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Revisada/Codificada por: Calisto

Última Atualização: 15/09/2024
Da quarta janela do estreito prédio de cinco andares, era possível vislumbrar um homem vestido todo de preto e de cabelos igualmente escuros, segurando um bebê. O bebê era pequeno, de pele clara, e tinha as bochechas coradas herdadas da mãe.
O homem colocou a criança adormecida no berço e fitou-a por alguns instantes. Suspirou. Conjurou um pequeno baú e colocava nele alguns livros que trouxera consigo quando a porta se abriu em uma fresta.
— Senhor...? Queria saber se o senhor já terminou por aqui — perguntou a mulher, alerta.
— Ainda não — foi tudo que respondeu, secamente. — Não está vendo que ainda estou arrumando as coisas da criança?
Com o olhar gélido que recebeu, a mulher arregalou os olhos e calou-se.
— E a propósito, preciso deixar algumas coisas muito claras. — Severo deixou o baú sobre uma cômoda e aproximou-se da mulher. — Ali, naquele baú — apontou o objeto —, há livros de leitura indispensável. Apesar de estar deixando a menina num orfanato trouxa, quero me certificar de que ela saberá quem é, e sua função é não deixá-la se esquecer disso. — Snape fez uma pausa. — Não compreendo realmente, senhorita, o que uma bruxa mestiça faz aqui, neste lugar trouxa. Mas como essa desgraça não é minha, só quero garantir que ela saberá que é bruxa, saiba o que é Hogwarts e já basta. — O homem virou-se e pegou novamente o baú. — Agora você já pode nos deixar, senhorita. Mando lhe chamar quando acabar por aqui.
Ela apenas acenou, temerosa, e deu meia volta em direção à porta.
Snape trancou o baú e empurrou-o para baixo do berço pequenino, exatamente igual a outros sete naquele quarto. Fitou a criança por mais alguns minutos, mas não despediu-se dela. Snape questionou-se por que tinha pedido aqueles minutos a sós com o bebê, afinal. Ela nem ao menos se lembraria.
Virou-se e sua capa voou no ar, saindo exatamente com a mesma expressão que entrara: indiferença. Severo Snape nunca tinha sido bom em despedidas.

***


Ela era ruiva. Tinha bochechas coradas. Olhos azuis. E sua energia contagiava a todos. E ela era dele.
Passado certo tempo, Severo se dera conta de que era encantado por Lily Evans porque ela era ruiva. Assim como a sua ruiva. E Lily também era fogosa, assim como ela. Mas Lily era de Potter. E Alexandra era dele.
Alexia teve o coração de Severo no último ano de Hogwarts. E mesmo durante o tempo em que ficaram sem se ver, ele continuara sendo dela. Inteiramente dela. Apaixonadamente dela. Foi quando sua ruiva voltou para a escola, desta vez para lecionar Defesa Contra as Artes das Trevas, que ficaram juntos. Alexia era viva, encantadora, genial. Severo era rude, calado e frio. Ela cativara alunos e professores em pouquíssimo tempo, ele ainda era odiado e temido por muitos. Mas Severo era de Alexia, e Alexia de Severo. E isso bastava.
Por muito tempo, Alexandra foi considerada a melhor professora de DCAT que já passara pelo cargo, mas, assim como tantos outros, foi sendo esquecida com o tempo. Seus alunos não mais estudavam em Hogwarts, e os filhos destes ainda não haviam ingressado na escola.
Alexandra seria lembrada novamente somente quando parte dela voltasse, em forma de uma sonserina calada e de sorriso maroto, cabelos negros, bochechas rosadas e, sim, olhos azuis herdados da mãe.




A garota arrumara suas poucas coisas em um malão preto — livros surrados e algumas peças de roupa, era tudo o que possuía. Da quarta janela no prédio de cinco andares, ela observava o subúrbio da Londres trouxa pela última vez em meses; era um deleite pensar nesse sentido, já que a vista não era nada apreciável, é claro, porém consistia um bom passatempo nas noites solitárias.
Recebera a carta há um mês e agora, depois da última semana de férias escolares, finalmente ingressaria na Escola de Magia e Bruxaria de Hogwarts. Ela tinha quinze anos e não entendia o porquê de tê-la recebido somente agora; ansiara por esse momento desde os onze anos, mas nos últimos anos aprendera a não criar mais expectativas. Ela, apesar de se saber bruxa, tinha sido esquecida naquele subúrbio trouxa.
Quando o sol raiasse anunciando a manhã seguinte, porém, haveria alguém mandado da escola para buscá-la. E era o que ela mais esperara na vida, tanto que precisou se controlar – depois daqueles anos todos de expectativas frustradas passados no orfanato, ela aprendera a sempre desconfiar das situações boas, que eram raríssimas em sua jovem vida. Soube que hospedar-se-ia no Beco Diagonal, mas alguém faria as compras em seu lugar. Estava perfeito para ela, onde fosse, na verdade, longe da escura e suja Londres que conhecia.
Rúbeo Hagrid, o guarda-caça, fora o enviado para buscá-la. Ele falava sobre coisas que estavam nos livros que ela lera, e coisas que também não estavam. Era surpreendentemente fácil conversar com ele, a garota notou. era uma pessoa de poucas palavras, mas Hagrid compensava falando pelos dois. Curioso, ele lhe perguntou o porquê de ela não ter entrado no primeiro ano. Respondeu-lhe apenas que não sabia, a carta só chegara há um mês. E mais nada. Hagrid, por sua vez, orientou-lhe a falar com Dumbledore sobre o assunto.

***


Do ponto de vista da morena, o castelo era esplêndido, encantador, impressionante. Mas acima de tudo era familiar.
Quando a porta do Salão Principal se abriu à sua frente, sentiu-se acolhida como nunca antes fora. Os estudantes dos outros anos já estavam sentados às mesas de suas respectivas casas, mas ela acompanhava os alunos do primeiro ano.
Hagrid guiou-a e colocou-a no início da fila, ela nem se dera conta. Estava extasiada. Mesmo quando o grupo começou a andar em direção ao Chapéu Seletor, ela ainda estava abismada com o teto estrelado e os alunos sorrindo uns para os outros, trocando novidades naquele clima típico de primeiro dia de aula, e teve (mais) raiva de quem quer que fosse que a fizera ficar longe daquele lugar por tanto tempo.
Deu-se conta do que estava prestes a acontecer quando a fila parou e a mulher de cabelos negros e óculos puxou um pergaminho das vestes. Conhecia as casas e a escola, já que "Hogwarts, uma história" estava entre os tomos que possuía, e sabia que eram duas suas opções: Grifinória e Sonserina, justamente as casas mais contrastantes. A única coisa que sempre soubera sobre seus pais era essa: sua mãe fora uma Grifinória e seu pai, um Sonserino. Particularmente nunca achara possível, ou mesmo plausível, que fosse mandada para Grifinória, então o que veio a seguir não fora uma grande surpresa, ainda que a tenha deixado um tanto quanto intrigada.
Snape. — A voz de McGonagall soou pelo enorme salão e de repente tudo se aquietou.
se moveu sob o olhar desconfiado de todas as Casas. O único som que se ouvia era a brisa suave que penetrava pelas janelas altas e fazia os estandartes das casas farfalharem enquanto a garota andava até a mulher mais velha.
Aquele sobrenome era conhecido bem demais por ali, embora não fizesse ideia do porquê tantas faces abismadas a encaravam de volta com desconfiança. Sentou-se no banquinho e Minerva McGonagall colocou o esfarrapado chapéu sobre seus longos cabelos negros.
Hum… — foi a primeira coisa que disse o chapéu. — Mente ardilosa, decisão fácil. És corajosa, pois sim, porém tem o coração pesado e a mente cheia de ambições, astuciosa... Declaro que és... SONSERINA!
deu um sorrisinho torto enquanto a mesa da Sonserina aplaudia, ainda receosa. A garota caminhou lentamente até a mesa designada à sua Casa e sentou-se em um lugar vazio, sem se importar com quem se fazia vizinha.
Severo Snape observava-a de longe, cauteloso, estranhando a presença tardia da garota ali.
Após o banquete e o discurso de Dumbledore, os alunos de todas as casas se dirigiam para os dormitórios. Snape acompanhava-os na direção das masmorras, quando uma mão fria tocou-lhe o ombro.
Os professores tinham sido apresentados aos alunos do primeiro ano e o sobrenome que compartilhava com o professor de Poções lhe teria deixado mais intrigada se ela não tivesse crescido na Londres trouxa onde muitas pessoas compartilhavam sobrenomes ao acaso. Ela não sabia, porém, que isso era bem menos comum na reduzida comunidade bruxa.
— Pois não? — respondeu secamente, erguendo os frios olhos azuis. Quem ousaria tocá-la?
— Dumbledore quer falar com a senhorita. Acompanhe-me até a sala do Diretor, por favor — ele replicou com uma frieza que espelhava a dela e espantou-se imensamente com os olhos incrivelmente gelados da garota.
Caminharam juntos até a gárgula que precedia a sala do diretor sem trocarem uma só palavra. refletia sobre o Diretor da Sonserina, apresentado durante o banquete por Dumbledore, compartilhar o mesmo sobrenome que ela sem saber que Snape fazia o mesmo. De qualquer forma, o pensamento não tomou mais espaço do que uma pequena curiosidade em sua cabeça adolescente.
— Aqui está, Srta. . O diretor pediu privacidade, e creio que a senhorita tenha entendido onde fica o dormitório, para lá retornar — o professor orientou, carrancudo. — Bafo de Dragão. — Quando oferecida a senha, a gárgula que guardava o cômodo mostrou uma porta e ele virou-se para seguir na direção oposta, a capa esvoaçando atrás de si.
adentrou curiosa, observando tudo ao seu redor. Passou por uma antessala e bateu duas vezes na porta. Dumbledore abriu-a logo em seguida.
— Com licença, o senhor gostaria de falar comigo, Diretor?



— Ah, entre, por favor, Srta. Snape. — O diretor deu um sorriso bondoso e abriu espaço para que a garota entrasse. — Precisava mesmo falar com você, com urgência.
Dumbledore sorriu mais uma vez e virou as costas vagarosamente, ajeitando-se depois em sua cadeira. observava os estranhos objetos metálicos — alguns a fumegar — com mais desconfiança do que curiosidade.
— Estava realmente muito ansioso pela sua chegada, Srta. Snape. É um enorme prazer conhecê-la. — O diretor colocou ambas as mãos sobre a mesa e suspirou ao ajeitar os oclinhos — Me pergunto durante estes cinco longos anos o porquê de sua desistência em estudar em Hogwarts, mas confesso que achei ainda mais curioso quando recebemos sua carta neste ano. — Ele fez uma pausa. — Diga-me, o que houve?
— Me desculpe, Diretor, mas eu esperava que o senhor tivesse a resposta para essa pergunta.
— Curioso, muito curioso. Você não recebeu a carta em nenhum desses anos ou não pôde respondê-la?
— Não recebi. Acreditava que eu não tinha sido aceita aqui, por morar e ter crescido em um subúrbio trouxa.
— Ora, ora, Srta. Snape. Por essa eu não esperava. Vou ter que consultar pessoalmente esse caso. — Ele adquiriu um ar reflexivo que logo foi substituído por um mais decidido. — Bem, tratemos então de seus anos perdidos.
acenou positivamente.
— Há algumas aulas vagas em seu horário, portanto sugiro que três vezes por semana as usemos para uma introdução básica nas matérias, checarei em que aulas os professores estarão disponíveis, está certo? Nem que essas aulas sirvam somente para você esclarecer suas dúvidas.
— Ótimo. — sorriu torto, era exatamente o que ela precisava. — Eu li alguns livros bruxos que uma funcionária do orfanato me deu. Ela disse que foi a única coisa que meus pais deixaram comigo.
Dumbledore abriu um sorriso triste com aquele novo pedaço de informação.
— Perfeito, senhorita, perfeito. Qualquer novidade você será avisada, está bem?
— Certamente. Obrigada, professor Dumbledore.
— Fiquei muito honrado em conhecê-la, . Tenha uma boa noite — repetiu o cumprimento, encarando-a penetrantemente. desviou os olhos, sem saber como se portar.
— Boa noite, Diretor. — Optou por apenas despedir-se e encontrar seu caminho para as masmorras.

Chegando até lá com algum esforço, o que descobriu foi um salão comunal comprido, com paredes de pedra e luminárias verdes circulares pendendo do teto. Tudo era mágico aos seus olhos, mas ao mesmo tempo, nada era realmente capaz de impressioná-la. Talvez fossem os anos sofridos até ali que borravam a curiosidade infantil. Em sofás luxuosos, havia alunos confraternizando; alguns se sentavam perto das lareiras apagadas, outros se espalhavam por poltronas e divãs. Em um canto, várias pessoas admiravam um grupo de sonserinos, tentando uma aproximação.
quis saber o que estava acontecendo, andando sorrateiramente até mais perto do burburinho. Uma garota, deitada em um divã próximo da aglomeração, lia “História da Magia”.
— O que está acontecendo ali? — perguntou, ainda que com indiferença no olhar, apontando para o grupo de jovens.
— Malfoy e Zabini. Todos acham que eles são deuses ou algo do tipo — a garota respondeu, rolando os olhos. — Você é a Snape, não é?
— Culpada. — Deu de ombros zombeteiramente, mas manteve a expressão inalterada.
— Você é parente do professor Snape? — inquiriu com um fio de curiosidade aparecendo em sua voz.
— Acredito que não. No máximo uma parenta distante — respondeu franca e simplesmente e virou-lhe as costas, decidida a encontrar logo suas coisas e seu dormitório.
A cabeceira de sua cama era sob a janela e achou seu malão acomodado sobre a cama de cobertas verdes. Havia mais três camas no dormitório, mas não fazia qualquer diferença, não era conhecida por ser uma pessoa muito sociável.

***

Seu primeiro horário era Transfiguração, com a professora McGonagall, seguido de Feitiços e depois aula dupla de Poções. Separou os livros que iria precisar e colocou em sua mochila, juntamente com vários pergaminhos, tinteiro e uma pena especial, que havia ganhado de presente de quem quer que fosse que comprara seu material; era prateada com seu nome gravado em uma caligrafia curva e bonita.
As aulas de Transfiguração e de Feitiços passaram rapidamente e não sentiu dificuldade ao acompanhar a turma, exceto por algumas dúvidas corriqueiras. Seguindo para a próxima aula, lembrou-se que o professor de Poções apresentado no dia anterior era o Diretor da Sonserina, Severo Snape, que lhe causara uma sensação estranha com aquele olhar gélido e postura superior.
Assim que toda a turma se encontrava na sala, Snape deu uma breve introdução acerca do que trabalhariam neste ano letivo, orientando, em seguida, que preparassem o primeiro contraveneno do ano, seguindo o livro “Contravenenos Asiáticos”. Os alunos se tumultuavam e faziam os mais diversos barulhos ao prepararem suas bancadas e irem atrás de instrumentos e ingredientes pela sala. Enquanto isso, Severo Snape tinha o prazer de caminhar por entre eles, nas frias masmorras do castelo, a capa esvoaçando atrás de si, implicando com as poções dos estudantes, especialmente dos grifinórios que dividiam aquele período com os sonserinos.
— Sr. Graham, o que o senhor pensa estar fazendo ao não adicionar a essência de díctamo? Você, com toda sua inteligência — desdenhou ele —, faz ideia do que pode acontecer se o senhor não adicionar esse ingrediente corretamente, na ordem certa? — ameaçou, pairando sobre a dupla. — E o senhor, sr. Peterson, trate de olhar direito nesse livro.
Cameron Graham abaixou a cabeça e, antes que pudesse dizer qualquer coisa, o professor já tinha magicamente esvaziado seu caldeirão, mandando-o começar de novo, enquanto seu parceiro Dennis Peterson lia confusamente a lista de ingredientes.
— Pensei que não havia nada sobre pó de chifre de unicórnio no livro que contém o contraveneno, srta. . – Ele espiou por sobre seu ombro. – Sugiro que reveja seu exemplar — sugeriu assustadoramente perto da garota, a voz profunda ecoando em seus ouvidos, mas ela não se abalou.
— A poção está pronta, professor. — Snape ergueu as sobrancelhas em surpresa. — Adicionando o pó de chifre de unicórnio, a poção fica pronta na metade do tempo. As mandrágoras, que são mais dificilmente encontradas, não são necessárias e o contraveneno age na metade do tempo, também. Além de que as ervas lunares também podem ser dispensadas.
— Deixe-me ver — disse Snape, incrédulo, empurrando-a para o lado para olhar seu caldeirão. — Em que livro a senhorita achou esse atalho, senhorita?
— Nenhum, professor Snape. — Ela deu um meio-sorriso vitorioso. — Eu li um livro de poções que falava sobre os usos curativos do pó do chifre de unicórnio e, já que é um ingrediente quase completo, concluí que os outros não seriam necessários, já que as mesmas propriedades se encontravam no pó — respondeu, presunçosa. — E fica pronto na metade do tempo porque também tem princípios aceleradores.
encarou-o francamente e pôde constatar que Severo estava irritado. Ele ficara sem palavras e parecia tentar formar uma frase coerente.
— Peço que da próxima vez a senhorita tranque essa audácia em seu malão e concentre-se estritamente no que é pedido na aula.
— Me desculpe, professor, mas eu fiz o que o senhor pediu. O resultado está aqui.
— Quero resultados baseados nos livros da próxima vez, não em teorias de uma garota que mal chegou em Hogwarts.
Ela sorriu torto mesmo assim.

***

descobriu que tinha três colegas de dormitório: Kate Davis, Felicia Conrad e Elizabeth Duncan. Não se dava bem com nenhuma das sonserinas, tampouco com grifinórios, corvinais, ou lufa-lufas. A garota que mais fazia com que revisasse os olhos, entretanto, era Kate, que tinha uma paixão platônica por Draco Malfoy. Elizabeth e não conversavam entre si, mas também não falavam com as outras duas, preferiam fechar suas cortinas e ter privacidade. As intereções de Felicia e Kate, porém, eram sempre altas e empolgadas, o que perturbava as outras duas habitantes daquele quarto.
As primeiras semanas de no castelo tinham passado muito rapidamente — fora as aulas de Poções, que pareciam estender-se infinitamente em seu curto espaço de duração. Entre experimentos, teimosias e novas descobertas, Severo e Snape testavam os limites um do outro.
continuava sendo excelente na matéria, mas simplesmente se recusava a seguir o método dos livros — por que seguiria, afinal, se havia muito mais? Aquelas maneiras de fazer poções eram ensinadas no quinto ano justamente por não serem avançadas o suficiente, e a garota queria sempre mais. O professor, por sua vez, sabia de tudo aquilo, mas simplesmente não aceitava que avançasse na matéria, antecipando anos de estudo, sem seu aval. Ele era um defensor ferrenho do ensino tradicional.
Depois de semanas de desentendimentos, pontos tirados a contragosto da Sonserina e detenções, ele pediu para que a garota se aproximasse de sua mesa quando o período tinha sido encerrado.
— Professor, o que o senhor quer falar comigo? — perguntou no final de outra exaustiva aula de Poções, quando todos já tinham deixado as masmorras no fim da tarde.
— Venha até meu escritório, Srta. .



Quando entrou pela porta do Salão Principal, Severo reconheceu-a imediatamente. Os cabelos negros e lisos, como os seus, mas de aspecto imensamente melhor, as mesmas bochechas rosadas do bebê que ele mesmo deixara no orfanato, o nariz arrebitado de Alexia e, claro, os olhos azuis.
Logo após ser selecionada pelo chapéu seletor, Snape não teve dúvida alguma de que ela era perfeitamente sonserina, a audácia impressa em seu sorrisinho torto. Sua maior curiosidade era saber se a garota trazia a mesma chama viva e alegre que a mãe costumava levar nos olhos — sempre fora o que mais o encantava nela, dentre seus muitos atributos.
Ao aproximar-se de , forçado por Dumbledore a uma primeira interação com ela, decepcionou-se imensamente ao constatar que os olhos de eram frios como os seus e carregavam um peso que, aos quinze anos, não deveriam. A fala mansa da garota era completamente desafiadora, a expressão arrogante e distante, fria como gelo e dura como pedra. Ele desejara em todos os anos em que esteve afastado da garota que ela tivesse não só a aparência da mãe, mas o comportamento e a vivacidade de Alexia — pensava que teria feito uma coisa positiva pelo mundo, se alguém parecido com a ruiva existisse na Londres trouxa.
Ouvira Flitwick certa vez exclamar espantado na sala dos professores sobre o talento da menina com Feitiços, o professor só havia visto uma vez na vida uma aluna como ela. Snape teve vontade de gargalhar de deboche; claramente era Alexandra a aluna a qual ele se referira, ela era esplendorosamente boa em Feitiços. Minerva McGonagall silenciosamente concordava com Snape, ela associara a garota à antiga companheira de trabalho tão rapidamente quanto ele quando ela adentrou o Salão Principal, assim como o talento com Feitiços.
era a única aluna da Sonserina que conseguia irritar Severo Snape profundamente, quase chegando aos pés de Potter. As respostas rápidas e bem formuladas, o ar altivo, o sorriso presunçoso e o olhar gélido, tão parecidos com os dele próprio. Ela era uma exímia preparadora de Poções, ele mesmo se surpreendera com suas teorias e tinha que admitir que a garota estivera certa todas as vezes. Suas poções eram perfeitas e ela usava informações de que até mesmo Severo havia esquecido, mesmo que tivesse crescido em um subúrbio trouxa sem contato com magia e ingressado tardiamente em Hogwarts. Muitas das vezes, ele se perguntara se era a genética a responsável por isso.
Snape podia se lembrar do orfanato claramente, como se estivesse estado lá no dia anterior. Lembrava-se da vista da quarta janela do prédio de cinco andares, dos muitos berços em um quarto só — afora a troca de berços por camas, não imaginou que o lugar tivesse mudado muito. O subúrbio da Londres trouxa era realmente desprezível. Deixara o bebê lá, há quinze anos, e nunca em sua vida estaria pronto para vê-la novamente.
A culpa, em certas noites, o corroía. Agora, porém, tinha sob seu olhar, apesar da garota nada saber. Eles pareciam ímãs de polos iguais, se repelindo o tempo todo. Talvez ele nunca lhe contasse, talvez ela nunca lhe perguntasse. E talvez, só talvez, seria melhor assim. Cada um vivendo sua vida, tomando seu próprio rumo.
Nesses momentos em que estava sozinho em seu escritório nas masmorras, podia pensar na garota como sua filha, e se corrompia em remorso ao pensar no que Alexia teria achado disso. Seu maior desejo era que ela pudesse ter cuidado da menina; nos dias atuais, ela teria o repreendido pelo que fez.
Mas Alexandra não estava aqui. E era uma garota difícil de gostar.
Ela carregava um olhar superior, como o dele próprio, e andava como se fosse a rainha do lugar. Ele podia perceber que a maioria dos estudantes da Sonserina a temiam e não faziam questão de se misturar com ela, já outros a admiravam secretamente, e Snape achava justo, ela era inteligentíssima e ardilosa como uma boa sonserina deveria ser. Dumbledore viera ter uma conversa com Severo alguns dias depois do ingresso de na escola — a questão das cartas não recebidas.
— Severo, meu caro — recebeu-o Dumbledore, ajeitando os óculos de meia-lua. — Gostaria de falar sobre .
Severo revirou os olhos e se preparou para responder que não gostaria de falar sobre o assunto.
— Você não poderá fingir para sempre, Severo, você sabe bem disso. É melhor que você conte a verdade a ela o quanto antes — disse ele, interrompendo-o, quando Snape ameaçou falar.
— Eu não vou contar nada que não seja necessário a — respondeu o professor, mal-humorado. — Continuarei cobrindo as despesas dela e o que mais lhe for necessário, mas nada mais. Nunca pude e continuo não podendo dar a ela nada mais do que isso.
— Severo... — o diretor recomeçou.
— Se é somente sobre isso, professor Dumbledore, voltarei para as masmorras, tenho muito trabalho a fazer — informou, levantando-se.
— Sente-se, Severo. — Dumbledore indicou a cadeira novamente e Severo, embora contrariado, sentou-se. — Falemos agora sobre um assunto mais curioso: a Srta. não ter recebido as cartas nos anos anteriores. — Ele fez uma pausa, mas o professor de Poções nada respondeu. — Você não acha isso estranho?
— Deve ter sido algum problema com aquelas freiras que tomaram o orfanato ou com a demissão daquela bruxa mestiça — respondeu seco e desinteressado.
— Você deixou a menina lá, Severo, mesmo tendo conhecimento disso? — Dumbledore inquiriu, intrigado.
— Não havia outro jeito. Achei que ela receberia a carta de qualquer modo, assim como o Potter — desdenhou Snape. — E quando ela não entrou no primeiro ano, pensei que fosse por desistência própria.
— Também pensei nessa hipótese, professor, mas descartei-a tão logo quanto falei com . — O diretor sorriu ao falar o nome da garota.
Snape não respondeu.
— Severo, eu sei que você traz muitas mágoas no coração, mas não tem culpa de nada disso. Ela nem sequer tem conhecimento da situação.
Dumbledore insistia em colocar o dedo na ferida, refletia Severo com um suspiro. Ele não estava pronto para falar sobre — deuses, ele não estava pronto para vê-la, para conviver com ela, para aceitar que ela realmente existia e a vida com Alexia não fora um delírio de sua cabeça. Como estaria pronto para falar sobre sentimentos e , na mesma conversa?
— Se já terminamos por aqui, diretor, preciso me recolher — informou, ainda carrancudo, querendo apenas ler um livro e apreciar um vinho na quietude de seus aposentos, fingindo que não existia e que seu passado não passara a assombrá-lo no castelo durante as últimas semanas.
— Vá, Severo, mas pense sobre o que eu lhe falei — aconselhou, unindo as mãos sobre a mesa e encarando o professor profundamente.
Snape acenou e saiu sem dizer palavra rumo às masmorras.
Severo zombou mentalmente de si mesmo quando já tinha tomado vinho o suficiente, naquela mesma noite. "Srta. " — ele não conseguia, e não queria, associar-se a ela, mesmo que fosse através de um mísero sobrenome. Não conseguia pensar na garota mal-encarada como Srta. Snape — não simplesmente porque não aceitasse , mas Alexia ainda era a única pessoa a quem ele admitiria seu sobrenome. Alexandra um dia quisera ser associada a ele. Sobre , ele não sabia.

***

— Srta. , se não se importar gostaria de falar com você no final da aula, antes do jantar — pediu, mais polidamente do que o normal, Severo Snape, em falsa educação, quando a sala toda já havia se acomodado em seus respectivos lugares.
Todos os sonserinos e corvinais voltaram-se para , que acenou positivamente e deu um sorrisinho falso. Ela sabia que ele apenas mencionara isso na frente da classe toda em uma tentativa de humilhá-la.
Quando a aula terminou, após uma pequena guerra de olhares entre os Snape, todos os alunos saíram da sala, deixando apenas o professor e , que continuava sentada em seu lugar. Severo ajeitou-se melhor em sua cadeira de espaldar alto, deixando para que a garota seguisse para perto de sua mesa.
Como era irritante, pensou ao vê-la caminhar desafiadoramente até ele.
— Professor, o que o senhor quer falar comigo? — inquiriu, displicentemente.
— Venha até meu escritório, Srta. .


Continua...


Nota da autora: Pessoal, esta é a primeira fanfic da minha vida e me emociona muito revisitá-la mais de uma década depois. Ela foi inicialmente publicada em 2011 (eu tinha só 14 aninhos) e finalizada em 2014, sob um outro nome. Caso você já tenha se deparado com ela por aí, não se preocupe, sou eu mesma hahaha! Essa história é muito importante para mim e e Severo nunca saíram da minha cabeça nesses anos, então achei justo reescrever e republicar essa fic que eu amo tanto — consertando alguns furos e errinhos da versão original haha. Mas vou tentar ser o mais fiel possível! Esse projeto foi tão importante para mim porque foi a primeira vez que concluí um projeto tão grandioso — que durou anos, teve 403 páginas e mais de 165 mil palavras. Agora tenho a honra de compartilhá-la novamente com vocês, espero que gostem! – Beijos, L.

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