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━Autora Independente do Cosmos.
Encerrada ✔️

Não fazia muito tempo que estava em liberdade condicional.
A exigência do governo era que ele aparecesse, duas vezes por semana, no centro de reabilitação para jovens viciados, que ofereciam um combo de todas as atividades recreativas e tediosas que o matariam bem mais rápido que as drogas — de puro tédio.
Apesar disso, aceitar responsabilidades estava se tornando parte de sua rotina do jeito mais forçado que a vida poderia proporcionar. Desde que seu cotovelo acertou rostos, e joelhos encontraram peitos, aquela era a única coisa que poderia fazer: aceitar. Não fazia sentido comprar uma briga falida. Ele estava errado, no fim das contas.
Eram as malditas drogas que povoavam o seu cérebro.
Naquela fatídica noite, sua mente se encontrava em um estado tão absorto que ele mal sentiu quando o cara qualquer agarrou em seu casaco e o usou para jogá-lo contra o capô lustroso de algum Volvo. A partir daí, escutou-se apenas barulhos desconexos de golpes e a sirene há alguns metros, brilhando em luzes vermelhas e azuis. Ele foi levado com as mãos algemadas para o banco de trás, lamentando-se unicamente pelo carro e xingando os outros adversários com o lábio sangrando.
A história de era breve e previsível. Pai abusivo, mãe submissa, más notas na escola, relação precoce com as drogas e as bebidas, relacionamentos passageiros e toda a bagagem pesada e clichê que montam as pessoas problemáticas da era moderna. Talvez, no fundo de seu coração, ele só queria que alguém o amasse da mesma forma como amou o pai antes de entender quem ele realmente era — Billy era um homem frustrado e bêbado que teve 3 filhos com uma linda mulher, e um deles o amava mais do que os outros. A criança mais nova foi a que mais sofreu com os maus tratos, porque era horrível receber amor puro quando você se achava um merda demais para merecê-lo.
era um sujeito bonito, carismático, rico e transparente, e um dia ele foi arrastado com seu BMW cinza-carvão de brinquedo e espancado de forma horrenda por seu pai ao descobrir que toda a fortuna da família Qian estava indo pelo ralo. Isso foi numa quarta-feira. Antigamente, as quartas eram separadas para jogos de tabuleiro entre pai e filho, com o objetivo de melhorar a atividade cerebral de . Essas quartas-feiras nunca mais existiram, assim como o status de herdeiro.
Agora, as quartas serviam para outros jogos com outras pessoas e participações "voluntárias" em vendas de garagem. No fim da sexta-feira, ele tirava o sorriso do rosto e vestia a jaqueta surrada de couro, entregava os relatórios diários aos inspetores da reabilitação e acendia seu cigarro a caminho de Qianmen à procura de bebida barata e uma dose menos avassaladora das pílulas — eram outras, mais fracas e menos letais, mas ainda não o davam direito a uma medalhinha que acompanhava a frase “estou limpo há…” — e não proferia uma única palavra pelo resto da noite.
No entanto, naquele dia, algo inesperado o faria ficar mais falante do que o normal.
O sábado estava separado para o dia oficial da ressaca. Depois da morte do pai há dois anos, que o deixou surpreendentemente com algum dinheiro acompanhado de uma mensagem tardia de arrependimento, se viu com um lugar para morar em um pequeno apartamento na esquina de um lava-jato. A quantia não valeu de nada nas mãos de um garoto que já estava perdido em agulhas e traumas infantis que jamais seriam resolvidos com um pedido de desculpas escrito em um papel.
O testamento o proibia de manter a sanidade enquanto bebia, fazendo-o se perguntar repetidas vezes quem realmente era Billy e porquê pessoas más davam um jeito de sair por cima no último suspiro dispondo de qualquer caridade. Naquela noite de sexta, ele faria questão de esquecer da boa casa que o esperava, das roupas e dos móveis comprados sem qualquer felicidade com aquele dinheiro. Sua mãe continuava muda para todos os gastos desnecessários, até mesmo quando acabava com sua vida e, no final, todas as palavras guardadas e os sapos engolidos explodiram em um tumor dentro de seu cérebro, fazendo-a morrer não muito tempo depois.
O Kavazake era imerso em luzes vermelhas psicóticas e cadeiras verde-neon que tornava o ambiente um verdadeiro sacrilégio estético. O dono do lugar, Jean, um irmão mais velho que geria finanças e a vida dos outros irmãos mais novos até que eles completassem dezoito anos, era um dos motivos da constante frequência de . Inconscientemente, ele gostava de observar o cuidado filial de outras famílias, como se amenizasse sua frustração com a sua própria. Poderia funcionar nos primeiros 40 minutos, mas em seguida, todas as lembranças voltavam e ele não suportava respirar naquele lugar.
Ao se sentar em uma das cadeiras ofuscantes, um copo foi prontamente depositado abaixo de seu nariz, e já estava devidamente cheio antes mesmo que ele desse um boa noite.
— Está 3 minutos atrasado hoje. — a voz de Jean era rouca pelos cigarros e, talvez, por um câncer na faringe. — Estava roubando o carro do seu irmão?
— Só os amigos têm esse direito. — engoliu a dose com rapidez, sentindo que o líquido queimava menos a cada dia que passava. — Eu e meus irmãos deixamos de ser amigos há muito tempo.
Ainda mais quando, há menos de um ano atrás, realmente tentou pegar o carro de seu irmão, uma linda e estonteante Land Rover, conduzido pelo amontoado de heroína, que acabou em um golpe tão duro que até Jean poderia senti-lo há quilômetros de distância.
Jean deu uma longa risada grossa e voltou a encher o copo.
, com o cabelo ruivo contrastando com a iluminação, entrou no bar. Seu olhar cruzou com o de Jean imediatamente.
A garota avançou vários passos até se sentar no entorno do balcão. Jean ainda a encarava enquanto esperava que ela abrisse a bolsa, puxasse um cigarro e o olhasse com extrema dúvida. Por fim, o homem suspirou e puxou outro copo vazio.
. — disse, em um tom mais baixo e ligeiramente mais gentil. — Se não gosta de fumar, não fume. Estando aqui dentro, suas roupas já fedem o bastante para irritar sua mãe.
não virou a cabeça. Deixar os ouvidos trabalharem mais do que os olhos era algo que pudesse se orgulhar, mesmo que não servisse para nada na sua vida real. Quando o cheiro adocicado se acomodou ao seu lado, ele imediatamente soube que ela não deveria estar ali. Perdida. Mais perdida do que ele.
Um sorriso sinistro pintou os lábios de . Ela guardou o cigarro de volta na bolsa. Quando falou, sua voz era aveludada e tranquila, demonstrando incerteza.
— Desculpa, Jean. Hoje eu quero acrescentar o cheiro de whisky.
O barman fungou em desaprovação. continuou impassível, erguendo uma sobrancelha. Não era como se ele fosse negar um montante a mais que ela certamente largaria naquele balcão. Com um movimento preguiçoso, ele apontou para o copo do garoto ao seu lado.
— Peça o mesmo que o . Whisky é para pessoas que já desistiram de suas almas há muito tempo. — um novo copo ganhou o mesmo conteúdo que o de . Ao ouvir seu nome, ele deu uma breve espiada na garota ao lado. Ela já estava fazendo o mesmo.
Ela vestia branco, que foi pintado de um rosa debaixo de toda aquela luz escarlate. Seu cabelo desaparecia e se tornava parte do cenário, e seus lábios eram finos e sem batom. Ele desconfiava, mas vendo foi o bastante para ter certeza: perdida.
Os olhos dela rastreavam cada pedaço dele de forma rápida e suntuosa. Ele a achou bonita. Ela o achou bonito, aquele tipo de beleza que remetia ao mistério.
— E o que está bebendo? — sua pergunta foi direcionada a ele. O garoto prendeu o cigarro entre os dentes e remexeu no copo lentamente.
— Não tenho a menor ideia. — respondeu em voz baixa, olhando o barman de esguelha. — Ele faz a minha bebida. Acho que tem um pouco de tudo.
— É só gim tônica. — Jean deu de ombros. — Aprecie o poder de uma bebida doce, . Vai me dar menos dor de cabeça.
O homem se retirou com uma reverência teatral. encarou a bebida pronta, quase transparente, e em seguida olhou para o garoto de novo. Ele não estava mais bebendo, mas também não a encarava mais. Tudo que fazia era destilar fumaça entre os dedos e manter o olhar no restante de líquido em seu próprio copo, mesmo que sem olhá-lo realmente. Tudo indicava que ele não tinha interesse em uma conversa, mas tinha deixado essa personalidade de quem se importava em casa.
— Então… , não é?
, não é? — o rapaz ergueu uma sobrancelha. Rir foi a primeira reação de . O gelo derretia dentro do copo médio. Ela passou os dedos pelo lado de fora antes de virar o rosto para ele.
— Isso é forte o bastante pro cheiro que eu procuro?
— Isso é forte o bastante pra desviar os problemas da cabeça por algumas horas. Nada muito grave. Mas tudo que te leva pro imaginário deixa marcas evidentes, então não se preocupe com isso.
molhou os lábios. Ingeriu um grande gole da bebida, sentindo-se como uma pessoa desvairada que se joga no meio de uma briga de gangue. Seu cérebro girou por alguns instantes, e seus olhos se apertaram com força com o golpe. assistiu a toda essa sequência com curiosidade; ela estava perdida, mas estava disposta.
— Qual é a situação iminente? — perguntou, servindo-se de sua própria dose.
— Jantar com minha mãe. Saí de casa há pouco tempo e ela acredita de verdade que vou implorar pra voltar.
— Problemas com seus pais?
— E quem não tem hoje em dia?
— Aqueles que já os perderam.
parou. A bebida esquentou em seu peito e o remorso a fez virar o copo novamente e secar o que tinha restado.
— Sinto muito. — disse, com a voz embargada. deu de ombros, descontraído.
— Não é como se eu lamentasse muito, de qualquer maneira. No fim, seriam mais pessoas na lista revisando meus termos da condicional.
— Você está em condicional?
— Isso te assusta?
— Matou alguém?
— Só o meu cérebro.
— Ah… — uma de suas sobrancelhas se ergueu em compreensão. Claro, as drogas. — Frequenta a reabilitação?
— Por ordem do governo, sim.
— E está funcionando?
— Em parte, sim. Consigo andar na rua sem enxergar zebras no lugar de pessoas.
— Por que zebras? — levantou os ombros.
— Não sei. É uma viagem cósmica. — soltou uma risada nasalada. O gelo derretia dentro de seu copo; e talvez dentro de seu coração. — Sempre gostei do conceito de yin-yang. Preto e branco, bem e mal. Os dois dividindo o aluguel dentro das pessoas, lutando pra ver quem leva a melhor. As zebras são apenas simbólicas. O jeito como a minha cabeça materializa toda essa coisa.
Os dois se olharam com divertimento. Algo de bom e de ruim também dançava na mente de . Uma delas gritava “ele é um ex-presidiário e um viciado em reabilitação, como você ainda está sentada aqui?” e a outra sorria levianamente e repetia “você disse que não propagaria a mentalidade fechada e discriminatória daquela mulher, então por que não permanece sentada pelas próximas 2 horas antes de encontrá-la e bate um papo com esse rapaz charmoso e interessante?”.
Um dos lados ganharia antes das 2 horas.
— Isso é muito estúpido pra você? — perguntou ele após o momento de silêncio.
— As coisas mais sábias soam como as mais estúpidas. — a garota sorriu. deixou que os cantos dos lábios subissem um pouco, insistindo para sorrirem igualmente. — Então sabe ler as pessoas e adivinhar qual dos seus lados prevalece?
— Não exatamente. As pessoas mentem mais do que pensam, e o insconsciente fica incapacitado de avisar que elas estão mentindo. É mais fácil, no final, transformá-las em verdade. Por isso é natural que pessoas más consigam mentir e manipular outros indivíduos com um discurso bem feito. Elas acreditam.
— E pessoas boas que acreditam ser más? — soprou, apertando os dedos na bolsa em controle para não pegar o cigarro. Fumar era algo que ainda não sabia fazer direito. Algo adquirido para irritar o pobre juízo da mãe. Esse cara ainda não precisava saber que ela era um fracasso em vícios ardilosos.
— Essas são mais difíceis de encontrar. — ele a encarou profundamente. Uma pontada de incômodo cutucou seu peito. — Já que bem e mal são relativos. Dependem da época, lugar, culturas…
— Entendo. — repuxou os lábios, e o rapaz afundou a última ponta do cigarro em cima de um cinzeiro enferrujado. Foi uma atitude que o trouxe à realidade por alguns momentos: você está conversando com uma garota bonita, seja menos você. — E existe alguma verdade absoluta nessa sua filosofia de gim tônica?
olhou para ela de novo, observando a forma como seu sorriso era contido, mas seus olhos eram grandes, erguidos e felizes. Um olhar de quem não sairia correndo por qualquer coisa — por qualquer bagunça mental.
— Existe. — respondeu, girando o corpo levemente para ela. — Garotas de 25 anos que nunca tomaram misturas duvidosas de gim tônica são zebras brancas com linhas pretas e não pretas com linhas brancas. Podem ser uma presa fácil para qualquer leão faminto.
— Então está me lendo agora?
— Achei que pudesse ser uma boa tentativa. — os ombros dele se ergueram em firmeza. Ela riu. Ele deixou que os lábios subissem um pouco mais. — Deu certo?
— Não sei. Sou uma garota de 25 anos que ainda está experimentando o autoconhecimento. No fim de tudo, posso ser a zebra preta com linhas brancas.
encarou aquele sorriso alegre e, então, conseguiu abrir a boca para retribuí-la com sucesso.
— Curioso. Acho que vou ficar pra ver o resultado.
Aquela era uma interação de verdade, decente, uma que não tinha há meses, talvez anos. Era como um espetáculo ao vivo, tão empolgante quanto, e se desenrolava rapidamente.
Os dois permitiram se deixar levar.

🧠🖇️


estaria inconsciente antes que pudesse interceder, mesmo que ela simplesmente não tivesse tempo para levá-lo ao pronto-socorro naquela noite.
Daquela vez, as pílulas novas pareciam um test-drive em uma rota lenta em torno de um vulcão em erupção. Era como saltar direto para um golpe tenebroso de braço. As paredes giravam, o chão se transformava em geleia e as zebras eram os indivíduos mais normais de toda a diversidade que habitava em seu cérebro no carnaval de cores que se propagavam no vazio.
Era a nova viagem cósmica na qual ele mergulhava repetidas vezes desde que largou as agulhas.
Quando acordou, toda a luz do sol já havia ido embora. Um cheiro forte de alvejante ou algum outro produto de limpeza impregnava o porcelanato abaixo de seu nariz, e seu corpo estava curvado de bruços no sofá. Erguendo a vista embaçada, ele encontrou as pernas trêmulas da garota sentada, ao mesmo tempo em que ela notou o movimento e virou a cabeça em sua direção. Se estivesse mais sóbrio, veria como seus olhos estavam vermelhos e a expressão beirava ao cansaço extremo. Ele só se mexia naquele momento porque meteu os dedos como um gancho dentro de sua boca, limpando os resquícios de seu vômito violentamente do chão logo em seguida.
… — ele conseguiu se sentar com dificuldade. A garota desviou os olhos para a outra extremidade do cômodo, sentindo o nariz arder novamente, esperando que as emoções estivessem contidas àquela altura. — Você veio cedo…
— Esperava limpar sua bagunça sozinho? — seus dentes trincaram em uma tentativa absurda de manter o tom de voz. conseguiu se sentar, sentindo a cabeça latejar com golpes absurdos em sequência. Algo molhado lhe cobria o braço. Ele pensou que fosse saliva, mas era a mistura fedorenta dos sanduíches do almoço e uma garrafa de cerveja inteira. Ele praguejou em voz baixa, tomando ciência da situação.
— Me desculpa, eu não…
— Quantas foram dessa vez, ?
, não…
Quantas! — agarrou pelo colarinho, e prendeu firmemente a respiração. A visão voltava aos poucos, e a primeira coisa que via com a volta à realidade eram os olhos inchados e pesados da namorada.
— Umas cinco, talvez seis…
o soltou rapidamente, afastando-se com as costas das mãos entre os dentes, fechando os olhos com força, atingida por uma intensa frustração. Ela queria gritar, surtar, ficar com ódio, mas não faria diferença. Não faria a menor diferença se ela estivesse ali — assim como não fez em sua ausência. Ele daria um jeito de usar e ela o encontraria da mesma maneira.
Com um giro de punho ligeiro, enterrou um soco na parede ao lado do telefone. O estrondo foi mais alto do que o esperado, piorando a dor de cabeça de , porém, fazendo-o se pôr de pé em alerta. O corpo da mulher tremia do inferior ao superior, e um gosto ruim e insistente na boca não a permitia ficar calada diante da situação que exigia uma importante decisão.
— Já chega, . — sua voz era calma e branda diante do ruído terrível da batida. As mãos brilhavam em vermelho vivo, sendo totalmente insignificantes frente ao problema principal. — Não posso mais continuar vendo isso.
Era como se ela o tivesse lançado há um metro e meio de distância, o que serviu para aguçar sua atenção. Ele moveu os pés para frente em um movimento súbito, mostrando-se incrivelmente forte para lidar com a tontura remanescente e a dor que gritava no inconsciente.
— Pare. — disse , de repente ofegante. Ela sabia o que viria a seguir e tentaria lutar até onde desse. — Você está se destruindo. Está nos destruindo. Não posso mais fazer parte disso.
continuou se aproximando, todo músculos e adrenalina. , com os pés sujos e mergulhados em odor de produtos variados de limpeza, partiu em sua direção, usando as mãos para empurrá-lo para trás, sentindo os olhos molhados de novo, a queimação de novo, todo o horror desesperado de novo.
— Não! Não, … — soluçou. O garoto umedeceu os lábios, segurando em um de seus braços fracos.
, por favor… Eu… Me desculpa… — a voz que escapava de sua garganta era morta e melancólica. O mesmo desespero se aplicava nele, potencializado em dobro, como sempre acontecia às pessoas que quebravam algo de outra, mas as drogas o deixavam fraco e lento. Ele tinha um machucado cicatrizando na têmpora, resultado do outro grande “porre” e fuga da realidade, mas parecia pronto para começar tudo de novo. — , eu prometo…
— Cala a boca! Cala a sua boca! Você está proibido de prometer alguma coisa! Chega… — outro soluço travou suas cordas vocais. Ela respirou fundo, lutando para voltar ao eixo. — Depois daquela última vez, você prometeu que mudaria. Lembra disso? Prometeu que pararia de usar, que frequentaria a terapia, a reabilitação, toda essa merda disposta pelo governo pra tentar salvar a sua pele! Eu me coloquei à disposição, quis que você conversasse comigo, tivesse uma rotina, procurasse um emprego, que você…
— Que eu fosse um cara perfeito na visão de Archer. — ele soltou as palavras sem notá-las realmente. O discurso da indignação recomeçaria. Por mais que fosse compreensível, algo dentro de se recusava a ouvir, a aceitar, e suas emoções automaticamente juntavam as pedras nas mãos. — Um cara que você moldaria a seu bel-prazer pra servir de confirmação de que não foi tão ruim assim abandonar a casa dos seus pais. Mas olha pra mim, ! Eu sou essa pessoa! Bem aqui na sua frente! Muito longe de ser perfeito, muito longe do príncipe encantado que te ensinaram a querer.
— Você não sabe do que tá falando! Eu quero te ajudar… Fazê-lo melhorar pro seu próprio bem. O seu ego atropela tudo e todos, e estou cansada de ficar no meio disso. Eu tenho um limite…
— Também tenho a porra de um limite, um que é ultrapassado todo dia e é aí que eu… Argh! , eu já disse, não vai mais acontecer…
— Isso é o que você sempre diz! E o pior é que eu queria te culpar, queria jogar a culpa de tudo isso em você, mesmo sabendo que no fundo, você está perdido demais pra ter controle sobre esse vício. É por isso que eu me vi tentando intervir, tentando ajudar, tentando resgatar aquele cara que eu me apaixonei no Kavazake e que me mostrou um mundo totalmente novo. Aquele cara estava tentando se recuperar, estava lutando pra se reerguer…
— Aquele cara estava num dia relativamente bom, . Esses dias não acontecem sempre, nunca aconteceram, não pra mim. Minha vida é uma montanha russa sem fim, uma instabilidade constante e você sabia disso antes mesmo do primeiro mês. Deveria imaginar isso a partir do momento em que soube que eu estava enclausurado naquele inferno. Em vez disso, viu a oportunidade perfeita de me fazer o seu boneco de estimação e me moldar de acordo com a sua vontade, retirando todas as partes quebradas e a sujeira acumulada pelo tempo, mas adivinhe só, : eu nasci quebrado. Se não foi isso, meu querido pai fez o favor de fazer isso por mim bem cedo. Não é algo ao meu controle também… — sua voz embargou, e os sentimentos começaram a querer tomá-lo com força. Agora os dois choravam, imersos em suas próprias feridas. Machucados e bagunçados.
— Sei disso, . Sei de toda essa merda que te submeteram quando você não tinha culpa de nada. Mas depois que crescemos, precisamos dar um jeito com nossas próprias pernas. Você não acredita que consegue mudar, mas eu sim, eu acreditei até hoje, eu te mostrei todas as soluções, eu…
— Você, você, você! Sempre você! Por que então você fez tudo isso, ?
— Porque eu te amo, seu imbecil! Fiz o que eu podia pra que você melhorasse, pra que largasse essa porcaria…
— Me ama? Não, . Você ama a sua imaginação! O cara perfeito e sem defeitos que criou na sua cabeça. — ele bufou. — Se você me ama, descubra se realmente ama. E me aceita do jeito que eu sou. Se não, pode ir embora.
Seu lábio tremeu com a mentira. O arrependimento foi instantâneo e pesado — a voz de seu pai gargalhava em seus ouvidos. franziu os lábios, segurando o resto de lágrimas que poderiam denunciar uma nova crise de choro e começou a caminhar para o outro cômodo.
, espera…
— Suas desculpas não valem de nada, . Nunca valeram. Elas sempre serão usadas contra mim de novo em mais uma pose vitimista, mas isso acaba aqui, e agora. — rangeu, abrindo o guarda-roupa e puxando uma mala pesada. — Estou saindo e me recuso a ser acompanhada até a porta.

🧠🖇️


A maresia ricocheteava os cabelos de com violência.
O restaurante era bonito e refinado. Nada muito caro, mas nada que não precisasse de um mínimo planejamento para ser bem aproveitado. O sobrenome Archer enfeitava o letreiro, e a mesma garota Archer conversava animadamente com uma funcionária de avental, mais linda do que nunca, parecendo cintilante e mais saudável depois de 6 meses. Ali, pensou em dar as costas e voltar. Era como se, saindo por aquela porta meses atrás, retirasse o peso morto das costas e finalmente começasse a viver. Reaparecer poderia acabar com tudo aquilo. Ele não podia fazer isso.
Mas ela o viu antes que ele desse qualquer passo.
O sorriso sumiu e a postura enrijeceu. Não havia como saber qual lembrança ruim surgiu primeiro — a mesma enfermeira que cuidava de em todas as crises, as notas ruins nos relatórios da condicional, as contas não explicadas no cartão de crédito. Talvez apenas a imagem de Qian fosse o suficiente.
Do outro lado do estacionamento, o rapaz não viu outra alternativa a não ser permanecer imóvel. Um crachá brilhou em metal no peito de , o título de gerente, acompanhando-a até a entrada do restaurante. Ela não sabia como ele havia achado o lugar, mas sentia sinceramente que não era a hora certa de perguntar tal coisa.
Por favor, não surte ou qualquer outra coisa a ponto de deixá-la com vontade de chamar a polícia, por favor, só isso…
Onde está o do Kavazake?
? — disse , aproximando-se, com a voz cheia de aviso. — Não sei porque você veio até aqui, mas eu…
— Não vim te causar problemas nem nada parecido. Na verdade, quando soube onde você estava, não sabia se era real ou alguma piada de Jean.
soltou uma risada fraca. Um sentimento de desconforto a avisou que, no fundo, nunca quis que a visse daquela maneira: vivendo a contradição de seus ideais. Voltando para os braços de sua família, de quem tanto se esforçou em fugir.
— Situações desesperadas pedem medidas desesperadas. — se limitou a responder. balançou a cabeça, desejando que ela continuasse falando, que o silêncio não fosse preenchido por ele e suas informações sem sentido, mas ela não estava disposta a tratar o encontro como uma boa ideia.
, eu queria…
— Acho que sei o que você queria. E não posso aceitar, eu sinto muito.
Ele piscou os olhos várias vezes, em confusão.
— Mas… Eu… — uma respiração pesada demonstrava toda a sua aflição. — , já se passaram 6 meses…
— Você está limpo?
— Sim! Estou limpo há 2 meses, dessa vez eu posso provar. — ele retirou uma medalhinha do bolso da jaqueta. olhou-a por alguns segundos antes de desviar o rosto. — Eu tô tentando. Vendi alguns móveis inúteis, fiz um dinheiro, comecei a trabalhar em um estúdio…
— Desculpa, . — a voz cortante o fez parar imediatamente. lutava contra a vontade de acreditar em suas palavras; a vontade de largar aquele crachá e toda aquela nova vida para cair nos braços do homem de novo; a vontade de voltar aos velhos dias, aos momentos bons. — Você já disse isso algumas vezes e sempre paramos no mesmo lugar. Eu realmente desejo que dessa vez você esteja levando a sério e melhore definitivamente, mas eu não posso fazer isso de novo quando já não tenho mais nenhuma confiança em você. Espero que você fique bem. — e então, com um sorriso fraco de lado, ela deu as costas e começou a se afastar dele.
, por favor… — ele a alcançou a tempo de pegar em seu cotovelo e fazê-la frear os passos, mas a atitude foi vista com prepotência. Com um movimento brusco, balançou os braços para se soltar e virou-se com agonia.
— Não, . — pontuou, com os dentes cerrados. — Enquanto essas coisas estiverem presas no seu cérebro, eu não posso ficar presa a você. Por favor, não me procura mais.
Mais um golpe decisivo vindo de Archer, a única capaz de deixar Qian atordoado. Foi tão forte que deixaria seu lábio sangrando, mesmo que os dentes ainda se mantivessem inteiros. Ela se retirou com a postura reta e confiante, demonstrando mais seriedade do que nunca.
E então, a realidade marchou como nunca em direção ao rapaz: perdido. Sozinho. Pagando o preço inevitável dos vícios tenebrosos.
No entanto, só eles poderiam apagar sua mente e deixá-lo sonhar com uma existência perfeita onde seu pai não fosse um monstro e Archer fosse sua princesa.




FIM.


Nota da autora: Olá! Espero que você tenha gostado, e obrigada pela sua leitura. Até a próxima! beijos,
Sial ఌ︎


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