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Independente do Cosmos🪐

Última Atualização: 02/09/2024

Seu tímpano ainda parecia reverberar, seguindo uma batida que ele não sabia se era o eco persistente de seu amplificador recém-abandonado ou apenas uma tentativa de seu coração de mostrar que estava prestes a explodir e pular pela boca.
A segunda opção parecia mais coerente. Especialmente quando aqueles morcegos horrorosos continuavam se arremessando contra o alambrado, expondo as presas e guinchando.
Mas mesmo com a confusão do som intruso, ele pôde facilmente compreender o que estava acontecendo quando o barulho lá fora mudou:
— Eles estão no teto — Eddie disse, erguendo sua lança improvisada e torcendo para que Erica tivesse feito um bom trabalho com ela.
— Merda, merda, merda, merda, merda — Dustin continuou repetindo, mudando o foco de seu olhar para onde o amigo apontava. Com alguns passos, ele enxergou o verdadeiro problema. — Eles não conseguiriam entrar, né?
Em um rompante, imediatamente seguido pelos gritos dos dois, a ventoinha foi brutalmente quebrada por um daqueles pequenos demônios grotescos.
— Morram! Morram, seus merdas! — Dustin bradava, enquanto impulsionava a lâmina para o alto, buscando acertá-los antes que pudessem tomar a péssima decisão de entrar.
O mais velho seguiu seus movimentos, imitando-o e impedindo que os bichos os alcançassem. Precisavam ganhar para os outros o máximo de tempo que conseguissem. Aquilo não seria o suficiente para atrasá-los.
Eddie olhou ao redor, tentando pensar em alguma forma mais efetiva de lidar com o problema. Lanças enfiadas em um buraco no teto não seriam o bastante. Não quando eles eram dois e aqueles malditos eram pelo menos várias dezenas.
— Eddie! — Dustin berrou. — Eu preciso de você.
Foi então que ele viu. Era óbvio. Qual era a melhor opção para lidar com um buraco indesejado?
— Sai da frente! — Gritou de volta e, assim que o garoto se retirou de seu caminho, Eddie empurrou uma cadeira dobrável de metal, fincou os pés sobre ela e forçou o escudo cheio de pregos contra a entrada.
As asas passaram a bater novamente; o som cada vez mais baixo, tornando-se distante. Eddie só percebeu no momento em que abaixou os ombros que estava segurando o ar.
— Puta merda — disse, respirando fundo.
Dustin parecia tão atordoado quanto ele.
— Boa.
— Valeu.
Entre uma respiração profunda e quase paradoxalmente entrecortada e outra, tiveram tempo de tocar as mãos no alto. A sensação de alívio, contudo, durou muito menos do que eles gostariam.
— Tem outros dutos? — Dustin o questionou.
— Ah, merda — Eddie praguejou antes de correr para o lado oposto, torcendo para que não fosse tarde demais. — Merda, merda, merda.
Antes que pudesse reagir, os monstros surgiram em sua frente. A única coisa que ele poderia fazer era fechar a porta entre eles e torcer que o material — seja lá do que fosse feita aquela porcaria — fosse resistente o bastante.
Não precisou de muito tempo para ter a resposta para sua pergunta.
— Isso não vai dar conta! — Dustin berrou, desesperado, atrás do amigo que ainda empunhava sua lança e o outro escudo que tinham feito com tampas de lixo.
Cada segundo que passava equivalia a uma rachadura na porta. Uma rachadura que só se tornava maior e mais ameaçadora, esfregando na cara deles o presságio inevitável de seu próprio fim.
“Nada de tentarem ser os heróis” — a voz de Harrington ecoava em sua mente. No fundo, eles sempre souberam que não poderiam vencer.
— Vamos! Anda!
Manteve a guarda enquanto o garoto subia pelo lençol amarrado, retornando para a versão de sua casa que ficava em outro plano. Um plano em que os monstros eram as pessoas e não morcegos famintos que estavam possuídos (de forma mais literal do que o necessário).
Dustin aterrissou no colchão sem muita classe. Não havia tempo para manobras, acrobacias ou boas notas em uma prova de ginástica artística das Olimpíadas. Abriu logo o espaço para permitir que o amigo descesse.
O barulho na porta se tornou mais alto. A sinestesia perfeita entre som e imagem, parecendo que o único obstáculo entre eles se romperia a qualquer segundo.
— Eddie, vem logo!
Ele soltou a lança e o escudo, impulsionando o corpo para frente. Mas parou. O que é que ele estava fazendo?
— Anda, Eddie! Vem logo!
Existia uma teoria de que, ao se encontrar à beira da morte, uma pessoa seria capaz de ver flashes da sua vida passando sob seus olhos, recapitulando os capítulos anteriores, apenas para que o livro pudesse encontrar sentido para aquele epílogo. E foi naquela fração de segundo que ele a viu.
Chrissy, tão aflita e perdida, precisando de um ombro amigo muito mais do que das drogas que pensava serem a melhor opção. Chrissy que enfrentava seus próprios demônios com um sorriso simpático e a garantia de que estava tudo bem e ninguém precisava se preocupar com ela, muito obrigada. Mas ele se preocupara. E, mesmo assim, isso não tinha sido suficiente para evitar que seus ossos fossem quebrados e sua vida retirada por aquele monstro maldito bem diante dos seus olhos.
Não era justo. Nada em toda aquela história era justo. Mas o que mais lhe consumia por dentro era que, por mais que provavelmente não pudesse salvá-la, ele sequer havia tentado. Ele tinha fugido.
Ele não aguentava mais fugir. E sabia que jamais conseguiria viver com o fardo de, mais uma vez, não ter tentado.
— Anda logo, Eddie! Está super perto! — Dustin berrava, pulando no próprio lugar sem conseguir conter a própria energia que se acumulava ao epítome de seu desespero.
Eddie deixou a força se esvair dos nós dos dedos que agarravam o lençol, retornando ao chão.
O amigo continuava olhando para o alto, sentindo o desalento preencher o peito. Uma angústia que ele não conseguia verbalizar. Uma súplica que mal conseguia sair de seus lábios:
— Eddie!
Mas ele parecia tomado por um ímpeto de objetividade e certeza que nunca antes havia sentido. Virou-se para trás, encontrando a lança que há pouco havia abandonado em sua rota de fuga. Dustin se deu conta do que estava acontecendo.
— O que está fazendo? Eddie, não! — Os gritos faziam sua garganta doer, com as palavras quase literalmente cuspidas com toda a agonia que lhe invadia como uma machadada bem no meio do tórax.
Em um movimento decisivo, cortou o lençol que servia de ponte para o portal entre mundos. Afastou o colchão e se armou novamente.
— Eddie, pare! Eddie, o que você está fazendo?
— Estou ganhando tempo.
— Não! Eddie, por favor!
As lágrimas que corriam pelo rosto de Dustin eram evidências do mais completo desespero. Não era esse o plano; não era esse o plano. O plano era distrair os morcegos e voltar em segurança, não perder um de seus melhores amigos.
Ele levou as mãos à cabeça, apertando o gorro contra os cabelos, sentindo vontade de puxá-los com força, na vã tentativa de criar uma dor física que pudesse se sobressair àquela.
Quando Eddie sumiu de seu campo de visão e abriu a porta do trailer, correndo em direção à eterna noite do Mundo Invertido, Dustin soube que nenhuma dor jamais conseguiria ser maior.
Ignorando os gritos do amigo, o mais velho pegou a bicicleta e saiu em disparada em direção a qualquer lugar. Precisava atrair as criaturas para longe dali. Longe dos portais e longe da possibilidade de fazerem mal novamente a quem ele amava.
A adrenalina era suficiente para compensar todas as várias horas de exercício aeróbico que ele não fez. Suas pernas pedalavam o mais rápido possível, sem sentir fadiga muscular por um segundo sequer. Era só disso que ele precisava. Mais tempo.
O céu salpicava em raios vermelhos, nuvens e neblina entremeadas por uma iluminação digna de filme de terror, enquanto os morcegos faziam questão de gritar durante todo o trajeto atrás dele, apenas lembrando-o de que estavam ali e não pretendiam ir embora. Como se ele pudesse se esquecer.
— Venham me pegar, seus putos!
Ele encontrou força para pedalar ainda mais rápido, impulsionando os pés contra os pedais e inclinando o corpo para frente intuitivamente. Só precisava ir mais longe, um pouco mais…
Tudo o que sentiu foi o impacto na lateral do corpo, roubando-lhe o ar e o levando de encontro ao chão.
De alguma forma, tinha conseguido rolar durante a queda e logo se colocou de pé, correndo o quanto podia.
Um daqueles monstros teria que pará-lo, talvez o próprio Vecna. Mas nenhum deles precisou se dar ao trabalho. Eddie interrompeu sua passada por si só, invadido pela memória da própria voz, dizendo as palavras que mais lhe envergonhavam em todos os seus quase vinte anos de vida.
“Eu não sabia o que fazer, então eu fugi. Eu fugi e a deixei lá.”
Não. Não dessa vez.
“Olhe só para a gente. Estamos longe de ser heróis.”
Será mesmo? Eddie não sabia exatamente o que diabos significava ser um herói. Tudo o que ele sabia era que heróis nem sempre venciam, mas, ao menos, morriam tentando.
Com a lança empunhada e o escudo em posição de defesa, virou-se para a revoada no céu, trazendo tons ágeis de preto para aquela gênese de tempestade vermelha.
Era como se aqueles bichos estivessem tão afoitos e sedentos que, mesmo eles, precisaram de um tempo para perceber que sua presa havia decidido lutar.
Com um grito estridente, um dos morcegos se jogou em sua direção, sendo logo seguido por todos os outros.
Munson se colocou atrás do escudo, livrando-se de alguns deles que se jogavam em direção ao próprio fim sem muito pensar.
Suas contas deveriam estar erradas, ele percebeu. Não eram apenas dezenas. Com certeza havia centenas daqueles desgraçados apenas esperando por um movimento errado seu.
— Venham!
E eles obedeceram. Entre atacar com a lança e se defender com os pregos, Eddie parecia absorto em uma complexa e minuciosa coreografia do caos. Os morcegos atacavam gritando e caíam gritando. Ele já estava cansado deles.
— Sério, pessoal? — Perguntou, enquanto tomava fôlego. — É assim que vocês agradecem pelo melhor show da vida miserável de vocês? Quanta ingratidão.
Mais gritos pareciam ser a única resposta que ele receberia. Isto e a sede de sangue daqueles dentes afiados que conseguiam chegar cada vez mais perto de seu rosto. Eram muitos e, por mais que vários já tivessem encontrado o chão pela última vez, parecia que mais e mais vinham de alguma fonte inesgotável de criaturas asquerosas.
Eddie não sabia por quanto tempo mais aguentaria, mas não parecia muito. E dessa vez, nem era o seu cômico pessimismo característico falando.
Em um descuido de uma fração de segundo, sua lombar havia ficado exposta. O grito provocado pela dor lancinante das presas enfiadas profundamente em sua carne parecia ter conseguido superar em altura o som de ‘Master of Puppets’ de sua guitarra ligada ao amplificador. Se ainda tivesse algum canto daquela realidade que não o tivesse ouvido antes, com certeza não tinha escapado de ouvi-lo agora.
— Seu puto — Eddie xingou entre os dentes, fincando a lança bem no meio do corpo asqueroso daquele sanguessuga maldito. — Por que não arranja algo melhor para fazer?
Os cabelos estavam grudados no rosto e na nuca. A bandana ensopada colava contra a testa. A mão direita já tinha se adaptado tanto ao formato da haste da lança que ele duvidava fortemente que seria capaz de soltá-la quando isso acabasse.
Isto é, se ele saísse vivo dessa.
Ao ver a quantidade deles ainda sobrevoando, ele precisava ser realista. As expectativas não eram as melhores. Mas era de tempo que ele precisava. Nada mais do que isso.
— Isso é tudo que vocês têm? — Ele ouviu a própria voz vacilar entre a risada quase maníaca. O lugar onde fora mordido ardia feito o inferno e ele teve que se perguntar se, além de tudo, aqueles malditos não poderiam ter veneno. Realmente era só o que faltava. — Eu esperava mais de vocês.
Eles baixaram voos rasantes mais uma vez, atacando-o de múltiplos lados. Munson contra atacou como pôde, ainda conseguindo matar alguns e afastar outros.
Mais um maldito sorrateiro tinha conseguido encontrar sua pele, cravando os dentes em sua panturrilha. Eddie quase uivou de dor.
— Desgraçado — praguejou, arrancando-o com a lança.
A tempestade vermelha parecia estar aumentando, o tempo também se fechando como se em uma contagem regressiva para o ‘grand finale’. Se aquele ainda era o começo, ele tinha quase certeza de que não queria conhecer o fim.
Em um relâmpago que caiu perto demais, fazendo-o apertar os olhos em reação reflexa, o mundo estourou em um trovão estrondoso. Os morcegos se afastaram, alçando voo para longe, recolhendo-se para onde fosse a cova do mal deles.
Eddie respirou fundo, caindo de joelhos ao chão. A panturrilha atacada estava tremendo e todos os demais músculos estavam fracos, exauridos da batalha. Levou a mão trêmula às costas, encontrando a viscosidade residual do próprio sangue na ferida aberta.
Ele detestava sangue. Mesmo. Mas nunca tinha desmaiado por causa disso. Era estranha aquela sensação de formigamento que parecia vir caminhando das pontas dos dedos em direção aos braços. Os olhos pesavam e ele se sentiu mais cansado do que poderia explicar. Que esquisito. Talvez ele só precisasse descansar um pouco a vista.
— Eddie! Eddie!
Ele já não enxergava com a melhor das definições quando sentiu duas mãos quentes tomando sua cabeça e a apoiando em algo que ele não saberia reconhecer. Mas ele reconhecia aquela voz em qualquer lugar.
— Henderson — murmurou, em reconhecimento. Uma risada fraca escapou de seus lábios. — O que você está fazendo? Era para estar em casa. Isso não é hora de criança ainda estar fora da cama.
— Eddie. — A voz era chorosa. Por que ele estava chorando? — Por que você fez isso?
Ele tentou dar de ombros. Não sabia se tinha conseguido movimentá-los.
— Eu só estava brincando um pouco, Henderson. Nada demais. — Ele sentiu a respiração sendo recebida pelas narinas entre picotes. — Dessa vez eu não fugi, né?
As mãos de Dustin tremiam sob sua nuca. Eddie conseguiu ver o rosto do amigo, tomado de preocupação e um pesar que ele não compreendia.
— Você vai ter que cuidar da pirralhada por mim, tá? Diga que vai cuidar deles.
— Eu vou cuidar deles — respondeu, com a voz embargada.
— Que bom. Porque acho que finalmente vou me formar. Acho que esse é meu ano, Henderson. Acho que é finalmente o meu ano.
— É claro que é. Então aguenta firme, cara. Por favor.
Eddie sorriu de leve, deixando que os olhos se fechassem, pesando mesmo com a luz incômoda dos raios.
— Relaxa, Henderson. São só uns machucados de nada. Eu não vou a lugar algum.
Dustin o chamou repetidamente, implorando para que ele continuasse acordado; continuasse com ele. Mas Eddie sabia que podia fechar os olhos só um pouquinho. Estava mesmo muito cansado.
— Eu te amo, cara.
Só precisava de um tempo.





Continua...


Nota da autora: 1, 2, 3, testando... 1, 2, 3, testando...
Ah, oi! Tudo bem? Quanto tempo, né; eu sei...
Esse último ano foi um grande surto coletivo na minha vida e eu simplesmente abandonei a escrita porque não conseguia mais. Eu sequer tinha vontade de produzir algo. Pra ser sincera, eu perdi o controle de muita coisa.
Mas aí o fim da faculdade que sugou minha alma começou a se aproximar, meu lado criativo decidiu me pentelhar e eu vi o ficsverse nascer, tão lindo e cheio de amor, e pensei 'hm... e se...?". E cá estamos. Eddie's Lullaby está de volta ao mundo!
Assim como disse na primeira vez em que postei essa história, eu não consigo não chorar com esse primeiro capítulo. 'Nossa, então você se acha tão boa escritora assim?' Não. Eu só me lembro automaticamente da cena e sofro tudo de novo. A possível perda do Eddie me destruiu na primeira vez em que assisti à temporada e me consome até hoje. EU NÃO ACEITO!
E meio que foi por isso que, lá atrás, essa fic nasceu. Tem que ter outra versão.
E essa é a minha.
E eu espero que gostem, de verdade!
Qualquer crítica, ofensa, sugestão, comentário, deixem aí ou me procurem nas redes sociais/grupo do ficsverse!
Um beijo e um queijo (que saudades de falar isso!),
Mi