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━Autora Independente do Cosmos.
Finalizada ✅️

Eu envelheço
E aprendo sobre o mundo
Apesar disso, seria ainda pior se eu não tivesse conhecido o mundo?


Min sonhava em sonhar.
Pareceu uma piada no começo. Aos 8 anos em um jantar de família, as risadas explodiram na mesa, tão altas e duradouras que o fizeram questionar-se o que havia dito de tão engraçado. Ele ainda não era conhecedor de sarcasmos e ironias, mesmo que, anos mais tarde, fosse totalmente revestido delas. Aos 10 anos, não achava a vida fácil, só a achava simples. Até demais. E não aceitava as limitações de uma realidade que não o permitia arriscar-se por completo na busca por um patamar mais alto. Esse era o sonho em questão: ir mais alto. Mesmo que tal sonho estivesse à mercê de vários tipos de interpretação.
E nenhuma delas chegava perto do alto e real a que ele se referia: às planícies de um horizonte distante que revestiam sua mente especial quando adentrava em seu universo de olhos fechados.
Min queria sonhar porque não sonhava como as outras pessoas.
Ele entrava em seus sonhos, na forma mais literal da palavra.
Nesses sonhos, o mundo era seu e totalmente seu. Ele o governava de acordo com seus próprios interesses. Quando criança, criou o mundo sem trabalho e sem horários de dormir, onde os carrinhos de brinquedo se transformavam em carros de verdade e meninos de 8 anos podiam ter carteiras de motorista. Os sorvetes parecidos com os da mercearia da velha Amis eram distribuídos de graça e sem limite, e a escola era nada menos do que o equivalente a sede de uma gangue. Neste mundo, ele vivia feliz e sem preocupações, até ser acordado no dia seguinte para o outro mundo paralelo onde tinha que ir à escola – que era obrigatória nesta realidade – e ajudar a mãe na cozinha.
Aos 11 anos, começou a conviver com personagens novos. Ele não sabia se foi ele que os criou; àquela altura, com o início da puberdade, ele pensava em coisas demais e malucas demais à medida que interagia mais com o outro lado. Mas então, em seu mundo – que agora contava com uma bela mansão muito parecida com a de um filme qualquer que viu na TV que virou sua nova moradia –, ainda com a realidade de poder tomar sorvetes de graça e dirigir um carro esporte mesmo que não fizesse ideia de como dirigir, andava sendo frequentado por rostos distantes, porém conhecidos. Eram as pessoas do bairro, da escola, da igreja ou de qualquer círculo social onde já esteve, como se sua mente capturasse cada rosto que já tenha cruzado com seus olhos, porém as via com seus olhos especiais. Bill Hunter, o grandalhão alemão que insistia em chutar suas panturrilhas e roubar sua porção de arroz na escola sempre que podia, aqui não passava de um ser minúsculo e feio com quatro olhos e uma pança que varria o asfalto – de forma literal. Era fácil conviver com o outro lado quando se lembrava que poderia transformar seus elementos desagradáveis em qualquer coisa que quisesse.
As pessoas sempre acenavam para ele, o que fazia sentido, pois aquele era o sonho dele. As pessoas que frequentavam o sonho dele eram conhecidas dele, porque foram colocadas ali por ele – mesmo que inconscientemente. Não seria legal se seres de fora interferissem em seu mundo se não fosse para fazer absolutamente tudo que ele quisesse e desejasse, por mais que seja um simples cumprimento.
À medida que o tempo passava, novas figuras eram adicionadas aos sonhos de em consequência de sua maior interação com o outro lado, mesmo que, aos olhos das pessoas de lá, ele continuasse um garotinho mirrado e com sérios problemas sociais. Tais pessoas inconvenientes provavelmente se transformariam em monstros hilariantes depois, em seu mundo real. Nada deste lado parecia atingi-lo realmente. Assim, aos poucos, ele começava a entender como funcionava a adição de novos componentes em seu universo.
Mas algo começou a intrigá-lo.
Grande parte dessa estranheza partia de um único elemento, cada vez mais presente na redoma de seus pensamentos. Ele a tinha visto algumas vezes quando ia pilotar seu helicoptero, ou quando planejava seu passeio no Vale do Chocolate e até mesmo quando lutava contra stormtroopers na vizinhança – ele os atacava com grande maestria usando apenas os hashis anteriormente usados em uma grande e infinita porção de jajangmyeon, mas conseguia apanhar às vezes quando não havia grande escopo para a imaginação – em tradução: quando tinha alguma preocupação pendente do outro lado para resolver, como provas da escola.
Ela estava sempre ali.
Com 12 anos, ele estava ciente de sua memória fotográfica e de como ela agia sem controle algum. Mesmo que fosse indiferente à praticamente tudo do outro lado (que ele casualmente começou a nomear de Rem assim que as aulas de latim começaram – o lugar onde existiam despertadores e contas de aluguel), ele tinha plena consciência de que os novos integrantes de sua cidade mágica nasciam diretamente dos registros adquiridos no Rem. Mesmo que ele não se importasse realmente com a maioria das coisas vistas.
Mesmo assim, ainda levou um tempo razoavelmente longo até que se recordasse da garota presente em várias ocasiões aleatórias. Ela parecia ter a sua idade mas, diferentemente dos outros habitantes, não parecia estar se divertindo tanto assim. Isso beirava quase a um insulto – jamais existirá alguém triste na cidade mágica, a não ser que ele mesmo queira isso. Hoje em questão, a forma como ela estava sentada em um banco confortável parado ao meio fio enquanto comia um lámen com barras de chocolate dentro o deixou quase abismado. Tinha corrido e se exercitado bastante no Rem mais cedo, portanto todo seu gás para aventuras estava no auge – ele fechou os olhos naquela noite já começando os preparativos para correr sobre pontes que atravessavam rios de lava e lutar contra o imperador Palpatine, que hoje especialmente parecia uma mistura de Bill com seu pai.
Ele começaria tudo isso o mais rápido possível. Mas, antes, precisava de algum esclarecimento.
caminhou até ela, que reunia os últimos filetes do lámen assim que ele se aproximou de sua frente e escondeu o sol alaranjado atrás de si.
— Quem é você? — perguntou ele, sem qualquer cerimônia. Era outra vantagem de seu próprio mundo.
O hashi fez barulho ao arrastar-se no plástico da embalagem, como se ela estivesse esperando que mais comida nascesse do zero. Não era impossível, pelo menos não para . A garota ergueu a cabeça devagar, fitando-o nos olhos enquanto erguia o copo grande e vazio.
— Pode me dar mais? — ela lhe deu um sorriso.
Um sorriso que o fez se lembrar.
No Rem, Min tinha uma irmã mais velha. Ela era pelo menos 8 anos à frente, o que resultava apenas em ter uma segunda mãe para atormentá-lo. Ele gostava de ir até a pequena sala da casa e assistir a seus filmes de aventura sozinho, sempre em busca de mais inspiração para vivê-las quando a noite caísse, mas Elisabetha não compactuava com esse tipo de coisa. Sua boca repetia incansavelmente a palavra estudos e faculdade, o que fazia ter cada vez mais asco de tais substantivos. Ela se acostumou em tomar-lhe o controle da TV com força bruta e ligar na mesma programação, que julgava ser um prazer temporário, porém significativo para o desestresse: programas de talentos.
Ele só havia visto uma vez. Lembrava-se do sistema de classificação final e vencedores, e lembrava-se da garota dentro da tela pular e dançar enquanto curvava-se em agradecimento no meio de chuva de papel prateado.
Ele encarou o pote estendido.
— Não consegue fazer sozinha?
— Não sou a dona desse lugar. — ela deu de ombros, e a frase o deixou confuso. Ele encarou o fundo vazio e piscou os olhos. Em um segundo, havia lámen e barras de chocolate misturados e embolados no mesmo pote, fumegantes diante dos olhos dele. Ela alargou ainda mais o sorriso e remexeu a comida com o hashi. — Muito obrigada, .
— Como sabe o meu nome?
— Como não saberia o nome do dono daqui? — ela franziu o cenho, denotando o óbvio. — Você é o dono daqui, certo?
Ele ponderou a pergunta por um instante.
— Acho que sim. — endireitou as costas e limpou a garganta. — E qual é o seu nome?
Ela sorriu novamente, mas desta vez foi um sorriso de boca cheia.
— Você sabe o meu nome.
E, de repente, ele realmente sabia.
Sorvino? — ele respondeu quase imediatamente assim que se lembrou do nome estampado em letras garrafais na TV. Ela fez uma careta.
— Pode me chamar só de . Aqui não é a sociedade real de qualquer forma. Não tem porque conversarmos formalmente também. — ela afundou o hashi no macarrão novamente. — Afinal, temos a mesma idade, não é mesmo?
Ele imaginava isso, mas não respondeu. Observou a face despreocupada da garota enquanto se alimentava calmamente, sentindo tantas perguntas virem em sua mente que achava difícil organizá-las a tempo. Reconhecer que ela era a primeira pessoa que ele trocava mais palavras do que um mero oi naquele universo, o tirou toda a vontade das aventuras que já estavam planejadas.
— Você… — ele começou, fazendo-a olhar para cima novamente. — Você é… Tipo, consciente?
Ela juntou as sobrancelhas.
— Quer saber se estou dormindo agora? — ele assentiu. — Não sei, devo estar. A vida de artista em ascensão pode ser bastante corrida, cheia de encontros executivos e papéis para assinar, mesmo que eu só queira jogar bola ou matar monstros por aí.
— Você quer matar monstros?
— Não me parece uma má ideia.
— Eu estava… — ele ergueu um dedo para a direção pretendida automaticamente, e não compreendeu o gesto. — Deixa pra lá.
A mão dela voou sobre a sua.
— Você está indo para uma aventura? — ela arfou, agora com um brilho cintilante nos olhos. — Não acredito! Por favor, me leva junto! Parece que faz anos que não luto contra um dragão com cabeça de leão ou uma serpente com asas, ou que pego em uma espada ou arma de laser! Ah, por favor, me deixa ir junto com você! — ela já estava de pé, largando o lámen com chocolate no banco ao lado, balançando os braços dele em súplica.
ponderou sobre a questão, seriamente pensativo e confuso sobre um possível bug de seu universo, mas a voz dela não o deixava pensar. Por fim, ele se soltou de seu aperto e apenas murmurou que ela poderia vir se não o atrapalhasse a vencer, e ele visualizou aquele sorriso novamente – o mesmo sorriso da TV, o mesmo sorriso que veria dia após dia desde então.
— Você é demais, . — a voz dela surgiu de trás de suas costas, com os pequenos pés batendo as sapatilhas brilhantes no asfalto em pulinhos contentes. — Por onde vamos começar?
Ele virou o rosto de perfil e respondeu:
— Você gosta de vulcões?



agora tinha 22.
O ensino médio foi concluído com um ano de atraso, o que não foi surpresa alguma para a família. Suas notas nunca foram boas o suficiente para ao menos tentar uma boa faculdade, e o olhar de desgosto de sua mãe não era o pior de tudo – Elisabetha se tornara o pior, o carrasco. Em um pico de estresse, ele foi capaz de gritar palavras avulsas e desconexas sobre ela ser uma vadia dissimulada antes de juntar suas coisas e finalmente sair. Isso foi quando tinha 20.
Naquela época, deitado no pequeno quarto alugado e escuro, com os pés imprensados em uma panela de arroz e garrafas de soju entulhadas no canto da parede mofada, ele pensou que queria que as coisas fossem diferentes. O lapso de um sentimento guardado o fez querer voltar no tempo e talvez até se esforçar mais nos estudos para não ter que se ver apertado em 20m² acima do restaurante de kimchi onde trabalhava meio período. Ao voltar àquela época, ele se lembrou de que era até bom em matemática, e gostava de resolver problemas e charadas. Era bom fazendo isso na cidade mágica também. Era onde tudo acontecia, onde ainda acontece.
Mas naquele dia, ele estava exausto e estressado. A vida no Rem sempre foi um saco, mas agora parecia pior ainda ao ver que estava sem rumo e perspectivas. Ele sabia que era necessário viver ali, que tudo veio dali, todo o seu universo partia do ponto de que ele existia no Rem, mas não dava para controlar a vontade louca de jogar tudo pro alto e simplesmente dormir para sempre – viver na cidade mágica definitivamente, e não apenas durante as horas de sono.
Ele não notou quando chegou lá naquele dia. Desta vez, sentou-se na cobertura esfarrapada de alguma construção popular da cidade, rodeada de varais de luzes e cheiro de makgeolli. Tentou se recordar daquela vista no Rem, mas nada vinha. Uma música soava serena no background, com a voz dela se espalhando como o vento, tocando sua música favorita direto do céu. Caramba, tinha dormido com os fones de ouvido de novo.
não precisou esperar muito para que a voz em questão se materializasse ao seu lado, cegando-o com as mãos diante dos olhos e o sopro aveludado em seus ouvidos:
— Você demorou hoje.
Ele sentiu o característico bater de coração acelerado quando ela lhe soltou e sentou-se ao seu lado, puxando uma garrafa de soju de algum ponto – ela tinha todos os poderes para isso agora – e ajeitando o vestido esvoaçante e curto sem mangas. a observou por vários segundos, sentindo o peito se aquecendo, os problemas do Rem se esvaindo levemente, a felicidade de encontrá-la que era sempre constante – a única coisa constante de toda a sua vida.
tinha crescido junto com ele. Os cabelos agora eram longos e cheios, a maquiagem fazia parte de sua rotina e tinha certeza de que ela era a mulher mais linda que ele já havia visto. Com o passar dos anos, essa era a única vantagem que ele parecia ter no Rem: ser a única pessoa da cidade metropolitana de Daegu que realmente conhecia a famosa cantora idol Sorvino, ainda que não fosse de um jeito normal. Mesmo que ele compartilhasse da mesma opinião de – que o mundo lá fora era perverso e assustador, e nenhum deles entenderia essa informação –, ele se via torcendo os punhos brevemente ou tamborilando os dedos com fervor quando observava os garotos mais novos deslizando os dedos em um zoom descarado em algum aparelho celular, focando no rosto dela ou em alguma outra parte de seu corpo. Por muito tempo, ele não entendia tal coisa. Ela é realmente bonita, e é muito talentosa, e é sua amiga, e você concorda com cada palavra do que eles dizem, então qual é o problema?
Ele entendeu o problema aos 18. E, no começo, pareceu tão absurdo que era inimaginável que um dia chegasse a contar para ela.
— Você está com uma cara péssima. — ela disse enquanto servia duas doses. — Toma aqui. Tenho certeza que um pouco disso e pular de parapeitos deve resolver o problema.
— Não estou afim hoje. — murmurou, virando o líquido de uma só vez, olhando para as luzes vastas da cidade.
— Ah, por que? — ela guinchou, largando o shot pela metade. Ela nunca gostou de beber muito. — Eu já imaginei toda uma perseguição envolvendo titãs e centauros gigantes, até preparei nossas armas de madeira e canhões que estão nos esperando na baía agora mesmo. Não vai me dizer que vai ficar de fora.
Ele entornou mais uma dose, baixando os ombros com a expressão cabisbaixa.
— Acho que só estou… cansado.
A voz baixa dele fez se aproximar. Isso o causava um nervosismo quente e agitado, mas ela não percebeu. Olhou para os olhos escondidos debaixo do boné e inclinou a cabeça.
— O que aconteceu? — perguntou ela.
— Nada demais.
— Ah, fala sério. — estalou a língua. — Vai, conta.
— Eu saí de casa. — respondeu, dando de ombros. Ela o encarou em dúvida. — No Rem.
— Saiu da casa da sua mãe?! — pareceu surpresa.
— Não parecia mais a casa da minha mãe, se quer saber. Ou parecia demais. É difícil dizer. Agora que saí, percebo que esperava que as coisas fossem diferentes.
— Como diferentes?
— Não sei, só… diferentes. Acho que, no fundo, esperava que quando fosse embora de fato, seria para algum lugar parecido com… — ele travou, encarando a cidade novamente.
— Com aqui. — ela completou, soltando uma risadinha leve. — Eu entendo. Vivemos aqui por muito tempo e é normal querermos que tudo isso exista em todos os lugares. Mas a cidade mágica é a cidade mágica, . Ela não pode existir no Rem.
— Pra você é fácil aceitar isso. — ele a encarou com os lábios franzidos, controlando o tom de voz para não soar com tanta amargura. — Afinal, você tem uma vida ótima nos dois mundos. Não acabou de comprar uma cobertura em Gangnam?
Pela expressão no rosto dela, talvez não tenha tido sucesso em seu disfarce. Ele revirou os olhos, cravando-os em algum ponto escuro e disforme, sentindo-se idiota por ter voltado o assunto para ela. Eles eram amigos há muito tempo e certamente já havia se aberto sobre coisas maiores do que aquilo, mas a forma como se sentia daquela vez parecia diferente. Alguma coisa o atormentava e lhe apertava a garganta, algo implorando para sair.
— É isso que você quer? — ela disse depois de um tempo, o tom de voz seco. — Gangnam? Dinheiro? Não achei que fosse tão ganancioso.
— Corta essa, . — ele grunhiu, levantando-se rapidamente. — Todo mundo quer essas coisas. E parece que só descobri isso agora, hoje, quando me vi sem nada disso e tendo que dar um jeito de consegui-lo. Sozinho. Eu me sinto sozinho, no Rem… Naquele lugar. Estive aqui por tanto tempo que não me sinto mais parte de lá. — suspirou, caminhando lentamente para o parapeito, ouvindo o barulho imaginário do tráfego lá embaixo. — Temos 20 anos, . Sinto que estamos nos tornando adultos.
Ele sentiu as mãos dela na sua, quentes como o verão escaldante que fazia no Rem naquele momento. O coração imediatamente pulou com o desejo escondido, um outro desejo, aquele que ele ocultava de si mesmo: sentir aquelas mãos no outro mundo.
— Quem disse que precisa se tornar um adulto? E qual é o problema em não ser? — disse ela, dando de ombros. — Acha que as coisas tem que mudar por causa disso?
— Bem, as coisas lá fora parecem me dizer que sim.
— Besteira. Você nunca vai poder abandonar esse mundo. Ele é seu, . Assim como eu s-
Ela parou e engoliu em seco. Um rubor se formou no rosto dela enquanto suas mãos ficaram mais moles. O descompasso no peito do rapaz pareceu inflar de expectativa, esperando as próximas palavras.
— Você o quê? — ele sussurrou.
Ela soltou suas mãos e caminhou de volta ao banco, juntando as garrafas vazias como se procurasse algo para fazer.
, não faz isso… — ele foi em sua direção.
— As coisas não precisam mudar, .
— E se eu quiser que mudem? — ela teve o corpo virado para ele em um puxão firme, porém delicado. parou de respirar ao ver o nariz dele tão próximo do seu, ao encarar sua bochecha de tão perto como jamais esteve. — E se eu quiser que isso mude?
Ela abriu a boca para responder, mas nada saiu. sentia o corpo pegar fogo pela adrenalina.
, do que você está-
— Você sabe do que eu estou falando. E não diga que não podemos. — ele balançou a cabeça, e sua voz saiu rouca e necessitada. — Lá fora, você é perfeita e brilhante, e eu sou um merda sem rumo. Mas aqui nós sempre pudemos tudo, . Sem identidades, sem obrigações. É só nós dois e sempre foi assim. Não vê que era inevitável que eu sentisse isso?
Ele avançou uma mão lentamente pelo rosto pálido da garota, que ainda se mantinha imóvel com a aproximação. Uma onda quente subia em seu peito, tomando as bochechas e o próprio cérebro.
— Não me importo de te ver pela TV no Rem porque sei que vou estar com você todas as noites assim que fecho os olhos. E essa vontade e expectativa foi crescendo, e cresceu, até que… — ele não completou, encarando o rosto curioso da garota, focando nos lábios vermelhos que já passearam em sua mente acordada por tantas vezes que ele não mais contava.
viu o fascínio nos olhos dele e abriu um sorriso resignado, porém firme e confiante, como se entendesse repentinamente o que estava acontecendo. Era sobre isso que ele queria mudar?
— Pode ir em frente, .
O garoto piscou os olhos ao ouvir a confirmação, ficando aéreo por meio segundo antes de atacar a boca da garota com uma vontade saída de um porão trancado a sete chaves por anos que pareceram bem mais do que apenas dois. Talvez ele sempre quisesse isso, mas sua capacidade de deixar coisas para depois sempre vencia no final. passou os dedos por sua nuca, puxando-o para mais perto em um movimento confiante, tomando conta da situação. era inexperiente, um mísero moleque anti-social que nunca se deu ao luxo de se envolver com outras mulheres porque tinha um compromisso importante ao voltar para casa cedo e dormir o mais rápido possível.
Dormir para encontrá-la. Para matar monstros, tomar sorvete e resolver crimes juntos.
E então, ele já não se lembrava das tristezas sentidas e das incertezas sobre sua vida no Rem. Aquela era a realidade alternativa em que ele julgava ser a origem de tudo, mas vez ou outra, se via pensando onde as coisas realmente começaram. Este era o diagrama proposto em sua cabeça: Cidade mágica x Rem, quem nasceu primeiro?
Por que as duas coisas não podiam se misturar?
só sabia que a realidade no Rem não importava. O que importava era o que acontecia ali e agora, onde realmente se sentia vivo.



Pensei que iria mudar depois de completar vinte anos
Pensei que iria mudar depois de me formar
Merda, se continuar assim, depois de completar trinta anos
Sim, então o que mudou pra mim?


Aos 22, um novo rumo tomou forma, e trouxe consigo novos questionamentos.
O restaurante de kimchi o considerava um funcionário de ouro. Não que existissem outros para se darem à comparação. O sistema de gorjetas o ajudou a se mudar para um quarto alguns metros maior e conseguir economizar alguma coisa. Uma felicidade recorrente, notada até mesmo pelos habitantes do Rem, deixaram claro que finalmente tinha algo que nunca teve: planos. Ou melhor: planos para o Rem. Expectativas de viver algo significativo além de sua vida de sonhos e desejos realizados na outra dimensão. queria, ao menos uma vez, realizar algo nesta outra parte da linha.
Mesmo que, para isso, precisasse discutir os termos com outra pessoa.
Naquela noite, ele respirou fundo antes de fechar os olhos e se deitar. Tinha todo o texto preparado na mente, todos os argumentos possíveis para retrucar da forma mais inteligente possível. Sua consciência pousou em um cômodo bonito como um quarto, com detalhes amadeirados e uma varanda provençal e histórica com a vista para uma noite tão bonita que parecia tão mística quanto realmente era. Ele juntou as sobrancelhas e olhou ao redor, confuso com o lugar, tendo certeza de que não havia pensado em tal coisa quando viajou para a cidade mágica naquele dia.
encarou a segunda janela ao lado da cama e viu algo pontudo e brilhante ao longe, e soltou uma gargalhada ao constatar a imitação perfeita da Torre Eiffel, percebendo o truque que tinha caído.
Não demorou muito para que ela surgisse de uma porta larga de madeira, trajando nada mais do que uma camisola cor de vinho, que se iluminava ligeiramente com a luz da lua do lado de fora, combinando com as unhas pintadas das mãos e dos pés.
Ele mordeu os lábios e balançou a cabeça, ainda rindo. se aproximou com a cabeça inclinada, estreitando os olhos.
— Isso foi ideia sua? — ele apontou ao redor, percebendo agora também as velas espalhadas pelas janelas. — Hoje é algum dia especial?
— Você não apareceu ontem. — ela colocou uma das mãos na cintura, sem sorrir. — Te procurei por todo canto, mas não te encontrei. Passou a noite sem dormir?
— Ah… Mais ou menos. — ele coçou atrás da orelha, lembrando-se da noite passada em claro enquanto pensava no assunto vaidoso que planejava contar enquanto olhava o pôster dela do Rem ao lado de sua cama. — Precisei pensar em umas coisas. Inclusive, eu-
foi interrompido pela boca da garota na sua com uma ferocidade admirável. Seu cérebro se apagou em instantes, mesmo que isso pudesse significar perder todos os rascunhos mentais das alegações que pretendia fazer. Ela afundou os dedos em seu cabelo e começou a dar passos para trás em direção à cama, fazendo com que pulsasse de desejo, um desejo imensurável que existia entre ele e ela.
… — tentou dizer em meio aos beijos que recebia no pescoço e as mãos dela passeando pelo seu corpo. — Precisamos conversar…
— Não precisamos conversar agora. — a garota grunhiu em um tom de voz abafado, voando as mãos pelo casaco dele e o jogando em qualquer direção. A alça de sua vestimenta já tinha sido baixada há muito, e algo forte e urgente latejava entre as pernas dela, desejando que ele não falasse mais nada.
se encontrava completamente indefeso e sem forças. Ela arrancou a camisa de botão em um solavanco, lançando-lhe um sorriso lascivo e pecaminoso. Ele sentiu a cabeça girar e suas pernas bambearem quando ela começou a descer os beijos pelo seu peito, e então rapidamente, fazendo uma força sobre-humana, pegou em seu rosto e o ergueu para cima, tentando não se deixar levar por aqueles lábios vermelhos e selvagens.
— É sério, amor. — ele tentou dizer, ofegante enquanto segurava o tesão. — Preciso te falar uma coisa importante.
— Sabe o que é importante, senhor Min? — ela o interrompeu novamente, soltando-se de suas mãos. Em um movimento só, baixou o que restava do vestido, revelando o corpo nu e delineado à meia lua. jogou os cabelos para as costas e caminhou para trás, subindo na cama de lençóis roxos de joelhos, movendo-se de quatro enquanto fitava os olhos do rapaz com confiança. — Minha compensação por ter sido deixada de lado ontem.
sentiu o peito explodir. A libido o tomou de forma tão avassaladora que ele não teve escolha a não ser mandar para o inferno tudo que tinha a dizer, tudo que havia pensado cuidadosamente na noite anterior. Caminhou rápido até a cama e tomou a boca da mulher sem qualquer escrúpulo, sentindo a calça apertar, mas não por muito tempo. As mãos dela já estavam voando para o seu cinto e suas bocas só se separaram quando a dela abocanhou seu membro totalmente erguido, fazendo-o soltar um gemido de prazer enquanto agarrava a parte de trás de seu cabelo com firmeza, acompanhando os movimentos de sua cabeça indo e vindo sem parar em movimentos deliciosos e ritmados.
Sentindo as pernas dele fraquejarem, o puxou pela cintura para que ele se sentasse ao pé da cama. Passou a língua nos lábios, úmidos pelo líquido pré gozo e soltou um suspiro pesado, tendo a certeza de que deveria estar em um sonho dentro de outro. Ela beijou seu lábios com fervor antes de se levantar e abaixar-se no chão na altura de seus joelhos, continuando o trabalho na região como antes, desta vez com mais rapidez e com os olhos contínuos em cima dos seus, enquanto cerrava os dentes para que seus gemidos não se alastrassem para o Rem – já tinha acontecido uma vez, e foi muito constrangedor.
— Se você continuar… — ele tentou dizer em um tom de voz sôfrego e pesado, apertando os dedos no lençol, visualizando o que estava por vir, quando ela parou e se levantou, abaixando-se até ele a tempo de passar uma língua molhada em seus lábios e então virar-se de costas, jogando os cabelos para o lado enquanto acariciava sua bunda, que estava na altura do queixo dele.
Ele espalmou a mesma, fazendo dar uma risadinha divertida enquanto sentia um dos dedos do rapaz resvalando por cima de sua intimidade, totalmente molhada pelo tesão prolongado de vê-lo ficar louco. Ela se aproximou, ainda de costas, de seu colo e agachou até que sentasse de uma vez só, sentindo entrar inteiro dentro dela, causando-lhe uma sensação de êxito e luxúria. Ele soltou o ar com prazer, e ela agarrou suas coxas enquanto subia e descia repetidamente, fechando os olhos enquanto deixava os sons arrasadores escaparem de sua garganta sem parar.
Ele ofegou quando os movimentos ficaram cada vez mais rápidos, agarrando seu quadril macio e bem demarcado enquanto seu corpo se chocava contra o dele em um barulho alto e gostoso. As pontas do cabelo dela batiam quase na cintura, e ela virou brevemente o rosto para trás, com o lábio inferior preso entre os dentes e um olhar matador de lascívia. não soube como não gozou naquele exato momento.
Mas isso o deixou louco o suficiente para tirá-la de cima de si e puxá-la para a cama, onde ela caiu de costas e ergueu-se naquela mesma posição, voltando a ficar de quatro e encarando-o acima dos ombros.
— Eu só sumi por um dia, amor. — ele grunhiu, ofegante, espalmando mais uma vez a bunda erguida da garota enquanto se ajoelhava atrás dela. Estava mais duro que nunca. — Por que você parece tão mais gostosa do que sempre foi?
— Porque senti sua falta. — ela riu, arqueando a cintura enquanto a parte do tronco se baixava ainda mais, até que ela encostasse a cabeça no estrado da cama.
sorriu com a resposta e entrou de uma vez, rápido e firme. Ela soltou um grito do fundo da garganta com a investida, e agarrou a madeira com força quando ele puxou seu cabelo mais uma vez e entrou em um ritmo frenético de estocadas, que deixaram-na zonza e mole por um momento. Ela gritou seu nome, juntando as sobrancelhas, enquanto ele a penetrou com mais afinco, desejando aquela mulher como nunca antes, sentindo que deveria aproveitar o sonho como jamais fez.
… Eu… — tentou dizer, a voz trêmula, sentindo o corpo ficar rijo com a explosão que veio logo depois, fazendo-a soltar um grito seco e sem sentido. Ele sorriu e diminuiu o ritmo, puxando o corpo da garota para baixo e então virando-a para cima, abrindo suas pernas e então metendo-se ali no meio, sugando todo o resquício de orgasmo que ela expelia. Ela gostava disso, deu pra perceber desde a primeira vez. A garota arqueou as costas, colocando uma das mãos nos seios desnudos enquanto os apertava com vontade, sentindo ondas de um prazer maluco que a língua dele proporcionava nos mínimos detalhes.
— Ah, meu Deus. — sussurrou, sabendo que agora ele fazia de propósito. Em um minuto, ergueu a cabeça e se colocou por cima dela, beijando-a com intensidade, movendo a língua para que ela sentisse seu próprio gosto, deixando sua cabeça ter um momento de puro pane com o erotismo da coisa.
— Você fica ainda mais deliciosa quando está com saudades. — ele disse enquanto transportava os beijos para a curva de seu pescoço, e era tomada por um calor que não esfriaria tão rápido.
— Hmm, então você precisa voltar. — ela respondeu, de olhos fechados, deslizando seu corpo embaixo do dele, fechando as pernas em sua cintura.
… — murmurou em um tom repreensivo, mas não podia controlar seu corpo. Ela falava por ele e concordava plenamente de que havia muito o que despejar para fora ainda. Ela mordeu os lábios ao imaginar, e a expectativa de só cresceu enquanto posicionava-se novamente nela, que ergueu a cintura e o ajudou a achar o caminho. passou os braços acima da cabeça, sorrindo completamente entregue ao homem enquanto ele voltava a arremeter novamente, demonstrando que agora teria sua vez. Desta posição, ele via seu rosto e todas as expressões prazerosas que ela fazia, deixando-o completamente catatônico pela cena, sabendo que não demoraria muito. Os gemidos dela voltaram a tomar as paredes do quarto, e um dos dedos dele voaram até seu clítoris enquanto fazia seu trabalho. Ela respirou arquejou, mesmo sabendo que era natural de pensar no prazer da garota do que no dele mesmo. Ele a estimulava com diligência, abaixando o tronco para chupar um mamilo, e então outro, passando a língua pela sua barriga e aumentando a velocidade a cada parte nova que provava de seu corpo.
não queria dizer que já estava chegando lá novamente, mas a tremedeira que arrematou seu corpo indicava isso. Ele agarrou os lençóis ao lado, contente em se concentrar na tarefa, sentindo o suor escorrer pela lateral do rosto.
. — disse, segurando em seus pulsos com as sobrancelhas franzidas, sabendo o que viria a seguir. — Quero mais. Quero .
Ele diminuiu para ouvi-la, mas não precisou de mais do que isso. deu o sinal claro e ele sentiu o coração bater forte de excitação e um tesão inimaginável, quase impossível de segurar. A luz que entrava pela janela batia no corpo suado da garota, refletindo no líquido que saía de sua intimidade, e a visão era aterradora demais, irreal demais. Ele moveu o pênis por cima dos grandes lábios até que chegasse mais abaixo, onde ela abriu ainda mais as pernas para que ele conseguisse entrar em seu outro canal mais apertado, onde ela gostava quando estava tão fervorosa daquela maneira, e onde ele sabia que não demoraria para gozar.
ergueu as pernas e segurou o travesseiro acima de sua cabeça, fazendo uma careta quando a cabecinha a alcançou, mas sentindo o mundo girar exatamente como gostaria. soltou um suspiro pesado, entrando devagar como costumava, mas não demorando a sentir a fluidez que tanto tinha a capacidade de ter ali, e não se demorou a arriscar entrar ainda mais até que fosse seguro o suficiente para aumentar os movimentos e sentir seu membro totalmente comprimido pela garota, visualizando novamente o que estava por vir.
Os próprios dedos dela massacraram o clitóris, levando-os depois à boca, chupando-o sensualmente enquanto a mente de virava uma geleia enquanto sentia finalmente o que estava prestes a sair de dentro de si. Saiu de dentro dela em um movimento rápido, erguendo-se por cima de sua pelve e masturbando-se por um segundo até que o líquido saísse em um jato em cima dela, jorrando por sua barriga e respingando em um dos seios. Ele deu um gemido preso na garganta quando terminou tudo, vendo-a ainda passar um dos dedos no líquido perto da região do umbigo e levá-lo à boca novamente, cedendo a visão maravilhosa para os olhos do rapaz. A visão de uma mulher espetacular.
Isso não podia ser real.
Ele deixou o corpo cair ao seu lado, fechando os olhos enquanto descansava os braços que pendiam da cama. Seu peito descia e subia ofegante, e ele ouviu uma risadinha gostosa dela enquanto sentia beijos confortáveis em seu rosto e mãos em seu cabelo bagunçado.
Virou-se para o lado, ainda respirando com dificuldade, olhando o rosto da mulher sob a luz azulada, que agora sorria pra ele em um estado de euforia. Suas pupilas estavam tão dilatadas quanto as dela, e ele sentiu um êxtase como sempre sentia quando a tomava daquele jeito.
— Eu te amo, . — disse depois de um tempo, quando sua garganta seca foi capaz de proferir alguma coisa. Ela sorriu e deitou-se de lado, entrelaçando sua perna na dele.
— Eu também te amo, lindo. — ela se inclinou para um beijo, que foi lento e apaixonado, terrível para a mente de , que começava a voltar aos eixos pouco a pouco. Seu coração parecia inflar do tamanho do planeta Terra. Não existia dimensão onde coubesse todo o amor que ele sentia por aquela garota.
Ela afastou seu rosto lentamente e ele a fitou com um brilho exponencial nos olhos, um brilho de admiração e de uma paixão louca que o dava medo às vezes. Mas um sentimento totalmente livre de dúvidas, totalmente são no mais profundo significado.
— Me deixa te ver. — ele sussurrou com a voz falha, mas sem um pingo de incerteza. Falaria agora ou nunca mais faria.
juntou as sobrancelhas em confusão, abrindo um sorriso.
— Do que está falando, meu bem? Já estamos nos vendo.
— Não. Não é isso… — ele suspirou, apoiando-se em um cotovelo para vê-la melhor. — No Rem. Vamos nos ver no Rem.
O sorriso dela diminuiu aos poucos, avaliando o rosto do homem como se procurasse qualquer sinal de zombaria pela proposta, mas não encontrou. O queixo trincado dele demonstrava segurança. Estava mais sério do que ela se lembrava.
Ela desviou os olhos, afastando-se lentamente até a beirada da cama.
— Por que isso agora? — perguntou, prendendo os cabelos em um coque frouxo, olhando para o brilho amarelado ao longe.
se sentou devagar, encarando as costas nuas dela enquanto pensava em como continuar.
— E por que não agora? — respondeu, deslizando os dedos levemente pela nuca dela, que se arrepiou ligeiramente com o toque. — Nos conhecemos há 10 anos, . Você é a pessoa mais importante da minha vida. Quero te ter desse mesmo jeito em todas as partes dela… em todos os mundos.
— Você sabe que não é assim tão fácil.
— Eu sei. — pontuou, virando-a para si. — Sei que no Rem as coisas são diferentes e limitadas, mas podemos dar um jeito. Sei que juntos podemos vencer qualquer coisa.
— Não estou sendo o suficiente pra você? — ela perguntou em voz baixa, os olhos de repente escurecidos. Ele a encarou sem entender. — Não está satisfeito com a nossa relação?
— Não é isso, amor. — ele tomou seu rosto nas mãos, olhando-a de perto. — Isso é totalmente impossível. Você é a mulher da minha vida e é exatamente por isso que eu quero mais. Te encontrar nessa cidade todos os dias me faz uma pessoa mais feliz, mas quero te ter também do outro lado. Quero que fiquemos juntos o tempo todo. Você não quer isso?
Ela umedeceu os lábios e acariciou os dedos de em sua bochecha.
— Claro que eu quero.
— Então por que não concorda comigo? — ele murmurou, com a voz tristonha. Algo na expressão dela murchava seu coração.
se livrou de suas mãos e ficou de pé, virando-se novamente para a janela e a paisagem linda e inventada por ela mesma. Seu coração era duro e cheio de receio, coisas que tinha muito sucesso em esconder de .
— Te disse isso há dois anos, . Há coisas que só podem existir aqui. — ela virou o rosto em perfil. — Coexistimos com o Rem porque não misturamos as coisas, e é assim que deve ser. Juntar tudo pode ser catastrófico, pode ser… — ela bufou, juntando as duas mãos no peito. — Eu tenho medo.
Ele se pôs de pé e andou até suas costas, abraçando-a pela cintura em um movimento delicado, pousando os lábios em seu ombro. Os corpos ainda estavam quentes pelo sexo desgovernado, mas sentia um frio repentino soprar em suas bochechas.
— Não precisa ter medo, linda. — sussurrou em seu ouvido. — Nada rege nosso caminho em soberania a não ser nós mesmos. Podemos fazer o que quisermos, mesmo com a limitação da outra parte. Você confia em mim?
Ela agarrou seus braços, concordando lentamente com a cabeça.
— Então confie que podemos fazer isso.
bufou, girando o corpo para beijá-lo mais uma vez, devagar e calmamente enquanto tentava pensar em uma resposta. Ela não era boa com atitudes imediatistas, a não ser se estivesse surrando algum monstro da floresta. Afastou-se ao perceber a mente mais clara e sagaz, sentindo os lábios dele beijarem a ponta de seu nariz em um gesto apaixonado.
— Então vai para Seul. — declarou em voz baixa, encarando a curva do pescoço dele, que batia em sua testa. — E aí podemos esperar.
Ele cruzou as sobrancelhas, puxando o queixo dela para cima.
— O que quer dizer com isso?
umedeceu os lábios antes de responder:
— Vamos esperar até os 30.
— Quê? — arfou, se afastando com surpresa. — Por que? São 8 anos, . Por que precisamos esperar 8 anos para ficarmos juntos?
— Nós estamos juntos!
— Juntos na vida real! — bradou, abrindo os braços e sentindo uma pontada de indignação que não permitia vir à tona sempre. Ainda mais com .
Os olhos arregalados da garota causaram um pesar de arrependimento no peito dele. não costumava perder a paciência em nenhuma situação. Não era adepto a brigas ou qualquer coisa que envolvesse aumentar algumas oitavas a mais da voz, porém a frustração pela resposta de pareceu cegá-lo por alguns minutos.
— Então é isso? — ela disse em um fio de voz. — Você não me considera real o bastante? Precisa ter certeza disso me encontrando no Rem… porque lá é o seu verdadeiro mundo real, não é mesmo? Não é a cidade mágica, como sempre imaginei.
, me escuta…
Ele avançou para segurar seu braço, mas ela logo o afastou bruscamente enquanto apanhava a camisola no chão, subindo-a novamente pelo corpo. Apertou os passos para a mesma porta que havia entrado, mas foi mais rápido, colocando-se na frente.
— Será que dá pra gente conversar direito?
— Você parece já ter tomado sua decisão, não tem o que conversar. — ela cruzou os braços em teimosia, e pareceria incrivelmente sexy se não estivesse realmente falando sério.
— Por favor, meu amor… — ele insistiu, segurando seu rosto, os olhos implorando por compreensão, mas não parecia com a menor intenção de ceder. — Só quero te ver, . Quero as duas facetas da realidade, quero você em todos os aspectos da minha vida. Você entende? Já esperamos demais por isso.
Ela se afastou, os olhos fixos no chão. passou uma mão no rosto, agitado.
— É por causa da sua carreira? Porque não precisamos-
— Não tem nada a ver com isso. — ela o interrompeu, travando os pés à sua frente. — É sobre o mundo lá fora. É duro, competitivo. Um mundo onde somos obrigados a nos empenhar e nos esforçar para conseguir o mínimo de dignidade. Meus pais notaram isso desde o começo e deram um jeito de explorar até o fundo de mim mesma em busca de algo que poderia valer um bom dinheiro, e conseguiram achar. Mas todas as situações que passei, toda a infância perdida no Rem que só pude passá-la de bom grado porque tinha você aqui, … — ela fungou, mas não havia lágrimas. — Só quero que você entenda que ainda precisamos de algum tempo até que tudo se consuma de vez. Até os 30, posso trabalhar o bastante pra anunciar férias prolongadas ou simplesmente minha aposentadoria e você vai ter tempo suficiente para conseguir ir mais alto. Alcançar algo naquela cidade imensa não é pra qualquer um, mas tenho fé em você, . Sempre tive. E então, depois de todo o nosso trabalho duro, poderemos nos encontrar e ficar juntos pra sempre. Nos dois mundos.
Ela passou as unhas pelos poucos fios do rapaz ainda grudados na testa, encarando seus olhos com firmeza e paciência. Ele engoliu em seco. era inteligente e decidida, e com certeza tinha razão. sabia o que era melhor, e engolir seu orgulho era a primeira coisa da lista.
— E então as coisas irão mudar de novo? — ele perguntou com a voz falha, depois de ter afogado todos os demais argumentos goela abaixo. Sentiu os dedos dela agora sobre seus lábios, em um movimento hipnotizante.
— Sim, elas vão. — respondeu, dando-lhe um selinho superficial, lembrando-se da mesma conversa de dois anos atrás. — Você será um adulto. E aí podemos ficar juntos para sempre.
Ele assentiu com a cabeça antes que ela se aproximasse e os unisse em um beijo intenso. envolveu seus braços em torno dela, terminando de eliminar os centímetros que os separavam, selando aquela promessa em um desejo profundo. gemeu entre os lábios dele, recuando apenas pelo tempo necessário para abrir um sorriso largo e poderoso, deixando o rapaz zonzo com a potência que tal gesto tinha sobre seu coração.
Aquele sorriso não existia no Rem. Era o sorriso exclusivo da cidade mágica. Exclusivo de .



A mudança veio aos 28.
Acredita-se que tudo começou em uma manhã qualquer, quando levantou-se na mesma hora de sempre e entrou na pequena padaria – ou mercearia, as duas pareciam vender as mesmas coisas – da esquina no pequeno bairro de Sinchon. Pediu o de sempre: a porção menor de arroz junto com a sopa e demais acompanhamentos. A mistura de cores da comida por cima da mesa metálica era contrastante com o tempo cinzento do lado de fora, anunciando a chegada do inverno. O balconista organizou os pratos redondos em paralelo abaixo do nariz do rapaz, andou até um controle empoeirado por trás de um vaso de plantas artificiais e ligou a pequena TV ligada a um suporte na parede, enchendo o lugar vazio com a voz formal do jornalista, que balbuciava algo como o trânsito caótico do centro e as reformas na ponte do rio Han.
O rapaz pegou os hashis, começando a se alimentar com os olhos na comida, como sempre fazia. Seu rosto não passava absolutamente nada para o mundo; parecia cansado, uma expressão envelhecida por trabalho árduo ou pouca vitamina D. Com certeza não tinha interesse em fazer amigos ou sequer ser simpático com alguém. Quem entrar pelo pequeno estabelecimento, certamente se verá tentado a sentar há alguns metros dele. Não era nada pessoal; ele no fundo preferia assim.
Já teria que usar seus melhores sorrisos durante o dia no trabalho.
havia adquirido aquela habilidade com o passar dos anos: a simpatia elegante de um lado e a melancolia inibidora do outro. Eram duas pessoas na mesma, duas personalidades de dois mundos diferentes. Fazia um tremendo sentido, e não é como se fosse visto como maluco ou coisa do tipo. Quem presenciava um lado, não presenciava o outro. Era simples assim.
Mas naquele dia foi diferente.
Ele deixaria para ligar o telefone quando estivesse de fato caminhando para o trabalho, uma concessionária de carros perto de Gangnam, onde estava cada vez mais perto de se tornar o gerente. Os sorrisos bem ensaiados que passou a treinar tinham feito quase todo o trabalho. Pensou em toda a baboseira dita nas escolas de que, para crescer em alguma coisa, bastava que tivesse especializações e assinaturas em diplomas. Besteira. As pessoas eram carentes e solitárias por dentro, o que tornava muito mais inteligente dar um jeito de chegar em seus corações do que apresentar um pedaço de papel. Por causa disso, ele degustava seu café da manhã calmamente, sabendo que uma boa cordialidade venceria as reclamações de seu chefe em um possível atraso. Mas aquele não era o dia para atrasos. Estava se preparando para juntar tudo e finalmente se levantar e sair, quando ouviu a música.
A voz do jornalista foi tomada por um timbre animado e enérgico ao dizer por cima do som: “A cantora e atriz Sorvino fechará a turnê mundial no estádio olímpico de Seul no sábado à noite! Depois de uma temporada viajando pela América, ela finalmente fará um ciclo de performances em grande estilo em um dos maiores palcos do país, prestigiando sua casa com o fim de uma das tours internacionais mais rentáveis da história. Boatos de que teremos música nova para fechar com chave de ouro…”
não ouviu muito mais. Encarou a pequena tela grudada na parede com um sorriso singelo e automático no rosto. Um trecho do MV promocional passou por ela, com efeitos de luzes e uma bela coreografia que a deleitou com uma roupa de couro que estava sendo um complemento muito eficaz nas fantasias de toda uma população. elogiou toda a produção na época, tentando controlar sua vontade de se gabar por ter aquela mulher só para ele, todos os dias. E que logo a teria por completo, sem interferências de mais nenhuma limitação.
Ele estava esperando.
Quando empurrou a cadeira de madeira para trás, algo o fez olhar para frente. Um senhor idoso, muito provavelmente na casa dos 80 anos, passou devagar à frente de sua mesa. não sabia dizer da onde ele havia saído; também não adiantava tentar adivinhar, já que normalmente não prestava atenção aos clientes esporádicos ao redor. Ele levantou-se ao mesmo tempo em que o velho parou e virou o corpo completamente para ele, fitando-o com curiosidade.
sustentou o olhar por alguns segundos, franzindo o cenho. Ele tinha as sobrancelhas grossas, enquanto a barba era rala, e só agora percebia que tinha um brinco nas orelhas. Eles eram prateados e refletiam as luzes fluorescentes do teto. O homem o encarava de cima a baixo devagar, tentando extrair algo que não podia ver.
— Posso ajudá-lo? — ele usou seu tom formal, agora já enraizado em sua língua. Era uma questão de educação básica respeitar os mais velhos, mesmo que aquele senhor estivesse começando a irritá-lo com os olhares atravessados e sem modos que lançava.
Ele, por sua vez, girou a cabeça devagar até a tela pequena onde o homem de terno falava pela última vez sobre e então voltou-se para . Piscou os olhos algumas vezes e olhou para os pratos vazios na mesa.
— Acho que você está extrapolando um pouco, filho. — suspirou, passando alguns dedos sobre a nuca, erguendo os olhos novamente. — Mas não é culpa dela. Lembre-se disso. Tudo fluiu de acordo com os seus interesses.
Um calafrio anormal atravessou a espinha de . Tudo o mais que conhecia passou pela sua mente, e em nenhuma memória escondida ele lembrava-se de conhecer o homem estranho.
— Do que está falando? — murmurou, e em seguida sentiu os dentes trincarem. — Quem é você?
Os olhos do homem se moldaram em uma expressão de pena que incomodou até o último fio de cabelo. Em um movimento devagar – ele era extremamente devagar para se mover –, se aproximou do garoto, que era pelo menos uma cabeça mais alto, e pôs uma mão em seu ombro, dando-lhe leves batidinhas.
— Era de se esperar que eles ficassem desequilibrados, mas aconselho a dar logo um jeito de controlá-los, meu jovem. Antes que alguém se machuque. — o velho pontuou em voz baixa, porém com seriedade nata que travou os músculos de . Ele não fazia ideia de quem era o homem e não retinha nenhuma de suas palavras, mesmo que soassem como uma advertência de vida ou morte. — Lembre-se de segurá-los. Afinal, você precisa começar a se tornar um adulto. — ele apontou o dedo indicador pequeno e gorducho para a testa, encarando-o com pesar uma última vez antes de caminhar para a porta.
prendeu os músculos do maxilar, imóvel no mesmo lugar enquanto sentia a mente virar uma avalanche. Estava prestes a mandar o velho procurar alguma casa de repouso e não sair mais perturbando os jovens por aí quando viu algo tão terrível e assustador que só serviu para que travasse o queixo e firmasse as pernas no mesmo lugar.
O homem se esgueirou até a entrada devagar porque era a única velocidade possível quando se tinha um manto gastrópode em vez de pernas, locomovendo-se por um muco gosmento e nojento que ia deixando um rastro largo e espesso para trás. Um soco pareceu atingir seu estômago quando lembrou-se do conselheiro do castelo encantado no meio da floresta espiritual, meio-homem meio-lesma. O rosto parecia diferente, mas ao mesmo tempo era igual. Era um rosto já visto no Rem e transportado para a cidade mágica, da forma como a mente de interpretava, mas essa era a parte estranha. Nunca, jamais, suas interpretações foram materializadas no Rem. Ele não tinha controle sobre esse lado. Jamais viu nenhuma de suas criações enquanto estivesse de olhos abertos, então como…
Como aquilo estava acontecendo?
— Rapaz?
Ele virou-se em um susto, topando com os olhos assustados e receosos do balconista, que o encarava seriamente preocupado. Ele prendia os dedos em um punho leve, pronto para fazer algo caso o cara catatônico e pálido decidisse surtar e quebrar cadeiras. olhou o homem inteiro com rapidez, procurando resquícios estranhos ou partes estranhas que seu corpo poderia conter para constatar imediatamente que não estava louco.
— Está tudo bem? — o homem de meia idade perguntou, cauteloso. coçou a garganta, recuperando-se rapidamente.
— Sim, está tudo bem. — ele endireitou a postura, saindo por trás da mesa e pegando a carteira. — Vocês deveriam prestar mais atenção nos loucos que aceitam aqui dentro.
— Como?
— O senhor que estava aqui agora há pouco. Fala sério. — ele deu uma risada engasgada, puxando algumas notas e estendendo-as para a frente. — Deve ter tido alguma fuga em massa de um asilo nas redondezas. Melhor ficar de olhos bem abertos, velhos também podem ser perigosos.
O homem franziu o cenho com tanta concentração que não foi capaz de pegar o dinheiro do cliente de imediato. arqueou as sobrancelhas, fazendo uma pergunta silenciosa ao atendente: tem algo errado?
— Meu rapaz… — ele travou, umedecendo os lábios enquanto avaliava todas as linhas do rosto de , lançando-lhe um olhar igual ou pior do que o velho de antes; a compaixão, a pena. — Não tinha nenhum senhor aqui além de você. Com quem estava falando?



ainda teria um dia cheio pela frente.
O choque inicial da visão perturbadora de mais cedo já estava sendo suficiente para drenar toda a concentração que ele normalmente tinha durante o expediente. Tentou se convencer de que era apenas uma alucinação, mas a imagem persistia, teimosa, uma sombra que não se dissipa. Não existia razão para aquilo. era um cara recluso, sem muitos amigos no Rem, mas dormia bem e era um homem são. Cansaço extremo não era motivo suficiente para sua mente pregar peças, ainda mais depois de uma noite de amor avassaladora com sua garota. Talvez tivessem passado um pouco do ponto, e por isso a magia do outro lado ainda estivesse reverberando dentro dele. Mas, pensando bem, não era a primeira vez que aquilo acontecia. Desde que chegara a Seul, ele se lembrava de momentos em que, ao caminhar pelas ruas, vislumbrava criaturas da cidade mágica: homens de três metros, mulheres com garras, vampiros de cabeça para baixo. Eram visões turvas, que desapareciam assim que ele se virava, mas que deixavam uma sensação de estranheza. No fim, concluía que eram resquícios, memórias de um mundo que encontrava apenas quando fechava os olhos.
Mas elas nunca haviam aparecido tão sólidas daquele jeito. E em hipótese alguma falavam com ele.
A estranheza do dia tomou um novo rumo durante o breve intervalo para o almoço. Sentado sozinho em uma mesa grande e circular no restaurante ao lado da concessionária, seus ouvidos se sintonizaram em uma conversa de colegas de trabalho, que tinham os olhos absortos em seus celulares, rindo e cutucando uns aos outros, quando um deles exclamou:
— Eu sabia! Aish. — ele riu, arranhando os dentes. — Não é como se uma beleza nacional como Sorvino fosse ficar solteira para sempre.
sentiu os músculos tensionarem.
— Ela ainda vai continuar pervertendo minha inocência. — o outro suspirou, recebendo uma risada escandalosa. — Mas quem é o cara? Não parece que eu conheço.
— A sorte realmente tem seus favoritos. — o primeiro revirou os olhos. — Parece que é o filho mais velho de um chaebol que estava morando no exterior. Ele faz uma dessas coisas complicadas na bolsa de valores, e os dois devem ter se encontrado durante a turnê. Dizem até que devem estar juntos bem antes disso…
arrastou a cadeira com violência para trás, um zumbido ensurdecedor ecoando nos ouvidos. Os dois colegas se viraram, assustados, encontrando o olhar penetrante de . Em um movimento rápido, ele se aproximou, agarrou o celular de um deles e encarou a tela, a ansiedade pulsando nas veias.
— Ei! — o dono do aparelho gritou. — Você é doido?!
Mas não se importou. A foto mostrava claramente — a sua — de braços dados com um homem alto e elegante, vestido com roupas impecáveis que exalavam riqueza. Ela sorria nos cliques, e as imagens se repetiam em diferentes locais, da América à Itália. Uma onda de calor e vertigem tomou conta dele, bloqueando sua respiração.
— Ei, seu…
O celular voou contra o peito do homem enquanto se afastava para fora do estabelecimento, sentindo a cabeça latejar. O mundo girava como um vórtice, sugando sua sanidade e a capacidade de se manter calmo.
Ele nunca se importou. Em 16 anos, sempre soube separar bem a do Rem da sua da cidade mágica, mesmo sabendo que, em essência, eram a mesma pessoa. Depois da conversa que tiveram há 6 anos, quando sua ansiedade o levou a acreditar que tudo poderia se unir, ele aceitou a espera. Encarar a realidade do Rem era algo que ele já estava acostumado, e ver comentários sexualizados sobre sua garota em meio a uma multidão era tolerável, desde que se lembrasse que ela era sua, e sempre seria. O dia em que tudo se fundiria em uma única realidade parecia cada vez mais próximo.
Mas ele nunca considerou a possibilidade de interferência de terceiros. Era uma ideia absurda. Quando estava com , desfrutando de amor e aventura, não havia espaço para discutir o Rem. Nos seis anos seguintes àquela conversa, quando se via atormentado por passar os dias sozinho do outro lado, vendo-a apenas através de uma tela, ele respirava fundo e sussurrava seus desejos no ouvido dela, de forma suave e carinhosa. Não como uma cobrança, mas como uma reafirmação da promessa de espera. “Vamos ficar juntos para sempre, para sempre, para sempre, para sempre…”
Claro que ele já tinha estado perto dela no Rem. Ou tão perto quanto qualquer um dos milhões de fãs que lotavam as arenas de seus shows, apenas mais um rosto na multidão. Mas, mesmo assim, seu coração pulsava com uma intensidade que o fazia sentir-se especial. Aquela mulher incrível era muito mais do que um ícone de beleza ou um símbolo de glamour; ela era sua , a mulher de seus sonhos e o amor de sua vida inteira, preenchendo seus dias com uma alegria quase mágica, como se fosse uma deusa criada sob medida para ele.
Por causa de tudo isso, ele suportava o lance de se embrenhar na multidão e observá-la do melhor lugar, com um sorriso que transbordava confiança e orgulho, como se cada movimento e risada que ela soltava no palco fossem direcionados só para ele. E, em um momento que parecia um sonho, poderia jurar que a viu piscando para ele, um sorriso secreto que atravessou a massa de pessoas.
Mas aquelas fotos… Elas não faziam sentido algum.
Os dois estavam esperando. Os dois mantinham mantinham as esperanças ativas até os 30, para quando tudo mudasse, para quando finalmente se tornassem um só.
A voz dela ecoou em sua mente, fazendo-o parar abruptamente na calçada: “podemos ficar juntos quando formos adultos”. Era isso que ele vinha tentando fazer, o que fazia por seis longos anos. estava se tornando um adulto, estava prestes a alcançar esse marco, mas…
“Fala sério, você já é um adulto!”
— Não! — ele gritou, os dentes cerrados, levando as mãos às orelhas, assustado com a súbita voz que atravessou sua cabeça. Ignorou os olhares confusos e os dedos apontados em sua direção. Acelerou o passo, andando para lugar nenhum, enquanto a frase martelava em sua mente, insistindo em uma inverdade que ele se recusava a aceitar. — Eu ainda não sou… Não sou…
Os sussurros escapavam de seus lábios até que ele virou em uma esquina, encostando as costas na parede úmida de um beco, onde um cachorro revirava o lixo restante do fim do expediente de um restaurante. sentia a têmpora latejar e a visão se turvar, quase acreditando que o vira-lata tinha pelagem verde e uma cauda de escorpião. Mas, quando piscou novamente, tudo se dissipou. Ele era apenas um cachorro de cor caramelo.
Ele olhou para o céu, o coração descompassado. Precisava falar com . Precisava aliviar esse peso que o oprimia, precisava não enlouquecer com conclusões precipitadas.
Depois de respirar fundo três vezes, ele saiu do beco e caminhou de volta para o trabalho.



Agora eu estou assustado
Para onde foram os fragmentos do meu sonho?


Naquela noite, não apareceu.
não sabia até onde ia sua autoridade sobre a cidade mágica para revirá-la de cabeça para baixo, considerando o quão literal tudo ali parecia. Um fio de nervosismo começava a se espalhar pelo seu corpo, e suas teorias, que antes eram apenas devaneios, agora se tornavam sombrias e malucas, acompanhadas de um medo que o gelava por dentro ao pensar na mínima possibilidade de perder a mulher que significava tudo para ele.
A ideia nunca tinha passado pela cabeça de . Ele nunca se permitiu imaginar um futuro sem ela, o que o levava a recusar, de forma educada — ou nem tanto — as tentativas insistentes de sua família para apresentá-lo a outras garotas, sempre repetindo que já era hora de ele se estabelecer. As preocupações de sua mãe aumentavam a cada ano, até que um dia, em um momento de vulnerabilidade, ele decidiu compartilhar a verdade que provavelmente acalmaria os nervos dela — e os dele, por consequência.
— Vou me casar aos 30. — disse ele com sinceridade, a maior verdade que já disse para a mulher. A expressão dela foi de confusão, esperando que ele desmentisse a piada.
— Como você pode ter tanta certeza? — ela perguntou, os lábios repuxados em um misto de nervosismo e incredulidade. — Nunca te vi com uma mulher, . Nunca te vi com ninguém. Como pode saber que vai encontrar alguém tão rápido?
— Eu não vou encontrar ninguém, ela já existe. — ele respondeu, soltando um suspiro. A confusão dela só aumentou. — Não é algo que precisamos discutir agora, você vai saber quando receber os convites. E estou dizendo a verdade. — ele a confortou com um aperto nos ombros, tentando transmitir segurança. — Vou me casar com a garota dos meus sonhos. Agora, aceita um chá?
Ela aceitou o chá e a explicação.
Não existia nenhuma outra verdade mais universal que pulsasse no coração de do que aquela. Ele se casaria com Sorvino aos 30 anos. Ele se tornaria um adulto. Isso já estava mais do que claro.
Então, por que ela não estava aqui agora?!
A necessidade de extravasar crescia dentro dele; queria gritar o nome dela, espernear por sua presença e uma explicação. Sua mente girava em torno dos acontecimentos recentes, das criaturas que habitavam o Rem passeando deste lado e da possibilidade de que pudesse estar com outro homem naquele exato momento. Outro homem! Ele soltou uma risada nervosa. Nunca, jamais, havia pensado sobre outra pessoa entre os dois. Não havia espaço para isso. o amava. Sempre foi assim. Ela o amou primeiro, apareceu em seus sonhos, e era com ele que compartilhava realidades alternativas e sentimentos que desafiavam o tempo e o espaço. Era amor, puro e simples. Eles se amavam.
Por isso, precisava urgentemente se acalmar e esperar pela explicação que ela certamente daria. Precisava lembrar que sua posição social era alvo constante de mentiras e rumores, e também de marketing e oportunismo, o que tornava a verdade um artifício sem valor, pelo menos por enquanto. Aos 30, eles fugiriam e se casariam em um lugar distante, onde o céu e a terra se tornaram uma linha tênue no horizonte, unindo seus mundos.
Mas então, ela não apareceu na próxima noite também. E nem nas duas seguintes. Um desespero crescente começou a tomar conta de . Ele já não conseguia controlar o temperamento que antes era calmo e prudente; agora, se sentia como uma xícara prestes a transbordar, perdendo a cabeça com mínimos erros do dia-a-dia e tentando fechar os olhos durante o almoço para ir à cidade mágica em busca da garota. Ainda nada. Tudo estava virando uma completa bagunça dentro dele.
Na semana seguinte, se encontrava sentado em sua cama, o ingresso para o estádio estendido em sua frente como um bilhete para a loucura. A adrenalina pulsava em seu corpo, uma corrente elétrica que o fazia questionar as decisões drásticas que estava prestes a tomar. Sete dias se passaram desde que desaparecera, e cada um deles se arrastou como um pesadelo, repleto de desespero e medos que o assombravam até mesmo em seus sonhos. Ele não havia enfrentado monstros, não havia empunhado espadas ou nadado no Triângulo das Bermudas, mas as visões dessas criaturas continuavam a assombrá-lo, aparecendo em flashes cada vez mais breves, como se quisessem lembrá-lo de que a realidade estava desmoronando ao seu redor. Um deles esbarrou em seu ombro ao sair de um restaurante, e a frustração o levou a atacar o vazio, socos e pontapés em uma luta contra algo que ninguém mais podia ver, enquanto as pessoas ao redor o encaravam como se fosse um lunático.
Ele estava à beira da loucura. Naquela mesma noite, jurou que viu seu chefe vestido com saias irlandesas, vendendo hambúrgueres de siri nas ruas da cidade mágica. Entre as duas bases do pão, pode observar os dedos do animal vivo se mexendo lentamente enquanto um cliente se deliciava com sangue fresco escorrendo pela boca.
A magia estava medonha. Antes uma fonte de alegria, agora ela se tornara um pesadelo, um horror que o consumia a cada dia que passava. Ele precisava agir, precisava fazer algo.
Apertou-se na entrada da arena, cercado por uma multidão frenética que gritava em euforia pela sua garota. Com um pouco do dinheiro que havia economizado, conseguiu um lugar na primeira fila, mesmo que, se alguém olhasse de perto, não o reconhecesse como um fã típico da deslumbrante Sorvino. Parecia estar ali para vigiar, e não para adorar.
Apesar do caos que tinha engolido sua vida, conseguiu esboçar dois ou três sorrisos automáticos enquanto a via no palco, mais radiante do que nunca, encantando a todos com seu carisma e talento. Cada centavo que gastara valia a pena ao vê-la brilhar. se movia com leveza e selvageria ao mesmo tempo, capturando não apenas sua atenção — que sentiu o peito doer de saudades —, mas a de toda a multidão. Ele desejava que ela o visse, que o tempo se encurtasse e que tudo voltasse a ser como antes.
Quando percebeu que o show estava chegando ao fim, se dirigiu à saída lateral, empurrando ombros e desviando de lightsticks piscantes em rosa e amarelo. Lembrava-se vagamente do caminho que a mídia usaria, e sua habilidade em memorizar placas e modelos de carro se mostrava útil. Logo, chegou ao local onde a imprensa se aglomerava, câmeras com lentes enormes esperando para capturar o momento da entrevista de encerramento. Ele puxou o capuz para cima, tentando se camuflar na escuridão por trás do bolo seletivo de pessoas e aguardou.
Quase uma hora depois, a agitação tomou conta dos profissionais e os flashes começaram a disparar quando surgiu de um carro preto e reluzente. achou que teria uma parada cardíaca ao ver a mulher que amava, brilhando em um vestido curto, com brincos grandes e lábios avermelhados, aqueles lábios que ele não via há uma eternidade. Seus pés se moveram antes que sua mente pudesse processar, mas foram detidos por ombros largos que o empurraram para longe, congestionando o caminho até ela, que acenava e respondia rapidamente a perguntas, cercada por seguranças imponentes e uma mulher de cabelos curtos que parecia ser sua assistente.
! — ele gritou, mas várias pessoas faziam a mesma coisa. Sua voz se perdeu em meio a um coro de fãs igualmente desesperados por sua atenção. Um sentimento de possessividade e desespero o invadiu; ele queria que todos ao seu redor explodissem ou fossem engolidos pelo chão, que restasse apenas ele e a mulher cercada de brilho. Desejou estar na cidade mágica, onde tudo era possível.
continuou a se espremer entre as pessoas, forçando sua voz a se destacar em meio ao clamor. Mas ela não o olhava, não fazia nada além de oferecer aquele sorriso — um sorriso do Rem — enquanto respondia às perguntas que lhe eram feitas.
Ela não o veria? Não reconheceria sua voz? Como isso era possível? Era ele! Não era apenas mais um rosto na multidão!
Finalmente, quando conseguiu se infiltrar na confusão, sentindo-se como uma sardinha enlatada, as vozes ao seu redor se tornaram uma coisa só, deixando-o surdo para o que dizia. Eram tantas perguntas, tantos gritos, tantas luzes que o deixavam tonto, como se tudo estivesse em câmera lenta. E então, no meio do caos, ele finalmente conseguiu ouvir.
E o que ele ouviu pôs toda a sua vida numa corda bamba, prestes a se romper.
, ! É verdade que você está namorando aquele chaebol, Kim Taehyung?
Ele viu a mão dela se erguer, tentando esconder uma risadinha nervosa, e seus lábios ficaram secos como o deserto. A resposta dela veio em um aceno de cabeça, e o público de fotógrafos e repórteres explodiu em um frenesi insano, como se tivessem sido atingidos por um raio de pura euforia.
Ele não soube o que fez logo em seguida. O tempo desacelerou ao seu redor. Ele observou a assistente começar a dispersar a multidão, alegando que as entrevistas tinham chegado ao fim e que era hora de tirar um merecido descanso. As palavras dela soaram distantes, como ecos de um mundo que parecia não ter nada a ver com ele. Ele a viu se afastar, cercada por brutamontes grotescos, acenando com um sorriso que parecia tão distante quanto as estrelas.
E então, algo dentro dele se rompeu. Uma força sobre-humana, alimentada pelo desespero, surgiu do nada. Ele se lançou para frente, empurrando as pessoas ao seu redor, derrubando câmeras e gravadores, correndo como um touro em direção a ela, cego para tudo, exceto para sua . As palavras não ditas, a resposta que se cravou em seu peito como uma espada élfica, não o matavam, mas doíam como uma foice. Ele não podia simplesmente deixá-la ir, não podia ficar parado enquanto ela falava coisas tão absurdas.
! — ele gritou, sua voz se perdendo na confusão. O nome dela se misturava ao clamor da multidão. — , não! O que você está fazendo? — ele se lançou sobre um dos braços do segurança, e em um segundo, conseguiu tocar seu cabelo, agarrar qualquer parte dela antes que seu corpo fosse contido pela montanha de músculos.
Mas ele conseguiu o que queria. Por um breve momento, que parecia ter durado os últimos 16 anos, se virou e o encarou nos olhos.
— O que você fez? ! — gritou, enquanto era arrastado brutalmente para longe, tentando decifrar uma resposta silenciosa em seu olhar.
Mas a resposta não veio. Nada de da Cidade Mágica veio. A garota à sua frente franziu levemente as sobrancelhas, e uma escuridão sem precedentes tomou conta de seus olhos, misturando-se a uma seriedade e desprezo que o atingiram como um soco no estômago. Ela não parecia a doce que ele conhecia. Não era nada do que ele havia visto antes.
Logo, ela ajeitou os cabelos e apressou o passo em direção ao carro, revestindo-se do sorriso que tinha um minuto atrás, como se aquele breve instante da verdade nunca tivesse existido.
Antes que ele pudesse continuar lutando, os dedos em seus braços se transformaram em garras profanas, e a pele sob o terno escuro em escamas grandes como placas. Uma voz quente e fétida sussurrou em seu ouvido, silenciando todas as outras por um terço de segundo:
Pare já com isso e trate de se tornar um adulto.
perdeu a voz instantaneamente, deixando-se ser arrastado pelo monstro para longe das luzes, enquanto a realidade estilhaçava ao seu redor.



O abismo era um vácuo escuro e infinito.
Parecia mais real do que qualquer coisa que já havia experimentado na Cidade Mágica. A escuridão, a milhares de metros abaixo, refletia perfeitamente o estado da sua mente: vazia e morta, um eco distante de algo que um dia esteve minimamente vivo.
A luz esverdeada da aurora boreal dançava suavemente sobre sua pele exposta, oferecendo apenas um brilho tênue que mal iluminava suas íris, tão opacas quanto o resto de sua existência. se sentia exausto, incapaz de suportar mais raiva ou frustração; qualquer uma dessas emoções poderia desgastá-lo até que se desmoronasse como uma pilha de tijolos. Tudo o que conseguia pensar era no que aconteceria se decidisse dar um passo à frente e se deixar cair no precipício. Provavelmente não morreria, mas a volta seria longa e dolorosa. E, de certa forma, isso não parecia tão ruim. O Rem havia se tornado um verdadeiro inferno, assim como as sombras que pairavam sobre a Cidade Mágica.
Estava tão absorto em seus pensamentos que não percebeu os passos arrastados no cascalho atrás de si. A ruína à sua frente o afastava de qualquer noção de realidade, até que sentiu dedos quentes e macios envolvendo seu pulso.
?
A voz soou clara, mas ele hesitou em se virar. Estava convencido de que sua mente estava pregando peças, colocando coisas na frente de seus olhos que não eram nem reais nem imaginárias. Ele balançou a cabeça, fechou os olhos com força e, lentamente, virou-se em sua direção.
estava ali, ao seu lado, e logo um sorriso lindo, aquele que ele guardava na memória, surgiu em seu rosto. O sorriso mágico. Ele sentiu os braços dela se envolverem em torno de sua nuca, um abraço apertado que ele não conseguiu retribuir. A presença dela ainda estava sendo processada com lentidão em sua mente, que parecia estar em alerta, temendo mais armadilhas criadas pelos mundos que os cercavam.
— Meu amor, senti tanto a sua falta! Te procurei em todos os lugares, você simplesmente desapareceu. — ela murmurou, a voz suave na curva de seu pescoço, o aroma familiar o envolvendo como um cobertor quente. Até seu cheiro era parecido.
Ela balbuciou mais algumas palavras, mas a mente dele estava tão confusa que não conseguiu captar nada. Quando ela se afastou lentamente, sua expressão era confusa e deslocada.
— O que houve? — ela perguntou, em um fio de voz.
Finalmente, ele encontrou os olhos dela, tensionando o maxilar em esforço máximo para não estourar. O semblante dela era tão limpo, tão inocente, sem vestígios do desprezo que ele havia visto antes — uma que parecia tão distante da garota que ele conhecia. Era como se ela não o reconhecesse.
Mas, no fundo, ele sabia que estava diante de sua verdadeira garota, mesmo que as memórias da última semana ainda pesassem seu coração.
— Onde diabos você esteve? — questionou, a voz falhando, quase quebrando.
Ela franziu as sobrancelhas, sem entender.
— Como assim? — soltou uma risada curta, como se a resposta fosse óbvia. — Eu estava bem aqui.
— Mentirosa! — se afastou abruptamente, a respiração pesada e cortante preenchendo seus pulmões. — Você está mentindo pra mim. Mentiu o tempo todo!
ficou paralisada, o aspecto de confusão genuína em seu rosto. Mas não estava disposto a se deixar enganar. Podia ser uma armadilha. Tudo poderia ser uma grande mentira.
, você está me assustando…
— Assustando você? E quanto a mim?! — ele trincou os dentes, lutando para manter a calma enquanto a raiva o consumia. — Como você acha que eu me senti quando você simplesmente desapareceu? E quando fez aquilo depois do show…
— Do que você tá falando? — ela deu um passo à frente, mas ele não estava pronto para ceder.
— Não mente, ! — ergueu as mãos, um gesto instintivo para que ela parasse onde estava. — Não tenta me dizer que não sabe do que estou falando. Você me viu! Escutou minha voz, olhou nos meus olhos no Rem e simplesmente… foi embora.
Ela abriu a boca para responder, mas fechou-a rapidamente. Agora, havia algo mais em seu rosto do que confusão; havia desespero.
— Você foi me procurar no Rem? — ela avançou, tão rápida que ele não teve tempo de se afastar. — Por que fez isso, ? Por que tão cedo?
Ele riu, mas a ironia não durou muito ao ver a reprovação em seus olhos. Ela só podia estar louca, porra.
— Como você tem coragem de me perguntar isso? — a voz dele soou vazia, sem vida. — O que você esperava que eu fizesse depois de te ver exibindo outro cara na frente do país inteiro?
Os olhos de se arregalaram, e ela começou a se afastar. A dor de vê-la se distanciar era quase física; a presença dela era uma necessidade fisiológica, e mesmo com toda a raiva, se sentia inexplicavelmente melhor com ela por perto. Ele queria afogar a saudade, a vontade louca de agarrá-la e ouvir suas explicações, precisava vê-la desmentir tudo o que ele já não queria acreditar.
— Não é nada disso que você está pensando.
Os ombros dele relaxaram com alívio instantâneo, mas seus olhos continuavam fixos nos dela, esperando por mais. Precisava de mais do que isso para se sentir completamente convencido. Apenas um pouco mais.
— Você descumpriu nosso trato. Você duvidou. — umedeceu os lábios, seu olhar se tornando firme. — Por isso você desapareceu. Já expliquei tantas vezes como a do Rem funciona, como ela precisa viver uma vida de mentiras porque é assim que se ganha dinheiro na Coreia. Você sabia disso! Sabe que minha vida ainda não é totalmente minha e que os números controlam mais do que a minha própria vontade. Era para você confiar em mim, . Achei que você confiasse.
Ela mordeu os lábios, a expressão de choro se formando em seu rosto, e sentiu seu coração pesar com a cena. não era de chorar, e vê-la assim era um pesadelo que ele não queria enfrentar. Uma vontade absurda de jogar a fúria por aquele precipício tomou conta dele, misturando-se com as lembranças da última semana. Se sentiu um verdadeiro idiota, um porco sem coração.
Mas ele não se moveu. Uma vibração silenciosa latejava dentro dele, como um alerta, pedindo que prestasse atenção nos detalhes.
… — ele começou, tentando usar a razão, dando uma chance à conversa.
Mas não conseguiu dizer muito mais. Num instante, sentiu os braços da garota ao seu redor e a boca dela na sua, um ímpeto que apagou tudo ao redor. A necessidade pela sua estava ali, presente em todos os órgãos do corpo, se alastrando em uma onda avassaladora, mais forte do que qualquer dúvida que o atormentava. Por um momento, ele mal conseguia lembrar das complicações da semana. Tudo o que sabia era que precisava segurá-la, apertá-la contra si, como se a sobrevivência do mundo dependesse disso.
… — ela tentou falar entre os beijos, com o rosto colado ao dele, suas respirações se misturando. — Eu te amo. Você é o único que eu quero. Acredita nisso?
Ele manteve os olhos fechados, absorvendo aquelas palavras como um mantra, um sorriso de vitória brotando em seu rosto. De repente, tudo estava bem. Ela estava ali, e tudo era verdade. o amava, e dava para sentir isso em cada fibra do seu ser. a agarrou novamente, com uma ferocidade que marcava território, chupando seus lábios com uma sede insaciável. Em sua mente, só existia ela e a certeza de que tudo voltaria a ser como antes.
Mas, de repente, se afastou, e o brilho do sol quase o cegou quando abriu os olhos. O cenário agora era aquele mesmo quarto que compartilhavam, com uma paisagem que ela havia criado. Planícies verdes e florestas extravagantes se estendiam sob um sol radiante que iluminava tudo ao redor, jorrando luz pela sacada. Uma piscina retangular refletia a clareza da água, e o verde infinito parecia se estender sob seus pés, como se eles estivessem mergulhando na própria paisagem.
deixou suas roupas de lado e mergulhou nua na água cristalina. Ao emergir, levantou o dedo indicador, chamando , que ainda estava paralisado pela beleza do lugar. Quando ele finalmente se recuperou, arrancou suas roupas e se lançou ao lado dela, puxando-a para sua boca novamente. As pernas dela se entrelaçaram em sua cintura, convidando-o para um jogo divertido e libidinoso, mexendo-se por cima de seu pênis. A mente dele estava a caminho de pifar.
— Senti a sua falta… — ela arfou, a respiração entrecortada enquanto sentia que ele estava pronto para ela. Os lábios de encontraram seus seios com uma urgência que a fez perder o fôlego, os dentes abocanhando e mordendo o mamilo até espalhar bolinhas pelo corpo todo.
Ela se lançou novamente para a boca dele, abrindo mais as pernas em volta dele para chegar mais perto, como se quisesse se fundir a ele. Os dedos de foram prontamente para o fundo dela, explorando seu interior quente e pegajoso, ouvindo a garota gemer ruidosamente por entre os lábios juntos. Em pouco tempo, todas as suas partes estavam sendo invadidas por ele, e todo o tronco de dava cambalhotas de prazer, arrepios frios mesmo dentro da água quente. O ritmo dele era constante e perfeito, cheio de um desejo arrebatador, e isso a deixava com água na boca, maluca de tesão. Entre respirações descompassadas e sofridas, levou a mão para baixo para acariciá-lo, o tanto quanto conseguia no meio das investidas ferozes e crueis de .
Ele levou um dos dedos até a boca dela, e mordeu suavemente, empurrando-o contra a parede de vidro que os cercava, beijando-o com pura lascívia. se sentia anestesiado, tomando-a com sofrimento, desespero, sabendo que existia um medo escondido em algum lugar, um medo que o dizia que a fantasia logo desapareceria. Ele a segurou pela cintura, levantando-a até a borda da piscina, onde abriu suas pernas em uma perfeita circunferência e enterrou sua boca entre elas. arqueou para trás, sentindo a língua furiosa dele se apoderar de cada pedaço de seu corpo, cada mísero pedaço de pele que ele conseguisse alcançar. Podia ver o sorriso que ele lançava enquanto chupava os grandes lábios, apertava sua barriga e quase conseguia ver pontos pretos e brancos acima de sua testa, como se aquele prazer fosse demais.
Tudo era demais quando estavam juntos. Era a consequência de não se preocupar com limites.
Depois de um tempo, com o céu tingido de roxo e rosa e o corpo nu de repousando tranquilamente sobre a cama, se permitiu observar cada detalhe dela. Apoiado em um cotovelo, a visão que tinha dela era a mesma de sempre, mesmo que os burburinhos que vagavam pela sua cabeça mais cedo o dissessem para ficar atento. Aquele rosto era o mesmo do Rem, e o amor que sentia por ela era profundo, quase doentio, mas ele não se importava. Tê-la em seus braços era o verdadeiro sentido de sua vida, e o futuro seria apenas uma melhoria do que já tinha hoje. Dava para esperar.
Mas aquela frase o intrigou, fez com que sua mente voltasse às lembranças das bizarrices medonhas que andava encontrando do outro lado. Enquanto estavam se amando quase visceralmente, ela sussurrou algo em seus ouvidos, algo que ele teria captado mais cedo se não estivesse nocauteado de prazer. Mas agora as palavras estavam lá, trazendo de volta os últimos dias.
Nunca mais duvide. A magia não tolera descrença. Ela desaparecerá e te deixará no limbo frágil e vazio da realidade.



Eu respiro, mas
Parece que meu coração está quebrado
Sim, agora eu me tornei um adulto, me tornei um adulto
Que acha difícil segurar o seu sonho


A nicotina se espalhou por todo o seu corpo quando ele tragou pela terceira vez.
não costumava fumar — era um hábito que poderia acabar com a sua vida sem propósito nenhum, e ele não era do tipo que se perdia em pensamentos sobre a morte. Não ainda. Havia tantos sonhos e planos que ele queria viver com , tantas aventuras que ainda não viveram, que arriscar tudo isso por um prazer passageiro parecia uma loucura. Ele era enérgico, cheio de vida, mesmo que o exterior muitas vezes parecesse frio e indiferente aos olhos dos outros.
Talvez, em sua mente, ele não fosse tão diferente assim dos adultos que o cercavam. Mas, por dentro, sabia que ainda não era um deles. Ainda. Mas, lentamente, começou a pensar que estava se tornando um.
As coisas com pareciam ter voltado ao normal, como se o tempo tivesse se reiniciado. Mas as notícias do Rem o assombravam, com fotos dela e de um homem alto, agora totalmente expostos, sorrisos felizes estampados em redes sociais e revistas de fofoca. tentava se convencer de que não era um problema. Estava tudo claro, tudo explicado. era dele, e de mais ninguém. Ela estava sendo forçada a isso, então não existia perigo.
Mas havia um rugido dentro dele, algo implorando para sair. não conseguia mais sorrir ou acenar diante das notícias, não conseguia imaginar as mãos de outro homem tocando sua pele para aumentar a audiência de uma mentira. Esses pensamentos o atormentavam durante o dia, e à noite, ao lado dela, não conseguia esconder a agitação. Dizia que estava estressado com o trabalho, ansioso por uma nova posição, mas não tinha certeza se era convincente. Suas mãos tremiam, ansiando por ação.
E os monstros continuavam a aparecer.
Parecia um teste da Cidade Mágica sobre o seu dono, desafiando-o a desacreditar de novo, a duvidar da realidade que vivia. Ele não hesitava mais em sua fé, mas questionava tudo. Olhava as notícias de e se perguntava: por que precisamos das regras de lá? Por que não nos libertamos de qualquer norma, seja de qualquer mundo, e criamos as nossas próprias?
As criaturas estavam perdendo o controle. Os elementos da cidade mágica se misturavam ao Rem, e ele decidiu que era hora de tomar as rédeas da situação, de libertar ele e de todas as amarras que os prendiam, nos dois mundos.
Foi esse plano que passou pela sua mente quando ele jogou o cigarro no chão e apagou a chama com a sola do sapato. Entrou no carro alugado, olhando para o pacote marrom no banco do passageiro, e deu a partida. Olhou para as nuvens pesadas uma última vez antes de focar no caminho à frente, seguindo decidido para o seu objetivo.
Horas depois, em uma grande casa envidraçada cercada por muros altos em algum lugar de Gangnam, Sorvino abria a porta da frente, deixando sua bolsa e chaves caírem no carpete enquanto tirava os sapatos, exausta após mais um dia agitado de trabalho. Os gráficos e charts estavam a seu favor, assim como as vendas e os planos futuros, e ela não tinha outra opção a não ser relaxar, sabendo que o caminho à frente era pavimentado com sucesso e tranquilidade, como uma estrela fadada à fama deveria ser e estar.
Era quase noite quando ela acendeu as luzes e observou a chuva, antes ameaçadora, começar a cair em gotas mais finas do lado de fora. Sentiu um arrepio frio passar pela pele e caminhou até as janelas altas, certificando-se de que não havia deixado nada aberto. Mas antes que pudesse verificar qualquer erro, o telefone tocou alto e estridente. Ela se virou, pegou o aparelho que havia largado no sofá e atendeu.
— Você demorou a ligar. — disse, sorrindo satisfeita enquanto se jogava no sofá de couro branco e puxava as pernas para cima. — Já estava ficando com saudades.
Mentirosa. — a voz masculina do outro lado respondeu, seguida de uma risada. — Você não sente falta de nada.
— Você sempre me pega. — ela revirou os olhos. — Se você fosse feito de diamantes ou pele de focas, eu pensaria seriamente em sentir alguma coisa.
Tudo bem, isso também é mentira. — eles riram juntos. — Sei de uma coisa que você deve estar morrendo de saudades.
Ela mordeu os lábios, encarando para o teto, lembrando-se do quarto no segundo andar e dos lençóis bagunçados que aquela visita sempre deixava, sentindo um tremor no ventre que dizia mais do que suas palavras poderiam expressar.
— Se você sabe tanto, por que ainda não está aqui?
Quem disse que não estou?
A campainha tocou, quebrando o silêncio como um raio em um dia ensolarado. franziu as sobrancelhas, um misto de confusão e surpresa a invadindo, sem se lembrar que já havia dado permissão para aquele carro entrar sem aviso. No fundo, era tudo parte do plano para as câmeras, mas, se fosse sincera, desejava que ele aparecesse assim todos os dias.
Ao abrir a porta, foi recebida por um abraço que, logo depois, a envolveu em um beijo intenso, mas breve. Aqueles segundos foram suficientes para que seu vestido fosse parar na cintura, uma faísca que virava incêndio em um piscar de olhos. Seus movimentos eram tão naturais, tão perfeitamente sincronizados, que parecia que sempre tivessem sido feitos um para o outro, exatamente como os tabloides andavam dizendo.
— Ei, ei. — se afastou, com um sorriso travesso, observando-o morder os lábios enquanto ela ajeitava o vestido e se virava para voltar à sala. — Tenha modos na minha casa, senhor Kim.
— Não parece que você quer isso. — ele riu, passando a mão pelo cabelo de maneira despreocupada. — Mas pode me dizer o que quer antes da gente chegar no segundo andar, porque lá não vai existir nenhuma chance de eu parar.
Ela riu, olhando para ele com um desejo genuíno. Durante toda a sua vida, tinha sido moldada para ser exigente, sempre buscando agradar toda uma população. Seus gostos eram vigiados, meticulosamente controlados, como se cada escolha fosse uma armadilha. Essa pressão gerou uma revolta dentro dela, uma vontade de fazer tudo ao contrário, levando-a a um relacionamento tumultuado na adolescência com um homem tatuado da cabeça aos pés e amante de entorpecentes, que quase a fez perder o rumo. O miserável quebrou seu coração de uma forma tão cruel, apoiado por uma equipe de agenciamento que fez de tudo para afastá-lo, e isso fez a garota se fechar para qualquer coisa que pudesse tocar seu coração. Principalmente relacionamentos, especialmente aqueles que sua mãe achava adequados, que ela rejeitava por pura teimosia. Não seguiria as regras de ninguém, não deixaria que outros decidissem seu destino. viveria em seu próprio mundo.
Por isso, era tão estranho e surpreendente que o homem à sua frente, vestido de maneira formal com calças cáqui e uma camisa social, usando óculos de aro redondo e exalando uma inteligência culta que a atraía, estivesse conseguindo derrubar todas as barreiras que ela tinha construído para escapar dos padrões.
— Eu quero… — ela começou, mas a frase se perdeu, o medo apertando seu peito. — Quero…
O sorriso dele diminuiu, mas não desapareceu. Em vez disso, transformou-se em algo divertido, deixando-a hesitante. Taehyung sentiu um formigamento no estômago e se aproximou lentamente, as mãos nos bolsos, nervoso como um adolescente.
— Eu também quero. — ele disse, a voz baixa e suave, olhando-a com intensidade. — Quero muito, .
Ela sentiu os lábios trêmulos e soltou uma risadinha nervosa.
— Você só tá dizendo isso porque a Alicia provavelmente mandou.
— Alicia. — ele riu alto. — Desde quando empresárias alheias dizem o que devo fazer? Nem ela, nem matérias de blogs. Não importa se você aceitou sair comigo para acalmar nossas famílias, estou dizendo agora que quero. Eu, e apenas eu. Ninguém fala por mim.
O coração de deu um salto. Ele era exatamente o que seus pais desejavam, pelo amor de Deus! Como poderia estar tão afetada por suas palavras? Era muita loucura.
Mas, em vez de recuar, ela sorriu e deixou que ele se aproximasse, mostrando que também queria tomar as rédeas da situação. Não importava que tudo tivesse começado como um plano de namoro fake, que depois se transformou em um relacionamento casual. No fim, tinha se metido em uma bolha romântica, ficando apaixonada por um homem perfeito — perfeito! Ela riu ironicamente. Rico, bem-sucedido, inteligente e de boa família. Tudo que ela nunca imaginou querer.
E ele estava dividindo o mesmo espaço com ela nessa bagunça.
Quando Taehyung se inclinou para beijá-la, tudo aconteceu rápido demais.
O estrondo veio de lugar nenhum. sentiu os lábios molhados, não pela saliva dele, mas por um líquido quente e espesso, com o odor de ferro e metal. A cor avermelhada manchou a camisa de botões dele. Seus olhos se arregalaram em choque. A perfuração na altura do coração de Taehyung estava bem diante de seus olhos, assim como o corpo dele, que cambaleou e caiu, petrificado, no chão.
parecia não ver a cena de verdade. O corpo de Taehyung foi despencando em câmera lenta, e ela sentiu o tempo se arrastar, cada segundo se estendendo como um eco distante. Depois de 1 minuto inteiro de corpo e alma tremendo, um grito irrompeu de sua garganta, rasgando o silêncio, mas soou como um sussurro em meio ao desespero. Seus olhos não podiam acreditar no que viam. Taehyung apenas, ele apenas…
— Não se preocupe. — a voz que surgiu atrás dela era estranha, como um reflexo de algo que não deveria estar ali. — Não precisamos mais nos preocupar com ele.
Ela se virou lentamente, um frio cortante e mórbido percorrendo seu corpo. O homem, emergindo da penumbra da cozinha, segurava a arma ao lado do corpo, observando o cadáver ainda quente de Taehyung com uma frieza que a fez tremer. E então, ele a olhou, um sorriso doce e inquietante nos lábios.
A verdade a atingiu como um soco no estômago: aquela voz estava ali o tempo todo, escondida nas sombras. Por quanto tempo ele esteve ali, observando?
Paralisada, viu o homem se aproximar, seus passos rápidos e decididos. Ele a envolveu em um abraço apertado, a respiração quente dele em sua nuca. Ela se sentia como uma espectadora, incrédula, sem saber como reagir. Aquele homem, quem era aquele homem?
— Meu amor, finalmente te encontrei. Nem acredita em como sonhei com esse dia. — ele fungou, absorvendo seu cheiro. — Eu sabia que te encontraria, sabia que poderíamos ficar juntos antes do tempo. Eu te disse, não disse? Não precisamos mais esperar, … Não precisamos…
Mas então, algo dentro dela se rasgou. Com uma força que ela não sabia de onde vinha, empurrou-o para longe. Estava assustada demais, os nervos à flor da pele, as mãos tremendo. Imediatamente, ligou todos os sinais de alerta, olhando o homem com horror inimaginável, mas também com raiva. Uma fúria infernal que começava a transbordar como café amargo.
— Quem diabos é você?! — ela achou sua voz e gritou, a garganta ardendo, os olhos marejados enquanto recuava, sentindo os calcanhares tocarem o corpo de Taehyung. — O que você fez?! QUEM É VOCÊ?
Ela só podia estar louca de berrar com um cara armado em sua própria casa, mas algo forte e poderoso se apossou dela. Os instintos diziam para ela chorar e implorar pela própria vida, mas a imagem de Taehyung, com os olhos abertos no chão, não saía de sua mente.
a encarou, confuso, percebendo a tremedeira que a dominava.
— Você está com medo de mim? — perguntou, a inocência em sua voz quase a irritou. Ele voltou a dar passos para a frente.
— Não se aproxime de mim! — gritou mais uma vez, afastando-se do corpo de Taehyung.
— Amor, o que é isso… — parou, as sobrancelhas franzidas. — O que está fazendo? Sou eu, . Vim para encurtar nossa promessa.
— Você é louco. — as mãos dela se apertaram na cabeça, como se assim pudesse parar aquele pesadelo. As lágrimas escorriam, quentes e rápidas, mas ela não tremia pelo choro. — Eu nunca te vi em toda minha vida. Não sei do que está falando. Céus, como isso pode-
Ela olhou ao redor, desesperada, buscando qualquer coisa que pudesse usar para escapar. O celular estava ali, a capa colorida virada para cima no sofá, e ela engoliu em seco ao ver os pés de Taehyung ao lado. Com um impulso, fechou os olhos e correu.
percebeu suas intenções. Em um movimento mais ágil, ele agarrou o celular antes dela, segurando seu braço e a puxando para perto.
, se acalma. — ele disse, a voz quase gentil, mas urgente, enquanto ela lutava para se soltar. — Eu sei que devo ter te assustado com o tiro, eu sei, me desculpa! Mas era a única maneira, meu bem, por favor, me escuta.
— Para de me chamar assim! — ela gritou, socando-o no peito, mas ele parecia uma rocha, imune ao seu desespero. — Seu assassino desgraçado! O que ele fez com você?! Por que você fez isso com ele? — A voz dela tremia, embargada, enquanto as lágrimas fluíam sem parar, cada gota um fragmento do seu coração se despedaçando.
— Ele estava tentando roubar você de mim! — A frustração explodiu dele, a irritação crescendo como uma tempestade. — Por que está desse jeito? Eu te libertei desse imbecil para que pudéssemos seguir em frente, para ficarmos juntos aqui no Rem, assim como na Cidade Mágica! Agora nada pode nos separar, agora somos um só…
— Que porra você está falando!? — trincou os dentes, o desespero se transformando em um ódio ardente. O rosto e a voz dele, dizendo aquelas palavras malucas com tanta convicção a deixavam enjoada. — Eu não entendo absolutamente nada do que você diz, seu maluco filho da puta! Seu louco de merda! Me solta! — Com um movimento brusco, ela puxou os braços dele, firmando os pés no chão, determinada a não cair.
estava estático, absorvendo o surto de , que parecia genuinamente apavorada. O olhar que ela lhe lançou era o mesmo daquela noite fatídica do show — desprezível, como se ele fosse um estranho.
, você… — ele respirou fundo, esfregando o nariz com o pulso que segurava a pistola. — Você não sabe quem sou eu?
Ela riu, mas era uma risada cheia de descrença, e a paciência de começava a se esvair. Aquela não era a sua — mas deveria ser. Porém, aquela risada banhada de menosprezo, o cheiro da angústia que partia dela e a forma como parecia se manter sempre em frente ao corpo caído como se quisesse protegê-lo fazia o sangue de entrar em chamas.
— Por que eu deveria saber quem você é? — ela respondeu, os olhos estreitos e vermelhos de tanto chorar. — Por favor, vai embora… Só vai embora daqui!
O coração dele parou. Um grito agudo de sofrimento escapou dela, um choro alto que estava preso nas cordas vocais. Ele estava em legítimo espanto, as palavras de dançando em sua mente como um pesadelo.
— Você já teve o que queria, então sai daqui! — ela arqueou as costas, fechando os olhos com força, lutando contra a visão do sangue de Taehyung se espalhando pelo chão, mais do que os respingos que a atingiram.
tentava juntar as peças, confuso e transtornado. Ela chorava de pânico e luto, e isso não fazia sentido. Por que ela não estava feliz? Ele estava ali, finalmente ali!
Ele atravessou a sala e agarrou seu braço novamente, desta vez não tendo problemas com a resistência dela, que já estava exausta, o rosto vermelho e as pernas prestes a desabar.
— Do que você está falando, ? — trincou os dentes, puxando seu queixo para forçá-la a olhá-lo nos olhos. — Essa brincadeira já perdeu a graça! Você precisa de tempo para recuperar suas memórias, é isso? É assim que funciona desse lado? Tudo bem, eu posso esperar, podemos tirar um tempo até que você-
O tapa foi forte e inesperado. Ela não tentou fugir ou algo parecido. Simplesmente o atacou, controlando os soluços, olhando-o com uma seriedade que o desarmou. As palavras dele eram loucas, ignorantes, e ela não aguentava mais.
Ele tocou o lugar onde ela o atingira, estupefato. O rosto dela era uma máscara de raiva e desprezo, algo que ele nunca imaginou ver.
— O que foi que você-
— Pode me matar se quiser, seu stalker desgraçado. — ela disse, o coração partido, mas sem ânimo para implorar por misericórdia. Quando entendeu toda a loucura, sabia que não poderia lutar. O celular estava longe, os seguranças a quilômetros de distância, e Taehyung… Taehyung nunca mais estaria ali.
Stalker? — ele exclamou, abalado, como se tivesse levado um soco no estômago. — Até quando você vai continuar com esse jogo de palavras, ? Quanto tempo mais você vai levar para lembrar? Nós nos amamos! Passamos 16 anos juntos na Cidade Mágica, você é a garota dos meus sonhos. Não consegue se lembrar disso?
— Pois é exatamente isso que eu sou, seu porco maldito! — ela disparou, a raiva transbordando, empurrando-o para longe com toda a força que tinha, bufando de ódio. — Uma alucinação dos seus sonhos repulsivos, que deveriam ter ficado trancados seja lá em que buraco você os meteu! Seu obcecado de merda! Você me dá nojo!
Ela o empurrou novamente, toda a sua coragem se esvaindo, as mãos cobrindo o rosto enquanto soluços silenciosos escapavam.
ficou paralisado, um tsunami de emoções invadindo sua mente, a imagem dela, tão desestabilizada, o atingindo como um golpe. As palavras de eram como um banho de gelo, como se cinco espadas élficas da cidade mágica o tivessem atingido, espadas que, deste lado — o miserável Rem — elas podiam facilmente matar. Era exatamente como estava se sentindo: morto por dentro. Suas mãos tremiam, e as memórias o engoliam como um redemoinho. Ele se viu revivendo os últimos momentos com ela, as noites de amor, as aventuras, as conversas profundas e o primeiro abraço. Lembrou-se de quando tinha 18 anos e percebeu que a amava pela primeira vez, e dois anos depois, quando finalmente declarou seu amor. Aquela existia, e ele acreditava que ela ainda seria a mesma no Rem, que juntos poderiam seguir para um mundo de sonhos compartilhados, felizes para sempre.
Uma vertigem o atingiu, fazendo-o cambalear, enquanto sua mente queimava com os pensamentos. Memórias esquecidas de uma infância conturbada no Rem. Um garotinho de 10 anos, sentado em frente à TV com a irmã, assistindo a um programa de talentos que não o interessava. A música e as coreografias não o cativavam, mas a garotinha saltitante no mar de papel picado foi a primeira coisa que realmente o fez querer sonhar depois. Algo naquele sorriso acendeu uma chama em seu espírito, e ele havia esquecido todas essas sensações até vê-la em seus sonhos. Como pôde ter esquecido? Ela era quase palpável diante de seus olhos agora, algo físico e ardente. foi capaz de sentir o destino, sentiu que sonharia com ela, sentiu tantas coisas…
— Ela se tornou o seu próprio sonho. — uma voz estranha e arrastada cortou o ar, flutuando atrás da garota em lágrimas, uma forma de Elisabetha da cintura para cima, com tentáculos esvoaçantes na parte de baixo. — Mas você esqueceu que controlava tudo. Que as coisas seguiam seus próprios interesses. Porque ela não passa de uma criação da sua mente. Da sua obsessão.
Ela se tornou o seu próprio sonho.
Os olhos dele se arregalaram, um frio horrendo misturado com terror atravessando seu corpo. O monstro estava ali, e um sorriso grotesco escapou da personificação de Elisabetha, revelando uma verdade brutal. De fato, tudo sempre foi mágico. O mundo é mágico, feito de sonhos. O Rem era apenas uma parte não aproveitada de seus sonhos, a segunda metade de uma maçã mastigada. Normal, indiferente, sem graça e com outras regras, mas ainda assim um sonho. Ou, pelo menos, era assim que ele e viam. Como uma realidade que não importava. E a cidade mágica era…
Uma realidade disfarçada de sonho. Mutável, controlável e perfeita. Onde seus desejos se materializavam à vontade. Mas onde suas regras jamais se aplicariam na outra parte, no outro mundo. Duas metades que não se sobrepunham. Ele percebeu esse fator impossível com grande pesar.
não soube segurar seus sonhos. Não respeitou os limites de acessar mundos demais, e agora eles estavam por toda parte. O mesmo velho do café da manhã passou pela sala, lançando-lhe um olhar de pena e condenação. Mãos grudentas se moviam pelo vidro da janela do lado de fora, enquanto uma rã gigante o observava da mesma forma. A espada élfica encostada na sacada parecia rir dele, como se tivesse caído em uma pegadinha perfeita criada pela associação de todas as bestas.
As risadas e murmúrios dos sonhos encheram sua cabeça, e de repente o ambiente estava barulhento demais. Ele sentiu qualquer entusiasmo se esvair, o mundo desmoronando ao seu redor, uma dor hedionda no peito que o estraçalharia por completo. Os olhos queimaram em lágrimas, um nó na garganta o impedia de falar, e as risadas aumentavam à medida que seu desespero crescia.
— Eu te avisei, garoto. — a voz do velho ecoou, suave, mas firme, como um lembrete que não poderia ser ignorado. — Nos tornamos adultos a partir do momento em que abrimos mão da fantasia. Você tentou, eu sei, mas se deixou levar pelos seus próprios devaneios… Deixou que eles o arrastassem para a ruína. Agora, levante-se e liberte-se deles. É hora de crescer.
soltou um grito primal, um rugido de frustração, enquanto apontava o revólver na direção da voz que o desafiava. Sem hesitar, puxou o gatilho. O disparo ecoou, atravessando o ar sem causar dano, apenas quebrando o vidro à sua frente. Um grito distante ressoou, mas ele não se importou. Atirou novamente, mirando na espada que continuava a rir, e então se virou para a irmã, agora uma figura demoníaca, que arqueou as sobrancelhas em uma provocação familiar, como nos tempos de infância. Ele respirava pesadamente, as lágrimas escorrendo, enquanto um ódio avassalador tomava conta dele. Tudo ao seu redor parecia repugnante. O Rem se tornara um lugar mais sombrio que o inferno. As palavras do velho invadiam sua mente, tentando trazer à tona verdades que ele se recusava a aceitar, enquanto declarava um grande "foda-se", convencido de que eram apenas mentiras.
Aqui não era um sonho. Não era a Cidade Mágica. Sua vontade não dominava essa realidade. Mas ele se recusava a deixar que tirassem dele a felicidade que havia construído nos últimos 16 anos, repletos de amor verdadeiro e aventuras alucinantes. Eles não tirariam dele! A sua !
apontou a arma para a garota, que o olhava com olhos arregalados, apavorados pelo surto repentino de raiva do homem.
— Você não é a verdadeira . — ele cuspiu, dirigindo-se a ninguém em particular, enquanto seus olhos se fixavam nos monstros ao redor. — Você é uma cópia, uma mera ilustração… Maldita imitação! Você não é ela! — A cada palavra, ele se aproximava mais do rosto dela, que estava tomada pelo terror. Ela estava com medo desde o começo, mas agora sentia um pavor genuíno ao encarar aqueles olhos que pareciam assassinos. — Você não é ela…
— Uh, ele foi enganado! — uma voz zombeteira surgiu, vinda de algum canto da sala, e risadas escandalosas contagiaram as criaturas que se aglomeravam, assistindo ao seu espetáculo de humilhação. A sala parecia se encher cada vez mais. estava paralisada, observando os olhos do homem piscarem repetidamente, como um tique nervoso.
— Calem a boca! — ele berrou, apontando a arma para todos ao mesmo tempo. — Seus vermes! Eu mando em vocês! Voltem para onde vieram agora mesmo!
As risadas aumentaram, um deboche claro à sua tentativa de se impor. Sua mente estava entrando em colapso. Até o trovão que ribombava no céu escuro parecia rir dele, zombando de uma vida inteira de mentiras e fantasias.
Era isso que tinha sido. Fantasias. Promessas que nunca existiram. Batalhas sonhadas de um garoto de 10 anos que, de repente, se viu com 28, preso em uma concha de seu próprio mundo — uma concha de suas obsessões.
não existia. Sua era um sonho. Ele não queria aceitar. Ele não podia…
Um golpe violento atingiu a parte de trás de sua cabeça, lançando-o ao chão com brutalidade. Atordoado, não conseguiu impedir que a garota chutasse a pistola para longe e, em um movimento rápido, a pegasse, apontando-a para ele. As criaturas dançavam na periferia de sua visão turva, e o cano da arma era um círculo escuro, direcionado para o seu rosto. Ele se sentia lento, e a sensação aumentou quando uma cotovelada atingiu seu nariz, fazendo o sangue escorrer.
Sua visão escureceu sob a sombra que pairava acima dele. E uma voz quente, nada doce, nada reconfortante, nada como ela, soou com um timbre doloroso:
— Espero que você arda nas profundezas do inferno. — ela sussurrou, a raiva transparecendo em cada palavra, e então o estampido ecoou.
Ele não sentiu dor. As batalhas sangrentas que havia enfrentado na Cidade Mágica o livraram desse fardo. Também não sentiu medo. A visão de sua vida passando diante dos olhos antes do fim não aconteceu. O que sentiu foi alívio. Um abraço imenso das sombras que silenciou todas as vozes ao redor.
Os sonhos se calaram. Os fragmentos de ilusões descontroladas desapareceram. Não havia mais fantasia, não havia mais magia. E de repente, pela primeira e última vez, Min sentiu que realmente se tornara um adulto.
E partiu com um sorriso no rosto.




FIM.


NOTA DA AUTORA > Oiê!
finalmente FINALMENTE esse surto aqui sendo compartilhado com o mundo de novo, bem revisadinho e bonitinho. eu amo essa fic de paixão, ela é muito importante pra mim em vários aspectos, principalmente pra me mostrar o quanto eu gosto de escrever fantasia ou plots sem pé nem cabeça rs. de qualquer forma, espero que vc curta essa epopeia!
obrigada por ter lido até aqui, e me segue no insta! (@sialversion)
beijos,
Sial ఌ︎


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