunçado e complicado. Tão ruim não poder dividir com ele, cada detalhe do que estava realmente acontecendo.
— Também me lembrei de um amigo, acho que foi quando me chamou de nega pela primeira vez — Amanda encontrou os olhos de Antônio, levemente confusos — aparentemente, é como ele me chama também.
— E ele é…
— Não, ele é apenas um amigo. — A cena clara de Pedro lhe falando sobre ela ser adotada pela mãe dele veio em sua mente — Na verdade, um irmão postiço. — O homem franziu o cenho e Amanda soltou um riso nervoso ao desviar os olhos para a lareira — sou adotada e não tenho ideia de como era minha vida, só sei que sempre me senti… — ela se interrompeu e a garganta fechou.
Queria poder dizer a Antônio que ele era seu conforto. Queria poder dizer que ele a fazia se sentir menos sozinha e solitária. Não se lembrava de muitos detalhes de sua vida, mas tinha uma certeza: One Chicago a salvou, a acolheu.
— Sempre me senti sozinha. — Completou com um sorriso de canto — talvez, por isso, eu tenha me adaptado tão rápido a uma nova vida.
"Uma âncora te mantém aqui". Poderia ser Antônio. Por isso se apaixonaram.
— Você nunca vai estar sozinha aqui. — A voz de Antônio saiu baixa, cheia de carinho. Então Amanda olhou para ele novamente e o que encontrou em seus olhos a fez arrepiar por inteiro. Nunca esteve sozinha. — Por que não me contou antes?
— Não sei… Acho que tive medo. — Suspirou e deu mais um gole no vinho, antes de colocar a taça do lado. — Parece que quando falamos sobre algo, aquilo se torna real e eu… — engasgou e umedeceu os lábios antes de continuar — não queria que nada, além daqui, fosse real.
Antônio colocou a taça perto da dela e levou a mão até seu rosto, onde fez um carinho suave com o polegar. Amanda fechou os olhos e sentiu o coração acelerar, como na primeira vez em que ele fez aquele mesmo carinho. Logo suas respirações se misturaram, conforme ele chegou mais perto.
— Isso nunca deixará de ser real, meu amor — o sussurro fez a voz de Antônio ficar mais rouca e o efeito no corpo de Amanda foi instantâneo.
"Sonhos não são reais". O que tinham era.
Os lábios dos dois se uniram e como todas as outras vezes, algo nunca pareceu tão certo para Amanda.
"Quanto mais rápido as memórias voltam, menor seu tempo"
As mãos de Antônio alcançaram a cintura de Amanda, lhe fazendo um carinho suave por baixo da camiseta.
"Uma ligação com esse Universo te trouxe para cá e uma âncora a mantém aqui"
Amanda tentava afastar o que ecoava em sua mente, numa tentativa frustrada de não pensar em nada além dos toques de Antônio e dos beijos que agora distribuía por seu pescoço.
"Não é permanente".
As mãos de Amanda envolveram o tecido da camiseta de Antônio com força, como se tentasse se amparar em algo.
"Nunca é mais que um ano".
Ela apertou mais as mãos e afastou Antônio com força jogando o corpo para trás de súbito, com a respiração acelerada.
— O que houve? — Antônio a encarou preocupado.
— Eu… — levou a mão à testa, sentindo um suor frio no local — me desculpa, eu preciso tomar um ar.
Amanda se levantou rápido e saiu a passos largos para a varanda do chalé, deixando um Antônio desnorteado e confuso.

•••


O dia no quartel não estava dos mais agitados até o momento. Passava do almoço e tinham tido apenas um chamado. Shay e Gabby organizavam algumas coisas na ambulância, enquanto conversavam com Casey. Os outros bombeiros estavam espalhados pelo quartel, mas a maioria se encontrava, como de costume, na sala comum, conversando ou assistindo ao jogo que era transmitido.
— Vocês vão no Molly’s hoje? — Matt Casey perguntou, encostado na porta da ambulância.
— Eu precisarei ir para trabalhar, cobrir a Amanda. — Gabby respondeu ao dar de ombros.
— Provavelmente passarei lá sim. — Leslie Shay comentou ao pular da ambulância.
Esquadrão 3, viatura 81, ambulância 61… Incêndio estrutural em fábrica.
Os três apenas trocaram um olhar rápido ao ouvirem o chamado da central e correram para seus postos. Shay fechou a porta dupla da ambulância e se encaminhou para o lado do motorista.
— Achou o Casey abatido? — A loira perguntou para sua parceira enquanto terminava de colocar o cinto de segurança.
— Não percebi… — Gabby respondeu franzindo o cenho, mas só então parando para pensar que talvez ele estivesse um pouco mesmo.

No prédio em que era o chamado, estava um caos, janelas explodiram no momento em que chegaram e a fumaça ficava cada vez mais preta e densa. Não perderam tempo em tomar ação, os tenentes Casey e Severide liderando suas equipes, enquanto Boden supervisionava tudo. Seu olhar preocupado e a sensação de que algo estava muito errado por ali, o fez ter um pouco mais de cautela, principalmente antes de mandar as paramédicas para dentro do prédio. Até ouvir no rádio que precisavam delas lá dentro. O homem trocou um olhar rápido com Gabby Dawson e depois dela assentir, entrou com Leslie Shay.

•••


Amanda estava na varanda já faziam mais de dez minutos, sozinha, tentando acalmar o coração que parecia querer sair de seu corpo a todo custo. Não entendia o que estava sentindo, estava tudo uma bagunça, como quando chegou em Chicago. Mas talvez umas três vezes mais forte.
Sua cabeça não deixava de jogar todos os flashes de memória que teve, de uma só vez, além das palavras de Mia sobre a “experiência” que estava passando. Aquilo a estava sufocando, parecia estar correndo sem rumo dentro de um labirinto.
Lembrou de Antônio dizendo o quanto a história deles era real e concordar com aquilo doía como um soco no estômago.
— Amor…? — a pergunta, recheada de hesitação, fez Amanda se virar para a porta e encontrar os olhos preocupados de Antonio.
Aquilo era tão injusto com ele. Sabia que teria de deixá-lo, por que continuar com aquilo então? Só seria mais doloroso no final.
— Me desculpa, não queria…
— Tá tudo bem, só fiquei preocupado com você — ele se aproximou com as mãos nos bolsos da calça jeans. — Se quiser conversar, estou aqui. Ou se quiser ficar sozinha, posso...
— Eu amo tanto você, de um jeito que eu realmente nunca achei ser possível. — Antonio apenas ficou a olhando, com um sorriso de canto quase imperceptível. Amanda não conseguiu continuar o encarando, então olhou para frente, focando no horizonte — Mas não podemos continuar juntos.
— Como é? — ele franziu o cenho e deu mais um passo, mesmo assim Amanda não o olhou, sentindo que iria ceder se olhasse em seus olhos — Por que tá dizendo isso? — ele tocou o braço da morena.
— É o melhor pra nós dois, acredita em mim. — Amanda balançou a cabeça e sentiu os olhos encherem de lágrimas.
— Em que universo, o melhor pra mim, é ficar longe de você?
Ele não tinha ideia do peso daquela pergunta. As lágrimas escorreram e Amanda quis gritar de raiva e frustração. Aquilo não era justo, com nenhum dos dois.
— O que tá acontecendo? Fala comigo, por favor! — Antônio a virou para ele e Amanda tentou a todo custo fugir de seus olhos, até ele fazer um carinho em seu rosto, limpando as lágrimas.
— Eu tentei fugir disso, tentei de todo jeito fingir que não tava acontecendo, mas não adianta fugir. Fingir que não existe algo, não faz isso simplesmente deixar de existir. — As palavras se embaralhavam e ela dizia tudo rápido demais. Nada fazia sentido para Antonio.
— Do que está falando?
“Não é definitivo”, “É uma linha do tempo do Universo de One Chicago”, “Nunca passa de um ano”, “Quanto mais rápido as memorias vêm, mais rápido acaba seu tempo”, "Ancora te mantém aqui”, “Nem todos têm uma ligação”.
A cabeça de Amanda girou com todas as frases soltas que ecoavam em sua mente. A lembrando, dolorosamente, que ela...
— EU NÃO SOU DAQUI ANTÔNIO! NÃO SOU DESSE…
O celular de Antônio começou a tocar em seu bolso, interrompendo o rompante de Amanda, e trazendo seu bom senso de volta. Ela se virou, levando uma mão à testa, afastando-se alguns passos do namorado. O peito apertado e a mente turbulenta como nunca antes. Onde estava com a cabeça? Não podia contar a ele. Não sabia o que aquilo poderia causar.
— Amanda… — ela se virou para Antônio, prestes a tentar dizer algo que consertasse o que quase contou, mas a angústia que encontrou nos olhos dele a fez paralisar — era a Gabby — a garota sentiu a garganta fechar, não podia ser — a Shay sofreu um acidente, num incêndio.



Amanda passou pela porta dupla do Chicago Med, Antonio em seu encalço. Os olhos vermelhos dela indicavam que chorou por todo o caminho até ali. Sentia o coração quase sair pela boca, implorando aos céus que não acontecesse o pior - mesmo que seu coração insistisse em dizer que era inevitável.
— Kelly! — Encontrou o amigo sentado em uma das cadeiras da sala de espera.
Ele se levantou quando os olhos se encontraram, os dele inchados e também muito vermelhos. Então ela o abraçou com força, Kelly Severide escondeu o rosto na dobra de seu pescoço, inclinando um pouco o corpo por causa da diferença de altura.
— Ela vai conseguir, ela tem que aguentar, Mandy — o homem disse baixo, com a voz abafada.
Amanda não teve forças para responder, apenas apertou mais o abraço e tentou respirar fundo, mas a mesma falhou.
Apenas depois de separarem o abraço, a morena se deu conta que os outros bombeiros do 51 estavam ali, ainda usando as roupas do incêndio, como era de se esperar naquela situação. Trocou um olhar com Matt Casey do outro lado da sala e logo sentiu a mão de Antônio em seu ombro. Ao colocar a mão na dele e entrelaçarem os dedos, ele iniciou um leve carinho com o polegar.
Não seria daquele jeito. Ela não iria para o hospital. As coisas aconteceriam de forma diferente. Então ainda havia uma chance, tinha que haver… não aguentaria a dor de perdê-la de forma tão real. Não era mais uma personagem, era sua melhor amiga. A mente de Amanda repetia aquilo incansavelmente, numa luta interna para acreditar que nem tudo aconteceria como ela conhecia.
— Dr. Halstead! Como ela está? — A voz preocupada do chefe Boden cortou o silêncio sepulcral da sala.
Todos se viraram para o médico ruivo que tinha os olhos aflitos. Amanda segurou na mão de Kelly Severide quando ele se levantou e parou ao lado dela, olhando atento e ansioso por Will Halstead dizer alguma coisa.
— Eu… — mesmo já tendo feito aquilo incontáveis vezes, Will sentia que nunca seria uma tarefa fácil. — Eu sinto muito. Fizemos de tudo. — e sempre era três vezes pior quando se tratava de amigos.
As pernas de Severide vacilaram e ele deu dois passos para trás. Amanda apertou mais a mão do homem e tentou puxa-lo para um abraço que ele fez menção de recusar, sem saber como agir ou o que sentir, em um estado de choque doloroso. Mas então ele cedeu e Amanda o abraçou, sentindo os próprios olhos inundarem e Kelly desabar em lágrimas nos seus braços ao se sentarem na fileira de cadeiras.
Todos na sala ficaram atordoados, alguns levando as mãos à nuca e olhando para o teto como se não acreditasse no que acabara de acontecer.
Os soluços de Kelly nos braços de Amanda, enquanto as lágrimas dela escorriam silenciosas, eram acompanhados pelo choro baixo de Gabby Dawson, que deixou a dor sair livremente por seus olhos quando Stella Kidd a abraçou.
Tudo parecia estar em câmera lenta, Amanda olhava para os amigos com o coração perdendo um pedacinho a cada segundo. Lembrava bem das lágrimas e tristeza que a atingiu quando assistiu, de forma totalmente diferente, aquela tragédia. Agora a dor era palpável, como a de quando se perde um membro da família. Amanda fechou os olhos e apertou um pouco as mãos no casaco do amigo, como se tentasse se sustentar nele. Os dois teriam de se amparar, ela não o deixaria passar por aquela dor sozinho. Não o deixaria se isolar, como sabia que aconteceria.

•••


(No dia seguinte)



Nem Amanda e nem Kelly conseguiram pregar o olho, era difícil dormir naquele apartamento, quando sabiam que faltava alguém. Ambos cogitaram passar a noite fora, mas ao mesmo tempo que não sabiam se queriam ficar ali, não sentiam ter para onde ir.
Amanda e Antônio estavam em um clima estranho, por mais que ele tivesse ficado ao lado dela o dia anterior inteiro e mandou algumas mensagens. Sabia que teriam de conversar e resolver aquilo, ela precisava resolver aquilo, terminar de colocar o ponto final que tinha em mente e ainda achava a melhor escolha.
— Sua cara tá péssima — Severide comentou ao chegar na cozinha.
— Aposto que não estou pior que você. — Os dois se olharam, os olhos inchados deixando claro a falta de uma boa noite de sono.
Os dois apoiaram os braços na bancada de mármore e Amanda pegou na mão dele, onde fez um carinho suave.
— Ela vai fazer muita falta — A morena comentou, logo sentindo a voz embargar.
— Mas ela nunca vai ser esquecida — ele apertou os lábios em um quase sorriso, mesmo que totalmente sem ânimo — obrigado por estar comigo, é bom termos um ao outro.
— É que você me ama, tenente — ela deu de ombros, convencida e sorriu levemente em seguida, tentando deixar o clima mais leve.
Ambos sabiam que Leslie Shay era feliz demais para querer que os dois ficassem sofrendo pelos cantos e chorando sem parar. Tinham que focar em lembrar dos bons momentos com ela, as risadas que preenchiam qualquer ambiente e do olhar vivo, cheio de verdade. Shay se tornou seu ponto de paz desde que chegou ali…
Seu ponto de paz…
Amanda franziu o cenho. Então, Kelly soltou a mão dela e lhe deu um beijo na têmpora.
— Eu vou para o quartel, combinei de conversar com o Boden, sobre a homenagem. — Amanda apenas assentiu ao ouvi-lo e antes que pudesse dizer mais alguma coisa, ele já estava indo em direção à porta.
— Nos encontramos no velório então, preciso de um banho — Kelly parou perto da porta ao ouvir a amiga e a olhou. Por alguns rápidos segundos, os dois apenas de encararam, como se conversassem com o olhar. Ele suspirou e foi embora.

•••


Durante o banho, Amanda se lembrou dos "sonhos" da última noite. Não sabia se podia chamá-los de sonho realmente, mas eram apenas cenas soltas dos poucos minutos de sono que teve ao longo da noite.
Lembrou-se dos muitos momentos ao lado de Shay, como um filme em sua mente. Foi um carinho e conexão tão instantâneos que pareciam realmente já se conhecerem.
Ao desligar o chuveiro, parou por alguns segundos. Leslie Shay era seu ponto de paz. Então sentiu uma pontada na lateral da cabeça e teve de se apoiar na parede do box para não ir ao chão com a tontura que lhe atingiu.
De olhos fechados, tentou afastar a dor, mas memórias começaram a aparecer. Viu a si mesma criança, brincando com outras crianças na frente de um enorme casarão, uma mulher os olhava de longe, atenta mas com um sorriso nos lábios. Então, ela adolescente, de cabelos coloridos, chorando encolhida numa cama, ela discutindo com um casal e depois saindo rápido ao bater a porta.
O estômago de Amanda embrulhou e ela se curvou sobre o vaso sanitário, colocando para fora a única torrada que tinha conseguido comer horas antes.
"Quando sua âncora vai embora, logo seu tempo acaba".
— A Shay. — A lembrança clara das palavras de Mia ecoaram em sua mente e então fez sentido.
Suas memórias estavam voltando. Sua âncora se foi. O tempo…
— Kelly! — lutando contra o desconforto no estômago, Amanda reuniu as forças e correu para o quarto.
Depois de se trocar o mais rápido possível, com a mente acelerada e um aperto no peito que a fazia querer chorar até se desfazer, pegou as chaves do carro e saiu em disparada do apartamento.
— Amanda? — A voz rouca fez a garota parar e não entrar no carro, assim que abriu a porta do motorista.
— Sargento Voight, oi! — ela fez uma leve careta ao sentir o embrulho no estômago diminuir consideravelmente — o que faz aqui?
— Na verdade, estava procurando o Antônio, pensei que ele estivesse com você. — Hank Voight colocou as mãos nos bolsos na calça.
— Não, eu quis dar uma força pro Kelly, ficar do lado dele… — o homem assentiu ao ouvi-la — eu e o Antônio meio que terminamos também.
— Ele fez besteira? — arqueou uma sobrancelha. A pergunta e a expressão tinham um tom paternal que quase fez Amanda rir.
— Na verdade não, é só que sinto ser o melhor para nós dois — deu de ombros levemente. O melhor mesmo para ela era ficar ali, com Antônio e seus amigos.
Mais memórias apareceram, claras feito água. Ela na escola, com Pedro, passeios no Parque Ibirapuera depois da aula. O coração apertou mais uma vez.
— Bom, então eu vou indo — o sargento a tirou de seu desconforto momentâneo ao se pronunciar e ela apenas concordou com a cabeça. — E Amanda, eu sinto muito pela sua amiga.
— Obrigada, sargento. — Então ele deu as costas e a deixou sozinha com suas memórias, desconforto e bagunça interior.
Os olhos de Amanda, cansados de tanto chorar, arderam quando as lágrimas se formaram novamente. Antônio…
Se não estivessem juntos mais, quando ela precisasse ir, doeria menos, causaria menos dano. Tinha que acreditar naquilo, pois seu coração dizia que precisava chegar em seu melhor amigo o mais rápido possível e não em Antônio. Precisava ficar ao lado de Kelly por todo o tempo que ainda tinha. Pois algo lhe dizia que não era muito.
Conforme ela pisava no acelerador, rumo ao quartel 51, as palavras de Mia sobre o tempo que teria ali, a âncora e o elo que tinha com Chicago, se repetiam. Em meio às memórias que pareciam voltar cada vez mais rápido. Dando um passado a Amanda… Lhe arrancando seu presente a cada segundo que passava.
Um trânsito na avenida principal fez Amanda diminuir a velocidade do carro e socar o volante, com o coração acelerado ao ponto de pulsar por todo seu corpo. Passou as mãos pelos cabelos e prendeu os cachos em um coque. Sentia o corpo quente e um suor escorrer por suas costas, como em um verão tropical… como Janeiro no Brasil.
Mais imagens, trazidas pela sensação de calor abafado, vieram a sua mente. Ela estava na praia, tomando uma caipirinha, ao lado de um homem que tinha o sorriso largo e de dentes extremamente brancos. A pele negra brilhante por causa da água do mar. Era o médico que ela já havia tido um flash de memória. Mais flashes vieram com ele e a certeza de quem era: seu ex-namorado, o cirurgião de trauma do hospital Zona Sul de São Paulo.
— Parem, por favor, parem de vir — "quanto mais rápido elas vêm, logo seu tempo acaba".
Ao passar os olhos pelo celular no banco do passageiro, Amanda teve uma ideia. Pegou o aparelho e abriu a caixa de email, onde começou a gravar uma mensagem de voz para enviar.
O trânsito fluiu enquanto ela terminava a mensagem, impressionada com a facilidade em esconder o medo e angústia em sua voz. As lágrimas escorriam livremente quando chegou ao fim da gravação, no exato momento em que entrou na rua da igreja onde seria o velório de Shay.
Então, flashes de memória começaram a aparecer rápido, a fazendo piscar algumas vezes. Incontáveis momentos de sua vida misturados ao que viveu em Chicago. Uma dor apertou seu peito e sua vista ficou enevoada.
Apertou o botão para enviar o e-mail quando avistou metros a frente, Boden, Herrmann, Casey e Severide na frente da igreja trajando suas fardas.
Amanda tentou pisar fundo no acelerador, mas a sensação era que ele estava diminuindo a velocidade. Era como se algo tivesse puxando Amanda, sua vista ficou completamente turva e então ela gritou a plenos pulmões, numa tentativa frustrada de evitar o inevitável.

Quando a visão de Amanda ficou clara novamente, ela se lembrava de tudo. Cada detalhe de sua vida, sobre as pouquíssimas amizades, tristezas, alegrias… Estavam todas as memórias ali, sua infância no orfanato, as muitas famílias que nunca a acolheram de verdade, a única amizade verdadeira que teve - Pedro -, a adoção de Clarissa, as séries de Chicago e o dia em que as conheceu… Chicago… Antônio, Kelly…
Então, ela olhou em volta, focando na rua, prédios e carros que passavam. Não estava na rua da igreja.
— Não… — o ar lhe faltou e ela saiu do carro, olhando em volta desesperada, procurando pelos amigos, pela igreja, por Chicago — Não, não, não, não… — as lágrimas inundaram seus olhos, enquanto ela via os altos e imponentes prédios comerciais da Avenida Paulista.
Ela correu para a frente do carro, já sentindo as lágrimas molharem seu rosto. Os barulhos de uma São Paulo agitada se misturando às batidas de seu coração acelerado.
— NÃOOOOOOOOOOOOO! — ela foi de joelhos ao chão, chorando copiosamente.
O tempo acabou. Ela estava de volta ao mundo real… mas ela não estava em casa.



São Paulo, SP, Brasil
— 3 anos depois



Mais um dia fracassado, o cansaço de Amanda gritava, mas isso não a faria desistir, por mais que a vontade de fazê-lo fosse enorme. Estava exausta, chegando num limite que já não sabia quanto tempo duraria as forças para não desistir daquela busca que parecia inútil. Três anos se passaram e ela ainda se via presa ao que foi arrancado dela.
Ao soltar o corpo no sofá e fechar os olhos, tentou afastar a saudade, sem sucesso. Lembrava de cada sorriso, cada abraço, cada brincadeira. Aquilo tornava tudo ainda mais doloroso e difícil. Quando foi jogada no universo de Chicago, não se lembrava do passado. Mas agora... lembrava de tudo com muita clareza.
— Ah! Já chegou. — A voz de Clarissa a fez abrir os olhos e tombar a cabeça para olhá-la, sem mudar de posição no sofá. — Nada ainda?
Amanda apenas negou com a cabeça e se levantou, indo até a mulher de pele clara e olhos azuis como os de Pedro.
— Quem é essa mulher que precisa encontrar?
— Uma pessoa importante para alguns amigos. — Respondeu, logo se lembrando de Voight, Justin e Erin, um sorriso triste brotou em seus lábios — talvez ela saiba como posso reencontrar esses amigos que... Eu perdi contato.
— O Pedro te faz muita falta, não é? — a pergunta trouxe um silêncio pesado, cheio de dor e lembranças. Então Amanda cobriu a mão da mulher com a dela.
Quando voltou ao mundo real, teve algumas respostas depois que conseguiu se acalmar e raciocinar. No dia que foi para Chicago estava voltando do velório de Pedro, seu melhor amigo e irmão adotivo, que faleceu ao sofrer um acidente de carro. Dar-se conta daquilo triplicou a dor de deixar Chicago. As palavras de Mia fizeram mais sentido, o que a puxou para o Universo que era seu ponto de paz e refúgio, foi a dor de perder a única pessoa que lhe deu uma família. E naquele dia, ela desejou, em meio a lágrimas dolorosas, ao estacionar o carro em um dos lugares preferidos dela e Pedro, ir embora dali, ir para um lugar onde se sentisse em casa e tivesse uma família como Pedro era para ela. Então a vida, Deus ou alguma força que ela não entendia, realizou seu desejo.
"O tempo funciona diferente aqui e no mundo real". E realmente funcionava, como Mia lhe disse. Oito meses em Chicago, foram apenas algumas horas dentro do carro, com a testa apoiada nos braços sobre o volante.
— Como é mesmo o nome da moça que está procurando? — Clarissa quebrou o silêncio e respirou fundo, se afastando para disfarçar as lágrimas que se formaram depois que Amanda assentiu em resposta.
— Ana. Ana Barroni.
Clarissa assentiu devagar ao ouvir a resposta.
— Espero que a encontre. — Amanda apenas deu um leve sorriso com uma ponta de tristeza. Era tão dificil se manter confiante.
— Também espero.

•••


— Mais 2 anos depois



Talvez Ana, Chicago, tudo que viveu, foi um sonho. Um sonho bem real, mas apenas um sonho. Foi isso que Amanda passou a acreditar.
Aquela tarde de buscas que não levaram a lugar algum, foi a última vez que procurou por Ana ou qualquer pista de caminho que a levasse de volta a Chicago. O cansaço falou mais alto e ela decidiu que precisava seguir em frente e deixar tudo aquilo para trás. Nos anos que se passaram depois disso, Amanda se obrigou a viver o presente.
Fez alguns amigos, se é que podia chama-los assim. Algo dentro dela sempre a fazia afasta-los quando se aproximavam demais.
Se apaixonou, mas tudo desandou quando viu que não tinha futuro. O que poderia esperar ao se declarar pro médico boa pinta, garanhão e extremamente bom de cama, depois de uma única noite que dormiram juntos?
Talvez tenha sido emocionada demais por causa do constante esforço para ocupar um espaço de seu coração que sempre parecia vazio demais. Por mais que tentasse ao máximo negar que esse espaço existia.
Amanda fez de tudo para afastar a dor que deixava escondida embaixo de muitas camadas de trabalho, relacionamentos rápidos como um trem bala e amizades vazias que não passavam de companheiros de bebedeira e festas. Mas essa dor sempre vinha à tona em pequenos momentos em que se via vulnerável demais, perdida demais, sozinha demais.
Clarissa via tudo isso de longe, com o peito apertado, sem saber direito o que fazer para ajudar. Sentia falta da Amanda que conheceu quando Pedro era vivo, a Amanda de vinte e dois anos, de riso fácil e os olhos brilhantes, altivos. Sabia que a morte de Pedro a quebrou, mas pensou que depois de alguns meses, ela iria se reerguer. E por um tempo, pensou que esse processo estava em andamento. Então, a viu entrar num looping de descrença e desanimo nos últimos dois anos. Ela parecia estar vivendo a vida no controle automatico, sem qualquer vontade de criar laços ou qualquer tipo de relação que a conectasse com outras pessoas, momentos ou histórias. Até seus gostos e hobbies pareciam ter sido abafados por ela com uma toalha quente.
Numa tarde, ao chegar do trabalho, Clarissa estava cozinhando, quando Amanda chegou com os olhos cansados e a maquiagem borrada abaixo dos olhos. Sabia que era sua folga e ao que tudo indicava, ela saiu do trabalho na noite anterior e foi para alguma festa. Com um leve sorriso, cumprimentou a mãe e depois de pegar uma garrafa d'água, foi na direção do quarto.
— Vai querer almoçar? — Clarissa perguntou antes de ouvir a porta se fechar.
— Vou dormir um pouco, quando acordar eu janto. Não se preocupa, não bebi tanto quanto parece, é mais sono mesmo. — Em seguida o trinco da porta do quarto ecoou e Clarissa respirou fundo.
Apesar de estar levando a vida tão no controle automático, Amanda ainda era a boa moça que conhecia. Nunca foi imprudente ou derespeitosa. Era apenas uma pessoa desiludida.
Uma mensagem chegou no celular sobre a bancada, tirando a atenção da mulher das panelas.

"Clarissa, quanto tempo! Como está a vida?
Estou de volta a São Paulo, Bianca está louca para te conhecer. Podiamos marcar um almoço, só me dizer quando pode."


Clarissa franziu o cenho por um momento, fazia tanto tempo que não via o amigo. Um investigador da polícia que conheceu na época da faculdade e se tornou um grande irmão de coração. Ele tinha se mudado para os Estados Unidos quando se separou e agora estava casado novamente, e de volta a São Paulo...
Parou e arregalou os olhos. Uma luz se acendeu em sua cabeça, lembrou-se claramente do dia que chegou em casa e Amanda estava com o olhar distante, três anos depois do falecimento de Pedro. Não sabia se o fato de não ter encontrado a pessoa que procurou por anos, influenciou no estado de espirito atual de sua menina. Mas se antes ela não tinha ideia como ajuda-la, agora estava claro feito água.
Respondeu a mensagem do amigo rapidamente e na mensagem seguinte disse que precisava da ajuda dele para encontrar uma pessoa. Levando a mão à testa, fechou os olhos e forçou a mente a voltar àquela tarde em que Amanda disse o nome da mulher. Foram necessários apenas alguns segundos, para o nome aparecer como um letreiro em néon na sua frente.
— Ana Barroni, por favor, apareça. Precisamos encontrar você. Seja você quem for.
Aquele sexto sentido de mãe dizia, ou melhor, gritava que encontrar aquela mulher traria sua Amanda de volta, seu brilho e sua esperança. E gritava ainda mais alto que sim, ela seria encontrada. Que não estivesse extremamente errada.

•••


— 12 de Fevereiro



Naquela mesma semana, o investigador mandou para Clarissa o resultado de suas buscas. E não poderia ter vindo em melhor hora, pois era o aniversário de 29 anos de Amanda. Então guardou o envelope contendo três endereços, até aquele dia, para entregar o presente.
Deu duas batidas na porta do quarto da filha com o café da manhã. Não sabia quais eram seus planos para o dia, por isso decidiu já inicia-lo entregando o envelope, torcendo para que aquilo a fizesse feliz.
— Bom dia, aniversariante do dia! — Empurrou a porta com o corpo, segurando uma bandeja contendo uma cestinha de pão de queijo quentinho, cappuccino com chantilly, torrada com geleia de morango e um brownie de chocolate. Tudo que Amanda amava no café da manhã nem um pouco saudável.
— Não precisava tudo isso, Clari. — Sorriu ao se espreguiçar para se sentar na cama. Encostou-se na cabeceira e prendeu os cabelos num coque mal feito no topo da cabeça. — Mas não vou reclamar, porque o cheiro de pão de queijo já fez meu estômago roncar.
Clarissa se sentou na beira da cama e colocou a bandeja nas pernas de Amanda, com um sorriso satisfeito.
— O que é isso? — Amanda questionou franzindo o cenho ao notar um envelope preso na bandeja. — Eu não iria reclamar de ganhar passagens para a Itália de presente. — Deu um sorriso sapeca antes de dar uma mordida no pão de queijo.
— Não dessa vez. — Clarissa abriu um leve sorriso e colocou a mão sobre a de Amanda, antes que abrisse o envelope. — Antes que abra, quero dizer que fiz isso porque sei que foi algo importante pra você por alguns anos e talvez aí esteja a resposta que procurava.
Com o coração levemente apertado e confusa, Amanda olhou para o envelope por alguns segundos antes de abri-lo. Quando leu a pequena lista de três endereços e telefones de contato, de mulheres chamadas Ana Barroni. Arregalou os olhos e depois franziu a testa para Clarissa.
— O que é isso? E como você...?
— Desculpe não ter pensado nisso quatro anos atrás, mas um amigo que é investigador voltou para o Brasil e ao entrar em contato comigo, me veio a ideia de pedir para ele procurar por ela.
— Eu não preciso mais disso. — Guardou de volta os papeis no envelope e o colocou sobre a comoda ao lado da cama, como se não fosse nada. Como se não se importasse. A mesma forma que se acostumou a agir nos ultimos anos, para absolutamente tudo.
— Seja quem for essa pessoa que procura, ou seja qual for a resposta que precisava dela, ainda por estar aí, em algum lugar. Você tem uma nova chance de tentar encontra-la, é uma droga se arrepender de não tentar, Mandy.
— Sim, sei disso. Só percebi que não quero mais ficar presa ao passado incerto, se tenho um presente para viver. — Respirou fundo e abriu um sorriso agradecido — mas obrigada pelo presente e pela intenção.

•••


— Seis meses depois



Amanda entrou em casa com os olhos vermelhos e inchados, sentindo que o peso do mundo estava todo em suas costas. Ao passar pela porta, a dor voltou com toda a força, quase a derrubando. Cada ponto da casa que a abrigou por tantos anos, que se tornou seu lar, agora parecia tão triste e frio, lembrava a mulher que a amou como filha, que foi a unica mãe que conheceu em vinte e nove anos.
Com as lagrimas molhando seu rosto novamente, soltou a bolsa no chão e escorregou encostada na porta até sentar no piso gelado. Estava sozinha, completamente sozinha. Primeiro a morte levou seu melhor amigo e irmão, agora sua mãe Clarissa. Então fechou os olhos e apoiou a cabeça na mão, lembrando dos muitos momentos que passou ao lado da mulher e de toda a alegria que ela emanava.
Um longo tempo se passou, até Amanda pegar no sono ali mesmo, no chão, enquanto as lágrimas secaram em seu rosto.
Acordou com as costas doloridas e o pescoço quase travado. Se sentiu tão patética que daria risada de si mesma se não fosse a tristeza que a dominava por dentro. Levantou devagar, meio cambaleando, e notou pela janela que já anoitecera. Respirou fundo e se arrastou até o quarto, precisava urgente de um banho quente.
Perdeu a noção de tempo no chuveiro, mas quem a julgaria? Não tinha nem mesmo quem a julgasse, mas que merda.
Ok, chega de autopiedade, Amanda. Não seja tão dramática.
Pensou consigo mesma enquanto vestia um pijama.
Ao sentar na cama, abriu a primeira gaveta da cômoda para pegar os fones de ouvido que deixava guardado ali. Então uma coisa chamou sua atenção. O envelope que Clarissa lhe deu seis meses antes, no seu aniversário. Ficou estática, o olhando fixamente, como se a qualquer momento pudesse saltar em seu rosto e ataca-la. Fechou a gaveta, balançando a cabeça e se aprumou na cama, colocando os fones de ouvido.
"(...)é uma droga se arrepender de não tentar, Mandy."
A voz de Clarissa ecoou em sua mente e ela sentiu o peito apertar um pouco. De olhos fechados, jogou a cabeça para trás na comoda e suspirou. Não tinha mais ninguem, sentia-se sozinha como nunca antes. O que tinha a perder? Se não a encontrasse naqueles endereços, apenas teria a confirmação do que já tinha aceitado por cinco anos. Mas se a encontrasse, poderia finalmente ter respostas, entender de verdade tudo que aconteceu.
Sabia que em Chicago, nunca se sentiria sozinha. Tinha uma familia lá. E se Ana soubesse como voltar?
Amanda tombou a cabeça para o lado, fitando a gaveta fechada que parecia chamar seu nome. Havia mais uma chance, não iria simplesmente ignora-la, tentaria sua ultima cartada, pela ultima vez. Estendeu o braço e abriu a gaveta, puxando o envelope em seguida.

•••


Dois dias depois, Amanda se preparou para ir atrás de um dos endereços depois do turno no Samu, onde trabalhava como paramédica em São Paulo. Entre as três Ana Barroni da ficha, duas eram da capital paulista mesmo e a terceira era do Rio Grande do Sul.
Bateu palmas no portão do primeiro, esperou alguns minutos e uma senhora de talvez uns setenta anos apareceu.
— Aqui é a casa da Ana Barroni, senhora? — com um leve sorriso simpático, ela assentiu.
— Sou eu mesma, querida. Do que se trata? — Amanda a observou por rápidos segundos, a mulher que tinha a pele branca, os cabelos extremamente lisos e olhos verdes, não parecia em nada com ela. Esperava que Ana tivesse seus traços e características. E talvez fosse mais jovem... — Moça?
— Ah, sim, claro. — Ela coçou a garganta — meu nome é Amanda, sou paramédica no Samu e bom, gostaria de saber se a senhora viajou nos últimos dez ou vinte anos.
Considerando que o tempo passava diferente nos dois universos, Amanda imaginava que no mundo real se passou muito mais que os oito anos desde que Ana esteve em Chicago. Esperava estar certa.
— Faz muitos anos que não viajo, minha filha. Apenas para a cidade vizinha, para visitar minha filha... — a senhora deu de ombros — é algum problema na cidade? Algum vírus?
— Não não, fique tranquila, é apenas... — caso de viagem entre universos paralelos — visita de prevenção para pacientes do SUS. — Amanda inventou rápido e deu um sorriso suave, torcendo para ela não ter plano de saúde e a desculpa funcionar, mesmo que aquelas visitas nem existissem. — A senhora não foi para Chicago, então?
— Oh, minha filha — a mulher riu — nunca saí do Brasil.
Amanda suspirou e depois de agradecer a atenção da senhora Ana, foi embora.
Ainda tinha mais uma opção. Olhou para o papel antes de dar partida no carro, respirou fundo e seguiu para o endereço, que ficava do outro lado da cidade, já saindo de São Paulo.
Todas as vezes em que saiu para procurar alguma pista, tentar falar com médicos e cientistas, que ficou até de madrugada pesquisando por Ana Barroni na internet, tinha em mente sua família de Chicago. Não os tirava da cabeça em nenhum momento, eram seu incentivo diário para não desistir de encontrar um caminho de volta. Até aquilo não ser mais o suficiente, começou a duvidar de si mesma e do quão real foi tudo que aconteceu.
Talvez fosse loucura, mas algo dentro dela sempre dizia que Ana tinha respostas e que fazia parte de seu universo. Se a encontrasse poderia ter uma luz, qualquer coisa. Nem que fosse apenas a confirmação de que não estava louca.
Ao tocar a campainha, ninguém apareceu. Amanda olhou pelas grades do portão, estava tudo fechado. Ela tocou a campainha de novo depois de alguns minutos e nada. Não tinha ninguém em casa. Respirou fundo e se virou em direção ao carro.
Então, o portão automático abriu e um carro branco se aproximou. Os olhares das duas se encontraram. Amanda paralisou e sentiu as pernas vacilarem, a garganta secou instantaneamente. Era como se ela estivesse olhando o próprio reflexo no espelho, mas ele a mostrasse dali uns vinte anos.
A mulher, que tinha os cabelos cacheados presos num coque abacaxi e usava um terninho social preto, também pareceu paralisar. Até voltar-se para frente e terminar de colocar o carro na garagem.
O portão automático se fechou e Amanda pensou que seria ignorada, mas logo ouviu os saltos ecoando pela garagem, até o portão social abrir.
— Ana? Ana Barroni? — Amanda perguntou com a voz baixa e viu a mulher ficar com os olhos marejados.
— Meu Deus, você é a cara dele. — Ana parecia atordoada.
— Pelo jeito, pareço sempre com alguém. — Amanda soltou um riso fraco, sem graça.
— Se me procurou, é porque você foi. — Suspirou e abriu o portão, dando passagem para Amanda — Talvez seja a hora de enfrentar meus fantasmas e te fazer entender os seus.

•••


Era assustador como Ana se parecia com Amanda. Entendia o desconforto de Justin quando estava perto dela, imaginava que era bem desconcertante ver alguém tão parecido com um pessoa que já não fazia mais parte de sua vida.
— Tome. Acho que vai precisar. — Ana voltou da cozinha com um copo d'água e estendeu para Amanda, que estava sentada no sofá.
— Você disse que sou "a cara dele". De quem? — Decidiu iniciar pelo que estava martelando em sua cabeça desde que chegou ali.
Ana se sentou na outra ponta do sofá, respirou fundo e pareceu se lembrar de algo... ou alguém.
— Do seu pai. — aquelas três palavras causaram um arrepio na espinha de Amanda e ela franziu o cenho, confusa. — Não tem jeito mais fácil ou menos estranho de te dizer isso, Amanda. Eu sou sua mãe.
Naquele exato momento, Amanda entendeu a expressão "o mundo virou de cabeça para baixo". Sua cabeça girou e sentiu a boca secar, virou toda a água que tinha no copo, numa tentativa de se acalmar.
— Mas... Como? E quem? Isso não faz sentido.
Ana abaixou os olhos e levou alguns segundos para organizar a mente, antes de contar a história que durante todos aqueles quase trinta anos, tentou deixar esquecida.
— Quando fui para o lado de lá, as coisas não foram fáceis. Foi doloroso e apavorante, espero que para você não tenha sido assim. — Amanda apenas a olhava, atenta ao que ela tinha para contar, sabia do que tinha acontecido com Ana e sentia tanto por aquilo — mas no meio de toda a dor, encontrei pessoas que me acolheram. Mesmo sendo difícil conviver com os medos e traumas que Nova York me causou, em Chicago eu renasci, graças a eles. Hank foi como um pai para mim, a Erin era a irmã que não tive e... — ela engasgou e a pausa respondeu tudo. Amanda sentiu a garganta se fechar.
Lembrou do sorriso dele, do olhar como se a conhecesse há anos, o ímpeto de impedir que ele fosse morto, como se... algo os ligasse.
— O Justin. — Amanda completou baixo e Ana apenas fixou os olhos nos dela, assentindo levemente. — Eu...
— É filha de Justin Voight.
Primeiro Amanda ficou em choque e se levantou, cobrindo a boca com uma mão. Sua cabeça girava como se estivesse num daqueles brinquedos de parques de diversão. Então, ela explodiu em uma risada nervosa.
— Isso é loucura! — disse em meio as risadas que não conseguia controlar.
— Tão loucura quanto ir para outro universo, o qual para nós é apenas um seriado? — A risada foi cessando aos poucos, se transformando em lágrimas.
Amanda sentiu o corpo todo tremer e se sentou novamente, o choro tomando conta. Agora entendia a conexão com Hank Voight, porque o queria bem, se preocupava e queria tanto que ele gostasse dela.
Os soluços aumentaram gradativamente, o choro se tornou mais intenso, toda a saudade que reprimiu nos últimos dois anos e meio veio à tona com força, uma sensação sufocante de não pertencer ao mundo real.
Ana lhe deu espaço para que se recuperasse e depois que Amanda estava mais calma, com os olhos vermelhos e o rosto molhado por lágrimas, ficou olhando para as próprias mãos e fez a pergunta que não queria calar.
— Por que me deu? Por que não ficou comigo?
— Eu queria esquecer que aquele ano aconteceu. — Amanda soltou um riso fraco, cheio de dor — não me julgue Amanda, você não tem ideia de como foi difícil abandonar você. — A fala fez Amanda olhar para ela novamente, encontrando seus olhos tristes e algumas lágrimas escorrendo — Apesar do meu amor pelo Justin e meu carinho por todos que conheci, tinha traumas e cicatrizes dolorosas demais. Nunca me senti em casa lá, foi um erro eu ser mandada para aquele universo, minha casa é aqui.
— Minha "guia" — fez aspas no ar, lembrando de Mia — disse que fui para lá como a realização de um desejo. Então para ir, você teria que querer estar lá, em algum momento.
— Comigo não foi assim. — Ela negou com a cabeça. — Meus pais biológicos são desconhecidos, fui encontrada na porta de uma delegacia. Barroni é o sobrenome do delegado que me adotou. Ele era um homem sozinho, de idade avançada e faleceu quando eu tinha quinze anos. — Amanda tentava encontrar na história o que ligava Ana a Chicago ou Nova York — não sou desse universo, por algum erro cósmico, nasci no universo errado. Eu deveria ser do universo de Law and Order, o que fez sentido eu ter gostado instantâneamente da série quando a conheci por meio do meu pai adotivo.
A cabeça de Amanda parecia um caldeirão fervente, eram informações demais para processar.
— Fui levada para o lado de lá quando tinha 24 anos. Talvez fosse uma boa idade para eu entender e ver as coisas com clareza, não me deslumbrar tanto com tudo e poder fazer uma escolha que não me arrependeria depois. — Deu de ombros. — A minha... Como chamou? Ah! Guia. — Perguntou e respondeu antes que Amanda dissesse algo — Minha guia, quando estava em Chicago, disse que o tempo funciona diferente daqui e as vezes, para cada pessoa a relação de tempo é diferente. O primeiro ano que passei lá, foram como algumas horas aqui, o que faz a gente pensar que foi só um sonho. — Soltou um riso nervoso e Amanda apenas assentiu, lembrando das inumeras vezes que pensou aquilo — Depois, seguiu a relação de um por três, cada ano longe de lá, equivalendo a três anos aqui.
— Disse que para cada pessoa é diferente, então outras pessoas já foram?
— Sim, o tempo todo. É por isso, que pode acontecer um erro e nessas idas e vindas, viagens de ida e volta, alguém nasce no lugar errado. — Deu de ombros levemente — É raro, mas acontece, fui sorteada.
Amanda assentiu e passou as mãos no rosto, pressionando os olhos, a qualquer momento sua cabeça iria explodir.
— Sei que é muito para processar.
— É, um pouco. — Respirou fundo e olhou para Ana de novo, ambas deixando o silêncio tomar conta. — Fazendo cinco anos e meio que voltei de lá, quer dizer que para eles faz quase um ano e meio. — Amanda disse baixo, fazendo as contas.
Agora Amanda sabia muito mais do que imaginava que saberia ao encontrar com Ana — que não sabia se um dia consideraria como mãe.
Sua família de Chicago era sua família de verdade. Lá era seu lar, o unico lugar que se sentia em casa, principalmente agora que não tinha mais Clarissa.
— Chicago é minha casa. — A afirmação fez Ana observá-la com atenção — acho que nunca tive um lar de verdade aqui — Ana abaixou os olhos, desconfortável com a confissão — Chicago me deu uma família, me deu um amor, amigos... — a última palavra fez a voz dela falhar, lembrou de Kelly Severide e a dolorosa lembrança a fez fechar os olhos com força, antes de respirar fundo e olhar para Ana decidida. — Eu preciso voltar. Se sou a ligação entre dois universos, tem que ser possível eu poder escolher onde quero viver. Tem que existir algum jeito. — Viu um brilho diferente nos olhos de Ana — Você sabe. — A mulher assentiu lentamente.
— Quando completa dez anos que está aqui, você tem a chance de voltar de forma definitiva. São apenas três chances, ao completar trinta anos, a cortina não se abre mais.
Aquilo apertou o coração de Amanda, agora que tinha respostas e a esperança de voltar se reascendeu com tanta força, não queria ter que esperar quase cinco anos a mais. Ana percebeu o desânimo em seus olhos e quando Amanda abaixou a cabeça, focando nas próprias mãos, lembrou das palavras que ela disse minutos antes. Se sou a ligação entre os dois universos. Uma ideia lhe surgiu, talvez pudesse, pela primeira vez em vinte e quatro anos, recompensar o que fez com a filha.
— Você tem o meu sangue, Amanda, além de ser filha dos dois universos. Se tiver mesmo certeza que quer isso, em seis meses terei a terceira e última chance de voltar. E se for no meu lugar? — Os olhos de Amanda arregalaram e seu coração pareceu que sairia pela boca — considere meu pedido de desculpas, por tudo. Volte para casa.

•••


— Seis meses depois



Amanda estava no passageiro do carro de Ana, como combinado, no dia em que Ana poderia voltar para Chicago. No exato lugar onde aconteceu o fenômeno pela primeira vez, trinta anos atrás.
Como explicado por Ana, para voltar, tinham que estar no mesmo lugar e fazendo a mesma coisa, isso ativava o portal. As duas saíram do carro e Amanda iria para o volante, no lugar de Ana.
— Tem certeza que não quer voltar? — Amanda perguntou.
— Sim — ela deu um leve sorriso — aqui é minha casa, tudo que amo está aqui.
— Eles sentem sua falta... — Ana abaixou os olhos ao ouvir e suspirou.
— Cuida deles por mim? — aquele pedido teve um peso enorme, mas tudo que Amanda podia fazer era assentir e garantir que não abandonaria Hank e Justin Voight. Eles eram parte dela, ainda mais que antes.
As duas se abraçaram brevemente e Amanda entrou no carro.
— Ana... — chamou antes de dar partida e a esperou se aproximar da janela — está tudo bem, aceito suas desculpas.
Em seis meses, Amanda nunca disse que a perdoava, algo que afligia Ana, mas o sorriso largo que se abriu, mostrou que agora estava em paz, poderia continuar seguindo com sua vida sem o peso na consciência.
— Não esqueça um detalhe, é importante para dar certo... — ela apontou para o aparelho de som do carro — coloque a música Somewhere Only We Know, do Keane. Era o que eu estava ouvindo da primeira vez.
— Sério? — Amanda riu balançando a cabeça, então ligou o rádio e ouviu os primeiros toques da música.
Cada detalhe se encaixava, tudo fazia sentido. Amanda riu um pouco e ao lembrar que foi aquela música que a fez se lembrar de tudo em Chicago.
Estava na hora de voltar para casa, para seu lugar de paz, um lugar onde só ela conhecia. Teria de volta sua vida real, a única que fazia sentido para ela.


FIM


Nota da autora: E chegamos ao final (ou quase isso) da história da Amandinha. Espero que tenha sido uma viagem emocionante para Chicago. Como já tinha a fic finalizada aqui, achei melhor mandar todos os capitulos para vocês não sofrerem com meu problema de memória em mandar att pro site hahahaha. E sabem o que teremos em breve? CONTINUAÇÃO. Mas antes quero ver a recepção de vocês e muito surto com essa primeira. Combinado? Até breve.

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