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━Autora Independente do Cosmos.
Encerrada ✔️

Nicky entrou no corredor a tempo de vê-la guardando os livros.
Ela trajava um visual diferente do que se esperava. Uma saia, uma blusa sem mangas e os mesmos tênis azuis. Muito diferente da calça jeans e dos suéteres de cor neutra. A falta dos óculos de grau e os cabelos soltos demonstravam, para começo de conversa, uma mudança explícita. Nicky se preocupou se ela não estava se sentindo bem em estar ali, no dia do campeonato, quando tudo entre eles ainda era silencioso e discreto.
Quando ela o avistou no outro extremo do espaço, seu sorriso deixou claro o quanto ele estava pensando demais. De novo. Nicky sempre expressava preocupações demais no vinco de sua testa e nos cantos de sua boca.
Seria um erro insinuar que Welker não estaria ali por vontade própria. Ela torceria por ele, independente de tempo e espaço.
— Você parece um verdadeiro capitão. — disse ela, quando Nicky se aproximou. Seu uniforme dos Bulldogs era azul e branco, e o número 1 brilhava em suas costas. O capitão do time de Lacrosse da Ontario High School. — Soube que vão ter olheiros na arquibancada hoje. É a chance perfeita de conseguir uma bolsa pra Yale, ou qualquer outra universidade da Ivy League.
— Você quer me deixar menos nervoso? — ele ergueu uma sobrancelha, em um tom cômico. Ela piscou os olhos e fez uma careta, como se pedisse desculpas.
— Desculpa, devo ter soado como uma velha agora. — Welker riu, entrelaçando seus próprios dedos. — É que seria legal saber para quais faculdades você pretende se candidatar, e eu…
Eu quero ir para onde você for, pensou ela, mas não disse. Não sabia se era hora disso. Não sabia quando deveria abrir seu coração daquele jeito, com um pensamento tão futuro. Nicky apenas deu um sorriso de canto, achando adorável a forma como Welker ficava nervosa quando falava daquele jeito. Ela era tão formal às vezes, comparada a todas as outras garotas nerds que já conheceu.
Ele pegou em sua mão, trazendo-a para mais perto. Havia algo intensamente desconcertante em Welker, forte. Foi sentido desde que bateu os olhos nela na aula de ciências. Era como se se sentisse compelido a se aproximar, impressioná-la. Ele, Nicky Ford, o cara que assistia tentativas alheias de atenção diariamente.
E algo a respeito de Nicky a fazia se sentir tão fortemente outra que era como se ela tivesse de proteger suas emoções. Foi assim no começo, quando tiveram de fazer aquele trabalho demorado com as lâminas do laboratório, que demorou mais do que o normal porque Ford estava estranhamente querendo puxar um papo, enquanto ela só queria que aquilo acabasse logo. O garoto mais popular da escola não precisava conversar daquele jeito com a novata invisível de Atlanta.
Até hoje era um mistério como Nicky tinha conseguido gostar dela. As tentativas de afastá-lo foram muitas e ineficientes.
— Você vai para Harvard, como uma boa garota que é fera em matemática. — ele acariciou a curva de sua bochecha, aproximando-se de seu rosto. — E eu vou para o mais perto possível. Com os olheiros que me quiserem. Se posso exigir alguma coisa, é que seja perto da minha namorada.
Welker corou e olhou para os lados automaticamente. O corredor estava vazio, tomado por papel prateado e faixas azuis que seguiam até a entrada da quadra, há alguns metros dali. Os gritos já eram insanos, e o nome dos Bulldogs balançavam as paredes. O nome de Nicky Ford era invocado por tabela.
— Alguém pode aparecer. — a garota sussurrou, um pouco envergonhada com a constatação. Havia algo naquele garoto que suprimia suas habilidades de se comunicar claramente quando ele estava tão perto.
— Que vejam. Hoje todos podem ver, Welker. Vou fazer todos os gols para você, vou gritar seu nome se ganharmos no final. Não quero mais me esconder. Isso está me esmagando. — ele tomou seu rosto nas mãos e juntou suas testas, totalmente relaxado quanto a qualquer olhar de fora. — Se você ainda acha que prefiro líderes de torcida ou presidentes de conselho, sugiro que tire essa ideia da cabeça agora mesmo. Você é a única garota pra mim.
Welker arfou e deixou que ele a beijasse antes que sua mente arrumasse mais desculpas para refutar sua decisão. A notícia de que Nicky Ford namorava alguém que não fosse Sharon Streisand, a líder de torcida linda e escultural, seria recebida com choque e, talvez, descontentamento, mas não tinha problema. As pessoas tinham suas próprias vidas para se preocupar, embora talvez a olhassem com rostos irados, mas seria uma ótima oportunidade de sair da zona de conforto pela primeira vez na vida. Se arriscar junto com o único cara que gostou de verdade.
Um apito soou alto da entrada da quadra. Os tênis fizeram barulho quando um garoto com o mesmo uniforme de Nicky deslizou para perto do casal, gritando:
— Ford! Temos cinco minutos! Larga a garota e vamos vencer esse jogo!
Nicky e Welker deram uma risada engraçada. Aquele era Drauzio, o melhor amigo do capitão e o único que sabia do relacionamento escondido. Acordando para a realidade, Nicky encarou a garota em um pedido de desculpas, e ela apenas balançou a cabeça, dando um sorriso singelo.
— Faça todos os meus gols.
Com um último beijo, Nicky se despediu e saiu correndo para a entrada da quadra. Welker o acompanhou até que sumisse pela curva. Não importava a ocasião, ela não conseguia tirar seus olhos dele.
A cabeça de Nicky apontou para dentro de novo, um pouco ofegante pela corrida.
— Eu amo você! — gritou, sorrindo de orelha a outra, sumindo de novo logo depois.

— CORTA! — gritou uma voz estrondosa no fundo do estúdio. As luzes se acenderam sobre o corredor improvisado, e um grande suporte de microfone foi retirado de cima. — Wonwoo, volta aqui!
O garoto, “Nicky”, voltou ao cenário pelo mesmo lugar, agora mergulhado em luz branca, com as sobrancelhas franzidas. Sentado há alguns metros, o diretor baixou os óculos até o peito e coçou os olhos, com certa impaciência.
— O que houve? — perguntou Wonwoo, com os ombros levantados.
— Eu já não disse que o Nicky ainda não vai dizer “eu te amo” pra Welker? — Chester Dafoe, grande nome em Hollywood, disse em tom óbvio, arqueando a testa. — Que essa declaração será depois do baile de formatura, quando ele estacionar o carro na calçada da casa dela? E depois ela recebe a notícia de que vai estudar fora do país…
— Qual é, Chester, tá na cara que ele a ama. — Wonwoo estalou a língua, balançando as mãos como se a advertência não fosse importante. — Pra que precisamos ficar esperando? Se ele vai dizer mais cedo ou mais tarde, mesmo se for dentro daquele carro laranja terrível que a produção…
— Diga por você, Jeon. — “Welker” disse, ou melhor, Elvira Beecham, atriz em ascensão, afastando uma das mãos da staff que insistia em retocar sua maquiagem. — Como ele pode dizer que a ama antes do jogo se vai ter uma atitude desprezível depois dele?
— Você está falando no beijo com a Sharon? Aquilo foi totalmente roubado, Nicky não teve culpa…
— E acha que Welker vai pensar isso na hora? Quando ver os dois no maior amasso na frente de toda aquela gente, francamente.
— Welker poderia pensar nessa declaração de antes e ser mais flexível com a situação depois, não acha? Mas não, preferem que seja no final do filme dentro daquela coisa laranja que você certamente pintaria suas unhas! — Wonwoo deu um passo à frente, impaciente.
— Lá vamos nós… — o diretor revirou os olhos, recostando-se novamente na cadeira.
— O que você esperaria que um jogadorzinho de futebol americano dirigisse, Jeon? Aquela coisa nova e brilhante que você pilota por aí? Bem, se contente com Nicky e seu Camaro velho e brilhante, então…
— Vai começar com seu papo anticapitalismo, sério mesmo? Acha mesmo que um estudante dos anos 90 não ia querer um carro igual o meu…
— Você é muito convencido…
— Tá legal, já deu! Tempo! — Chester bateu palmas novamente, desta vez mais altas e firmes, chamando a atenção do elenco que se encarava com fúria. — Quero muito brigar e demitir os dois agora mesmo, mas sempre me esqueço que vocês são ótimos quando não estão nessa coisa idiota de se odiarem, então podem fazer isso outra hora, que tal? Vou cortar a declaração do Nicky e não está mais em questão. — Wonwoo o fuzilou com os olhos, mas se deu por vencido. — Vamos dar um intervalo de 30 minutos para a próxima cena, preciso tomar um calmante pra aguentar vocês até o fim do dia. Céus, por que são tão bons na frente das câmeras…
O homem se levantou, sendo seguido por pelo menos três pessoas em prontidão com pranchetas e crachás até saírem por uma porta larga. Em alguns instantes, os maquiadores e demais funcionários do set também acharam que era uma ótima hora para um café.
E então, antes de ser chamado pelo empresário, que provavelmente daria mais uma bronca pela forma como tratava a colega de elenco, Wonwoo olhou para Elvira com uma expressão diferente, suavizada. Com um pequeno aceno, ele inclinou a cabeça para o lado, direto para a outra porta contrária do diretor, em direção ao camarim, e abriu um sorriso curto e discreto.
Elvira olhou para os lados antes de morder o lábio inferior e concordar, sorrindo sem tirar os olhos dele. Aquele era claramente um olhar de Nicky e Welker, ou os olhares de Nicky e Welker não passavam de uma demonstração realista de Wonwoo e Elvira.
Ambos sorriram. Ambos eram cúmplices.
Ela o viu andar rapidamente para a porta e esperou exatos três minutos antes de correr para o mesmo caminho.
Afinal, Nicky realmente tinha dito “eu te amo” na hora certa. E Wonwoo igualmente aproveitou a oportunidade.




FIM.


Nota da autora: sem nota.


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