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Autora Independente do Cosmos 🪐

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Escrita por Mia Rossi 🧚‍♂️

Última Atualização: Agosto/2024

CAPÍTULO 01:

MINHA GÊMEA EM EASTVIEW

A cidade de Eastview sempre fora um lugar chatinho demais na opinião de .

Os bairros vitorianos, as casinhas de teto baixo, os quintais exageradamente enfeitados e os cães que não pareciam nem saber latir sempre passaram-lhe uma impressão muito falsa para o gosto dela. Como se estivesse dentro de um cenário de filme, que logo seria demolido quando as gravações acabassem. Um lugar silencioso demais, tranquilo demais. Com tantos cantos de passarinhos que chegava a ser irritante. Ela gostava era da cidade grande, dos dias agitados, das luzes de faróis que refletiam as pistas à noite, dos prédios altos e dos horários de pico que sempre lhe passavam uma sensação de pertencimento, de fazer parte de algo. Como se o fato de ser uma mera coisinha em meio ao mundo fizesse a diferença.

Mas Lyla nunca pensara dessa forma. Ela vivia lhe dizendo isso.

— Nada a ver — resmungava ela, sempre seca e com aquele ar afetado. — Você consegue ser vista com muito mais facilidade por aqui. Tudo é mais fácil de conquistar, porque ninguém tentou antes de você.

costumava revirar os olhos quando ela dizia isso, observando-a tomar um gole de água de sua garrafa Stanley e apoiar-se sobre o balcão ao deslizar o dedo pela tela do iPhone.

— A vida não é só sobre conquista, Lyla — respondia tediosamente. — As oportunidades em metrópoles são muito maiores.

Mas Lyla nunca gostara de estender muito o assunto. Normalmente ela dava de ombros e saía, os cabelos longos e lisos deslizando pelas costas acima da sainha de líder de torcida.

Quase sempre que visitava Lyla em Eastview, a encontrava com o típico uniforme das torcedoras: uma roupinha azul e branca absurdamente curta que sempre vinha acompanhada por um laço na cabeça. Lyla era vaidosa, ainda mais que . Ela quase sempre estava maquiada e com algum penteado no cabelo, e, é claro, andando pra lá e pra cá com sua garrafinha de estimação, que a cada verão parecia estar ainda mais decorada com glitter; como se um unicórnio tivesse a vomitado.

não gostava muito de visitá-la. Era estranho. E não só porque elas eram irmãs gêmeas que não viviam juntas, mas também porque e Lyla nunca se deram muito bem. Sei lá, simplesmente sempre fora assim. Elas não tinham muito em comum. Lyla era mandona e irritante. E gostava do silêncio e de ficar na dela. Suas principais lembranças com a irmã eram da infância, de quando viviam brigando pela posse de um brinquedo ou querendo trocar de canal na televisão. Lyla era muito chata. Ela sempre queria pegar a boneca que estava brincando e mudar o canal de TV só para importuná-la. Parecia que ela fazia de propósito. Lyla sempre tinha que discordar de em tudo.

Foi aos dez anos, quando seus pais se divorciaram, que tudo mudou. insistiu em mudar-se para New York com ele. Seu sonho sempre fora viver na cidade grande. E embora sempre tivesse amado morar com sua mãe, ela e o pai tinham uma relação agradável. Eles riam juntos, mais do que ele com Lyla. Pensavam parecido e amavam jogar xadrez. Tinham formas de pensar semelhantes. Podia dar certo.

É claro que, de início, sua mãe não gostou nem um pouco da ideia. Queria que as meninas ficassem juntas. Mas insistiu que ficaria tudo bem, e que poderia voltar para casa em Hallow se não se adaptasse. Sua mãe concordou, tendo quase certeza que estaria de volta em alguns meses. Mas isso não aconteceu.

Um ano depois, sua mãe informou em um encontro de páscoa que ela e Lyla se mudariam para um novo lugar. Eastview. Ela parecia empolgada com a ideia de viver num lugar que parecia a exata personificação do sonho americano. Subúrbios enfeitados, famílias silenciosas e boas escolas. Um local para viver em paz e em harmonia. Os cartazes de anúncio de novos bairros que sua mãe mostrara causaram em um tédio enorme. Mas Lyla parecia empolgada com a ideia. Então elas se mudaram.

Como Lilian sempre odiara cidades grandes, quase sempre que se encontravam era em Eastview. e seu pai costumavam ir durante as férias, ou nos feriados comemorativos. Eles se reuniam no sobrado bonitinho e silencioso da mãe em Eastview e assavam mashmallows, faziam sessões de fundue e conversavam sobre as maiores novidades na vida um do outro. As conversas eram quase sempre agradáveis. Seus pais costumavam ficavam em lados opostos do balcão da cozinha, e focavam em rir e falar sobre as filhas. Lyla era sempre a que mais contava alguma coisa. Toda vez ela parecia ter milhões de novidades diferentes. Por mais que, na opinião de , não fossem assuntos lá tão interessantes.

não se impressionava muito ao vê-la. Embora ambas estivessem crescendo, as mudanças faciais de Lyla eram as mesmas que as de . Ter uma gêmea idêntica tinha essa vantagem. Você sempre se enxergava no rosto da outra. Elas cresciam da mesma maneira.

Uma vez, durante um desses encontros, as duas ficaram sentadas em lados opostos do balcão da cozinha numa noite de sexta-feira, quando Lyla se inclinara para frente e dissera:

— Bem que a gente podia pregar uma peça nas pessoas. Seria legal, já que você quase nunca vem aqui. Acha que alguém ia perceber? — Ela sorria travessamente. Isso irritava . Na verdade, tudo em Lyla irritava . Sua existência por si só já era bem irritante.

tinha franzido a testa nesse dia.

— Não sei. Mas pra quê?

— Pra ver se confundem a gente, é claro. Se perceberiam que você tá fingindo ser eu. Seria demais.

revirara os olhos, voltando a encarar seu celular. Estava conversando com Max nessa época, um garoto bonitinho da sua aula de espanhol.

— Acho meio infantil, na verdade — costumava responder.

No entanto, ainda que não houvesse sequer dado atenção para a ideia de Lyla, já pensara nisso. Realmente podia dar certo. As duas não tinham muitas mudanças em seus traços até aquele momento. O cabelo delas devia ter praticamente do mesmo tamanho. Os olhos de Lyla só eram um pouquinho mais juntos que os de , e suas sobrancelhas eram mais finas; Lyla provavelmente as acertava sempre. Mas, fora isso, eram idênticas. Completamente iguais. Gêmeas de verdade, assim como o tio delas; irmão mais velho de seu pai. As garotas eram o xodó da família, que adoravam o fato de serem tão parecidinhas. Seus avós queriam sempre vesti-las iguais, o que causava um nervoso imenso nas duas, especialmente quando entraram na adolescência. Elas não gostavam de receber os “ownnn, que fofinhas, estão tão grandes!” dos parentes em todo encontro de família. Era irritante. Gostavam de ser vistas como seres únicos e individuais, uma das raras coisas na qual ambas concordavam.

Isso era algo que gostava muito no fato de viverem separadas. Suas vidas e rotinas distantes eram boas para que criassem suas próprias personalidades, sem basearem-se muito uma na outra ou criar algum tipo de dependência; como sua psicóloga costumava dizer. Lyla também tinha uma em Eastview. Seus pais achavam importante que frequentassem um profissional para que a distância não as afetasse tanto.

No entanto, precisava confessar que haviam se afastado mais que o normal nos últimos meses. Estavam com dezesseis anos e as rotinas tornavam-se mais corridas. Seu pai arranjara um novo emprego, e passava pouco tempo em casa agora. arrumara um emprego de meio período num café vintage no Brooklyn e tinha alguns amigos legais do colégio, então saíam de vez em quando para ir ao cinema ou a teatros meio hippies. Ela trocava mensagem com a mãe e com Lyla, mas normalmente não tinham muito assunto. Era complicado.

Por isso, levou um susto quando, numa tarde de sexta-feira, recebera uma mensagem estranha da mãe em seu celular. havia acabado de receber uma gorjeta boa e se abaixara atrás do balcão, lendo o recado na tela bloqueada.

Filha atende o telefone, preciso conversar é urgente.

Ela não demorou a pegar o aparelho e retornar para a mãe. Levou o celular à orelha e levantou-se outra vez, conferindo a entrada da cafeteria quando sua mãe atendeu.

Uma movimentação estranha soava do outro lado. O telefone chiava e muitas vozes pareciam falar alguma coisa. Sua mãe gritou no bocal para ela:

, fala com seu pai agora. Preciso que vocês venham para Eastview ainda hoje.

franziu a testa e afastou o telefone um pouco. A voz de sua mãe estava suplicante, quase chorosa.

Algo estava errado. percebeu isso de imediato. Ela podia sentir.

Seu coração se acelerou e seu corpo esquentou em puro pânico quando aproximou o telefone outra vez:

— Mãe, como assim? Hoje? Por quê? O que aconteceu?

Sua mãe gritou outra vez, ofegante:

, fala com seu pai. Ele não atende o celular e eu tô ligando pra vocês faz horas e ninguém atende. Arrumem as malas e venham pra cá ainda hoje. Aconteceu alguma coisa com a Lyla.

A cafeteria pareceu dar uma entortada. ficou parada, o corpo estático.

Hãm? Como assim, mãe, eu… o que tá acontecendo?

Ela demorou para responder dessa vez; falou algo para alguém ao fundo, e, quando voltou para a chamada, baforou contra o bocal naquela voz afobada:

, sua irmã desapareceu.

Um cliente entrou na loja, mas não prestou atenção nele.

Naquele instante, seu mundo todo pareceu explodir.


CAPÍTULO 02:

MUDANÇA BRUSCA

sentia-se como se estivesse bêbada conforme avistava as árvorezinhas correndo para trás, uma após a outra, rápidas e rasteiras, abandonando-a junto ao carro.

O mundo não parecia real. Nada daquilo parecia. Era como se seu cérebro não funcionasse direito, como se a ficha não caísse. Ela não compreendia. Não conseguia entender que estava no carro, ao lado de seu pai, sufocada pelo cinto de segurança enquanto pensava. Partiam para Eastview, o que era muito estranho; pois nunca iam para a cidade no meio do ano. Suas rotinas tiveram uma curva brusca, o que confundira toda a mente de .

Nada parecia real. Seu pai digirindo ao seu lado não parecia real. O silêncio na estrada não parecia real. Nada daquilo fazia sentido.

observou suas mãos, pairando acima dos joelhos, cobertos pelos jeans que só usava em ocasiões importantes. Sentia frio, e o relógio não passava das oito da manhã. Ainda estava sonolenta pela viagem abrupta, tendo que piscar de vez em quando para a cabeça não cair para frente.

Em sua mente só se passava uma coisa, no entanto. Minha irmã sumiu. Não fazia sentido. Lyla jamais fora de fazer essas coisas. E sua mãe mal explicara o que estava acontecendo pelo telefone. Só saberiam quando chegassem lá, mas o clima no carro era tão pesado que sentia como se estivessem indo a um velório. E era quase isso, mesmo.

Seu pai não falava. Não queria conversar. Estava sério, focado em dirigir e em xingar os carros que ficavam em sua frente na estrada. Haviam pego um avião e agora dirigiam até a cidadezinha, e o nervoso de era tanto que ela não sabia o que era pior: continuar nesse clima de morte ou chegar em Eastview. E se a situação fosse pior do que ela pensava? E se as notícias fossem péssimas, terríveis? E se chegasse lá e de repente encontrassem o corpo de sua irmã dentro de um balde ou algo assim, como acontece nos noticiários?

sentia-se muito mal de repente. Era como se todos esses anos que mantivera-se afastada de Lyla batessem sobre ela agora como uma nuvem pesada, a culpa quase lhe matando. Mais cedo naquele dia, ela havia aberto sua conversa com Lyla e lido todas as mensagens que tinham trocado nos últimos meses. Foram poucas. E nenhuma delas indicava nada que pudesse explicar o pesadelo daquela manhã.

Nervosa, pegou o celular novamente e desbloqueou a tela, a conversa com Lyla ainda aberta. Começou a consultar as mensagens.

mamãe disse que vc tem um encontro hj
com quem é?
14:03

🙄🙄🙄🙄
não era nem pra ela ter te contado
não é nd demais, um carinha aí
15:00

hum
bom encontro, então
15:10


tá ocupada demais pra atender o telefone?
o pai quer falar com você. retorna pra ele
11:06

se eu quiser falar com ele eu mando mensagem diretamente pra ele. me deixa em paz,
11:30



feliz aniversário
12:34

obg pelo vácuo, Lyla 👍🏻
18:03



a mãe tá por aí? queria falar cm ela
19:07

vc pode me responder pelo mesmo uma vez na vida????????
19:45

ela tá ocupada,
deixa de ser insuportável e manda msg direto pra ela
20:19



parou de ler quando o carro brecou subitamente. Olhou para cima, vendo que o trânsito havia parado. Vários carros aguardavam em frente. O sol já surgia com força acima das nuvens, placas verdes posicionadas no alto.

EASTVIEW
14km

Era isso. Estavam chegando.

olhou para o celular mais uma vez. Quem visse aquelas mensagens pensaria que elas estavam brigadas ou algo assim. Mas a verdade é que Lyla sempre fora daquele jeito. Ela já nascera sendo insuportável.

pensou um pouco. Mordeu o lábio e clicou em Mensagem. Então escreveu algo. Analisou e clicou em enviar.

onde foi que vc se meteu?
estamos chegando agr em eastview
é bom vc ter uma boa explicação pra fazer a gente viajar de NY assim por sua causa
até.
09:10

Em seguida, suspirou. Olhou para seu pai e então para frente. Logo se juntou a ele em meio ao silêncio.

Permaneceram assim até chegar a Eastview.


CAPÍTULO 03:

A CHEGADA DA IRMÃ GÊMEA

onde foi que vc se meteu?
estamos chegando agr em eastview

A mensagem piscou e brilhou sob a tela de um celular, que repousava acima de um conjunto bem dobrado de roupas de cheerleader. Quem o visse, talvez não o reconhecesse imediatamente. Talvez chegasse a pensar que era um uniforme qualquer, uma peça não utilizada. Mas não. Aquelas roupas tinham dono. Assim como o aparelho que brilhava incessantemente à espera de uma resposta.

é bom vc ter uma boa explicação pra fazer a gente viajar de NY assim por sua causa
até.
09:10

Mais mensagens chegavam: uma após a outra, piscando e desaparecendo após serem engolidas pela escuridão do telefone outra vez. Ninguém estava ali para recebê-las. Ninguém podia lê-las ou alcançá-las.

Ou, talvez, quem sabe, pudesse.

De toda forma, era algo que não poderiam desvendar.

E isso era o que mais lhe agradava.

***

avistava o movimento dos carros conforme apagava a ponta do cigarro no asfalto.

O sol estava forte, impedindo-o de ver com clareza o que acontecia do outro lado da vizinhança. Era um dia movimentado, especialmente com a notícia que espalhava-se pela cidade como um burburinho fantasma.

Esse era o problema de morar num lugar muito pequeno. Quando acontecia algo grande ou fora do comum, o caos se instaurava completamente.

observou um grupo de meninas passar perto dele, desfilando nas sainhas de líder de torcida, as três cochichando com agitação umas com as outras; um grande olhar de assombro pairando pelos rostos embonecados.

— Você ouviu? Ela desapareceu!

— Será que foi por causa daquele rumor?

— Meu Deus, ela deve ter morrido!

Seus cochichos eram como exclamações agudas. Isso que os folhetos não haviam nem começado a ser espalhados.

bufou, levantando-se. Ajeitou o casaco de couro preto e preparou-se para vazar dali quando, de repente, um carro brecou no meio-fio, os pneus chiando ao estacionar abruptamente em frente à delegacia do outro lado da rua. As portas abriram-se com violência, duas pessoas surgindo de dentro do veículo.

franziu a testa, estudando-as.

Uma garota de cabelos compridos marchava em direção à entrada, parecendo falar alguma coisa. Usava jeans escuros e uma jaqueta marrom. Quando ela virou-se na direção dele rapidamente, os olhos de se arregalaram.

Puta merda. Fazia tempo que ele não a via; a maioria das pessoas, na verdade. E ainda que fosse estranho vê-la ali, a imagem tremeluzindo como se estivesse prestes a desaparecer, ali estava ela. Lyla. Ou será que… não?

ouviu a voz dela quando a menina falou um pouco mais alto. Parecia afobada, tensa. O homem aproximou-se dela e ambos entraram na delegacia, sumindo de vista.

ainda encarava a fachada solitária com os lábios franzidos, os olhos verdes semi-cerrados diante daquela visão. Ainda com uma mão no bolso, puxou outro cigarro e segurou-o pela boca, arrancando o celular do bolso traseiro com dificuldade quando ouviu-o vibrar.

Era uma mensagem. Não direcionada a ele; haviam mandado no grupo do colégio, mais especificamente entre os alunos do terceiro ano. Usavam para discutir sobre tarefas e tirar dúvidas com os professores, embora agora todas as mensagens fossem voltadas para um assunto em específico.

Ele leu o recado pela notificação em aberto.

a família da Lyla acabou de chegar na cidade
e a irmã dela também
estão na delegacia
10:40

Oh.

Então era isso.

se lembrava de ter ouvido algo sobre o assunto. Por mais que a informação fosse tão pouco discutida que ele tivesse chegado a pensar que se passara apenas de uma mentira ou um rumor equivocado.

Mas era verdade, então.

Lyla Brown tinha uma irmã gêmea.

jogou o celular dentro do bolso outra vez e sacou seu isqueiro, acendendo o cigarro com os olhos ainda vidrados na fachada decadente da pequena delegacia de polícia de Eastview. Um vulto de cabelos escuros passava pela janela do segundo andar, e pôde jurar ter enxergado lacinhos azuis e uma roupinha de líder de torcida antes de virar-se e rumar para longe; ainda que soubesse ser apenas um reflexo de seu cérebro à perturbadora visão de uma gêmea.

Outra Lyla Brown… era a última coisa de que aquela cidade precisava.

Aquilo não ia prestar.

E soube de imediato que as coisas estavam bem, bem longe de ficarem em paz em Eastview.

E agora, como se não bastasse o terror que fora Lyla Brown, Eastview também teria que lidar com seu fantasma.


CONTINUA...


Nota da autora: Quem será que é esse misterioso ? Eita meus amores, bora que agora nossa pp está oficialmente em Eastview. QUE OS JOGOS COMECEM!


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