Codificada por: Cleópatra
Última Atualização: 31/10/2024Iria deixar o loft nos subúrbios de Londres que chamou de lar por toda sua vida para embarcar em direção à Universidade, nas terras altas da Escócia, quase completamente sozinha — não fosse a companhia de Ivoire , a ratinha de pelagem branca com um delicado laço de fita azul marinho em torno do pequeníssimo pescoço.
A mudança para longe dos pais não era a mais surpreendente, apesar de Zoe ter com eles uma relação saudável e de extrema proximidade. Muitos de seus colegas da escola estavam passando por isso agora, aos dezenove anos, após a formatura do ensino médio, atravessando o país para dar prosseguimento aos estudos, dando seus primeiros passos na vida adulta. Nenhum de seus amigos, no entanto, iria para uma Universidade de Magia e Bruxaria.
A jovem Bellerose crescera no limiar entre várias vidas, sem nunca ter descoberto qual de fato deveria ser o traço fundamental de sua essência.
Apesar da “pureza”, termo que odiava com fervor, de seu sangue bruxo, jamais havia convivido com outros seres mágicos — senão em ocasiões familiares. E, embora tenha despendido os anos primordiais de sua vida junto aos trouxas, que preferia veementemente chamar de não-majs, também não se sentia inteiramente parte deles.
Não bastassem tais inconsistências, ela era uma criança londrina com pais franceses — o que a distinguia ainda mais, mesmo em sua própria casa, mesmo com pais tão compreensivos.
Zoé Bellerose se sentia perpétua e imperiosamente perdida em meio à traduções da narrativa de si mesma.
Enxergava-se como um grande e estrondoso conceito abstrato. Infimamente comum, como um quadro impressionista confuso que não consegue interpretar.
Deveras, por esta razão, abandonou, numa tenra idade, o distinto acento agudo ao fim de seu nome.
Zoé se tornou Zoe.
Uma diferença tão pequena, mas que para ela fazia muito alarde. Não era ousada ou segura o suficiente para ter um nome francês. Ela era só a Zoe. Zonut. A amiga fiel que está lá para compor a cena e assistir aos grandes zênites das odisseias dos outros.
Agora, ao alcançar a maioridade, decidiu que era tempo de explorar novas possibilidades, lançar-se a um novo mundo e, quem sabe, encontrar finalmente, em um dos ramos embaraçados que aparentemente a constituíam, quem ela é e o que gosta.
Já sabia tudo o que tinha para saber do mundo não-maj. Era hora de se aprofundar na magia.
Aprendeu tudo o que podia — o que não era pouco, diga-se de passagem — com seus pais, tios, avós e primos. Era uma excelente pocionista, uma dedicada estudiosa de herbologia, uma persistente exploradora das artes de adivinhação (apesar de, nesta última, não ter muito talento) e amante ávida de criaturas mágicas, apesar de só as conhecer, em maioria, pelos livros.
Mas lhe faltava desbravar o mundo. Conhecer seus semelhantes. Aprofundar seus estudos. E, quem sabe, esperançosamente, encontrar por seu caminho a peça no exato formato que sempre lhe faltou no buraquinho em sua alma.
Com uma coragem renovadora, fechou o malão com seus pertences e materiais do módulo básico de magia. O emblema inconfundível estampando a superfície.
Em algumas horas, Zoe Bellerose embarcaria rumo ao futuro incerto, ao que esperava ardentemente que fosse o ponto de partida no caminho de encontro a si mesma:
A Universidade de Magia e Bruxaria de Hogwarts.
Era comum que o casal Bellerose falasse em sua língua pátria quando estavam em família. Mais comum ainda quando a mãe estava ansiosa.
E nada como a iminente partida de sua única filha para deixar uma matriarca irrequieta.
— Sim, mãe. Eu tenho tudo o que preciso. Chequei a lista umas três vezes.
Zoe emergiu de seu quarto, com uma mochila nas costas, uma frasqueira branca em uma das mãos e com a outra arrastava o malão pelo piso de madeira.
— Ai, Zoé! Vai arranhar todo o chão! Pare, pare!
A mais nova parou e revirou os olhos com um sorrisinho. Sabia que a mãe estava mais nervosa que ela com a mudança.
A família nunca haviam se separado. A não ser quando Therese levava Zoe para visitar sua família em Èze, na Costa Azul da França, enquanto o pai ficava em Londres para cuidar da patisserie.
A jovem de cabelos em tonalidade que se assemelhava aos favos de mel era fruto da união entre Therese Bonaccord e Mael Bellerose.
Os Bonaccord eram uma das linhagens bruxas mais tradicionais da França. Conhecidos por seu envolvimento diplomático e seus ideais um tanto quanto progressistas, a família se estendia pelos vilarejos ao longo da Côte d'Azur. Pelo menos uma vez a cada seis meses, todos os Bonaccord e agregados se reúnem em torno de uma mesa farta, no palacete ao topo da colina onde sua bisavó, a bruxa Geneviève, mora. Lá, a vista das águas mais azuis e a brisa salgada de maresia quase ofuscam a maravilha dos enormes retratos encantados dos antepassados que por aquelas paredes descansam, incluindo, é claro, um dos mais renomados deles: Pierre Bonaccord, o primeiro Cacique Supremo nomeado na criação da Confederação Internacional dos Bruxos.
Pierre era a quintessência daquela família. Tentou findar a caça aos Trasgos e conceder a eles direitos, o que causou irreparáveis conflitos entre a comunidade bruxa. Isto em torno do século XVI, contudo, até as gerações atuais, a mente furtiva e os ideais revolucionários persistem no sangue Bonaccord, que agora advogam pelos direitos élficos, sereianos e centauri. Além, é claro, de serem a favor do casamento entre bruxos e não-majs — o que os tornou alvo de perseguições políticas durante a Primeira Guerra Bruxa, dez anos atrás, quando persistiram bravamente contra os avanços das doutrinas de Sangue Puro que infectavam o Reino Unido e os países arredores.
Deveras, fora a repressão da guerra e a inegável fama dos Bonaccord que condicionaram Therese a abdicar de seu nome em favor da adoção do sobrenome de seu marido, causando certo escândalo com seus familiares.
Era extremamente incomum que um de seus ocultasse o sobrenome. Sendo homem ou mulher, quando alguém se casava com um Bonaccord, tornava-se Bonaccord… Até o matrimônio de Therese e Mael.
Os Bellerose também eram uma família puro-sangue. Estabeleceram-se na pequena comuna de Megève, nos alpes franceses, ainda durante a Idade Média, buscando exílio em face ao nefasto período de caça às bruxas. Começaram como um pequeno clã, fazendo daquele solo alvo e gélido sua moradia. Seus estudos de herbologia e experimentação com poções os tornou exemplares curandeiros, que jamais compartilharam seus conhecimentos.
Surpreendentemente, enquanto bruxos eram cruelmente queimados e executados por trouxas em praça pública, os Bellerose foram procurados pela duquesa de Poitiers, quando esta adoeceu e a medicina da época já era inútil em face à enfermidade. Com sagacidade, os Bellerose negociaram um acordo: tratariam a nobre em troca de proteção. E assim foi feito.
Sob aquela terra coberta de neve, uma rosa vermelha floresceu: o sangue Bellerose prosperou e prospera por séculos em Megève, local que se tornou conhecido pelos trouxas por ter “ares com propriedades curativas”. Eles trataram tanto bruxos quanto não-majs, e seu legado permanece intacto e inabalável.
O amor entre Therese e Mael, dois indivíduos de linhagens puro-sangue que arbitrariamente mantiveram relações próximas aos trouxas, resultou na decisão de tomarem Londres como lar de sua própria pequena família, criando Zoé imersa nos dois mundos, estudando em escolas não-majs, longe dos conceitos questionáveis dos bruxos como as políticas de sangue, a escravidão de elfos domésticos, a noção dúbia de que são a única “espécie” digna e que deve governar sobre todas as outras.
Zoé não conhecia a maldade bruxa. Recebeu os estudos de magia necessários dentro de casa e com seus familiares, mas conviveu primariamente com humanos comuns. Tinha ciência sobre as maldições imperdoáveis, as artes das trevas e a Guerra Bruxa — que acontecera quando era uma criança e ainda podia se lembrar do medo que pairava sobre seus pais, num período em que não podia ir à França ver o resto de sua família, que estava mais exposta que eles.
No entanto, era indubitavelmente inocente à real crueldade dos bruxos. Nunca viu com os próprios olhos nenhuma maldição sendo lançada. Nunca presenciou o preconceito com mestiços, nascidos trouxas ou não-majs. De fato, nunca tinha convivido com outros bruxos em quem seus pais não confiavam… e esta era uma grande preocupação deles.
— Mãe, eu sou adulta. Sou perfeitamente capaz de carregar minha mala sem arranhar o piso! — Zoe retrucou.
— Adulta! Ha! — Therese arfou sarcasticamente. — É um bebê. Meu bebê. Você cabia aqui! — gesticulou com os braços como se segurasse um recém-nascido no colo.
Zoe riu.
— Mas não caibo mais!
— Ah! J’en peux plus, Zoé! — Therese reclamou, dizendo “não aguento mais” enquanto Zoe seguia rindo e o pai apareceu, subindo as escadas.
— Por que a demora? Zoé vai perder o trem! — Avisou.
— Eu mudei de ideia, ela não vai mais. — Therese cruzou os braços. — Hogwarts, vê se pode?! Aquela escola é terrível! Extremamente insegura e a educação de níveis questionáveis.
— Mama! — Zoe bufou, soltando os ombros e olhando para o pai em súplica.
Já haviam conversado sobre isso inúmeras vezes desde que a jovem recebera a carta de admissão — após ter se inscrito sem contar para os mais velhos em quiçá seu primeiro ato rebelde da vida.
— Therese, a escolha é dela. Protegemos nossa filha o quanto pudemos, é hora dela sair do ninho. — Mael argumentou.
A mãe sabia que estava certo e jamais impediria Zoé de seguir suas escolhas, mas não podia negar que aquela separação era excruciante.
— Por que quer ir embora, Zoé? Não quero um ninho vazio… — A voz de Therese embargou, seus olhos brilhando com lágrimas repentinas.
— Aww! Mama… — Zoe largou sua frasqueira no chão e abraçou a mãe. — Eu não quero ir. Mas eu preciso. Você e papa fizeram o mesmo com seus pais! E sempre falam sobre como a faculdade foi o melhor momento de suas vidas, quando encontraram um ao outro.
Therese balançou a cabeça em afirmação, olhos fechados com força, segurando Zoé tão dentro de seu abraço que quase a fundia de volta a seu corpo.
— Eu sei. Eu sei, Zoé. Mas é mais fácil falar que te deixar ir.
Mael sorriu de lado observando as duas mulheres de sua vida bem a frente. Logo se aproximou também e abarcou ambas em seus braços.
Zoe riu. E sentiu algumas lágrimas escorrerem por suas bochechas. Não tinha a menor ideia de como seria dali em diante, mas aquilo parecia final.
Amanhã acordaria em outro quarto, sem os waffles de seu pai ou o perfume de sua mãe exalando pelo ambiente.
A jovem andava um pouco atrás, acompanhando a discussão dos pais o melhor que podia, afinal, seu francês às vezes lhe falhava, e estava maravilhada demais com tudo o que estava acontecendo. Contudo, pôde entender alguns trechos como:
“Ainda podemos mandá-la para Beauxbatons, sabe que Madame Maxime não nos recusaria um favor.”
“Aceitam qualquer um em Hogwarts. Filhos de comensais estudam lá! Imagine só!”
“Aquele castelo está caindo aos pedaços. Sem falar que o ensino não é de tanto renome, Beauxbatons seria muito melhor.”
“Espero que ao menos ela fique na Corvinal, onde as acomodações são mais adequadas.”
Quando chegaram entre as plataformas 9 e 10, Mael gesticulou para Zoé passar à frente.
— O que devo fazer?
— Passe correndo através da parede. Eu e sua mãe vamos logo atrás.
Zoé acenou com a cabeça e se preparou, olhando em volta.
Tomou alguns passos para trás e olhou os pais só para confirmar que aquele era de fato um portal, e não daria de cara contra uma parede maciça de tijolos.
Eles pareciam confiantes. Até sorriram para ela, incentivando-a.
E Zoe correu. Fechou bem os olhos ao ver a superfície se aproximando. Sentiu um formigamento no estômago e quando abriu as pálpebras de novo, estava em outro lugar.
A Plataforma 9¾.
Ao seu redor, centenas de famílias bruxas. Alunos vestidos com jaquetas da universidade. Bagagens sendo levadas para o vagão de carga.
Zoe olhou tudo ao redor, com um sorriso incrivelmente animado.
Sentiu seu estômago gelar e suas pernas querendo falhar, a ansiedade de um mundo todo novo a esperando.
O cheiro da fumaça e o estridente apitar do Expresso de Hogwarts ficariam em sua mente e coração para sempre, ela soube naquele momento.
Os pais logo atravessaram também.
— Ai, Zoé, dépêche-toi! — O pai a apressou, afinal, o trem já estava para partir.
A jovem Bellerose pôde ver outros de sua idade se despedindo de seus familiares. Alguns mais sóbrios, outros caindo no choro. Ela ainda estava tentando assimilar tudo, seu coração na garganta enquanto seguia seus pais até o local de despache das bagagens.
Lá, no último vagão, viu pequenas criaturas de orelhas e narizes enormes carregando os malões para dentro do compartimento. Élfos domésticos.
Já tinha conhecido alguns nos chateaux da parte francesa de sua família, mas nunca vestidos daquela forma, em trapos. Os elfos que trabalhavam para os Bonaccord eram livres e pagos em galeões pelos serviços, apesar de se manterem fiéis à casa.
Aquela imagem a despertou certa estranheza. E pôde notar no rosto de seus pais o mesmo sentimento.
Zoe ficou apenas com sua mochila e frasqueira. Então se encaminharam para a fila dos passageiros.
Os mais velhos estavam quietos demais, um encarando o outro como se conversassem por olhares.
Até que Mael tomou a iniciativa.
— Escute, papillon… O mundo bruxo não é um mar de maravilhas. Você vai encontrar coisas de moral questionável. Pessoas de índole contestável… situações das quais te protegemos até aqui.
Zoe acenou em afirmação, ouvindo atentamente.
— Conhecemos seu coração. Pode ser difícil lidar com certas coisas, como… como a questão dos elfos domésticos. E outras. Você pode conhecer pessoas maldosas e cruéis. E isso tudo é só um aviso, não para te assustar, mas para que esteja preparada…
— Não queremos que a amargura do mundo corrompa seu espírito doce.
… Seja esperta e corajosa. — A mãe prosseguiu, abraçando a filha. — E lembre-se que você sempre terá para onde voltar.
Zoe a abraçou de volta, respirando fundo para marcar em suas narinas a doce fragrância de Therese.
As duas poderiam ficar ali para sempre. De um lado, uma mãe que daria tudo por mais alguns segundos com seu filhote. De outro, uma filha que precisa crescer, mas contraditoriamente não quer perder a segurança do colo de sua mãe jamais.
E elas provavelmente prolongariam aquele abraço por muito mais tempo, não fosse o soar do sino do Expresso, apressando os alunos para a partida.
— Je t'aime, ma fille. — a mais velha depositou um beijo na têmpora da menina.
— Também te amo, mama.
Zoe sentiu o coração palpitar. Seus olhos já formavam e derramavam algumas lágrimas enquanto sua garganta parecia mais apertada.
Era como se a ficha dela estivesse finalmente caindo. Estava indo para outro país, sozinha.
Não veria mais seus amigos não-majs ou seus pais e ficaria sem comunicação com eles por um bom tempo.
Therese deu espaço para que Mael se aproximasse. Ele a abraçou e a levantou do chão, como fazia desde que era uma criança.
Ela sorriu e o abraçou com todas as forças em seu corpo, como se torcesse para que o abraço do pai a mantivesse inteira e segura por toda a eternidade.
— Bon voyage, mon petit papillon. — Mael sentiu a própria voz embargar ao desejar uma boa viagem à sua criança, o que não era raro, era um homem muito sentimental. — Está na hora de você voar.
Zoe sentiu o peso daquelas palavras recair sobre si. Apesar de toda a felicidade e animação pelas coisas novas que viveria, havia também uma tristeza por deixar tudo o que conhecia para trás.
Mas era hora da borboletinha dos Bellerose voar.
Os três integrantes daquela pequena unidade familiar estavam cientes e contentes com isto.
E quão sortudos eram os Bellerose por ter algo tão bom que tornava a despedida tão dolorosa!
— Eu te amo, papa. — Zoe sussurou, ainda se apertando contra o abraço do pai.
— Também te amo, Zoé.
Quando Mael a pôs no chão, Zoe limpou as bochechas molhadas com o dorso de sua mão, ajeitando a mochila nas costas e se encaminhando para subir na locomotiva. A fila de embarque já havia acabado, sendo ela a última de fora, sobrando apenas familiares na plataforma.
É claro que, antes de de fato entrar, Zoe se virou para dar um último aceno de adeus. O casal lhe acenava de volta, sua mãe mandando beijinhos no ar.
Zoe esgueirava-se por vagões lotados e alunos atarrecidos, agarrando sua frasqueira branca a frente de seu corpo enquanto fazia seu caminho em busca de uma cabine com lugar vago para se acomodar.
Sorriu consigo mesma ao ver tanta gente diferente. Bruxos. Suas roupas eram diferentes, mais excêntricas. Os veteranos usavam jaquetas de suas casas. Os novatos pareciam meio perdidos, como ela. Alguns usavam suas varinhas para feitiços quaisquer. Outros conversavam, reencontrando seus amigos.
Zoe imaginava como devia ser a vida de um veterano. Será que tinham o mesmo frio na barriga que ela sentia agora? Será que para eles já era tudo rotina? E será que, no futuro, seriam seus amigos? Esperariam-na no próximo ano, guardando um lugar para ela se sentar?
Gostaria de pensar que sim.
Observou as cabines por onde passava, a maioria já com três ou quatro alunos.
Ao chegar na parte final do segundo vagão, já quase perdendo as esperanças de encontrar onde se sentar, finalmente achou um boxe quase vazio, com apenas um tripulante.
Aquela seria a primeira interação de Zoe com um bruxo de sua idade que não possui com ela laços consanguíneos. Seu coração palpitava. Era aterrorizante, de certa forma.
Tomou ar em seus pulmões e bateu à porta de vidro e aço fina que os separava, anunciando sua entrada educadamente antes de a abrir.
O rapaz que ali se sentava tirou os olhos de seu caderno, onde desenhava com uma pena, levantando suas íris cinzentas para de encontro às da garota — não antes de fitá-la de cima a baixo.
— Com licença, será que posso me sentar aqui? O restante do trem já está cheio… — Zoe deu um tímido risinho pelo nariz.
O garoto pareceu contemplar o pedido por um microssegundo, acenando em afirmação.
— À vontade. — respondeu, voltando a atenção para seus rabiscos.
Zoe adentrou à carlinga meio atrapalhada, estabanada com sua bagagem de mão em tão pequeno espaço.
Pôs sua frasqueira no banco de camurça azul, retirando a mochila pesada dos ombros. Esticou-se na ponta dos pés para tentar alocá-la no compartimento superior de bagagens, mas a força de aceleração do trem a puxava para trás.
Quase derrubou a bolsa por duas vezes, até que na terceira duas mãos grandes com anéis de cobra e um M emblemático vieram a seu resgate. O corpo do rapaz se pôs atrás do seu, erguendo a mochila de Zoe e a alojando na estante.
Mesmo que ele, de forma muito respeitosa, não a tivesse tocado, as bochechas da garota ardiam. Ele era cheiroso. E bonito. Muito bonito.
— Obrigada. — Sorriu para ele, observando-o se sentar de volta no banco à frente.
— Não por isso. — O rapaz pegou sua pena e seu caderno de volta, abrindo-o.
Zoe sentou também, tentando não o encarar demais, mas não sabia bem o que fazer. Não havia trazido nada para se distrair.
Droga.
Deveria ter trazido um livro, mas todos foram despachados no malão.
Nervosa, começou a enrolar seus fios de cabelo em seu dedo indicador, olhando através da janela.
Mas é claro que, vez ou outra, voltava a encarar o bruxo. Não podia se conter.
Ele trajava um terno preto de corte perfeito, a camisa com os ultimos botões abertos. Tinha a pele alva, pálida, mas os lábios rosados e o maxilar bem demarcado, traços quase afiados.
Mas o que mais chamava atençao, sem dúvida, eram os cabelos. Tão louros que pareciam prateados.
Ele moveu os olhos em direção à ela e Zoe rapidamente disfarçou, fitando os vultos de àrvores que passavam através da janela.
O garoto sorriu ladino e voltou a atenção aos seus croquis.
Os olhos de Bellerose vagaram pelo cubículo, tentando encontrar foco em qualquer outra coisa.
Foi quando avistou uma gaiola no chão, uma bem grande, mas vazia.
— Tem uma coruja? — Perguntou.
Ele acenou em afirmação.
— Hórus. Já deve estar em Hogwarts a esta altura…
— Ah, isso é bom! Um alívio. Se estivesse aqui provavelmente traria problemas para minha Ivoire. — Zoe comentou, segurando sua frasqueira mais perto.
— E que tipo de animal é a sua… Ivoire?
Ela sorriu, orgulhosa.
— Uma ratinha. A mais linda do mundo.
O outro não pôde conter uma pequena risada, voltando a atenção para seu caderno.
— O que foi? — franziu o cenho.
Ele deu de ombros.
— Dentre todas as opções de animais permitidos em Hogwarts, você escolheu um rato?
— Eu já tenho a Ivoire há muito tempo, não me separaria dela. E qual o problema?
— Nenhum. É melhor que um sapo, suponho. — Ele sorriu de lado mais uma vez.
Zoe franziu o cenho. Sabia que ele estava, de alguma forma, fazendo graça dela. Mas deixou passar.
— E onde está sua rata?
— Bem aqui. — deu duas batidinhas na frasqueira. — É encantada com um Feitiço Indetectável de Expansão.
O bruxo espremeu os olhos, encarando Zoe um pouco impressionado. Aquele era um feitiço avançado.
Ele a fitou bem dentro dos olhos, com aquela feição como se tentasse a decifrar.
Zoe desviou o olhar para o chão, as bochechas levemente coradas.
— Como disse que era seu nome mesmo?
— Ah, eu não disse! Sou Zoe Bellerose. — sorriu simpática.
— Bellerose… — ele tentava buscar na memória se já ouvira o nome antes, mas não se lembrava de nenhuma família de bruxos inglesa chamada assim. Talvez fosse uma nascida trouxa. — É um nome incomum. De onde você é?
— De Londres. Mas meus pais são da França. Estudaram na Beauxbatons, mas eu decidi ir para Hogwarts. Estou morrendo de medo, você está também?
Beauxbatons. Ambos os pais. Então ela não era mestiça.
— Não. Toda a minha família estudou em Hogwarts.
— Ah… — Zoe olhou para o piso novamente, sem ter muito o que dizer.
Escutou o estálido do caderno sendo fechado, vendo o jovem se inclinar para frente em seu assento, oferecendo-lhe sua mão.
— Sou Malfoy. Draco Malfoy.
Ela prontamente sorriu e apertou a mão de Draco, contentíssima.
— Ah, então o “M” é de Malfoy! — Zoe pensou alto.
— Desculpe?
— O anel… não pude deixar de notar.
— Ah! Sim. É um emblema familiar.
— Nossa. — Zoe contemplou com uma carinha engraçada e admirada. — Muito chique. Sua família deve ser o máximo. O que seus pais fazem?
— Meu pai trabalha no Ministério. — Draco respondeu, gabando-se um pouco.
Mas aquilo não fazia a menor diferença para Zoe, que sequer pestanejou.
— E sua mãe?
— O que quer dizer?
— O que ela faz?
Draco ajeitou o corpo no assento, espremendo os olhos.
— Ela é uma Black. — Falou com certa arrogância .
Zoe soltou um arzinho bem-humorado pelo nariz.
— E os Black não fazem nada?
Draco franziu o cenho e olhou através da janela, desconfortável. Será que aquela garota o estava desafiando, ou era só muito francesa e alheia ao nome da mais renomada linhagem bruxa do Reino Unido?
— E o que a sua família faz? — Retrucou, afinal, queria mesmo saber.
— Meus pais estão no ramo gastronômico. — Respondeu prontamente.
Draco estava, no mínimo, intrigado. É sabido que, em decorrência da Lei de Transformação Elementar de Gamp, bruxos não podem materializar alimentos. Portanto, a gastronomia é uma das únicas áreas na vida de um bruxo que não envolve magia e ainda sim é muito respeitada.
— É mesmo?
Zoe balançou a cabeça, pondo os pés sobre o banco de camurça e se acomodando melhor. Draco observou a postura informal dela com certa curiosidade. Parecia estar ficando mais à vontade.
— Aham. É mesmo.
— Hm. — Draco tornou a abrir seu caderno, voltando aos seus desenhos, começando uma nova folha.
Zoe tentou esticar os olhos para ver do que se tratava, era muito curiosa. Contudo, com a forma como Malfoy segurava o objeto, era impossível roubar qualquer vislumbre do que ele riscava.
Então decidiu tirar do bolso o envelope com sua carta de aceitação — já todo amassado — e se distrair lendo o panfleto de boas-vindas.
O silêncio entre eles era quebrado apenas pelo som do vagão percorrendo os trilhos e as conversas difusas dos colegas em outras cabines.
Não demorou muito para a mente de Zoe começar a vagar.
Ela observava, discretamente, os traços do rapaz. A mão que segurava habilmente a pena, adornada por seus anéis. O contorno da face naquele ângulo levemente abaixado, olhando para sua obra, que evidenciava as maçãs do rosto. Os cabelos, tão claros que pareciam reluzir sob os feixes de luz que ousavam adentrar às janelas.
E dentre o movimento de um risco e outro que Malfoy impunha sobre o papel, Zoe se pegou viajando para lugares muito mais distantes que Hogwarts.
Pensava em seus pais. Em como se conheceram na faculdade, e como sua história parecia ter sido escrita nas estrelas, entrelaçados pelo destino por toda a vida, mesmo antes de se encontrarem. Zoe acreditava que o amor dos pais parecia uma mimética perfeita do próprio conto dos fundadores das casas de Beauxbatons, uma linha dourada que os ligava através de outras vidas.
Therese era pertencente à casa Noble, distinta por abrigar os mais belos, vaidosos, persistentes e determinados sob a bandeira do mascote Sereiano. Era a imagem perfeita da mãe, que podia ser cabeça dura, mas se derretia com pequenos gestos afetuosos.
Já Mael era integrante da casa Paxllité, cujos estudantes, tal qual o Unicórnio, seu mascote, possuem o coração bom e puro, muito justos, leais e bondosos. Assim era seu pai, que podia ser tímido, mas nunca se calou para injustiças, sempre se posicionando segundo sua ética, sendo incapaz de prejudicar outras pessoas para atingir os próprios objetivos.
Tendo crescido numa linhagem de tradição de Beauxbatons, Zoe sabia muito sobre o lugar. Sabia que a fundadora da casa Noble era a mais bela dama da França, rica e nobre, com inúmeros pretendentes, mas que se apaixonou perdidamente por um simples jovem do Sul da França, que vinha a ser o fundador da casa Paxllité. A família dela não aceitou, então os dois fugiram juntos para conquistar suas ambições, com dedicação e persistência.
Para a garota, que encontrava poesia em seu dia-a-dia, aquilo refletia perfeitamente seus pais. A mãe de uma família grande e respeitada, o pai de uma genealogia mais humilde e reservada. Ambos largando tudo para trás para construir em novo solo a própria pequena família, de um jeito que fosse deles e não de seus antepassados.
E era a coisa mais encantadora do mundo inteirinho, na mente da jovem Bellerose.
Ansiava por viver o seu próprio romance, que deveria ser digno ou ainda melhor que o molde de seus genitores.
Mas, apesar de suas dezenove primaveras, o campo dos relacionamentos amorosos permanecia impiedosamente árido e inexplorado por Zoe.
Sequer sabia exatamente o porquê. Talvez não fosse atraente o suficiente. Talvez nunca tenha se sentido segura o suficiente para se aproximar de um rapaz não-maj, tendo de esconder, em sumo, ao menos cinquenta por cento de sua vida. Talvez a pessoa certa ainda não tenha aparecido… talvez só precisasse sair um pouco da aba dos pais para se sentir mais confortável com garotos.
E talvez, só talvez, o exemplo de casamento saudável e próspero que Zoe tinha em casa a tornava cruelmente cega à noção de que um relacionamento precisa ser construído aos poucos até que chegue nesta fase.
Ela queria o que os pais tinham. E estaria mentindo se dissesse que não havia fantasiado, por noites a fio e devaneios diurnos, com a ideia de que encontraria seu primeiro verdadeiro amor em Hogwarts.
Num lapso de consciência, Bellerose se pegou imaginando se o garoto à sua frente, Draco Malfoy, poderia ocupar este cargo.
E o conceito lhe pareceu bom.
Talvez eles sejam sorteados na mesma casa e se aproximem mais… ou podem ser sorteados em casas rivais e desafiarem isso para ficarem juntos.
Sorriu consigo mesma, tentando disfarçar. Sorte que Draco permanecia focado em seus esboços de coisa qualquer.
— E então, para que casa de Hogwarts acha que vai? — Perguntou, desistindo de fingir ler as características de cada uma das acomodações no campus. Sua mente não daria sossego enquanto não aproveitasse o tempo para puxar papo com Malfoy.
— Sonserina. — O bruxo disse, sem qualquer sombra de dúvidas. — Você?
Zoe estalou os lábios.
— Não tenho a menor ideia… para qual acha que eu posso ser selecionada? — Sorriu de lado, desejando saber como ele a percebia.
— Hum… — Draco a encarou dentro dos olhos, semicerrando os seus. — Corvinal, talvez. Sei que tem muitos corvinos como você.
Ela riu, confusa.
— Como eu? Como assim?
Os cantos dos lábios de Draco se curvaram num sorrisinho.
— Avoados e alicientes.
Zoe arfou com uma risadinha, suas bochechas levemente coradas mesmo que não soubesse o que significa aliciente.
— Foi um elogio?
— Tagarela, também. Definitivamente não vai para Sonserina. — Draco falou no que parecia um tom folgazão.
Zoe o encarou admirada, soltando mais uma de suas gargalhadas contagiantes. O garoto deu uma leve risadinha, embora a camuflasse atrás de sua pena.
Foi quando um pequeno furdúncio começou no corredor do vagão, com alunos saindo de suas cabines e se amontoando em torno de uma senhora que empurrava um carrinho de quitutes à venda.
Bellerose arfou e vibrou empolgação.
— Já volto! — Avisou por cortesia, levantando-se e, tal qual os novos colegas, saindo para o corredor, de encontro aos lanches.
Aguardando pacientemente por sua vez, Zoe observou todas as opções de petiscos e revistas no carrinho. Gastou alguns sicles comprando da simpática senhora um suco de abóbora, um bolo de caldeirão e um pacote de feijõezinhos de todos os sabores.
Ao retornar para o cubículo, Malfoy lhe lançou um olhar e um sorriso maroto.
— Sério? Feijõezinhos? — Balançou a cabeça como se dissesse “não estamos velhos pra isso?”.
— Eu adoro. Nunca pego um sabor ruim!
— Isso é estatisticamente impossível.
— Quer apostar? — Zoe tomou um gole de seu suco de canudinho, estava bem gelado — Você pega um e eu pego um.
Acomodou-se no banco e esticou a mão com o pacote na direção de Malfoy.
Ele encarou os confeitos. Aquela tão familiar embalagem branca e vermelha. Não comia um desses desde, provavelmente, os 16 anos. Levava-se a sério demais para o fazer. Mas, quem sabe, não fizesse mal induzir numa brincadeira boba como estas, já que ninguém mais estava presente.
— Tá bem. Só para provar que está errada. E vou rir quando você pegar um de meleca. — Malfoy tomou a caixinha da mão de Zoe, seus dedos roçando nos dela ao o fazer.
Bellerose sorria de canto, bebericando seu refresco e cruzando as pernas em borboleta sobre o assento, observando o garoto abrir a embalagem de doces.
Quando finalmente se desfez do plástico que selava a caixa, Draco pegou um feijãozinho sem olhar a cor, escondendo-o de si mesmo dentro da palma de sua mão. Depois, esticou o pacote na direção de Zoe, que fisgou um confeito misterioso, da mesma forma que ele havia feito.
— Pronto? — Ela sorriu travessa.
— Três, dois… um! — Tanto Draco quanto Zoe puseram os feijões dentro da boca, num movimento rápido.
Levou cerca de um segundo para que suas papilas gustativas reconhecessem os sabores.
O rosto de Malfoy se contorceu numa careta, enrugando o nariz e os lábios… mas Bellerose sorriu na epifania das notas agradáveis de açúcar.
— Argh! Poeira!
— Hummm… cereja!
Draco olhou em volta, procurando algum lugar que pudesse cuspir a terrível bala.
Zoe gargalhou, retirando seu bolo de caldeirão do pequeno pacote de papel pardo e o oferecendo para o bruxo, que prontamente aceitou e se desfez do feijãozinho em sua boca.
— Foi pura sorte. Não valeu.
— Vamos de novo? — Zoe sugeriu.
E Draco não recua diante de desafios. Logo pegou outro feijão na caixa e a entregou para Zoe, que fez o mesmo, engolindo o que estava saboreando.
— Agora! — O rapaz levou a nova bala à boca, a loira fazendo o mesmo.
E, para a surpresa de Draco e o divertimento de Zoe, a reação fora a mesma: a feição dele se contorcendo e ele logo cuspindo sua balinha na sacola.
— Vômito! — Informou o sabor. — Agora me lembro porque parei de comer isso! É péssimo.
— Fale por você. O meu é de… — Pensou um pouco, movendo o doce dentro de sua boca por sua língua, tentando identificar. — Maçã verde!
Draco franziu as sobrancelhas, inconformado. O gosto tenebroso perdurando em seu paladar.
— Como faz isso? Enfeitiçou a caixa?
— Não! — Zoe riu pelo nariz, fazendo-se de ofendida. — Acho que o universo me recompensa por ser uma boa pessoa.
Draco revirou os olhos. Sua feição ainda mostrava que os sabores de vômito e poeira marcavam presença.
— Ah, tá. Como se houvesse tal coisa!
Zoe gargalhou, estendendo sua garrafa de suco de abóbora na direção do rapaz, que hesitou.
— Beba, vai ajudar.
Draco bufou e tomou a garrafa da garota, revirando os olhos e cedendo. Tomou alguns goles da bebida gelada e sentiu o líquido lavar suas papilas.
Ele devolveu a garrafa, seus dedos se encostando mais uma vez.
A viagem seguiu. Eles conversaram sobre diversos tópicos, como quais matérias achavam que se dariam melhor, suas cores favoritas e o que poderiam servir para o jantar na Universidade.
O tempo passou num piscar de olhos. Quando deram por si, a locomotiva já estava parando na plataforma de Hogsmead.
Malfoy se levantou primeiro, pegando a bolsa de Zoe no compartimento superior e a entregando educadamente.
— Te vejo por aí, Bellerose. — Ele lhe lançou um sorriso de canto.
Um sorriso que pareceu diferente. E a jovem caloura sentiu uma movimentação nova em seu estômago. Borboletas.
Que ousadia a delas alçarem vôo num momento como este. Ela mal o conhece, certo?
… mas não podia se enganar. Talvez fosse assim que todas as paixões surgem: sem se anunciar, num estalo de dedos e uma batida errada do coração.
Antes que pudesse responder, Malfoy já havia saído pela porta da cabine, carregando sua própria bagagem de mão.
Zoe suspirou, seus olhos brilhantes a entregavam. Estava, certamente, mexida com o encontro.
E sequer se lembrou de perguntar o que era que ele estava desenhando. Pelo menos pode ser um assunto para outra ocasião, certo?
Tomou uma profunda respiração, focando no momento. Havia outras ansiedades em seu âmago que necessitavam de atenção.
Ainda era, afinal de contas, seu primeiro dia de uma nova vida, num local desconhecido, com gente desconhecida. E isso, por si só, já é motivo o bastante para provocar as malditas borboletas.
Pôs sua mochila nos ombros e abraçou a frasqueira encantada bem perto do peito, se encaminhando para fora do trem em meio a muvuca de alunos.
Quando finalmente conseguiu descer, fez questão de pisar o pé direito primeiro no chão.
Hogsmead.
Este seria o primeiro dia dos próximos seis anos de sua vida.
À sua volta, um grande espetáculo acontecia: o mundo bruxo, ao vivo e à cores. Alunos universitários de Hogwarts, indo e vindo, caminhando sobre o tablado da estação, arrastando bolsas, pastas, reencontrando amigos. Conversas calorosas, abraços apertados. O som dos últimos apitos do Expresso de Hogwarts e a sineta do vagão de carga sendo tocada. Animais de estimação. Corujas, gatos, ratos, sapos… pufosos! Criaturas mágicas.
Estreitando o olhar, Zoe pôde enxergar uma revoada de dedo-duros de diversas cores pousando em uma árvore próxima.
Estava maravilhada! Tudo parecia tão incrível que nem com todo o escopo que sua imaginação teve para criar desde que enviara sua inscrição para Hogwarts, não poderia prever que seria tão emocionante estar aqui!
E ainda nem podia ver o castelo no horizonte. Céus, chegava até a se arrepiar!
Tentando segurar suas emoções e vestir uma máscara de garota crescida, Zoe deu passos certeiros em direção ao último vagão, a fim de recolher sua bagagem para seguir caminho até o campus — que nem fazia ideia de onde seria, seu plano era pegar o malão o mais rápido possível e seguir a multidão.
Estava insegura por não saber exatamente como as coisas funcionam por aqui. Sentia que era menos bruxa que o restante, por nunca ter experienciado tanto o mundo mágico.
Contudo, este era um desafio que Zoe almejava passar. Sonhou com isto por muito tempo e não deixaria nada, nem suas próprias questões internas, entrarem em seu caminho.
Chegando ao fim da locomotiva, observou um grupo de elfos domésticos descarregando a bagagem e empilhando-a sobre o piso de pedras claras.
— Vamos, vamos, pessoal! — gritava um deles, com sua voz fanha que Zoe intimamente achou uma gracinha.
Ele parecia ser o encarregado à frente do serviço, então ela logo se pôs a falar.
— Boa tarde, senhor! Será que pode me informar como encontro minha bagagem? — perguntou educadamente, com seu sorriso mais simpático.
O elfo, por sua vez, a olhou com enorme estranheza. Nunca, em toda sua vida, um bruxo o havia chamado de senhor.
— Bagagem, senhora? — pareceu desconsertado, observando Bellerose o encarar inocentemente — …como?
Abriu a boca para perguntar novamente, mas viu uma outra garota surgir por detrás da pilha de malões e gaiolas de corujas vazias, fazendo-se ouvir por eles:
— Senhor! Também estou procurando por minhas bagagens, preciso seguir para a universidade de Hogwarts aqui da estação, poderia me ajudar?
O elfo ficou meio embasbacado. Olhando de uma para a outra, aquilo parecia uma pegadinha. Não uma, mas duas bruxas falando com ele como se fosse um igual.
Zoe encarou a outra mulher. Era de baixa estatura, cabelos na altura dos ombros e castanhos como sapos de chocolate. Observou que ela tinha um narizinho pequeno e sobrancelhas grossas, muito bem desenhadas. E, encarando mais um pouco, pôde notar o vislumbre da carta que carregava no bolso, exatamente como a sua.
Ela também era caloura.
E era um alívio saber que não era a única que se encontrava perdida. Quem sabe pudessem unir forças?
Então lançou um sorriso amigável na direção da outra.
— Não sei o que pretendem com isso, mas, por favor, não atrapalhem nosso serviço. — O elfo pediu, de forma polida.
Zoe ergueu as sobrancelhas. Atrapalhar não era sua intenção, sequer sabia o que tinha feito de errado.
Foi quando uma voz familiar a chamou.
— Bellerose, o que está fazendo?! — Zoe virou seu pescoço e pôde ver Draco passando com um grupo de outros bruxos, já parecendo bem enturmado. Segurou, sem perceber, o ar em seus pulmões. Será que se ofereceria para acompanhá-la até o campus? — Os elfos levam a bagagem! Saia logo daí!
Malfoy riu com os amigos, que pareceram zombar dela. Não aparentaram, nem por um segundo, ter a intenção de a esperar ou a incluir no grupo. Continuaram seu caminho sem nunca parar.
— Oh! — Afastou-se da pilha de supetão.
Suas bochechas rubias, talvez pelo sol de fim de tarde, talvez por embaraço.
Olhou em volta, meio sem rumo. Voltou sua atenção para a outra garota, decidindo se aproximar. Sempre teve mais facilidade fazendo amizades femininas, era menos assustador.
— Oi! É caloura também? — Fisgou a carta do bolso de seu cardigan, acenando-a como um sinal de que, muito provavelmente, tinham isto em comum.
— Oh, a carta! — A interlocutora pareceu ter um insight, tomando em mãos a própria carta que repousava no bolso de seu jeans, desamassando o papel. Suas pupilas se moviam pela extensão das folhas. — Acho que somos duas calouras, então. — A morena sorriu satisfeita, estendendo a mão livre na direção de Zoe. — Sou Stella Cheveron.
Zoe sorriu largamente, firmando o cumprimento e apertando a mão da colega com a satisfação de pensar que, com sorte, não trilharia o caminho até Hogwarts sozinha.
Após selar a apresentação, Stella virou a carta de boas vindas e leu algo no verso, parecendo ter uma epifania com o que estava escrito ali.
— É isso! — Exclamou.
Zoe ergueu uma das sobrancelhas.
— Isso o quê?
— Venha, temos que ir até os barcos. — Stella acenou com a cabeça na direção contrária da que estavam.
— Barcos…? — Zoe indagou baixinho. Haviam barcos? Sequer via qualquer corpo de água por perto.
Mas Cheveron ergueu um dos braços dobrado, em forma de gancho, o que Zoe logo entendeu. Enlaçou o próprio membro ao dela, ambas andando como uma correntinha inseparável, atravessando a multidão sem que se desvencilhassem e acabassem se perdendo.
Caminharam morro abaixo por uma calçada de pedras muito charmosa, passando por uma pracinha requintada e por uma parte menos habitada, mas ainda sim adornada por uma vegetação colorida magnífica!
Zoe caminhava notando tudo ao seu redor, procurando com olhos ávidos por espécies de criaturas ou plantas mágicas que não tivesse tido o prazer de ver fora dos livros, enquanto Stella se ocupava em guiar pelo caminho correto.
Não tiveram de caminhar muito. E não tinha sido tão difícil também, seguindo-se o fluxo de estudantes.
Logo chegaram à orla de um riacho, que abrigava uma fileira de barcos à espera exclusiva dos calouros. Bem que havia lido sobre a rota cênica que davam aos novatos.
— Acho que é aqui. — concluiu Stella, olhando ao redor.
Alguns calouros já estavam embarcados, e Zoe podia ouvir vozes dos que organizavam e acomodavam os grupos, mais à frente.
— Meu Deus. Você é um gênio! — Zoe sorriu, animada. — Ainda bem que te encontrei! Estava tão perdida e ansiosa. Ainda estou, pra falar a verdade! — tagarelou, como costumava fazer quando sentia suas emoções à flor da pele.
Stella balançou a cabeça, sorrindo brevemente para o caos de euforia e sentimentos que se exalava em ambas.
Tomaram um lugar na fila que aguardava para subir nos pequenos barcos à remo.
— Não se preocupe, acho que nem mesmo os elfos estão ilesos do nervosismo de um primeiro ano. — Stella riu baixinho, enfiando as mãos dentro dos bolsos.
— Também veio sozinha? Conheceu alguém legal no trem? — Zoe puxou assunto, enquanto elas esperavam a fila andar, sem nunca desenlaçar o braço do de Stella.
Estava aliviada por ter uma companhia. E com Bellerose era assim, não tinha mau tempo. Quando simpatiza com alguém, já age como a mais antiga das amizades.
— Vim sozinha. — disse Stella, ambas seguindo vagarosamente à fila. — Não conheci ninguém de fora, mas a filha de meu padrinho também é caloura. É uma amiga de infância, mas some de tempos em tempos. — deu de ombros, parecendo acostumada com isto. Pelo que Zoe entendera, Stella fora largada por sua companhia do trem, também. — …E você, conheceu alguém diferente dentro do expresso?
A jovem Bellerose sorriu de uma forma diferente, e Stella, mesmo sem a conhecer por muito mais que 10 minutos, pôde sentir que havia algo ali.
— Só um garoto, Draco Malfoy. Ele passou por nós enquanto procurávamos os malões. — Respondeu, tentando não dar muita importância e parecer meio patética.
Era só uma quedinha. E bem infundada. Mas era normal, não é? Imaginava que toda garota deva passar por essas coisas.
Não podia ver um cara bem apessoado e interessante que logo já estava pensando em como seria namorá-lo, levar para casa para um almoço de família, e assim por diante. Não era nada sério.
— Acho que conheço esse nome de algum lugar, embora não me lembre ao certo… — Stella comentou, mas Zoe preferiu focar em outra coisa.
— Você tem sorte! … De ter um rosto amigo, um laço já formado. Eu nunca estive entre outros bruxos, fora minha família, e estou com medo de não me encaixar. Meu alento é que tenho a minha Ivoire junto a mim. — deu uma batidinha na frasqueira branca que carregava como seu mais precioso bem, afinal, sua ratinha repousava em algum lugar dentro do santuário no espaço interno magicamente expandido.
— Não seja por isso! Eu imagino que vamos encarar as mesmas situações, então talvez você não se livre tão fácil de mim. — riu simples, de modo a animar Zoe. — Mas veja bem, eu também nunca convivi com uma grande comunidade bruxa, fui criada em uma escola mágica de fundo de quintal. Eu aprendi a transformar cebolas em bolas de beisebol.
— Metaforicamente ou usando magias de transfiguração?
— Infelizmente, são coisas literais. — Cheveron respondeu, rindo com certa nostalgia de seus anos escolares.
— Bom, eu estudei magia com meus pais, o que foi excelente, mas algumas áreas deixaram a desejar. Mal sei subir numa vassoura, pois só aprendi o necessário para brincar de corrida com meus primos. — Zoe soltou uma risadinha pelo nariz. — Eu estudei em escolas não-majs. E sei que nem devia falar disso aqui, meus pais me alertaram sobre o preconceito. Mas, tirando do fato que nós duas estamos igualmente perdidas, talvez você não seja do tipo de pessoa que se importa com isso, de forma negativa.
— Não se preocupe, eu sou mestiça.
Zoe sentiu o coração mais quentinho.
Mestiça.
Uma simples palavra fez Bellerose se sentir muito mais à vontade. Até feliz.
Saber que Stella era meio bruxa e meio não-maj, quase como ela — talvez mais que ela, em algum sentido —, era extremamente reconfortante. Pensou que finalmente poderia ter alguém com quem compartilhar o melhor e pior dos dois mundos, sem precisar esconder nem um, nem outro.
E isso lhe fez sentir que estava no lugar certo. Finalmente, encontraria o seu povo. Aqueles que vagam entre a magia e o fantástico ordinario.
— Por aqui, senhoritas! — A voz suave interrompeu seu assunto antes que pudesse dizer algo mais para Stella.
Olharam na direção do deck, donde a fila já havia seguido e esvaziado, chegando à sua vez.
Zoe pôde tomar ciência do cenário à frente: barcos a remo se dispunham, diversos calouros já neles acomodados, enquanto alguns jovens, que supôs serem os veteranos, organizavam os grupos e o embarque, cada um liderando sua própria navegação.
O dono da voz, que lhes exibia uma feição muito simpática e gesticulava para que Zoe e Stella se aproximassem, era um rapaz alto e de sorriso fácil. Seus cabelos eram da cor dos anises estrelados, sua pele branca como leite e suas bochechas rosadas por conta do calor daquele fim de tarde de verão. Ele vestia uma camiseta amarela com o brasão de uma das casas de Hogwarts bordado sobre o peito.
— Estão bem, aí? — o veterano tornou a se dirigir a elas.
Zoe sorriu de canto, notando que Stella havia se distraído. Provavelmente com a beleza do moçoilo.
Puxou o braço da nova colega e as encaminhou para onde o deck terminava.
— Estamos ótimas! Animadíssimas! — Bellerose se esgueirou do piso para dentro do barco, usando a mão do rapaz em apoio, que a ajudou a descer. — Muito obrigada, senhorito! — Falou num ar brincalhão, imitando a forma antiquada com que ele havia as chamado.
— Embora eu aprecie o apelido, esse não é meu verdadeiro nome — sorriu e estendeu uma das mãos em apoio para que Stella também embarcasse. — sou Cedrico. Cedrico Diggory.
Observou a forma como Stella o encarou, parecia mais quieta desde que o garoto entrara em cena. Podia não conhecê-la há muito, mas reconheceria aquele olhar em qualquer pessoa. Já havia visto acontecer com suas amigas. Um certo tipo de eletricidade, como o jeito que a atmosfera fica pouco antes de chover.
Segurou uma risadinha e tomou à frente para responder, já sentada em seu devido lugar.
— Eu sou Zoe Bellerose. Muito prazer, senhorito Diggory — o veterano soltou uma risadinha pelo nariz, acenando com a cabeça ao tomar ciência do nome da mais nova.
— Zoe e…? — Cedrico indagou, olhando diretamente para Stella e a incentivando a falar enquanto a ajudava a descer do deck, suas mãos a segurando e dando apoio, respeitosamente.
— Stella. Stella Cheveron. — A nova amiga se manifestou, com um sorriso.
— Stella? Se parece com estrela. - pontuou em um risinho pelo nariz, fazendo a mais nova rir. — Estrela, hm?
Zoe apenas observou a interação e o novíssimo apelido que Stella havia ganhado, cutucando-a com o cotovelo de forma sugestiva quando ela se sentou a seu lado.
— Mais alguém? Ou podemos ir logo? Estou ansiosa! — bradou uma garota ruiva sentada mais a frente, ainda mais animada que Bellerose e Cheveron, que riram cúmplices.
Como se tivesse sido planejado em sincronia com a pouca paciência da colega, o estrondoso som de uma trombeta anunciou a partida dos barcos.
— Seu desejo é uma ordem, Weasley! — Cedrico respondeu folgazão, sentando-se na ponta mais alta na traseira do transporte, logo atrás das garotas.
O veículo era encantado, seus remos se moviam sozinhos e os impulsionava pelo riacho, que desaguava no Lago Negro.
Bellerose sentia o estômago formigar. Cada momento parecia inesquecível e fundamental. Ela se esforçava com tudo o que tinha para tomar ciência do máximo de detalhes, criando uma fotografia mental que pretendia guardar para sempre.
Assim, olhou ao redor. Observou o rosto dos outros dois alunos que os acompanhava, a garota ruiva com o rosto cheio de sardas e lindos olhos; o garoto de maçãs do rosto proeminentes e um sorriso atrevido adornado por covinhas.
Os diversos barcos em torno deles, cada um com quatro ou cinco alunos mais um veterano os acompanhando. Notou, em especial, um deles, mais atrás, donde a cabeleira platinada de Draco Malfoy refletia os últimos raios solares do dia, numa imagem quase etérea.
Sorriu consigo mesma.
A veterana que o acompanhava trajava uma blusa vermelha, seus cachos dançando com o vento.
Foi então que Zoe tornou a fitar Stella, seus olhos ávidos admirando o horizonte, seus lábios delicados demarcados por pequenas linhas de expressão nas laterais, denunciando um sorriso contemplativo.
Bellerose pensou se aquela a seu lado poderia ser sua amiga pelos próximos anos. Tentou imaginar todas as peripécias, anedotas e aventuras que as aguardaria no futuro.
Não podia evitar, era faminta por conexões e habitava uma mente demasiado sonhadora.
Tornando o pescoço para frente, pôde avistar, ao horizonte, o contorno do famoso castelo tomando forma, vagarosamente, lá do topo da montanha onde sabia que repousava a construção. O céu tomava tons pastéis alaranjados e lilases, com nuvens que pareciam cuidadosamente pinceladas para compor o mais perfeito quadro barroco.
Por alguns minutos, a beleza do momento era tamanha que todos se mantiveram em silêncio para não a estragar… isso até que o outro tripulante, o garoto sentado nos assentos mais à frente, o cortou.
— Recebeu auxílio de galões para vir à Universidade, Weasley? — dirigiu-se à ruiva.
— Perdeu a noção do perigo, garoto? — ela se levantou no impulso, fazendo com que o barco vacilasse sobre as águas escuras do Lago. — Eu te conheço?
— Adrian Pucey, pra você. — respondeu de forma atravessada, fazendo a garota ficar mais irada e dar mais um passo em sua direção.
O barco balançou novamente e Cedrico precisou intervir: segurou a garota Weasley pelas costas de seu casaco, contendo-a.
— Gina! Não dê ouvidos, isso não vale sua matrícula da universidade. — Diggory alertou, lançando em seguida um olhar de repreensão sobre o garoto, deixando claro que não toleraria mais daquela atitude sob sua supervisão.
Zoe ficou abismada e desgostosa. Pelo que havia entendido, Pucey zombava da tal Gina por conta de questões financeiras.
Pelo visto, as discriminações de classes sociais ultrapassam as barreiras e estão presentes, também, no mundo bruxo.
Com sua experiência de vida, podia dizer que com os não-maj esse preconceito é mais velado, ao menos em seu círculo social. Esta era a primeira vez que presenciava tal coisa acontecendo de forma tão vocalizada. O garoto nem se envergonhou de abrir a boca para dizer tamanha idiotice.
Esta parecia ser só uma amostra-grátis dos alertas de seus pais sobre como o mundo bruxo pode ser preconceituoso e cruel.
— Você está fodido, garoto. — A ruiva não se deixou abalar por sequer um segundo, o que Zoe adorou, apesar do linguajar impróprio.
Lançou uma carinha engraçada na direção de Stella para aliviar um pouco a tensão, como se dissesse “onde estamos nos metendo?!”, recebendo um sorriso nervoso em troca.
O Sol finalmente deu seu adeus no horizonte, a escuridão da noite sendo permeada pelas milhares de estrelas que sobrepunham o campus. As luzes do castelo acentuando ainda mais sua beleza, cada vez mais perto.
Uma das coisas mais lindas que Zoe já havia posto os olhos.
Era a prova concreta, pedra sobre pedra numa escultura arquitetônica milenar, de que Bellerose estava construindo sua própria história.
Ter vindo para cá fora, quiçá, seu maior salto de coragem.
Começava até a se emocionar, sua garganta parecendo dar um nó por um instante.
— É exatamente como nas fotos! Parece de mentira… — ouviu Stella comentar.
— Nem mesmo meus devaneios mais loucos poderiam contemplar a magnitude desse lugar. — pensou alto.
— Vocês precisam ver lá dentro! Visitei aqui há dois anos atrás, meu irmão Gui já é veterano — Gina comentou enquanto o barco se aproximava do ponto de embarque, na doca abaixo do castelo. — Costumava me trazer aqui durante os jogos de quadribol, que são absurdos! Tenho quase certeza que ficarei na Grifinória!
Zoe reparou que um dos outros veteranos noutro veículo possuía cabelos de fogo iguais aos da jovem Weasley. Talvez ela se referisse a ele.
— Seria um crime mandar uma Weasley para outra casa, Gina. — Cedrico respondeu bem humorado, com um fundo genuíno.
O barco atracou na doca, Diggory foi o primeiro a se levantar, mas logo os outros tripulantes também o fizeram, sob a supervisão do mais velho, que os auxiliava a desembarcar com segurança.
— Vocês podem seguir em uma fila, vou estar no final cuidando para que ninguém se perca. Pucey, você puxa a fila. — O veterano ordenou.
Os calouros assim o fizeram.
Ao subir no tablado firme do cais, Zoe observou o rico trabalho em mosaico que adornava a parede de alicerce. Tochas iluminavam todo o abrigo.
Logo mais barcos foram chegando e mais alunos se unindo.
Foi quando ouviu boatos sobre Harry Potter estar dentre o grupo. Sabia quem ele era. Não há uma pessoa no mundo bruxo que não o conheça. Achou até que fosse um rumor infundado. Imagine só? Harry Potter, seu colega de classe?
Quando toda a assembléia de Cedrico havia desembarcado, Pucey encabeçou uma fila pelas escadas.
Eram degraus e mais degraus. Zoe já sentia os pulmões arderem, muito exercício físico junto à euforia de estar conhecendo o campus.
Além de seu grupo, havia um fluxo intenso de outros alunos subindo as escadarias. Bellerose estava focada em não acabar se separando de Gina, à sua frente.
Em meio ao tumulto, acabou errando o passo e tropeçando num dos degraus. O acidente poderia ter sido catastrófico e garantir uma visita em primeira mão à ala hospitalar de Hogwarts, mas duas mãos a apoiaram por trás, impedindo que o pior acontecesse.
Zoe olhou na direção, a fim de agradecer quem quer que a tivesse salvado. Deu de cara com um rapaz corpulento, que parecia um pouco mais velho que os outros calouros.
— Ai, me desculpa! — Deu um sorriso amigável e meio envergonhado após sua gafe. Era típico dela ser estabanada. — E obrigada pela ajuda… Bons reflexos!
— Dobre li ste, gospozhitse? — O rapaz a encarou nos olhos e a segurou com ainda mais firmeza.
Bellerose exibiu um daqueles sorrisos que se dá quando alguém diz algo que você não entende, mas também não sabe se deve pedir para repetir.
—... Desculpe, o que disse?
— Eu…. — Ele pareceu pensar no que iria dizer, ao fazer uma careta. — A senhorita…está…bem? — Sorriu, simpático.
— Estou sim! Graças a você. Eu quase vi minha vida passando pelos meus olhos. Imagina se eu tivesse rolado escadaria abaixo! Ou sido pisoteada pelos outros?! — Danou a falar, enquanto retomavam seu caminho lado a lado.
O bruxo fez uma careta confusa, não por se incomodar com a falação de Zoe, mas por não conseguir compreender muito bem suas palavras.
— Sou Krum. — Ele sorriu simpático ao encará-la conforme andavam.
— Zoe! — cumprimentou de volta. Era um nome deveras diferenciado, o dele.
Ela acenou com a cabeça para o colega e o observou seguir seu caminho à frente, num ritmo muito mais rápido. Ele era obviamente mais atlético que a maioria ali, certamente mais que Bellerose.
Quando Krum se distanciou, ouviu uma voz mais atrás, chamando sua atenção.
— O que vocês estavam conversando? — Ela olhou na direção, vendo outro garoto se aproximar.
Pela cor alaranjada de seus cabelos e as adoráveis sardas em suas bochechas, Zoe indagou se aquele era mais um dos Weasleys. Quantos deles será que havia? Ou será que estava viajando, pensando que todo ruivo é parente de Gina?
— Nada. Por quê? — Arqueou uma das sobrancelhas, o interlocutor passando a andar a seu lado.
— Por quê? Tem mesmo de perguntar? Ele é famoso!
— Famoso…? — Franziu o cenho.
O único bruxo famoso que Bellerose era familiar com o nome era Harry Potter.
— Tá falando sério? Aquele é Viktor Krum!
Zoe seguiu com a mesma cara de dúvida. Não remetia a absolutamente nada para ela. Mas era mesmo o nome que o rapaz tinha dito quando se apresentou.
— O apanhador da Vratsa Vultures?!
— Apanhador do quê…? — Zoe deu uma risadinha pelo nariz. Seus pais não eram fãs do esporte. Eles assistiam à copa mundial de futebol, no máximo. Esportes bruxos para ela se resumiam aos mini campeonatos que fazia com seus primos Bonaccord, cujo prêmio era ser nomeado “tutor” de um dos cavalos alados do haras da bisavó, tendo direito a escolher o nome do potro.
— Calma, Rony. Vai ter tempo de o pedir em namoro mais tarde. — Gina se virou para dizer, implicando como apenas uma irmã faz.
Devia mesmo ser um Weasley.
Quando finalmente acessaram o gramado que dava para as colossais portas de madeira na entrada principal de Hogwarts, Bellerose mal podia acreditar. Era belíssimo. Apenas estando ali, de pé frente à magnífica arquitetura, é que pode se ter noção de sua maravilha.
Sentiu alguém lhe atingir por trás, num encontrão. Percebeu logo que era Stella e a tentou segurar, levando sua mão livre para a cintura da amiga.
— Opa, opa! Tá bem, amiga?
— Desculpe, Zoe, estava distraída… acho que chegamos. - indicou com a cabeça.
Quando Zoe focou seus olhos na grandeza do castelo, bem a sua frente, em escala real, ficou embasbacada. Era estupendo! Maior do que jamais imaginou. Tão rico em detalhes, tantas torres diferentes dispostas pela construção, tão… mágico.
Não havia outra palavra para descrever Hogwarts. Nada no mundo trouxe se assemelhava àquilo.
— Meu Jesus Cristinho! Estamos mesmo aqui! – Zoe sorriu e apertou o braço de Stella, empolgada.
Atravessaram a galeria de arcos abobadados, adentrando o pátio. Lá, Zoe e outros calouros que ainda carregassem bagagens de mão foram instruídos a deixá-la sob os cuidados dos elfos domésticos, que as estavam recolhendo ao canto do claustro.
Zoe se aproximou, receosa. Não se importava com sua mochila, mas a frasqueira…
— Com licença, senhora? — Chamou timidamente a um dos elfos ali trabalhando.
— Senhora? — A elfa questionou, mas logo se sentiu estranhamente bem com o chamamento. — Niblet não é senhora, senhora!
— Se chama Niblet?
— Sim, senhora. Este é o nome de Niblet.
— Prazer, Niblet. Eu sou Zoe! — estendeu a mão para a elfa, que a encarou extremamente desconcertada.
— Niblet não pode tocar sua mão, senhora.
— Tudo bem… mas pode me chamar de Zoe?
— Isso Niblet pode fazer, senhora Zoe!
— Sem o senhora. Tenho apenas dezenove! — Zoe sorriu simpática, tentando contornar a situação.
— Niblet não quis ofender, senhora Zoe!
— Não ofendeu, não se preocupe. Mas ouça, posso lhe confiar um pedido especial?
A elfa balançou a cabeça veementemente, aguardando ordens.
— Veja, esta frasqueira guarda tudo que tenho de mais precioso… minha ratinha Ivoire. Pode cuidar dela para mim? Confio em você para tomar conta com muito zelo, Niblet!
— É claro, senhora Zoe! Cuidarei como se fosse meu! — Nibblet deu uma risadinha. — Mas que besteira, uma elfa doméstica tendo algo tão chique. Niblet é mesmo uma boba!
Zoe sorriu agradecida e voltou a se juntar ao grupo de estudantes que acompanhava os veteranos.
Caminharam pelo gramado do pátio em direção à entrada: duas estrondosas portas de madeira maciça abertas à sua espera.
— Bem vindos à Universidade de Hogwarts! — Diggory bradou, abrindo os braços para referir a majestade do local que os cercava.
O pé direito era altíssimo, tudo era muito alto e muito grande. Diversos retratos encantados pelas paredes de pedras, estátuas, armaduras, gárgulas… Era de uma grandeza que Zoe não encontrava sequer nos passeios turísticos pelo palácio de Buckingham em Londres. Aquilo era arquitetura bruxa.
E por falar em bruxas, uma mulher mais velha se aproximou e se pôs à frente do grupo, trajada elegantemente com vestes verde musgo e um chapéu pontudo, muito distinto, na moda bem característica do povo mágico.
— Vejo que cuidou bem de seus calouros, senhor Diggory… Boa noite, calouros!
– Bem demais, até… – Zoe não pôde evitar o comentário sussurrado para os ouvidos de Stella, num tom sugestivo. Quem tivesse olhos poderia ver o quão bonito Cedrico era, e Bellerose notara que os olhos da amiga pareciam se demorar sobre a figura do rapaz
— Agora deixe-os comigo, e corra para sua mesa, a seleção logo vai começar. — A mais velha aconselhou, abanando suas mãos como se o enxotasse, de forma bem-humorada.
— Certo! Boa sorte a todos na seleção das casas, espero que tenham o prazer de serem escolhidos para a melhor delas: a Lufa-Lufa! — o moreno deu um risinho, orgulhoso das cores que ostentava em sua camisa. — Ah, e aguardem o jantar, é de lamber os dedos.
Zoe não conhecia muito sobre as casas, exceto Corvinal, que era onde seus pais esperavam que fosse sorteada, e para onde Draco Malfoy sugeriu que ela deveria ir. Não havia gravado em sua mente muitos preceitos sobre nenhuma delas, em específico. Grifinória, Lufa-Lufa, tudo era a mesma coisa para ela.
No entanto, estava muito ansiosa. Sabia que a escolha do famoso Chapéu Seletor se basearia em sua personalidade e ideais, e aquilo a empolgava. Talvez o acessório encantado que estava prestes a conhecer pudesse a entender melhor do que ela mesma se entendia. Talvez pudesse lhe indicar o caminho para desabrochar na pessoa que ela deve se tornar.
E tudo isso dependia de uma única escolha, que felizmente não recaía sobre suas próprias mãos.
— Sejam muito bem-vindos à Universidade de Magia e Bruxaria de Hogwarts, caros alunos. Eu sou a professora McGonagall, vice-reitora, e é um prazer recebê-los em sua primeira noite no campus. Espero que aproveitem a jornada e façam destes anos os melhores de suas vidas… De restante, guardarei minhas palavras para o discurso de seleção de casas, que deve se iniciar agora mesmo! — Estendeu as mãos na direção das enormes portas, que se abriram sozinhas num movimento fluido que contrariava seu peso e dureza aparentes. — Por favor, sigam-me.
Stella e Zoe se entreolharam, cúmplices. Aquele era um momento decisivo em suas vidas.
Bellerose caminhou para dentro do Grande Salão, seguindo McGonagall e a turma. Sentiu seu coração dobrar de tamanho quando seus olhos encontraram o teto enfeitiçado que parecia o próprio céu, adornado por centenas de velas flutuantes. As quatro grandes mesas que dividiam os alunos sob quatro flâmulas e escudos diferentes:
Sonserina, Lufa-Lufa, Corvinal e Grifinória.
Inúmeros pares de olhos dos corpos docente e discente pousavam sobre os calouros. Tantas expectativas, tanto futuro pela frente.
Os lábios de Zoe se curvavam incansavelmente em sorrisos, por mais que tentasse se controlar. A realização de que estava, de fato, numa Universidade Bruxa era inefável. Mal podia acreditar!
Tudo era tão novo e de tão bons ares para ela… Soltou uma risadinha pelo nariz ao contemplar a ideia de que, em alguns meses, aquela vida estupenda num castelo, cercada de bruxaria e criaturas mágicas, seria simplesmente sua rotina.
Zoe Bellerose, a bruxa.
Sentiu suas entranhas vibrarem. Não por medo, mas por se sentir tão inspirada e contente. Apesar dos alertas de sua família, o mundo bruxo parecia formidável, até agora.
Parou de pé bem frente aos poucos degraus que davam acesso ao púlpito — o plateau mais elevado onde se encontrava a mesa dos professores, um palanque adornado pelo desenho dourado de uma fênix, e uma singela cadeira ao centro de tudo, reservada para cada um dos calouros se sentar.
Seus olhos encontraram o chapéu marrom logo mais a frente, sobre a cadeira. Qualquer que fosse seu material, tinha aspecto desgastado e bastante enrugado, rasgado e sujo. Parecia tão… mundano.
Assim que todos os calouros chegaram, e os veteranos que os auxiliavam se acomodaram em seus assentos, a professora instruiu:
— A seleção irá começar, posicionem-se sobre o centro do salão e esperem por seus nomes serem chamados. Haverá um banquinho onde devem se sentar, e então o chapéu fará a seleção de sua casa. Boa sorte!
McGonagall direcionou um sorriso entusiasmado para eles e se direcionou para o palanque, onde iniciou um discurso para todo o salão.
Zoe sentia suas pernas virando gelatina, o nervosismo começando a bater.
Olhou a sua volta e encontrou rostos que já começava a se familiarizar.
Stella, obviamente, bem a seu lado. Os ruivos Rony e Gina um pouco mais atrás, conversando com um garoto de óculos redondos. O topo da cabeça de um rapaz mais alto, ao fundo da aglomeração, que devia ser o tal Krum… e Draco Malfoy parado poucos passos à sua esquerda.
Ela sorriu. Sentiu uma esperança boba brotar em seu peito. Deu um discreto aceno na direção do loiro, que retribuiu com um sorriso e um levantar rápido de sobrancelhas.
A professora McGonagall não se demorou muito, logo finalizando seu discurso após seletas, sucintas e belas palavras.
Zoe estava meio alheia, observando cada detalhe da arquitetura, quando algo a chamou atenção:
O velho chapéu sobre o banco de repente danou a se movimentar. Um rasgo perto da aba se tornou uma boca, por onde começou a falar:
— Bem-vindos, bem-vindos novos alunos! Sou o Chapéu Seletor, criado pelos próprios fundadores de Hogwarts e incumbido da missão de os quartear. Não há nada escondido em sua mente que eu não possa ver. Então não temam, porque até hoje, nunca me enganei! Experimentem-me e lhes direi onde pertencem! Quem sabe sua moradia é a Grifinória, onde habitam os corações indômitos, lar da ousadia, do sangue frio e de grande nobreza… Quem sabe é na Lufa-Lufa que você vai morar, onde vivem os justos e leais, pacientes, sinceros, sem medo da dor. Ou será a sábia e velha Corvinal, casa dos que têm a mente sempre alerta, onde os de grande espírito e saber sempre encontrarão seus iguais. Ou, quem sabe, a Sonserina será sua casa e ali fará seus verdadeiros amigos, os de astúcia que usam quaisquer meios para atingir os fins que aspiram. Venham! Experimentem-me!
Aquelas palavras fizeram Zoe se arrepiar. “Não há nada escondido em sua mente que eu não possa ver”. Seria este chapéu puído tudo o que ela mais precisava? Poderia ele a ler como um panfleto e a explicar para si mesma?
— Anna Abbot! — McGonagall chamou, do palanque, e a primeira caloura emergiu do grupo e se sentou à cadeira, debaixo das vistas de todo mundo.
Stella e Zoe trocaram um olhar e um sorrisinho complacente com a realização mútua de que seus nomes, seguindo a ordem alfabética, ficariam na última porção.
Contudo, o Chapéu parecia muito competente, não precisando muito mais que breves minutos para se decidir.
— Lufa-Lufa!
A casa explodiu em aplausos, recebendo a nova integrante calorosamente. Bellerose assistiu a tudo, muito animada.
E aquilo aconteceu com todos os seguintes calouros, sendo acolhidos por suas devidas casas. Andrew Pucey, Blaise Zabini, Dino Thomas…
Enquanto o último se posicionava para colocar o chapéu, uma pequena movimentação ocorreu dentro da aglomeração de calouros.
Zoe olhou para sua esquerda para ver do que se tratava.
Grande foi sua surpresa: era Draco Malfoy, permeando o grupo, colocando-se mais à frente… diretamente ao lado de Zoe.
— Grifinória!
O Chapéu anunciou e, novamente, mais aplausos. Dessa vez, vindo com mais intensidade da mesa de bandeira verde. Era esta a casa que Draco queria ir, ela se lembrava.
Enquanto Blásio se deslocava e o restante batia palmas, Zoe sentiu Draco se inclinar levemente em sua direção, dirigindo algumas palavras à seu ouvido que passariam despercebidas pelo restante; palavras apenas para ela:
— Esqueci de lhe entregar isto mais cedo.
Malfoy, discretamente, passou um pequeno objeto para a mão de Zoe.
— Draco Malfoy! — A professora o chamou e o loiro ajeitou as lapelas de seu blazer, caminhando orgulhoso e confiante para a cadeira.
Bellerose olhou para baixo, a fim de saber o que era que havia ganhado.
Um pequeno tsuru, o pássaro de origami. Sequer teve tempo de assimilar a aceleração sofrida nas batidas de seu coração, quando ouviu o anunciar do Chapéu, que sequer precisou encostar na cabeça de Draco:
— Sonserina!
Zoe sorriu e aplaudiu, exuberantemente. Estava tão feliz, Draco havia ido para casa que queria! Bom para ele!
Ela até o invejava um pouco, de uma forma bem-intencionada. Gostaria de ser tão segura de si assim.
Pôs o presente no bolso de seu cardigan e, repentinamente, sentiu uma tontura esquisita. Uma sensação incomum.
Sua cabeça latejava numa dor incomum, como se sua mente estivesse pesada demais para seu cérebro. Como se o crânio fosse um claustro.
Sua vista ficou turva. A dor era forte. Seus ouvidor zuniam. Fechou os olhos com força. Perdeu o equilíbrio.
Buscou apoio na amiga ao lado, escorando seu corpo na lateral do de Stella, temendo que pudesse cair.
— Zoe? Você está bem? Está um pouco pálida.. — Cheveron a tentou ajudar, tocando seu pulso. — Céus, sua pressão está baixa!
A morena falava em tom baixo, a fim de não atrapalhar a cerimônia, o que também preocupava Zoe. Não queria causar uma cena.
- Eu tô… tô bem. Deve ser só nervosismo… — Assegurou, apesar de não saber de fato o que a estava causando aquele mal estar.
Fechou os olhos, ainda apoiada na colega, e respirou profundamente. Uma, duas, três vezes.
Não podia passar mal agora.
“Vamos, vamos. Fique bem, fique bem. É um momento importante.” — manifestou mentalmente para seu próprio corpo.
E, tão súbito quanto chegou, a mácula a deixou, sem explicações. Como o sopro de uma brisa de verão.
Conforme a cor rosada ia voltando às bochechas de Zoe, outros alunos iam sendo chamados ao púlpito.
Gina Weasley, Gregório Goyle, Harry Potter, Hermione Granger, Justino Finch-Fletchley, Lilá Brown, Lisa Turpin, Luna Lovegood, Mádi Brocklehurst, Mila Bulstrode, Morag MacDougal, Neville Longbottom, Padma Patil, Pansy Parkinson, Parvati Patil, e finalmente…
— Stella Cheveron! — McGonagall a chamou, Zoe deu um pulinho surpreso junto com a amiga.
— Boa sorte! — sussurrou, ansiosa para saber onde a morena seria colocada.
Assim que Stella se sentou e recebeu o Chapéu em sua cabeça, ele logo começou suas análises:
—Hm.....Cheveron, a mistura de um mundo normal com o grande clã dos Cheveron, grandes sábios… essa junção teve um resultado interessante. Uma cabecinha intensa! ...Diante disso, embora precise reconhecer que é deveras corajosa… Sei que jamais usaria sua coragem inutilmente. CORVINAL!
O salão eclodiu mais uma vez em barulho, ovacionando a nova corvina.
Zoe ficou animada, assoviando alto com os dedos entre os lábios. Stella estava numa boa casa, a mais adequada segundo Mael e Therese Bellerose. Estava feliz pela amiga! E, quem sabe, fiquem juntas?
Sua ansiedade pareceu aumentar. Sua vez parecia nunca chegar. E as dúvidas em seu peito faziam alarde.
Onde é que ela devia ficar? Sequer sabia se era boa o suficiente para uma faculdade de magia e bruxaria. Dava graças aos céus pela grade curricular de Hogwarts contar com um primeiro ano de estudos básicos de nivelamento para só depois se escolher um curso de especialização, de fato. Não fazia ideia do que queria. Ou como diabos conseguiu convencer a bancada à frente do salão à lhe conceder uma vaga, com a carta de intenções amadora que enviou junto de sua inscrição.
Stella parecia se encaixar com os corvinos. Era como o Chapéu havia proferido, a Casa onde os de grande espírito e saber sempre encontrarão seus iguais. Mas qual daquelas quatro mesas poderia ter um igual à Zoe? Alguém que não consegue decidir nada, que fala quando não deve, que não é nem isso nem aquilo, nem não-maj nem totalmente bruxa, nem francesa nem inglesa, nem nada ou coisa alguma.
Pensamentos intrusivos a consternavam, deixando-a apreensiva. Sempre fora muito boa em enxergar a beleza do mundo e dos que a cercam, mas nunca fora muito competente em enxergar a própria.
Com o estômago quase saindo pela boca, observou os que a cercavam irem seguindo seus caminhos, até que só restava ela mesma, de pé em frente ao púlpito, aguardando sua vez.
Pegou o tsuru em seu bolso, analisando-o melhor numa tentativa de se distrair.
Percebeu que, em algumas partes da dobradura, riscos de um desenho se emaranhavam.
Arfou, extremamente contente e curiosa. Seria isto o que Malfoy desenhava com tanto foco e capricho durante a viagem?
Cuidadosamente, ou o mais cuidadosa possível, foi abrindo o origami, desfazendo o formato de pássaro e revelando os traços que escondia.
— Ai caramba… — sussurrou para si mesma, tentando conter sua empolgação ao finalmente ter a imagem completa.
Era um desenho de traços muito delicados e bem acabados, suaves mas precisos. Era um retrato ds Zoe, sentada no trem com os pés sobre o banco e as costas apoiadas à parede da janela. Era ela.
E era lindo. Estava eufórica.
Seu nome foi o último a ser chamado, o que já estava acostumada nas escolas não-maj, mas a pressão de ter tanta gente a encarando pesava em seus ombros.
Sabia que a grande parte já devia estar entediada e esperando o jantar, mas não podia deixar que nada abalasse sua experiência! Os colegas poderiam ter a empatia de esperar mais um minutinho, certo?
A professora a encarou com um olhar gentil, vendo a menina parada ali tão angustiada que quase saltitava em seu lugar, tamanha a energia que armazenava em seu peito.
— E por último, mas não menos importante: Zoe Bellerose! — Gesticulou com as mãos para que a novata se aproximasse.
Ao subir os poucos degraus que separavam o nível dos professores das mesas dos alunos, e se sentar naquele banco simples de madeira, Zoe pôde sentir seu interior todo estremecer, quase como uma dor de barriga.
Olhou para as quatro mesas, vendo como interagiam. Stella conversava com uma loira na mesa da corvinal. Os Weasley interagiam com ruivos mais velhos, provavelmente também da família, na mesa da Grifinória. E na última mesa ao canto do salão, sob a colossal flâmula verde e prata e a insígnia da serpente, sentava-se Draco Malfoy.
— Zoe Bellerose… hmm… um nome simples para alguém que provém de uma família nobre. Mas você quer construir sua própria história, sozinha… apesar de querer que eu lhe forneça as respostas que procura. Intrigante. — O Chapéu ponderou.
Zoe fechou os olhos e começou a repetir bem baixinho, não a fim de coagí-lo, mas como se quisesse atrair sorte:
— Sonserina, Sonserina, Sonserina…
— Sonserina?! Hm… ambicioso. Mas não o tipo de ambição que te torna uma serpente. Não… Seus pais querem que vá para a Corvinal…
Zoe ficou decepcionada por um segundo, mas logo se animou de novo. Na Corvinal poderia ficar com Stella!
— Corvinal, Corvinal, Corvinal!
— Também está desejando a casa das águias pelos motivos errados. Mais uma vez, pensando em amizades… Mas poderia mesmo se dar bem na Corvinal, tem uma mente ávida e sempre aberta ao desconhecido…
O Chapéu continuava a analisando e analisando, podia ver alguns olhares impacientes e murmúrios de “empata chapéu”, que nem sabia o que significava.
— Seu coração é puro como o de um unicórnio e você é capaz de ver beleza ao seu redor como um Pelúcio que se encanta por tudo que brilha… vem do tipo de família que Salazar Sonserina apreciava para seus alunos, mas não estou certo que floresceria lá…
Minutos se passavam e o Chapéu parecia não tomar uma decisão.
— Sente-se perdida…
Zoe sentiu as bochechas corarem. Ele realmente podia ler tudo em sua mente.
— …mas disposta e muito animada para experimentar novidades. Precisa tomar cuidado, criança. Essa é uma combinação instável. Sua ingenuidade a cega dos perigos.
A garota franziu as sobrancelhas e olhou para cima, donde via apenas a aba do chapéu em sua cabeça. Perguntava-se se o chapéu se enganaria e a colocaria onde não se encaixa…
— Eu nunca me engano! — Afirmou logo, fazendo Zoe dar uma pequena risadinha. — É uma amiga leal e não tem medo de lutar pelo que for certo, sem preconceitos pré-concebidos e com um coração afável. Não tem medo de trabalho duro e gosta de trabalhar em equipe, de estar onde o povo está… e, é claro, tem tanta empatia quanto a boa Helga, um desejo genuíno de acolher e conhecer todos que puder, sem distinções… é melhor que seja… LUFA-LUFA!
Lufa-Lufa? Não era o que esperava. Nem o que os pais queriam. Seu coração palpitava em dúvidas e agouros.
Todo o Salão Principal eclodiu em festa. A maioria, Zoe pensou, provavelmente pelo alívio da cerimônia finalmente acabar. Mas a mesa lufana uivava com maior fervor, genuinamente contentes.
Enquanto McGonagall retirava o chapéu de sua cabeça, Zoe pôde encontrar o sorriso receptivo e hospitaleiro de Cedrico Diggory, gesticulando com as mãos para que tomasse um lugar junto deles.
E a emoção tomou conta de si. Sorriu abertamente com a luminescência de vinte sóis, correndo em direção ao seu novo clã, que se dispunha debaixo da bandeira de cores douradas, semelhantes ao seus próprios cabelos. Estava em casa.
Olhou em direção à mesa das àguias e pôde ver Stella lhe mandando um joinha aprovador, o que lhe encheu de felicidade. Esperava não perder sua amizade mesmo que fossem separadas em acomodações diferentes.
Sentou-se bem ao lado de Diggory, que se afastou um pouco no longo banco para lhe dar espaço e enlaçou seu braço direito pelos ombros dela, num breve abraço.
— Soube que seria uma lufana assim que te conheci, novata! Mas guardei para mim para não estragar a surpresa.
Zoe gargalhou e revirou os olhos.
— Até parece, senhorito! Nem mesmo o Chapéu parecia saber.
O Reitor Alvo Dumbledore se pôs de pé, dando um fim parcial à balburdia dos alunos.
— O jantar de boas vindas será servido, aproveitem! — Disse simplesmente, fazendo todo o barulho retornar.
Os estudantes estavam famintos e muito empolgados, renovados para o novo ano que se iniciava.
Pela mesa, de repente, inúmeros pratos surgiram, com um cardápio vasto de opções. Purês, tortas salgadas, tortas doces, batatas preparadas de todos os tipos que se pudesse imaginar, sopas, carnes e cozidos de legumes.
Zoe foi apresentada por Diggory para àqueles mais próximos à mesa: Anna Abbot, Susana Bones e Ernesto Macmillan, todos também novatos.
Ao findar do banquete, os alunos começaram a se dispersar.
Zoe conversava com Susana Bones sobre assuntos triviais, como qual havia sido o melhor prato do jantar e suas expectativas para conhecerem seus dormitórios, quando ultrapassou as duas grandes portas e pôde avistar a garota de cabelos curtos e castanhos a quem já havia, inegavelmente, apegado-se.
— Stella! — Zoe fez um sinal de “já volto” para Bones e caminhou com pressa até a nova corvina. — Que pena que não ficamos na mesma casa…
Estava, ainda, apreensiva com isto. Gostaria de ter ficado na Corvinal, com Stella e como seus pais desejavam. Não queria nem imaginar a preocupação deles se soubessem que havia acabado na Lufa-Lufa, que, pelo que ouviu durante a refeição, era localizada atrás da cozinha do castelo, guardada por barris de vinagre. Não parecia de grande prestígio… e sua família estava acostumada com o Palácio de Beauxbatons, não podia se esquecer.
Além de tudo, tinha medo de que Stella formasse laços mais fortes na Corvinal e logo a deixasse de lado. Nem tiveram tempo de realmente forjar uma relação mais profunda e Zoe já sentia um ínfimo receio de a perder.
— Zoe! — A morena a recebeu animada, dando um breve abraço. — Isso não é problema, fique tranquila. Você foi feita para ser uma lufana, é impossível não ver isso nos seus olhos.
— Acha mesmo? – Perguntou, precisando de validação externa. Estava meio receosa de ir para a lufa-lufa sozinha, mas pelo menos já conhecia Cedrico e já trocara algumas palavras com outros lufanos.
— Eu não acho, eu tenho certeza, Zoe. Imagina que saco você estar em uma casa que não tem nada a ver com você? Cada um de nós tem um lugar aqui dentro, não importa se é nos puro-sangues sonserinos ou nos amigáveis lufanos!
Zoe sorriu. As palavras de Stella realmente a animavam e encorajavam, silenciando seus receios. Cheveron, sem sombra de dúvidas, estava na casa certa, tão sábia e madura! O Chapéu não deve mesmo nunca se enganar.
Então talvez devesse considerar que a Lufa-Lufa realmente era seu lar. Havia sido bem recebida, até agora. E nem ao menos conhecia as instalações. Estava sofrendo por antecipação só pelo o que sua mãe e pai pensariam, esquecendo-se que, indubitavelmente, estariam felizes por ela e a apoiariam.
— Amigáveis demais… — Zoe deu uma piscadela sugestiva mencionando o quão galante Diggory era, o que a amiga também presenciara mais cedo.
Foi quando voltou sua atenção para a garota que acompanhava Stella. Tinha uma pele alva como a neve, cabelos cor de manteiga enormes que caíam livremente por suas costas e olhos do mais celestial tom de azul.
— Oi! Que brincos lindos! — Zoe elogiou, o estilo da outra lhe chamou muita atenção, era, visivelmente, muito criativa. De suas orelhas, peculiares brincos de miçangas em formato de rabanetes se penduravam.
— Oh, você reparou neles? Eu mesma quem fiz! — Comentou orgulhosa. — Posso fazer alguns pra você, o que acha?
O sorriso genuíno que se alastrou pelos lábios de Bellerose era estrondoso. Já havia gostado da menina gratuitamente!
— Sério?! Eu iria amar!
Neste momento, Cedrico, que reunia o grupo de calouros lufanos para acompanhá-los à comunal, se aproximou, chamando atenção de Zoe.
— Bellerose! Cale a matraca e venha. — Diggory disse brincalhão, arrancando uma arfada travessa da mais nova lufana, fingindo-se de ofendida. Ele ainda encarou Stella e prosseguiu: — Corvinal, hm?
— Ouvi boatos que é a melhor casa, lufano. — Respondeu a nova corvina, equiparando o tom bem-humorado com que Diggory implicava com elas.
— Senhorito Diggory, quer me impedir de fazer novas amizades? — Zoe arfou, desejando ficar mais tempo com Stella e a outra loira que parecia exatamente o tipo de pessoa que Zoe gosta de se cercar.
— Pode fazer novos amigos na nossa comunal. Anda! — Apontou na direção de seus protegidos, ali parados ao canto do hall aguardando que todos chegassem.
O monitor da Corvinal, que fazia o mesmo com os seus calouros, também se aproximou:
— Boa noite, senhoras. Prontas para conhecerem a melhor acomodação do campus? — dirigiu-se às outras duas.
Zoe sentiu um pequeníssimo sentimento de receio arder em seu estômago. Era exatamente o que seus pais haviam dito. Queriam que ela ficasse na Corvinal por ter acomodações adequadas. Tinha medo de que os dormitórios lufanos fossem meio decadentes ou inseguros… Sem falar que ainda conheceria sua colega de quarto. Céus! Tomara que seja uma boa pessoa. Imagine passar o ano todo dividindo o quarto com alguém com quem você não se identifica?
— Fala, meu mestre! — Cedrico o cumprimentou com aquele típico tapinha misturado com aperto de mão que os garotos de todo lugar parecem usar ao falar uns com os outros. — A Torre da Corvinal pode até ser a mais bem decorada, mas a comunal lufana sempre será a melhor frequentada!
Ele lançou uma piscadela para Zoe, logo a integrando naquele espírito de comunidade. E estava funcionando. A loira sentia uma alegriazinha de fazer parte da mesma casa que Cedrico. Só esperava que os outros lufanos fossem tão legais quanto.
— Ignorem, o Diggory levou um balaço na cabeça ano passado e se tornou meio louco. Vamos, moças? — O veterano corvino gesticulou para que Stella e sua amiga o seguissem.
Zoe as encarou com um beicinho, não querendo findar sua interação, mas sabia que era absolutamente necessário irem para seus próprios caminhos.
Tudo o que lhe restou foi dar um rápido abraço em conjunto nas duas.
—Boa noite, amigas. Nos vemos no café da manhã?
— Às sete! — Stella concordou e lançou um aceno na direção de Zoe, enquanto ambas se uniam aos seus respectivos veteranos e grupos.
Seguindo Cedrico, Bellerose se dispôs no meio da aglomeração de calouros afoitos e animados, que muito conversavam. Acabou sendo inserida em algumas conversas também, aparentemente, ser comunicativo era um traço da casa.
— Vamos! Prestem muita atenção, pois terão que fazer este caminho sozinhos amanhã. É comum se perderem pelo castelo no início. — Cedrico disse, à frente. — Nossa comunal fica nas masmorras, não é muito longe. Sigam-me, texuguinhos!
O grupo seguiu Diggory do Salão Principal para um andar abaixo, passando por poucos lances de escadas.
Chegaram ao corredor das cozinhas, de onde emanava um delicioso aroma de comidas sendo preparadas. Caso se perdesse, Zoe pensou que poderia tentar se guiar pelo olfato.
No entanto, a localização lhe parecia muito estranha. Não era muito nobre passar pela área de serviços do castelo para se chegar ao seu quarto.
Cedrico liderava os alunos por meio de corredores de colossais dispensas de alimentos, até que parou em meio à uma grande pilha de barris.
Zoe estava apreensiva. Onde é que alojavam os lufanos? Em meio aos estoques e produtos? Dormiriam nos fundilhos do castelo, em camas de pacotes de farinha?
— Estão todos aqui? — Cedrico averiguou, mentalmente contando se todos os rostinhos novos estavam presentes e nenhum havia se perdido pelo trajeto.
Ao constatar que não dava falta de ninguém em especial, prosseguiu:
— Todas as Comunais de Hogwarts possuem um meio particular de acesso. A nossa casa é a única que possui um dispositivo repelente de intrusos, que consiste em um bom banho de vinagre em quem errar a nossa chave.
O grupo deu algumas risadinhas, empolgados. Aquilo já dava uma certa sensação de exclusividade.
— Vou ensiná-los como entrar na Comunal, prestem bem atenção, pois não quero nenhum lufano fedendo à vinagre andando por aí!
Diggory se encaminhou até o segundo barril do fundo, empunhando sua varinha.
— Vocês devem batucar neste barril com um ritmo específico de “Helga Lufa-Lufa!”. — Falou entonando tal ritmo e gesticulando para os calouros repetirem.
— Helga Lufa-Lufa! — Zoe cantarolou junto com o grupo, um sorrisinho ao canto dos lábios.
— Muito bem. — O veterano bateu com a ponta de sua varinha sobre a superfície do barril, exprimindo o tal ritmo.
De repente, a tampa daquele barril imenso se abriu magicamente, revelando uma passagem.
Diggory abriu os braços com um sorriso orgulhoso no rosto, antes de abrir a porta:
— Lufanos, sejam bem-vindos ao seu novo lar!
Ao passar pelos arcos de madeira, Zoe se viu dentro da Comunal mais aconchegante que jamais poderia imaginar.
O piso era de madeira, as janelas eram gigantescas e redondas, com alguns vitrais coloridos, que davam vista ao gramado da escola e à um campo de dentes-de-leão, que coincidentemente eram os preferidos de Zoe.
Mesmo estando de noite, o ambiente parecia trazer a energia solar, com luzes amareladas vindas de luminárias de cobre.
Ao centro, uma árvore milenar fazia morada e parecia se fundir à estrutura, seus galhos se unindo às vigas do porão lufano; aos seus pés, um conversation pit, que era um desnível mais profundo alguns degraus, onde se dispunham sofás em veludo amarelo canário que acompanhavam o diâmetro e incontáveis almofadas coloridas.
Na parede, acima de uma lareira adornada por entalhos de texugos, um retrato pintado de quem Zoe deduziu ser Helga Hufflepuff, a fundadora, uma senhora um tanto quanto simpática, que exibia um sorriso afável para seus pupilos.
Todo o salão era ricamente decorado com plantas e plantas mágicas, algumas até dançavam enquanto outras exprimiam certos barulhos melódicos; ouviu dizer, por outros alunos, que muitas eram trazidas por Pomona Sprout, a diretora da casa. O verde das folhas e o colorido das flores traziam muita vitalidade e energia.
Havia muitas mesinhas e poltronas por todo canto, sempre em tons terrosos, cobre, amarelo e preto, para que os alunos conversassem, estudassem, comessem, convivessem. Sendo tão próximos da cozinha, Zoe percebeu, ainda, que havia muitos quitutes por ali. Bolinhos, pães e sanduíches, provavelmente trazidos pelos próprios lufanos.
Tudo era construído em formas orgânicas, muito semelhante à Art Nouveau parisiense. Elementos de ferro esculpidos com inspirações naturais como folhas e flores.
Passando por um pequeno corredor, encontrou uma segunda sala, de teto mais baixo, com uma claraboia que permitia a vista do céu, que, naquele momento, era contemplado por uma magestosa Lua Crescente. Dali, várias portas redondas de madeira se acoplavam pela parede. Os quartos.
O elemento da Lufa-Lufa era a terra. E o Salão refletia o quão fértil ela era.
Zoe estava maravilhada. Estupefata. Observava cada detalhe do lugar e pensava quão bonito era.
Como é que podiam pensar que a Comunal Corvina seria melhor que aquela? Sequer sabia como era a Torre da Corvinal, mas o porão da Lufa-Lufa era tão aconchegante e alegre, tão cheio de vida e de cores, com plantas pelo teto e pelos cantos… só de respirar aquele ar, Zoe sentia sua energia renovada. Era difícil explicar.
Era a sensação que se tem de chegar em casa após uma longa e cansativa viagem.
— Abbot e Bones, quarto 12. — Ouviu a voz de Cedrico, simplesmente de pé sobre uma mesinha de madeira, com uma prancheta em mãos.
Zoe logo correu para lá, em busca de saber onde seria o seu.
— Bellerose? Bellerose? — Diggory a procurava, quando a avistou. — Está no quarto vinte e sete.
— Obrigada! — Sorriu gentil. — E minha bagagem?
— Já deve estar lá, não se preocupe.
— Tá bem… — Já ia se encaminhando, quando lembrou de algo e logo voltou: — E quem vai ficar comigo?
Notou que ele estava designando duas pessoas por quarto, mas o seu nome, em específico, foi chamado sozinho.
— Uma veterana. — Cedrico seguiu sua lista, não podendo dar muita atenção a ela, afinal, havia um grupo desesperado de novatos querendo satisfações também.
Zoe acenou com a cabeça e saiu desbravando o espaço. Ficou um pouco receosa por ter uma veterana como colega. Já devia ter seu próprio grupo, o que poderia dificultar o desenvolvimento de uma amizade…
Como era tudo disposto em formato circular, começou de um lado, notando os números em cobre que adornavam as belas portas de madeira, juntamente com dobradiças em motivos folhosos e maçanetas redondas muito grandes e maciças.
Foi da porta um até a vinte e sete, que ficava já da metade para a direita.
Bateu, mas não obteve resposta. Então simplesmente entrou, encontrando seu malão e bagagens de mão — e mais importante de tudo, sua frasqueira encantada — na cama da esquerda.
O quarto não era diferente do espaço de convivência, também muito bucólico e solar.
Cortinas amarelas, mesas de estudo em madeira, bem como o piso, um tapete felpudo verde que lembrava grama, janelinhas circulares e basculantes próximas ao teto. As duas camas eram interessantíssimas, dentro de nichos nas paredes em formato hexagonal, como um favo de mel, porém todo contornado por madeira viva que se dispunha como o coração de uma árvore, com folhagens crescendo ao redor.
Dentro do compartimento, havia estantes para se guardar o que quisesse, uma luminária de cobre e um teto particular com pequenos vagalumes ornamentais que brilhavam no escuro.
Na parede da porta, um belo armário robusto metade ocupado com as coisas de sua colega de quarto.
Era muito empolgante. Não tinha muitas semelhanças com arquitetura não-maj, para se construir algo como aquilo era preciso usar magia.
Zoe logo correu e pegou sua frasqueira, se acomodando em sua cama. Abriu o zíper de seu objeto encantado e enfiou todo seu braço para dentro, procurando sua ratinha.
— Ivoire! Ivoire, precisa ver isso! — Quando sentiu a bolinha de pelos macios, fisgou-a para fora. — Olha onde estamos!
Zoe riu, erguendo o roedor em suas mãos e mostrando o ambiente.
— Não é lindo? Somos lufanas agora! Ah, Ivoire, eu gostei tanto… Vou colocar sua caminha bem aqui na estante, para dormir ao meu lado, o que acha?
A loira trouxe o animal para perto de seu rosto, dando um beijinho em sua minúscula cabeça de pelagem branca.
— Precisamos trocar o seu laço para um amarelo!
Estava tão entretida em seu assunto com Ivoire, que nem percebeu quando outra pessoa adentrou o quarto, fazendo-se notada por um pigarrear.
— Interrompo?
Zoe se virou e deu de cara com uma garota mais velha e mais alta, de cabelos rosa cor de chiclete, olhos escuros e brilhantes e um rosto de traços afinados. Ela vestia uma jardineira jeans folgada de lavagem escura e uma jaqueta preta. Também usava uma gargantilha preta de botões dourados muito interessante, o que dizia que devia ser criativa, algo em comum com a loira.
— Oh, não! Não, só estava conversando com a minha ratinha… — Sorriu meio embaraçada, saindo de seu nicho e se pondo de pé com um sorriso e Ivoire em mãos.
— Você é Zoe Bellerose?
Fez que sim com a cabeça e a outra sorriu.
— Eu sou a Tonks. Somos colegas de quarto agora.
— Muito prazer!
Tonks se aproximou de Zoe e abaixou o rosto em direção à Ivoire. Seus olhos se arregalaram ao ver os dentes da veterana crescerem e tomarem a aparência dos de roedores. Ela fez um barulhinho, brincando com Ivoire.
— Como faz isso?! — Perguntou, extremamente intrigada.
A mais velha riu, erguendo-se. Em um segundo, seus dentes voltaram ao normal.
— Sou uma matamorfomaga. — Deu de ombros.
Zoe já havia ouvido falar nisso, mas nunca conhecido alguém assim. Ela tinha a habilidade de mudar sua aparência como quisesse, sem precisar de feitiços ou poções. Era incrível!
— A minha antiga colega de quarto se formou ano passado, caso esteja se perguntando se eu briguei com alguém e você acabou pagando o pato. — Brincou, enquanto se sentava na própria cama.
— Nem pensei nisso! — Riu-se. — Posso dizer que amei seu cabelo? E suas roupas. E os posters no seu lado do quarto!
Tonks deu uma risadinha.
— Também gosto do seu cabelo. E da ratinha. Eu posso?
Zoe se aproximou e entregou Ivoire nas mãos de Tonks, que começou a brincar com ela.
— Ela se chama Ivoire. Você tem um animal de estimação?
— Uma coruja, mas não se preocupe, ele fica no corujal. Não fará mal à peludinha.
— Em que ano está? — Zoe tinha tanto para perguntar, queria saber mais sobre Tonks, parecia tão interessante e subversiva!
— Quinto. Faço curso de Auror. E você, já tem algo em mente?
— Ainda não… — Mordeu os lábios, meio apreensiva. Não fazia ideia do que iria querer estudar.
No entanto, o primeiro ano em Hogwarts era de módulo básico de magia, para garantir que todos os alunos tivessem o mesmo nível de conhecimentos. Só após isto, no segundo, é que deveriam escolher seu curso de especialização, algo como o bacharelado não-maj.
— Não se preocupe, vai ter tempo para se encontrar. Eu também não sabia o que queria no início. A Sprout ainda não acredita que eu consegui nota suficiente para o curso de Auror. — Deu uma risadinha pelo nariz. — Nunca fui monitora porque ela não acha que eu me comporto adequadamente. E também porque sou meio estabanada.
Zoe riu, sentando-se na cama de Tonks a seu lado, Ivoire correndo entre uma e outra.
— Eu também! No trem um garoto me chamou de avoada e aliciente. Eu nem sei o que é aliciente.
Riram juntas.
— Ei, já sei! Vamos fazer uma brincadeira para eu te conhecer melhor, novata. Eu digo uma palavra e você fala a primeira coisa que vier à sua mente!
— Tá bem! — Fez que sim com a cabeça, animadíssima, e Tonks logo começou:
— Cor?
— Rosa. — Obviamente observava as madeixas da veterana, o que fez as duas rirem.
— Sobremesa?
— Doce de abóbora!
— Criatura Mágica?
— Pelúcio!
— Sangues-puros?
— Não existem. — Zoe fez uma careta, franzindo o cenho.
Tonks riu em aprovação. Para ela, filha de uma Black com um pai nascido trouxa, o conceito de pureza de sangue também era uma balela ridícula. Mas ouvir alguém falar daquele jeito a respeito era muito raro, pois a maioria temia.
— Pelas barbas de Merlin, me deram simplesmente a melhor caloura! Passou no teste, você vai ser minha pupila e não se fala mais nisso!
Zoe foi sufocada por um abraço repentino e apertado de Tonks, ambas compartilhando uma risada.
Escutaram um barulho vindo de uma das janelas, donde dois bilhetes encantados entraram, dobrados ao meio e batendo suas pontas como asas.
— O que é isso? — Zoe indagou, um dos bilhetes caindo em seu colo e o outro sendo pego no ar por Tonks.
Eram pequenos envelopes num tom de verde abacate. Abrindo-os, depararam-se com um papel roxo saturado e letras laranjas chamativas, onde se lia:
Ao ler a última frase, em letras pequenas no fim do bilhete, Tonks habilmente jogou o seu para o teto, enquanto Zoe, menos experiente, tomou um grande susto quando o bilhete queimou bem dentro de suas mãos — nada que realmente machucasse ou queimasse sua pele.
Tonks danou a rir e a mais nova acabou sendo contagiada.
Quando tomaram fôlego, restavam-lhe muitas dúvidas: O que é a Casa dos Gritos? Por que ir num lugar chamado Floresta Proibida (ênfase no proibida)? Quantos Weasleys existem? E o mais importante…
— Mas que presepada foi esta?
A veterana sorriu de forma marota.
— Se arrume, Zoe. Temos uma festa para ir.