✮⋆˙Independente do Cosmos✮⋆˙
Última Atualização:31/10/2024O inferno está vazio e todos os demônios estão aqui…
A claridade incomodava sua vista devido ao tempo em que ficou privada de qualquer iluminação, as pernas fracas quase não aguentavam o peso de mantê-la em pé, mas finalmente tinha conseguido fugir e não aceitaria morrer ali, precisava continuar seguindo em frente.
Para o mar.
Para sua salvação.
Ela precisava alertar seu povo, avisar que a cidade que tinha sido sua casa por tanto tempo não era mais confiável. A ganância dos homens havia, mais uma vez, falado mais alto que a humanidade que supostamente possuíam dentro de si.
Condenavam sua raça como monstros, mas não eram eles que estavam cometendo as crueldades ali.
Seu corpo todo doía, diversos cortes irregulares manchavam sua pele antes etérea. Bolhas e marcas semelhantes a queimaduras estavam expostas por toda a extensão de seu corpo.
Estava a um passo da morte se continuasse presa, mas agora estava ali e tudo o que precisava era entrar no mar e se transformar, e aquele pesadelo acabaria de uma vez por todas.
A transformação seria dolorosa. Seu corpo estava tão exausto e machucado que, ao se transformar, passaria por um inferno pessoal. Mas, ainda assim, seria melhor do que o que estava sendo obrigada a vivenciar em terra firme.
Seus pés afundaram na areia quente e macia, e seu corpo tombou para a frente. A maresia a envolveu como se tivesse sentido saudades, e o cheiro tão característico de água e sal fez seus olhos lacrimejarem.
Finalmente havia conseguido fugir.
Finalmente estava livre.
Finalmente...
Um som agudo e alto cortou o silêncio, mas ela não ousou olhar para trás. Sabia muito bem que encontraria seus captores ali, e não podia voltar para a rotina de testes e experimentos a que a submeteriam outra vez.
Tentou apressar o passo, mas um impacto inesperado a fez perder o equilíbrio e tombar para frente, caindo contra a areia. A dor explodiu assim que seu corpo colidiu com o chão, e uma risada fria ecoou pela praia.
Ela abaixou o olhar para o próprio corpo, vendo o sangue escarlate escorrer de sua barriga e tingir a areia amarelada. Lágrimas inundaram seus olhos ao perceber que havia sido atingida e que jamais seria capaz de voltar para casa, para o mar.
Com o pouco de força que ainda restava, virou a cabeça em direção ao oceano, olhando para o mar uma última vez e desejando que nada daquilo tivesse acontecido.
A última coisa que viu foi uma onda, que parecia estender-se para tocá-la, quebrando suavemente entre as outras e deslizando pela areia até molhar sua cabeça. Era como um beijo de despedida, vindo de uma mãe que sempre sentiria falta de sua filha perdida. O mar a abraçou uma última vez, como se lamentasse não poder levá-la de volta para casa, para as profundezas onde pertencia. O oceano, sua verdadeira casa, parecia chorar sua partida, enquanto as águas se moviam numa dança silenciosa de adeus, carregando consigo o lamento de uma mãe que nunca mais veria sua criança retornar.
E, com isso, o mundo ao seu redor começou a escurecer, deixando apenas a sensação de saudade e silêncio.
(Cada vez mais, ela amava os seres humanos e desejava poder sair do mar e viver entre eles.)
encarou o gps do carro e respirou fundo ao ver que já estava quase chegando à pequena cidade litorânea que seria obrigado a chamar de lar pelos próximos meses. Por mais que ele amasse o clima da capital e o caos da cidade grande, ele estava feliz por poder exercer seu trabalho ali ao invés de ser desligado da sua profissão.
O detetive não se considerava um homem otimista, mas, como sua avó adorava dizer: dos males, o menor.
Mas, ainda assim, cidades interioranas eram o seu maior pesadelo. A possibilidade de morar em um local onde todo mundo se conhecia e se cumprimentava pelo primeiro nome o causava arrepios. Um local onde ele seria conhecido por ser um forasteiro e não pelo seu trabalho, onde não seria necessário, não era o destino que ele queria vivenciar pelos próximos meses.
Ele era feito para cidades grandes, onde seria apenas mais um perdido no fluxo de sua própria vida agitada, onde estaria muito ocupado resolvendo as atrocidades que o povo cometia e protegendo os civis indefesos.
Nada em si, desde a sua personalidade até a sua profissão, combinavam com cidades pequenas.
Afastar-se do único local que conheceu como casa, de onde possuía a última memória de sua avó, também não lhe contentava em nada.
Porém, a culpa de estar ali era completamente sua.
Ao menos tinha conseguido manter o seu trabalho, mesmo que em outro lugar, e era grato por isso, mas sua gratidão acabava ali. Seu único e atual amor, seu irrefreável desejo de ajudar os outros, era a única coisa que ainda o mantinha de pé após a morte de sua avó.
O fato de odiar cidades pequenas não era nada se comparado a ficar afastado do trabalho pelo próximo ano, mas era muito bom em reclamar, e era isso que ele faria.
O detetive era o melhor de todo o departamento e isso não era soberba, era um fato que todas as premiações que ganhou em Olympia comprovavam. As diversas medalhas e os longos casos resolvidos eram uma prova viva, mas, após a perda da avó, a única pessoa de sua família, o rendimento do detetive caía mais a cada dia.
Ele ignorava os olhares piedosos, as tentativas de aproximação e os comentários de quem queria ajudá-lo. Todos diziam a mesma coisa: que ele precisava se afastar, vivenciar o luto por sua avó e, só então, voltar a atuar nos casos. Mas não os ouviu, até que foi tarde demais e quase colocou tudo a perder.
E, entre a decisão de ser completamente afastado da polícia e de mudar-se para uma cidade onde a taxa criminal era inexistente, sua decisão tinha sido a segunda. Ao menos não ficaria em casa, sem nada pra fazer e afundando no seu próprio sofrimento. Mesmo que não atuasse em casos de tráfico ou de criminosos procurados, ainda seria um detetive, ainda carregaria sua arma e seu distintivo, ainda sentiria que tinha algum propósito para continuar respirando.
E esse era o motivo pelo qual ele estava ali, em um lugar que nunca escolheria por vontade própria.
O detetive passou pela placa da cidade e não conseguiu conter o sorriso cético e debochado ao ler as palavras:
Antes de ser designado para o local, o detetive nunca tinha ouvido falar sobre a tal cidade e assim que começou a pesquisar sobre ela, desejou poder continuar vivendo na ignorância sem saber daquele local. Ele não acreditou ao ler todas as matérias sobre as sereias que poderia existir um local onde acreditassem de fato que aqueles seres sobrenaturais eram reais.
Mas ali estava Bristol Cove, uma cidade litorânea cujos casos policiais eram inexistentes e a população pacata vivia praticamente graças ao turismo que eles vendiam baseado nas lendas de mulheres metade peixe.
Parecia uma grande piada de mau gosto, mas para a sua infelicidade não era.
E por mais que Bristol Cove fosse popularmente conhecida por sua região litorânea, quanto mais dirigia e adentrava na cidade, menos era possível enxergar o mar.
Mas o cheiro de maresia e peixe parecia impregnado em cada local daquela cidade.
O detetive não tardou em chegar ao centro da pequena cidade e estacionou seu carro na primeira vaga livre que encontrou próxima a delegacia. Tirou o óculos escuro que estava em seu rosto, levando em conta que o sol já começava a se pôr, e saiu do carro.
A construção térrea a sua frente era completamente diferente da qual estava habituado a trabalhar em Olympia, mas era um diferenciado estranhamente bom. Não era nada cafona e antiquado como os filmes costumavam apresentar as delegacias de cidades pequenas, era uma construção bonita e levemente familiar com a da capital, mesmo que possuindo menos que a metade do tamanho.
respirou fundo antes de subir os poucos degraus que o separavam da entrada. Sabia que não precisava agradar ninguém e nem estava ali para isso, mas sua preocupação era se a razão pela qual ele tinha sido afastado já tinha chegado até ali.
Juntou a coragem necessária e adentrou a delegacia, resistindo à vontade de revirar os olhos ao notar que todos o encaravam atentamente.
A curiosidade estava exposta no rosto de cada um ali presente, e isso fez com o que respirasse aliviado ao constatar que aparentemente ninguém ali sabia os detalhes que o afastaram.
E essa curiosidade fazia sentido e ele precisava admitir isso, afinal Bristol Cove era tão pacata quanto uma vila de aposentados e a taxa de criminalidade era mínima. A polícia era chamada em pouquíssimos casos, como em festas ilegais com menores de idade bebendo, roubos de mercadorias dos navios pesqueiros e usuais brigas de bares, além de uma ou outra leve perturbação em épocas festivas em que os turistas lotavam a cidade.
Nenhum desses acontecimentos necessitavam do trabalho de um detetive, mas ainda assim ali estava , e nenhum policial presente parecia entender o motivo pelo qual o forasteiro se encontrava ali.
— Boa tarde, sou o detetive do departamento policial de Olympia. — ignorou os olhares e apoiou-se no balcão próximo a entrada, prestando atenção apenas na mulher sentada ali.
A jovem discou rapidamente o ramal do xerife, falando apenas que o detetive estava presente e desligando a ligação. Um sorriso formal foi direcionado a , comunicando-o que o superior logo estaria ali. O detetive se contentou em encarar o corredor a frente, sabendo que seria dali que o xerife sairia logo mais e não falhando ao ver o homem seguir em sua direção segundos mais tarde.
— Seja bem vindo, detetive . — O xerife estendeu a mão na direção do mais novo assim que parou próximo a ele. — Fico muito feliz de ter você aqui conosco. — Agradeço por me receberem aqui. — retribuiu o aperto de mão.
Ele não queria mentir e dizer que se encontrava feliz por estar ali também, mas não poderia deixar de agradecer ao xerife West por tê-lo acolhido quando sabia que muitas outras delegacias tinham negado o pedido de seu chefe para que ele fosse realocado temporariamente.
— Nós nunca tivemos um detetive por aqui e acredito que você já saiba disso, então pode acontecer de alguns policiais se sentirem intimidados. — apenas concordou com a cabeça, aquilo era uma situação a qual já estava acostumado. — Infelizmente nós não podemos lhe proporcionar uma sala, mas separamos uma mesa maior que a dos policiais. — Apontou com a mão para um canto, fazendo o detetive seguir com o olhar.
Seu novo espaço não passava de uma mesa com o dobro de tamanho das outras, com um computador no meio e uma cadeira de rotatória acolchoada, situados no canto o mais longe possível das outras dez mesas divididas em duas fileiras perpendiculares.
— Não vejo nenhum problema nisso, senhor. — sorriu sem mostrar os dentes. Já imaginava que não possuiria uma sala só sua e também não via real necessidade de possuir uma, já que a mesma quase nunca seria verdadeiramente utilizada.
— É muito raro termos uma ocorrência ou algo do tipo, então seu trabalho aqui será bem calmo — o xerife falou enquanto começava a caminhar na direção contrária da qual tinha entrado. — Aqui nós temos um pequeno refeitório que também pode ser usado como cozinha. — Parou na porta de entrada do pequeno cômodo e o detetive fez o mesmo, olhando os poucos móveis ali dentro.
Algumas bancadas coladas à parede, uma geladeira, um micro-ondas e uma cafeteira eram o que ocupavam um lado do cômodo enquanto o outro possuía cinco mesas redondas com diversas cadeiras ao redor.
— Você pode usá-la sempre que quiser. No horário do almoço você pode sair para comer ou trazer algo de casa e deixar na nossa geladeira, que é o que a maioria faz. — Provavelmente vou fazer isso — o detetive falou, voltando a seguir o caminho que o xerife fazia.
Por mais que tivesse concordado com o xerife, não estava acostumado a almoçar em dias que trabalhava, em Olympia sempre encontrava-se demasiadamente atarefado para conseguir conciliar uma pausa durante o dia e ir comer.
— Aqui nós temos os banheiros. — Apontou para as portas que possuíam as identificações e logo seguiu caminho, indo para a parte mais distante. — Aqui são as celas, normalmente elas são usadas apenas com os bêbados.
— Acredito que as coisas são sempre assim por aqui — murmurou com o olhar nas celas vazias, uma visão completamente atípica para ele que estava acostumado com a lotação de sua antiga sede.
— Sim, é muito raro termos problemas por aqui — Byron falou enquanto refazia o caminho de volta para o salão principal. — Somos uma cidade pequena e turística, é difícil qualquer coisa ruim acontecer por aqui.
— Certo.
não conseguiu evitar o desânimo que o dominou, por tudo o que conseguiu observar naquele pequeno tempo ali e graças ao que já tinha lido, começava a se questionar se não era melhor ter sido afastado já que seu trabalho ali seria nulo. Duvidava que os problemas começariam a aparecer da noite pro dia ou que o chamariam para cuidar de bêbados arruaceiros.
Sua presença ali era desnecessária.
— Pode chegar aqui amanhã por volta das oito, é a entrada do turno matutino — o xerife falou assim que os dois pararam próximos à porta. — Se acontecer algo, o que eu duvido muito, eu te ligo no mesmo segundo. Isso é tudo, , seja bem-vindo a Bristol Cove.
O detetive apenas concordou com a cabeça e saiu da delegacia, descendo as escadas enquanto encarava a enorme estátua de sereia no meio da praça a frente. Chegava até ser um pouco estranho como eles de fato pareciam acreditar naqueles seres mitológicos.
O detetive abriu um sorriso descrente ao observar a quantidade de turistas que tiravam fotos com a estátua, ele não conseguia entender como certos humanos eram tão fáceis de serem enganados com contos infantis.
entrou rapidamente no carro e colocou no gps o endereço de sua nova casa, dirigindo devagar até lá enquanto observava os diversos locais da cidade feitos em homenagens às sereias. Estátuas, murais e até edifícios enfeitados com imagens de seres metade mulheres e metade peixe eram encontradas por toda a cidade.
O detetive seguiu até a área residencial um pouco mais longe do comércio, não demorando a achar o prédio industrial de oito andares que chamaria de lar pelos próximos meses.
E por mais que lhe doesse admitir, morar em Bristol Cove poderia vir a lhe cair bem. A vida como bem conhecia já tinha mudado, recomeçar em um novo lugar poderia ser exatamente o que ele precisava.
Mesmo sendo em um local tão calmo quanto a capital mundial das sereias.
tentou conter a animação ao descobrir que, após longos anos da proibição de nadar até a terra firme e interagir com humanos, finalmente tinham recebido o aval para explorar a superfície sem medo de condenação ou deserdamento.
Agora, elas poderiam voltar a praticar o que quase todas tanto ansiavam.
Não tentou encontrar seu pai, sabia que por mais que a proibição tivesse chegado ao fim, aquilo não se enquadraria a ela. Ela precisava se impor, sabia que era algo que sua mãe lhe apoiaria completamente e desejou que a mais velha estivesse ali, ao lado dela para o que sua vida passaria a ser nos próximos meses.
Seria sua primeira vez em terra firme, sua primeira transformação, seu primeiro contato com humanos, e ela não sabia se estava preparada.
nunca havia ido à superfície, pelo menos não perto o suficiente para ver ou interagir com humanos. No entanto, a jovem sereia já havia emergido algumas vezes, apenas para sentir a acolhedora luz do sol sobre sua pele. Embora nunca tivesse nadado naquela direção, ela sabia exatamente para onde estava indo. Crescera ouvindo histórias sobre a pequena cidade litorânea que as acolhera como se fosse uma extensão de sua própria casa e sabia que era para lá que a maioria se dirigiria, afinal era um local seguro para a sua espécie.
Como se as coordenadas estivessem gravadas em seu sangue, só nadou, seguindo seus distintos e deixando que eles a guiasse, continuando assim por um longo tempo.
A sereia já tinha perdido a noção de quanto tempo estava nadando, porém a animação que percorria seu corpo não lhe deixava sentir cansaço que começava a pesar seus braços e sua cauda. Ela não pararia até chegar em terra firme.
Assim que percebeu que a profundidade já não era mais a que estava acostumada, ela emergiu, avistando o sol se pôr no horizonte e, mais à frente, uma extensa faixa amarela. Submergiu novamente, acelerando o nado até que parou ao sentir a areia roçar na ponta de sua cauda. Emergiu uma vez mais, encarando a faixa de areia que agora estava mais próxima, não avistando nenhum humano nas redondezas.
Apoiada com as mãos na areia, começou a se arrastar para fora da água, mordendo o lábio inferior para suportar o incômodo do atrito de sua cauda com com os grãos amarelados. Aquela areia era muito diferente da que conhecia nas profundezas do mar, o contato a fazia sentir como se seu corpo estivesse sendo cortado em milhares de lugares diferentes sempre que os grãos arranhavam sua cauda.
Quando conseguiu tirar o corpo completamente do mar, sentiu sua cauda se retrair com a falta de água, e sua pele rapidamente se tornava seca pela primeira vez, intensificando a agonia da areia que agora corria por toda a sua pele.
A respiração falhou quando suas brânquias já não conseguiam mais utilizar a água como fonte e o oxigênio se esgueirava por seu corpo a sufocando. Lágrimas rolavam de seus olhos enquanto seu corpo se debatia na areia, como se lutasse contra um inimigo invisível.Era como se tivesse ingerido algo que tornava suas brânquias ineficazes.
Um grito gutural escapou de seus lábios enquanto sentia como se sua cauda estivesse sendo arrancada sem piedade. rolou na areia, gemendo de dor, enquanto as mudanças aconteciam rapidamente e ela lutava para manter a consciência.
As brânquias que antes pareciam ineficazes desapareceram em conjunto com as guelras. O oxigênio, que antes parecia um veneno, agora permitia que ela respirasse com facilidade, enquanto se recuperava da transformação. A areia, que antes cortava sua pele, agora trazia uma sensação curiosa ao tocá-la, quase como o carinho de uma alga-marinha.
Porém, o que mais a chocou foram as penas humanas que agora substituíam sua cauda. Sabia que perderia aquela parte de si quando se transformasse, mas nunca tinha de fato chegado a imaginar como se locomoveria entre os humanos.
levou longos minutos até conseguir equilibrar-se completamente em suas novas pernas e levantar do chão, ainda com as pernas bambas que teimavam em não ficarem retas.
Tentar permanecer em pé era um trabalho árduo que exigia todas as forças que seu corpo não possuía, fazendo a sereia respirar profundamente incontáveis vezes até criar coragem para dar os primeiros passos.
encarou a cauda dourada, agora levemente desbotada, e caminhou vacilante até se aproximar do que, minutos atrás, fora uma parte essencial de seu corpo. Abaixou-se perto da cauda, tocando delicadamente sua textura ressecada. Seus olhos se arregalaram ao observar, assustada, a cauda perder toda a coloração até virar cinza e esfarelar-se em questão de segundos, misturando-se com os grãos de areia da praia.
A sereia continuou ali parada, sem saber como reagir ao que tinha acabado de presenciar. Suas pernas fraquejaram e ela sentou-se ao lado de onde sua cauda estivera, sentindo a areia macia acomodar seu corpo. Um sorriso cruzou seus lábios enquanto ela observava o céu escuro, feliz por estar vendo-o ali na superfície. O sol quente e aconchegante já tinha sumido, dando lugar à lua que iluminava o céu límpido onde as estrelas pareciam brilhar com ainda mais força do que a imagem que possuía em sua mente.
Ela não possuía palavras para descrever o que estava sentindo, mas a sensação que dominava o seu corpo era boa.
A brisa marítima abraçou o corpo feminino que encontrava-se nu, fazendo com o que a mulher cruzasse os braços abaixo dos seios, em uma tentativa falha de amenizar o efeito que o vento lhe causava, rindo baixo ao encarar os pelos eriçados devido a brisa começava a esfriar.
estava acostumada com a água absurdamente gelada, mas isso era em sua forma natural, ao que parecia o seu corpo humano era mais sensível a temperaturas.
Levantou-se da areia sem se importar em tirar os grãos de areia que grudaram em sua pele, andando sem rumo pela extensão da praia. Seus passos ainda eram incertos e trêmulos, suas pernas ainda seguiam curvadas e precisava fazer uma força surreal para mexê-los, mas algo em seu corpo a dizia que ela precisava continuar andando, ela só não sabia para onde.
Cada um de nós é nosso próprio diabo, e nós fazemos deste mundo o nosso inferno.
O toque do celular ecoou pelo cômodo, acordando o detetive que, após uma noite mal dormida, havia conseguido pegar apenas algumas horas de sono. Rowen coçou os olhos enquanto bocejava e se sentava na cama. Pegando o celular em seguida e atendendo à chamada.
— Bom dia, detetive. — A voz do xerife estava tensa, e um frio percorreu a espinha de Rowen. Ele sabia que aquele tom nunca trazia boas notícias. — Desculpe incomodar a esta hora, mas preciso que você venha me encontrar. Receio que tenhamos um assassinato.
— Um assassinato? — Rowen repetiu, acreditando ter escutado errado.
A incredulidade se misturava à preocupação. Ele havia revisado todos os arquivos de Bristol Cove, que não eram muitos, e sabia que nunca havia ocorrido um assassinato na cidade — pelo menos, não que constasse nos registros da polícia.
— Isso. Estamos na Praia Central, a mais próxima a delegacia. Acredito que o conhecimento será útil.
— Estou indo. — Rowen dignou-se a responder rapidamente antes de encerrar a ligação.
Ele olhou para a tela do celular e respirou fundo ao ver que o relógio marcava seis e treze da manhã. Havia conseguido dormir só depois das três. Estava exausto, mas não tinha tempo para adiar o começo do dia.
Deixou o celular na cama e levantou-se, indo até a cômoda. Pegou uma calça jeans de lavagem escura e uma camisa social branca, sua escolha habitual para o trabalho em Olympia. Rowen precisava de um banho frio para afastar o sono, mas teria que se contentar com um café forte depois que encontrasse o xerife Byron.
Um assassinato em Bristol Cove.
A frase soava tão fora de contexto, tão surreal, que ele mal podia acreditar. De fato, ao ser transferido, desejou que a cidade tivesse uma taxa criminal um pouco maior para que ele pudesse exercer seu trabalho, mas nunca imaginou que em seu primeiro dia de trabalho precisaria lidar com um assassinato.
Deixou de lado a calça de moletom e vestiu-se o mais rápido que pôde. Passou as mãos pelos cabelos, tentando deixá-los minimamente arrumados, e calçou o tênis do dia anterior, resignado com o cabelo negro ainda levemente bagunçado. Guardou o celular em um bolso e a carteira no outro, prendeu o distintivo antigo no cós da calça, pegou as chaves do carro e saiu, trancando a porta. Chamou o elevador e suspirou de alívio quando as portas de metal se abriram segundos depois.
No estacionamento, foi direto ao carro, colocando os óculos escuros antes de sair do prédio. Abaixou as janelas e deixou a brisa fresca da manhã e o cheiro da maresia atingirem seu rosto, o que lhe arrancou um sorriso mínimo. Dirigiu rapidamente pelas ruas vazias da cidade e passou pela delegacia, seguindo o GPS por mais alguns minutos até chegar à praia central. Avistou dois carros de polícia estacionados próximo a faixa de areia e estacionou o seu ao lado deles.
Trancou o carro e guardou as chaves no bolso da frente enquanto caminhava até pequena comoção. Passou por baixo da faixa amarela que mantinha o público curioso afastado e seguiu até o xerife, que estava cercado por alguns policiais.
— Bom dia. — Rowen cumprimentou ao se aproximar do grupo, atraindo os olhares em sua direção.
— Bom dia, detetive. — Byron foi o primeiro a responder, assentindo. — O corpo está logo ali, e a maré já está quase o alcançando.
— E quem é a vítima? — questionou Rowen, mais por reflexo do que por real necessidade. Sabia que o nome, por ora, não mudaria nada.
— Albert Whosen, 45 anos. — O xerife olhou brevemente para o corpo, sem esconder o quanto aquela morte parecia abalá-lo. — Vivia sendo detido por desacato, embriaguez e pequenas brigas, mas era um dos nossos melhores pescadores.
Rowen acompanhou Byron pela faixa de areia, parando quando finalmente teve o corpo em seu campo de visão. Estava estendido próximo à água, com os pés descalços parcialmente molhados pelas ondas que quebravam em seus dedos. A calça, rasgada nos tornozelos, deixava à mostra arranhões profundos na pele, semelhantes aos que cruzavam ambos os braços, manchando de vermelho a areia ao redor.
— Parece que ele foi atacado por algum animal. — Rowen pensou alto, analisando os cortes longos e profundos. — Embora, honestamente, não consiga imaginar que tipo de animal daqui faria isso. Os cortes estão tão fundos, que essa poderia ser a causa da morte.
— Compartilhamos o mesmo pensamento, detetive. Mas preste atenção nas orelhas da vítima. — Byron inclinou a cabeça na direção do corpo, guiando o olhar de Rowen para um detalhe ao qual ainda não havia se atentado.
Rowen se agachou ao lado da vítima, olhando com mais cuidado o que Byron apontara. Dos ouvidos do homem escorria um líquido espesso, escuro, que havia formado uma pequena poça seca junto à cabeça. Rowen reconheceu o sangue sem dificuldade, sabia muito bem o que estava vendo.
— É como se os tímpanos tivessem explodido — murmurou, mais para si mesmo do que para qualquer outra pessoa, tentando compreender o que teria causado aquilo.
Lentamente, retirou os óculos escuros e continuou a examinar o corpo. Quanto mais olhava, menos sentido aquilo fazia. Jamais havia visto algo assim, e sequer conseguia imaginar o que poderia ter acontecido. A única certeza que tinha era que precisariam de um laudo completo.
— Precisamos levar o corpo para uma autópsia detalhada — Rowen falou, recolocando os óculos escuros. — Se os tímpanos realmente estouraram, precisamos entender como e por quê.
— Já vi muita coisa, mas nunca algo assim — Byron murmurou, o olhar fixo no sangue seco nos ouvidos da vítima. — Pode voltar para casa, detetive. O carro para levar o corpo já está vindo.
Rowen consultou o celular, mas levaria mais tempo dirigindo pela cidade do que de fato em sua casa. Pensou em voltar para casa apenas para tomar café, mas sabia que isso só faria perder tempo. Preferia pegar algo pelo caminho e concentrar-se em tentar compreender o que tinha acontecido com Albert.
— Tem alguma cafeteria aqui perto? — perguntou, fazendo Byron voltar a atenção para ele e assentir.
— Acho que nenhuma cidade prosperaria sem uma boa cafeteria. — Byron soltou um riso breve, que Rowen acompanhou com um aceno de cabeça. — Vou passar por lá a caminho da delegacia. É só me seguir.
Byron conversou rapidamente com um dos policiais, deixando-o responsável por vigiar o corpo até a chegada do legista. Despediu-se dos demais, sabendo que logo os reencontraria na delegacia, e seguiu até o carro, com Rowen ao seu lado. O silêncio foi interrompido por um grito que ecoou pela praia:
— ELAS ESTÃO VOLTANDO! VAMOS PAGAR PELO QUE FIZEMOS A ELAS! ISSO É VINGANÇA!
Fascínio era a única palavra que conseguia encontrar para descrever a sensação que experimentava desde o momento em que seus pés tocaram a terra firme. Caminhar era desafiador, seus passos ainda eram hesitantes e desajeitados, e seus pés descalços sofriam com o calor áspero do solo. Mesmo assim, ela seguiu em frente, determinada.
As pessoas ao redor olhavam-na com estranheza, seus olhares desviando-se rapidamente ao perceberem sua figura envolta em um moletom grosso e inadequado para o verão. Ela sentia um calor incomum, o corpo suado — uma sensação desconcertante, totalmente nova.
A jovem sereia tinha encontrado o casaco do lado de uma casa, após longos minutos caminhando pela sombra e observando os humanos que usavam diversas coisas cobrindo seus corpos. não sabia que eram tecidos, roupas, mas logo entendeu que precisava de usar algo se quisesse se misturar aos demais.
Sentindo a pele ressecar sob o sol, viu-se atraída pelo mar, ansiando pelo conforto da água salgada. Precisava sentir a umidade em sua pele, mas hesitou ao avistar um grupo de humanos reunidos na praia, o burburinho alto demais para os seus ouvidos sensíveis. Curiosa, ela se aproximou cautelosamente, empurrando alguns ombros e recebendo olhares reprovadores.
— Pobre Albert… — murmurou uma voz próxima. Ela virou-se, seus olhos observando a mulher ao seu lado, que encarava a cena com pesar. — Era um bom homem. Não merecia isso.
piscou, confusa. Observou o rosto tenso da mulher e seguiu o olhar dela, notando, então, um corpo sem vida estirado na areia. Algo dentro de despertou — uma centelha de reconhecimento instintivo. Seu corpo reagiu, e os músculos se enrijeceram. Os pelos que substituíam as escamas eriçaram, e seus dentes chocaram-se, um sinal involuntário de alerta. Ela inspirou fundo, captando um aroma metálico e denso que a deixou inquieta.
— A senhorita está bem? — perguntou a mulher ao seu lado, notando seu estado de tensão. balançou a cabeça em negação, incapaz de expressar-se de outra forma.
A mulher observou-a com mais atenção, uma expressão indecifrável em seu rosto.
— Sei que está apenas de passagem, mas... tem algum lugar para ficar? — questionou suavemente. balançou a cabeça mais uma vez, negando.
A mulher suspirou, um sorriso breve e decidido surgindo em seus lábios.
— Venha comigo. Pode ficar em minha casa o tempo que precisar.
Ainda incapaz de usar sua voz humana, limitou-se a assentir. Observou a mulher com curiosidade crescente enquanto seguiam em direção à cidade, afastando-se da praia. Algo no tom afetuoso e no olhar dela trouxe à tona uma memória longínqua — uma sensação de acolhimento que ela raramente sentira.
— Faz muito tempo que não vejo uma de vocês — a mulher murmurou, tão baixo como se compartilhasse um segredo. — Uma sereia.
O mundo de pareceu congelar por um momento. "Uma de vocês…" O olhar dela voltou-se para o corpo na areia, a lembrança da cena vívida em sua mente. Sabia o que aquilo significava. Ou melhor, sabia quem — ou o quê — estava por trás daquilo.
— Pensei que, depois do que essa cidade fez à sua espécie, jamais veria uma de vocês novamente. Você é tão jovem… ao menos sabe o que aconteceu aqui? — A mulher lançou-lhe um olhar indagador enquanto começavam a se afastar da pequena multidão.
apenas balançou a cabeça, negando. Ela mal sabia o que a esperava na superfície, muito menos o que a aguardava na cidade dos humanos.
— Quando chegarmos, contarei tudo — prometeu a mulher, e um vislumbre de preocupação brilhou em seus olhos.
Cada passo era um lembrete amargo do quanto estava longe de seu elemento. O peso de seu corpo, que na água era quase insignificante, agora parecia uma carga insuportável. Andar pela terra firme exigia uma força que ela jamais imaginara precisar. O mundo submarino era uma extensão de si, onde ela deslizava sem esforço, onde o movimento era fluido, quase como respirar. Mas aqui, a gravidade a puxava para baixo com uma intensidade implacável, e cada avanço vacilante doía, cada músculo parecia ter que ser forçado a se lembrar de como funcionava.
A mulher ao seu lado notou o esforço da jovem, diminuindo o ritmo para acompanhá-la com paciência. Havia algo de calmante em sua presença, um apoio silencioso que nem sabia precisar até aquele momento. Com sua noção limitada de tempo, a sereia não sabia dizer se andavam por minutos ou horas. Apenas sentia a exaustão se arrastar por seu corpo, tornando a caminhada uma provação que se estendia sem fim.
Para ela, a distância parecia não ter fim.
— Já estamos chegando, minha querida. Imagino o quanto precisa descansar — a mulher falou, interrompendo o longo silêncio que pairava entre elas. — Pode me chamar de Eleanour.
— Lea — murmurou, forçando a voz a sair.
A palavra deslizou de seus lábios em um tom baixo e suave, mas ali havia um toque de sua verdadeira natureza, um eco do mar e insinuação sedutora que só as sereias possuíam.
— É incrível o quão rápido vocês se adaptam… — Eleanour comentou, os olhos brilhando de curiosidade. — Vocês já saem do mar entendendo o que falamos?
assentiu com um leve movimento de cabeça. Ainda sentia a queimação no peito, o corpo inquieto pela secura. O moletom era quente e pesado, roçando contra sua pele ressecada e aumentando sua vontade de coçar os braços, que agora exibiam pequenas feridas causadas pela falta de contato com a água salgada.
— Bem-vinda ao meu lar, — Eleanour falou, abrindo a porta de uma pequena casa e fazendo um gesto para que ela entrasse.
olhou ao redor, sentindo o alívio da sombra fresca. O cheiro familiar da brisa marítima entrava pela janela entreaberta, e ela respirou fundo, permitindo que a calma tomasse conta de seu corpo tenso.
Ela andou o mais rápido que suas pernas cansadas e desequilibradas permitiam, sentindo o ardor nos pés diminuir assim que o chão frio da casa substituiu o asfalto quente da rua. Com passos trôpegos, observava ao redor com estranheza.
Casa era um conceito que não compreendia muito bem. Para uma sereia, o mar era a única morada.
— Venha, querida, vou preparar um banho para você. — Eleanour a guiou até outro cômodo. franziu o cenho ao ver um "lago" pequeno se formando ao cruzar a porta. — Esta é uma banheira — explicou com um sorriso paciente. — Nós usamos para tomar banho, isso nos mantém limpos e afasta o calor.
A dona da casa fechou a torneira quando a água alcançou metade da banheira, ajudando a se despir do moletom — a única peça de roupa que ela usava — e a entrar. Contudo, ao perceber que tocaria a água, a respiração da sereia se tornou rápida e instável. Instintivamente, Eleanour a segurou pelos braços, aproximando o corpo frio e trêmulo de do seu, em uma tentativa de acalmá-la.
Ela nunca tinha encontrado uma sereia antes, mas crescera ouvindo histórias de sua mãe e avó, que tiveram a oportunidade de ajudar as sereias em tempos antigos. A curiosidade e o fascínio por essas criaturas míticas sempre foram uma constante em sua vida, alimentados pelas narrativas cheias de magia e mistério que a cercavam. Eleanor sabia exatamente como agir, o conhecimento passado de geração em geração lhe concedia uma confiança e um cuidado que agora se tornava vital. O pavor estava visível no olhar da sereia. Ela não estava pronta para sentir novamente a dor da transformação, e seus olhos arregalados encaravam a água com receio. A mais velha percebeu o que se passava em sua mente e suspirou, lamentando não ter se atentado a esse detalhe antes.
— Ah, querida, sinto muito — Eleanour falou calmamente, ficando de frente para e segurando suas mãos para acalmá-la. — Você não vai se transformar.
piscou repetidamente, atônita, enquanto tentava entender o que a mulher dizia. A ideia de entrar na água e permanecer “humana” era surreal para ela. Tinha saído do mar e experimentado toda a dor da transformação, e a perspectiva de passar por isso novamente a aterrorizava.
O mar sempre fora seu lar, um lugar de liberdade e dor, e, mesmo ali, na proximidade da água, a saudade e o medo a envolviam como uma neblina. Ela se lembrava da sensação de ser parte daquele mundo aquático, onde seu corpo dançava com a correnteza, mas também sabia o preço que tinha que pagar por isso. sentia o desejo de voltar, mas o receio de enfrentar a transformação novamente a mantinha ancorada ao chão frio da casa.
— Eu sei que é confuso, mas confie em mim. — Eleanour deu um passo à frente, guiando com cuidado. — Água doce não engatilha a transformação.
A sereia respirou fundo, soltando uma leve tosse no final do ato, ainda sem se habituar completamente ao ar. Em passos lentos, ela se aproximou da banheira, apoiando-se no braço de Eleanour ao entrar. Assim que o pé direito tocou a água gelada, um arrepio percorreu-lhe o corpo. Em seguida, o outro pé já estava submerso. Por alguns segundos, permaneceu ali, imóvel, esperando que os pés se unissem para formar a cauda novamente… mas nada aconteceu.
Ela arriscou um sorriso tímido para a humana, que lhe retribuiu com um sorriso encorajador. Sentindo-se um pouco mais confiante, afastou-se dela, submergindo o corpo por completo. Encostou as costas no interior da banheira, com o queixo levemente acima da superfície, enquanto a temperatura fria da água a fazia relaxar. Ali, naquela pequena bacia de água, sentiu-se, pela primeira vez, próxima do conforto do oceano – quase como estar longe da costa, mas ainda à beira da superfície.
A sensação da água ao seu redor não era a mesma do mar, mas, ao tocar sua pele, trazia um alívio imediato, diminuindo as coceiras que o ressecamento havia causado. A temperatura fria envolvia seu corpo como um abraço suave, e cada gota parecia acalentar sua dor, fazendo com que a tensão em seus músculos se dissolvesse lentamente. Enquanto a água escorria por sua pele, sentia a leveza de seus pensamentos se misturando com a tranquilidade do ambiente, afastando um pouco o pavor que a dominava. Embora o cheiro e a textura da água fossem diferentes, a experiência lhe trazia uma sensação de conforto.
— Detetive . — A voz chamou sua atenção, fazendo-o desviar o olhar das fotos do corpo encontrado pela manhã. Ele se virou para o homem parado próxima a sua mesa.
— Xerife West. — acenou em um gesto respeitoso. — Os resultados já saíram?
— Sim. Vamos? — O xerife fez uma breve pausa, como se estivesse ponderando algo antes de sair da sala, sendo seguido por .
Por mais que não quisesse admitir, a cidadezinha começava a conquistar . A tranquilidade do lugar, com seu trânsito praticamente inexistente, era um alívio em comparação à agitação de Olympia. Eles saíram da delegacia e, em poucos minutos, estacionaram em frente a um pequeno prédio de três andares.
seguiu o xerife sem hesitar, embora não tivesse ideia de onde estavam indo. A cada porta que passavam, sua curiosidade aumentava, mas foi ao sentir uma queda brusca de temperatura que soube que haviam chegado ao local.
— Jack, pensei que você só nos daria respostas após o almoço — o xerife exclamou, chamando a atenção do legista, que estava concentrado no corpo sem vida estendido na maca fria de metal.
— Isso pode soar um pouco anti-profissional, mas não pude resistir. Fiquei absolutamente fascinado ao observá-lo — Jack respondeu, sua voz apressada refletindo a empolgação de um cientista diante de uma nova descoberta. — Eu convidei todos para virem me ajudar. Passamos a manhã inteira nisso.
— E você já tem uma resposta? — O tom de era mais áspero do que pretendia, mas sua curiosidade era palpável. Em todos os anos trabalhando em Olympia, nunca tinha visto algo assim e não conseguia acreditar que estava testemunhando tal cena em Bristol Cove.
já havia lidado com muitos assassinatos ao longo de sua carreira, mas a causa da morte sempre era clara. Um tiro, uma facada... Mesmo que a identidade do assassino não fosse imediata, pelo menos havia uma compreensão de como e por que a vítima havia morrido.
Mas no caso de Albert Whosen? estava completamente perdido. Todos os ferimentos pareciam não ter a menor conexão entre si. Era como se o que aconteceu com Albert fosse um quebra-cabeça sem peças que se encaixassem.
— Li o relatório de vocês e fiz algumas adições — Jack explicou, segurando um amontoado de folhas que parecia mais um quebra-cabeça do que um relatório. — Os arranhões não foram causados por uma garrafa quebrada, a espessura do vidro encontrado a alguns metros não corresponde às marcas.
— Então o assassino ainda está com a arma do crime? — Byron comentou, a mente já maquinando possibilidades. A afirmação arrancou uma risada nasal do legista. — Ou então seguiremos com um animal? Mesmo que não existam felinos ao arredores que pudessem causar essas marcas.
— Não devemos considerar os arranhões como o ponto principal. Eles não causaram a morte do Sr. Whosen — Jack disse rapidamente, enquanto entregava fotos dos arranhões. — E, antes que vocês perguntem, os tímpanos estourados também não são a causa da morte.
— E o que seria, então? — cruzou os braços, a sobrancelha arqueada, tentando absorver todas as informações e avaliar se tinha deixado algo passar durante a inspeção visual.
— A causa da morte foi afogamento — Jack explicou, sua voz ressoando na sala em um silêncio tenso. — Encontramos os pulmões completamente inundados de água.
Dessa vez, o riso descrente quase escapou de . Cada nova peça transformava aquele caso em um quebra-cabeça ainda mais impossível. Seria mesmo plausível que alguém tivesse cortado Albert, deixado-o sangrar até que perdesse as forças, só então o atirando ao mar? O cenário era brutal, calculado, como se o assassino quisesse que Albert sentisse cada segundo de dor e desespero antes do fim.
A imagem fazia sua mente girar.
Quem seria capaz de tamanha crueldade em um lugar tão pacato?
— Certo, mas e os tímpanos? — Byron perguntou, confuso.
— Eles podem ter sido afetados antes ou depois da morte. Não posso afirmar com certeza — Jack respondeu, sua frustração evidente. O legista parecia odiar não ter respostas concretas. — Nossa primeira hipótese foi que o assassino perfurou os tímpanos da vítima, mas não faz sentido.
— Para o assassino, pode fazer sentido. Nunca se sabe como funciona a cabeça deles — resmungou, já imaginando a mente o quão perturbada era a mente do criminoso.
— Consideramos a possibilidade de que ele já tivesse o tímpano perfurado, mas não faria sentido ele sangrar — Jack prosseguiu, entregando fotos que detalhavam a área. — No final, não conseguimos determinar o que causou isso, mas sabemos que tem relação com o assassino.
— Muito obrigado, Jack — Byron disse com um sorriso, enquanto se virava para sair da sala. o seguiu, apenas acenando em reconhecimento. — Quanto mais penso nesse caso, mais confuso ele se torna.
— É isso que me atormenta desde que vi o corpo na praia — confidenciou, sentindo um nó apertar em seu estômago. — O que levaria alguém a matá-lo daquela forma?
— O afogamento não pode ter ocorrido na praia. Eu vi Albert ontem à noite, então o crime deve ter acontecido de madrugada ou logo no início da manhã. Se ele tivesse se afogado ali, o mar levaria dias para devolver o corpo. — Byron refletiu em voz alta, o olhar fixo como se tentasse enxergar através das pistas. — Alguém o afogou depois de infligir todos aqueles cortes.
— O assassino pode ter visto Albert como um alvo fácil e, quando a situação saiu do controle, decidiu afogá-lo para acabar logo — falou, os olhos fixos e intensos, quase enxergando a cena em sua mente. — Os cortes podem ter sido resultado de uma luta… ou de uma explosão de raiva por parte do assassino quando Albert resistiu mais do que ele esperava — o detetive fez uma pausa, reparando na atenção completa de Byron. — Talvez a perfuração tenha sido sua forma de assinatura — Impressionante, . — Byron balançou a cabeça, ainda surpreso.
— É só uma teoria. — deu de ombros, os lábios tensos. — No fim, ainda não sabemos o mais importante. Quem é o assassino?
— Infelizmente, ainda não posso responder isso — Byron disse, conforme ambos se dirigiam à saída do prédio.
Do lado de fora, hesitou antes de falar outra vez.
— Xerife, posso lhe fazer uma pergunta?
— Claro! — Byron assentiu rapidamente, abrindo a porta, lançando um olhar intrigado.
— O que quiseram dizer na praia quando gritaram "elas estão voltando"? — encarou o xerife, que parou e suspirou, lançando-lhe um olhar cauteloso.
— Sereias. Alguns moradores acreditam que elas vão voltar para se vingar da cidade. — Byron revelou, sua expressão imperturbável, como se estivesse apenas relatando um fato.
piscou, atônito, sua descrença evidente. Se não fosse o tom grave de Byron, ele teria rido. Como era possível que, além de acreditarem que elas existiam, agora estavam prontas para culpar as sereias pela morte de um bêbado? Era quase cômico… mas ao mesmo tempo, algo naquele caso fazia com que todos os mitos de repente parecessem menos absurdos.
A mente lógica de resistia, mas no fundo, ele sentia um desconforto que ainda não conseguia explicar.