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━Autora Independente do Cosmos.
Finalizada ✅️

O último flash quase o deixou cego.
Wonwoo desfez o aperto frouxo na cintura da modelo, que encarou as mãos se afastarem dela com certo desgosto.
Ouviu a voz do outro lado encerrar a sessão, fingindo não perceber a expressão murcha da garota.
— Mandou bem, Wonwoo. — o fotógrafo disse animado. — Essa capa vai trazer mais dinheiro do que a gente esperava. Talvez seja agora que você compra o seu carro.
— Carros são para mocinhos. — ele respondeu enquanto se sentava em frente ao espelho cravejado de lâmpadas redondas, automaticamente recebendo a atenção especial de maquiadores. — Talvez eu dê um upgrade na Harley.
— Você quer dizer tornar aquela coisa perigosa ainda mais perigosa. — o outro estalou a língua, ainda encarando as fotografias com concentração. — De qualquer forma, não faz parte do meu trabalho rastrear para onde seu dinheiro vai. Só não seja pego com nada ilegal, você é praticamente meu ganha pão.
Wonwoo soltou uma risada enquanto uma moça se aproximava e começava a deixar seu cabelo no estilo padrão, vulgo: bagunçado na rebeldia típica do dia-a-dia do rapaz. Não era um tipo de penteado convencionalmente belo, mas se estava em Jeon Wonwoo, qualquer coisa parecia a coisa certa. Ele lhe lançou uma breve piscadinha pelo espelho, aprovando o resultado e fazendo nascer um rubor no rosto dela, que foi logo afastada pela modelo alta de antes, que parando na frente de Wonwoo antes que ele tivesse a chance de se levantar.
— Você fica bem bonito assim, Wonwoo. — ela jogou o cabelo para trás em um movimento nada natural. — Poucos homens ficam tão interessantes sem fixador. Poderia até te pedir umas dicas.
— Não poderia, não. — respondeu ele, dando uma olhada rápida na garota. Ela tinha as maçãs do rosto proeminentes e os olhos fundos típicos de seus vizinhos do Japão, mas numa versão mais delicada, o que a tornava incompatível com o status de feia, mas ainda assim…
— Não acha que trabalhamos bem juntos? — continuou ela, ignorando a indiferença. — O diretor não parou de elogiar nem um minuto. Acho que vai nos chamar de novo.
— Que bom, gosto de dinheiro. — Wonwoo sorriu de canto e se levantou, caminhando até a arara de roupas diversas ao lado da mesa grande de acessórios e tirou o casaco jeans, trocando por uma jaqueta preta de praxe.
A garota não desistiria assim tão fácil.
— Já vai embora? Acho que o senhor Short quer levar a equipe para jantar...
— Desculpa, não vai dar. — ele respondeu de imediato, puxando as chaves e o celular e verificando as horas no relógio de pulso. — Tenho um compromisso importante.
— Compromisso? — ela engoliu em seco. — Tipo um encontro?
Wonwoo se virou para ela, segurando o riso pela expressão desolada da garota. Sabia que deveria dizer alguma coisa, como: "Você ainda está tentando?" ou "Não vai rolar nada entre a gente, me desculpe", mas era divertido. Cozinhar o cérebro de garotas bonitas e carentes era seu hobby, e isso por si só já adiantava o tipo errado de cara que era.
— Talvez. — respondeu, por fim.
Com um sorriso, ele passou a alça da mochila pelo ombro e caminhou até a saída, dando um leve cumprimento de cabeça para o diretor e demais funcionários, que retribuíram com simpatia, porém resignação. Wonwoo era o tipo de pessoa que estava ali para fazer seu trabalho e nada mais. Era fechado e esquivo, mas não mal educado. Não recusava conversas, apenas algumas perguntas, principalmente quando vinham acompanhadas de insinuações sobre sua vida pessoal. Era algo inato, natural — o que o tornava um pouco esquisito para os demais. Impenetrável. Ninguém parecia realmente conhecê-lo de verdade, fora de toda aquela armadura.
Quer dizer, exceto por sua melhor amiga.

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atravessou a porta giratória do edifício, ainda rindo do amarelado doente no jaleco de Mia, que havia acidentalmente pipetado milímetros a mais do reagente e causado um estrago na bancada. Tirando todo o susto inicial, lembrar disso era extremamente engraçado agora.
— Quero só ver se um dia acontecer com vocês. — ela resmungou, olhando com tristeza para a mancha, que certamente nunca mais sairia. — Esse era meu favorito. Minha mãe até bordou flores nele.
— Ela pode bordar outra em volta dessa mancha, pelo menos não vai precisar gastar linhas coloridas. — disse, e a explosão de risadas surgiu novamente entre o trio. Mia colocou a língua para fora para rir logo em seguida, e Lucy de repente freou os passos, agarrando o pulso das duas.
— Para tudo! — a garota murmurou, puxando as duas discretamente para mais perto de seu corpo. — O que é aquilo bem ali?
As outras duas seguiram seu olhar assustado até alguns metros à frente, onde a enorme Harley preta estacionada no meio fio chamava a atenção de longe. Assim como seu piloto, trajado de roupas da mesma cor e ainda usando o capacete robusto com a viseira completamente escura que escondia qualquer parte de seu rosto.
Ao vê-las, ele prontamente saltou da moto, tirou o capacete e balançou o cabelo já desarrumado. Abriu um sorriso divertido enquanto colocava o objeto debaixo do braço, inclinando a cabeça para a garota de óculos redondos, chamando-a para perto.
A garota em questão era Collette, e sua única reação foi revirar os olhos.
— Meu Deus, quem é esse gato?! — Lucy levou as mãos ao peito, os olhos brilhando intensamente na direção dele.
— Ele está olhando pra cá? Não acredito! Como eu estou? — Mia se apavorou enquanto ajeitava o cabelo castanho avermelhado, pegando o celular e encarando sua imagem na tela de bloqueio.
— Você tem um rímel? Sei que tem! Você sempre carrega um! — Lucy resmungou, contagiando-se pelo desespero da amiga. Os murmúrios continuaram enquanto ele esperava na mesma posição.
respirou fundo, olhando a agitação das amigas com certo tédio. Não era uma cena assim tão incomum, não quando ele aparecia. Não se sentiu mal ou ofendida por não terem pensado que ela poderia ser o alvo dos olhares furtivos do rapaz; até preferia desse jeito. Tanto preferia que não se adiantava a contar sobre seu melhor amigo para as outras, principalmente quando havia acabado de entrar na empresa de seus sonhos.
Convenhamos, ninguém pensaria em me ligar a ele, pensou ela. Mia Martel era alta, cabelos longos e cheios e um corpo escultural. Lucy Redgrave também não ficava atrás de forma alguma; tinha o cabelo preto e escorrido, tingido de claro debaixo para cima, tão ou mais bonita que a outra. não poderia nem se comparar às duas com seus míseros 1,55, cabelos sem graça e presos na maior parte do tempo, acompanhada de seus óculos redondos de grau e sem nenhuma maquiagem. Não que necessariamente fosse feia ou algo do tipo; ela só era… normal demais.
Por fim, revirou os olhos e tossiu para chamar a atenção para si.
— Meninas... Gente! — aumentou o tom, recebendo finalmente os olhares. — Eu preciso ir agora. Vejo vocês amanhã.
— Espera aí, , e o-
— Até mais! — ela deu um sorriso gentil e começou a caminhar para o outro lado, mas deu meia volta e gritou. — Prometo que explico tudo amanhã!
As garotas a olharam confusa, e retribuíram o aceno de despedida, só que não por muito tempo. Os dois pares de mãos travaram no ar e seus queixos tiveram de ser recolhidos do chão quando viram se aproximar do cara bonito, conversando de forma casual mesmo que elas não ouvissem uma só palavra.
— São gostosas. — Wonwoo falou assim que a amiga chegou perto o suficiente, ainda encarando as outras duas ao longe e levantando uma das palmas da mão para lançar um tchauzinho. Mia pareceu pálida demais.
— Muito obrigada por ter tirado toda a minha paz do expediente amanhã. — bufou. — Não tínhamos combinado de não aparecer sem avisar?
— Mas eu tinha que aparecer, esqueceu que dia é hoje? — ele arqueou uma sobrancelha.
— Natal?
— Engraçadinha. — Wonwoo pegou o segundo capacete apoiado na garupa, entregando-o a ela. — Sobe logo que preciso ver sua cara de taxo o quanto antes pra esse dia melhorar.
— Caramba, você trocou os capacetes de novo. — ela grunhiu, inspecionando o item com desânimo. — Esse é novo? Não tem os adesivos que eu escolhi. — passou o objeto pela cabeça, mas Wonwoo travou suas mãos imediatamente, estalando a língua.
— Você sempre coloca errado. — ele revirou os olhos enquanto tomava o capacete dela e tirava seus óculos de grau com cuidado, virando-a de lado e guardando o acessório na bolsa. O simples movimento a fez olhar para as amigas de novo, que permaneciam petrificadas na mesma posição.
se virou, trincando os dentes e pronta para dizer pra saírem dali rápido quando tudo ficou negro. Wonwoo encaixou a cabeça dela no capacete com delicadeza, chegando perto para fazer as amarras necessárias e os últimos ajustes. A imagem de longe causou borboletas no estômago das duas mulheres em frente ao edifício.
— Seus adesivos estavam encardidos, vai ter que escolher uns novos. E nada de “Meu destino é ser a próxima Marie Curie” porque essa mulher morreu fazendo a mesma coisa esquisita que você faz. Agora podemos ir.
— Ela não fazia a mesma coisa que eu. E eu não faço nada esquisito, seu… — disse ferozmente, mas a voz foi abafada quando Wonwoo desceu a viseira do capacete.
— Aham, tá bom. Qualquer coisa vai me falando. — ele deu um sorriso irônico e passou as pernas longas por cima da moto, colocando seu próprio capacete.
praguejou baixinho e subiu logo atrás dele.
— Continua me tratando como uma pirralha em público. — resmungou. — As pessoas podem interpretar mal.
— Me preocupo bem mais com o distintivo aposentado do seu pai se eu não te carregar por aí em segurança do que com as insinuações das suas amigas gostosas.
— Por favor, não transa com as minhas colegas de trabalho. Eu acabei de chegar, gostaria de paz e sossego antes de ter alguém chorando no meu pé.
Ele gargalhou alto e girou a chave na ignição.
— Tudo bem, vou seguir suas ordens... por enquanto.
estava prestes a responder, mas o barulho alto da descarga a calou na mesma hora em que ele arrancava dali.

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Já era quase noite quando Wonwoo estacionou em frente ao pequeno restaurante quente e apertado na periferia de Dongdaemun. tratou logo de descer primeiro do que ele, encarando a fachada do Dakomon com nítida empolgação.
— Ah! O cheiro! Está sentindo o cheiro? — ela fechou os olhos por um instante. — Quanto tempo faz que não sinto esse cheiro.
— Eu não seria louco de quebrar uma tradição dessas. — ele riu enquanto guardava os capacetes em cada lado do guidão. — Mas não te vejo com nenhum presente no braço. Você ofendeu alguém lá no frigorífico por ser inteligente demais?
Ela cerrou os olhos pelo sarcasmo.
— Eu não trabalho em um frigorífico, é um laboratório. E até parece que ter um phD em Engenharia Bioquímica ofende alguém.
— Não contou a elas que hoje é seu aniversário?
— Não achei necessário. Aliás, não é. Só forçaria as pessoas a me darem algum presente, sendo que nem me conhecem direito ainda. Prefiro esperar um tempo e talvez eu diga no ano que vem. — deu de ombros, satisfeita pelo raciocínio.
Wonwoo balançou a cabeça, rindo pelo nariz.
— Tudo bem, Walter White. Vamos entrar antes que a senhora Braschi ligue pra polícia porque não aparecemos esse ano.
— Já falei pra não me chamar assim. — ela respondeu irritadiça, o que só serviu para deixá-la ainda mais fofa.
— Vocês têm o mesmo trabalho, ué. Fabricar drogas e essas coisas.
deu um soco em seu ombro e então finalmente passaram pela pequena porta com cortina de lantejoulas. Dora Braschi era uma idosa cheia de energia que os recepcionou com alegria, sempre comentando o fato de que Wonwoo crescia mais a cada ano que passava. A mesa já estava pronta ao lado da janelinha pequena que dava para o beco, e o resto do lugar era ocupado com nada mais do que alguns clientes espalhados. Antes de se sentar, Wonwoo lançou uma piscadela discreta para a proprietária, que retribuiu com um sorriso. Em pouco tempo, a mesa foi tomada pela grelha e as carnes, junto com a salada e os demais acompanhamentos de um perfeito churrasco coreano.
— Tem mais bulgogi dessa vez? Ganhou muito dinheiro ultimamente, por acaso? — murmurou de boca cheia, mastigando rápido enquanto puxava mais carne bovina pra grelha.
— Sua avó não te ensinou que é falta de educação comer de boca cheia?
— A vovó consegue colocar 3 tabletes de tofu na boca enquanto recita todos os Sutras do Budismo em menos de 15 minutos. Você usou a referência errada de criação. — apontou o hashi pra ele, que segurou o riso. — E como é o meu aniversário, você não pode me dizer o que fazer.
— Tem algum dia no ano que eu posso fazer isso?
— Sim. Em todo dia 30 de fevereiro.
Wonwoo observou-a falar enquanto comia, muito rápida e voraz para uma garota tão pequena. Riu, concordando com suas abordagens, fingindo não achar graça de suas piadas e sentindo o prazer que era a companhia de Collette. Familiar e agradável. Ele era assim: amante da mesmice. Uma personalidade constante.
Talvez por isso tendia a enlouquecer um pouquinho diante de mudanças bruscas.
A noite passou rápido em meio às conversas e atualizações das últimas duas semanas. Os dois não costumavam ficar muito tempo sem se ver, mas o novo emprego de estava tomando mais de sua agenda do que esperava, enquanto Wonwoo continuava com suas sessões e viagens caríssimas, junto com after parties que odiava e, logo depois, pubs lotados de rock e cerveja que amava. tentou fazer parte dessa bagunça algumas vezes — ter um melhor amigo que era quase uma celebridade devia ter algum benefício social —, mas Wonwoo sempre terminava a noite com o humor de uma pedra quando via que tinha bebido demais (e, consequentemente, dado trabalho).
Perto das 22h00, ele virou o rosto em direção ao balcão onde a velha senhora Braschi entendeu imediatamente o recado ao ver a piscadela que recebeu do rapaz. Depois de alguns minutos, estava levando um bolo confeitado para o centro da mesa, arrancando um sorriso e uma expressão surpresa de .
— Bolo de sorvete e gelatina? Sério? — ela arregalou os olhos ao ver os detalhes em roxo e amarelo, junto com as pequenas frutas que decoravam ao redor. — Mas como… Onde você arrumou isso, Wonwoo?
— Achou mesmo que seria impossível? — disse ele, convencido. — Em Seul, talvez. Rodei essa cidade inteira e ninguém parecia entender o pedido. Daí tive que me afastar por uns quilômetros e voilá; a belezinha estava esperando em Sokcho.
— Eles sempre sabem de tudo em Sokcho. — riu, e desviou os olhos da sobremesa colorida para encarar o amigo do outro lado. Olhou por pouco tempo, um tempo seguro, e se apressou em puxar uma faca grande que Dora levou junto e cortou o primeiro pedaço, passando-o para o rapaz. — Seu crédito por ter se esforçado tanto para buscar um bolo impossível.
— Eu teria que ganhar o primeiro pedaço mesmo que só tivesse te dado uma folha de alface. Te aguento desde a escola, esqueceu?
— Boa tentativa, Jeon. Todo mundo sabe que eu sou a pessoa que mais sofre com essa amizade. Fala sério, você viu as garotas mais cedo, sempre foi assim…
Mais uma rodada de histórias do passado saíram da boca de . As risadas iam aumentando, assim como as garrafas de soju na mesa, e voltar para casa na Harley de Wonwoo passou a ser uma opção inviável. Dora acompanhou o casal de amigos até a porta, como em todos os anos, e já tinha chamado o táxi para a garota que estava de olhos fechados e a cabeça encostada no ombro de Wonwoo, o rosto rubro da embriaguez — também como em todos os anos.
O apartamento pequeno e bem organizado de mostravam o lado interno dela. Wonwoo sempre gostou de observar os detalhes, que mudavam de acordo com cada fase da vida. Ele gostava disso nela — o fato de ser o total oposto dele, metamórfica. Desta vez, ela tinha colado um pôster enorme do Toni Kroos na parede do sofá depois de passar meses tentando decidir entre ele e o Cristiano Ronaldo como seus jogadores favoritos, e o emblema do Real Madrid costurado em macramê agora tinha saído de trás da porta da entrada e ido para a geladeira. No quarto, dezenas de esquemas de vias metabólicas, Ciclos de Krebs, mapas mentais de biologia molecular e uma fita de DNA gigantesca feita com bolinhas de isopor e palitos de picolé tomavam todo o espaço, tanto nas paredes quanto na escrivaninha e carpete. A mão de Wonwoo deslizou sobre o cotovelo nu de , conduzindo seu corpo com cuidado até a cama enquanto ela soltava grunhidos preguiçosos.
— Hmmm. — murmurou, sentindo seus sapatos sendo arrancados. — Seu ombro é mais confortável do que essa cama.
— Já ofereci pra te dar uma nova. — ele estalou a língua, puxando as duas pernas dela para cima. — Você sempre recusa.
— Não quero seu maldito dinheiro. — ela tentou abrir os olhos pesados. — Não para me comprar camas. Camas não são bolos de sorvete e gelatina.
Ele riu, sentando-se ao lado de sua panturrilha.
— Mas você gosta mais de dormir do que de bolo de sorvete. Devia ter te dado uma cama de presente, então.
— Não! — levantou a perna, tentando chutá-lo. — Você precisa parar com isso. — a voz grogue suspirou. — Vem para cá.
Wonwoo revirou os olhos e resmungou um: “lá vamos nós de novo”. Tirou o casaco preto e o pousou na cadeira gamer cor-de-rosa da escrivaninha ao lado. Colocou as mãos nos bolsos e apanhou as chaves e o celular, mas parou por um instante. Retirá-los dali significaria ficar, e esse momento sempre era tomado por uma estranheza escondida que ele jamais revelara, um aperto no peito. Ele não via problema nisso: ficar. Mas não queria só ficar. O verbo era tão fino e raso que, sozinho, não significava grande coisa, mas dentro dele, fazia parte da margem de um oceano inteiro, profundo e furioso.
Mas Wonwoo já ignorava seu coração há tempo demais para lhe dar ouvidos.
Quando se deitou ao lado de , ela imediatamente ergueu a cabeça para se aconchegar no seu peito, um movimento natural, que não a incomodava. Wonwoo respirou fundo e apoiou o queixo no topo da cabeça dela. O toque foi um sussurro em uma língua que ele não falava muito bem, mas que era própria para Collette.
Os dois agora olhavam para as estrelas pequenas e infantis no teto acima da cama, captando seu brilho esverdeado e defeituoso. Já se foi o tempo em que aqueles objetos realmente funcionavam, mas coisas de valor sentimental eram muito importantes para .
— Ei, Wonwoo? — disse ela, recebendo um murmúrio em resposta. — Lembra quando me salvou dos valentões no primeiro dia do ensino médio?
— Claro que eu lembro. Você estava abrindo o berreiro pra vizinhança inteira ouvir.
— Você se lembra porque eles eram seus amigos, babaca. — balançou a cabeça, abrindo e fechando os olhos lentamente. — Um deles me enganou com uma carta de amor. Me atraíram para atrás da escola com uma promessa de confissão, e você sabia do plano. A consciência bateu em você no último segundo e de repente você apareceu lá, ordenando que eles se afastassem de mim e parassem de rir.
— Isso não me torna menos cúmplice. — ele deu de ombros, passando o braço livre por debaixo da cabeça.
— Claro que não, tanto que continuei chorando na sua frente enquanto te xingava de todos os palavrões que eu conhecia.
— Era um acervo bem baixo.
— É verdade, mas foi a primeira vez que eu disse “filho da puta”. Foi o ápice da minha vida, nunca mais chamei ninguém disso. — riu com a lembrança. — Foi uma humilhação construtiva, pelo menos. Me ensinou a não acreditar em qualquer cartinha de amor e definitivamente não me apaixonar por um garoto que escreve “agente” em vez de “a gente”.
Foi a vez de Wonwoo rir, ainda que a risada tenha saído um pouco engasgada.
— É, quem seria você hoje sem aquela pegadinha ridícula?
— Quem nós seríamos? Depois daquele dia, você parou de andar com os babacas, entrou para o time de basquete e virou meu amigo. Foi uma mudança de vida.
— Ainda não vi as vantagens disso.
— Eu sou a vantagem, seu idiota.
Wonwoo virou a cabeça devagar para encará-la. estava com os olhos pesados, quase fechados, o rosto imprensado na lateral do corpo dele e a ponto da bochecha entortar. A imagem era engraçada, mas ele engoliu em seco mesmo assim. Quis não estar tão bem e tão lúcido naquele momento, capaz de contar as batidas de seu maldito coração.
Ele sabia bem o que vinha após aquela lembrança. Se lembrava da frase que tinha dito logo após todos os gritos raivosos da de 15 anos que tinha sido alvo de baboseiras de outros adolescentes. Ele sabia. E, quanto mais pensava nisso, mais tudo ao seu redor tinha cheiro e formato de Karma. nunca chegava nessa parte da história, talvez porque sempre a contava bêbada e o sono a levava primeiro, ou talvez porque aquilo que ele disse tantos anos atrás ainda tinha um certo impacto. Uma carga de dramalhão que não combinava com a amizade boa e divertida que se firmou depois.
“Quem você acha que é? Veio aqui pra continuar rindo de mim?”, ela ainda estava gritando, mesmo depois de parar de chorar.
“Eu nunca ri de você, se toca. Tenho coisa mais interessante pra fazer.”
“Então quer que eu acredite que está sendo legal comigo a troco de nada?”
“Acredita no que você quiser. Mas não vou rir de você, porque não te acho patética como aqueles caras acham.”
A face de naquela hora não era uma coisa tão fácil de esquecer. Dava pra ver os olhos dela de um jeito melhor depois de todo aquele choro. Eram grandes e muito castanhos, um tanto inocentes, olhos que brilharam pra caramba quando leram aquela carta tosca dizendo que ela era linda e “maraviliosa”.
“Como assim?”, ela perguntou, com a voz indecisa.
“Você não é patética. Eles são. Devia deixar esse posto pra eles e parar de chorar.”, Wonwoo continuou. continuava imóvel, sem intenção de acreditar ou fazer qualquer coisa que ele dissesse. “Olha, já te vi por aí. Sei que você é a garota que limpa a sala no fim da aula e usa sempre o mesmo laço no cabelo. Aquele seu chaveiro de ursinho, o mesmo paspalho que escreveu essa carta pegou ele. Não sei onde ele colocou, mas sei que você chorou por isso também. E você até que é… legal.”
Legal era o adjetivo máximo que ele conseguia colocar pra fora, porque não sabia direito o que achava daquela menina. Também não importava muito; o que importava era o senso de justiça que ela despertou nele. continuou parada, mas agora com a testa enrugada, confusa, vendo e não crendo.
Wonwoo, de repente, percebeu uma coisa.
“Eu não estou afim de você!”, declarou com veemência, apavorado com a ideia de ela pensar em tal coisa. “E nem vou ficar.”
prendeu o ar. O resto saiu da boca dele de forma limpa e fria:
“Não vou me apaixonar por você. Juro. Nunca. Jamais.”
E afirmações soltas ao vento daquela maneira voltavam pra te atormentar depois.

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No dia seguinte, Wonwoo estacionou na frente do prédio grande e espelhado da GLAM, uma marca que não passava de uma startup iniciante até dois anos atrás. O crescimento exponencial de mercado fez com que seu nome aparecesse cada vez mais nos tópicos da bolsa de valores e atraísse investidores como ímã, não demorando a sair do status de amador e ampliar filiais e outras dezenas de prédios como aquele em que Wonwoo entrava no momento por toda a Ásia e fora dela.
O que vendiam? Não importava muito, no fim das contas. As pessoas só estavam dispostas a reconhecer a genialidade dos fundadores do negócio.
Joe, vestido adequadamente com seu terno de sempre, já batia os pés enquanto observava o rapaz de preto atravessar as portas duplas. Suspirou aliviado, apontando para os ponteiros no relógio de pulso.
— Você está atrasado.
— Você é maluco? Ainda faltam cinco minutos.
— Você sempre chega faltando dez, então dá pra considerar como atraso.
— Tive um compromisso importante. — deu de ombros, começando a caminhar para o elevador.
— Envolve garotas?
— Sempre envolve garotas. — Wonwoo sorriu com escárnio. Para todos os efeitos, ainda era uma garota.
Joe revirou os olhos e acompanhou o outro, lado a lado.
— Ei, ei, anda mais devagar. — pediu, estalando a língua. — Preciso te avisar sobre o conteúdo da reunião. Recebeu o arquivo que mandei por e-mail?
— Tirar fotos para a mais nova Gucci? Li o suficiente. — Wonwoo respondeu, apertando o botão redondo.
— Isso é só sobre a proposta do trabalho. Presta atenção, Wonwoo, essa reunião é para conhecer o CEO. — Joe respondeu, frisando a última palavra com certa urgência. — Sei que você é profissional, mas não quero te ver confuso depois e fazendo perguntas sobre assuntos que os caras já apresentam no primeiro contrato. Entendeu? — Wonwoo soltou um murmúrio sem muita virulência enquanto continuava observando os números vermelhos acima diminuindo até o térreo. — E esse cara é considerado super gentil e eloquente, o tipo de pessoa que janta com o presidente da República, tudo bem? Por isso, não dá em cima de nenhuma modelo enquanto estivermos aqui dentro. Sei que alguma delas vai te passar o telefone mais tarde, de qualquer forma.
— Que calúnia. Desde quando dou em cima de alguém?
Joe o olhou com aquela cara de “é sério?”.
— Vai se ferrar. — resmungou. — Ser esse estereótipo vivo de tsundere deslumbra até a mais fria das mulheres. Seu bosta.
Wonwoo gargalhou ao mesmo tempo em que o elevador abriu.
— Não sabia que você prestava tanta atenção aos detalhes, Joe.
— E não é pra isso que os empresários servem?
Os dois subiram vários andares acima até saírem em um corredor com piso acinzentado e paredes de vidro impecavelmente limpas. A sala de reuniões já estava cheia com os participantes do novo projeto, inclusive garotas muito bem vestidas que fixaram o olhar sobre o mais novo modelo da marca por alguns muitos minutos. Wonwoo apenas cumprimentou a todos educadamente enquanto se sentava ao lado de Joe em uma das poltronas perto da janela larga.
— Cadê o super-homem que toma milk shake com o presidente? — sussurrou no ouvido do empresário, curvando a cabeça discretamente.
— Eu não sei, ele é bem ocupado, sabia? Deve estar recebendo mais um prêmio de filantropia por aí. Fiquei sabendo que ele tem uns dez no armário.
Wonwoo assentiu, sufocando o que realmente queria dizer: grande bosta. As pessoas não se tornavam melhores só porque abriam o bolso um pouquinho. Caridade e política, qual a diferença?
Até aquele momento, Wonwoo não tinha nenhum pensamento concreto sobre seu novo empregador. Na verdade, àquela hora da manhã, só estava pensando em café e no modelo de avião em miniatura que tinha chegado na recepção de seu condomínio, o presente de aniversário adiantado do pai. Isso o fez lembrar de quem tinha dado a ideia do presente. Ele puxou o celular do bolso e mandou uma mensagem para , lembrando-a de tomar a sopa que tinha deixado em cima do cooktop antes de sair e, de quebra, avisando do avião tinha acabado de “pousar” na sua casa. Sou ótimo com presentes, fala aí, escreveu. É o que acontecia quando as pessoas mais importantes da sua vida gostavam de coisas tão simples.
Deu pra ouvir que outra voz tinha entrado na sala, mas Wonwoo estava concentrado no telefone. Dois minutos depois, recebeu a cotovelada de Joe e fechou o aplicativo da Amazon, aberto na página de compra de uma escrivaninha de madeira pinus, pura e branca, a próxima coisa que não sabia que ganharia. Rapidamente, ele desligou o telefone e se levantou junto com os outros para cumprimentar o mentor da reunião. Então, finalmente, o viu.
Qualquer sorriso existente em seu rosto se esvaiu como se nunca tivesse existido.
Wonwoo não teve outra reação a não ser ficar parado e imóvel. A reverência respeitosa foi sendo feita em dominó, de pessoa a pessoa, mas na vez dele, tudo foi apenas silêncio e choque. Aquele homem usando gravata clássica e sapatos impecáveis — ainda que fossem de um modelo muito desinteressante — era o tal sujeito gentil, filantropo e cavalheiro? Conta outra!
Joe, percebendo a reação inusitada, deu mais uma cotovelada no braço de Wonwoo, que tinha o rosto mais sério do planeta Terra. Estava cruzando o olhar até o outro lado da mesa, encarando a feição alegre e quase ridiculamente destituída de rugas de estresse no cara que, de uma maneira bem complicada de explicar, não combinava com nenhum desses parâmetros.
Quando o CEO finalmente olhou para Wonwoo, um lapso de choque também tomou sua expressão, mas passou em um piscar de olhos. Ele tratou logo de limpar a garganta e desviar o rosto, pedindo gentilmente para que todos se sentassem. Wonwoo precisou que Joe o puxasse para a cadeira.
Passou o tempo inteiro sem fazer ideia do que estava sendo falado. A reunião começou e terminou em uma tomada só. Foi um alívio saber que tinha um empresário tão competente quanto Joe para mantê-lo informado de tudo depois. Normalmente, Wonwoo não precisaria disso — aparentar indiferença só fazia parte de sua necessidade em afastar gente que estava mais interessada em sua cama ou sua conta bancária, e não em ouvi-lo falar das comidas que estava aprendendo a preparar ou o quanto gostava de aviões, como o pai —, mas naquele dia, assim que bateu os olhos no infeliz de terno e gravata, sentiu que seu cérebro só voltaria a funcionar direito se virasse aquela mesa inteira em cima daqueles sapatos.
Cada vez que ele abria a boca, uma lembrança diferente vinha, uma mais desagradável que a outra.
Encerradas as últimas orientações, Wonwoo assistiu a todos se dirigirem animadamente para apertar as mãos do chefe gentil e motivador, que tinha destilado um discurso barato e generoso como um coach pronto para se candidatar à próxima eleição. Wonwoo automaticamente apertou o celular nos bolsos, sofrendo o maldito dilema que já tinha sofrido antes, anos atrás: Será que ela sabe? sabe que esse merda está de volta?
Ele esperava sinceramente que não.
Por fim, precisou seguir o fluxo da multidão para a saída. Sua vontade era de sair batendo os pés, sem se importar com o mar de pessoas à frente e fugir para o estacionamento, onde pudesse soltar seu berro escondido. Mas precisava clarear a mente o mais rápido possível e se lembrar que suas atitudes implicavam outras pessoas, e uma delas era o cara de cabeça raspada e geneticamente sorridente do seu lado, que devia estar loucamente preocupado com a sua cara fechada.
Joe chegou primeiro à mão estendida do homem, que parecia muito bem apessoado. Ternos caros e um bom penteado não o diferenciavam muito de uma pessoa que realmente esvaziava os bolsos com grande frequência.
— Vamos fazer de tudo para que essa coleção seja um sucesso, senhor. — Joe fez mais uma reverência exagerada. — Esse é meu cliente, Jeon Wonwoo. Vai ser o rosto principal da campanha. Foi o primeiro a receber o contrato do projeto.
Os dois pares de olhos finalmente se encararam por mais tempo do que o normal. Wonwoo percebeu que os olhos dele ainda eram tão cínicos quanto arrogantes, mas agora conseguiam ser disfarçados por um sorriso bem feito e ensaiado.
— Como vai, John? — ele estendeu uma mão, e Joe se virou com olhos arregalados. O que ele pensava que estava fazendo? Chamando o CEO pelo primeiro nome?
John hesitou por um momento, mas apertou as mãos do rapaz gentilmente. Um daqueles sorrisos atravessou seus lábios.
— Wonwoo. É um prazer revê-lo.
O rapaz tentou sorrir, mas a raiva tinha congelado seu rosto e todos os nervos responsáveis por esse movimento.
John continuou:
— Ouvi coisas extraordinárias sobre você e sua carreira no ramo da moda. Saiu da Paris Fashion Week com Valentino e a Prada brigando pelo seu contato. Disseram que é difícil achar um rosto como o seu, todo cheio de mistério e brutalidade, ou algo assim que eu li na matéria da Vogue. Fiquei muito feliz quando nossa diretora de arte disse que tinha escolhido você.
— Ah. Diretora de arte. Que alívio, já estava começando a achar que tudo isso era um plano seu. — Wonwoo conseguiu dar um minúsculo sorrisinho no canto da boca, sem mostrar os dentes. Mesmo assim, o sarcasmo escorreu em gotas grossas até o chão. Joe ainda o encarava boquiaberto enquanto John intensificou o olhar, mantendo a elegância profissional que tinha adquirido em todos os seus 5 anos fora do país.
— Não tive muito tempo pra fazer planos como esse. — o CEO respondeu em voz baixa, desviando os olhos. — Bem! Espero que possamos trabalhar bem juntos, Wonwoo. O sucesso da coleção depende muito da cooperação de todos.
Wonwoo sacudiu o compartimento do bom senso e conseguiu imprimir um sorriso mais verdadeiro, mesmo que ele não tenha sido forte o suficiente para chegar nos olhos, lotados de desprezo. Começou a andar para fora da sala, seguido por Joe, que murmurou um pedido de desculpas em sequência para John, pelo tom informal de seu cliente ou por causa da porcaria do sobrenome. Talvez, por já estar irritado demais e ter decidido que evitaria todo e qualquer tipo de interação com aquele homem de novo, Wonwoo se virou novamente, focando naquele queixo encurvado que ele já tinha socado uma vez.
— Ah, quase ia me esquecendo… — começou, apoiando um braço no batente. — O parque Hangang anda com uma bela arborização desde a nova lei de reflorestamento do ano passado. É um ótimo lugar para se ir e pensar na vida, clarear as ideias, andar de pedalinho, tem até bateria portátil para o celular. Espero que dê uma passada por lá antes que pense em tomar qualquer atitude burra o bastante que só vai trazer arrependimentos.
John engoliu em seco e o lançou um sorriso desafiador — o que era realmente seu, longe do ar corporativo, onde não precisava fingir ser um bom homem. Wonwoo se satisfez com a reação e a demonstração clara de que o desgraçado continuava sendo um filho da puta. Com um aceno teatral de cabeça, o modelo se retirou da sala, sentindo o corpo inteiro queimar de raiva.

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Wonwoo encarou o telefone por mais tempo do que podia contar enquanto andava em círculos no chão. Sua cabeça estava um completo estrago; a raiva, aquela raiva que não sentia há anos, só sabia crescer quando lembrava do rosto daquele homem que teve a audácia de pisar novamente na cidade.
Lembrava como se fosse ontem de quando ele partiu, deixando trancada em casa por dias com os olhos vermelhos e o coração despedaçado. Quero crescer, , será que é difícil de entender? Nem você e nem essa cidade são o suficiente pra mim. Wonwoo queria quebrar qualquer coisa que se mexesse só por recordar esse discurso. Elas tiveram um peso de ódio dentro dele. Quando viu chorar por aquele infeliz, foi como se seu mundo desmoronasse e todo o universo passasse a ser um enorme vazio. Nunca na vida tinha sentido algo tão ruim ou desolador por outra pessoa, mas também não havia ninguém como ocupando espaço na sua vida para motivar tais sentimentos. Nunca teve.
Ele torceu os nós dos dedos, sabendo que avisá-la era a decisão mais prudente. Ele veria o choque passar pelo seu rosto e talvez, apenas talvez — o que torcia para que não acontecesse — a tristeza e a dor em seus olhos de novo. Seria insuportável, mas precisava fazer. Não sabia como mentir pra ela, e se fosse começar a fazer isso agora, teria que parar de vê-la de vez, o que era impossível em todas as dimensões ou planos temporais, existentes ou não.
Por fim, Wonwoo agarrou as chaves da moto e seguiu para o estacionamento do prédio onde morava, andando rápido antes que desistisse de sua decisão.
Não demorou para que ele costurasse o trânsito de Seul bem além das 23h00, tendo consciência de que era bem tarde e ela provavelmente abriria a porta aos resmungos, mas precisava que ela soubesse, precisava que sua amiga evitasse o choque e a decepção outra vez.
O céu estava inchado de chuva, e uma leve garoa molhava a jaqueta de couro do rapaz, que aumentava a velocidade da Harley à medida que conseguia ver as janelas mais altas do prédio de . Agora não deviam faltar nem mesmo dois minutos para que chegasse. A alameda estreita e totalmente residencial da garota ficava localizada em um bairro do subúrbio, onde Wonwoo já tinha repetido um milhão de vezes para que ela deixasse para trás e se mudasse para um lugar onde era um pouco mais impossível que um ladrão entrasse pela sua janela sem precisar de cordas. Era comum o jornal local estar comentando sobre o bairro de Bongko, e de como medidas precisavam ser tomadas sobre a questão infeliz da violência. Se Wonwoo recebesse olhares atravessados de qualquer sujeito mal encarado, não acharia estranho, ainda mais em uma hora como aquela.
Mas não foi exatamente isso que o fez frear a moto com força, levantando o capacete para poder olhar a cena em completo espanto.
O modelo mais moderno de um Audi estava estacionado no meio fio em frente à escadaria da entrada, onde ele viu se agasalhando com um kimono e os cabelos presos em um rabo de cavalo bagunçado, feito às pressas. Ela parecia ter sido bruscamente tirada da cama, e tinha a expressão dura e hesitante para o homem encostado na porta do carona, de costas para o rapaz da moto. Ele.
Inacreditável.
Wonwoo trincou os dentes com força, sendo engolido por toda a raiva que sentiu no início do dia, se movendo dentro dele em uma tempestade furiosa. Ele não se achava tão ameaçador quanto ouvia por aí em comentários aleatórios, mas sabia que tinha dado um aviso bem claro para John. Achou que ele tinha entendido. Ou melhor: torceu para que ele tivesse esquecido dela, superado aquele relacionamento que nunca tinha sido o bastante para ele.
Que merda. Tinha sido tão ingênuo à essa altura da vida.
Estava mais do que pronto para descer e afastar John de , como tinha feito da primeira vez, e torceu para que o idiota ainda se lembrasse bem daquele soco. Mas antes que desse um passo sequer, viu o abraço acontecer. A atitude partiu do cafajeste, o que quase causou outro acesso de fúria, mas todo esse rebuliço foi apaziguado a um tom morno que o deixou paralisado quando retribuiu o mesmo abraço.
O mundo pareceu escurecer ainda mais. Um frio no estômago de Wonwoo o fez segurar o guidão com tanta força que os dedos ficaram brancos. Podia sentir algo se partindo dentro dele, algo novo e diferente. Não sabia como interpretar aquilo, não conseguia interpretar coisa nenhuma agora. Tudo que queria era que aquela imagem não passasse de uma miragem maluca da última bebedeira de algumas horas atrás, enquanto tentava tomar uma decisão difícil demais para uma pessoa só.
Por fim, ele não queria mais pensar. Meteu os pés na embreagem e acelerou a toda velocidade enquanto os pneus cantaram no asfalto ao fazerem a curva brusca da meia volta. O barulho ensurdecedor certamente chamou a atenção dos dois, mas ele não se importava mais. Tinha uma vaga ideia do que era a dor aguda que estava esfolando seu peito, mas não queria refletir sobre ela no momento. Então, partiu através da neblina da escuridão chuvosa, pilotando a Harley sem um destino certo.

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topou com a voz da secretária eletrônica mais uma vez.
Já tinha 1 semana. Estava ligando pra ele por pelo menos três vezes por dia, sem contar as mensagens de áudio que se acumulavam no Kakao. Tentou se lembrar de alguma vez na vida ter sido ignorada de forma tão descarada por Wonwoo, mas a resposta não vinha. Nem quando ela ficou extremamente bêbada no casamento de um ex-colega da escola e disse pra todo mundo que eles tinham se pegado no carro. Nem quando jogou o capacete pesado da moto no peito dele depois que um gafanhoto pousou no colarinho da sua camisa quando estavam no aniversário da avó dela no campo. A viseira quebrou na hora. Em tudo isso, ele torcia a cara e conseguia se afastar por um tempinho até a raiva passar — se é que estava mesmo sentindo raiva. De qualquer forma, seu melhor amigo sempre estava de volta em uma média de 12 horas. Ela já tinha contado no relógio! Aquilo que estava acontecendo agora era uma maluquice, um desequilíbrio cósmico.
Tudo bem, ele apareceu lá naquela noite. Tinha visto aquilo — John batendo na sua porta tarde da noite, quase matando-a de susto e choque, enchendo a boca de desculpas e outras coisas que ela não queria pensar agora. entendia se seu melhor amigo estivesse irritado, e pretendia explicá-lo a situação, dizer que era um mal entendido gigantesco, mas ele não estava dando chance nenhuma. Nem mesmo Joe parecia inclinado a responder suas perguntas sobre Wonwoo; só disse que ele estava muito ocupado com o novo contrato, e uma pilha cheia de outras novas propostas para sentar e ler com calma.
Besteira. sabia que o melhor amigo mal se dava ao trabalho de ler as próprias contas. Era por isso que Joe existia.
precisou chegar ao ponto de se deslocar até o prédio enorme da GLAM, onde se sentia extremamente desconfortável só pelas possibilidades de encontrar John de novo e ser observada com aqueles olhos pedintes que não via há mais de 5 anos. Desde aquela noite, estava se mantendo com apenas meias palavras com ele, sem aceitar convites para cafés, restaurantes ou bibliotecas, deixou bem claro sua ainda falta de confiança no homem, e que términos como o deles não podiam ser apagados da memória de um dia pro outro. John não desistiu, mas passou a pegar leve, tendo consciência que aquela não era a mesma que ele tinha abandonado para ir ao Canadá.
Já era hora do almoço quando ela segurou firme na sacola de papel com a logo do Choker, o restaurante de bibimbap preferido de Wonwoo, e andou até a recepção. Como esperado, foi imediatamente barrada de subir e observar qualquer processo do trabalho de campanha da próxima coleção — como se ela fosse uma espiã da concorrência ou algo do tipo —, mas era parte do plano. Foi a confirmação de que Wonwoo estava mesmo ali.
Ela se afastou do balcão e pegou o telefone, discando o número de Joe imediatamente.
Ele atendeu no último toque.
— Me coloca pra dentro. — disse ela com firmeza.
— Quê?
— Anda logo, Joe, sei muito bem que ele está em algum lugar dessa fortaleza de vidro. Mexe seus pauzinhos e fala pra essas garotas me deixarem subir agora. E ai de você se contar pra ele!
O empresário respirou fundo do outro lado, levando um tempo para responder.
— Você sabe que ele está trabalhando, não sabe?
— Eu também estava, mas ele nunca me ignorou só porque ganho alguns milhões a menos do que ele. — esperava que sua ironia demonstrasse sua urgência. — Estou esperando, Joe.

— Faço ele aceitar qualquer proposta que você esteja tentando enfiar pela goela dele de novo, tipo aquele comercial de pasta de dente do mês passado. Faço um pacto agora mesmo.
— Ei… — ele bufou, murmurando alguma coisa baixo demais para que ela entendesse. — Cacete, por que sempre acabo envolvido nas tretas de vocês? Olha aqui, você não pode dizer que fui eu. É sério! Eu não sei o que rolou agora, mas ele anda bem estranho.
— Ameaçou atropelar as pessoas com a Harley de novo? Você sabe que ele fala esse tipo de coisa quando está bravo.
— Não, ele não está bravo, . — Joe fez uma pausa para suspirar. — Ele parece, sei lá… Magoado.
Ela não ouviu as últimas despedidas dele. Seu coração apertou de forma diferente e tensa. desligou sem perceber e esperou sua vez por minutos arrastados enquanto encarava qualquer ponto disforme do piso de mármore até ouvir seu nome ser chamado pela mesma recepcionista que tinha impedido sua entrada da primeira vez.
caminhou até o elevador indicado em um estranho estado de torpor pensativo, a cabeça estática naquela palavra: magoado. Wonwoo não era alguém que ficava magoado — não sem falar sobre isso, não por tantos dias no silêncio —, ainda mais com ela. Foram muitos anos na conta acompanhando os movimentos dele de perto, convivendo com sua personalidade constante e sem fases. O que raios estava acontecendo agora?
As portas duplas se abriram em um corredor amplo e brilhando em marfim. não conseguia sequer imaginar o enorme trabalho da equipe de limpeza para manter aquilo tudo reluzente como estava; era um terror de serviço, mesmo que fosse lindo. Continuou caminhando até encontrar a porta larga e dupla no fim das paredes brancas, conseguindo ouvir o barulho de vozes através dela, junto com a confusão de flashes e música ambiente.
Ao entrar, imediatamente o viu posando no fundo branco, parecendo confortável usando um blazer marrom com os botões abertos até o diafragma — sem camisa por baixo, é lógico —, calça de alfaiataria da mesma cor e brilhando em joias espalhadas pelas orelhas, pescoço e dedos. Exalava uma beleza misteriosa e distante como sempre, um tipo diferente de charme — achara isso desde a primeira vez que o viu na escola, quando ele era apenas o garoto estranhamente inteligente e estranhamente calado do fundo da sala. Era uma beleza amplamente apreciada, mas quase nunca compreendida. O tipo de produto na vitrine que parece caro por ser bem feito, mas que ninguém tem coragem de entrar e verificar o preço — que pode ser mais acessível do que se imagina. E ela nunca usaria essa analogia com ele.
Levou um tempinho para que ela notasse que ele não estava sozinho. Sentado em uma poltrona no centro, ambos os lados direito e esquerdo eram ocupados por duas garotas em roupas coloridas e curtas, apoiadas nos braços do móvel, onde Wonwoo passava os seus por trás, dedilhando cinturas finas e pernas longas e invejáveis. Estava apenas seguindo as orientações do fotógrafo, que não se segurava para destilar elogios pelo trio. Os sorrisos estampados no rosto delas parecia genuíno; até mesmo Wonwoo estava dando um sorrisinho em linha fina caso você prestasse uma atenção extra, mas não sabia se era porque estava curtindo o trabalho ou porque tinham mandado ele fazer isso.
Em seguida, foi pedido que uma delas se levantasse e deixasse apenas uma no cenário. Deu pra ouvir bem a próxima frase do fotógrafo: ele queria que a garota chegasse mais perto, que passasse as pernas pela dele e que criassem um clima romântico para que batesse com a imagem da coleção de outono. Só agora que percebeu que as roupas dos dois até que combinavam em certas linhas. Wonwoo demorou um tempo para assentir com a cabeça, como se a ideia não o agradasse tanto, mas não deixou isso transparecer. A garota sentou-se tão próxima de seu colo que franziu o cenho, sentindo uma estranha vontade de dar um tapa na coxa dela, como se afastasse um mosquito. Automaticamente, andou um pouco mais para a frente, sem ser notada pelas pessoas que voavam de um lado para o outro carregando araras, cafés e equipamentos. A parte do ser invisível era até legal quando você estava infiltrada em um projeto multimilionário, mas era ruim quando algum desavisado passa correndo e esbarra em você, que aparentemente devia ser um tripé e não uma pessoa.
Nenhum desastre aconteceu, mas soltou um ganido automático de susto alto o bastante para fazer Wonwoo finalmente perceber a nova presença.
Uma mistura de calor e frio tomou conta de todo o corpo dele, fazendo-o ter uma reação totalmente impulsiva. Perdendo todos os resquícios de sorriso no rosto, ele se afastou bruscamente da modelo, ficando de pé enquanto encarava perto do fotógrafo com uma mistura de choque e raiva. Choque porque não esperava vê-la ali; e raiva pela cena que ela viu. Raiva de Joe, que com certeza estava metido naquilo. Raiva de si mesmo por não ter percebido ela antes.
— Tempo, Viktor. — ele disse para o fotógrafo sem olhá-lo e deu passos pesados para perto de . Passou por ela, com um olhar cravado em seu rosto enquanto seguia para o outro lado do estúdio enorme, direto para uma porta de vidro que dava acesso à uma sacada que funcionava como fumódromo. Wonwoo ouviu os passos dela atrás de si, sentindo raiva outra vez. Ele ainda não tinha o que dizer, não entendeu isso com as ligações não atendidas e as mensagens não respondidas? Precisava aparecer desse jeito?
A luz do Sol a pino foi como um tapa na cara de Wonwoo quando saiu para fora, e ele se virou a tempo de ver um pouco ofegante e os gritos de Viktor ecoando ao fundo, dispersando os demais funcionários para um lanche.
colocou as duas mãos na cintura.
— Caramba, eu já te falei, o motor das suas pernas é mais potente que o meu. Olha o meu tamanho! — disse ela, puxando bastante ar para os pulmões. Os óculos de grau tinham deslizado para o meio do nariz. — Aquilo é uma placa de Liberado Fumar?
— O que está fazendo aqui, ? — Wonwoo sussurrou de forma furiosa, o maxilar tão trincado que marcava o rosto inteiro.
encarou aqueles olhos estranhos e ergueu a sacola branca devagar, como um sinal — também — de rendição.
— Pensei que podíamos almoçar juntos.
Ele olhou dela para a sacola e suspirou, a expressão suavizando um pouco.
— Não posso agora, estou trabalhando.
— Pessoas trabalhando também precisam comer. — ela revirou os olhos. — E eu até daria crédito pra essa sua desculpa esfarrapada se estivesse respondendo minhas mensagens. Qual é o problema, Wonwoo? Quando vai parar e conversar comigo?
— Já deixamos de almoçar juntos várias vezes, não diga como se fosse a primeira vez que eu-
— Você viu, não é? — o interrompeu, e os olhos de Wonwoo se escureceram. — Sei que viu. A pergunta é: você viu tudo?
Ela o olhou com firmeza enquanto ele lutava para permanecer impassível, ou tão indiferente quanto poderia fingir. Mesmo que fingir não fosse bem uma opção quando estava perto de .
— Vi o suficiente. — deu de ombros. — Foi mal não ter parado pra dar um oi, pareciam bem ocupados.
— Não é nada disso que você está pensando.
— Tá tudo bem, . Você é adulta e sabe bem o que faz da sua vida.
— Ah, agora eu sou adulta? — ela levantou uma sobrancelha. — De repente não tá mais afim de me dar seus conselhos sobre cada coisinha da minha vida?
— Parece que você não quer nenhum conselho.
— Exatamente, Wonwoo, não quero. Quero só uma conversa.
— Então já tomou sua decisão, se só quer uma conversa. — ele bufou, querendo desesperadamente que ela fosse embora antes que falasse o que não devia. — Vou ter que passar. Como eu disse, estou trabalhando.
— E você sabe o que eu decidi? — deu um passo à frente, antes que ele se mexesse. Wonwoo contorceu a boca.
— Não preciso saber.
— Então por que foi lá naquela noite? — ela deu de ombros. — Ia me avisar, não ia?
— Pelo visto, não precisei. Já pareciam felizes o suficiente juntos.
— Para com isso, Wonwoo…
— É só uma questão de tempo, . — ele grunhiu e se afastou até o parapeito da sacada, soltando uma respiração pesada que estava comprimindo seu peito. Deus, o que era aquilo? Que merda toda era essa? — Acha que quero ficar do seu lado quando a bomba estourar? Quando você perceber que se deixou enganar por ele de novo? Pois eu não quero. A situação toda já foi estressante demais da última vez, e sei que você sabe disso. Mas tudo bem, posso abrir a porta pra você chorar no meu sofá caso me avise com antecedência.
o encarou boquiaberta. Wonwoo escondeu as mãos trêmulas no bolso e quis agora que todos naquele prédio dessem o fora dali e o deixassem sozinho enquanto se martirizava por ter exibido seu lado canalha justo para a única pessoa que não merecia nada daquilo, a guardiã de quase todos os seus segredos. Quase. Porque não sabia o que ele estava sentindo agora, naquele momento, o que vinha sentindo a semana toda. Ou melhor: tentando não sentir.
Ele só estava tentando mandar tudo isso embora. Lutar contra a raiva e o ciúme que o dominava, o medo de perdê-la, o medo de que ela chorasse de novo, medo daquele ou de qualquer outro boçal se infiltrar naquela garota que tinha um cérebro brilhante, mas o coração não tão brilhante assim.
No entanto, naquele momento, enquanto ele mordia a língua para se calar e examinava todo o seu rosto com uma lentidão atípica, Wonwoo percebeu que ela sabia sim. Sabia exatamente o que ele estava sentindo, com uma precisão que o fez se sentir quase patético. Por isso não queria vê-la nem tão cedo — virava um estúpido perto dela. Sempre foi um diabo de garoto com tudo e todos os outros, mas Collette tinha visão de raio-X sobre ele. Quem ele pensava que era pra tentar enganá-la? Só conseguiria isso se enganasse a si mesmo primeiro.
Wonwoo esteve fazendo exatamente isso nos últimos anos. De um jeito excelente, diga-se de passagem.
— Quer que eu acredite que tudo isso é mesmo raiva? — disse com os dentes trincados, os dedos apertando a sacola do restaurante até amassar. — Com quem você acha que tá falando? Se estivesse com raiva, me diria agora mesmo pra ficar o mais longe possível dele. Mas o que você tá sentindo não é nada disso, você está com ciúmes. E eu não entendo…
O resto da frase quebrou quando a postura de Wonwoo mudou, como se ela tivesse lhe dado um soco no estômago. E a troca de olhares que veio depois disso foi dolorosa, profunda e reveladora.
foi a primeira a se aproximar, sussurrando com raiva, com coragem. Como se estivesse decidida a ser a última vez que faria isso.
— Lembra do que me disse naquele dia? — perguntou, retórica. — Aquilo que você disse… Você prometeu. Jurou que nunca iria sentir isso por mim. — ele viu os olhos dela marejados e sentiu a raiva se dissipar — Você disse, Wonwoo. Com todas as letras. E por esse tempo todo, eu acreditei nisso. Acreditei até quando não queria acreditar, até quando sua boca me falava uma coisa e você agia de outra. Então, seu babaca, não quero que você sinta merda de ciúme nenhum por mim, não preciso que você me confunda a essa altura do campeonato, preciso que você seja a porra do meu melhor amigo e diga que sim, eu posso ir chorar no seu sofá a hora que eu quiser! Preciso saber que você vai estar lá por mim, porque é isso que os amigos fazem, idiota! É isso que eu sempre esperei de você, nada além disso! Não é justo… — parou pra recuperar a voz embargada, os olhos soltando fogo. — Não é justo você começar a sentir isso agora. Filho da mãe miserável.
Ela pressionou a embalagem contra o peito dele e saiu quase correndo para o lado de fora, passando uma mão por debaixo dos olhos em uma tentativa de conter as lágrimas intrometidas. Wonwoo não soube explicar a proporção do aperto e a queimação de dentro dele. Não foi só como um soco no estômago, mas como se o tivesse empurrado para os trilhos de trem. Os olhos dela naquele momento, daquele jeito, ficariam para sempre marcados a ferro em seu cérebro. Ela tinha partido e levado toda a locomoção de suas pernas junto; ele não conseguia se mover. Nem pra ir atrás dela.
O sentimento de estupidez que sentiu a semana toda aumentou em gênero, número e grau. Quem que promete não sentir nada por alguém daquele jeito? Fez acreditar nisso tão bem que agora ela estava pronta para rejeitar qualquer sinal disso. Porque o que valia era o que via à sua frente, só isso. Estava certa do distanciamento emocional dele, de sua personalidade constante, das mulheres e casos de fins de semana. Era isso que ela tinha de parâmetro de Jeon Wonwoo quando não estava sendo seu melhor amigo, nada mais.
Ele fechou os olhos com força e atirou o pacote de bibimbap longe, xingando a si mesmo. Sempre olhara para ela e pensara apenas uma coisa: não vou sentir isso. Jamais vou sentir isso. Porque jamais vou ter o que ela precisa, jamais vou ser o que ela deseja.
Ele queria fechar o cativeiro de sentimentos de novo, mas sentiu que era tarde demais. A verdade saiu pra fora, encontrou liberdade. A inércia de seu coração chegou ao fim — e as coisas nunca mais seriam as mesmas.

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Uma semana depois, Wonwoo estava piscando os olhos depois do flash que encerrava a última sessão de fotos, a última daquele trabalho na GLAM. Andava desconfiado de sua competência pela primeira vez na vida — sua mente se encontrava tão perturbada naqueles dias que, por muitas vezes, sua consciência fugia ou virava fumaça. As fotos eram a única prova que mostravam que ele estava realmente ali. Apenas o corpo, a alma espalhada por outro lugar.
Não conseguia parar de pensar em e no seu olhar furioso e atribulado.
A situação tinha se invertido completamente. Agora era ele que estava dando com a cara na secretária eletrônica dia após dia. A última expressão dolorosa de sua melhor amiga já adiantou isso de algum jeito — e ele sabia que merecia, que talvez merecesse até mais. Só que ficar sem era muito pior do que se imaginava — e ele nunca imaginou isso até John voltar a aparecer, como a encarnação de um sonho ruim. Tudo tinha se transformado em um esboço depois que desapareceu daquele prédio, e isso estava mexendo com a sanidade de Wonwoo.
Quando finalmente conseguiu tomar o partido das próprias pernas naquele mesmo dia, ele desafiou as leis de trânsito de Seul e voou até o apartamento da garota, desta vez com nenhum carro caro na frente, mas não obteve resposta. Tentou de novo no outro dia, e nada. Chegou a ir até o laboratório onde ela trabalha, e as colegas — as mesmas duas garotas de antes que até poderiam ser mesmo gostosas, mas não chegavam aos pés de sua melhor amiga — lhe disseram que simplesmente decidiu ir a um congresso de Doenças Neurodegenerativas na Universidade de Busan de última hora, deixando-a fora da cidade por pelo menos 5 dias. A distância destruiu ainda mais a cabeça de Wonwoo; sentia como se não fosse capaz de fazer nada de útil até que esclarecesse tudo com ela, que conversassem sobre aquele imenso elefante no meio da sala que ele mesmo tinha instalado.
Depois dos ditos 5 dias, ainda permanecia inacessível e não o atendia. Ele também não tinha visto John, e só de pensar que essas duas coisas pudessem ter alguma relação já o dava um frio na espinha. Poderia ser tudo menos aquilo, tudo. Desta vez, a situação era diferente; era como se ele tivesse praticamente jogado-a nos braços do canalha. Entregado seu amor de bandeja.
Porque depois de várias noites em claro e reflexões de sua vida inteira, aquela era a verdade que ele tanto tentou fugir: seu amor. era o seu amor. E não fazia mais sentido negar isso.
Mesmo que ele não a merecesse. Nunca mereceu. Wonwoo não era o tipo certo de cara que tem direito de se declarar para a garota que ama; era boa demais pra ele, sempre foi. Ele nunca pretendeu mudar, desde a escola. Sabia que a magoaria de alguma forma se abrisse uma brecha para que alguma coisa acontecesse, mas não conseguia abrir mão de sua companhia. Tudo em o tornava melhor, mais gentil, mais humano. Mas a bondade dela não alterava nada dele pela raíz; Jeon Wonwoo até servia para ser seu amigo, mas jamais serviria para ser seu homem.
Mas depois do flagrante idiota na frente da casa dela e aquele tsunami de raiva e medo que o tomou, metade das coisas perderam o sentido. John era um problema desde a primeira vez que o tinha visto, mesmo que ele fosse o exemplo perfeito de namorado. Mesmo que, aos olhos de outras pessoas, deveria aceitar de bom grado um sujeito que tinha tanta ambição em prover tudo que ela precisava — mesmo que, pra isso, precisasse ficar longe por um tempo. Ele era um problema principalmente porque fazia pensar em um futuro com casas de quintal, animais de estimação e bebês. E aquilo sempre, sempre, fazia Wonwoo ter vontade de rasgar a garganta com uma motosserra. Ele nunca pensou em nenhuma dessas coisas, mas vê-la tão empolgada… Aquele sorriso já tinha sido capaz de convencê-lo a muitas coisas. A pentear o cabelo pra cima. A doar suas roupas extras de campanhas para o bazar da paróquia. A não dirigir bêbado. A parar de fumar. A ter coragem de aparecer em uma audição para modelos depois de ter dito uma única vez que ele era uma gracinha.
Quintais e bebês de repente pareciam uma coisa muito plausível.
E essa plausibilidade devia estar sendo discutida agora mesmo entre os dois, enquanto trocavam beijos e alianças.
O veneno e amargura subiu pela sua garganta de novo. Era tudo culpa dele. Se tivesse se declarado antes, jamais teria tempo e espaço para abrigar um lixo como aqueles no coração. Um cara que só queria provar que ainda detinha o mesmo poder de antes sobre a garota brilhante que conheceu em uma feira de empreendedorismo qualquer.
Mas Wonwoo tinha que tentar. Poderia morrer com sua rejeição de uma vez e nunca mais conseguir retomar a relação como era, do que nunca saber da resposta. Poderia perder sua melhor amiga de uma vez por todas, mas a deixaria seguir seu caminho sabendo da verdade. Dita pela sua própria boca.
Antes de mais nada, ele precisava — por contrato — passar pela sala do CEO para finalizar os últimos ajustes do encerramento do trabalho — coisas como relatórios, direito de imagens e datas de publicação. Poderia ter deixado essa parte burocrática nas mãos de Joe, mas o amigo comentou que precisava ir à reunião do clube do livro e que poderiam fazer isso na semana que vem. Wonwoo sabia que sim, mas se ficasse em casa sozinho mais um dia com suas garrafas de makgeolli faria uma besteira, como montar acampamento na frente do prédio de até que ela decidisse atendê-lo.
Mas ele não precisou esperar muito tempo.
Quando bateu na porta da sala da presidência na enorme fortaleza da GLAM, a voz que gritou “entre” pareceu um pouco familiar, mas com a mente enevoada, ele mal percebeu. Apenas empurrou a porta e entrou.
estava parada de costas para a porta, olhando a cidade pelas janelas imensas de vidro. John estava ao seu lado, trocando o peso de uma perna a outra como se estivesse nervoso. Os dois se viraram ao ouvirem a porta se abrir. Wonwoo não conseguia acreditar nos próprios olhos: usando um belo vestido vermelho, as mechas do cabelo presas atrás da cabeça e saltos baixos, como ele nunca vira antes. A maquiagem e a ausência dos óculos transformavam a garota numa estrela de cinema. Estava linda, mas denunciando o que Wonwoo um dia temeu: linda ao estilo John Swayze.
— Você veio rápido, Wonwoo. — John se aproximou da mesa, ignorando os olhares furtivos das duas pessoas. — Aqui está. O contrato de vendas, as porcentagens de direito e nossa possível inclusão na Semana de Moda de Tóquio. Se puder ler com cuidado quando chegar em casa, vou ficar agradecido. É a melhor proposta que o departamento de recursos humanos já apresentou.
Wonwoo pegou a pasta sem olhar para ela. Seu rosto estava imerso nos olhos maquiados de , que carregavam a mesma dureza de antes, a mesma mágoa, deixando-a parecida com a garotinha de 15 anos que pensou que ele estivesse ali pra continuar zombando dela, chutando cachorro morto.
Se ela estava achando isso, então teve tempo de pensar e repensar tudo sobre ele, sobre eles, duvidando de uma vida inteira. E isso machucava pra caramba.
— Wonwoo?
— Eu te ouvi, John. — murmurou o rapaz, dando uma breve olhada pelo canto do olho para o homem.
John finalmente reparou nas faíscas que vazavam dos olhos de Wonwoo. Ele não planejava causar nenhuma cena, mas se via incapaz de perder a oportunidade de sair por cima.
— Curioso sobre aonde vamos? — ele foi abrindo um sorriso vitorioso. finalmente desviou os olhos de Wonwoo, encarando seu ex-namorado com o cenho franzido. Wonwoo apenas esperou. — vai me acompanhar na festa de comemoração que estamos dando pela nomeação da GLAM no Stevie Awards. Parece que não vai demorar muito pra batermos o nível da Prada ou da Versace. E ela está magnífica, eu sei. — o sorriso dele se direcionou para . — Com os elogios que recebeu na loja, garanto que os flashes desta noite irão todos para ela. Você está convidado, se quiser.
Wonwoo nada disse. Nem seria capaz de comentar alguma coisa. Tampouco se atentou ao convite. Ela estava mesmo linda e isso era incontestável, mesmo com a tristeza e desespero absurdos que a imagem dela o causava. Mesmo que estivesse linda daquele jeito para outra pessoa.
— Stevie Awards? — ele soltou uma risada de escárnio. — Meus parabéns. Ainda bem que se lembrou que ela não se dá bem com saltos altos.
John limpou a garganta, olhando de soslaio para a garota, que ruborizou mais do que o vestido ao ouvir as palavras de Wonwoo. Não era o momento certo para contar-lhe que, na verdade, John não tinha se lembrado de coisa nenhuma. Que ela pediu a troca para uma das muitas funcionárias contratadas para servi-la dentro de um shopping imenso. Que aquele homem com quem gastou 4 anos da sua vida não era capaz de conhecê-la tão bem quanto seu melhor amigo.
Em uma última encarada, Wonwoo começou a dar passos para trás, tentando disfarçar o estado abalado do peito por vê-la de novo.
— Estou saindo. Foi bom te ver. — ele murmurou apenas para ela. — Divirtam-se. Boa noite.
Deixou a sala, sentindo a derrota cair sobre os ombros, pesada como um piano atirado há 50 metros de altura. Seus olhos ardiam como se tivesse acendido um isqueiro nas íris. Aqueles dois naquele cômodo significavam uma possibilidade muito desagradável. Uma possibilidade vestida de confirmação, tão bem vestida como estava naquele vestido vermelho. A comprovação de que ele tinha mesmo perdido sua chance. Perdido para sempre. Passado-a adiante, assim como sempre passou por cima de seus sentimentos.
O chuvisco lá fora respingou sobre sua jaqueta de novo, e Wonwoo praticamente correu até o outro lado da rua, subindo na Harley e ajeitando o capacete de maneira preguiçosa para que pudesse acelerar e sair daquela rua o mais rápido possível. Ele trincou os dentes e apertou a embreagem com ainda mais força quando viu o Audi reluzente, à espera do casal que logo mais desceria e se mostraria na frente de todos, revelando a relação. Era tudo que John queria. Wonwoo não era o tipo de cara que acreditava necessariamente em tudo, mas aquela chuva estava se solidarizando com ele mais do que ele mesmo.
Os pneus fizeram um barulho frenético ao arrancarem pelo asfalto úmido, partindo em direção a qualquer lugar onde pudesse gritar sozinho, chorar, lamentar por todas as escolhas terríveis e odiosas que havia feito em relação à . No fim de tudo, Jeon Wonwoo era um covarde. Sempre odiou a forma como buscava defeitos em si mesma ou na sua aparência quando precisava aparecer com John, mas quando a viu naquele vestido e joias, de um jeito que dava para ver que ela estava se sentindo linda — uma afirmação que ela merecia sentir —, toda a sua coragem foi engolida pela terra. Porque sempre continuaria sendo… apenas .
No início, Wonwoo chegou mesmo a pensar que ela precisava de um cara com alto poder aquisitivo. Daí ele foi e começou a ganhar dinheiro. E, mesmo depois de ter ganhado tanto que precisou aprender sobre Finanças porque não tinha ideia de como administrar tanta grana, chegou à conclusão de que era um idiota que antecipou coisas demais. ainda preferia comer pele de porco e vegetais murchos no restaurante da senhora Braschi. Ainda preferia usar o mesmo cachecol de quando tinha 12 anos. Ainda gostava da mesma escrivaninha tombada, cheia de rabiscos de fórmulas e colinhas das provas da faculdade. Merda, ela nem tirava aquelas estrelinhas do teto que nem acendiam mais! No fim, ela não precisava de nada dessas besteiras materiais. Mas isso não o deixava melhor. Porque se não fosse isso, ele não tinha mais nada para oferecê-la.
Já em casa, ele atirou a pasta em qualquer canto da sala, sentindo as mãos tremerem de novo. Despejou o corpo no sofá grande, afundando o rosto em uma almofada, pensando em como lidaria com aquela mudança mais do que brusca em sua vida: a perda de . Iria enlouquecer, com certeza. Estava se sentindo na beira de um precipício, maluco a ponto de atravessar a cidade e invadir um evento inteiro para impedir que qualquer pronunciamento fosse feito, impedir que ela aceitasse qualquer coisa vinda de John, impedir que ela não soubesse. Ela precisava saber o que ele sentia, precisava muito!
Wonwoo não soube por quanto tempo ficou parado com os olhos fechados, tentando varrer todas as imagens do que poderia estar acontecendo entre os dois naquele momento. Foda-se, ele disse que lutaria. Foi tão fácil lutar contra aquele canalha daquela vez; ele poderia, finalmente agora, falar abertamente pelo que estava lutando. E mandaria embora todo o medo de perder, porque sabia que se arrependeria muito mais se não tentasse.
Ele levantou decidido, pegando as chaves que tinha lançado no chão, abrindo a porta branca do apartamento e preparando-se para sair, quando trombou com a garota de vermelho com o punho aberto no ar, pronta para bater.
… — ele disse boquiaberto. Precisou piscar os olhos para verificar se ela, de fato, estava mesmo ali. — Por que você-
Um golpe no estômago o fez dar vários passos para trás. Seus reflexos eram bons o suficientes para agarrarem um sapato no ar antes que atingisse sua barriga, mas não teve tempo de pensar muito; logo o segundo já estava voando em sua direção. Jeon encarou os olhos furiosos de , que entrou na casa com agitação, batendo a porta com o pé descalço.
— Seu imbecil! — teria sido um grito, se não fosse o maxilar cerrado. — Que grande merda saber que não curto saltos altos! Por que você fez isso? Por que ainda continua com essa cara de idiota mesmo depois de me ver? Por que, Wonwoo?

— Não, você não tem nem o direito de se desculpar! Em todos esses anos, você teve inúmeras chances, tantas que não consigo nem contar direito! Todas as vezes que você, você — ela se aproximou do rapaz, empurrando o dedo indicador no seu peito. — agia como um perfeito cara gentil e cavalheiro, jogava cartas com meu pai, me buscava na faculdade, cancelava um encontro porque eu fiquei doente, fazia reclamações sem pé nem cabeça dos caras que eu namorava ou me levava pra escolher presentes, eu pensava, Wonwoo! Pensava demais! E me odiava por isso toda maldita vez, porque você tinha deixado claro, tinha garantido que nunca iria acontecer, e eu acreditei nisso. Acreditei tanto que não tive escolha a não ser me contentar com outro cara que parecesse ser minimamente parecido com você, ou tão diferente que tiraria você da minha cabeça.
A voz dela falhou e Wonwoo perdeu o ar. Todo o choque inicial por vê-la ali tinha passado e dado lugar a um tipo estranho de anseio. Ela estava ali. Isso significava que…
— Você não foi com ele. — soou como uma pergunta, mas ele apenas constatou em voz baixa. soltou uma risada seca e nervosa.
— É, não fui com ele, seu babaca. Está satisfeito agora?
, me deixa te explicar…
— Não. Nada do que você disser vai mudar a raiva escrota que eu tô sent-
— Mas eu preciso dizer! — ele falou alto, fazendo-a paralisar assustada. Uma respiração pesada escapava de sua boca em ondas quentes. — Preciso que você saiba que sou um grande idiota. Um filho da mãe que nunca acreditou na sua avó quando ela dizia que as palavras tem poder. Tô provando essa tese agora, e tô enlouquecendo, . Estava tudo bem na minha vida até eu ver você chorando por causa daquela cartinha idiota. Estava tudo ótimo até você começar a sorrir pra mim, almoçar comigo e depois me ensinar Química. Até você olhar pra mim de um jeito que ninguém olhou e me trazer uma confiança que eu nunca tive. Porra, estava tudo perfeito até eu perceber tudo, me tocar que eu te amava e odiava te ver com outro cara, e diferente do que você disse, não comecei a sentir isso agora. Caramba, , acho que tem mais tempo do que eu posso contar. Porque era completamente impossível que eu não me apaixonasse por você, e me sinto um completo babaca por não ter notado isso antes daquelas palavras, não ter notado isso assim que te vi. — Wonwoo bagunçou uma parte do cabelo, os olhos aturdidos, a feição pálida sob a luz fluorescente. — Fiquei tão apavorado de você achar que eu estava sendo legal por interesse, ou que estivesse fazendo a mesma brincadeira ridícula daqueles manés, que simplesmente falei. E talvez eu também acreditasse tanto em mim mesmo que achei que jamais aconteceria. Mas acho que te amei no mesmo minuto em que prometi não te amar.
Era como se o chão não existisse mais. O ar escapava em parcelas da boca entreaberta de , o cérebro tentando processar se ainda estava acordado ou não. As palavras dele tinham sufocado todas as dela.
Wonwoo não perderia mais tempo. Em um impulso impensado, se aproximou dela para puxar sua boca até a dele, selando seus lábios em um aperto quente e desejado, terrivelmente desejado. sentiu o coração ser catapultado a alturas astronômicas, descendo levitando depois. Queria acreditar que ele a tinha prendido num sonho bom em cárcere perpétuo, mas ela ainda tinha coisas a resolver na realidade. Afastou seu rosto do dele, encarando-o com um pouco de choque, mas sem repreensão. Wonwoo, por outro lado, estava assustado com a própria atitude, mesmo que não estivesse nem por um centímetro arrependido.
… — ele começou com um suspiro, a voz rouca de desejo e tensão, controlando as mãos nervosas para que ela não se afastasse de vez. — Eu não devia… Me desculpa, eu-
— Não aconteceu nada naquele dia. — interrompeu, a voz no mesmo tom que o dele. — Nem em dia nenhum. John é uma página virada, e quando ele me disse que estava trabalhando com você, eu não quis usar o meu plano secreto de quebrar os braços dele caso o visse de novo. Isso poderia deixá-lo meio bravo, e eu não queria causar problemas pra você. Preciso que você saiba disso antes de… — ela parou, ruborizando mais uma vez. — Antes de me beijar de novo.
Wonwoo ficou imóvel, tentando desesperadamente olhar pra ela sem deixar que todo seu desejo acumulado driblasse o bom senso e o fizesse agarrá-la ali mesmo. Ele enxergou nela a verdade que o fez perder o fôlego: nunca existiu segunda chance para John. Nunca existiria ninguém permanente o suficiente. só chegara até aquele ponto da vida questionando toda verdade apresentada a ela, mas com ele ali, não existiu um fiapo de dúvida. Como se sempre estivesse esperando aquele momento, sabendo que ele chegaria, sabendo que deveria estar ali, agora. Isso mexeu com Wonwoo. Mexeu pra caramba.
— Eu amo você, . — ele sussurrou, saltando pra perto dela, agarrando seu rosto em um impulso de provar para o próprio cérebro que aquilo era real. — Te amo como homem. Me perdoa por não ter percebido antes que você é a mulher que eu quero, a única que eu já quis de verdade. E isso é tudo que eu tenho pra te dar. Meu coração idiota, meu mau-humor de domingo, minha moto barulhenta e bolos de sorvete com gelatina. São o único tudo que eu posso te oferecer.
sorriu e colocou as mãos em cima das dele.
— Contanto que você continue sendo meu melhor amigo, eu já tenho tudo que eu preciso.
Ela atacou a boca dele com rapidez, sentindo espasmos de uma alegria absoluta e louca que vibrava até o interior dos ossos. Desta vez, Wonwoo não conteve a vontade, usando os braços para puxá-la para perto e as mãos para enfiar os dedos no seu cabelo bem arrumado, deixando sair toda a demonstração do quanto a queria, e do quanto estava ansioso por beijar cada parte dela — claro, se também quisesse a mesma coisa. Os dois voaram pela sala, parando em uma parede onde as costas de bateram com certa força ao lado de uma mesinha, derrubando um abajur, que se dividiu em haste, bateria e cúpula pelo chão. Wonwoo não deu a mínima atenção para isso, incapaz de se afastar do beijo. levou as duas mãos até o meio do peito dele, passando-as por debaixo da jaqueta e empurrando-a para longe dos braços. Wonwoo puxou a peça pra baixo, ofegante, sentindo o corpo pegar fogo. Ele a imitou, mas puxando a barra do vestido, acariciando a pele macia da coxa, agarrando com força em alguns pontos em que só conseguiu soltar um gemido dentro da boca dele, perdendo a noção da realidade.
— Espera… — disse, em uma versão mais arrastada da voz normal. — Wonwoo. Eu preciso… — ela fechou os olhos com força quando sentiu os lábios dele passeando no seu pescoço. — Preciso te falar uma coisa.
— O quê? — a voz dele saiu abafada, e percebeu que, além da jaqueta, pode ter ajudado-o a se livrar da camiseta também. E nossa, ela sempre tinha que manter o controle dos olhos quando Wonwoo estava sem camisa, mas agora, deixou a cabeça abaixar e levantar numa verificação completa. Ele estava tão desnorteado que nem percebeu. — Pode falar, . Se você não quiser…
— Quero. — ela o cortou, o incêndio no baixo ventre ainda mais violento depois de vasculhar o volume por trás daquele zíper fechado e quase entrar em combustão com a imaginação. — É lógico que eu quero. Mas… O que aconteceria se eu também dissesse que te amo?
Wonwoo paralisou por um instante até rir e encostar uma mão na parede ao lado da cabeça de . Ela o encarava com inocência; como se realmente não soubesse e nem imaginasse a resposta.
— Acho que você teria que aceitar ser minha namorada.
Ela abriu um sorriso, que foi abafado pelos lábios dele novamente. Desta vez, não pretendia parar nem se um avião pousasse na avenida. Ele a puxou para cima, onde enganchou as pernas por sua cintura e caminhou com ela até o quarto no final do corredor, sem planos de sair de lá tão cedo.




FIM.


NOTA DA AUTORA > oláá!
primeiramente: May, essa fic é pra você. quero dizer, a releitura dela é pra você, porque mesmo que ela não tenha nascido com o intuito de te pertencer, acabou que isso fez o maior dos sentidos.
esse é um dos meus únidos friends to lovers da vida, e eu espero que ele tenha ficado à altura daquelas que já amam esse gênero. alguns erros podem ter sido cometidos rs, mas eu confio que alguma cena fofa de milhões deve ter sido entregue.
obrigada por ter lido até aqui, e me segue no insta! (@sialversion)
beijos,
Sial ఌ︎


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