━Autora Independente do Cosmos.
Encerrada ✔️
Os olhares estavam por toda parte, assim como as hashtags e comentários, que pertenciam à toda Universidade de Seul. Até mesmo a bibliotecária o olhou de forma diferente quando disse que o texto em arcano que ele queria pesquisar já havia sido retirado por outra pessoa. A pitada cômica daquele sorriso era o prelúdio do que estava acontecendo, mesmo que ele não soubesse na hora o que estava acontecendo.
Não era que ninguém queria incomodá-lo com uma simples fofoca. Só era mais divertido rir e zombar de alguém que não tinha certeza sobre porque todos estavam olhando-o e apontando-o com curiosidade.
Mas isso não durou muito tempo. A situação o sobrecarregou assim que pisou no vestiário masculino do time de Hóquei da UNS, onde as risadinhas cessaram e o silêncio se alastrou por todos os cantos. Por ora.
— Mandou bem, ! — Vlad disse ao passar pelo garoto, dando um tapinha em seus ombros.
o olhou sem entender, mas o colega já tinha ido.
— Eu não esperava menos de você, camarada. — desta vez foi Lou, passando com o cabelo molhado e uma toalha enrolada na cintura.
juntou as sobrancelhas de novo.
— De que raios você tá falando?
Lou apenas riu e foi para o armário logo ao lado. esperou uma resposta, mas nada veio. Apenas as demais risadinhas e os olhares que o espionavam de canto.
— Tá legal, que porra é essa? — ele jogou a mochila e o taco no banco largo. — Gosto de elogios, mas gosto muito mais de contexto. Qual é o problema de vocês hoje? Tem a ver com o treinador? Ele vai nos premiar na próxima partida de inverno? Ganhei uma promoção? Sidney Crosby pediu um autógrafo meu?
— Pfff. — Truman zombou, motivando todo o time a cair na gargalhada. pareceu ficar ainda mais encabulado. — Ele não sabe de nada, fala sério! Cadê seu celular, gênio?
— Tá no meu armário, por q-
Uma luz se acendeu em sua cabeça. jamais treinava com seu celular por perto, mesmo que isso acarretasse grandes reclamações de seu pai (ele sempre procurava um tempinho para discutir placares de jogos antigos ou para ver se tinha feito a torta de maçã dos fins de semana). E também não fazia mal nenhum ter cautela; seus colegas de time eram incríveis, mas eles ainda conseguiam errar a mira do disco de um jeito vergonhoso.
Mas naquele instante, encarando os olhares furtivos em volta, ele notou que algo estava errado. Num pulo, andou até a portinhola de número 27 e a destrancou, puxando de lá o telefone, já vibrando com notificações chegando como loucas.
parou de contar o número de mensagens não lidas a partir da 630, e uma palidez seguida de uma vermelhidão de raiva tomou conta de seu rosto. A informação que estava lendo tinha partido de um único post anônimo, e a viralização da internet estava fazendo o resto. Estava lá, com todas as letras:
“Parece que Jung não perdeu tempo e já foi garantir a sua caloura — e da forma mais direta possível. De acordo com fontes confiáveis, o alojamento feminino recebeu a visita do vice-capitão dos Victors na calada da noite essa madrugada, e os gritos ouvidos do quarto da Sürer eram capazes de acordar o prédio inteiro. Achei que ela só se interessava por tinta acrigel, mas agora vemos que o Hóquei também é uma paixão da mais ardente. Será que temos um novo casal na Universidade de Seul?”
leu e releu o post várias vezes, procurando uma pista da identidade original de seu criador, mas sem sucesso. Sentiu os dentes trincarem, ao passo que os amigos agora riam com vontade, sem meios termos.
— Aí, ! Sério, você e a é uma surpresa e tanto, o maior plot twist que já existiu, meus parabéns! Palmas para o nosso vice-capitão! — Truman gritou mais uma vez, puxando as palmas junto com os demais.
respirou fundo, esquecendo-se de qualquer pesquisa acadêmica que precisava se apressar em fazer e sentindo nada além de confusão e raiva.
— Calem a boca! Vocês são malucos? — gritou por cima das vozes — Quem fabricou essa merda? Eu nunca fiquei com a .
— Ah, corta essa, ! — Lou disse, agora vestindo bermudas cáqui. — Ela mesma confirmou a história pra quem quis escutar. Bruni disse que ela até queria dar detalhes demais. — ele riu alto. Alguns outros o acompanharam.
— Como é que é? — estreitou os olhos. — A é louca, mas ela não faria-
— O que tem a ? — a voz séria veio da entrada, calando as demais falas imediatamente quando o capitão finalmente entrou.
Min era uma presença marcante. Algo que exigia cautela e espaços amplos e abertos, pois seu olhar era bem mais gelado do que a pista de hóquei e a aura podia ser sufocante. Pelo menos para os outros, que resgatavam toda e qualquer disciplina que haviam deixado em casa para não desrespeitarem o capitão.
Bem, era assim para o resto do mundo, não para Jung .
— O que tá acontecendo pra vocês estarem de papo furado aqui dentro? Esqueceram que também são estudantes? — continuou , sem encará-los, enquanto andava devagar até seu armário ao lado de . — Se a nota de vocês for tão lamentável quanto seus passes, vão perder a bolsa ou seu lugar no time, e é assim que querem dar orgulho pra Universidade? Sendo expulsos? — ele abriu a porta num tranco. — E vou repetir: que raios estavam falando sobre a ?
Ele virou-se para . Lou sussurrou algo para Truman, que deu uma risadinha nervosa, o que fez o camisa 74 sentir ainda mais raiva.
— Sua vizinha é uma maluca. — respondeu, com os dentes cerrados. — Mas vou tirar essa história a limpo agora mesmo. — ele pressionou o telefone no peito de , que o encarou sem entender, e saiu do vestiário, ainda vestido com o uniforme do treino. As risadas o acompanharam até que sumisse pelo corredor.
observou a maneira como pressionou os lábios e não riu nenhuma vez nos poucos minutos em que estava presente. O capitão bufou e então olhou o celular, arregalando os olhos em surpresa nítida.
Lá fora, os pés de o levaram por conta própria até o departamento de Artes, desviando de todos os olhares em cima dele e, então, curvando na sala do clube de xadrez, onde reconheceu os cabelos negros e as pernas cruzadas da garota sentada à mesa, encarando o tabuleiro com uma concentração inquebrável.
Bem, não por muito tempo.
— ! — ele gritou, parando no batente. Todas as outras três pessoas ao redor da mesa deram um pulo de susto, mas a garota apenas suspirou e virou o rosto devagar. — Temos que conversar.
apontou para as peças conquistadas e enfileiradas logo abaixo do queixo.
— Acho que agora não posso te dar atenção. — ela se voltou para seu próximo movimento, desviando os olhos do garoto. fechou um dos punhos, olhando para a janela quebrada na direção do estacionamento enquanto tentava não repetir aquele grito.
— Ah, você pode sim. Pode com certeza. — ele avançou pela sala até colocar as mãos no encosto da cadeira de rodinhas, puxando-a ferozmente para trás como um movimento de um carro fazendo um cavalo de pau. foi afastada da mesa, os olhos agora arregalados. — Lá fora. Em um minuto. Não. Meio minuto. Agora.
A expressão dela endureceu. fez uma reverência teatral para os demais e saiu da sala, cruzando os braços até se preparar para virar de novo e puxar a garota se ela não colaborasse, mas acabava de sair, com um olhar que demonstrava desgosto, mesmo que ela já presumisse o assunto.
— O que você quer? Ficou maluco?
puxou a porta atrás dela para fechar, vendo que mantê-la aberta era uma brecha para que ela fugisse a hora que bem entendesse.
— Você é a única maluca aqui! Que porra de postagem foi aquela?
Ela piscou os olhos.
— Hein?
— !
— Ah, tá falando do anônimo?
— É! Tô falando do anônimo! Não faz essa cara de desentendida que não combina com você.
— Não tô fazendo nada, eu sei do post, mas não sei porque você veio aqui-
— Ah, corta essa, ! Que história é essa que você confirmou essa história toda? Pirou?! — ele bufou, os braços e olhos agitados como se estivesse no meio de uma partida.
Agora colocava a mão na testa, se desfazendo de toda expressão confusa que ainda poderia estar fingindo fazer.
— Então te contaram essa parte… — sua voz saiu baixa, como quem se desculpava, e seu sorrisinho amarelo só a entregaram ainda mais.
— E não deveriam? O que te deu na cabeça pra dizer uma coisa dessas? Esse post foi ideia sua?
— Mais ou menos…
— Quê?!
— Espera, fala baixo… — ela sussurrou furiosamente, puxando-o para outro canto, longe da porta. — Eu vou explicar…
— Mas é claro que você vai explicar! Todo mundo tá pensando que a gente transou, ! Tem noção dessa insanidade?
— Eu sei, é nojento, mas eu precisei fazer isso, era o único jeito. — ela guinchou, gesticulando com as mãos em um estado urgente. — Preciso que o acredite que a gente dormiu junto pra ele finalmente se tocar e me chamar pra sair, entendeu? Ele já tá sabendo, né?
parou e respirou fundo, se sentindo um idiota. Como ele não suspeitou que toda aquela bagunça de — mais uma, entre tantas — era pra chamar a atenção de , como sempre foi? As pessoas de fora a achavam cativante e fofa demais pra armar uma coisa dessas, mas ninguém a conhecia como ele (ou como ele tinha sido forçado a conhecer nos últimos anos).
— Claro… Você e . — ele bufou, ainda com raiva, mas agora cansado demais para gritar. — Sério, garota, passei anos te vendo nessa estupidez de tentar conquistar alguma coisa a mais do que amizade com nosso capitão, e só não vivo dizendo pra ele te dar um chega pra lá definitivo e explodir sua fantasia cor-de-rosa porque ele respeita muito essa coisa de infância que vocês tem, mas me envolver nisso já é demais! Você enlouqueceu de vez! — o grunhido que escapou de sua garganta foi sua tentativa de não vociferar e acabar chutando aquela porta ao lado. — Qual sua meta dessa vez? Conseguir tomar um sorvete com ele? Dividir um churrasquinho na barraquinha da esquina? Fazer ele sorrir pra uma foto? Vê se acorda…
— A minha castidade, idiota! — ela o interrompeu, aumentando o tom mais do que gostaria. logo se encolheu, odiando como a verdade tinha escapado tão rápido. — Eu quero que seja meu primeiro. E sim, usei você pra isso, mas é temporário, eu juro, é só pra que ele preste mais atenção e perceba de uma vez por todas que eu tô aqui e que posso ser mais do que a amiguinha de infância. Não sei se o seu cérebro de ogro é capaz de entender isso.
parou por um segundo até explodir em uma gargalhada cheia de escárnio. revirou os olhos, pensando em como seria agradável dar um soco naquele idiota.
— Qual é, , diz que tá brincando. — ele riu mais uma vez. Ela não respondeu. — … — o sorriso dele foi diminuindo. A expressão raivosa e o maxilar trincado retornaram em um segundo. — Você é maluca? Isso é coisa que se diga?
— Eu não ligo! O quê? Não posso dizer que quero transar com um cara? Isso é porque eu sou uma garota? Acha que eu não tenho hormônios?
— Eu tô pouco me lixando pra você e pro seu fogo de garota virgem, mas pensar que é genial fazer querer transar com você dizendo que transou comigo só mostra o quanto você é patética! Isso nunca vai dar certo!
— Vai deixar ele um pouco incomodado, tenho certeza, e isso sim é genial. Infelizmente, ele só vai tomar uma atitude comigo se for atormentado pelos próprios sentimentos, escreve o que eu tô dizendo.
— Aham, é claro que vai. Seguinte, sua debilóide, pode continuar perseguindo pelo resto da sua vida e armando todos os planos ridículos que seu cérebro de ervilha é capaz de pensar, mas me deixa de fora disso, entendeu? Não quero ser relacionado a você, ainda mais numa coisa dessas. — ele passou a mão pelo rosto, bufando.
— , eu já disse que é temporário! precisa acreditar que isso é real pra ficar mexido. Ele sabe que eu não te suporto…
— Eu não te suporto.
— … e vai ficar sem entender nada, mas é aí que mora a magia. Ele vai sentir alguma coisa com isso, provavelmente mais rápido do que a gente imagina. Pode não falar nada por enquanto, por favor? — gemeu, juntando as mãos em um olhar pedinte. soltou uma risada perplexa, pensando em uma enciclopédia de argumentos que sairiam da sua boca como uma metralhadora, mas estava com raiva demais pra isso.
— Você… meu Deus, você é pior do que eu pensava. — grunhiu, afastando o cabelo oleoso de pós-treino da testa. — Vê se fica longe de mim, beleza? E tô falando sério. — começando a se afastar, ele se virou para encará-la pela última vez: — E só pra deixar claro: eu nunca ficaria com uma maluca como você.
Sürer não conseguia se lembrar de em algum momento não ser apaixonada por Min .
Talvez tudo tenha começado quando ele a salvou de um trinco enferrujado na pré-escola do bairro, que a deixou presa dentro da sala de desenho. Naquela época, ninguém se interessava muito em falar com o garoto novato vindo de Busan. A determinação em forçar a porta da sala com o joelho ficou marcada para sempre na cabeça da garota, que passou a vê-lo com extremo carinho — e, posteriormente, com mais do que isso.
Antes do ensino médio, todos esses sentimentos já estavam escancarados, e o sonho de ser a Namorada já tinha sido anunciado e repetido tantas vezes que nem valia a pena contar. Era algo já muito conhecido na vizinhança, na antiga escola e, agora, também na Universidade de Seul.
Todos sabiam que era louca por Min , e que ele provavelmente só era louco pelo hóquei e a engenharia da computação. Arrombar aquele coração não parecia um plano promissor, mas a garota continuava fazendo questão de mostrar uma insistência inabalável por essa crença.
Na noite anterior à maior fofoca do semestre, ela entrou com sua amiga e colega de quarto, Aya Gong, no dormitório compartilhado e se jogou na cama encostada à parede, inclinando a cabeça para o teto, onde os apetrechos infantis de estrelas e constelações cintilavam minimamente na luz baixa. Tinha sido mais um dia difícil, onde tetos altos e vigas expostas foram sua única visão enquanto ela tentava reproduzir o desenho da paisagem natural do telhado de um casebre no norte da cidade. Saber que era uma ideia péssima não impediu que Aya quisesse ir, e a nota daquele trabalho precisaria ser muito boa para que não a odiasse por tempo indeterminado.
Claro, além de tudo isso, existia o fato de não ter falado com ela.
O canto de parecia o laboratório de uma sonhadora. Toda a parede ao lado da cama se estendia diante dela com pôsteres de bandas de rock dos anos 80, intercalada com estrelas pop clássicas como Madonna e Britney, alguns filmes trash e, claro, fotos de . Algumas poucas que tinham juntos — por insistência da família, que se reunia todo ano para assar carne — e a maioria massiva dele sozinho, geralmente com o uniforme dos Victors ou estudando esporadicamente na biblioteca.
tinha um apego por coisas antigas, inclusive quando se tratava de seus próprios sentimentos.
— As portas desse armário vão empenar se não se livrar de algumas coisas. — disse Aya enquanto tirava os sapatos. Dentro do dito móvel, existiam dezenas de telas em branco e casacos emprestados de que nunca mais voltaram ao dono.
A garota deu de ombros, olhando para a primeira foto do capitão que cruzou seus olhos.
— Depois posso substituí-las. — respondeu enquanto puxava uma almofada.
Aya notou a voz aérea e os olhos distantes da amiga, sempre encarando um único ponto da parede.
— Vai, é? — ela soltou uma risada seca. — Ou vai pedir ao pra fazer isso de novo?
— Eu poderia pedir. — se sentou, rapidamente ansiosa. — Seria um bom motivo para vê-lo. Ainda posso pedir ajuda pra fazer aqueles mapas da aula de História da Arte, ele ficou de me mostrar uns programas de computador. E aí, quem sabe, acrescentar as montanhas de Jeju, do País de Gales, dar uma enrolada…
— Meu Deus, você está fazendo de novo. — Aya revirou os olhos, sentando-se em sua escrivaninha do outro lado. — Sonhando acordada feito uma maluca. Vou dizer pela milésima vez: parte pra outra! Não é cansativo ficar esperando uma ligação ou mensagem que nunca vai chegar?
— É claro que vai chegar. — guinchou , puxando o caderno grosso e cheio de colagens da gaveta da mesinha de cabeceira, fazendo linhas de caneta marca-texto formarem check-ins na frente das atividades feitas no dia. — Ele só precisa de um empurrãozinho, sempre foi desse jeito. é muito bom com a matemática, mas quando se trata de amor, é mais lerdo que uma tartaruga.
— E dá pra ser lerdo sobre isso quando você se declara pra ele uma vez por semana?
— Ele finge ignorar porque tem medo de estragar alguma coisa na família. As nossas mães brincavam de boneca, sabe? Nossos pais assistem o campeonato de beisebol juntos, deve ser muita pressão pra ele.
— Claro, as coisas são sempre tão simples e objetivas pra você, mesmo que ele tenha dito inúmeras vezes que só te vê como uma irmã mais nova. — resmungou Aya.
— Ele ainda não percebeu os verdadeiros sentimentos, Aya. Essas coisas levam tempo, e eu estou disposta a esperar. — respondeu com confiança, pegando o celular e discando os números que já sabia de cor. Ela aguardou a linha se completar com expectativa, e quando a voz de surgiu do outro lado, baixa e rouca como sempre, a garota se colocou de pé.
— Boa noite, Yoon! Já jantou? — perguntou ela, com a voz ensaiadamente angelical. Seus pés saltitaram pelo chão, feliz apenas por ouvir a voz dele.
— Já jantei. O que aconteceu, ? — a voz dele mostrava pressa, mas ela estava eufórica demais para notar. — Acabei de voltar do treino, preciso-
— Eu sei, eu sei que você precisa estudar, mas… Acontece que eu ainda não jantei, e pensei se nós dois podíamos…
— Pode pedir uma porção de jjajangmyeon no restaurante do Cyrano, eu pago amanhã. Agora eu realmente preciso-
— ! — ela trincou os dentes, e ignorou a risadinha abafada de Aya. A última coisa que precisava agora era interagir com um maluco que não sabia completar uma frase inteira sem soltar uma poesia barata pra flertar. Cyrano de Bergerac, conhece o filme, gata? Eu sou igualzinho. — Quer dizer, eu… o telescópio! Se lembra? Você tinha prometido, é a maior nota do meu semestre. Preciso avaliar as constelações do céu ocidental…
— Ah, é, isso. — ele estalou a língua. — Foi mal, , fiquei preso o dia todo na sala de magnética, acabei esquecendo do passe pro observatório. Mas vou deixar a chave com sua orientadora e você pode ir lá quando puder, agora…
— Espera! Você ia comigo, não ia? Yoon… — ela choramingou, tentando pensar depressa em uma solução. — Eu… E-eu não sei chegar lá sozinha, e também preciso de ajuda com o meu estojo, e o equipamento…
— Sua colega de quarto pode te ajudar com isso, tenho certeza. Você vai conseguir, lembra que prometeu à sua mãe que iria melhorar suas notas esse semestre. Agora preciso ir, está me esperando lá dentro, até mais.
— Yoon… — ela tentou, mas ele já havia desligado.
O telefone foi bloqueado com raiva. Ela tinha perdido, de novo. E desta vez nem culpava a lerdeza de . O fato era que sempre era vencida por outra coisa (ou outra pessoa).
A risada de Aya escapou por entre os livros da escrivaninha, sem qualquer tentativa de disfarce.
— Deixa eu adivinhar. — começou ela. — Ele foi com o .
não respondeu, sentando-se pesadamente na cama, a cara fechada e raivosa. Poucas coisas na vida ganhavam espaço na lista de desamores da garota; uma delas era o outono, cavernas, tomates e, por fim, Jung . Este último em especial era demonstrado de forma bastante explícita.
O melhor amigo de era diferente dele em basicamente tudo. Animado, extrovertido e rodeado de amigos. Ria de tudo e todas as coisas, e era um excelente centro na pista de patinação, marcando tão ou mais gols que o capitão, Min , merecendo a posição de vice ou capitão alternativo sem nenhum questionamento. era como um intelectual com pilhas arrumadas de livros que impressionavam, uma frieza agradável e genialidade silenciosa; enquanto Jung mantinha suas pilhas espalhadas, como um estudante obsessivo, tinha uma resposta pra tudo e fazia o tipo livro aberto. Como estudante do departamento de Línguas, ele gostava muito de livros — tinha uma mini biblioteca no quarto apertado do dormitório, e muitos deles nem eram em coreano ou inglês (estavam mais para línguas nórdicas e latim, demonstrando os interesses peculiares do garoto, que era considerado um dos melhores alunos da Universidade de Seul).
Mas nenhum idioma seria capaz de expressar o quanto odiava aquele cara. E odiava ainda mais ser deixada de escanteio por causa dele.
— É claro, quem mais seria? — ela finalmente respondeu à Aya, com a voz contorcida de desgosto.
A amiga riu, balançando a cabeça.
— Acho que existe uma chance remota do te notar se posar de biquíni para a Sports Illustrated. O seu perfil no Instagram tem bastantes curtidas. — ela lhe lançou uma piscadinha, dando risada mais uma vez.
sentiu a angústia de sempre, batendo os dedos no queixo. A piada de Aya chegou tarde aos seus ouvidos, e sua cabeça virou rapidamente na direção da colega de quarto, os olhos se esbugalhando.
— É brincadeira, ! — Aya suspirou.
— Não, não é. — andou até a garota, sentando-se ao seu lado e pegando em seus ombros. — Acho que essa é uma ideia brilhante.
Aya franziu o cenho.
— Você é louca? A revista fica nos Estados Unidos…
— Não, não, a parte de me notar. — interrompeu, gesticulando com as mãos. — Se demonstrar o meu interesse não tá dando certo, preciso fazer ele vir até mim! Impulsioná-lo a agir, você entende? Despertar o desejo nele, ou curiosidade, tanto faz.
Aya encarou o rosto brilhante da amiga, que abria um sorriso vitorioso, como quem acabava de descobrir os números antecipados da loteria.
— Do que você tá falando, ? — ela suspirou, largando a caneta na escrivaninha. — Pirou de vez?
— Pelo contrário, Aya. Vou cavar o interior do de uma forma totalmente nova e muito eficiente: provocação. O lado de fora vai finalmente mostrar o que ele sente por dentro, tenho certeza.
Aya riu, desacreditada. Era mais divertido ouvir os planos de do que estudar estruturas antigas.
— Tudo bem, senhorita Sürer. Uma pequena voz na minha cabeça diz que a única coisa existente no interior de Min é plasma sanguíneo, nada mais, e que é assim desde que ele nasceu. — ela ergueu as sobrancelhas. — Então, como seria esse plano brilhante da busca do seu Santo Graal?
— Simples: vou fazê-lo acreditar que segui em frente. — deu de ombros. — é do jeito que é porque desde pequeno não me vê com mais ninguém, e isso o deixa numa posição confortável, sem precisar se preocupar em agir porque pensa que eu sempre vou estar disponível.
— Hã… E não vai?
— É claro que sim, mas tô a fim de um pouco de ação, Aya. Ficar sem um beijo durante os anos na escola tudo bem, mas agora estamos crescidos e ele tá atrasado. Todos os beijos que me deve precisam urgentemente se juntar e acabar em algum lugar.
Aya piscou os olhos cinco vezes.
— Ah, Deus. Não me diga…
— Eu não preciso mais dizer, essa função agora vai ser dele. Vou arrancar a verdade de Min nem que seja a última coisa que eu faça. Ele vai pensar que o coloquei no banco de reserva e decidi seguir em frente sem ele, transformar toda aquela indiferença em ciúme e, então, desejo. É brilhante. — sorriu, conspiratória.
— Seguir em frente…? — Aya foi sugestiva.
— Isso mesmo. Sexo.
— Tá maluca, ? Vai transar com um qualquer só pra causar ciúmes no ?
— Quê? Eca, não! — fez uma careta. — A questão não é fazer, é deixá-lo pensar que eu fiz. Isso vai mudar tudo, vai finalmente fazer os hormônios dele ferverem e aí sabemos como termina.
Aya riu em choque, achando tudo aquilo mais do que absurdo.
— Tá certo, e por acaso quem seria essa parte B do plano? Um calouro? Alguém com sotaque de Busan e que guarda moedinhas numa caixa de cereal embaixo da cama como o próprio faz? E se for um usurpador…
— Ei, ei, calma. Essa é a outra parte divertida: não vai ser ninguém desconhecido. precisa conhecê-lo. Ou melhor: precisa gostar dele.
— Não me diga que…
Aya levou as mãos ao peito, observando o olhar lascivo da amiga, entendendo a proposta com choque perceptível.
— Sürer…
— Me dá seu computador! — ela puxou o aparelho e começou a digitar.
A temporada de hóquei no gelo teve um começo memorável.
A arena Hangang da Universidade de Seul exibia uma constante superlotação durante o campeonato, e parecia haver mais cartazes do que pessoas nas arquibancadas. A primeira partida foi contra o time da KAIST, de Daejeon, que felizmente não teve nenhuma chance de vitória contra os Victors de Seul, garantindo mais um passo em direção ao campeonato nacional.
O fim da disputa foi comemorado com gritos de celebração e o ritual dos Victors: levantar o membro do time responsável pelo gol da vitória. Daquela vez, é claro, sentiu os braços dos companheiros passarem por trás de suas coxas e o levantarem automaticamente para cima, onde ergueu o taco da sorte, jogando o capacete na pista de patinação e gritando para a plateia ensandecida.
Ao descer, ele recebeu o abraço grupal e outro especialmente de , que gritou palavras incompreensíveis com um grande sorriso no rosto, felicitando seu vice e melhor amigo.
De longe, assistia à cena com felicidade eufórica, contemplando o sorriso de até no fundo de seus ossos. Ele ficava lindo quando sorria, e ainda mais quando sorria depois de uma vitória. Ela quase se esqueceu do verdadeiro propósito de estar ali.
— Caramba, o foi demais! — gritou Aya por cima dos gritos. fez uma careta. — Ah, qual é, você precisa reconhecer isso. Não vai colocar seu plano em ação? Eles estão quase indo.
— É mesmo! — ela deu um tapa na testa e puxou algo de seus pés, estalando a língua. — Min , o que eu não faço por você…
E então, ergueu o cartaz acima da cabeça e gritou:
— UHUL, VAI, HOBI! é o melhor! é o melhor! é o melhor!
Parecia uma cena saída de uma sitcom.
Os gritos isolados de não eram o suficiente para causarem uma comoção na plateia, mas com a ajuda de Aya, em pouco tempo as demais pessoas estavam seguindo o fluxo e desenrolando um alvoroço que atingiu a arena inteira: “ é o melhor!”.
Ao ouvir a ovação, sorriu mais ainda. Vencer o deixava animado, de bom humor, explodindo de júbilo pleno. Ele olhou para as vozes e os gritos por toda a extensão da audiência, quando de repente — e ele não faz ideia de como escutou isso — uma voz parecia se sobressair em berros diferentes dos outros, e não demorou muito para ele ver o cartaz balançando com o seu nome, rosa choque com letras verdes fluorescentes brilhantes.
O sorriso desapareceu na hora. Seu corpo paralisou ainda no meio dos abraços dos amigos.
pulava com alegria por cima da cadeira azul de plástico da arquibancada, lançando seus gritos direto até ele: “Parabéns, , meu amor! Você merece!”. Quando viu que ele a olhava, a garota ainda teve a audácia de mandar beijinhos debochados, mas que foram vistos de outra forma pelos outros jogadores.
— Ih, olha lá! É a namorada do . — gritou Lou, dando tapinhas animados no ombro do amigo.
— Quem diria que Sürer estaria gritando pelo Jung e não pelo nosso capitão. — Truman riu, acenando para a plateia mais uma vez.
não conseguiu responder. Estava encarando a garota saltitante com tanta raiva que matou todo o clima de comemoração. Em algum momento, ele virou o rosto para o lado, direto para , que olhava de para ele com a testa enrugada, uma expressão confusa, incômoda. Não era o tipo de coisa que ele fazia sempre.
Porque a verdade era que erguia cartazes com apenas um nome, um bem conhecido, e agora estava acontecendo uma mudança brusca de para . não sabia explicar o quanto se sentiu estranho com isso.
O time não demorou a começar a sair da arena, o que foi um alívio para , que se controlou muito para não levantar o dedo do meio para e mandá-la parar com aquele show ridículo, que já estava espalhado o suficiente pelo campus. Nos últimos três dias, era só aquilo que ele escutava nos corredores, no dormitório, na sala de aula e até mesmo na biblioteca: Jung e Sürer dormiram juntos! São mesmo o mais novo casal da UNS? Eles até que combinam…
Não. Esse casal não existia e jamais existiria. As pessoas nem os viam juntos, pelo amor de Deus. tinha deixado essa verdade bem clara para todos que tiveram a ousadia de perguntar, reiterando que ele e eram o tipo de dupla que não hesitam em atirar um no outro.
Ainda assim, a notícia continuava correndo.
No vestiário, o cenário habitual de nudez masculina carregava agora o clima de triunfo. Mas, para , agora estava recheado de mais uma coisa: perguntas envolvendo , seu piercing no umbigo e posições sexuais que ele nunca ouviu falar na vida. Negar não estava mais adiantando. Ele decidiu apenas revirar os olhos, exigir que o deixassem em paz e seguir para o chuveiro.
estava parado na frente do armário, encarando com aquela mesma careta de antes. Era daquele jeito que andava olhando o amigo ultimamente; cauteloso, desconfiado, como se estivesse esperando o momento em que decidiria se abrir sobre a verdade da história.
Mas já tinha feito isso. Ele disse milhares de vezes que não, ele não transaria com alguém que achasse tão insuportável, mas não foi muito além disso na explicação. Sabia que conhecia a garota melhor do que ele e tinha uma certa preocupação com a sua integridade, o que dava a certa licença poética pra reclamar e exigir que o amigo tomasse uma providência, mas aquilo era tão… tão ridículo! A motivação de naquele circo todo era tão absurda que perdia a postura e se calava.
Quando entrou no compartimento do chuveiro, sentiu o relaxamento instantâneo da privacidade, mesmo que temporária. A água gelada fez todos os seus músculos descansarem, e ele não ouviu mais nada. As demais vozes ficaram perdidas do lado de fora.
Inclusive uma certa voz familiar que cruzava o corredor naquele exato momento.
abriu facilmente a porta do vestiário antigo, encontrando os membros do time de costas para ela, conversando entre si com toalhas amarradas nas cinturas, cuecas boxer e músculos ainda suados de pós-jogo. Seu corpo ficou petrificado logo na entrada, o cheiro de sabonete e suor invadindo suas narinas, junto com a imagem de abdomens em perfeito estado, tão pertos e molhados de um jeito que ela só tinha visto na tela de um laptop — e tentado reproduzir na ponta de uma caneta.
Um calor volumoso tomou conta de seu corpo, os terríveis hormônios fazendo um escarcéu na sua barriga, fantasias e fantasias que ela guardava no fundo da mente se esvoaçando em sua imaginação.
Deus do céu, garotos eram a melhor coisa do mundo.
Não demorou muito para alguém finalmente notar e se assustar com a presença feminina. Truman, que saía de uma das cabines do chuveiro na outra sala, soltou um grito de terror com a aparição, fazendo finalmente todos os outros virarem e arregalarem os olhos.
— Porra, ! — alguém resmungou, levando as mãos ao peito nu.
— O que essa doida tá fazendo aqui? — reclamou outro.
— Olá, rapazes. — ela acenou com os dedos, sem parar de sorrir. — Vejo que nosso time é formado por belos homens jovens e saudáveis! Isso daria uma bela pintura… — suspirou. — Go Victors!
— É fã dos Victors ou fã de um certo jogador? Já se decidiu? — Lou zombou, um dos únicos que ainda estava de uniforme.
A garota deu um sorriso amarelo, notando que, na verdade, eles não falavam de .
— Claro, você é tão observador, Lou Hoskins. — disse ela, esticando os olhos para uma varredura no ambiente em busca de seu vizinho.
O garoto não respondeu, então abriu caminho entre os corpos semi-nus para caminhar até as cabines do chuveiro com confiança. Porém, antes que pudesse chegar, sua cabeça chocou-se com o peito molhado do banho recente de quando ele saiu pela porta ao lado.
O vice-capitão gemeu um palavrão e deu um passo para trás, encarando o motivo de sua parada brusca. Demorou um segundo a mais que o normal para que ele travasse todos os músculos do rosto e soltasse uma risada perplexa.
— Você só pode tá de brincadeira…
— E finalmente a variou o cardápio! Veio oferecer um chá, xuxu? — Truman falou alto, ativando risadas fortes e agudas nos outros.
encarou os amigos com raiva, enquanto manteve a postura e jogou o cabelo para trás, fingindo uma empolgação pela imagem do vice-capitão digna de um Oscar.
— Senti tanta saudade, … — começou ela.
— O que você tá fazendo aqui, cacete? — ele trincou os dentes, falando furiosamente em voz baixa. Sua mão tremia um pouco ao apertar a toalha na cintura com mais força, e ele estava ignorando com toda a força do mundo aquele olhar faminto dela por todo o seu tórax. — Aliás, como você entrou aqui? O treinador…
— Ah, não precisa ficar tímido, bobinho. Não tem nada aí que eu já não tenha visto. — ela falou um pouco mais alto, esticando um dedo para tocar no peito de .
Mais zombarias e ovação vieram do público. afastou aquela unha vermelha com um tapinha antes que encostasse no seu esterno. aumentou o sorriso quando girou a cabeça para os outros, aproximando-se agora de corpo inteiro de , tocando em sua costela bem na área de uma cicatriz branca em formato de linha, uma que as pessoas sempre achavam que era de algum machucado do hóquei, mas que tinha ido parar ali em cima de uma mesa de cirurgia há uma década atrás.
Por um momento, ele ficou tão chocado com o toque dela que não conseguiu reagir automaticamente como sempre fazia. Em vez disso, sentiu os folículos pilosos se abrindo loucamente na região do dígito dela, e a bochecha queimando como se tivesse enfiado a cara numa bacia de água quente. continuava olhando-o daquele jeito, e por um instante ele teve medo de ser devorado por ela.
— Calem a boca. — ele rosnou para os outros, que ainda estavam rindo e se divertindo às custas daquela cena ridícula. Sentindo raiva de si mesmo, ele tomou a mão dela num impulso, puxando-a para a mesma sala de chuveiros da onde havia saído, causando ainda mais vaias e uma frase solta animada: “hora do chá, pessoal! Bora deixar os dois a sós!”.
Por trás da porta, a soltou rapidamente e bufou irritado.
— Nossa, que isso! Precisava me trazer aqui? — ela resmungou, passando as mãos no vestido como se estivesse se livrando dos resquícios do toque dele.
— Era o único jeito de fazer você parar com essa palhaçada. Que merda você tá fazendo aqui, sua dissimulada? — o vice-capitão se aproximou, cerrando os dentes. — E nem fala que foi pra me ver porque aqui dentro não tem plateia ridícula pra você enganar. Esses idiotas aí fora já se iludiram o suficiente com o seu showzinho na arena, precisava arrastar sua sujeira pra cá também?
— Aquilo foi brilhante, não foi? Pode falar. — ela sorriu, batendo uma palminha. A veia de quase estourou na têmpora. — Tá bom, tá bom, sei que você tá bravo, mas tudo isso faz parte do plano…
— Eu já disse que não faço parte desse plano maluco. Já tô cansado de explicar por aí que toda essa história é loucura e que você inventou tudo isso, mas eles parecem não acreditar em mim, e nunca vão se você continuar fazendo o que fez no jogo de hoje.
— viu? — ela perguntou rápido, ignorando todas as outras queixas de . — Ele disse alguma coisa? Fez alguma cara estranha? Demonstrou alguma coisa?
— Quê? — ele franziu o cenho, inconformado. — De que isso importa, ? Ouviu alguma droga do que eu disse? Quero que você desminta essa história de uma vez por todas e me deixa longe do seu fogo desenfreado. Vem, ainda dá tempo…
Ele ergueu o braço para pegar em seu cotovelo, mas ela se desviou, raivosa.
— Fogo desenfreado? Me poupe, ! Não aja como se soubesse o que eu realmente quero.
Ele riu pelo nariz, debochado.
— Tem razão, não sei e nem me interessa. A única coisa que sei é que você espalha coisas que não sabe, sua doida.
— Tenho 20 anos, sei tudo que preciso saber. — ela deu um passo à frente, colocando aquele mesmo dedo no peito nu do vice-capitão. Ele odiou a memória muscular de 5 minutos atrás se agitando dentro do seu estômago.
— Sabe tudo? Tá, sei… — ele continuou rindo, mas estava ficando mais zangado. — Se tá tão desesperada assim pra perder a virgindade, não deve nunca ter recebido um beijo decente na vida.
Ela abriu a boca para responder, os olhos brilhando de ódio, quando um som do lado de fora da porta seguiu alto para o lado de dentro.
— Lou? , tá aí? — a sombra se aproximou da vidraça da porta. A voz era conhecida até pelas células de .
— É ele… — ela disse, de repente paralisada. A constatação da onde estava e com quem estava (e de como esse quem estava — nu, com uma toalha amarrada na cintura e os cabelos molhados de pós banho) a atingiram como uma bomba. estava se aproximando, e ela não soube o que fazer.
— Podemos resolver isso agora, ótimo. — se preparou para se virar e gritar a localização para o amigo, mas não foi capaz de fazer isso.
se orgulhava de ser esperta e ter a habilidade útil de pensar rápido em situações de estresse. Se sentiu o pânico inicial por estar ali com , de repente esse mesmo desespero se transformou em oportunidade. Com um movimento, ela puxou o rosto do cara para o seu e o beijou com força.
não soube o que o atingiu. O corpo de estava todo pressionado contra o seu, sem lhe dar tempo nem de considerar a situação. No momento seguinte, os lábios dela pediram entrada e ele, talvez por instinto ou por aneurisma cerebral, aceitou. É como se não comandasse o próprio corpo. Aquele mesmo arrepio dos infernos de antes agora estava espalhado pelo tronco inteiro. puxou um de seus braços para passá-los pela cintura dela, e o resto foi um borrão. Ele nunca tinha ficado tão perto dela a ponto de perceber o quanto era pequena, e o quanto seu quadril era largo, ou o tanto que sua pele era macia (dava pra sentir a carne sob seus dedos onde ele estava apertando na linha exposta da blusa curta). Aquilo era loucura. Ele percebeu os próprios pés guiarem os dois para a parede, ouviu a própria respiração fazer barulho quando ela mordeu seu lábio, sentiu o sangue quente correr a toda velocidade para o meio de suas pernas. O tempo todo, sua mente estava gritando com urgência: o que você está fazendo? Ei, idiota! O QUE VOCÊ ACHA QUE TÁ FAZENDO? VOCÊ TÁ BEIJANDO A ! EI!!!!!!!”
A sirene cerebral foi cessada com um grito vindo da outra dimensão da realidade, personificada por uma voz muito bem conhecida pelos dois:
— Mas que porra tá acontecendo aqui?
acordou, ofegante, olhando na direção do barulho. estava parado na porta agora aberta, ainda com o uniforme dos Victors e uma toalha branca apoiada nos ombros.
O vice-capitão teve um estalo e se afastou de como se ela fosse feita de lava. Ela também engoliu a seco, alisando as roupas que tinham saído fora do lugar no meio… do que quer que tenha sido aquilo que acabou de acontecer. permaneceu imóvel, o rosto contorcido em choque e aborrecimento.
E foi por causa dessa expressão estranha que de repente se sentiu culpado.
— , não é isso… — começou, desajeitado. Segurou a toalha na cintura com força, percebendo que ela estava prestes a cair. Os olhos do amigo eram duros, mais duros do que ele jamais havia visto.
— , o que você tá fazendo na droga do vestiário masculino? — o outro trincou os dentes, sem olhar para a garota. Continuava a encarar com firmeza.
— Eu vim te v- Ver os meninos, quer dizer. Parabenizá-los pela vitória, você sabe. — ela respondeu com inocência, dando de ombros.
— Aqui não é lugar pra você parabenizar ninguém. — disse seco. — É melhor você sair daqui agora.
— Mas eu só estava…
— Sürer! — ele finalmente a olhou, e sentiu um bloco de gelo descer até o estômago. — Não vou deixar alguém ser punido por sua causa. Sai daqui agora e vem comigo. Agora.
Ele encarou pela última vez e deu as costas, chutando um capacete para longe no caminho. O vestiário estava vazio; os outros jogadores tinham mesmo deixado o novo casal da UNS a sós.
ficou parado, sem saber o que fazer. Parecia que não era um participante real da situação, só um telespectador. As coisas passavam diante de seus olhos e apenas isso.
Em contrapartida, reluziu em um enorme sorriso, eufórica e satisfeita.
— Eu não disse? — ela se virou para , totalmente alheia ao enorme amasso que se envolveu com ele há um minuto. — Agora ele acredita totalmente na gente. Mandou bem, vice-capitão! Aguenta só mais um pouquinho que vai dar tudo certo. — começando a se afastar, ela virou-se novamente ao chegar no batente. — Tchauzinho! — lançando um beijinho no ar, ela saiu saltitante para fora.
encarou as costas da garota se afastando, incrédulo. Estava completamente chocado; com ela, com ele mesmo. Com . A sensação daqueles olhos e expressão endurecidas dele ainda estava ali presente, trazendo uma suspeita cruel pra mente de : droga, o plano dessa garota estava realmente dando certo? estava com ciúmes?
parou ao lado de ao chegarem na porta do dormitório feminino.
A área em volta tinha cheiro de bolo e perfume doce, um aroma totalmente ausente na garota, que se aventurava por edificações antigas e tintas a óleo desde que mal sabia desenhar um cubo direito. ajeitou a alça da bolsa pendurada do ombro de e puxou os fones de ouvido com fio que escapavam do pequeno pedaço com zíper aberto. Ela apreciou o gesto, e se controlou muito pra não pular e abraçá-lo como uma louca.
— Você é sempre tão desligada. — resmungou ele, apoiando uma das mãos na cintura e suspirando pesadamente. — Olha só, …
O capitão parou, mexeu nos cabelos, trocou o peso das pernas e repetiu os gestos por mais duas vezes. Como sempre, parecia nervoso quando estava prestes a falar algo sério.
— Eu não quero parecer um babaca que acha que é algum herói americano pra fazer discursinho moralista aos quatro ventos, mas o que você acha que tá fazendo? — não sabia se queria falar daquilo. Ele andava tendo sentimentos conturbados demais, coisas que andavam tirando seu sono, dando pra ver claramente pelo cabelo desgrenhado. — Quer dizer, você e o , desde quando essa coisa começou? Vocês dois não aguentavam dividir a mesma mesa da cafeteria até a semana passada e agora descubro que dividiram até a… — ele não continuou, frustrado demais para repetir a palavra e projetar aquela imagem no cérebro.
Os olhos de se estreitaram como se estivessem sob o sol do verão. parecia estar se esforçando pra manter a gentileza — ou a paciência —, e isso era um estado de desconforto mais anormal do que ela esperava.
— Bem, essas coisas acontecem. — respondeu ela, mantendo o tom de voz casual. — Duas pessoas se conhecerem melhor, se identificarem e dividirem coisas. Percebi que julguei mal o Jung e resolvemos isso, não precisa ficar tão agitado.
Tudo em sugeria antônimos de paz, principalmente pelo olhar firme que disparava à amiga e a insistência em franzir os lábios para não despejar tudo que queria de uma vez.
o olhava fixamente. Cada detalhe daquele comportamento estava sendo guardado no fundo de sua memória.
— Você gosta dele? — a voz saiu fraca. Mesmo assim, se intimidou com a pergunta; foi um pouco inesperado ser questionada daquele jeito. — Ou sabe se ele gosta de você? Conhece as qualidades, os defeitos, os hobbys, qualquer coisa que tenha chamado sua atenção em 7 dias para fazer o que fez com ele? O que te fez achar que ele era o cara certo pra isso?
— E por que te importa? — a garota cruzou os braços, tentando manter a expressão despreocupada. — Não foi você mesmo que disse éramos família, que eu sou como uma irmã mais nova que não faz nada além de barulho pra chamar atenção?
— Você é. E por isso… — ele travou novamente, e se não estivesse tão louca, podia jurar que viu uma faixa de rubor nas suas bochechas, aparecendo e desaparecendo quase imediatamente. O primeiro e único pensamento que teve foi que Min estava apaixonado por ela, porque aqueles sinais de nervosismo só podiam significar isso.
Era como se, de uma hora pra outra, tivesse algum poder sobre ele, pela primeira vez na vida.
Por fim, desistiu de falar e limpou a garganta, voltando ao sotaque escorregadio de Seul.
— Quer saber, faça o que quiser. Eu vou nessa. — ele virou-se para ir, mas voltou novamente. — Vocês não precisavam ter mentido pra mim.
E ele caminhou de volta para o vestiário, mantendo os ombros retos e os olhos firmes. Vindo de , o gesto era ao mesmo tempo profissional e encantador, algo como os executivos de sucesso usam para saírem de cena com classe, mas não importava o quanto ele tentasse se mostrar por cima: deixou que o sorriso enorme crescesse em seu rosto e a levasse para dentro do quarto com a única certeza que martelava em seu peito: ele sentia. Min era apaixonado por ela e estava morrendo de ciúmes.
Agora só precisava fazer com que ele admitisse isso.
Estava escuro demais para enxergar direito.
Quando Aya saiu de seu lado e se perdeu nas luzes piscantes, estava preocupada em dar um mísero passo pra frente e tropeçar em garrafas de cerveja — ou até mesmo em pessoas. Ao ver a amiga voltando de novo, ela pôde sentir algum alívio, mas não por muito tempo.
— , esse é o Caledon Zane. — disse Aya, em sua voz agradável e, no momento, mais animada por conta da bebida.
O contrário da voz do rapaz alto e de cabeça raspada, que parecia uma voz que relatava os danos causados por tornados e frentes frias. Não pareceu nada atraente pra , que logo percebeu o que a amiga estava tentando fazer.
— Muito prazer, Caledon. — ela lhe deu um aceno de cabeça e passou uma mão pelos cotovelos de Aya. — Acho que preciso de mais bebida, pode me acompanhar?
— Mas eu já pe-
puxou a garota até o outro lado da cozinha abarrotada de universitários felizes e animados pela vitória dos Victors há 3 horas na arena principal. Capacetes de cor azul e branco tinham virado coolers de cerveja barata e bandeiras com a logo do time revestiam todos os quadrantes da casa. A ideia de aparecer numa festa dessas sempre foi improvável para , mas muitas coisas tinham mudado naquela última semana para que ela perdesse a oportunidade. havia mudado.
— O que você tá fazendo? — perguntou para Aya, que franziu o cenho.
— Tô tentando te apresentar um pretendente de verdade, não percebeu?
— Ele tem cara de alguém que vai narrar os efeitos colaterais de pílulas azuis pra mim. — arqueou as sobrancelhas. — Ou me explicar os procedimentos de segurança pra usar a máquina de lavar.
— Eu tenho certeza que alguém já morreu eletrocutado por máquina de lavar.
— Que seja, pode ir parando com isso. — grunhiu, acrescentando: — Você sabe porque estou aqui.
Aya demonstrou que sabia perfeitamente disso na forma de uma careta de desgosto.
— Eu sei, e ainda não concordo. Você tá perdendo tempo, tanto com quanto com . Por que acha que te apresentei ao Zane? Porque ele pediu. Quem pede pra ser apresentado a uma pessoa que aparentemente está com outra? — as sobrancelhas loiras de Aya se ergueram. — Essa sua história com não tem credibilidade nenhuma, . Ele vem desmentindo o lance do dormitório há um tempão, e fica difícil sustentar uma farsa quando não há testemunhas. E a única pessoa que viu vocês se beijando foi o próprio , que parece estar mais puto pela omissão do que pelo ato em si. Ele pode ter ficado chocado no começo, mas quando ver que nada disso é sério, vai começar a desencanar.
franziu os lábios e a encarou com consternação. Odiava pensar naquilo: que iria desencanar. Durante a última semana, esse pensamento se arrastou pela cabeça de , primeiro como uma possibilidade pequena e boba, até (depois que ele continuou sem manter contato) virar uma onda enorme de um maremoto. Não podia deixá-lo esquecer do que aconteceu — tinha que aproveitar enquanto ele ainda estava atordoado pelo choque.
— Eu não costumo desistir, Gong. E se a falta de fé das pessoas pode ser um potencial problema pro meu objetivo, posso resolver isso imediatamente.
Aya soltou um riso perplexo — um riso mais receoso do que divertido, como geralmente ficava quando via a determinação de .
— O que você pretende faz-
— Eles chegaram! — gritou um cara enérgico do meio da multidão, apontando para a entrada. — Os Victors chegaram!
virou pra porta com entusiasmo, juntando-se à comemoração de todos os presentes na sala da enorme casa em Yongsan-gu, que pertencia a algum veterano chaebol do curso de Economia. Um a um, os membros do time foram entrando, todos excepcionalmente bonitos e sorridentes, recebendo high-fives e ovações a partir do momento em que passaram pelo batente. Não demorou para que a bebida fosse distribuída e a conversa aumentasse de volume. observou a primeira pista de que precisava: estava longe de , ambos conversando separadamente com outras pessoas.
— E se ele te ignorar? — Aya perguntou, seguindo a direção do olhar de . Obviamente, não estava fazendo parte da parcela de estudantes admirados pelo time da casa.
— Você não prestou atenção no que eu contei antes, né? ficou louco. Dava pra ver isso na cara dele quando me deixou no dormitório. Ele não gostou nada do que viu, e não faria mal cutucar só mais um pouquinho pra ver se ele faz alguma coisa.
— É, porque você já anda fazendo o bastante. — Aya revirou os olhos. — Melhor estar certa sobre ele, porque juro que sou capaz de te deixar dormente pelo resto do ano só pra parar com essa maluquice.
— Como você faria isso?
— Paninho molhado com clorofórmio a cada 6 horas. Ouvi dizer que eles não trancam o laboratório muito bem por aqui.
— Achei que você me impediria de uma forma menos tóxica.
— Toxicidade se combate com mais toxicidade. Agora pode me dizer qual é o seu plano brilhante da noite?
— Me observe.
caminhou graciosamente até o grupo de jogadores, que conversavam animados com os integrantes da festa. Até mesmo parecia contente, lembrando-a dos tempos de escola, mas agora era um estado feliz sem , o que significava que o sorriso dele parecia estranhamente ensaiado e pouco natural.
Do outro lado, tinha e sua risada alta e contagiosa no meio da rodinha de amigos, usando sua jaqueta pesada dos Victors e sua bermuda cargo larga que ficaria um horror em qualquer outra pessoa, mas nele não se parecia nem com uma escolha questionável.
Foi direto para ele que arrastou os passos. Afastando um cara de mais ou menos 1,80 da frente, ela se misturou ao círculo dos atletas, se prostrando na frente do vice-capitão. ainda demorou um instante pra perceber a presença dela, e diminuiu o sorriso na hora.
— ! Você finalmente chegou! O que ainda tá fazendo aqui? Vem dançar comigo. — ela agarrou sua mão delicadamente, e os burburinhos em volta foram instantâneos. se afastou num pulo, até um tanto rápido demais, acionando sua trava de segurança à prova de imediatamente. Vê-la naquele momento o deixou um pouco desorientado; mais desorientado do que já estava a semana toda, desde que ela o beijou daquele jeito no vestiário.
— O que você quer, ? — ele trincou os dentes, passando o olho pelos rostos sorridentes dos amigos. — A gente não vai dançar.
— Qual é o problema? Não precisa ficar tímido, tenho certeza que você dança tão bem quanto joga.
— Eu não-
— , qual é! — disse Truman, dando um tapinha no ombro do amigo. — Vai deixar sua namorada sozinha nesse ninho de jacarés? Ainda mais quando tá a maior gata… Com todo respeito, . — ele a encarou com aquele ar de interesse lascivo. quis revirar os olhos e não precisar fingir um sorriso de agradecimento pra ele. Truman Carrey era conhecido por ser o maior galinha da UNS, e mesmo tendo uma beleza digna de capa da GQ, ela não se interessava por esse tipo de coisa.
desviou o rosto, sentindo uma vontade absurda de, de repente, bater com o taco na própria cara. Forçou a si mesmo a não reparar no vestido que ela usava, e nem como seus peitos ficavam nele — Sürer era conhecida por outros atributos além de Menina Obcecada Por Min , e dois deles estavam bem firmes e desenhados em um decote quadrado.
— Ela não é minha namo-
— Não precisa agir igual um velho reclamão, . Até parece que não queria me ver hoje. — ela continuou, com confiança, conseguindo enfim puxar o rapaz para a pista. Tinha bastante gente em volta que não o deixava se mexer à vontade, o que prejudicou sua fuga, e agora as risadas dos amigos estavam altas e sincronizadas. Se antes, tinha conseguido deixá-los céticos quanto ao que tinha com , agora (de novo) a garota veio e colocou tudo a perder. Era um talento que ela tinha: conseguir desfilar sua lógica — e sua verdade — em uma bela coleirinha, trajando uma capa xadrez vistosa, quando bem queria.
— Cacete, ! — resmungou ele ao ter o corpo puxado contra o dela quando pararam no meio da pista. Olhando de relance para os lados, era possível ver que a atitude ganhou certa atenção, inclusive do capitão dos Victors, parado a um canto do local.
Seus olhos não se demoraram nele, mas, mesmo assim, fez com que lembrasse da sensação estranha que tivera quando ele os flagrou no vestiário; aquele olhar tenso, irado, como se pudesse matá-lo.
Era isso que queria? Pois bem, tinha que admitir que ela estava conseguindo — estava notando algo.
Com esforço, endireitou os ombros e finalmente encarou , que estava mais próxima do que ele se lembrava, o que não era nada bom, considerando sua recente dificuldade em lidar com a lembrança daquele beijo. Ela parecia levar tudo com facilidade extravagante; sorrindo descontraída, com os braços envolvendo o pescoço dele enquanto se mantinha perto sem qualquer resquício de desconforto. Como se nada, absolutamente nada tivesse acontecido.
— Sério, , de todos os lugares possíveis… — ele resmungou, disfarçando o incômodo e aquele fio quente no estômago por estar tão perto dela e daqueles lábios brilhantes de gloss, que ele já tinha visto algumas vezes, mas agora era como se fosse uma imagem inédita. — Não acredito que você ainda tá nessa onda. Seu plano não deu em nada, então isso aqui já perdeu o sentido. Tá na hora de você abrir a boca e contar pra todo mun-
— Claro que o plano funcionou. não tá falando com você, né? — ela interrompeu, se movimentando lentamente com o quadril grudado no dele. mal percebeu que estava com as mãos ali, que tinha deixado ela se enroscar como uma serpente de novo. — Nem precisa responder, eu já sei. Ele parece chateado com alguma coisa, dá desculpas pra não almoçar com você e virou o rei da monossílaba. Oi, sim, hã, é. Tudo que eu já esperava. — mais um movimento para o lado e apertou mais o pescoço dele. Só agora ele percebeu que os dois estavam num tipo de dancinha lenta, totalmente inapropriada. — Ele tá com ciúmes e isso vai fazê-lo falar mais cedo ou mais tarde, você só precisa fechar o bico e atuar um pouco melhor.
quis responder, ou reclamar como andava fazendo nos últimos dias, mas estava cansado demais para aquilo, ainda mais quando tinha que concordar com ela. Se trocou dez palavras com ele durante a última semana foi muito, e preferiu almoçar no laboratório de robótica mesmo quando dizia que pagaria seu Subway. Foi tão inédito que não deixou dúvidas quanto ao recado que o capitão queria passar: não quero papo com você.
Isso deixou perdido, e cada vez mais culpado por ter beijado e provavelmente fantasiado com a garota que seu melhor amigo estava apaixonado.
Ele bem que tinha tentado não pensar naquele beijo, mas vez ou outra a maldita lembrança conseguia aparecer, desconcentrando todo o seu raciocínio. Será que ele era a pessoa que nunca tinha recebido um beijo decente na vida?
Então perguntou:
— Ok, o que você tem em mente? Pra acabar com isso de vez. — perguntou, com urgência. Tudo que precisava era que aquela história chegasse ao fim e que Sürer ficasse bem longe dele de novo, para que todos aqueles pensamentos insanos relacionados à ela não passassem de um delírio passageiro.
apertou os lábios, satisfeita com a rendição de seu bode expiatório. Mesmo assim, ainda via muita resistência em , uma pressa pra se livrar dela que poderia ferrar com as coisas. A abordagem do beijo foi a única coisa que o fez largar todas as armas e se entregar por completo ao plano. E se…
— Vai me ajudar hoje? De verdade? — ela perguntou em meio à música. revirou os olhos.
— Depende. O que você-
E então, ela o beijou de novo.
Sem qualquer cerimônia, a mente de decidiu apagar mais uma vez e enviar comandos ao corpo sem seu consentimento. Sua pele formigou e, se era possível, os lábios de pareciam ainda mais macios e ferozes do que antes. Ele se esqueceu subitamente de onde estava. Agarrou a nuca dela, colando seus corpos de um jeito que transformou aquele casarão no deserto do Saara ao meio-dia.
E aí, de repente, acabou. Ela se afastou e ele ainda levou um tempo para abrir os olhos, totalmente desnorteado.
— Acho que agora as pessoas acreditam um pouco mais.
O sorriso no rosto dela poderia iluminar uma mina de carvão. não sabia nada sobre sorrisos bonitos até conhecer , o que era uma verdade permanentemente escondida a sete chaves, porque toda a compostura patética de garota apaixonada que ela exibia para tirava todo esse encanto da mente dele. Mas, quando ela estava por aí, vivendo a própria vida, ele a achava impossivelmente bonita, com o cabelo mais cheiroso da face da Terra e com delicadas mãos sempre com alguma sujeira de tinta. Apesar disso, ele nunca deu a mínima pra esses sentimentos — era totalmente impossível que ele gostasse de uma pessoa que já estava apaixonada por outra, ele tinha bom senso.
Mas que droga, o que ela andava fazendo com ele?
— Mas… — ele tentou dizer, e odiava como todas as palavras quebravam no meio do caminho. — Cacete, por que você continua fazendo isso, ? Agora todo mundo vai-
Ele parou ao olhar de relance para o canto, observando algo que nunca viu.
Descrever como estava era difícil demais. Nenhum idioma que estudava tinha palavras para aquilo. O capitão estava estático como um nobre, a postura reta e autoritária, com um olhar tão duro e enfurecido que dizimaria uma cidade inteira como Daenerys Targaryen. Uma coisa era o jeito sério padrão que já fazia parte da personalidade de — outra completamente diferente era quando ele se dava a liberdade de deixar a raiva transparecer, o que modificava todo o seu rosto. se sentiu em uma ilha, separado de todos, reparando nos olhares esporádicos dos outros convidados, apreciando um espetáculo, enquanto só demonstrava uma futura tempestade.
— Ele tá olhando, né? — a voz de o trouxe de volta, e ele finalmente voltou a escutar a música, a sentir o toque dela, a se lembrar de que estava em uma festa. Ele não soube o que responder de imediato e apenas assentiu. — Ótimo. É o que importa, agora vem comigo.
Ela tirou os braços de seu pescoço e entrelaçou seus dedos, começando a conduzi-lo por entre a multidão até as escadas grandes no fim do cômodo. levou um tempo para perceber o que ela fazia, e freou os passos imediatamente antes de subir o primeiro degrau.
— Ei, ei, o que tá fazendo agora? Pra onde a gente vai? — perguntou, agitado.
— Dar a cartada final. — respondeu ela, dando de ombros. — Não vai me fazer recontar o plano, né? Vem, as pessoas estão olhando.
Ela sorriu para a pequena plateia e puxou o vice-capitão de novo escada acima, que se viu totalmente impotente e sem opção a não ser segui-la à contragosto.
Ao pisarem no topo da escadaria, ainda não estava entendendo nada. Foi só quando bateu no rodapé de uma das portas, esperou uma resposta e, em seguida, a abriu com um puxão, que um estalo explodiu na mente dele e o avisou o que ela provavelmente pretendia.
— O que é isso, ? — sua voz saiu desacreditada. “Uma metáfora”, foi o que ela respondeu rindo, mas ele não era tão burro assim. Lá dentro, a garota fez um gesto grandioso ao acender um abajur na mesinha de cabeceira, revelando as paredes escuras do quarto, cobertas de tapeçarias vermelhas em estilo boho que denunciavam ainda mais o poder aquisitivo de seu dono. Tomando com ímpeto a borda da colcha grossa da cama, ela a arrancou até o meio, puxando as demais partes até que estivessem igualmente bagunçadas. não tinha mais como não entender o que estava acontecendo. — Estou começando a achar que você é a mulher mais louca do Novo Mundo depois da Elizabeth Báthory. Não viu o que acabou de acontecer lá embaixo? Se eles nos encontrarem aqui...
— Pro nosso alívio, é exatamente o que eu quero que aconteça! As pessoas acreditam na lenda da nossa transa, . Querem mais é que a gente fique à vontade, mas ainda anda confuso. Ele vai aparecer aqui mais cedo ou mais tarde, totalmente maluco. — com aquele sorriso, mostrou que realmente acreditava nisso. Na sua cabeça, o eternamente adormecido coração de Min finalmente acordaria. Seu queixo gesticulou para a maçaneta. — E a porta não está trancada, então pode parar de me comparar com assassinas em série do século 17.
baixou os ombros, ligeiramente perdido, até um pouco assustado com o ponto onde as coisas com tinham chegado; as mensagens e telefonemas que receberia depois daquela noite seriam insanas. E pior: agora não poderia mais desmentir nada. Seus amigos e companheiros do time o lembrariam disso por um bom tempo.
Mas, surpreendentemente, isso não parecia ser o problema maior. Deixar que as pessoas criassem a própria narrativa sobre ele e , espalhando fofocas por aí como ele caiu de joelhos por ela e agora vivia uma história de amor erótica com a garota do departamento de Artes não chegava nem perto da preocupação que seu cérebro estava desembolando naquele momento: e se realmente entrasse por aquela porta? E se estivesse esquisito daquele jeito por causa de ? E se o odiasse agora e colocasse sua foto no meio de um alvo na parede, desenhando chifres e jogando dardos no meio da sua testa? Droga, e se tivesse mesmo descoberto que amava sua vizinha?
Um microfilme se passou na cabeça do vice-capitão: e começando algo. Namoro no pátio externo, pizza no quarto e beijos no corredor. Uma meia ou gravata amarrada na maçaneta do seu quarto compartilhado no alojamento, deixando o aviso claro: tô trepando. Os dois rindo baixinho embaixo da coberta dele ao ouvirem os passos de se afastando, pra só então voltarem a mandar ver. desbravando a pele daquele pescoço, daquela clavícula, daquela barriga (os míseros pedaços dela que imaginou tanto no dia anterior que precisou adiantar o banho gelado de pré-treino), tirando o gloss brilhante dela com a língua e entrelaçando seus dedos naqueles dedos manchados de tinta a hora que quisesse.
Tudo isso o deixou estranho, com vontade de ranger os dentes. Desejou resgatar todas as milhas aéreas restantes de seu pai do trabalho como repórter, e arquitetar um plano de férias adiantadas para a Europa com a companhia apenas de seus dicionários gastos de francês e romances suecos caso aqueles dois acontecessem. Pelo menos passaria mais rápido pelo detector de metais, já que teria a valentia de jogar o celular na privada. E se sentiu imediatamente ridículo por estar cogitando tais coisas.
era seu melhor amigo da vida inteira, e parecia mais do que errado não apoiá-lo em alguma coisa que não trazia nenhum risco à vida dele, como se apaixonar (ignorando os exemplos de Shakespeare e Tristão e Isolda). não era um cara apegado às coisas, e nunca se importou de deixar o pedaço maior da torta ou de dar aqueles patins novinhos para o melhor amigo quando os dele fossem completamente massacrados no gelo.
Mas daquela vez, ele parecia querer ficar com os patins. Pelo menos por enquanto.
Ele voltou ao mundo real quando passou por ele e foi até a porta, colando as orelhas na superfície enquanto pedia silêncio. A música ali dentro não passava de um ruído, e as vozes lá fora eram emboladas demais para se tornarem compreensíveis. E então, começou algo que fez acreditar que tinha passado por um portal e ido parar em qualquer filme da franquia de Pânico.
— Ah, … Isso… — ela gemeu de encontro à porta, alto o bastante para ser ouvida pelo corredor inteiro.
— ! — ele a puxou de volta para trás, apavorado. — Ficou doida? O que você tá fazendo?
— Shiu! Segue o meu plano que terminamos isso em um piscar de olhos. — ela sussurrou, se afastando novamente. — Nossa, ! O que é tudo isso? — ela arfou, impressionada, e sentiu o rosto esquentar na mesma hora.
então correu até a cabeceira da cama e tirou os sapatos. Pegou um deles e bateu no móvel: — Meu Deus, ! Como pode ter uma mira tão boa fora da arena pra enfiar o seu taco na mi-
— ! — ele correu, calando-a com a palma da mão, os olhos arregalados com aquele teatro de sexo bizarro. — Já chega, sua desequilibrada. Eu vou cair fora e você pode ficar à vontade pra terminar sua estratégia sozinha. Isso não vai colar pra mim.
se livrou de suas mãos.
— Vai embora agora que eles estão acreditando? O bafafá já deve ter chegado no outro quarteirão. Só mais um pouco e alguém vai entrar por aquela porta, confia em mim. Só preciso que você me ajude a tornar as coisas mais reais, acrescentar um pouco de magia.
— Magia? Acha que bater em paredes e me transformar num ator pornô vai fazer com que pensem que estamos apaixonados ou coisa assim? Isso aqui é uma festa, . Tem gente fazendo oral em cima da pia do banheiro ou beijando uma laranja de língua nesse exato momento. Não tem magia aqui.
— Tudo bem, então, gênio. — ela resmungou com raiva, se aproximando para sussurrar ainda mais baixo. — Como podemos fazer isso ficar mais convincente? Tem alguma ideia?
Ele tentou responder, mas aquilo estava acontecendo de novo: estava perto demais, consequentemente a boca dela também, e então toda a parte do cérebro responsável pela lógica virou geleia e o desejo tomou o controle. Ele não viu o momento exato em que pressionou seus lábios nos dela, nem quando o sapato que segurava caiu no chão. Foi um baque, quase um espasmo involuntário que acontece durante o sono e você acaba chutando a parede.
se afastou quase imediatamente, assustado com a própria atitude. ficou calada, imóvel, olhando pra ele com o cenho franzido e um pouco aturdida, como se ele tivesse lhe dado um tapa na cara e não um beijo. Foi então que, pela primeira vez, ela se afastou da bolha de suas próprias ambições e percebeu o que estava acontecendo: ela tinha beijado Jung . Duas vezes. E agora ele a beijou, então foram três vezes. Em um intervalo de 168 horas.
Isso sim era maluquice.
Em alguns dias, alguns malditos dias, preferia fingir que Jung não habitava no mesmo universo que o dela, nem que fosse um pouco. Mas ser amiga e apaixonada por significava que, na maioria das vezes, aquele cara estaria sempre presente, e em constante evidência. Era apenas isso que significava pra ela: uma pedra no sapato, a parede que impedia a aproximação de com seu vizinho, o primeiro nome que escreveria no Death Note. Porém, ali, naquele quarto de mansão que de repente parecia ferver a 60º, ela se esqueceu completamente disso. Se esqueceu até do que estava fazendo antes.
— Foi mal, eu… — ele tentou falar, vendo-a em silêncio, como via pouquíssimas vezes. — Você tava gritando, eu só… Você disse mais reais, então…
— Pode fazer isso de novo? — o interrompeu, falando em voz baixa, sentindo a cabeça voltar a funcionar aos poucos.
— O q-quê?
— Me beijar. Pode me beijar de novo?
Foi aí que — muito para o seu gosto — se viu pego em flagrante: ele queria Sürer. Estava louco por ela, pra ser mais específico. Nunca sequer imaginou que as palavras beijar e estivessem na mesma frase, mas lá estava ele, não pensando duas vezes antes de acatar o pedido da garota e tomar sua boca com força, tal qual suas fantasias intrusivas embaixo do chuveiro mostraram.
E seja porque estava sendo levada pela curiosidade ou porque estava dando seu melhor, os dois sentiram a pele em chamas de um jeito voraz. Ela preferia morrer a concordar com alguma coisa dita por , mas não podia negar que realmente nunca tinha sido beijada daquele jeito — a língua lenta e firme, aquelas mãos passeando por suas costas de um modo distraído pra não descerem até a cintura, a respiração pesada e quente saindo pelo nariz e se misturando com a dela; o cara levava jeito pra coisa. Mesmo que ela tenha tomado a atitude nas vezes anteriores, a cabeça cheia de determinação em fazer com que a olhasse tirava todo e qualquer foco dela do momento presente. Ganhar um beijo de do nada, fora de seus planos, apagou isso; arrancou ela de sua obsessão de anos. Agora estava ali, sentindo aquele beijo mais do que sentia os próprios lábios.
E então, Jung não parecia mais aquela figura esnobe e esquisita que se sentava ao lado de seu primeiro amor, roubando toda a atenção da mesa e dando-a uma vontade constante de enforcá-lo no primeiro ventilador de teto que encontrasse. Agora, ele era o cara que todos no campus já diziam que era, mas a cabeça de se recusava a ver: bonito, magnético, engraçado, com um beijo fora do comum e sexy até mesmo com sangue escorrendo do nariz (campeonato do ano passado, longa história). E estaria tudo bem se parasse por aí.
Mas quando ela agarrou a barra de sua camisa em resposta ao aperto dele em seu quadril, o garoto levou as mãos à alça fina de seu vestido, abaixando-a sem notar, assim como seus beijos, que finalmente passaram a explorar o pescoço dela.
— … — ela tentou dizer, e o tom de sua voz, agora abafada pela nuvem de tesão, quase foi capaz de deixar de joelhos. não tinha ideia do que estava causando. A jaqueta dos Victors foi arrancada com pressa e jogada no chão, seja por ele ou por ela.
voltou a beijá-la, a cintura pressionada na altura do estômago dela, duro como uma pedra. Aquilo jorrou uma tempestade de fantasias em , que só imaginou esse tipo de coisa com Min e o Leonardo di Caprio dos anos 90. As mãos dele subiam e desciam ansiosamente pelo tronco da garota enquanto buscava o ar, tendo consciência do que estava fazendo e calando todo o burburinho de vozes da mente que tentavam impedi-lo. Saber que Sürer tinha aquele gosto, e meu Deus, tudo aquilo… Estava sendo demais pra ele. Os dois começaram a se movimentar sem rumo, agitados demais para ficarem parados no mesmo lugar, e não demorou para sentir o colchão nas costas, com em cima de seu corpo enquanto ela deslizava a mão por baixo de sua camiseta até raspar as unhas em cima de seu rim direito, sentindo a pele inteira formigar.
Quando essa mesma mão desceu até alcançar o cós de sua bermuda, um choque elétrico estremeceu toda a coluna do vice-capitão, acordando-o pra vida, afastando a boca da dela num ímpeto.
— … — ele estava ofegante ao mesmo tempo que parecia meio dopado. — Isso é meio… Merda. Não, a gente não po-
— Cala a boca, Jung , e continua o que estava fazendo. — ela respondeu irritada, sufocada pelo próprio tesão, não pensando em nada além daquele beijo. Voltou a devorar a boca dele antes que ele protestasse e, quando voltou a deslizar as mãos por baixo da camiseta do Pink Floyd, puxou o tecido pra cima, bagunçando os fios de cabelo que ainda não tinha bagunçado. Ela usou os poucos segundos longe de sua boca para esticar os olhos pelo corpo dele, que já até tinha visto algumas vezes durante os treinos informais de hóquei no verão (a única época do ano em que Min também tirava a camisa), mas nunca de uma forma que a deixasse tão… desconcertada. Meu Deus, isso tudo estava ao lado dela o tempo todo? Era quase um pedido pra uma garota se atirar no seu colo.
Voltaram a se beijar, dessa vez de forma selvagem e quase violenta. estava ciente do volume duro em sua barriga, assim como estava ciente da mão dele contornando a região do seu peito, e um palavrão saiu como um rosnado da boca de quando agarrou um, transformando o cérebro da garota em gelatina. sabia o que aconteceria; levaria 20 minutos ou menos pra gozar na própria calça se colocasse a boca onde tanto queria, e seu cérebro até estava tentando fazê-lo parar, mas levantou a perna direita para entrelaçá-la no seu quadril, fazendo o vestido subir até a pelve, exibindo mais do que apenas um fiapo da calcinha de renda cor-de-rosa.
Cacete. Até o seu cérebro calou a boca, aceitando a derrota.
estava pronto pra se entregar àquela maluquice quando um estrondo fez com que a música de fora invadisse o quarto. Ele se afastou de com um pulo, mais ofegante do que antes, virando na direção da porta.
Min estava parado no limiar, bufando como um touro, os olhos arregalados e a testa enrugada como um animal.
— Não dá pra acreditar… — ele murmurou, e sua melhor voz de professor não estava presente. Ela estava enterrada no mais fundo da garganta, impedindo-o de respirar direito. O capitão parecia desorientado, como se tivesse acabado de entrar em um abatedouro de gado ou no quarto vermelho do Christian Grey.
se colocou de pé ao lado de , ajeitando o vestido embolado e o cabelo bagunçado, pela primeira vez se sentindo constrangida pelo que havia acabado de fazer, exatamente como se sentiu no vestiário, com aquela vozinha gritando: o que você acabou de fazer? SUA MALUCA, VOCÊ QUASE FEZ ISSO COM JUNG , JUNG !!!! SÜRER, JUNG NÃO SE CHAMA MIN , O QUE DEU EM VOCÊ? TÁ PRECISANDO DE UM PARAMÉDICO??
De repente, parecia uma ideia ótima fugir, se enterrar viva em alguma terra histórica da Virgínia e nunca mais voltar. Foi o que mais desejou quando viu parado ali, bem na sua frente, encarando-a com o mais puro desgosto.
— … — ela começou, mas ele balançou as mãos no ar, calando-a.
— Eu não quero ouvir, . Não quero ouvir nada de vocês! — ele gritou, as pontas de suas orelhas começando a ficar meio vermelhas. — Mas que porra é essa? O que caralhos vocês pensam que estão fazendo? Hein?! Vocês dois?! Em que universo estamos? Vocês se detestam! E você… — apontou para . — Sempre achei que todas as suas declarações, suas cartinhas perfumadas, seus chocolates e toda aquela baboseira de gostar de mim fossem só uma fase, uma coisa de criança que ia passar quando você encontrasse outra pessoa, mas aí você… Vocês… — quando se virou para , a entonação de sua voz baixou, e os ombros deram uma queda no ritmo da sua respiração. — Você não tinha que ter mentido pra mim. Você falou pra todo mundo que o que disse era mentira, mas daí eu vejo os dois se beijando no vestiário, depois na pista de dança e agora tudo isso, porra…
— , não é isso…
— Não é? O que é, então? Ficada casual? Hormônios? Acha que eu não te conheço? — bufou, agora as orelhas totalmente vermelhas. abriu a boca, mas não tinha como retrucar. estava certo em ficar chocado; nada daquilo era típico de Jung , um dos únicos atletas universitário do planeta Terra que gostava de pagar o jantar pra uma garota e saber mais do que o seu primeiro nome antes de levá-la pra cama. — Eu acreditei na sua versão. Deixei falar o que quisesse porque ela sempre foi assim, mas você… Acreditei que não tinha nada, que você não mentiria, que nós… Achei que nós…
— Eu não menti, ! — respondeu , entredentes. Uma multidão começava a se formar na porta do lado de fora. — É complicado, mas isso aqui… A gente… — ele gesticulou para si mesmo e a garota, mas quem estava querendo enganar? Não tinha como explicar aquilo. Todos os seus planos de desmascarar e aquele plano zoado foram por água abaixo a partir do momento em que beijou ela. — Cara…
— Mas que coisa, ! — se manifestou, ansiosa. — Escuta, esse plano foi meu, a dona da postagem fui eu e eu meti o nessa! Foi tudo pra te fazer ficar com ciúmes, pra você perceber que nós…
rasgou o discurso dela com uma risada alta, mas que não tinha absolutamente nada de divertida.
— Ciúmes? É, claro. Por que não me lembrei que você continua tão madura quanto uma garota de 13 anos? — ele se aproximou, deixando que todos os vincos de sua testa emergissem. — Armar essa confusão toda, envolver o nome do , reivindicar algo por conta própria só pra tentar me fazer sentir incomodado? Isso é baixo, é ridículo! Você passou de todos os limites, . E não valeu de nada, então parabéns por perder o seu tempo.
— Ah, não valeu? — ela arqueou as sobrancelhas e deu um passo à frente. — Então o que você faz aqui? Por que ficou tão zangado com o beijo que você viu? Por que foi entrando por esse quarto agora, mesmo sabendo o que encontraria? Isso só pode ser porque você-
— Porque não é você, ! Não é você que eu queria ver, não é você que eu torcia pra ser mentira, e não é por você que eu vim nessa festa idiota, caramba, eu não gosto mesmo de você, eu gosto do-
Ele olhou para imediatamente.
— Como assim? Do… — parou e seguiu seu olhar. As palavras deram meia volta e foram engolidas para o mais fundo da garganta, como água escoando depois de puxar a tampa do ralo.
Um silêncio mortal tomou conta do aposento à medida que as pessoas iam entendendo o que estava acontecendo. estava pálido, chocado e assustado com o que havia acabado de sair de sua boca. não se mexia nem por um centímetro. baixou os olhos, repassando os últimos segundos, minutos, horas ou anos. Todo aquele cômodo de tapeçaria cara e uma cama bagunçada se transformou em uma caixinha de fósforo, apertada e sufocante.
Até mesmo os curiosos do corredor ficaram mudos, encarando as três pessoas no centro fixamente, bêbados demais para zombarem apropriadamente de alguma coisa, mas despertos o suficiente para saberem que não era a hora certa pra isso.
E, achando a força perdida das pernas, foi embora sem dizer mais nada, deixando a dupla perplexa para trás, no exato instante em que a voz de David Gilmour arranhava o clássico pelas caixas de som: All in all, you’re just another brick in the wall.
Jung era tudo que Min gostaria de ser.
Pelo menos, essa foi a primeira impressão que teve quando o conheceu. Era alegre e corajoso, convicto de seu caminho, tocado pela fé no oculto e no sobrenatural, graças aos seus estudos de outras terras longínquas e sua curiosidade sobre outras culturas; respeitado e querido por todos — o tipo de pessoa que já estava deixando um legado.
Enquanto isso, era um mistério. Ele não era muito bom em conhecer pessoas novas e, normalmente, não encontrava muitas dispostas a desvendá-lo. se tornou o primeiro e único que pareceu animado o suficiente com o fato de também se interessar por hóquei no gelo em um país tão apaixonado por beisebol ou futebol, e também por ele ser um ótimo professor de geometria. Desse jeito, não se importou de se aproximar mais, sem qualquer cautela com a desconfiança e as poucas palavras de . Em menos de um ano, ele se transformou numa pessoa que o fazia bem, o fazia rir, como se estivesse sob o sol de um ponto turístico muito bonito de qualquer parte do planeta, 24 horas por dia.
E isso o encantou. A transparência de Jung arrombava todas as portas que nem sabia que estavam fechadas, o tornando minimamente mais confiante para fazer testes para um time, frequentar os treinos, fazer novos amigos e ganhar autoridade para ser nomeado capitão. Às vezes, ele era até capaz de dividir umas 3 cervejas com os colegas depois da aula, mantendo a bateria social num nível seguro, mesmo que naturalmente baixo. Mas se estivesse junto, ele iria até de manhã. Na verdade, se estava com ele, poderia ir a qualquer lugar, fazer qualquer coisa. Ele era tipo um carregador portátil de celular com energia infinita, e que se encaixava perfeitamente com .
Aos poucos, um novo Min ia surgindo, um que estava se abrindo para a vida porque queria, e não porque devia. Sua vida inteira foi baseada naquilo: você devia fazer Direito. Devia usar vermelho no Natal. Devia comer mais rabanete. Devia gostar da sua vizinha, ela é uma garota ótima.
Com , ele não devia nada. Só devia ser Min , e isso era o bastante para o seu melhor amigo.
Por muito tempo, o capitão tratou esse sentimento como nada mais que um carinho extremo pela amizade que cultivava com seu vice. Ele nunca foi um cara de muitos amigos, e de repente, se sentasse sozinho na mesa enorme do refeitório da UNS, as perguntas começavam: onde é que está o ? gostava disso, mesmo sem saber porquê gostava.
Mas então veio a história de . E o adeus às suas noites de sono tranquilas e prazer pelo jantar.
A constatação do que realmente sentia por aconteceu em câmera lenta, o atingindo aos poucos, até explodir no dia da festa, depois de ter achado uma ótima ideia misturar whiskey com cerveja pra esquecer a cena lamentável da pista de dança. Quase uma semana depois, os ruídos da história finalmente começaram a esfriar nos corredores do campus, dando lugar à excitação do próximo jogo do campeonato. A sexualidade do capitão dos Victors teria que ficar para um outro dia, para uma outra fofoca.
e não trocaram uma palavra sequer até a próxima sexta, quando o garoto estava aproveitando a parte da tarde para treinar uns passes na pista de patinação vazia, apenas com a companhia de A Horse With No Name do America, que era justamente a estampa da camiseta que usava.
Fazer aquilo todos os dias o ajudava a pensar menos. A última semana tinha sido intensa demais para que uma pessoa só conseguisse passar sem descarregar nada. Ainda mais que, no final de tudo, ele tinha mesmo magoado , mesmo que não fosse pelos motivos que pensava.
também não estava muito diferente. Depois de fazer uma regressão de toda a sua vida dezenas de vezes enquanto se deitava de costas para a parede de posters, e de não dizer uma única palavra por 2 dias inteiros, a garota se entocou com seus quadros em branco no ateliê do departamento e sujou os dedos mais do que nunca, só para conseguir um tempo para o seu cérebro processar a informação. Era a primeira vez que estava abandonando alguma coisa; e tudo bem que, depois de um tempo de reflexão, aceitou que essa coisa nunca tinha sido dela de verdade, mas seus sentimentos por fizeram parte de sua personalidade tanto quanto suas tintas em aquarela faziam. Era tempo demais se esforçando por alguma coisa que, no fundo, nunca poderia ser mudada.
Aya tinha tentado conversar, mas não ajudava. Dizia que estava bem, que sobreviveria, mas não era exatamente sincera. Parecia que tinha sofrido um ferimento na cabeça, os pensamentos agora rolando com lentidão. Mesmo assim, depois da sua semana sabática de reclusão, ela sabia o que precisava fazer. Na verdade, ela e sabiam.
E então, pensar um no outro revelava mais um motivo de perturbação: eles.
Naquele fim de tarde, entrou na arena vazia, ouvindo os estampidos do taco batendo no disco, sendo lançado à parede com um estrondo. O barulho frenético dos patins eram rápidos e precisos, e nem se importava de não estar de capacete. Os joelhos se flexionavam quando se preparava para lançar mais um, e então subiam novamente, fazendo tudo com uma velocidade impressionante.
Quando se preparou para fazê-lo mais uma vez, ele olhou de relance para o lado a tempo de ver a garota se acomodando na primeira fileira da arquibancada, acenando rapidinho com as mãos enquanto esboçava um sorriso tímido.
parou, ajeitando a postura. Parecia que não a via há séculos. No fim daquela festa louca, ela simplesmente saiu correndo para o dormitório, e basicamente sumiu do mapa nos dias seguintes, deixando-o em um estado irreconhecível. Parecia meio errado pensar em depois de tudo aquilo — e, se alguém fazia alguma pergunta, ele só permanecia calado ao invés de negar —, mas ele perdeu as contas de quantas vezes saiu da biblioteca e cortou caminho para passar na frente do seu alojamento, torcendo para encontrá-la, mesmo que nem soubesse o que diria.
Mas agora ela estava ali, e parecia um bom momento para alguma coisa acontecer, ou de só trocar um cumprimento básico. Diferentemente de antes, Jung não se sentia mais tão blindado em relação à , o que ficou muito claro no jeito como seu coração ficou batendo forte mesmo depois de ele já ter parado de correr.
Ele tirou os fones e patinou para o lado de fora, indo para perto dela.
— Oi. — disse .
— Oi.
Ela pressionou os lábios e não disse mais nada. engoliu em seco e sentou do seu lado, olhando para o seu rosto de relance. Havia algo fora do lugar a respeito de suas roupas, de seu cabelo geralmente solto e arrumado. Agora ela usava jeans, tênis e camiseta, e tudo estava mais sujo do que nunca, com manchas de tinta indo desde a base do pescoço até no tecido pra baixo das coxas. Isso a deixava mais natural, e gostou muito do que viu.
— Você tá mandando muito bem. — disse ela, depois de um tempo. — Quer dizer, você sempre mandou, mas… Enfim, parece que vão precisar estar ótimos no próximo jogo.
— É, talvez mais do que ótimos. O pessoal da POSTECH ganhou o último campeonato, e eles não vão vir de tão longe pra perder esse título.
sabia bem pouco da POSTECH, na verdade. Estava sendo difícil fazer parte do time naquela semana, quando o capitão e o vice estavam se falando menos do que o necessário.
— É, entendo… — assentiu, sem muito pra acrescentar. — Mas vocês são os Victors. E os Victors nunca perdem em casa, lembra? Vai dar tudo certo. Já marquei meu lugar nessa arquibancada com canetinha pra torcer.
Ele abriu um sorrisinho de canto que sempre odiou por cair tão bem nele.
— Então foi por isso que veio?
Ele mal estava olhando pra ela quando perguntou. Ficou ocupado lembrando daquela cena maluca de semanas atrás, de torcendo por ele com cartazes e convocando uma plateia para gritar o seu nome como se ele fosse a Beyoncé. Aquilo o causou raiva na época, uma raiva misturada com constrangimento, mas agora ele precisou soltar o ar por causa da pressão exercida pelo próprio sangue queimando no rosto só de imaginá-la fazendo a mesma coisa de novo.
olhou para os próprios tênis gastos que tinha deixado de usar há um bom tempo.
— Na verdade, eu… Você falou com o ?
— Falei. — ele respondeu. — Foi uma conversa bem longa. E importante, é claro. Ele foi sincero, eu também fui. Deixei claro que todos nós do time o apoiamos em qualquer situação e que não vamos permitir que ninguém de fora diga nenhuma merda pra ele. Pode-se dizer que ficou tudo bem. — ele deu de ombros, descontraído. — Acho que foi bem difícil pra ele… descobrir essas coisas sozinho, sem ter ninguém pra conversar. E, por mais que dessa vez eu não seja a melhor pessoa pra isso, garanti que ele pode contar comigo. Alguma hora as coisas vão voltar ao normal.
Era mais um desejo do que uma afirmação, mas entendeu o recado. Ela assentiu devagar, olhando para a pista lisa de um jeito distante.
— E você? — perguntou ele, reparando que ela estava entrelaçando os dedos uns nos outros; fazia isso quando ficava nervosa, coisa que ele só sabia porque estava presente nas suas interações com a maior parte das vezes. — Tá tudo bem?
— Eu? — ela o encarou. — Acho que sim. Não sei. Pensei em muitas coisas nos últimos dias. Tomei coragem pra conversar com ele, e parece que ficou tudo bem também, mas sei lá. Ainda não consigo evitar de me sentir mal pelo que eu fiz.
— Não precisa se sentir assim. — ele respondeu na hora, disposto a sumir com aquela nuvem escura que cruzava o rosto de . — Quer dizer, você não sabia. Nem eu, nem ele. As coisas simplesmente… aconteceram. E não dá pra dizer que seu plano maluco foi em vão.
— Como assim? — ela franziu o cenho.
— Você não disse que ele ficaria mexido? Que finalmente teria uma atitude? Pois você fez isso, de um jeito meio torto e irritante, mas fez. — explicou, com um sorriso brincalhão.
riu, dando um empurrãozinho no seu ombro. Ele estava quente e com o mesmo cheiro que ela sentiu naquele dia do vestiário, como se ele não precisasse de sabonete como as pessoas comuns, porque suor, gelo e copolímeros de livros já formavam um aroma único e estranhamente bom ao redor dele. Ela respirou fundo.
— Me desculpa por tudo, tá bom? — disse, voltando a olhá-lo. — Eu sei que sempre odiei você, e odiava aquele seu sorriso patético de Votem em mim, como se você fosse tão incrível quanto a galera fala, e era sempre a primeira opção do , mas isso não me dá o direito de postar nada. Foi um impulso. — suspirou, ficando aliviada um pouquinho que seja por dizer aquilo. — Aya nunca entendia porque eu me sentia assim, o que me fazia te odiar ainda mais, porque não gostar de você me taxava como o anticristo, e isso era um saco. Seria muito melhor se você fosse um atleta escroto e mulherengo, que derruba o lanche dos calouros ou batiza a bebida de garotas nas festas. Mas não, você sempre foi o mocinho. E eu era a vilã.
— Vilã? Não. — riu. — Não, eu não dançaria com uma vilã. Eu nem estaria sentado aqui com uma vilã.
— Uma anti-heroína, então?
— Aí eu já estaria morto. Anti-heroínas são bem mais perigosas que as vilãs.
— Eu inventei um boato de sexo sobre você. Podia ter destruído seu casamento, ou seu namoro, ou qualquer conversinha sua com outra garota.
Ele curvou os lábios para baixo e deu de ombros.
— Talvez, mas não tinha ninguém assim, então você tá perdoada.
— Então sou só uma garotinha qualquer que te odiava? Não era bem isso que eu queria colocar no meu currículo.
estudou seu rosto, ainda com aquele sorriso largo que, pensando bem, convenceria mesmo você a beber um copo de água enquanto enfiava 90 balinhas Fini na boca em menos de cinco minutos, se ele assim quisesse.
— Você é a . Meio maluca, irritante, inconveniente, mas… é só a .
Um bolsão de ar quente ficou preso na glote de , descendo depois como uma bola de canhão e fazendo tudo pegar fogo por alguns longos segundos enquanto ela olhava pra ele.
— Não adianta me elogiar, Jung, eu ainda deveria te odiar. Ainda mais agora, que você roubou o coração do meu primeiro amor.
— Você não pode dizer isso quando eu rejeitei o seu primeiro amor. Da forma mais amigável possível, é claro. — agora ele estava vendo ela sorrir, e o efeito foi igual, até mais intenso do que sentiu. — Mas… você falou um monte de deveria. Isso quer dizer que não me detesta mais?
sacudiu a cabeça, negando.
— Acho que agora consigo frequentar lugares em que você esteja sem querer atirar um pincel no seu olho esquerdo.
Ele mordeu o lábio inferior, virando o rosto para o outro lado para sorrir sem que ela visse.
— Você já assistiu Palhaços Assassinos no Espaço Sideral? — perguntou de repente, agora tentando controlar o próprio nervosismo.
assentiu.
— Não existem filmes ruins que eu já não tenha visto.
— Já assistiu a versão polonesa?
— Acho que ainda não. — ela semicerrou os olhos, pensativa. Ele esboçou um sorriso tímido e agarrou o taco com um pouco de força, sentindo-se como um adolescente.
— Bom, então… Topa assistir comigo um dia desses? — perguntou, a coragem surgindo no último segundo. Ela franziu o cenho, um pouco confusa. — Também tem a versão deles de Uma Noite Alucinante, é bem mais assustadora que a americana. E disseram que tocam Hold the Line do TOTO nos créditos, mas acho que é o único jeito que acharam de fazer as pessoas assistirem.
O calor voltou de novo. sentiu algo diferente ao olhar o que parecia ser Jung , vice-capitão aclamado dos Victors, nervoso ao chamá-la pra sair. Sentiu o estômago contrair, as borboletas voarem e uma certa expectativa de algo que ela não sabia do quê. Talvez fosse simplesmente do novo — algo que nunca experimentou, já que estava ocupada demais se prendendo a sentimentos antigos.
— Claro. Mas se eu não ouvir nenhuma música do TOTO, você vai ter que cantar pra mim. — disse ela, estreitando os olhos. Um fio quente desceu pela coluna de , mais de alívio do que de receio.
— Combinado, então.
FIM.
Nota da autora: Olá! Eu AMEI essa fic!! Nunca tinha imaginado que o Hobi daria tão bem sendo jogador de hóquei, ou a minha imaginação foi exclusiva, mas seja o que for, obrigada por ter lido e espero que você tenha gostado tanto quanto eu!
beijos,
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