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━Autora Independente do Cosmos.
Finalizada ✅️

soltou um suspiro profundo pela milésima vez enquanto secava um pouco mais do cantil prateado cheio de whiskey Yamazaki no carro, tentando controlar o nervosismo que parecia percorrer cada fibra do seu corpo. Era para ser só mais um dia comum entre tantos, uma visita ocasional a Gwangju depois de tanto tempo sem botar os pés naquele lugar. Mas agora não tinha escolha, por um pequeno detalhe: o casamento de sua irmã. Ela insistia que estava se unindo ao "amor da sua vida." Bobagem, ele pensava. Tinha decidido não ir, até que seu cunhado fez uma ligação de vídeo, dizendo que um dos maiores sonhos dela era ter o irmão presente naquele dia que, com toda a certeza do mundo, seria o mais feliz da sua vida. Então lá estava ele, ajustando o terno repetidas vezes como se isso fosse aliviar a tensão que a bebida não conseguia mandar embora.
Enquanto isso, inspecionava as flores, a disposição das mesas, o bufê, e se certificava de que os fotógrafos não estavam perdendo nenhum momento importante. Procurou Elena na esperança de acalmá-la e garantir que a maquiagem impecável da noiva permanecesse assim. Forrest já deveria estar posicionado no altar, provavelmente com as mãos suadas enfiadas nos bolsos, mas pelo menos havia gente suficiente para mantê-lo tranquilo. saiu em direção ao carro grande estacionado do outro lado da rua, fazendo um sinal para que abaixassem o vidro.
— Elena, você já está-
— Ele chegou? — a noiva a interrompeu, os olhos arregalados e as mãos tremendo levemente. — Está tudo pronto? Nada fora do lugar? Forrest já está lá?
— Elena, a maquiagem, lembre-se da maquiagem. — disse, antes que a amiga começasse um discurso ansioso que inevitavelmente acabaria em lágrimas, o que, definitivamente, não poderia acontecer agora. — E sim, está tudo perfeitamente pronto. Daqui a cinco minutos, aquela música clichê vai começar a tocar, e você vai sair desse carro linda e radiante. Dá para aguentar até lá?
Elena assentiu com a cabeça depois de alguns segundos, respirando fundo pelo diafragma, como a ensinara semanas antes. piscou para ela e se endireitou, pronta para voltar para a cerimônia.
, espera! — Elena chamou, fazendo-a parar e se virar. — O…
As palavras de Elena pareceram travar na garganta, e ergueu as sobrancelhas, aguardando. A noiva percebeu que estava prestes a dizer algo que provavelmente não deveria.
— Não é nada. — ela sorriu, meio nervosa. — Te vejo lá dentro.
relaxou o rosto e retribuiu o sorriso antes de voltar para o evento.
A algumas quadras dali, dirigia sem pressa. Sua presença só seria requisitada na hora do discurso do noivo mesmo. Ele apertou os dedos no volante ao virar na esquina da catedral e, ao reduzir a velocidade, não pôde deixar de reparar na figura familiar se dirigindo à entrada da igreja. Ela.
Stowe.

levou o copo aos lábios e soltou um suspiro pesado. Outra festa de aniversário da irmã. Mais uma noite em que ele abandonava tudo — ensaios, compromissos — para estar ali, fazendo a felicidade dela. Não que ele não gostasse de Elena; os dois sempre foram próximos, mas ultimamente sua carreira vinha consumindo cada minuto livre, e à noite terça-feira definitivamente não era um dia ideal para comemorar com champanhe e música alta. Mesmo assim, ele não suportava a ideia de desapontá-la outra vez. Já tinha feito isso demais nos últimos meses.
Ele se perdeu nos próprios pensamentos, revendo mentalmente as letras das músicas que tinha que decorar, quando algo chamou sua atenção na entrada. Elena estava de costas, conversando animadamente com uma garota que não reconhecia. Ele não conseguia ver o rosto dela, mas algo no jeito como o vestido se moldava ao corpo dela, revelando a pele em uma fenda ousada, e a forma como os cabelos caíam em cascata, o fez parar. Ele deu mais um gole na bebida, tentando aplacar a curiosidade. Costumava conhecer todas as amigas de Elena, mas essa era uma completa desconhecida. E isso só aumentava o fascínio.
Por causa disso, ele se aproximou com passos lentos e despreocupados, como quem não quer nada, até que parou ao lado delas.
— Elena…
! — ela praticamente saltou na frente dele, agarrando sua mão e puxando-o para mais perto. — Finalmente te achei. Quero que conheça a , uma amiga minha dos tempos de faculdade. Ela acabou de se formar. Não nos víamos desde a minha formatura, na verdade. , esse é meu irmão mais velho, .
a cumprimentou com a cabeça, estendendo a mão em seguida.
— Prazer em te conhecer, . — sorriu. — Elena sempre falava de você nas nossas aulas. Você é cantor, certo?
— Bom, eu tento. — ele sorriu, arrancando risadas das duas. — A carreira tem andado bem, mas ainda estou engatinhando. E você, já está com planos para usar seu diploma?
— O escritório de advocacia já está montado e pronto para funcionar. — ela disse, com um dar de ombros casual, sem um pingo de modéstia.
— Ah, a mais nova advogada do pedaço. — arqueou as sobrancelhas. — Será que você pega casos de multas de trânsito injustas? Porque, aparentemente, minha irmã acha que eu não mereço uma defesa decente.
— Como você é cara de pau. — Elena riu, dando um pequeno empurrão no peito de . — Ele precisa entender que estar atrasado para uma reunião não lhe dá o direito de ultrapassar os 100km/h em uma avenida no centro da cidade. E por falar em ultrapassar, posso ter esquecido que tenho outros convidados durante esse papo, então… — ela acenou com as mãos, dando passos para trás enquanto se afastava da dupla. — Conversem e sintam-se em casa. Aproveite e tente convencer a a vir trabalhar comigo, . Eu vou nessa.
Enquanto Elena desaparecia no meio da multidão que lotava a sala de estar, e trocaram olhares e sorrisos. O papo logo se tornou mais fácil, fluindo como se eles já se conhecessem há muito tempo. Uma conversa que, sem que percebessem, os levaria até o andar de cima antes do fim da noite.

Ele ajeitou o nó da gravata ao estacionar, sentindo de repente um intenso aperto na garganta, fazendo-o se questionar se realmente havia sido uma boa ideia aparecer ali. Sabia que Elena não o odiava, também sabia que ela esperava ansiosamente sua presença, mesmo que com certeza não tivesse esquecido as palavras duras que ele lhe disse há dois anos. Palavras essas que o mantiveram afastado de tudo que o levava àquela cidade. Inclusive de .
Não é como se fosse fingir que não a conhecia. Mas, naquela circunstância, não seria o ideal?

💍


caminhava devagar pelas fileiras de mesas circulares espalhadas pelo gramado, seus saltos afundando levemente na grama. Devia ter acenado para pelo menos cinco grupos de pessoas, e não fazia ideia de quem eram metade delas. A mulher apenas continuava sorrindo e acenando, como se estivesse participando de uma competição para a Miss Simpatia do casamento. Olhou para Forrest, que lutava contra a gravata do smoking como se fosse uma cobra prestes a estrangulá-lo. Ele limpou a garganta, nervoso, mas tentando parecer sereno. abafou uma risadinha — não por falta de empatia, mas porque, se ela começasse a entrar em pânico também, era capaz de Elena correr para o altar de tênis.
Chegando à sua cadeira reservada, sentou-se com um suspiro teatral entre os pais e o irmão mais novo, que nem olhou para ela quando fez uma careta dramática e sussurrou: “Sério?” Ele entendeu o recado e guardou o celular, desligando o jogo como se fosse uma grande penitência. o recompensou com um leve sorriso, como quem diz: "Sou sua irmã mais velha, isso faz parte do meu contrato vitalício."
Não devia faltar muito tempo agora. Ela torcia para que a maquiagem de Elena durasse pelo menos até o grande sim, e que o pai dela a apoiasse da forma mais eficiente possível para assegurar que ela chegasse ao altar sem nenhum tropeço. Ou que a filha de Gemma Lange conseguisse fazer o caminho todo sem derrubar as alianças por virar a cabeça e se distrair com as lágrimas alheias. suspirou, de repente sentindo todo o nervosismo que se dedicou a conter para não contagiar a noiva de verdade, como se fosse ela realizando a tortuosa caminhada no tapete vermelho.
A orquestra finalmente deu início à marcha cerimonial, fazendo e os demais finalmente se colocarem de pé com os olhos colados na guirlanda floral da entrada. Elena parecia estar se segurando bem no braço do pai, e as alianças pareciam protegidas nas mãos da pequena Brunhilde. O coração se acalmou ainda mais ao constatar que o caminho até o altar estava concluído, agora a próxima preocupação sendo se Elena não desmaiaria antes do sim.
E ele não demorou a vir, arrancando ainda mais lágrimas dos presentes, e Elena com certeza teria de retocar todo o estrago feito, mas àquela altura isso não importava mais. Só o que importava era que, finalmente, ela estava caminhando para o outro lado do tapete, por fim, casada com o homem que nomeava como o amor de todas as suas vidas. também não fugiria de uns retoques antes da festa começar, mas o problema pareceu pequeno diante de tanta felicidade, assim como todas as preocupações e exigências de antes. Depois do sim, tudo que se veria adiante era o sorriso estampado no rosto de Elena e Forrest, os mais novos recém casados de Seul, tão grande e fixo como uma tatuagem.
Contudo, a pulga atrás da orelha que a avisava que era totalmente impossível que aquele grande dia acabasse sem nenhum resquício de imperfeição, fez um zumbido quase inaudível quando ela pisou na grande clareira e descobriu algo desagrável: a banda, a única parte do planejamento que havia ficado totalmente fora das mãos de , que foi involuntariamente coagida a permitir que Forrest resolvesse, simplesmente não existia. Ou, pelo menos, à medida que ela conversava com os demais funcionários, pareceu nunca ter existido. Uma queimação latente tomou o peito dela, que controlava a respiração para não andar até o púlpito reservado para os noivos e gritar com o mais novo recém casado para questioná-lo quem iria subir ao palco e cantar as músicas bregas e românticas de sua escolha, e ela esperava sinceramente que ele não respondesse que iria arriscar umas notas desafinadas no microfone.
Ele deve ter um plano. Ele era corretor da bolsa de valores, quase CEO, na verdade, e era organizado na maior parte do tempo, ele com certeza fez alguma coisa. Mesmo assim, o semblante de demonstrava puro desgosto ao se sentar na mesa com sua família, ignorando as perguntas de sua mãe enquanto pegava duas taças de vinho de uma vez na ronda de um garçom, observando Forrest como se o desafiasse a resolver o problema dali mesmo enquanto um cara qualquer começava a falar do palco algo como as homenagens para os noivos.
As homenagens! Ela quase havia se esquecido. Levantou-se da mesa rapidamente antes mesmo de tomar um gole do vinho e se apressou para verificar se estava tudo em ordem no vídeo que ela havia preparado, apavorada com a ideia de mais alguma coisa sair errada naquele dia – ou simplesmente fora de seus planos, não que ela admitisse isso.
A primeira parte da série de discursos correu de forma tranquila e embargada de soluços vindos de Elena. Até mesmo havia extrapolado na questão da emoção, mesmo que tivesse jurado que deixaria todas as lágrimas para a noiva. Mas só quem tinha nervos de aço seria capaz de se manter indiferente diante da história dos primórdios do casal mostrada por e comentada pelos membros da família e outros amigos mais próximos. Ao menos as fotos constrangedoras escolhidas por ela serviram para amenizar o choro e arrancar algumas risadas dos convidados.
Finalmente, Forrest se levantou por trás da mesa comprida, ajeitando a gravata novamente, mas desta vez como uma forma de distração enquanto segurava o choro. Ele segurava o microfone com força para abafar a mão trêmula e pigarreou antes de começar a falar.
— Ah… Isso foi tão estranho, e surpreendentemente ao mesmo tempo. — ele fungou, soltando uma risada seca. — Queria poder me defender e dizer que ninguém sabe nem a metade do que eu e Elena passamos para chegar aqui, mas oras, parece que vocês sabem! — a explosão de risadas ecoou, misturadas com um certo engasgo repentino. — Bem, creio que se eu for agradecer a cada um de vocês da forma como eu queria, ficaríamos aqui por pelo menos três dias, mas o aluguel do salão não cobre todo esse tempo, então vou apenas dizer que hoje, indiscutivelmente, é o melhor dia da minha vida, e só perderá esse posto o dia que Elena decidir aumentar a nossa família! — ele disse, fazendo a garota levar às mãos à boca pela ousadia e gritos eufóricos explodirem pelas mesas. — E família é algo bem importante, bem especial para mim, sei que Elena e meus queridos amigos sabem disso como ninguém. E, por mais que ela seja infinitas vezes mais forte e resiliente do que eu, do que qualquer pessoa que eu já conheci, sei que tem o mesmo apreço por essa palavra tanto quanto eu. E pensando nisso, preparei uma surpresa pra ela essa noite, a primeira de muitas, eu espero. — ele virou-se pra Elena enquanto ela franzia o cenho, nem imaginando o que estava por vir. — Então, pensando em fechar esse dia com chave de ouro, tomei a liberdade de chamar alguém para fazer o último discurso.
A expressão de Elena se espalhou por todo o salão, demonstrando toda a sua confusão quando, em um minuto, alguns homens de smoking subiram um a um no palco armado da outra extremidade, tomando seus lugares nos instrumentos antes abandonados. Uma onda de alívio percorreu todo o corpo de . Ela sabia que Forrest daria um jeito, que não deixaria a música da festa ser distribuída por uma playlist qualquer em um computador, que ele capricharia na escolha da ban…
As mãos de pararam no mesmo lugar, suspensas no ar, antes de completar mais uma palma em comemoração ao fim das imperfeições do grande dia. Porém, uma sensação pesada e gelada atravessou sua espinha ao ver o homem que também subia no palco, tomando seu lugar ao microfone.
adentrou o local sentindo que seu coração batia tão forte que ele seria capaz de sair do peito, se fosse possível. Não foi preciso muito para que seus olhos recaíssem sobre a mulher que ele tanto temia em reencontrar. Por um momento, sentiu como se fosse perder qualquer controle ali mesmo e cogitou a ideia de andar até ela só para que pudesse explicar tudo que não tinha conseguido fazer anos antes e havia colocado em suas músicas ao longo dos anos. Contudo, tudo o que fez, por saber que seria o melhor, foi abrir o melhor sorriso que ele conseguia e direcionou-se para o casal da noite.

💍


O acorde da guitarra deu início a uma das primeiras músicas que cantaria naquela noite. Elena tinha os olhos mergulhados em lágrimas e a palidez ainda tomava o rosto de . Aquele havia sido o plano mais ardiloso que Forrest poderia ter tido. Ela não conseguia nem pensar no bem e na felicidade de Elena no momento, só conseguia sentir o peito quente pela afronta de chamar ele, logo ele, para que concedesse um dos momentos mais importantes e emocionantes daquele grande dia. Como ele pode…
Ao menos, os convidados pareciam muito bem, obrigado. E animados, como ninguém. A seleção de músicas havia sido perfeitamente combinada para que desse vida às canções preferidas de Elena, assim como quando faziam na adolescência, como havia passado em sua primeira audição ao som de Norah Jones, como a irmã havia sido sua primeira plateia. Ela merecia um show bem estruturado, totalmente feito para ela, mesmo que ele desse um jeito de incluir o bom e velho blues com as preferências de seu, agora, cunhado oficial.
Depois da terceira música, ele fez um sinal secreto com as mãos para que os instrumentos cessassem pouco a pouco, deixando apenas o som dos gritos e aplausos ecoarem por um momento.
— Minha querida Elena. — ele disse, sorrindo para a noiva sentada na outra extremidade. — Quem diria que você realmente se casaria com esse projeto de Jordan Belfort? — ele ouviu as risadas dos convidados por uns segundos antes de continuar. — Mas tudo bem. Sei que você não seria capaz de ser feliz com outra pessoa. Às vezes a vida tem dessas: ela nos permite ser felizes com algumas pessoas sorteadas pelo caminho e tem a audácia de mandar recadinhos para nos mostrar que ela é a pessoa certa. Só que nem todo mundo dá muita bola pra essas coisas. — ele deu de ombros, focando-se em centrar seu olhar apenas nos noivos. — Fico muito feliz que vocês foram essas pessoas que perceberam essa empreitada. Não só isso, como também aceitaram. É sempre bom ver esse tipo de amor acontecendo na vida real, fora do papel. Com certeza, vocês me darão bastante material para músicas novas. — Forrest segurou a mão da garota ao seu lado, que tinha um brilho arrepiante nos olhos, um brilho reservado para aquele momento. — Senti sua falta, pirralha. Pode ceder uma única dança a esse seu irmão desnaturado?
Mais palmas explodiram à medida que Elena voltava ao mundo real e se levantava pouco a pouco, descendo o palanquim com a ajuda de Forrest e caminhava até o centro da clareira, ainda com as mãos trêmulas. Desta vez, os próprios músicos se acomodaram em recomeçar uma batida lenta, porém fugaz, que deu início ao abraço e os primeiros passos não ensaiados do casal de irmãos, que sussurravam frases inaudíveis entre si: desculpas, felicitações, novidades, todas as palavras emboladas e misturadas naquele reencontro.
mordeu o lábio inferior, encarando a cena com uma certa hipnose, tentando ignorar todas as questões que vinham à mente: por que? Quando? Onde?
Aquilo estava realmente acontecendo.
Ela sempre foi prevenida em todas as situações. Dificilmente alguma coisa a pegava de surpresa, nem quando teve de tirar as roupas pretas do armário para enterrar a avó três anos antes, ou quando o irmão teve uma pneumonia severa há um, mas aquele homem, somente aquele homem conseguia desestruturar toda o diagrama perfeitamente organizado da cabeça dela. Ele simplesmente ignorava toda e qualquer questão sobre avisos antecipados.
Não que ele tivesse de se reportar a ela naquela ocasião, naquele dia tão importante para uma pessoa especial para ambos. Deveria ter se preparado para aquilo, ela pensava nisso claramente agora. Deveria, mas como esperar a presença de alguém que tinha desprezado todo e qualquer tipo de contato nos últimos quatro anos? Se fosse apenas com ela, tudo bem, mas ele havia ampliado aquele comportamento para a própria família. A vinda dele não era esperada por ninguém, a não ser pela mente sonhadora de Elena.
Ela ameaçou se levantar da cadeira para se ver livre da visão panorâmica dele, mas sentiu o braço ser agarrado e puxado de volta para o lugar. Viu o rosto de seu pai travado em uma expressão dura, vermelha, sem um pingo sequer de tranquilidade. Ela quase havia esquecido de sua presença ali, esquecido do que aquele relacionamento havia causado em sua família, e de que seu pai só odiava uma pessoa na vida.
Mas doía. Olhar a cena estava causando-lhe algum tipo de sensação sufocante que já não sentia há muito tempo, e era incômoda, desagradável. Despertava lembranças há muito enterradas e, até aquele momento, também esquecidas.

💍


As próximas horas para foram resumidas em sorrir e apertar as mãos de tantas pessoas que ele não via a hora de colocar uma máscara qualquer e ficar irreconhecível por pelo menos alguns segundos. Elena tentou distrair os convidados, viu o irmão ter uma conversa simpática e até calorosa com os pais e ficou satisfeita com tudo que dominava em seu grande dia.
Quer dizer, quase tudo.
Ela quase se esqueceu da melhor amiga, vagando sorrateiramente durante toda a festa, conversando aqui e ali com conhecidos diferentes, porém o mesmo ânimo do início da cerimônia já não existia mais. E ela se sentiu péssima por não ter notado tal fato antes.
— Aqui. — ela lhe passou uma taça de vinho tinto que ultrapassava a metade, o que consideraria um sacrilégio para a ocasião, mas se viu incapaz de recusar. — Acho que você é a pessoa que mais precisa de todas as taças da festa.
— Não vamos falar sobre isso. — ela murmurou, bebendo um grande gole.
Elena mordeu os lábios, pensando em suas próximas palavras.
, eu…
— Não. — a amiga a interrompeu, pousando a taça agora vazia na mesa de doces ao lado. — Você não sabia, foi uma surpresa, para todos, inclusive. Se eu te ver se sentindo culpada por isso, vou me sentir pior.
— Eu sei, eu sei, é só que… — ela suspirou, se aproximando de . — Eu estou muito, muito feliz de verdade. E eu não estou por fora de tudo que rolou entre vocês, então não quero parecer insensível ao vê-lo de volta.
— Você não é, acredite em mim. Nem devíamos estar falando disso, fala sério! Hoje é seu dia! — sorriu, ajeitando uma mecha de cabelo solta de Elena. — Você não tem que pensar demais, você só tem que…
— Elena, você… — a voz surgiu por trás das costas da noiva, que virou-se enquanto abria espaço para as duas pessoas entre si se olharem, e o silêncio constrangedor enfim se instaurar.
… — a mulher soltou uma risada engasgada, olhando rapidamente para o rosto lívido da amiga logo atrás. — O que foi?
— Eles estão… — ele continuou, mas as palavras não pareciam ter destino, e nem forma. Algum tipo de fumaça tomou seus pensamentos de repente e ele teve de afastá-la o mais rápido possível para se lembrar do que ia dizer. — Mamãe está te chamando. Diz que é a hora de toda aquela baboseira de jogar o buquê.
— Ah, eu já estava quase esquecendo! — ela bateu uma palminha, virando-se para . — , eu preciso…
— Vai logo! — sorriu enquanto Elena a lançava um último olhar solidário antes de se retirar correndo.
Se as coisas poderiam ou não ficar mais estranhas, não sabia. Ela só sabia que o certo, a única reação aceitável depois de tudo era simplesmente dar as costas daquele espaço e seguir adiante para qualquer outro ponto do salão, qualquer outro lugar que não fosse perto dele.
Mas ela continuou parada ali, e os dois se encararam imóveis, não mais do mesmo jeito surpreso e chocado do início, mas com uma certa aura atrativa no ar, como se não pudessem evitar de ficar ali, parados, como estavam.
— Oi. — disse ele, quando achou as palavras.
— Oi. — ela respondeu. Pronto, deveria sair agora, era a hora certa. No entanto…
— Como vai?
— Eu vou bem. — ela acenou, cruzando levemente os braços. — Acho que não é necessário que eu retorne a pergunta.
Ele travou os lábios, baixando os olhos. É claro que não esperava que ela fosse simplesmente deixar tudo de lado.
— Claro que não. — ele murmurou, rindo a contragosto. — Você organizou uma bela festa aqui. ‘Tô sinceramente impressionado.
— A sua irmã merece, o que mais eu poderia fazer? — ela deu de ombros. — Ela gostou bastante da surpresa de Forrest.
— É, ele é um cara legal. Vai fazer ela feliz.
— Com certeza vai fazê-la ainda mais feliz. — ela balançou a cabeça, tentando não encará-lo. — Então, eu vou…
— Três minutos serão o saldo da noite? — ele interrompeu. — É o máximo que você consegue ficar perto de mim?
ergueu os olhos imediatamente para o rapaz, sentindo de novo a queimação invadir seu peito, odiando aquele aperto mais do que tudo.
Por fim, ela molhou os lábios, desviando os olhos novamente.
— Me desculpa se não é uma tarefa tão simples assim ficar perto de você.
, eu sei que…
— Como eu ia dizer, eu preciso ir, sua irmã está prestes a ter mais um dos momentos importantes e merecidos desse grande dia que já está ficando longo demais. Então, se me permite…
, espera. — ele pegou levemente em seu pulso antes que a garota desse mais um passo. Aquela queimação havia se transportado para a região do toque, e não, aquilo não podia estar acontecendo. — Dez minutos. Posso ter dez minutos da sua atenção?
— Da última vez você precisou de menos do que isso para me dizer que estava indo. — ela respondeu entre dentes, soltando-se daquele toque, desejando inventar qualquer desculpa posterior para Elena que explicasse sua repentina saída da festa.
Um brilho fosco de dor atravessou o olhar de . Ele sabia que ela estava magoada, mas não teve tempo de presenciar isso no passado. Agora estava tudo ali, naquele olhar, todas as mágoas acumuladas que ela não teve onde soltar. Ainda assim, ele queria os dez minutos, nem se fosse para servirem de um compilado de desabafos da garota, ou que talvez as palavras estivessem tão emboladas pelo tempo que ela não conseguiria dizer nada e escolhesse outra forma de extravasar, como um saco de pancada, não importava. Ele só precisava, subitamente, que ela concordasse.
— Eu sei… — ele sussurrou, colocando uma mão no bolso. — Mesmo assim… Se puder me conceder só dez minutos, os últimos dez minutos, eu vou ser grato. Vou estar no segundo andar da galeria, eles guardam os instrumentos por lá. Apareça depois de Elena jogar o buquê. Se não aparecer, eu vou entender.
Ela quis responder, mas um grande nó a impediu. A mesma fumaça que pairou na mente dele pareceu ser transferida para ela, esquecendo-se do próximo passo. Ele apenas se retirou e sumiu dentro da multidão, caminhando calmamente em direção à galeria.
O dilema tentou tomar conta de sua cabeça, mas ela sabia que era inútil. Que era desnecessário. Ela já havia decidido a partir do momento em que ele saiu de seu lado. Também havia decidido que escutá-lo não mudaria nada. Ela só precisava ouvir.
Dez minutos. Ela só o daria dez minutos.
Suspirou, enfim, juntando-se à aglomeração de garotas com as mãos estendidas para cima enquanto Elena terminava a contagem.




FIM.


NOTA DA AUTORA > Oiê!
como é bom oferecer uma fic com esse luxo de homem. espero que vocês tenham gostado!
obrigada por ter lido até aqui, e me segue no insta! (@sialversion)
beijos,
Sial ఌ︎


Se você encontrou algum erro de codificação, entre em contato por aqui.


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