━Autora Independente do Cosmos.
Encerrada ✔️
Até o cheiro daquele mar era distinto. Parecia físico. Único. Rebatia todas as afirmações que falavam sobre a similaridade dos oceanos.
Não existia mar como o de Bondi Beach. Não existia areia como a das Ilhas Whitsunday. E não existia melhor lugar para se criar memórias.
Aquele mar foi feito para implantar saudade. Inventou a falta de sentir falta.
— Eu sei que você está doida para ir. — disse a voz distante de Ginger, invadindo lentamente o torpor de concentração da amiga, soando como lugares sombrios, tirando-a do sol. — Mas precisamos desfazer as malas.
acordou da visão, notando que o carro estacionou. A maresia e seu excesso de umidade grudavam seus fios um no outro e a mesma pousada de madeira continuava estacionada no mesmo lugar, com o mesmo letreiro.
Ela não pode segurar o sorriso.
— Consegue sentir esse cheiro? — seus olhos brilharam em direção ao lugar. A familiaridade tinha cor e forma. Eram os elementos de sua saudade saindo dos cenários imaginários e ganhando vida. Assim como o pão, o bolo de laranja e o inconfundível café de Spike.
Algo subiu rastejando muito lentamente pela nuca de Ginger, atestando o mesmo sentimento e palavras que vinham de : a mesmice era boa. Mesmice tinha cheiro de casa, de juventude, de felicidade. Era a maior verdade que passeava até mesmo por dentro de sua pele.
já sentia a mesma coisa antes mesmo de colocar as roupas na mala, bem distante, lá em Queensland. Era um rastejar tão insanamente real que ela sentiu uma vontade enorme de lhe dar um tapa ou arranhá-lo, porque precisava conter a animação para não encher a paciência de Ginger na estrada de 5 em 5 minutos.
Lá dentro, era impossível fingir que nunca esteve naquela casa. Todos os ladrilhos eram os mesmos, assim como as flores e os adereços nas paredes. Cada mísera pessoa que cumprimentou revelava o que tinha deixado para trás. O que deixava todos os anos, em todos os verões. Dezenas de dezembros e janeiros condensados em braços e sorrisos que tinham cheiro de maresia, cheiro de Sydney.
E então, no mesmo quarto reservado do segundo andar, outro odor se tornou presente e palpável. Era o cheiro dele.
não queria pensar sobre isso, mas pensou.
E Ginger também. E se apressou a entrar no espaço dotado da mesma decoração do ano passado, olhando para a garota estática e embalada em suspiros. Devia sair, mas também devia ficar. O assunto não era grave, só era apreensivo. Ginger não queria deixar ali se algo a tivesse possuído, algo tão grudento quanto a imagem dele.
— Estou aqui. Você sabe, né? — disse com um sorriso cúmplice, solícito. Ginger nunca se estendia muito quando demonstrava apoio. Algumas pessoas eram boas por natureza; uma característica tatuada nas raízes do próprio ser. E as de Ginger eram longas, muito longas.
assentiu, envergonhada de repente pela cena sem razão e apressando-se em começar a arrumação.
Ginger a observou por alguns segundos e então perguntou:
— Qual é o nome daquele bar na frente do quiosque 22 mesmo?
Ocorreu a que ela não tinha exatamente certeza sobre do que a amiga falava, mas quando viu, sua boca já se mexia em um tom convincente o bastante:
— Amaremotos. — ela arrancou uma pilha de blusas atrás da outra, depositando todas em cima da cama, distraída. — É um jogo de palavras com amar + maré + motos. Lembra?
— Puts, é claro. O bar de motoqueiros. — Ginger deu um pequeno tapa na testa. riu, sem olhar para o seu rosto. — É lá que estão marcando de se encontrar hoje à noite.
sentiu a agitação da antecipação antes mesmo de ponderar sobre o assunto. Virou a cabeça, molhando um pouco os lábios.
— Prefiro o Vanguarda. — mentiu, mesmo que não fosse capaz disso. No fim, não adiantaria muito. Ele estaria em todos os lugares.
— Você vai preferir onde todos possam vê-la. — Ginger levantou os ombros como um ponto final, e não teve argumentos. Nunca tinha. Aquele em que estava pensando não era nem um pouco válido. — Dizem que ele está no Havaí. Competindo. São muitas e muitas horas daqui pra lá.
Havia definitivamente algo se movendo no pequeno espaço do estômago de . Era um efeito tão tosco e transparente diante de um nome que nem foi citado. Diante de uma imagem que alugava um espaço amplo em sua cabeça. Diante de um resquício que não tinha sido eliminado das paredes daquele quarto.
Aqueles olhos castanhos refletiam cores e sensações que não eram parte do cotidiano de uma pessoa comum. Talvez por isso fosse tão inesquecível.
— Não esquenta. — ela murmurou, se desfazendo daquela nuvem de lembranças que cheirava a sal, maresia e erva boa.
Um cara que falava, se deslocava, ria, se movimentava em um padrão completamente diferente do que estava acostumada. E era tão quente como a própria chama que acendia no cigarro.
— Não vou. Olivier mandou uma mensagem. — Ginger introduziu, preocupada de começar a suspirar e ter arrepios com a imagem do cara. — Quer tomar um café antes de vir. Pediu para buscá-lo em Newcastle. Você se importa?
negou com a cabeça.
— Sou invisível.
Ginger riu. Era o modo que falavam quando queriam dizer que algo não importava. Ser invisível também era estar em todos os lugares. E não importava se, olhando de fora, parecesse algo bruscamente autodepreciativo.
— Ahhhh. Tudo bem. — suspirou, andando até a porta. — Dê um passeio. Volto às 4.
Ginger saiu antes que pudesse dizer: “Quem é você e por que vai voltar tão cedo estando com Olivier?”, mas era melhor não perguntar e colocar duas cabeças refletindo no mesmo espaço. Reflexões que não tinham que acontecer naquele momento, e muito menos perdurar.
Afinal, era verão.
As ondas estavam muito altas e finas, rompendo-se fácil, o que certamente chamaria de dia mais ou menos.
Estendendo o conceito para o céu, aquela frase não se aplicava. Estava lindo, limpo, azul com o sol em evidência. Iluminava cada rosto deitado na areia, sorrindo no mar e até mesmo por debaixo de bonés e chapéus. Para , as pessoas mais felizes eram aquelas que se expunham à Estrela formosa no céu e aceitavam o bom da vida.
Passar o verão assim era parte de sua realidade há cinco anos, naquele mesmo lugar. E, por mais que amasse cada centímetro de Bondi Beach, e toda a mesmice que trazia, essa rotina tinha sido burlada bruscamente por um cara anti-rotinas. Anti-monotonia, que dizia e vivia todos os dias como uma grande aventura.
O tom matreiro de podia ser ouvido de cara poro daquela areia agora. Lembrando, instigando a memória de . A praia era tão linda com ele. Ele, com aquela pose e tom sagaz e malicioso, tirando toda a vontade de de querer olhar para trás.
Naquele dia, ela e olharam para o pôr-do-sol sem desviar a visão da luz e da vela de um barco que se perdia no horizonte. Temiam que o sol não os tocasse mais se lhe dessem as costas. Temiam tantas coisas naquele verão que permaneciam em silêncio a maior parte do tempo, pensando que, assim, certas questões desapareceriam.
— Onde você está agora? — perguntou quando ouviu-o tragando pela terceira vez. Fazia o processo muito devagar, mantendo os olhos fechados.
— No caminho para Tulum. — respondeu pacificamente, com a respiração solta e delicada pelo nariz. — Ou Brasil. Portugal também é ótimo, dizem os veteranos, mas é Portugal. — rosnou ao pontuar. soltou uma risada, virando-se para seu rosto automaticamente. Ele abriu os olhos, e a fumaça que saía de sua boca formava uma nuvem entre seus rostos.
Aqueles olhos vermelhos já eram parte do cenário escarlate do poente.
sentia arrepios lhe alfinetando os braços a cada vez que se lembrava daqueles olhos, mesmo um ano depois. Arrepios rápidos e dolorosos, porque ficar presa em questões do passado nunca foi uma opção, por melhores que tenham sido.
Ele a ofereceu o baseado, que já estava aceso em meia-luz, e ela aceitou, tragando enquanto prendia a respiração de forma visível, travando a fumaça na garganta por cinco segundos até soltá-la. Ela o devolveu porque não passava disso. Ele fez mais uma vez porque só funcionava assim.
— Sabe de uma coisa? — continuou ela, voltando a olhar para a frente. — Portugal é legal. Quero fazer um desfile lá um dia.
— Então que seja perto de Algarve. — ele soprou a fumaça novamente, a nuvem de sua respiração agora se partindo pelo vento. — Que seja perto de mim.
virou a cabeça com menos sorriso e mais peso nos olhos. Era verdade. Todos os músculos de seu corpo atestavam a veracidade das palavras de , de todas elas. Ainda assim, sentiu como se algo físico estivesse subindo da água do mar e indo em sua direção para romper algo em seu coração.
As questões ignoradas durante toda a estação.
— Você é de lá e eu de cá. — refutou em voz baixa, também submersa em verdade dolorosa. — No futuro, a geografia não está a nosso favor.
— No futuro, o futuro se resolve. — os ombros dele se aproximaram, assim como o queixo inclinado. — Agora, você é de aqui e eu de aqui.
demoraria muito tempo para esquecer essa frase.
Avançando com ímpeto, ela deu um pontapé em toda razão vazia e futuro sem fundamento e o beijou de novo, como tinha feito das vezes anteriores, como gostava de fazer quando estavam sozinhos, como quis fazer desde que viu o rosto novo que conheceu chutando terra para proteger uma colônia de caranguejinhos de praia que tinham sido vítimas do mar revolto da maré alta.
Esse cara novo, estranho e diferente. Mais diferente do que todos os outros. Seu grande amor de verão.
A lembrança se apagou com a visão da praia cheia.
Houve um minuto de completa escuridão mental na cabeça de . A maresia sussurrava em seus ouvidos e fazia o convite que tanto esperou receber, presa em um escritório há centenas de quilômetros dali. Não havia nenhum ruído externo que a tirasse dessa concentração. Evitar lembrar de na cidade era coerente, necessário. Mas quando tomava um suco de frutas, ou bebia água com limão e hortelã, era como se as janelas e os prédios à sua volta não existissem mais e ela voltasse para as férias em Sydney.
Apesar da falta de silêncio, se despiu da saída de praia e correu para a água, sentindo a necessidade aflorando em sua pele. E ali, submersa, não sentiu falta dele. Lembrou, mas não sofreu. E era exatamente isso que queria. Que, mesmo com o fim próximo e totalmente inevitável, a singularidade da vida individual era a coisa mais importante desse mundo. Mas os dois teriam a Austrália, teriam o mar de Bondi Beach e teriam o poente avermelhado, tão vermelho quanto os olhos dele.
Saudade não era um sentimento terrível. Não doía como diziam. O que doía era o arrependimento, a constatação da impossibilidade de voltar no tempo. Por isso ele dizia: viva e vença. Agora, você é de aqui e eu sou de aqui.
O Amaremotos era como uma bolha.
O espaço era facilmente dividido por turistas, nativos e as jaquetas pretas dos motoqueiros que não se incluíam em nenhuma das opções anteriores. Antigamente, pensava que eles emanavam poses furiosas e perigosas, mas essa ignorância morreu a partir do momento em que se abriu para 5 minutos de conversa.
Ela acenou para a aglomeração em couro na porta e entrou na fortaleza junto com Ginger e Olivier.
Agora tinha vidro em volta do balcão. As luzes permaneciam baixas e coloridas, atentando-se mais para o roxo e azul, e na jukebox ainda tocava uma mistura de metal e músicas em alta, independente do gênero. Olhando de fora, o Amaremotos era literalmente uma bagunça de som, decoração e clientela, mas também informava que não havia nada que não pudesse entrar naquele estabelecimento. Era a beleza da desordem.
A mesa de sempre parecia intocada, segundo o contato de Olivier. Era como se Douglas, o dono do lugar, passasse uma faixa amarela todo verão em torno dela, ou gravasse o nome do grupo com tinta spray na parede atrás. Era deles e apenas deles, não importava a lotação.
— Se não tocarem Creedence Clearwater, nossa noite vai ser longa. — Olivier já abria a carteira para pegar algumas moedas e colocá-las na mesa. Have You Ever Seen the Rain já era um clássico do grupo. Ginger revirou os olhos enquanto apenas riu. Olivier tinha o costume de reclamar do que os outros normalmente não reclamavam. Mas também costumava elogiar quando outros não tinham coragem para isso. — Não me olhe assim, Ginger, a inconveniência é cortesia de quem é de casa.
Ele se levantou quase ao mesmo tempo em que o celular de apitava e avisava sobre a chegada dos demais. Disseram que estariam no bar em 10 minutos e realmente estavam. Em Bondi, era fácil andar a pé e no seu tempo, com calma, passeando pela orla enquanto curtiam a brisa fresca.
Quando Louise chegou, trouxe com ela o mesmo grupo de todos os anos, que alugavam a casa grande na Hall Street. Uma galera animada que estava ali bem antes de começar a passar suas férias. E todos literalmente chegaram aos risos e acenos, transbordando a alegria sazonal.
Todos. Incluindo .
Antes que o grupo se aproximasse da mesa, Olivier os viu primeiro, assim como Ginger. Não levou nem dois minutos para que também os visse, já que Louise continuava linda e bronzeada como sempre, o que chamava a atenção especialmente neste ano pelo cabelo loiro platinado, e quando se achegavam devagar, Olivier voltou depressa.
— Merda. — estalou a língua, frustrado. Ginger abriu e fechou a boca várias vezes ao ver o rapaz alto e igualmente beijado pelo sol, com as novas e velhas tatuagens expostas nos dois braços.
Todos os exercícios visuais que havia passado a si mesma para se proteger da saudade e da imagem de não foram nada em comparação com a voz de Ginger quando disse:
— Porra de Havaí!
O grupo não a ouviu, mas logo viram. E os passos de ficaram mais lentos e não havia mais nada em seu sorriso.
Os arrepios de desapareceram tão rapidamente quanto apareceram e ela ergueu os braços para acenar. Esboçava um sorriso de boas vindas, um amigável o suficiente para que ele sorrisse também e se aproximasse para cumprimentar a todos, lentamente.
Quando chegou em sua vez, Ginger se ergueu para abraçá-lo, distante dos pensamentos alheios. O cheiro dele continuava a mesma coisa: a mistura familiar de sal, menta e baseado. Afastando-se, ela ajustou os olhos em seu rosto. Não havia um único traço diferente do ano passado. O cabelo ainda era bagunçado, a barba pedindo atenção e o brilho nos olhos de quem era feliz e relaxado o tempo inteiro. Talvez nesta última parte, tenha visto o brilho ficando mais forte a cada segundo, como se a luz tivesse escorrido de volta para o mundo.
— Bom te ver. — ele disse com a respiração pesada. Seu sorriso era imenso.
— Não imaginei que te encontraria aqui. Achei que estivesse surfando no Havaí. — espichou o olhar rapidamente para Olivier, que encurtou os ombros e fingiu estar prestando atenção no que Louise dizia.
— Eu estava. Mas ainda teria algum tempo antes da competição, e não queria deixar passar a tradição de Sydney.
— Entendo…
— Não acredito! — agora Gertie soltou um grito, apontando para Aldo do outro lado da mesa, que travou o braço com o chopp a meio caminho dos lábios. — Você se ajoelhou e a pediu em casamento?
Foi o bastante para desfazer a fumaça dos reencontros e colar a bunda de todos nas cadeiras, prontos para ouvir a grande novidade da vez.
De vez em quando, e se olhavam por cima do tampo. E de vez em quando alguém reparava nisso. Era de conhecimento geral o lance ocorrido no verão passado, e também era sabido que ninguém tinha nada a ver com sentimentos alheios, mesmo que a química tivesse sido tão forte que foi como se todos se envolvessem por tabela.
Mas ninguém estava lá naquela última manhã, quando ela estava deitada nos braços dele, esperando o fim chegar. A constatação de continuidade da vida, independente de qualquer coisa, era linda e amarga ao mesmo tempo. Foi linda durante todo aquele ano, a partir do momento em que chegou à sua cidade natal. E foi amarga todas as vezes que se lembrou do que sussurrava em seu ouvido antes de caírem no sono.
Por um momento, quis que ele soubesse disso, mas de uma forma diferente. Não com intuito de repetir, mas intuito de deixá-lo saber que foi importante. Que torceu por ele todos os dias desde que foi embora no fim do verão. Que torcia constantemente para o seu sucesso, e que nada do que aconteceu foi em vão. Que a forma de seu queixo e suas mãos seriam sempre boas lembranças quando fossem lembradas.
Mas estar com os amigos era melhor. A vibe de casa e aconchego que as pessoas e Sydney significavam era o verdadeiro motivo para fazer as malas e passar o janeiro. Um amor de verão era bom, mas o amor estava espalhado em cada esquina e sorriso daquela estação, daquela cidade.
Então, quando brindaram, soube que tudo ficaria bem, mesmo que os amigos se preocupassem com seu coração. Por favor, seja menos , sempre diziam quando a garota tinha dificuldades explícitas de falar sobre o que a incomodava. Por favor, seja menos .
Mas esse ano ela seria ainda mais . Porque sentia verdadeiramente que tinha superado aqueles belos olhos vermelhos, e estava pronta para o que a temporada traria de velho e de novo.
FIM.
Nota da autora: Olá! Espero que você tenha gostado, e obrigada pela sua leitura. Até a próxima!
beijos,
Sial ఌ︎
beijos,
Sial ఌ︎
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